Experiência interdisciplinar de pós-graduação (design x · A realização do trabalho foi...

13
Revista Design em Foco ISSN: 1807-3778 [email protected] Universidade do Estado da Bahia Brasil Kindlein, Wilson; Oderich, Ana Lúcia; Cestari Pureza, Julio César; Tiburi, Fabio; da Silva Junior, Wilson Fogazzi Experiência interdisciplinar de pós-graduação (design x engenharia): estudo de caso do design de utensílios domésticos a partir de estudos de cerâmica Guarani Revista Design em Foco, vol. III, núm. 1, janeiro-junho, 2006, pp. 51-62 Universidade do Estado da Bahia Bahia, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=66130105 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

Transcript of Experiência interdisciplinar de pós-graduação (design x · A realização do trabalho foi...

Revista Design em Foco

ISSN: 1807-3778

[email protected]

Universidade do Estado da Bahia

Brasil

Kindlein, Wilson; Oderich, Ana Lúcia; Cestari Pureza, Julio César; Tiburi, Fabio; da Silva Junior,

Wilson Fogazzi

Experiência interdisciplinar de pós-graduação (design x engenharia): estudo de caso do design de

utensílios domésticos a partir de estudos de cerâmica Guarani

Revista Design em Foco, vol. III, núm. 1, janeiro-junho, 2006, pp. 51-62

Universidade do Estado da Bahia

Bahia, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=66130105

Como citar este artigo

Número completo

Mais artigos

Home da revista no Redalyc

Sistema de Informação Científica

Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal

Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

51

Revi

sta

Desi

gn e

m F

oco

• v.

III

nº1

• Ja

n./J

un. 2

006 Experiência interdisciplinar de pós-graduação (design x

engenharia): estudo de caso do design de utensíliosdomésticos a partir de estudos de cerâmica GuaraniInterdisciplinary experience of postgraduate (design xengineering): case study on design of domestic utensils fromGuarani ceramics studies

ResumoUma das tendências mundiais do design é a recuperação da memóriahistórica através da criação de produtos aportando elementos estéticosde outros tempos com uma nova visão. Seguindo esta linha, foramrealizados, na Disciplina de Design e Seleção de Materiais do Programade Pós-graduação em Engenharia de Minas, Metalúrgica e deMateriais, no Mestrado e Doutorado da UFRGS, estudos sobre a arteGuarani originária do RS, (experiência interdisciplinar “design xengenharia”). Foi empregada a seguinte metodologia: análise dascaracterísticas dos fragmentos encontrados no Sítio ArqueológicoGuarani da Ilha Francisco Manoel/RS; caracterização destesfragmentos por Difração de raios-X; obtenção de informações atravésda análise DTG (Análise Térmica Diferencial) e TGA (Análise TérmicaGravimétrica); obtenção de uma representação digital utilizando umscaneamento 3D a laser de fragmentos encontrados; geração de idéiase design de utensílios domésticos produzindo uma recuperação, nãolimitadora e sim abrangente, de formatos, cores, técnicas, efeitostradicionais e execução de protótipo a partir da releitura realizada.

AbstractOne of the global/world design trends is the recovery of history me-mory through the creation developing esthetic elements from anothertime as a new vision. Following this line, it had been developed,through the discipline Design and Materials Selection in the Programof Postgraduate in Mines, Metallurgic and Material Engineering onMaster and Doctor of UFRGS, some studies about the “Guarani”Art originated of Rio Grande do Sul State, (interdisciplinaryexperience “design x engineering”). The following methodology wasused: analysis of the characteristics of the joined pieces at theArchaeological small farm Guarani of the “Francisco Manoel” Island;characterization of these pieces for X- rays Diffraction; attainmentof information through the DTG analysis (Distinguishing ThermalAnalysis) and TGD (Gravimetrical Thermal Analysis); attainmentof a digital representation using a 3D laser scanner in the fragmentsfound; generation of ideas and domestic utensils design, providing arecovery, not limited but ample about shapes, colors, techniques,traditional effects and prototype execution from the reread made.

Palavras-chaveDesign x Engenharia, Interdisciplinaridade, Método Didático,Fronteiras do Design.

KeywordsDesign x Engineering, Interdisciplinary, Didactic Method, Bordersof Design.

Sobre os autores:

Wilson Kindlein JúniorProf. Dr. Coordenador do

Laboratório de Design eSeleção de Materiais da Escola

de Engenharia daUniversidade Federal do Rio

Grande do Sul (LdSM/UFRGS). Pós-Doutor em

Design Industrial e Doutor naárea de Engenharia dos

Materiais.

Ana Lúcia OderichLicenciada e Bacharel em

Artes Plásticas (UFRGS), comespecialidade em desenho derevestimento pela Escuela de

Artes Aplicadas y OficiosArtísticos de Catellón,

Espanha. Mestranda emEngenharia de Materiais pelaUFRGS e bolsista voluntária

do LdSM/ UFRGS.

Julio César Cestari PurezaGraduado em EngenhariaMetalúrgica e Mestre pelo

Programa de Pós-Graduaçãoem Engenharia de Minas,

Metalúrgica e de Materiais daUFRGS. Atua como diretor da

SULFRAX IsolamentosTérmicos, desde 1996.

Fabio TiburiGraduado em Engenharia

Mecânica pela Universidade deCaxias do Sul e Técnico emAutomação Industrial com

Ênfase em Fabricação, peloCentro Tecnológico de

Mecatrônica de Caxias do Sul.

Wilson Fogazzida Silva Junior

Mestre em Engenharia deMinas, Metalúrgica e de

Materiais (UFRGS).Graduação em Engenharia

Metalúrgica (UFRGS).

Revi

sta

Desi

gn e

m F

oco

• v.

III

nº1

• Ja

n./J

un. 2

006

52

1. Contextualização prática da pesquisaSabendo da importância de promover a sinergia entre as áreas deconhecimento nas Universidades, e para diminuir o “gap” ali exis-tente, os professores, através de suas disciplinas (e por estarem emposse dos meios), deveriam integrar alunos de várias áreas a fim derealizar um trabalho com equipes interdisciplinares. A Disciplinade Design e Seleção de Materiais, do Programa de Pós-graduaçãoem Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais, no Mestradoe Doutorado (PPGEM) da Universidade Federal do Rio Grande doSul (UFRGS) preconiza e valoriza estas ações através da didáticaem sala de aula, formando grupos de trabalho de diferentes áreas(design, engenharia, arquitetura etc.).

No último trimestre de 2005, nesta disciplina, a ação conjunta entreestudantes em um dos grupos de trabalho, composto por umadesigner e quatro engenheiros de distintas áreas da engenharia,desenvolveu o trabalho de criação de utensílios domésticos tendocomo base um estudo da Cerâmica Guarani, envolvendo análisestécnicas, renderização das amostras disponíveis, criação virtual deuma peça similar e, principalmente, a proposição de produtos quereuniram todas essas características em seu projeto.

A decisão da escolha do tema a ser desenvolvido baseia-se na deman-da constante de novos produtos e na tendência do mercado contem-porâneo em adaptar-se a um novo tipo de vida moderna, compostopor grupos étnicos (nicho) com identidade complexa e fragmentada,gerando uma redefinição do eu, o que se torna uma oportunidadede transcender limites tradicionais.

Com o propósito de acompanhar esta tendência contemporânea, ogrupo interdisciplinar envolvido na disciplina buscou, no estudo deutensílios domésticos da Cerâmica Guarani, a recuperação da memó-ria histórica visando transpor informações estéticas da época parauma visão contemporânea, com tecnologia inovadora.

A realização do trabalho foi organizada de modo que cada membrodo grupo ficasse encarregado de um determinado assunto e que todosficassem a par do que cada um havia pesquisado e desenvolvido.Um dos alunos ficou encarregado de buscar a argila nas jazidasnaturais nas regiões próximas da ilha Francisco Manoel, com afinalidade de obterem-se informações para comparação com ofragmento encontrado no sítio Arqueológico da ilha. Obtém-se asargilas nas olarias da região. Assim, foram conseguidos aproxima-damente quatros quilos de argila para a confecção do protótipo(Figura 30). Essa amostra foi encaminhada para o laboratório paracaracterização. As argilas encontradas ao redor do lago do Guaíbanão são homogêneas, sendo de origem cauliníticas com aporte dematerial basáltico, em razão da lixiviação histórica. Apesar da nãohomogeneidade de composição química, apresentam em geral a corvermelha após a queima.

Um outro aluno ficou encarregado de fazer os ensaios de DTA eATG e suas devidas análises, chegando à conclusão que ambos os

53

Revi

sta

Desi

gn e

m F

oco

• v.

III

nº1

• Ja

n./J

un. 2

006 gráficos das amostras apresentam o mesmo comportamento, com

uma banda endotérmica entre aproximadamente 150°C a 450°C,provavelmente devido à perda de matéria carbonosa e combustãoda matéria orgânica, presente na massa cerâmica. A perda de massada amostra 1 (Figuras 12, 13 e 14) encerra-se em aproximadamente600°C com 6,0%, enquanto a amostra 2 (Figuras 15 e 16), a 550°Ccom aproximadamente 7,8%. O mesmo comportamento das curvasreforça a observação visual da semelhança dos processos de queimaao quais os fragmentos foram submetidos.

Um terceiro aluno ficou encarregado de trabalhar com o softwarepara o tratamento do arquivo recebido em STL. De posse destesdados, um quarto aluno do grupo (designer) ficou encarregado depesquisar as técnicas de construção cerâmica utilizadas pelos Gua-ranis e a criação do Design dos utensílios domésticos com sua devi-da execução em argila.

2. Introdução históricaDando início ao trabalho, foi feito um levantamento histórico dacerâmica Guarani e da população da tribo. Segundo a Revista deArqueologia (2001-2002), o Rio Grande do Sul pertence à antigaregião do TAPE, constituída pela zona oeste do Rio Uruguai, dassuas fontes até o rio Ibicuí; pela região da Serra dos Tapes, hojeestado do Rio Grande do Sul e pela zona costeira do Atlântico.

Já na metade do século XVIII, os indígenas não ocupavam mais azona metropolitana de Porto Alegre, sendo que, após 1750, os únicosindígenas presentes na cidade e arredores foram 2500 transmigradosdas Reduções para a cidade de Gravataí/RS.

Apesar da existência de vários sítios na região de Porto Alegre eredondezas, poucos dados sobre a ocupação indígena estão disponí-veis, pois muitos historiadores presumiram que os sítios pré-histó-ricos tinham sido destruídos e poucos projetos nesta direção foram

efetuados. Hoje, segundoOliveira (2005), há váriasindicações de sítios arque-ológicos existentes; asmesmas podem ser obser-vadas no mapa apresenta-do na Figura 1.

Figura 01 - Mapa domunicípio de Porto

Alegre e arredores –localização de sítios

arqueológicos.Oliveira (2005).

Revi

sta

Desi

gn e

m F

oco

• v.

III

nº1

• Ja

n./J

un. 2

006

54

3. Sitio Arqueológico da Ilha Francisco ManoelEm contato com a arqueóloga Fernanda Tochetto, foi-nos possívelanalisar fragmentos originários da Ilha Francisco Manoel no sítio“RS-C.71”, situada no rio Guaíba (zona sul de Porto Alegre - a 35km do centro de Porto Alegre - em frente à ponta dos Coatis, ao suldo Belém Novo).

4. Identificação dos FragmentosTais fragmentos foram coletados na Ilha FranciscoManoel em escavações efetuadas em janeiro de 2000, coor-denadas pela Arqueóloga Patrícia Laure Gaulier, da Uni-versidade Federal do Paraná, contando com alunos devárias instituições, como UFRGS, PUCRS e FAPA, sendoque os materiais encontram-se no Museu JoaquimFelizardo, Porto Alegre, e os detalhes descritivos da pes-quisa arqueológica foram apresentados na Revista deArqueologia (2001-2002). As Figuras 2 e 3 apresentam ofragmento na sua vista externa e interna, permitindo aobservação das diferenças entre as duas superfícies.

4. Observação VisualObservando a superfície destes fragmentos, verifica-seuma coloração marrom avermelhada, típica de algumasargilas ferruginosas. Já com um exame mais detalhado,observa-se a ocorrência de grãos, provavelmente deorigem arenosa, além da existência de regiões comcoloração avermelhada (Figura 4).

A coloração na cerâmica varia conforme os componentesdas argilas, os processos e a temperatura de queima. Nor-malmente as queimas cerâmicas indígenas eram realiza-das em orifícios feitos no chão, onde as peças eram colo-cadas juntamente com a lenha. Estas queimascostumavam ter uma temperatura não muito alta paraos padrões cerâmicos atuais e também apresentavamalguns problemas. Observando a Figura 5, pode-severificar no interior da peça a existência de materialcarbonoso (cores escuras), caracterizando assim umaqueima heterogênea.

Quanto à decoração em si, pode-se observar, na superfícieexterna, uma textura originária do processo deconstrução cerâmico que podemos enquadrar como sendo“CORRUGADO IMBRICADO” podendo este servisualizado na Figura 6.

Enquanto na parte externa da peça há certa textura, naparte interna, a superfície, para uma melhor utilização,é lisa e brilhosa (Figura 7), provavelmente devido à apli-cação de uma camada fina de “barbotina” – entende-sepor barbotina uma pasta argilosa em “consistência deiogurte” e com uma granulometria muito fina.

Figura 06 – AcabamentoCorrugado Imbricado –“Cerâmica Guarani” Pág.49.

Figura 05 – Detalhe internoapresentando regiões de coloraçãonegra (material carbonoso) –queima heterogênea.

Figura 02 – Vista externa dofragmento de cerâmica Guarani.

Figura 07 – Aspecto liso e brilhosodo fragmento de cerâmica Guarani.

Figura 03 – Vista interna dofragmento de cerâmica Guarani.

Figura 04 – Detalhe de Grãos naMassa da cerâmica Guarani.

55

Revi

sta

Desi

gn e

m F

oco

• v.

III

nº1

• Ja

n./J

un. 2

006 Analisando os fragmentos, calcula-se que, pela semelhança

da borda de uma vasilha, pode ser caracterizado comoYapepó (SALVIA e BROCHADO, 1989, pág 129). Na Figu-ra 8, apresenta-se a foto de um Yapepó1 Mini.

5. Estudos das técnicas utilizadas pelo GuaranisA técnica aplicada no processo de fabricação destesfragmentos consiste em confeccionar rolinhos de aproxima-damente 10 a 20 mm. Estes rolinhos são depositados unssobre os outros, sendo unidos com a criação de superfíciesarranhadas onde este contato se dá, melhorando assim aaderência entre as partes. Com a utilização da “barboti-na”como cola entre os rolos reforça-se ainda mais esta uniãoentre eles. Nos rolos é aplicada uma leve pressão para uni-los. Na seqüência de figuras 9, 10 e 11 são apresentadosalguns detalhes desta técnica.

O acabamento externo da peça é feito enquanto se estáconformando a peça em si. Este acabamento está direta-mente ligado ao processo de confecção do objeto. Já o trata-mento interno consiste numa técnica chamada de “bru-nido” que consiste em esfregar uma pedra polida na argilaquando está em “ponto de couro” (seca superficialmente ecom umidade interna) até obter-se a superfície lisa pelaredução da porosidade, tornando-as mais higiênicas, nouso de armazenagem de água e alimentos.

6. Análise TécnicaPassada a fase da análise visual dos fragmentos e tiradasas devidas conclusões, segue-se para a próxima etapa, queconsiste em uma análise técnica utilizando-se três amostras:duas amostras de fragmentos coletados no sítio arqueoló-gico e uma amostra da argila coletada na região sul da cida-de de Porto Alegre, local próximo ao sítio arqueológico.

Os fragmentos analisados não são os mesmos da peça utili-zada para a reprodução digital, porém pertencem ao mesmo sítiopesquisado. As três amostras foram submetidas à caracterizaçãomineralógica através da análise de difração de raios X, com a finali-dade de obterem-se informações sobre as argilas utilizadas.

Os ensaios de DTA (Análise Térmica Diferencial) e TGA (AnáliseTérmica Gravimétrica) tiveram por finalidade obter informaçõessobre o comportamento térmico dos fragmentos com a variação detemperatura.

6.1 Amostra 1 – Fragmento ArqueológicoNa amostra 1, percebe-se que a superfície externa é lisa, de coravermelhada com presença acentuada de material não plástico(grãos) e núcleo com material carbonoso. Isto pode ser observadonas Figuras 12, 13 e 14, que apresentam detalhes da amostra 1.

1Yapepó – de IA-calabaço(de I=Água+YA=fruta)

+PEPO=aba, borde ou deTAPEPO – supõe que vai

ao fogo - Refere-se àspanelas utilizadas para

cozinhar, as quais tambémserviriam para guardar

água. A superfície lisainterna reforça esta

possibilidade.

Figura 08 – Yapepó Mini [Referên-cia CERÂMICA – GUARANI].

Figura 11 –Técnica deRolinho (c) Christy (1993).

Figura 09 –Técnica deRolinho (a) Christy (1993).

Figura 10 –Técnica deRolinho (b) Christy(1993).

Revi

sta

Desi

gn e

m F

oco

• v.

III

nº1

• Ja

n./J

un. 2

006

56

Figura 14 – Vista lateral daamostra 1, destacando a presençade matéria carbonosa.

6.2 Amostra 2 – Fragmento ArqueológicoNas imagens subseqüentes da amostra 2, Figuras 15 e 16, observa-se uma superfície externa escamada, de cor marrom avermelhada,com ausência de material não plástico (grãos – diferente da amostra1) e núcleo com material carbonoso.

A presença de núcleo com materialcarbonoso no interior da peça é conhe-cida como um fenômeno chamado “co-ração negro”. De acordo com Damiani(2005), o “coração negro” consiste emuma região escura (geralmente cinza)que se estende paralelamente à face epróxima a meia altura da espessura, aolongo da peça. A região escura geral-mente desaparece nas proximidades das

bordas da peça. A origem do coração negro está associada à presençade compostos de carbono (matéria orgânica) e óxidos de ferro nasargilas.

Através da análise das Figuras 17 e 18,podem-se observar com maior detalhea porosidade na região interna daamostra 1 e o material carbonoso daamostra 2, respectivamente.

A observação dos fragmentos, enviadospara análise, permite concluir que nãopertencem à mesma peça, pois apresen-tam acabamentos superficiais diferen-

tes e quantidades diferentes de material não plástico. A presença dematerial carbonoso no interior da peças sugere que as mesmas foramsubmetidas a queimas semelhantes.

6.3 DTA e TGAAs análises Termogravimétricas (TGA) e Térmica -diferencial (DTA)realizadas foram feitas numa termobalança da marca METLERTOLEDO, modelo TGA/SDTA 851E. Os fragmentos foram subme-tidos, na análise termogravimétricas (TGA) e térmica diferencial(DTA), a uma taxa de aquecimento de 10 Kelvin/minuto, em umintervalo de 50 a 900°C.

Os resultados da análise térmica diferencial das amostras 1 e 2 sãoapresentados nas figuras 19 e 20 respectivamente.

Figura 12 – Vista interna daamostra 1 com identificação dosítio arqueológico.

Figura 13 – Vista Externa daAmostra 1, destacando apresença de não “plásticos”.

Figura 15 – Vista interna daamostra 2 com identificaçãodo Sítio arqueológico.

Figura 16 – Vista externada amostra 2 destacando aforma escamada.

Figura 17 – Foto da regiãocentral da amostra 1(Aumento 20 X).

Figura 18 – Foto da regiãocentral da amostra 2(Aumento 20 X).

57

Revi

sta

Desi

gn e

m F

oco

• v.

III

nº1

• Ja

n./J

un. 2

006

Figura 21- Difratograma da amostra 1- Coletadana parte externa do fragmento Arqueológico.

Figura 22- Difratograma da amostra 2 – Coletadano Interior do Fragmento Arqueológico.

Através da observação dos gráficos constatamos que ambos apre-sentam o mesmo comportamento, com uma banda endotérmica entreaproximadamente 150°C e 450°C, provavelmente devido à perdade matéria carbonosa e combustão da matéria orgânica presente namassa cerâmica.

A perda de massa da amostra 1 encerra-se em aproximadamente600°C com 6,0%, enquanto a amostra 2, a 550°C com aproximada-mente 7,8% de perda. Com a constatação da apresentação do mesmocomportamento das curvas reforça-se a observação visual inicialda existência de semelhança dos processos de queima aos quais osfragmentos foram submetidos. Em ambos gráficos não há a ocorrên-cia de outros picos ou inflexões significativas.

6.4 Difração de Raio-XAs análises mineralógicas das matérias-primas foram executadas pormeio de difratometria de raios X, em um equipamento ShimatzuWDS. Estas difrações foram realizadas nos dois fragmentos arqueo-lógicos e na argila coletada na região.

A Figura 21 apresenta o difratograma da amostra 1, coletada juntoàs regiões externas da peça, o que nos permitiu a observação daocorrência de quartzo (SiO2), Albita (Na,Ca)Al(Si,Al)3O8 e Micro-clína KAlSi3O8. Enquanto que o difratograma coletado na paredeinterna da amostra 2, Figura 22, apresenta a ocorrência de quartzo(SiO2), e anortita (Ca,Na)(Al,Si)2Si2O8.

Figura 19 - Gráfico DTA/TGA da amostra 1 -Fragmento Arqueológico.

Figura 20 - Gráfico DTA/TGA da amostra 2 -Fragmento Arqueológico.

Revi

sta

Desi

gn e

m F

oco

• v.

III

nº1

• Ja

n./J

un. 2

006

58

Para fins de percepção das possíveis perdasde material, realizou-se, analogamente, a di-fração de amostras da argila coletada na re-gião, difratograma apresentado na Figura 23.

A argila, conforme o respectivo difratogra-ma, apresenta a ocorrência de quartzo (SiO2)e caolinta Al2Si2O5(OH)4.

Da relação dos constituintes relacionados nasdifrações realizadas nos dois fragmentosarqueológicos bem como na argila investigadaconstata-se:

Amostra 1 - fragmento de cerâmica GuaraniQuartzo (SiO2); Albita (Na,Ca)Al(Si,Al)3O8; Microclínio KAlSi3O8.

Amostra 2 - fragmento de cerâmica GuaraniQuartzo (SiO2); Anortita (Ca,Na)(Al,Si)2Si2O8.

Argila da RegiãoQuartzo (SiO2); Caolinita - Al2Si2O5(OH)4.

A argila apresentou constituintes compatíveis com o esperado parao tipo de material e sua localização. Já a presença dos íons Na e Knas amostras reforça a idéia que as temperaturas de queima nãoforam elevadas ou foram estratificadas nos fragmentos encontrados.A tendência é a migração destes para os líquidos que se formam abaixa temperatura (~750 a 800oC) não aparecendo na difração poisseriam incorporados no material amorfo.

Na tabela 1, pode-se observar exemplos de argilas com seus consti-tuintes mineralógicos a temperatura ambiente, a 800, 950 e a 1100oC. Observa-se que constituintes com Albita e Microclinio, ricos emNa e K, não ocorrem quando se eleva a temperatura, permitindo-nos inferir que estes matérias foram queimados em temperaturasnão elevadas (< 950 oC).

Figura 23 - Difratograma da argilacoletada na região.

Tabela 1 – Exemplo de variação de composição mineralógicadas argilas antes e após queima a 800ºC, 950ºC e a 1100ºC.

59

Revi

sta

Desi

gn e

m F

oco

• v.

III

nº1

• Ja

n./J

un. 2

006 7. Reprodução Digital

Realizados os trabalhos de pesquisa histórica, análises detécnicas, a peça cedida pelo Museu Joaquim Felizardo foidigitalizada a laser 3D no LdSM (Laboratório de Design eSeleção de Materiais) da UFRGS. Estes arquivos foramtratados digitalmente no LdSM.

Na figura 24, é apresentada a reprodução digital do fragmen-to escaneado. A peça cedida pelo museu foi digitalizadaatravés de escaneamento 3D, e foi obtido um desenho digitalcom extrapolação de formato. A foto original do fragmentopode ser vista na Figura 02.

Na figura 25, o leitor pode apreciar a simulação de umpossível YAPEPÓ obtida digitalmente, destacando-se apresença da imagem obtida a partir do fragmento scaneado.Esta simulação digital foi feita a partir das observaçõesrealizadas dos fragmentos, permitindo, com isto, a compre-ensão das técnicas de confecção, da preparação da super-fície interna e enquadramento da forma do utensílio(Yapepó).

Já as análises de difração de Raio-X e DTA/TGA fornece-ram informações sobre as queimas às quais foram subme-tidos os fragmentos analisados possibilitaram a compre-ensão da necessidade de uma queima mais alta para um

processo de produção atual.

8. Design a partir da análisede texturas e formas daspeças GuaranisNa figura 26, são apresentadasvárias peças Guaranis onde seobserva uma grande quantida-de de formas com linhas bemmarcadas e volumes bastanteexpressivos.

A partir da análise realizadasobre estas diferentes formasGuaranis, foi realizada a fasede elaboração de diversos dese-nhos (conforme Figura 27),maneira pela qual passa-se auma compreensão melhor daestrutura das peças.

Neste trabalho de design a ên-fase é dada para a sensação quealgumas peças transmitem. Operfil dessas peças dá a impres-são de que uma está em cimada outra. Com este elemento

Figura 24 – Imagem obtidadigitalmente no LdSM a partirdo fragmento Arqueológico.

Figura 25 – Imagem deum YAPEPÓ obtidadigitalmente no LdSM.

Figura 26 – Diferentes formas nas peças Guaranis.

Figura 27 – Esboços na criação utensílios domésticos.

Revi

sta

Desi

gn e

m F

oco

• v.

III

nº1

• Ja

n./J

un. 2

006

60

Figura 30 –Duas das peças do conjunto desen-volvidas com as respectivas texturas utilizadas.

Figura 28- Conjunto de peças deDesign para utensílio doméstico.

Figura 29- Conjunto de peças deDesign para utensílio doméstico.

agregado ao processo de criação, desenvolve-se a criação volumétricade um conjunto de saladeiras composto de três peças.

Resolvida a forma quanto ao volume e tendo algumas hipóteses parao acabamento superficial, segue-se para o próximo passo, que con-siste na busca e experimentação de diversas texturas superficiaispara as peças. Sabendo-se que as texturas das peças Guaranis surgemdo processo de construção das peças, técnica de “rolinho”, na buscade uma maior aderência entre as partes de argila sobrepostas, econscientes de que as peças de design serão produzidas por prensado,

por torno ou por colagem de barbotina, poucas texturassairiam destas técnicas optando-se por um levantamento

das texturas Guaranis na construção de um estilopróprio para estas peças.

A idéia de brincar com a sensação de ora as peças seunirem, ora elas se separarem é salientada com ojogo de áreas texturizadas e coloridas e áreascompletamente lisas e sem vidrado, tinta utilizadana cerâmica.

Outro ponto importante no pro-cesso de criação dessas peças coma observação do trabalho Guara-ni foi o cuidado e dedicação comque estas pessoas preparavam seusutensílios, através de técnicas emateriais utilizados, que afetaramdiretamente os resultados estéticosobtidos.

Nas Figuras 28, 29 e 30, podemser observadas as peças desenvol-vidas para o conjunto de saladei-ra. O público alvo são pessoas declasse média alta, com um padrãocultural mais elevado, que gostamde um ambiente mais rústico e quebuscam o bem estar no seu viverdiário.

9. ConclusãoComo resultado deste projeto, incluindo pessoas de diversas áreas,tem-se um desenvolvimento e profundidade que não seria possívelse envolvesse pessoas só de uma mesma área de conhecimento. Chega-se, assim, à conclusão que, a partir desta experiência com a meto-dologia de projeto interdisciplinar, os alunos expandiram suapercepção e participaram de um importante processo o qualpossibilitará o fortalecimento do elo de ligação entre Design eEngenharia, e também entre outros profissionais, sendo interessantepara futuros desenvolvimentos de projetos a nível profissional na

61

Revi

sta

Desi

gn e

m F

oco

• v.

III

nº1

• Ja

n./J

un. 2

006 indústria ou em outras áreas. Possibilita-se, assim, a estes profis-

sionais a visualização da necessidade atual da utilização de recursosde diferentes áreas científicas para a resolução de novos desafios,principalmente em se tratando de inovação. Neste quesito éfundamental, para potencializar a criatividade, lançar mão dapesquisa profunda e séria de conhecimentos diversificados advindosdo elo Design x Engenharia, dentre outros.

Neste sentido, com os diversos parâmetros apresentados, devido àsinúmeras informações trazidas pelos membros do grupo, Engenheirose Designers, foi possível uma melhor compreensão do material, datécnica de fabricação da época e das aplicações, podendo, assim,realizar-se um Design mais qualificado e criativo.

Na busca da solução dos problemas para desenvolver este projeto,vivenciou-se a construção de um conhecimento e sua aplicabilidadena criação do Design de um produto de baixa complexidade, perce-bendo-se suas limitações e caminhos de soluções, consolidando,assim, o pensar e o fazer design. Houve uma ênfase bastante grandena percepção e na prática da importância da interdisciplinaridadena criação do Design de produto.

Neste caso, a incorporação de alguns elementos do passado na produ-ção das peças Guaranis mais o aporte de novas tecnologias foram osrecursos de base utilizados pelo designer (membro do grupo) para aincorporação de idéias no processo criativo.

Quanto mais dados o profissional dispuser sobre o tema, sejamtécnicos, históricos ou estéticos, mais ampla será a gama de combina-ções possíveis na hora da criação.

AgradecimentosArqueóloga Fernanda Tochetto – Museu Joaquim Felizardo (PortoAlegre) e Msc Jaime Pedrassani – Cerâmica Decorite

ReferênciasDAMIANI J.C,; PEREZ, F.; MELCHIADES, F. e ANSELMO O,.B. A. Coração Negro em Revestimentos Cerâmicos: PrincipaisCausas e Possíveis Soluções. In Revista Cerâmica Industrial , 2005.

GAULIER P. L. Ocupação Pré Histórica Guarani no Município dePorto Alegre RS - Considerações Preliminares e Primeira Dataçãodo Sítio Arqueológico [RS-71-C] da Ilha Francisco Manoel. Revistade Arqueologia , 14-15, p. 57-73, 2001-2002.

OLIVEIRA, Alberto Tavares Duarte de. Um Estudo em ArqueologiaUrbana: A Carta de Potencial Arqueológico do Centro Histórico dePorto Alegre. Porto Alegre: PPGH-PUC/RS, março de 2005.Dissertação de Mestrado. Edição Revisada.

SALVIA F. e BROCHADO, J.P. Cerâmica Guarani. Porto Alegre:Posenato Arte e Cultura, 1989.

Revi

sta

Desi

gn e

m F

oco

• v.

III

nº1

• Ja

n./J

un. 2

006

62

Referências ConsultadasCHRISTY, Geraldine e PEARCH, Sara. Escuela de arte paso apaso: cerámica. Barcelona:Ed. Blume, 1993.

REVISTA DE ARQUEOLOGIA. 14-15, p. 57-73, 2001-2002.

Site: www.ufrgs.br/ndsm