Expandindo Diderot

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Discussão acerca "dos autores e dos críticos", do "Discurso da Poesia Dramática", evidenciando a necessidade de estudo que desponta dos dois movimentos do texto.

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Expandindo Diderot ¨Dos autores e dos críticos”, Harry Edmar Schulz

1 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

EXPANDINDO DIDEROT

“DOS AUTORES E DOS CRÍTICOS” (do discurso sobre a poesia dramática)

Harry Edmar Schulz

Texto iniciado em Maio de 2014

Texto concluído em Junho de 2014

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Prefácio

Diderot entra nos textos do projeto

“Humanização com ferramenta de aumento de interesse nas

exatas” com o texto “dos autores e dos críticos”. Isto

decorre do fato de utilizar uma argumentação direta para

enfatizar a necessidade de estudo e por reforçar esta ideia

utilizando uma parábola. Não é usual, nas ciências exatas,

criar um personagem e, através de uma parábola, fornecer

uma mensagem ao leitor. Evidentemente a artificialidade da

situação confere ao texto lido o status de ficção. Diderot

não se esquiva deste ar. Muito pelo contrário, ele o gera

para direcionar o leitor mais uma vez à opinião que

manifesta na primeira parte do texto, quando fala

diretamente ao leitor.

O texto tem dois “movimentos”, ou dois “atos”,

se quisermos usar uma metáfora teatral. O primeiro envolve

a apresentação de caricaturas de autores e críticos,

caricaturas elas próprias “dramatizadas” para que não

fiquem dúvidas no texto acerca da inconveniência de certas

atitudes na atividade de criação e de julgamento das coisas

criadas. A conclusão pela necessidade de estudo encerra

este primeiro ato, que é aquele em que o tema é tratado

mais diretamente. O segundo ato, ou movimento, é o

segmento ficcional já mencionado, onde um personagem,

buscando respostas a questões filosóficas, é confrontado

com sua real ignorância. O personagem divaga,

considerando a “construção” de um “homem ideal”, que lhe

fornecerá as respostas que necessita; Mas Diderot

“desconstrói” esse sonho (ingênuo, por assim dizer) e, a

partir das necessidades que haveriam para criar um homem

ideal impossível, fundamenta os juízos e as respostas

buscadas na necessidade de estudo.

O texto aqui apresentado traz o resumo dos

parágrafos lidos (cada resumo é antecedido pelas primeiras

palavras dos parágrafos lidos, para facilitar a leitura

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comparativa com o texto original). Em seguida é

apresentado um comentário para cada parágrafo ou

conjunto de parágrafos. O comentário final aqui conclui que

“a ignorância não é uma boa companheira”. Como se trata

de “autores e críticos”, isto é, pessoas que estarão nos

guiando com suas ideias e juízos, essa rejeição à ignorância

é até “evidente” nos nossos dias (sem querer repetir, parece

melhor não ser guiado por ignorantes). Essa situação,

envolvendo toda a argumentação de Diderot em prol do

conhecimento, fez com que o presente texto fosse incluído

no projeto em andamento.

Harry Edmar Schulz

São Carlos, 29 de Maio de 2014 Projeto: Humanização como ferramenta de

de aumento de interesse nas exatas

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Sumário

1 – 1 - Introdução:........................................................(6)

2 – Texto propriamente dito:.......................................(6)

2.1 – Primeiro Movimento: abordagem geral

sobre o ambiente do autor e do crítico.............(6)

§1 (Os viajantes falam...).................................................(6)

§2 (Esta comparação vos...)...........................................(10)

§3 (Afirmei que...)...........................................................(12)

§4 e 5 (O papel de...)(Diz o autor:...).............................(12)

§6, 7 e 8 (Quanto ao público...)(Quando isso...)...........(13)

(O autor, de...)

§9 e 10 (Mas, O Misantropo...)(É verdade. Oh...).......(15)

§11 (A crítica dá...).........................................................(17)

§12 (Entretanto, e mais...)..............................................(17)

§13 e 14 (Os autores e...)(Temos demasiada...)............(19)

§15 e 16 (Se o sistema...)(A verdade e...).......................(19)

§17 (Se me assegurarem...).............................................(21)

§18 e 19 (Depois do avaro...)(Em seguida ao...)...........(22)

§20 (Se fordes bem-nascido...).......................................(23)

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2.2 – Segundo Movimento: exemplo de Aristo......(24)

§21 (Meu amigo, conheceis...).......................................(24)

§22, 23 e 24 (Um dia, em...)(Frequentava...)

(Tenho quarenta...)....................................(26)

§25 (Após algumas reflexões...).....................................(27)

§26 (“Não há, talvez...)...................................................(28)

§27 (E não é tudo.)..........................................................(28)

§28 (Assim, estará o...)....................................................(29)

§29 e 30 (E aqui Aristo fez...)(Isto basta, me...)............(29)

§31 (Mas de onde...).......................................................(30)

§32 e 33 (Neste momento,...)(“Ao primeiro...)..............(31)

§34 (Aristo, triste e...).....................................................(32)

§35 (Mas este modelo...).................................................(33)

§37 e 38 (É o estudo das...)(É assim que...)..................(34)

§39 (Após este solilóquio...)............................................(34)

3 - Referências Bibliográficas:...................................(35)

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Objeto de estudo: Dos

autores e dos críticos – Dis-

curso sobre a poesia dramá-

tica.

Autor: Denis Diderot.

1 – Introdução:

O presente texto decorre da leitura do texto “Dos

autores e dos críticos”, na tradução de Franklin de Matos

(1986) do original de Diderot, de 1758. A metodologia

seguida foi a leitura de cada parágrafo, seguida de

comentários do leitor. Esses comentários utilizam por vezes

informações de outras fontes, conforme indicado.

Eventualmente, de acordo com o interesse momentâneo,

vinculado muito mais à contextualização histórica, esses

comentários caminham por detalhes históricos

interessantes, mas não direcionados especificamente ao

tema em tela. Assim, a leitura da estratégia didática não

necessita do aspecto histórico. Entretanto, o mesmo pode

ser de interesse a leitores que também sintam a necessidade

de se localizar historicamente no texto de Diderot.

2 – Texto propriamente dito:

2.1 – Primeiro Movimento: abordagem geral

sobre o ambiente do autor e do crítico

§1 (Os viajantes falam...)

O autor parece continuar o texto do parágrafo

anterior, que termina dizendo: “É fácil criticar de forma

justa, e difícil compor mediocridades. Seria, pois, tão

desatinado exigir que nossos juízes mostrassem, mediante

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alguma obra importante, que sabem ao menos tanto quanto

nós?”

Sem haver uma leitura mais abrangente daquela

parte, é difícil concluir algo, mas evidentemente há uma

crítica implícita a uma crítica (ou julgamento), o que parece

remeter ao primeiro parágrafo sob o título de “dos autores e

dos críticos”.

Os “viajantes” são mencionados, que certamente são

viajantes sem o uso de figuras de linguagem, pois o autor

remete ao uso de sarabatanas por “homens selvagens”. Daí

o autor coloca os críticos como semelhantes a esses

“selvagens”. Nesse sentido, os críticos lançam dardos

envenenados contra as obras e os autores, como selvagens,

eventualmente “matando” obra e autor para o público.

A nota do tradutor menciona a obra “As Jóias

Indiscretas”, na parte “Sonho de Mirzoza”, em que os

críticos são comparados a pigmeus.

Comentário HES:

É possível que a crítica se comporte segundo esta

figura, o que talvez possa ocorrer nos dias de hoje.

Entretanto, a figura, interessantemente, é um estereótipo

daquilo que seria “selvagem” para a Europa setecentista.

Ser alvejado, como autor, por uma bala de um desavisado

infante francês, ou de um defensor radical da monarquia,

teria o mesmo efeito como figura de linguagem. Mas talvez

não teria o desprezo associado ao “selvagem” que usa a

sarabatana contra o viajante.

Note-se que Diderot se movia em um mundo

bastante libertino, sendo que a nota do tradutor menciona

um texto cuja temática seria provavelmente bastante bizarra

nos dias de hoje. Uma França girando em torno da corte,

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nesse contexto mais libertino, talvez pudesse ser chocada

(ou tocada) mais facilmente por algo ainda exótico.

A ideia dos selvagens pode remeter tanto à África

ou ao Novo Mundo, para onde os franceses enviaram

Villegagnon em 1554 e, mais tarde, em 1766, Bougainville.

Diderot estava ciente dessas viagens, tendo escrito, por

exemplo, o “Suplemento à Viagem de Bougainville”. No

caso de Villegagnon, há uma ponte fortuita com o Brasil.

Segundo Mariz (2008),

“Villegagnon começou a pensar no Brasil em Brest,

onde conversava com marinheiros que regressavam de

viagens à América do Sul. Em Dieppe e Honfleur, ele teria

encontrado com André Thevet e Hans Staden que

estiveram em nosso país e ouviu também os grandes

armadores normandos e bretões donos das naus que faziam

o comércio tão lucrativo com o Brasil. Em 1554,

Villegagnon fez uma rápida viagem até o Cabo Frio e

informou-se de tudo o que era necessário para organizar

uma base naval e militar na Guanabara. De volta, motivou

armadores e cortesãos para obter financiamento de uma

importante expedição ao Brasil. O rei Henrique II

designou-o para uma missão que não quis especificar com

clareza e não lhe deu nenhum título novo além do que já

detinha, isto é, de Vice-almirante da Bretanha. Por isso, é

fantasioso o titulo de Vice-rei do Brasil que alguns

historiadores e romancistas lhe atribuíram. Seus grandes

biógrafos franceses Heulhard e Peillard chamaram-no

generosamente de Roi d'Amérique e de Vice-roi du Brési, o

que não é exato.

(...) Como segundo objetivo a médio prazo,

Villegagnon pretendia atacar os navios portugueses e

espanhóis que voltavam das Índias, carregados de

especiarias, e do Rio da Prata, com o ouro do Peru e a prata

da Bolívia. Os navegadores franceses se entendiam muito

bem com os indígenas, que os apoiaram até o fim.

Preparavam os toros de pau-brasil e acaju, aprisionavam

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papagaios, araras e micos, estocavam pimenta e ficavam à

espera da chegada das naus francesas. Os franceses traziam

tecidos de cores vivas, machados, facas, espelhos, anzóis,

quinquilharias em geral, que eram trocados pelos produtos

da terra brasileira. O almirante cultivou a amizade dos

indígenas e do seu chefe Cunhambebe. Ele tomava aulas

diárias de tupi e chegou a completar um dicionário tupi-

francês que iniciara com André Thevet. Ele era muito mais

compreensivo com as faltas dos indígenas selvagens do

que com os erros de seus turbulentos franceses, chamados

pelos índios de "papagaios amarelos", porque falavam

muito e tinham cabelos louros.

Villegagnon começou por construir o forte Coligny

na ilha que hoje leva o seu nome e agora abriga a nossa

Escola Naval. Para edificar essa fortaleza contou com o

apoio voluntário dos indígenas, chefiados pelo legendário

chefe indígena Cunhambebe, de quem se fez amigo.

Escolheu a praia do Flamengo, defronte à ilha, como base

de operações em terra e lá fundou, no início de 1556, em

homenagem ao rei francês Henrique II, a povoação de

Henriville, ao lado da foz do rio Carioca, que hoje corre

debaixo da Rua Barão do Flamengo. Esse pequeno rio teve

importância fundamental para a França Antártica, pois

fornecia água o ano inteiro para o forte Coligny e para as

centenas de habitantes de Henriville (franceses e

indígenas) que trabalhavam na construção da fortaleza e

nas plantações vizinhas.

Henriville foi a primeira aglomeração urbana

européia na baía da Guanabara, o que dá a Villegagnon a

primazia na região. Entretanto, não se lhe pode atribuir o

título de fundador da cidade do Rio de Janeiro. Henriville

durou apenas quatro anos, sendo arrasada por Mem de Sá,

em março de 1560, por ocasião do ataque da grande

esquadra portuguesa contra o forte Coligny. Henriville não

teve continuidade como povoação e seu marco de fundação

desapareceu. A 1º de março de 1565, Estácio de Sá fundou

a cidade do Rio de Janeiro na Urca e, depois da expulsão

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definitiva dos franceses, em 1567, ela foi transferida para o

morro do Castelo.”

(À parte: Esta observação não é fundamental ao

estudo do texto, mas mostra que o mesmo é escrito sobre

um papel que carrega em si as imagens de uma época.

Quando Diderot se sentou à escrivaninha para gerar este

texto, ainda veríamos a “civilização” e a “cultura” avançar

sobre a França e a Europa, nos movimentos de 1789 e

subsequentes, onde multidões de adultos e jovens foram

sacrificadas seguindo lideranças como Danton e

Robespierre, inicialmente, e Bonaparte, na sequência, por

exemplo. Esta observação apenas é colocada aqui para

situar o leitor temporalmente e relativizar o que seria

“selvagem” e “passível de desprezo” naquela época. Note-

se que estamos mais de 250 anos “distantes” de Diderot e

de sua França. Qualquer julgamento é provavelmente fútil,

mas não podemos tirar daquele que se interessa pelo tema,

o direito de pensar sobre os momentos da época e suas

evoluções. Talvez reforcemos aqui a observação de

Franklin de Matos (1986) ao comentar sobre o conceito de

virtude: “Entretanto, o que pensa da virtude um filósofo do

século XVIII? Também Franklin de Matos (1986) comenta

que não adentra nas minúcias da “complicada aventura

desse conceito na obra de Diderot”.)

§2 (Esta comparação vos...)

O autor retrocede da sua comparação “selvagem”

para os críticos, fornecendo outra, de um solitário que vive

em um vale, conhecendo apenas as coisas do vale,

circunscritas pelas suas colinas. Considerando isto como

seu “universo”, o solitário, em uma visão de 360 graus,

sentia-se conhecedor de tudo. O autor insere uma figura de

dúvida nesse “conhecer tudo” quando sugere que o

solitário, para “aproximar-se de alguns objetos que lhe

escapavam à visão”, subiu ao cimo de uma colina, onde,

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evidentemente, novos horizontes se abriram à sua visão.

Esta nova relativização entre si mesmo e o mundo, que

surge em se subindo aos cimos mais elevados leva, nessa

pequena história, o solitário a se sentir, agora, “conhecedor

de nada”.

Comentário HES:

Este parágrafo utiliza a figura de um solitário, uma

pessoa afastada do convívio com outras pessoas e que,

como tal, está restrita a conhecer aquilo que a sua própria

experiência pode lhe dar. Essa figura é interessante, porque

cada pessoa que “sabe” algo, tem em si uma imagem do

caminho para chegar a este “saber”, seja assimilando-o ou

gerando-o pela própria experiência, seja pelo contato com

terceiros que lhe explicaram os efeitos de uma hipotética

experiência, seja pelo estudo de experiências acumuladas

por terceiros e colocados à disposição daquele que quer

saber, por exemplo. Mas aquele que está isolado tem apenas

a experiência própria para “saber”, e apenas a experiência

própria para “saber mais”.

Diderot coloca o solitário em seu vale, onde a sua

experiência o induz a assumir a postura de que “sabe tudo”

que o seu universo lhe pode dar. Não se trata de uma

postura antinatural para este solitário. Mas Diderot o faz

subir a colina e, a partir dela, ver mais. O solitário, pela

própria experiência, assume a postura de que “sabe nada”,

de que há muito mais a saber do que o seu vale lhe

permitia.

Esta comparação é mais simpática e traz ao leitor a

lembrança do caminho traçado por todo aquele que quer

saber: a descoberta de novos horizontes. O fato de Diderot

utilizar uma situação em quem alguém descobre que nada

sabe provavelmente indica um direcionamento ao segundo

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movimento de seu texto, quando o filósofo é colocado no

palco.

§3 (Afirmei que...)

O autor diz que havia comparado os críticos ao

homem que sobe a colina, mas nega essa comparação,

como que tendo cometido um engano. O crítico não sobe a

colina. Fica em sua “choça”, considerando-se o máximo em

seu mundo.

Comentário HES:

O autor, neste parágrafo, gera o anticlímax do

clímax criado no parágrafo anterior. O solitário havia sido

descrito como alguém que ascende de seu estado de falso

saber para um estado de consciência da ignorância. Todos

nos identificamos com esse tipo de ascensão. Mas Diderot o

veta ao crítico. O crítico permanece no fundo do vale, em

sua choça.

A acusação que desponta é a auto-valorização por

parte dos críticos e uma aparente ignorância voluntária,

“jamais perdendo a lustrada opinião que têm de si

mesmos”.

§4 e 5 (O papel de...)(Diz o autor:...)

Diderot afirma que o papel de um autor, nesse caso,

de poesia dramática, é bastante inútil, qual seja: ser uma

pessoa que crê poder dar lições ao público. Em seguida,

Diderot afirma que o papel de um crítico consegue ser

ainda mais inútil, qual seja: ser uma pessoa que crê poder

dar lições à pessoa que crê poder dar lições ao público.

Conferindo certa personalização ao seu escrito, Diderot

empresta vozes tanto ao autor como ao crítico, com o

primeiro conclamando o público a ouví-lo como seu mestre

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e o segundo direcionando o apelo para si, afirmando ser ele

o mestre dos mestres.

Comentário HES:

A postura, neste parágrafo, é de surpreender o leitor

com uma crítica generalizada a autores e críticos. Desponta,

em ambos, um apelo de superioridade, ou uma petulância,

uma vez que em suas bocas foi colocada a palavra

“mestre”, referindo-se à própria pessoa. Assim, Diderot

começa esses cinco primeiros parágrafos fornecendo antes

uma caricatura do crítico e em seguida fornecendo

caricaturas tanto do crítico como do autor. Ambos, nessa

primeira abordagem, aparecem ao leitor como personagens

que se impõem, que solicitam a atenção, mas ainda não se

encontra a justificativa de que um ou outro mereça de fato

esta atenção. De maneira mais específica, o crítico recebeu

a pecha de ignorante (habitante de um vale, que não quer

sair de sua choça).

§6, 7 e 8 (Quanto ao público...)(Quando isso...)

(O autor, de...)

O público é apresentado ao leitor como tendo

vontade própria. Ele responde de acordo com seu gosto. Se

o espetáculo apresentado ao público não agrada, o público

responderá evidentemente com rejeição. Diderot menciona

que o publico “zombará” do espetáculo. Adicionalmente, se

os comentários do crítico não corresponderem àquilo que o

público sentiu com relação ao espetáculo, também esses

serão rejeitados (motivo de zombaria). Por parte do crítico,

se isto ocorrer, Diderot diz que este lançará a culpa na falta

de gosto de sua época ou de seus contemporâneos,

utilizando a exclamação “Ó tempos! Ó costumes!” de

Cícero, contra a depravação dos romanos. Essa postura

compensa as necessidades do crítico, lançando qualquer

causa de insucesso para “fora de si”.

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Já o autor, diante de um insucesso, culparia o

próprio público, ou os atores da peça, ou, segundo Diderot,

“a cabala”. Nesse caso, o termo pode relacionar-se a uma

ciência oculta, ou magia, ou então a uma trama, intriga

secreta, ou conspiração contra ele (autor). A busca de

explicações o levaria à mencionar as leituras feitas pelos

amigos, mas esses amigos, segundo Diderot, não lhe teriam

dito a verdade sobre as falhas visíveis na peça. Diderot

confere confiabilidade ao julgamento do público, que

“raramente se engana”, resultando o juízo final: se a peça

não fez sucesso, é porque a peça era ruim.

Comentário HES:

Ao final de tudo, a peça é feita para o público.

Muito pode ser dito sobre os traços sofisticados ou

populares do texto, sobre a naturalidade ou

profissionalismo dos atores, sobre a qualidade superior ou o

despojamento do cenário, sobre o conjunto coeso ou a

fragmentação oportuna da peça, mas o público deve ser

agradado independentemente daquilo que, antes dele se

manifestar, as opiniões expuserem como a possível marca

do espetáculo.

Diderot segue na construção da caricatura de ambos,

crítico e autor. Diante do erro de sua opinião acerca de um

espetáculo, o primeiro se protege atrás de uma suposta falta

de gosto, ou degeneração do mesmo, por parte do público.

Este é um crítico que não assume a sua eventual falta de

conhecimento acerca tanto da qualidade da peça como do

público. Nesse caso, está-se no contexto do solitário que se

mantém no fundo do vale.

O autor se defende culpando diferentes participantes

do “complexo” formado pela peça, atores e público.

Também aqui a caricatura põe diante do leitor um autor que

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aparece como “pouco profissional”, ou “pouco maduro”, de

fato não assumindo como ruim a peça que criou.

Nesses três últimos parágrafos, portanto, o leitor se

vê diante de um cenário em que autor, público e crítico

estão, por assim dizer, no palco, cada qual cumprindo um

papel estabelecido por Diderot. De todos, o público, que

julga, tem o papel menos sujeito à crítica de Diderot.

Essa passagem pode ser relembrada quando, no

segundo movimento de seu texto, Diderot menciona a

dificuldade de haver uma medida para julgar o bom, o belo

e a verdade.

§9 e 10 (Mas, O Misantropo...)(É verdade. Oh...)

Entre aspas, como se o personagem autor estivesse

falando com Diderot, surge a pergunta: “Mas O Misantropo

não andou balançando?”. Diderot então responde que esse é

um exemplo acalentador para um autor fracassado e ele

próprio espera poder se lembrar do exemplo se por um

acaso vier a ter uma peça vaiada pelo público.

Comentário HES:

Aqui é necessário um pequeno comentário sobre “O

misantropo”. Segundo Costa (2014), originalmente, “O

misantropo é uma peça teatral que foi representada em

Atenas no ano 317 a.C. Seu autor, Menandro, foi

dramaturgo, principal autor da Comédia Nova, período de

transição política da cultura helênica, onde a comédia era

um gênero em ascendência, utilizando como personagem o

homem comum no lugar dos governantes, como ocorria na

comédia antiga. O Misantropo foi apresentada durante o

governo de Demétrio de Falero, que buscou inserir novos

costumes como, por exemplo, que as pessoas mais

abastadas se casassem com as mais pobres, com o intuito de

consolidar uma política de distribuição de renda. Por ser

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amigo do governante, é evidente que o autor teve influência

política em seus escritos, suas peças não continham uma

crítica direta à política ateniense, mas uma afirmação de

valores individuais. O autor em nenhum momento deixa

explícito o conceito do que é exatamente misantropo, mas é

observável que este é um comportamento de pessoas que

preferem o isolamento à convivência social, pois se sentem

ameaçadas, então agem de modo agressivo...”

Considerando o resumo de Costa (2014), nessa

primeira peça de Menandro, “Cnêmon é um misantropo que

vive com sua filha. Sóstrato, moço rico, se apaixona por ela

e vai à busca de seu objetivo ao fazer amizade com

Górgias, irmão da moça. A convivência de Cnêmon com a

sociedade é difícil até que cai em um poço. Sóstrato e

Górgias o salvam, fato que muda seu temperamento”.

Mas Diderot provavelmente se refere, neste texto, ao

“Misantropo” de Molière, em que há outros personagens.

Mais uma vez considerando o resumo de Costa (2014), na

peça de Molière, “Alceste é um jovem homem de posses,

sincero ao ponto de rejeitar a humanidade e almejar uma

vida distante da convivência social. Aceita exclusivamente

a companhia de Celimene, jovem viúva por quem está

apaixonado. Porém Celimene se mostra indiferente e não

dispensa a companhia de outros pretendentes”.

Para Moliére, “Alceste é um homem justo em uma

sociedade hipócrita e esta é a razão de seu deslocamento.

Ele se relaciona com as pessoas, porém reprova as atitudes

comuns, mas não as confronta diretamente, mantendo a

educação. Não importunando, mas sendo sincero quando

lhe pedem uma opinião. A raiva leva-o a desejar ter uma

vida isolada. Partindo disso, podemos afirmar que Molière

deseja que todos sejamos como Alceste, e busquemos a

melhora do mundo através de atitudes sinceras e

justas.”(Costa, 2014).

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Muito provavelmente a encenação de “Misantropo”

encontrou dificuldades iniciais, ou eventualmente um nível

baixo de aceitação, tendo se recuperado posteriormente.

Hoje é uma obra muito elogiada de Molière. A peça foi

encenada pela primeira vez em 1666.

§11 (A crítica dá...)

Diderot faz uma digressão acerca da diferença de

tratamento entre os autores mortos e os vivos, dizendo que

a crítica evidencia os pontos positivos e qualidades dos

mortos, esquecendo seus defeitos. Mas exatamente o

contrário é feito para com os autores vivos, sob a

justificativa de que esses ainda podem ser corrigidos,

enquanto que os mortos, evidentemente, não mais podem.

Comentário HES:

Esse parágrafo parece querer enfatizar a caricatura

construída para esse pequeno ambiente idealizado de

autores e críticos. Sugere-se uma tensão permanente:

enquanto ambos estão ativos, os críticos evidenciam os

defeitos dos autores.

§12 (Entretanto, e mais...)

Diderot afirma que o autor é aquele que mais se

censura, ou que mais censura a sua obra. Elaborá-la

representa sofrimento e a exposição de suas próprias falhas

(do autor), que dificilmente são aquelas apontadas pelos

críticos. Diderot menciona o Manual Estóico, de Epíteto:

“Eles falam mal de mim? Ah! Se me conhecessem como

me conheço...!”

Comentário HES:

Neste parágrafo Diderot torna-se mais complacente

com o autor, afirmando que ele é seu maior censor. Essa

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posição é comumente conferida àqueles que se dedicam às

artes em geral, os assim denominados “artistas” (pelo

menos é uma posição contemporânea). Entende-se que o

artista (o autor, nesse caso), persegue a perfeição, mas

conhece suas próprias limitações, ou “seus vícios”, nas

palavras de Diderot. Uma obra “completa” de fato nunca o

“é”, para o artista (autor).

Pessoalmente eu simpatizo com esta forma de ver o

artista, tendo, portanto, simpatizado com a menção de

Diderot. Mas, de forma um pouco mais “democrática”,

estendo a possibilidade dessa postura para todas as

profissões, porque entendo que todas podem contar com

pessoas que consigam envolver algo desse

“profissionalismo extremo”, que busca a perfeição no

contexto das condições nas quais o profissional está imerso.

Não lembro do título da poesia, que escutei há

décadas na voz do menestrel Juca Chaves, agradavelmente

musicada. O tema tratava da despedida de uma madura

artista, em um último espetáculo no Teatro. Em certa altura

da letra, é dito:

Gentilmente,

Refuta infantilmente

O tempo que ficou.

É que um grande artista tem por jeito

Só reparar no imperfeito

Que criou.

Creio que este é o sentimento do artista, ou do

profissional que se dedica ao seu trabalho intensamente.

Apenas se repara no imperfeito que se cria.

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Expandindo Diderot ¨Dos autores e dos críticos”, Harry Edmar Schulz

19 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

§13 e 14 (Os autores e...)(Temos demasiada...)

Diderot então muda o rumo de seu discurso, e passa

a comparar críticos e autores antigos e aqueles da sua

atualidade. Na sua visão, na antiguidade havia o cuidado

com a formação, com a instrução, cursando-se primeiro

filosofia para então cursar letras, guardando a obra em

elaboração, corrigindo-a sob os conselhos e “a lima” do

tempo. Já os autores e críticos de sua atualidade são

apresentados como afoitos, desejando escrever antes de

poder fazê-lo, antes de ser “esclarecidos” e “homens” o

bastante.

Comentário HES:

Diderot sugere o vagar, o estudar, o crescer, o

amadurecer, como essenciais aos autores e críticos. A sua

comparação com uma realidade assumida para a

antiguidade parece idealizada, na carência de exemplos de

autores com obras e idades, ou de exemplos com críticos e

suas idades. Entretanto, o estudo e a informação, o domínio

das letras e das técnicas, sem dúvida contribuem para uma

obra mais próxima do ideal desejado provavelmente por

autor, público e críticos. Assim, a admoestação em prol de

mais estudo é positiva, afinal preferimos ser guiados por

semelhantes esclarecidos ao invés de semelhantes

ignorantes, seja no teatro, seja na política (por exemplo).

§15 e 16 (Se o sistema...)(A verdade e...)

Diderot apresenta o aforismo: “Se o sistema moral

for corrompido, o gosto há de ser falso”. Em seguida,

adiciona outro: “A verdade e a virtude são as amigas das

belas artes”. Nessa altura dirige-se ao leitor, perguntando se

este quer ser autor ou crítico. Se sim, deve ser um homem

de bem, que possa ser afetado profundamente. O próprio

Diderot afirma que seria afetado profundamente apenas

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Expandindo Diderot ¨Dos autores e dos críticos”, Harry Edmar Schulz

20 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

pela verdade e pela virtude, o que denomina serem as coisas

mais poderosas da natureza.

Comentário HES:

Entende-se que verdade e virtude são coisas

conhecidas nesse trecho do texto. Pelo menos no senso

comum, de que a verdade se opõe à falsidade e que a

virtude se opõe ao vício. Entretanto, se um sistema moral

for corrompido mas não tiver atingido a pessoa, porque o

gosto desta seria falso? A menos que se esteja falando do

gosto do “sistema”, dando a este uma característica de

controle sobre a individualidade, ou seja, não se pode ser

alheio ao “sistema”. Virtude e vício são conceitos

provavelmente sensíveis à época, e Diderot tinha repentes

ferinos em meio a suas divagações mais brandas, o que

talvez deva ser considerado na avaliação que se fizer de

ambos os conceitos trabalhados sob a sua ótica. Sua frase

“O Homem só será livre quando o último rei for

estrangulado com as entranhas do último padre” é um

exemplo desse tipo de repente ferino.

Ricardo (http://seer.fclar.unesp.br/lettres/article/

viewFile/2040/1668) menciona, em um resumo da biografia

de Diderot, o seu casamento e seus casos extraconjugais,

deixando entrever uma personalidade para a qual talvez a

linha entre vício e virtude não estivesse delimitada por um

compromisso assumido oficialmente. Mas, note-se: uma

constatação biográfica não representa uma contraposição ao

texto em estudo. Sua época vivia realidades diferentes das

atuais no que tange ao relacionamento humano. Diderot, no

texto, expõe uma idéia, e não a sua maneira de viver.

A corrupção moral a que Diderot se refere

provavelmente tem componentes de época. Não se infere

neste trecho, entretanto, que ele esteja imerso em um

ambiente moralmente corrupto. Acerca da verdade e da

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Expandindo Diderot ¨Dos autores e dos críticos”, Harry Edmar Schulz

21 São Carlos, 2012.

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virtude, entende-se, uma vez que o texto está voltado aos

autores e aos críticos, que Diderot se refere à verdade e à

virtude nessas pessoas, para que exerçam bem suas

atividades voltadas às belas artes.

§17 (Se me assegurarem...)

Diderot então aponta os vícios que considera mais

degradantes. A avareza é o primeiro deles, com Diderot

afirmando que não acreditava que um avaro produzisse algo

grandioso. Em sua concepção de avareza, uma pessoa com

esse vício teria um espírito mesquinho e um coração

“estreito”, não se sensibilizando com desgraças públicas,

podendo, inclusive, alegrar-se com elas. Dureza, proteção

de seu dinheiro, insensibilidade ao passar do tempo e da

vida, egoísmo, são características lançadas sobre o avaro.

Desconhecimento da beneficência, da caridade, da

felicidade de terceiros em comparação ao dinheiro, da

prazer em ceder e aliviar dores; ser mau pai, mau filho, mau

amigo, mau cidadão, são adjetivos que despontam da pena

de Diderot, extrapolando no avaro apenas a manutenção do

seu dinheiro, mas acrescentando-lhe vilezas mais amplas.

Um avaro não pode descrever coisas generosas, como a

comiseração, a liberdade, a hospitalidade, o amor ao

próximo, o amor à pátria, porque não possui meios para

isso. Além do mais, para o avaro essas qualidades são, de

fato, defeitos.

Comentário HES:

Este parágrafo expõe com palavras intensas a

extensão negativa do vício da avareza. Mas se trata do

único vício que Diderot trata com esse grau de

detalhamento. No contexto de seu discurso, talvez apenas a

menção de “vícios em geral” fosse suficiente para a sua

conclusão. Mas Diderot enfatiza as “negatividades” da

avareza. Ao leitor talvez tal crítica não tenha muita

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Expandindo Diderot ¨Dos autores e dos críticos”, Harry Edmar Schulz

22 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

importância, considerando o aspecto geral do discurso. Mas

esse vício é relevante para Diderot, que vive em um

ambiente em que sua produção e sobrevivência dependem

da boa vontade das pessoas.

Em seu tempo, Diderot trabalha e produz.

Intelectualmente, torna-se peça importante na

“popularização” do conhecimento, sendo criticado por isso.

Impor-se e expor-se faz parte de seu modus operandi, que,

entretanto, a nada leva se não é pago por isso. Diderot

depende da venda da enciclopédia (há diferentes

informações sobre seus ganhos. Por exemplo, é dito que

conseguiu uma fortuna com a enciclopédia, mesmo

havendo poucos que pudessem ler, segundo

http://pt.wikipedia.org/wiki/Denis_Diderot. Mas diferentes

fontes indicam dificuldades financeiras, como Guinsburg,

1990) e, em parte, da generosidade de mecenas. Assim,

para Diderot a avareza em seus semelhantes impede a

realização própria de grandes coisas.

§18 e 19 (Depois do avaro...)(Em seguida ao...)

Diderot ainda acusa o avaro de ser capaz de atos

criminosos para obter dinheiro, mas daí aponta o segundo e

o terceiro vícios mais degradantes. São, na sequência, a

superstição e a hipocrisia. A sua descrição de ambos é

curta. Nas suas palavras: “o supersticioso tem a visão turva

e o hipócrita, o coração falso”.

Comentário HES

A superstição pode ser associada a uma crítica

religiosa, considerando as questões que Diderot tinha

pendentes com a igreja da época (e que deram origem a

comentários ferinos como aquele mencionado

anteriormente no texto relativo aos parágrafos 15 e 16).

Mas Diderot não avança na descrição desse vício, nem da

hipocrisia, que associa com “falsidade”. Eventualmente

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Expandindo Diderot ¨Dos autores e dos críticos”, Harry Edmar Schulz

23 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

outras obras sejam dedicadas com maior intensidade a essas

características humanas.

§20 (Se fordes bem-nascido...)

Diderot se dirige novamente ao leitor e o conclama a

se afastar da sociedade e estudar. É preciso, entretanto, que

seja alguém bem nascido, honesto e sensível, que vá

estudar-se a si mesmo, para que possa exercer

adequadamente sua arte. O estudo deve permitir julgar,

comparar, comportar-se, assumir deveres adequadamente, o

que será tão bom ao homem quanto ao autor. Neste

parágrafo Diderot não explicita a pessoa do crítico, mas

talvez ele esteja implícito no ato de escrever, quando

Diderot expõe que “Da perfeição moral que estabelecerdes

em vosso caráter e vossos costumes, brotará uma nuança de

grandeza que se derramará sobre tudo que escreverdes”.

Tanto o autor como o crítico escrevem, e, portanto, talvez

essa abordagem valha para ambos. Tanto o vício como a

virtude serão melhor descritos por aquele que se dá ao

tempo de estudar. Finalmente, em voltando o estudante à

sociedade, deve este ouvir muito os outros e falar muito

consigo mesmo.

Comentário HES:

Neste parágrafo Diderot resume a sua fórmula para

ser um autor (ou um crítico, na presente interpretação) de

sucesso. Diderot propõe o recolhimento e o estudo, um

tempo de introspecção, de desenvolvimento da virtude, para

que o “candidato” se torne um homem de bem. Talvez,

nesse momento, haja uma certa valorização na posição do

misantropo, mencionado ao longo do texto. Ao final, o

retorno à sociedade impõe o ouvir e o refletir.

Esta posição favorável ao estudo volta ao exposto

nos parágrafos 13 e 14 (vide texto relativo a esses

parágrafos), em que se valoriza o conhecimento em

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Expandindo Diderot ¨Dos autores e dos críticos”, Harry Edmar Schulz

24 São Carlos, 2012.

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contraposição à ignorância (uma posição com obviedade

ululante nos nossos dias, mas talvez menos evidente na

França de Diderot, quando grandes interesses estavam em

jogo na interface entre o poder, o conhecimento “sacro”,

por assim dizer, e o conhecimento “científico”, por assim

dizer).

Este parágrafo termina o primeiro movimento do

texto, com Diderot concluindo pelo estudo e por uma

posição talvez um tanto misantrópica para crescer como

homem de bem. A sua argumentação, nesse primeiro

movimento, talvez possa ser denominada de pragmática,

uma vez que se dirige ao leitor, aconselhando-o de maneira

a promover o seu crescimento, após descrever as

características que considera importante transmitir ao

“candidato a autor ou crítico”. Mas uma postura mais geral,

mais filosófica é adotada em seguida, a partir do próximo

parágrafo.

2.2 – Segundo Movimento: o exemplo de Aristo:

§21 (Meu amigo, conheceis...)

Diderot apresenta Aristo ao leitor, uma pessoa que,

na época em que ocorreu este relato, tinha 40 anos e a

alcunha de filósofo. Essa alcunha decorria de não ter

ambições e invejas, uma alma honesta, e de ter estudado

filosofia. É descrito como “grave na conduta, severo nos

costumes, austero e simples nos discursos,..., pobre e feliz

com sua pobreza”.

Comentário HES:

Com este parágrafo, Diderot inicia o segundo

movimento de seu texto, que vai culminar com uma

conclusão semelhante à do primeiro movimento, mas agora

inserindo um personagem para ilustrar a sua proposta.

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Expandindo Diderot ¨Dos autores e dos críticos”, Harry Edmar Schulz

25 São Carlos, 2012.

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Diderot coloca Aristo no Palco, descrevendo-o ao leitor, no

que tange aos traços que considera relevantes para uma

identificação de sua natureza.

Franklin de Matos (1986), que traduziu e comentou

o livro em tela, descreve assim essa apresentação: “...no

capítulo final Diderot, fiel à sua inclinação de dramaturgo,

lhe dá um nome e um ofício (ao narrador do livro,

comentário nosso): trata-se de Aristo, o filósofo. Esboçando

o perfil deste personagem, será possível esclarecer de vez o

ponto de vista a partir do qual Diderot aborda a questão do

teatro”.

A apresentação expõe alguém sem grandes

pretensões materiais, “feliz com sua pobreza”. Ao leitor

fica talvez a pergunta inicial: porque ser feliz com a própria

pobreza? No contexto, parece que Diderot esboça seu

discurso como “feliz apesar de sua pobreza”, e não “feliz

com o fato de ser pobre”. Ainda assim, o que faz com que

haja aí um “enaltecedor” da felicidade? Talvez a felicidade

de Aristo surja da sua conduta e do seu estudo, apesar de

ser pobre. Entretanto, é fácil associar tal discurso com

outro, talvez mais conhecido, que sugere ser “mais fácil um

camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico

entrar no reino dos céus”. Seguramente as informações e

conceitos gerais da sociedade (talvez ocidental, talvez

europeia) fazem com que tal apresentação confira um ar de

simpatia a Aristo, o que pode ter sido o objetivo de Diderot.

De forma geral, temos uma noção de que dinheiro não traz

a felicidade, mas sempre é bom lembrar que a falta de

dinheiro também não ajuda muito para melhorar qualquer

quadro de felicidade. Uma afirmação negativa (dinheiro

não traz felicidade) não induz necessariamente na

positividade de sua negação (ausência de dinheiro traz

felicidade, por exemplo).

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Expandindo Diderot ¨Dos autores e dos críticos”, Harry Edmar Schulz

26 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

Como foi mencionado, provavelmente a descrição

feita visa tornar Aristo simpático ao público leitor, de

maneira que aquilo que ele vier a concluir para o bem do

teatro seja considerado algo a se pensar com seriedade.

Uma possibilidade que pode reforçar essa busca de

uma autoridade para as conclusões a serem apresentadas

(grifo nosso) pode estar vinculada ao nome “Aristo”, que

representa um filósofo. Há uma semelhança evidente com o

nome “Aristóteles”, o que pode auxiliar para aproximar o

leitor do personagem.

§22, 23 e 24 (Um dia, em...)(Frequentava...)

(Tenho quarenta...)

Nesses três parágrafos Diderot expõe uma situação:

Aristo pretendia conversar com os amigos acerca de temas

filosóficos, mas não os encontrando, resolveu passear

sozinho. Aristo evitava os locais com muitas pessoas e

pensava em sua idade, seu estudo e sua alcunha de filósofo.

Quanto a esta alcunha, colocando-se a si próprio a pergunta

sobre o que seria o verdadeiro, o bom e o belo, Aristo

reconheceu que não sabia a resposta, havendo, portanto

dúvida acerca da adequação dessa alcunha.

Comentário HES:

Inicialmente, o fato de Aristo preferir caminhar

sozinho talvez seja novamente uma referência a um

sentimento de misantropia, lembrando da obra mencionada

de Molière. A questão, a dúvida de Aristo, entretanto, traz

ao leitor um certo ar de ceticismo por parte do personagem,

quanto ao seu próprio “status”, ou seja, ele não sabe o que

supõe-se que deveria saber. Mas Franklin de Matos (1986)

comenta que tal abordagem não implica que esta etiqueta de

ceticismo deva ser conferida a Aristo. A sequência do texto

deve tornar isso mais claro.

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Expandindo Diderot ¨Dos autores e dos críticos”, Harry Edmar Schulz

27 São Carlos, 2012.

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Em termos de informação, comenta-se que Franklin

de Matos (1986) menciona que “o procedimento que desce

do geral ao particular” é estranho a Aristo, sendo sua

“recusa das regras e convenções ... (das) poéticas clássicas”

um fato que não o torna cético, com Aristo inclusive se

colocando contra a postura do cético (a ser ainda visto no

texto) Aristo busca “as idéias reguladoras da Verdade,

Bondade e Beleza”. Nesse caso, Franklin de Matos (1986)

remete novamente ao início do Discurso, onde Diderot diz

ser do filósofo a missão de “convocar os ‘homens de

gênio’... para nos fazer amar a virtude o odiar o vício”.

Nesse sentido a questão da Bondade é elevada a uma esfera

de importância maior (“esfera moral”, nas palavras de

Franklin de Matos, 1986), citando Voltaire que coloca o

filósofo como fornecedor de “exemplos de virtude”. Para

Diderot trata-se de um “sacrifício de si mesmo” e para

Voltaire “a beneficência para com o próximo”. Franklin de

Matos (1986) conclui que, em sendo assim, a virtude da

qual se fala é “fundamentalmente a sociabilidade”,

enfatizando a ideia de que o filósofo “é um homem que

quer agradar e se tornar útil”. Tal possibilidade deve,

entretanto, ser extraída do próprio texto. A leitura aqui feita

não caminha “absolutamente em paralelo” a esta

interpretação, mas não há necessidade de se contrapor a ela.

Com o teatro assumindo essa característica de ter

um autor com vocação para filósofo, o qual visa ensinar

virtudes, das quais a sociabilidade desponta como relevante,

emana da interpretação acima uma função didática (de

ensino) atribuída ao teatro. A continuidade do texto é aqui

feita não pautada nessa eventual identidade.

§25 (Após algumas reflexões...)

Diderot coloca Aristo a pensar sobre os elogios

vindos da ignorância e aceitos por conveniência (despudor),

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Expandindo Diderot ¨Dos autores e dos críticos”, Harry Edmar Schulz

28 São Carlos, 2012.

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bem como a buscar a origem das ideias de bom, belo e

verdade que fundamentam nossos julgamentos.

Comentário HES:

Não há a necessidade de comentários, uma vez que

o parágrafo é preparativo para o desenrolar dos argumentos

de Diderot no personagem de Artisto.

§26 (“Não há, talvez...)

Aristo discorre sobre a dessemelhança entre os

indivíduos humanos, tanto no aspecto material ou físico,

como no aspecto social e no aspecto mental. Tudo influi na

formação do indivíduo, fazendo ser impossível que dois

indivíduos tenham o mesmo gosto, ou as noções do bom,

belo e verdadeiro.

Comentário HES:

A idéia aqui é mostrar que a imensa multiplicidade

de fatores que afetam a vida de cada um conduzem ao

“indivíduo individual”, único, que encara a vida a sua

maneira. Diderot inicia a construção de um universo

multifacetado e, na sequência, a desconstrução de um

“ideal” que possa açambarcá-lo.

§27 (E não é tudo.)

Aristo aponta não apenas as diferentes situações

estanques, mas a contínua variação das próprias condições

da cada indivíduo, seja fisicamente, seja moralmente. O

autor fala das sucessões de dor e prazer, saúde e doença, da

substituição “celular” (talvez não possuindo agora as

moléculas que tinha ao nascer e futuramente não possuindo

em sua morte as moléculas que agora possui). A memória

garante a individualidade, mas começa-se balbuciando,

alcança-se o raciocínio e termina-se novamente

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Expandindo Diderot ¨Dos autores e dos críticos”, Harry Edmar Schulz

29 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

balbuciando. Assim, os julgamentos de qualquer um sobre

o bom, o belo e o verdadeiro variam, bastando como

exemplo considerar a perversidade e a mágoa junto aos

humanos.

Comentário HES:

A multiplicidade de situações e de condições é

ampliada, considerando a variável tempo, que condiciona

modificações contínuas no ser humano e em todas as

coisas. O autor aponta para a dificuldade de efetuar

julgamentos nesse ambiente fragmentado e dinâmico.

§28 (Assim, estará o...)

Aristo se pergunta se estamos condenados a não

termos acordo entre os indivíduos e para nós próprios sobre

o bom, belo e verdadeiro. Seriam palavras arbitrárias e

vazias de sentido? Tudo seria uma questão de gostos

diferentes entre indivíduos e entre diferentes momentos de

um mesmo indivíduo?

Comentário HES:

Diderot atingiu o clímax do seu discurso de

dessemelhança constante. Não há possibilidade de

semelhança de julgamentos, nem por parte do próprio

indivíduo, que muda sempre, nem entre indivíduos que

sofreram diferentes influências. Isto é colocado como uma

pergunta, uma vez que o personagem Aristo coloca as

questões para buscar uma resposta. Na sequência, o

personagem começa a propor soluções.

§29 e 30 (E aqui Aristo fez...)(Isto basta, me...)

Aristo, após um momento de reflexão, comenta que,

se cada um se considerar juiz e modelo, a multiplicidade de

indivíduos e dos momentos de cada um será o número de

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Expandindo Diderot ¨Dos autores e dos críticos”, Harry Edmar Schulz

30 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

medidas e de juízos. A primeira conclusão de Aristo é a

necessidade de procurar essa medida e modelo fora dele

mesmo, comentando que, de outra forma, seus julgamentos

serão incertos.

Comentário HES:

Diderot coloca-se como buscando um “modelo” fora

de si e, por extensão, fora de todos os indivíduos. Em

termos mais modernos, trata-se de estabelecer um padrão

absoluto, um “metro padrão”, para usar uma analogia, a que

todos possam se sujeitar com segurança e, principalmente,

Aristo em suas dúvidas expostas no texto. Note-se que esta

discussão está inserida no contexto do teatro, dos autores e

críticos, mas não há menção explícita a eles nas passagens

até o momento lidas.

O uso de um “modelo” é a busca de uma solução.

Diderot optou por esse caminho por causa de sua linha

argumentativa (ou criativa, ou suas influências filosóficas).

Note-se que Diderot estava produzindo a enciclopédia, com

a qual a realidade multifacetada dos conhecimentos

humanos, das profissões, dos conceitos, mostrava a sua

realidade. Diderot tinha conhecimento sólido acerca da total

fragmentação daquilo que se poderia designar de “saber”.

Cada nicho de conhecimento mostrava a ele (Diderot) a sua

estrutura fractal (usando uma terminologia atual), que

evidenciava as nuances que podiam despontar nesse nicho,

em suas multiplicidades. Nesse contexto, que talvez apenas

Diderot tenha experimentado com semelhante profundidade

em sua época, é interessante seguir a apresentação do autor,

nas palavras e pensamentos de Aristo.

§31 (Mas de onde...)

O ideal invariável se mostra um problema para

Aristo. Seria um homem produzido por ele, ao qual, ao

final, Aristo obedeceria em seus julgamentos. A

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Expandindo Diderot ¨Dos autores e dos críticos”, Harry Edmar Schulz

31 São Carlos, 2012.

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invariabilidade leva à necessidade de “elementos

constantes”, que Aristo conclui ser difícil reunir. À

pergunta se estaria dispensado de tentar essa proeza, a

resposta negativa o faz considerar todos os esforços dos

antigos escultores para gerar seu modelo de beleza. Mas

Aristo considera que deve tentar realizar a tarefa, para

poder ser cognominado de filósofo.

Comentário HES:

As considerações do personagem denotam a

dificuldade da tarefa de buscar ou “construir” um “modelo

ideal”. Em um exemplo voltado à beleza, mais uma vez

comenta-se a dificuldade de reunir as observações, estudos

e trabalhos para atingir o modelo de beleza dos antigos. Em

adição, o parágrafo menciona os “elementos constantes”,

cujo paradeiro é desconhecido. A tarefa, entretanto, é ainda

tida como necessária.

§32 e 33 (Neste momento,...)(“Ao primeiro...)

Aristo tem um segundo momento de reflexão, mais

demorado que o anterior, após o que ele decide tomar as

proporções dos antigos para suas estátuas, assumindo-as

como parte de seu modelo. Na sua divagação, percebe que

deve dar vida a este modelo, colocando órgãos perfeitos

nele e todas as qualidades dos mortais, exigindo

conhecimentos físicos, morais e naturais que exigem estudo

e trabalho em profusão para serem adquiridos, abordando

cada ciência profundamente. Aristo diz que teria o modelo

ideal para o bom, belo e verdadeiro, mas percebe a

impossibilidade dessa tarefa, pois teria necessidade da

inteligência e eternidade divinas.

Comentário HES:

Dotar de órgãos? Isto é, dotar de vísceras? Trata-se

de uma ironia. Ninguém poderia supor essa possibilidade.

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Expandindo Diderot ¨Dos autores e dos críticos”, Harry Edmar Schulz

32 São Carlos, 2012.

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Diderot talvez se utilize de uma metáfora baseada em

Michelangelo, quando, terminando a estátua de Moisés, lhe

perguntou gritando “Perché non parli?” (porque não falas?)

(ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Moisés_(Michelangelo)).

A tarefa é impossível desde o início, desde a sua mais

remota concepção. Diderot evidentemente criou a situação

para que Aristo se visse em dificuldades com a proposta de

um “modelo ideal”. A frase colocada na boca de Aristo é:

“Mas é impossível formar esse modelo ideal...”.

Assim, tendo atingido a consciência da

impossibilidade do modelo ideal, Diderot atingiu agora o

ponto mais agudo da frustração de Aristo, “precipitado

novamente nas incertezas de onde pretendia sair”.

O modelo ideal, como inicialmente concebido, é

uma impossibilidade.

§34 (Aristo, triste e...)

Aristo, triste, retoma seus pensamentos. Uma vez

que os escultores gregos fizeram seu modelo próprio, Aristo

pensa que cada atividade deve ter seu modelo. Para as letras

um modelo, assim como para o filósofo um outro. O

modelo do filósofo ditará o que é bom e belo ou o que é

ruim e disforme, sendo tanto mais severo quanto mais

conhecimento detiver. Aristo então diz que não há ninguém

que possa julgar “igualmente bem” tudo relacionado ao

belo, bom e verdadeiro, ou o “modelo geral de toda

perfeição”.

Comentário HES:

Diderot flexibiliza o “modelo ideal”. Ele não é mais

único, mas destinado a cada atividade humana, podendo ser

aperfeiçoado em se adicionando mais conhecimentos. Para

o filósofo, esse modelo poderia então decidir sobre o bom,

sobre a verdade e sobre a beleza. Entretanto, mais uma vez

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Expandindo Diderot ¨Dos autores e dos críticos”, Harry Edmar Schulz

33 São Carlos, 2012.

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Diderot afirma que ninguém pode julgar sempre

“igualmente bem” sobre esses aspectos.

Note-se que Diderot havia partido de uma proposta

“totalmente perfeita” de um modelo ideal, desde seus

órgãos até seu conhecimento, sua moral, e tudo que diz

respeito aos mortais. Diante da impossibilidade evidente

construída por Diderot, o autor conduz o leitor para uma

segunda possibilidade, que é a proposta de um modelo para

cada atividade. No caso do filósofo, seu modelo poderia ser

ainda “aperfeiçoado”, sendo tanto melhor quanto mais

conhecimento for disponibilizado para ele. Ainda assim,

preparado para julgar o bom, o belo e o verdadeiro, Diderot

aponta para a dificuldade dos julgamentos sempre

“igualmente bons”. Assim, o personagem está

“desconstruindo” o modelo ideal, “ajustando-o” àquilo que

seria possível de ser conseguido por ele.

§35 (Mas este modelo...)

Aristo se pergunta o que faria com seu modelo de

filósofo. Seguindo o exemplo de pintores e escultores,

Aristo conclui que o modificaria segundo as circunstâncias,

o que remete à exigência de um “segundo estudo”

Comentário HES:

Neste parágrafo perde-se a identidade dos

“elementos constantes” do modelo inicial. A circunstância

estabelece o que será feito com o modelo. Mas para que se

possa utilizar o modelo para as diferentes circunstâncias, há

a necessidade do estudo dos detalhes dessas circunstâncias.

Anteriormente Aristo tinha concluído que ninguém poderia

julgar “igualmente bem” sempre. Assim, cada circunstância

exigirá uma modificação do modelo, o que será feito em se

acrescentando conhecimentos, através de estudos. Nas

palavras de Diderot: “Eis o segundo estudo ao qual será

preciso que me dedique”.

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Expandindo Diderot ¨Dos autores e dos críticos”, Harry Edmar Schulz

34 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

O modelo, portanto, tornou-se algo que se afasta do

ideal, assumindo ele próprio múltiplas “formas”, e exigindo

o estudo de detalhes.

§36 (O estudo dobra...)

Uma sequência de conexões direcionadas é

apresentada: estudo para as letras, exercício para o soldado,

o peso carregado afetando os rins do carregador, a cabeça

para trás da mulher gorda, a posição dos membros do

corcunda, que são observações voltadas aos escultores, que

modificam o “modelo ideal do estado da natureza” para

qualquer outro estado.

Comentário HES:

O “modelo” recebe ainda o “título” de “modelo

ideal do estado da natureza”, mas a observação o torna

maleável, adaptável, moldável para qualquer outro estado

que se queira. O exemplo fala do escultor, mas o que seria o

modelo do filósofo, que julgará o bom, o belo e o

verdadeiro? Igualmente, será adaptável a qualquer situação,

de acordo com a necessidade da situação em que surgir o

bom, o belo e o verdadeiro para o devido julgamento. E

cada necessidade implica em estudo, como mencionado no

parágrafo 35. Assim, o modelo começa a se esvanecer,

mantendo o título, mas assumindo a real existência de um

“conjunto de conhecimentos”.

§37 e 38 (É o estudo das...)(É assim que...)

Aristo enfatiza que é o estudo das “paixões”,

“constumes”, “caracteres”, “usos” que fará o pintor

modificar um homem para expressar suas emoções e índole.

No exemplo do pintor, “de um só simulacro” deve emanar o

todo, a infinitude das representações, das profissões, dos

atos dos personagens da tela, mesmo de seus pensamentos,

de suas emoções, trejeitos e personalidade. E deverá ser

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Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

possível reconhecer as diferentes alegrias em diferentes

momentos de sucesso em se apreciando o todo da tela.

Comentário HES:

Onde ficou o modelo ideal? Onde estão os

elementos constantes? Onde está aquele que terá todas as

respostas “igualmente boas”? De fato, não existe. O que se

tem agora é um simulacro, que é moldado de acordo com a

necessidade, de acordo com o conhecimento, de acordo

com aquilo que foi estudado e adquirido de conhecimento

para se tornar aplicável ao maior número de situações. O

modelo tornou-se “conhecimento”.

Diderot apontou na direção do “modelo ideal” e,

simulando uma busca, de fato o desconstruiu. Mas não foi

um esforço sem respostas, um esforço negativo. Nessa

busca, o estudo é o que desponta como necessário.

§39 (Após este solilóquio...)

Após todas as reflexões feitas, Aristo percebeu que

precisava estudar para aprender. Decidiu estudar por quinze

anos os diferentes saberes humanos (filosofia, história,

moral, ciências e artes), tornando-se homem de bem, de

gosto, grande autor e crítico.

Comentário HES:

Nesse último parágrafo Diderot gera um clímax para

o estudo, para o saber. Seu personagem se retira do

convívio social (e do texto), “enterrando-se em casa”,

talvez se aproximando um pouco do sentimento de

Misantropia de Molière, que é mais próprio do homem de

bem, para estudar. Em outros termos, apenas o estudo

permite produzir textos de acordo com a necessidade, ou,

no caso do filósofo, de julgar de acordo com a necessidade

(adequado ao crítico e ao autor que se auto-critica).

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Expandindo Diderot ¨Dos autores e dos críticos”, Harry Edmar Schulz

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A conclusão que Diderot coloca diante do leitor é

esta: para ser bom crítico e bom autor (título desta parte do

texto) é preciso estudar. Considerando a ênfase dada ao

tempo, é preciso estudar muito. Esta posição não

surpreende. Como já mencionado, Diderot estava editando

a “Enciclopédia”, que via “como a destruição das

superstições e o acesso ao conhecimento humano.” Quando

completa constituiu-se de 33 volumes, 71.818 artigos e

2.885 ilustrações. Ela representa um esforço notável para

unir, em um só compêndio, conceitos teóricos e

“tecnologias do período, descrevendo os instrumentos

manuais tradicionais bem como os novos dispositivos da

revolução industrial do Reino Unido” (as aspas representam

expressões retiradas de http://pt.wikipedia.org/wiki/

Encyclopédie). A produção da Enciclopédia é o exemplo

dado pelo próprio Diderot do seu esforço em prol do

conhecimento. Não foram gastos “apenas” os 15 anos que

Diderot concedeu a Aristo, mas mais de 20 anos de

contínua edição dos textos fornecidos por diferentes

autores.

Portanto Diderot estava envolto totalmente pela

multiplicidade do conhecimento e absorto na leitura dos

mais diferentes temas enquanto editava a Enciclopédia. Não

se quer aqui dizer que seus textos vinculados ao teatro e às

artes em geral tenham um viés enciclopédico, mas que a

postura de Diderot frente à necessidade de conhecimento

mantinha-se coerente em diferentes obras. A sua época

permitiu que ele influenciasse a evolução da sua França.

Vista a posteriori, trata-se de uma ação de altíssimo

impacto “humanizante”. O que ocorreu depois na história,

com as mortes em profusão do homem pelo homem, é

talvez fruto da “imperfeição humana” (um aglomerado de

paixões, ambições, ingenuidade e ignorância), justamente

aquela que os conceitos desenvolvidos em prol do

conhecimento visam amenizar.

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Expandindo Diderot ¨Dos autores e dos críticos”, Harry Edmar Schulz

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Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

A conclusão de Aristo aponta exatamente nesta

direção: adquirir conhecimento para se tornar alguém que

mereça ser “ouvido”, alguém que se torne “de bem”,

“cultivado”, “de gosto” (palavras de Diderot). Não há o

“modelo ideal”, ou o “ícone”, ou o “caudilho”. Um

indivíduo, para merecer ter sua opinião considerada, deve

adquirir conhecimento pelo estudo. A posição oposta seria

este indivíduo ficar em seu “vale”, considerando-se o

“supra sumo” do conhecimento (apenas para mencionar o

início deste texto de Diderot). Ao que tudo indica, ao

estruturarmos a sociedade atual, em todas as suas

atividades, baseada na transmissão e geração de

conhecimento (o exemplo são as Universidades espalhadas

pelo globo), estamos tentando seguir em grande parte a

proposta final deste texto. A ignorância, nessa abordagem,

não é uma boa companheira para a vida.

Enfim, o “ideal” é o conhecimento. Todo o resto é

quimera.

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Expandindo Diderot ¨Dos autores e dos críticos”, Harry Edmar Schulz

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Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

3 - Referências Bibliográficas

Costa, S.C. (2014), Resenhas de O misantropo de

Menandro e Moliére, Revista Transdisciplinar

Logos e Veritas, Vol 01, no 2, pp. 91-102.

Diderot, D. (1758) Discurso sobre a poesia dramática,

Tradução de Franklin de Matos (1986), São Paulo,

Ed. Brasiliense.

Franklin de Matos, L.F. (1986) Tradução do Discurso sobre

a poesia dramática, de Diderot (1758), São Paulo,

Ed. Brasiliense.

Guinsburg, J. (1990), Denis Diderot, revista USP, Dez/Jan/

Fev, pp.123-146.

Mariz, V. (2008), Villegagnon: herói ou vilão?,

HISTÓRIA, São Paulo,Vol 27, no 1, pp.51-75.

Ricardo, M.F.(2008), Denis Diderot – flashes de uma

biografia, Lettres Françaises (UNESP,

Araraquara), Vol 9, pp. 41-62.

(http://seer.fclar.unesp.br/lettres/article/viewFile/2

040/1668)

Verbete Denis Diderot, Wikipédia,

http://pt.wikipedia.org/wiki/Denis_Diderot.

Verbete Enciclopédia, Wikipédia,

http://pt.wikipedia.org/wiki/Encyclopédie.

Verbete Moisés_Michelangelo, Wikipédia,

http://pt.wikipedia.org/wiki/Moisés_(Michelangelo)

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Expandindo Diderot ¨Dos autores e dos críticos”, Harry Edmar Schulz

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Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

Imagem da capa:

A imagem de Diderot foi importada para a

ferramenta “paint”, onde foi esticada de maneira

segmentada. A face foi mantida, mas as partes

correspondentes à cabeça foram “expandidas”. Trata-se de

uma metáfora que responde muito mais a um anseio do

presente autor, que é o de ver o conhecimento real avançar

sobre todos nós, participantes efêmeros de uma

humanidade que queremos “ver” evoluir. Expandir a ideia

de Diderot, de que o estudo intenso é “o ideal” que nos

fará melhores (na visão do presente autor, enquanto

humanidade), corresponde a esta metáfora.