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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA __ª VARA ____________DO FORO ______ DA COMARCA DE _____________
Autos do processo nº ________________________________
Autor: _____________________________________
NOME, já qualificado nos autos do processo em referência, pelo
Defensor Público do Estado de São Paulo que esta subscreve, vem à presença de V. Exa.
interpor recurso de APELAÇÃO da r. sentença de fls. 320 e seguintes, com fundamento
nos artigos 513 e seguintes do Código de Processo Civil, de acordo com as razões de fato
e de Direito aduzidas em anexo.
Observa o apelante que fez uso da faculdade conferida pelo artigo
128, inciso I, da Lei Complementar Federal nº 80, de 12 de janeiro de 1994, no sentido
de ter em seu favor contado em dobro o prazo recursal.
Requer, desta forma, o regular processamento do recurso e sua
remessa oportuna ao Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para julgamento.
Termos em que,
espera deferimento.
São Paulo, xxxxxxxxxxxxxxx
Defensor(a) Público(a) Unidade de XXXXXXXXX
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1
RAZÕES DE APELAÇÃO
Apelante:
Apelado:
EGRÉGIO TRIBUNAL,
COLENDA CÂMARA,
ÍNCLITOS JULGADORES.
DOS FATOS
Trata-se de ação ordinária de obrigação de fazer, cumulada com indenização
por danos morais, proposta pelo ora Apelado em face do Apelante, alegando ter este
publicado em seu “blog” (www.infanciaurgente.blogspot.com) e hospedado pela Google
Brasil Internet Ltda., “carta apócrifa, de conteúdo calunioso e difamatório, que fere de
morte a honra do autor e de outros diretores de unidades”.
A referida carta era intitulada “Excelencia precisamos de sua atenção” (sic) e
foi publicada sob o título “Velha/Nova Febem/ Fundação Casa 161.
Em razão disso, pleiteou a retirada da referida carta do conteúdo do “blog
infanciaurgente” e, também, a retirada do próprio blog do ar, sob pena de multa diária,
tudo a ser determinado judicialmente em face da corré Google Brasil Internet Ltda.
Especificamente no que tange ao ora Apelante, formulou pedido de
condenação em danos morais, em valores a serem arbitrados pelo juízo (o que foi
ulteriormente alterado para dez mil reais – fls. 82).
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2
Feito pedido de tutela antecipada para o fim de ver liminarmente
determinada a retirada da referida missiva do conteúdo do blog, foi aquela concedida,
“inaudita altera pars”, tendo o provedor do serviço Google Brasil cumprido a ordem
judicial antes mesmo da citação do Apelante.
Uma vez citado, o ora Apelante buscou a Defensoria Pública do Estado de São
Paulo, visto tratar-se de pessoa hipossuficiente (fls. 218), para a promoção de sua defesa
em juízo, o que inicialmente foi refutado pelo Mm. Juiz de Direito, que insistiu na
nomeação de advogado dativo da Ordem dos Advogados do Brasil (a ser pago pelo
convênio firmado com a Defensoria Pública), situação essa que foi sanada pelo
compromisso assumido pela Defensoria Pública de receber intimações pessoais no Juízo
de Cerqueira César, na pessoa dos Defensores Públicos oficiantes na Regional de Avaré,
dada sua proximidade. (fls. 286/7)
Superado este entrave, prosseguiu o feito com a apresentação de contestação
e de sua resposta, após o que as partes foram instadas a especificar as provas que
pretendiam produzir, o que fizeram, ambas, pela afirmativa, no sentido da realização de
oitiva pessoal do autor e do réu, além de pedido, formulado por este último, no seguinte
sentido:
“Expedição de ofício para a Google Brasil Internet Ltda., já qualificada nos
autos, a fim de que esta forneça cópia de todos os arquivos relativos ao “ BLOG
INFANCIAURGENTE”, notadamente aqueles em que consta a publicação da carta
“Excelencia precisamos de sua atencao” e de todos os comentários a ela
agregados e dos eventuais links para aquela postagem, conforme as
ferramentas específicas localizadas no rodapé de cada artigo veiculado,
devendo ainda informar quantos acessos teve o referido “blog” no período
em que a carta ficou no ar.”
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Inobstante, o D. Juízo houve por bem determinar o julgamento antecipado da
causa, culminando por entender pela ocorrência de dano moral e condenar o ora
Apelante no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com correção monetária e juros de
mora contados da citação, além de verba honorária arbitrada pelo máximo.
Com a devida vênia, a r. sentença deve ser integralmente reformada, dada a
inocorrência de dano moral e da prevalência do direito à informação pública sobre fatos
de relevância social, como adiante restará cabalmente demonstrado.
PRELIMINARMENTE: DO CERCEAMENTO DE DEFESA E DO PREJULGAMENTO DA
DEMANDA
A r. sentença de fls. retro foi produzida de forma precipitada, com evidente
menoscabo do direito de o ora Apelante esgotar suas possibilidades de se defender
adequadamente e de provar a inocorrência do dano moral pretendido pelo autor da
demanda, devendo ser revista para que tornem os autos à origem e sejam praticados os
devidos atos processuais de instrução da lide.
Deveras, o D. Juízo entendeu “prescindível” a produção da prova oral que, de
resto, era pretendida por ambas as partes (fls. 321). Asseverou que não havia que se
falar na possibilidade de obtenção de confissão.
No entanto, ao assim agir, S. Exa. deixou de fornecer ao Apelante a
oportunidade de esclarecer aspectos centrais atinentes à ocorrência, ou não, de dano
moral, quais sejam, a extensão e intensidade do pretendido sofrimento e a
intencionalidade de quem publicou a carta em seu blog.
Vejamos.
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Como bem destacado pela empresa corré na presente ação em sua
contestação (fls. 124 e ss.), o dano moral não decorre de um mero sofrimento que a
parte alegue ter sofrido, senão que devem concorrer três elementos, a saber, “dano,
ilicitude e nexo causal”. (Humberto Theodoro Júnior, Comentários ao Novo Código Civil,
Volume III, Tomo II. Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2003. p. 43)
Ainda, segundo a lição de Maria Helena Diniz, “não poderá haver ação de
indenização sem existência de um prejuízo.”
Assim é que o mero sofrimento da parte não seria bastante para sustentar a
tese do autor, ora apelado, servindo a sua oitiva pessoal para que esclarecesse qual o
dano por ele sofrido e qual sua eventual extensão, visto que, em sua petição inicial nada
restou demonstrado a esse respeito.
Da mesma forma, no que tange à intenção do Apelante ao publicar a carta em
seu blog, sendo certo que sua oitiva pessoal era curial para que ele expusesse ao
julgador os motivos que o levaram a tomar tal decisão, a partir do que – e somente após
tal oitiva – poder-se-ia perquirir quanto à ocorrência de dolo ou culpa, necessários para
caracterizar eventual ilicitude do ato e, neste caso, culminar com a condenação da parte.
Na realidade, o D. Juízo presumiu que o apelante agiu com a intenção de
atingir a honra do apelado e de lhe causar sofrimento moral, quando, na verdade, não
poderia tê-lo feito em relação a um dos pilares sobre os quais se baseia a ocorrência, ou
não, do dano moral.
Deveria, isso sim, ter ouvido o ora Apelante para o fim de aferir a eventual
ocorrência de dolo ou culpa para, somente de posse de tal prova, julgar a causa de forma
equilibrada, inclusive ponderando o valor da condenação em face desse critério, se o
caso.
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Lamentavelmente, o D. Juízo “a quo” ultrapassou as etapas necessárias de
instrução da demanda, acelerando o trâmite da causa para que, desde logo, pudesse dar
seu veredicto, pela condenação integral, o que, como se verá, já se sabia de antemão.
Na realidade, a causa já estava prejulgada desde o seu início e a negativa do
Juízo em consentir na produção de provas apenas confirma o que já se supunha.
Basta que se veja o teor de sua decisão quando a autora da demanda - aqui
apelada – requereu a concessão de tutela antecipada para que a carta fosse retirada do
blog do apelante. Disse S. Exa., na ocasião, ultrapassando os limites do pedido e
enveredando quanto ao mérito da causa:
“Na carta publicada, é possível observar que não faz apenas alusões
a fatos concretos, mas também atribui adjetivos desqualificadores
em relação ao autor, maculando sua honra objetiva e subjetiva. (g.n.)
E continuou:
“Com efeito, a liberdade de expressão e manifestação do pensamento
não pode sobrepor (sic) ao direito da personalidade dos indivíduos
como imagem e honra. Em que pese pessoa pública, não é permitido
aos meios de comunicação atribuir adjetivos desqualificadores e,
muito menos, atribuir fatos sem qualquer embasamento fático, sob
pena de ferir a dignidade da pessoa humana”. (fls. 83 e 84)
Tais afirmações, Excelências, foram produzidas muito antes de o réu ter
sequer sido citado. O Mm. Juiz já o condenara antes mesmo dele ingressar
formalmente na causa!!!
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Sem dúvida, já decretara que a honra do autor estava “maculada” ao
decidir pela retirada do blog, muito antes deste poder apresentar sua versão dos
fatos e produzir provas, providências necessárias para que o processo
transcorresse de forma equilibrada e imparcial.
Importa aqui consignar que, ao decidir sobre a tutela antecipada, o D. Juízo já
se manifestou sobre o mérito da demanda, afastando quaisquer argumentos que o réu
pudesse vir a esgrimir em sua futura contestação, subvertendo completamente a lógica
do processo e, mesmo, colocando em fundada dúvida sua imparcialidade para apreciar a
demanda.
Não bastasse, importa notar que a parte autora, instada a se manifestar sobre
a realização de audiência de conciliação, a isso se mostrou favorável (fls. 302), o que
demonstrava a possibilidade de composição das partes, oportunidade que foi
sumariamente descartada pelo Juízo.
Segundo o D. Magistrado sequer a conciliação poderia ocorrer. O réu
havia de ser condenado!
Da mesma forma quanto ao pedido de exibição de todos os arquivos relativos
ao “blog infanciaurgente”, notadamente aqueles em que consta a publicação da carta
“Excelencia precisamos de sua atencao” e de todos os comentários a ela agregados e dos
eventuais links para aquela postagem, conforme as ferramentas específicas localizadas
no rodapé de cada artigo veiculado, devendo ainda informar quantos acessos teve o
referido “blog” no período em que a carta ficou no ar.
Tal pedido, feito já em sede de contestação (fls. 244), foi reiterado pela
Defesa no item 1 da petição de fls. 318, sendo indeferido pelo Juízo, em seu afã de
sentenciar a causa consoante seu prejulgamento, no que, novamente, atropelou o
sagrado direito de a parte se defender em juízo.
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No caso, a referida documentação é crucial para demonstrar que o autor da
ação, aqui apelado, jamais formulou qualquer pedido de publicação de direito de
resposta e / ou que o apelante tenha lhe negado esse direito, se formulado.
Novamente, essa prova liga-se à caracterização, ou não, do dano moral, assim
como à própria intenção do apelante de causar sofrimento à parte contrária.
Por tais motivos, Excelências, há de ser prontamente reformada a r. sentença
de fls. retro, para o fim de se determinar a reabertura da fase instrutória, com a
apresentação em juízo do conteúdo do blog relativo à presente causa, pelo evidente
motivo de que o apelante a ele não tem acesso, visto que foi o próprio Juízo, ao acolher o
pedido de tutela antecipada, quem determinou à corré Google Brasil “a exclusão da carta
postada no site onde está publicada como intitulada “Excelência precisamos de sua
atenção”. (fls. 84)
Diante do exposto, desde logo é a presente para requerer seja provido o
recurso, reconhecendo-se como violado o Código de Processo Civil, dada a inocorrência
da hipótese do artigo 330, inciso I, haja vista que havia efetivamente necessidade de
produzir prova em audiência.
Como corolário, espera-se desta Eg. Corte a aplicação do artigo 331 do
mesmo Código, para o fim de determinar a designação de audiência preliminar, na qual
tentar-se-á a conciliação ou, se esta não se produzir, seja colhida a prova requerida pelas
partes, tudo para que os aspectos fáticos relativos ao pretendido dano material sejam
esclarecidos.
Desde logo o apelante prequestiona os artigos 330 e 331 do Código de
Processo Civil (lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973).
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Caso assim não entendam Vv. Exas. o que se admite apenas em amor ao
princípio da eventualidade, passa o apelante ao mérito, em que demonstrará a
inocorrência de dano moral e a prevalência do direito à informação social.
DA INOCORRÊNCIA DE DANO MORAL
A questão já foi sobejamente cuidada no âmbito da contestação da corré
Google Brasil Internet Ltda. (fls. 124 e ss.) de modo que ao apelante nada mais há que
fazer senão se reportar às lições da doutrina e jurisprudência pátrias que deixam claro,
sem dúvidas quaisquer, que sem a comprovação de dano não há que se falar em
indenização.
Realmente, dizem os doutrinadores que o mero sofrimento psíquico, ainda
mais em pessoa no exercício de cargo público, não justifica a condenação à indenização,
haja vista a inocorrência de dano.
Assim, não basta o aspecto subjetivo. Deve existir um prejuízo objetivo
gerado pela conduta supostamente ofensiva, sem o que inexiste o dano moral.
E, no presente caso, não houve comprovação de qualquer dano sofrido pelo
apelado que justificasse a condenação do apelante, tanto assim que na petição inicial da
presente causa o autor sequer dimensionara um valor de condenação, sendo forçado,
por ato do juiz da causa, a atribuir um valor aleatório de R$ 10.000,00 à guisa de
supostos danos sofridos.
DO PLENO EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO: INEXISTÊNCIA DE DANO
MORAL
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A r. sentença apelada, para refutar os argumentos manifestados em sede de
contestação, sustentou que “a liberdade de expressão e manifestação de pensamento
não pode redundar na ofensa ao direito da personalidade dos indivíduos. Por isso, deve
ser exercida com equilíbrio e responsabilidade”. Suscitou, como base de sua posição, o
artigo 5º, inciso V, da Constituição Federal.
Contudo, é na mesma Constituição Federal de 1988 que se encontra
consagrada a liberdade de expressão do pensamento e a liberdade de crítica,
conforme os preceitos inscritos nos incisos IV, V, IX e X do art. 5º, e no art. 220, §§
1º e 2º da Carta Maior, liberdades essas que, aliadas à possibilidade de utilização
do direito de resposta, são os mecanismos que permitem o livre trânsito de idéias
em nossa sociedade, permitindo às pessoas que formem sua convicção sobre os
mais variados temas, tudo a fim de garantir o pluralismo democrático, base de
nossa República.
Dizem os preceitos constitucionais invocados:
Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da
indenização por dano material, moral ou à imagem;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença;
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X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação;
E ainda:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a
informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão
qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à
plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de
comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica
e artística.
Tais são as normas que regem a questão, às quais a doutrina e a
jurisprudência dão interpretação conforme, no sentido de que a eventual
contrariedade causada pela veiculação de informação jornalística deve ser
enfrentada, não pela via cerceadora do dano moral, mas pela via democrática do
pleno exercício do direito de resposta.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, incisos IV e IX, inserido no
Título dos Direitos e Garantias Fundamentais, consagra os princípios da liberdade de
informação, pensamento e expressão, sendo inegável que a liberdade de expressão,
informação e pensamento é um dos pilares sobre o qual se assenta a democracia, sendo
de vital importância para o pleno desenvolvimento dos cidadãos, da sociedade. Nesse
sentido, pondera ALEXANDRE DE MORAES:
"A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de
uma sociedade democrática e compreende não somente as informações
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11
consideradas como inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também
aquelas que podem causar transtornos, resistência, inquietar pessoas,
pois a Democracia existe a partir da consagração do pluralismo de idéias
e pensamentos, da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo.
Proibir a livre manifestação de pensamento é pretender alcançar a
proibição do pensamento e, conseqüentemente, obter a unanimidade
autoritária, arbitrária e irreal."1 (g.n.)
A jurisprudência de nossas Altas Cortes já se posicionou sobre o tema, em
julgados históricos, eis que instadas por figuras públicas, como o presidente da
Confederação Brasileira de Futebol, e políticos de renome, que pleiteavam, tal como aqui
pretendido, o cerceamento da liberdade de imprensa pela via judicial. E, ao fazê-lo,
consagraram a prevalência da liberdade de expressão e de crítica, exatamente do que
ora se cuida.
Assim é que o C. Supremo Tribunal Federal em diversas oportunidades
ressaltou o primado da liberdade de expressão do pensamento sobre os direitos
da personalidade, notadamente no caso de pessoas que exercem funções públicas,
cuja modulação deve se dar pelo exercício do direito de resposta, não pelo
cerceamento da palavra.
Preciso exemplo advém do acórdão exarado no Agravo de Instrumento nº
505.595 / RJ (j. em 11.11.2009), em que o D. Relator, Ministro Celso de Mello, bem
destacou:
“Ninguém ignora que, no contexto de uma sociedade fundada em bases
democráticas, mostra-se intolerável a repressão estatal ao pensamento,
ainda mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada
1 In: Direitos Humanos Fundamentais, Ed. Atlas, 2ª ed., 1998, p. 118.ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONE
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pelo interesse coletivo e decorra da prática legítima, como sucede na
espécie, de uma liberdade pública de extração eminentemente
constitucional (CF, art. 5º, IV, c/c o art. 220).
Não se pode desconhecer que a liberdade de imprensa, enquanto projeção
da liberdade de manifestação de pensamento e de comunicação, reveste-se
de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas
relevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito de
buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar.
A crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de
qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem
qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o
interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a
eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas.
É por tal razão que a crítica que os meios de comunicação social
dirigem às pessoas públicas, por mais acerba, dura e veemente que
possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as
limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos da
personalidade.” (g.n.)
E prossegue Sua Excelência, em trecho que, em tudo, se aplica ao presente
caso:
“É importante acentuar, bem por isso, que não caracterizará hipótese de
responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo
conteúdo divulgar observações em caráter mordaz ou irônico ou,
então, veicular opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até,
impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem
dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de
autoridade governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica
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qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito
doloso de ofender.
Com efeito, a exposição de fatos e a veiculação de conceitos, utilizadas
como elementos materializadores da prática concreta do direito de crítica,
descaracterizam o “animus injuriandi vel diffamandi”, legitimando, assim,
em plenitude, o exercício dessa particular expressão da liberdade de
imprensa.” (g.n.)
Ora, a publicação da carta anônima recebida pelo réu, cujo conteúdo
procurava expor os problemas gerados por atos administrativos indevidos praticados
pelo autor na gestão de Unidade da Fundação Casa, tinha o evidente intuito de expor à
sociedade situação do mais amplo interesse público, sobretudo porque tais fatos
estariam ocorrendo no seio de instituição fechada (estabelecimento de internação
de jovens), cujo histórico de abusos e violações da dignidade dos internos é tão
recorrente em nosso país que já foi objeto, até mesmo, de duas decisões da Corte
Interamericana de Direitos Humanos.2
A respeito, vem a calhar o seminal voto proferido pelo Ministro Celso de
Mello, ao discorrer magistralmente sobre o direito de crítica jornalística, cujo texto
tornou-se referência sobre o tema no país, o qual pede-se licença para transcrever por
aplicar-se integralmente ao presente caso:
“Entendo relevante destacar, no ponto, analisada a questão sob a
perspectiva do direito de crítica – cuja prática se mostra apta a
descaracterizar o “animus injuriandi vel diffamandi” (CLÁUDIO LUIZ
2 Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 25 de fevereiro de 2011. Medidas provisórias a respeito do Brasil. Assunto da Unidade de Internação Socioeducativa (disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/medidas/socioeducativa_Se_01_portugues.pdf) e Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 25 de novembro de 2008. Medidas Provisórias a respeito do Brasil. Assunto das crianças e adolescentes privados de liberdade no “Complexo do Tatuapé” da Fundação CASA (disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/medidas/febem_se_06_por.pdf). Acesso em 26 de maio de 2011.
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14
BUENO DE GODOY, “A Liberdade de Imprensa e os Direitos da
Personalidade”, p. 100/101, item n. 4.2.4, 2001, Atlas; VIDAL SERRANO
NUNES JÚNIOR, “A Proteção Constitucional da Informação e o Direito à
Crítica Jornalística”, p. 88/89, 1997, Editora FTD; RENÉ ARIEL DOTTI,
“Proteção da Vida Privada e Liberdade de Informação”, p. 207/210,
item n. 33, 1980, RT, v.g.) -, que essa prerrogativa dos profissionais de
imprensa revela-se particularmente expressiva, quando a crítica,
exercida pelos “mass media” e justificada pela prevalência do interesse
geral da coletividade, dirige-se a figuras notórias ou a pessoas públicas,
independentemente de sua condição oficial.
Daí a existência de diversos julgamentos, que, proferidos por Tribunais
judiciários, referem-se à legitimidade da atuação jornalística,
considerada, para tanto, a necessidade do permanente escrutínio
social a que se acham sujeitos aqueles que, exercentes, ou não, de cargos
oficiais, qualificam-se como figuras públicas:
“Responsabilidade civil - Imprensa - Declarações que não extrapolam
os limites do direito de informar e da liberdade de expressão, em
virtude do contexto a que se reportava e por relacionar-se à pessoa
pública - Inadmissibilidade de se cogitar do dever de indenizar – Não
provimento.” (Apelação nº 502.243-4/3, Rel. Des. ÊNIO SANTARELLI
ZULIANI – TJSP - grifei)
“Indenização por dano moral. Matéria publicada, apesar de
deselegante, não afrontou a dignidade da pessoa humana, tampouco
colocou a autora em situação vexatória. Apelante era vereadora,
portanto, pessoa pública sujeita a críticas mais contundentes. Termos
deseducados utilizados pelo réu são insuficientes para caracterizar o
dano moral pleiteado. Suscetibilidade exacerbada do pólo ativo não dá
supedâneo à verba reparatória pretendida. Apelo desprovido.” (Apelação
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15
Cível nº 355.443-4/0-00, Rel. Des. NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA –
TJSP - grifei)
“INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL.
INOCORRÊNCIA. MATÉRIA QUE TRADUZ CRÍTICA JORNALÍSTICA.
AUTORA QUE, NO EXERCÍCIO DE CARGO PÚBLICO, NÃO PODE SE
FURTAR A CRÍTICAS QUE SE LHE DIRIGEM. CASO EM QUE FERIDA MERA
SUSCETIBILIDADE, QUE NÃO TRADUZ DANO. AUSÊNCIA DE ILICITUDE DO
COMPORTAMENTO DOS RÉUS. DIREITO DE CRÍTICA QUE É INERENTE À
LIBERDADE DE IMPRENSA. VERBA INDEVIDA. AÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO,
PREJUDICADO O APELO ADESIVO. (...).” (Apelação Cível nº 614.912.4/9-
00, Rel. Des. VITO GUGLIELMI – TJSP - grifei)
“INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL.
INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ILICITUDE. PUBLICAÇÃO DE ARTIGO EM
REVISTA COM REFERÊNCIAS À PESSOA DO AUTOR. INFORMAÇÕES
COLETADAS EM OUTRAS FONTES JORNALÍSTICAS DEVIDAMENTE
INDICADAS. AUSÊNCIA DE CONOTAÇÃO OFENSIVA. TEOR CRÍTICO QUE É
PRÓPRIO DA ATIVIDADE DO ARTICULISTA. AUTOR, ADEMAIS, QUE É
PESSOA PÚBLICA E QUE ATUOU EM FATOS DE INTERESSE PÚBLICO.
SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.”
(Apelação Cível nº 638.155.4/9-00, Rel. Des. VITO GUGLIELMI – TJSP -
grifei)
“(...) 03. Sendo o envolvido pessoa de vida pública, uma autoridade, eleito
para o cargo de Senador da República após haver exercido o cargo de
Prefeito do Município de Ariquemes/RO, condição que o expõe à crítica da
sociedade quanto ao seu comportamento, e levando-se em conta que não
restou provado o ‘animus’ de ofender, tenho que o Jornal não pode ser
condenado ao pagamento de indenização por danos morais. 04. Deu-se
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provimento ao recurso. Unânime.” (Apelação Cível nº
2008.01.5.003792-6, Rel. Des. ROMEU GONZAGA NEIVA – TJDF - grifei)
“A notoriedade do artista, granjeada particularmente em telenovela de
receptividade popular acentuada, opera por forma a limitar sua
intimidade pessoal, erigindo-a em personalidade de projeção pública,
ao menos num determinado momento. Nessa linha de pensamento,
inocorreu iliceidade ou o propósito de locupletamento para,
enriquecendo o texto, incrementar a venda da revista. (...) cuida-se de um
ônus natural, que suportam quantos, em seu desempenho exposto ao
público, vêm a sofrer na área de sua privacidade, sem que se aviste, no fato,
um gravame à reserva pessoal da reclamante.” (JTJ/Lex 153/196-200,
197/198, Rel. Des. NEY ALMADA – TJSP - grifei)
Vê-se, pois – tal como tive o ensejo de assinalar (Pet 3.486/DF, Rel. Min.
CELSO DE MELLO, “in” Informativo/STF nº 398/2005) -, que a crítica
jornalística, quando inspirada pelo interesse público, não importando a
acrimônia e a contundência da opinião manifestada, ainda mais quando
dirigida a figuras públicas, com alto grau de responsabilidade na
condução dos interesses de certos grupos da coletividade, não traduz
nem se reduz, em sua expressão concreta, à dimensão do abuso da
liberdade de imprensa, não se revelando suscetível, por isso mesmo, em
situações de caráter ordinário, de sofrer qualquer repressão estatal ou
de se expor a qualquer reação hostil do ordenamento positivo.
É certo que o direito de crítica não assume caráter absoluto, eis que
inexistem, em nosso sistema constitucional, como reiteradamente
proclamado por esta Suprema Corte (RTJ 173/805-810, 807-808, v.g.),
direitos e garantias revestidos de natureza absoluta.
Não é menos exato afirmar-se, no entanto, que o direito de crítica
encontra suporte legitimador no pluralismo político, que representa
um dos fundamentos em que se apóia, constitucionalmente, o próprio
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17
Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, V). É por tal razão, como
assinala VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR (“A Proteção Constitucional
da Informação e o Direito à Crítica Jornalística”, p. 87/88, 1997,
Editora FTD), que o reconhecimento da legitimidade do direito de
crítica - que constitui “pressuposto do sistema democrático” – qualifica-
se, por efeito de sua natureza mesma, como verdadeira “garantia
institucional da opinião pública”:
“(...) o direito de crítica em nenhuma circunstância é ilimitável, porém
adquire um caráter preferencial, desde que a crítica veiculada se refira a
assunto de interesse geral, ou que tenha relevância pública, e guarde
pertinência com o objeto da notícia, pois tais aspectos é que fazem a
importância da crítica na formação da opinião pública.” (grifei)
Não foi por outra razão – e aqui rememoro anterior decisão por mim
proferida nesta Suprema Corte (Pet 3.486/DF, Rel. Min. CELSO DE
MELLO) - que o Tribunal Constitucional espanhol, ao veicular as
Sentenças nº 6/1981 (Rel. Juiz FRANCISCO RUBIO LLORENTE), nº
12/1982 (Rel. Juiz LUIS DÍEZ-PICAZO), nº 104/1986 (Rel. Juiz
FRANCISCO TOMÁS Y VALIENTE) e nº 171/1990 (Rel. Juiz BRAVO-
FERRER), pôs em destaque a necessidade essencial de preservar-se a
prática da liberdade de informação, inclusive o direito de crítica que
dela emana, como um dos suportes axiológicos que informam e que
conferem legitimação material à própria concepção do regime
democrático.
É relevante observar, ainda, que o Tribunal Europeu de Direitos
Humanos (TEDH), em mais de uma ocasião, também advertiu que a
limitação do direito à informação e do direito (dever) de informar,
mediante (inadmissível) redução de sua prática “ao relato puro, objetivo
e asséptico de fatos, não se mostra constitucionalmente aceitável nem
compatível com o pluralismo, a tolerância (...), sem os quais não há
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sociedade democrática (...)” (Caso Handyside, Sentença do TEDH, de
07/12/1976).
Em suma, da vasta e respeitável jurisprudência colecionada pelo Voto do E.
Ministro Celso de Mello vê-se que a suscetibilidade da pessoa pública, ao ver-se exposta
em matéria de cunho jornalístico, notadamente quando críticas lhe são endereçadas,
perde importância ante a prevalência do interesse público à informação e ao livre
trânsito de idéias numa sociedade democrática.
Da mesma forma, em casos análogos concluiu-se que o dissabor de ver
publicamente expostas críticas, ainda que severas, é o ônus natural pelo qual devem
passar todos os que ocupam cargos ou funções públicas, efeito natural do controle social
de suas atividades, o que decorre dos princípios constitucionais estampados no artigo
37 da Lei Maior.
Por fim, sendo certo que o direito à crítica e à informação, embora
prevalecente, não é ilimitado, a construção doutrinária e jurisprudencial uníssona indica
seu caráter preferencial, sempre que o assunto for de interesse geral, tenha relevância
pública e o escrito com ele guarde pertinência.
E isso, Exas., é exatamente o que ocorreu no caso presente. Vejamos.
DO CONTEÚDO DA CARTA E DE SEU INTERESSE PÚBLICO
A carta publicada, longe de visar a atingir pessoalmente o apelado,
denunciava irregularidades que ele teria praticado no exercício de função pública e
em decorrência dos poderes que a sociedade lhe conferiu para bem cuidar de
instituição pública de tratamento de jovens.
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
19
E tal intenção era manifesta, o que se comprova pela leitura objetiva daquilo
que na carta estava contido, que se traduz em fatos de alta relevância pública, dando
conta de que o apelado :
Perseguia funcionários da Unidade por ele dirigida e da ONG GAPA, que ali atua,
ao tempo em que protege seus “pupilos”, omitindo ou ignorando seus erros ou
faltas;
Valeu-se da condição de funcionário público para repreender e ameaçar a mãe de
uma criança que teria lhe derrubado os óculos, na cidade de Iaras;
Deixou de apurar casos de violência perpetrados contra um interno da “Casa III”
da Unidade de Cerqueira César, constantemente agredido por outros internos;
Coagiu uma funcionária da ONG GAPA a assinar documentos que, ante sua recusa,
foi dispensada;
Manteve na Instituição outra funcionária, a senhora Ana Barbin, apesar de
existirem suspeitas que ela teria depositado valor excessivo na conta corrente do
professor de educação física;
Estaria envolvido no assassinato do Juiz de Direito de Presidente Prudente, Dr.
Antonio José Machado Dias;
Usaria gratuitamente o pasto da propriedade de um vereador para uso de seus
cavalos, em troca de favores custeados pelos recursos da Fundação Casa, sob seus
cuidados;
Contratou como agentes externos dois filhos de um amigo da cidade de Manduri
em troca do uso de pastagem para seus cavalos;
Deixou de tomar as medidas administrativas relacionadas a um tumulto e briga
de jovens na “Casa I” de Cerqueira César (08/04/2010), deixando mesmo de
lavrar boletim de ocorrência, a fim de não manchar a imagem da Fundação CASA;
Ter descurado da boa administração da Unidade da Fundação CASA a ponto de
não ter havido socorro médico a um adolescente da Casa III, cujo ouvido foi
perfurado por caneta, no dia 06/04/2010, além de não tomar medidas para a
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20
proteção dos funcionários das Casas I, II e III, que se sentem ameaçados, e mesmo
para conter as brigas entre internos; e
Ter deixado de apurar as denúncias que a ele foram encaminhadas por relatório,
em suas mãos desde janeiro de 2010.
Logo, cumpriu a publicação o requisito da “relevância pública” ao dar
visibilidade a fatos havidos em estabelecimento público e destinado a cuidar das novas
gerações deste Estado.
Neste ponto, clara é a vinculação do interesse geral da publicação da carta
com os valores nutridos pela Constituição da República, no já citado artigo 37, que reza:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência (...).
Portanto, é flagrante a vinculação dos fatos narrados com a suposta
ilegalidade da conduta do apelado, em vários pontos, como a perseguição a funcionários,
uso do cargo para obter vantagem pessoal, omissão na apuração de fatos relevantes,
falta de socorro a adolescente ferido por outros internos etc.
A respeito da impessoalidade, é tudo o que parece não ocorrer na Unidade,
dado o caráter centralizador e mesmo autoritário do comportamento do apelado, dando
as denúncias conta de que o apelado parece ter perdido a noção de que se tratava de
mero gestor de bens e serviços do Estado, tratando-os como se seus fossem.
O mesmo se pode dizer dos demais princípios constitucionais da boa
administração, sendo prova cabal de seu ferimento a veemência com que o apelado se
insurgiu contra o apelante, pelo simples fato de ver tornada pública denúncia de má
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21
administração, a ponto de pretender sua exclusão permanente da internet e abrindo
mão dos meios democráticos de debate, como o uso do direito de resposta (do que se
tratará adiante).
Quanto ao predicado do “interesse geral”, este também é manifesto.
Isso porque o futuro de nossos jovens é do interesse de todos, o que
novamente decorre de expressa manifestação constitucional, a teor do que dispõe o
artigo 227 da Carta:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (g.n.)”
Sendo prioritárias as políticas estatais voltadas à criança, a publicação
veiculada no blog do réu cumpriu manifesto interesse público, pois a população em
geral, e o público especializado, têm o direito de saber se a Constituição está sendo
cumprida naquilo que tem de mais relevante, a saber, o cuidado com as crianças
brasileiras.
Por fim, a pertinência temática é inegável.
Por mais que a carta contivesse crítica acerba e utilizasse termos veementes,
seu conteúdo sempre se ateve à sua essência, a denúncia das graves irregularidades
praticadas por gestores de Unidade da Fundação CASA.
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
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E, mesmo fatos supostamente relacionados à vida privada do apelado (ser
dono de cavalos ou propriedades, p. ex.) sempre manteve algum vínculo com fatos
supostamente irregulares por ele praticados ou por sua suposta proximidade com
grupos e facções que agem em estabelecimentos fechados como unidades prisionais e de
internação de jovens.
Portanto, embora duros e veementes, os fatos apresentados e a crítica
decorrente sempre guardaram estrita vinculação com o âmbito geral da carta, assim
preenchendo o terceiro requisito para sua admissibilidade e o conseqüente afastamento
do dano moral, na forma da supra citada doutrina e jurisprudência dominantes.
Aqui, Exas., não se pode perder de vista que o tom veemente da missiva
parece decorrer do alto grau de estresse, indignação e temor dos que trabalhavam
diariamente sob tão temerária gestão, que já teriam feito outras gestões no sentido de
solucionar os problemas, sendo este seu último recurso.
Portanto, certo é que inexistiu qualquer violação ao Direito com a publicação
da carta, cujo escopo foi, exclusivamente, o de tornar públicas as propaladas
irregularidades havidas na gestão de Unidade da Fundação Casa, nunca a de vilipendiar
pessoalmente a honra do autor.
Ressalte-se que, de sua parte, o apelante nada tem de pessoal contra o
apelado, que não conhece pessoalmente e com quem nunca travou relações.
Além disso, contrariamente ao que pretende a r. sentença apelada, não cabia
a ele, apelante, investigar os fatos trazidos na carta e “ se certificar da veracidade e do
conteúdo de suas informações” (fls. 324).
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
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Isso porque, em primeiro lugar, o apelante não tem poderes investigativos,
visto que não exerce cargo ou função que lhe permita tal atividade e, em segundo, não
lhe cabe censurar o trânsito de informações, mantendo um blog justamente para dar a
oportunidade para que as pessoas se exprimam livremente, certo de que será no
entrechoque de opiniões que a verdade aparecerá, dialética e democraticamente.
Clara, pois, a única intenção do apelante ao veicular a carta, a de trazer à luz
denúncia atinente à suposta violação dos direitos humanos dos internos e funcionários
de Unidade da Fundação CASA, o que não destoa das demais publicações que veicula,
cotidianamente.
Desta forma, afastada a hipótese de ataque pessoal do apelante à pessoa
do apelado, e presente o interesse público dos fatos narrados, nada de ilegal
houve na publicação da referida carta no blog do réu.
E, neste ponto, agiu o réu dentro do espaço de liberdade que lhe confere a
Constituição Federal, segundo a interpretação que lhe deu o C. Superior Tribunal de
Justiça:
“RECURSO ESPECIAL - RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL – (...) -
DIREITO DE INFORMAÇÃO – ‘ANIMUS NARRANDI’ – EXCESSO NÃO
CONFIGURADO (...).
......................................................
3. No que pertine à honra, a responsabilidade pelo dano cometido através
da imprensa tem lugar tão-somente ante a ocorrência deliberada de
injúria, difamação e calúnia, perfazendo-se imperioso demonstrar que o
ofensor agiu com o intuito específico de agredir moralmente a vítima. Se
a matéria jornalística se ateve a tecer críticas prudentes (‘animus
criticandi’) ou a narrar fatos de interesse coletivo (‘animus narrandi’),
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
24
está sob o pálio das ‘ excludentes de ilicitude ’ (...), não se falando em
responsabilização civil por ofensa à honra, mas em exercício regular do
direito de informação . ” (g.n.)
(REsp 719.592/AL, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI)
Neste passo, não tendo demonstrado o autor o ânimo deliberado do réu em
atingir sua honra, afasta-se completamente a possibilidade de alegação de dano moral,
pois, como fartamente demonstrado, havia interesse público em veicular denúncias de
irregularidades decorrentes de suposto mal uso de cargo público.
DO CARÁTER JORNALÍSTICO DA PUBLICAÇÃO EM BLOG
Apenas para afastar qualquer alegação de que a publicação de que cuida o
presente feito não tivesse caráter jornalístico, vale discorrer, brevemente, sobre esse
novo meio de comunicação, decorrente da recente explosão das possibilidades atuais
oferecidas pela rede mundial de computadores, também denominada “internet”.
Se há até pouco tempo as informações somente podiam ser difundidas em
larga escala por quem detivesse substanciosos meios econômicos, no mundo
contemporâneo qualquer pessoa pode contribuir para o livre trânsito de informações,
bastando acessar um computador conectado à internet.
Desta forma, a qualidade jornalística (informativa e opinativa) deixou de ser
prerrogativa dos veículos tradicionais, sendo tal atributo atualmente estendido aos
chamados “blogs”, na verdade uma contração do termo inglês “Web log”, ou seja, diário
da web, havendo vários provedores que os hospedam gratuitamente (“wordpress”,
“blogspot” etc.).
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
25
Segundo indica a Wikipédia (ela mesma uma enciclopédia construída
inteiramente na internet), um blog “é um site cuja estrutura permite a atualização rápida
a partir de acréscimos dos chamados artigos, ou posts. Estes são, em geral, organizados
de forma cronológica inversa, tendo como foco a temática proposta do blog, podendo ser
escritos por um número variável de pessoas, de acordo com a política do blog.”
E prossegue:
“Muitos blogs fornecem comentários ou notícias sobre um
assunto em particular; outros funcionam mais como diários online.
Um blog típico combina texto, imagens e links para outros blogs,
páginas da Web e mídias relacionadas a seu tema. A capacidade de
leitores deixarem comentários de forma a interagir com o autor e
outros leitores é uma parte importante de muitos blogs.” (g.n.)3
Notável, portanto, o caráter jornalístico dos blogs, sendo pólo considerável
de difusão de informações e comentários, cuja importância chegou ao ponto de
influenciar fatos de repercussão mundial (como a recente eleição presidencial norte-
americana) ou em manifestações populares de cunho democrático (como as que levaram
à deposição de ditadores ao redor do mundo).
Pois bem.
O “BLOG INFANCIAURGENTE” não foge à regra. Trata-se de veículo de difusão de
informações e de idéias relacionadas aos direitos humanos, com foco particular na
situação das crianças e adolescentes do país.
3 http://pt.wikipedia.org/wiki/Blog. Acesso em 25.05.2011.ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONE
E-MAIL 26
Para comprovar tal alegação, basta acessar o referido blog e verificar as
“postagens” ali existentes, o que se fez, a título de exemplo, no dia 26 de maio de 2011,
em que se encontravam os seguintes títulos:
“NOTA DE MORTE ANUNCIADA: A história se repete!” (sobre o assassinato de
dois líderes camponeses no Pará);
SUICÍDIO ADOLESCENTE ENTRE INDÍGENAS É TEMA DE INFORME DO UNICEF
(sobre relatório emitido por órgão da ONU);
A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL (noticiando seminário sobre o tema);
“POR QUE NÃO UMA COMISSÃO DA VERDADE E JUSTIÇA?” (noticiando mesa de
debates com esse título, realizada no consagrado IBCCrim);
18 DE MAIO - DIA NACIONAL DE COMBATE AO ABUSO E EXPLORAÇÃO SEXUAL
DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES (trazendo artigo informativo e opinativo sobre
essa grave questão nacional);
COPA, OLIMPIADAS E MEGAPROJETOS:“QUEM VAI PAGAR A CONTA É A CLASSE
TRABALHADORA, O POVO BRASILEIRO” (entrevista ao periódico Contraponto
sobre questão de interesse nacional);
QUANTO VALEM OS DIREITOS HUMANOS? (a respeito dos impactos sobre os
direitos humanos da indústria da mineração e da siderurgia em Açailândia); etc.
Inegável, portanto, o caráter informativo e opinativo do “BLOG
INFANCIAURGENTE”, inserindo-se no que se pode chamar, sem dúvida, de jornalismo
contemporâneo.
Ainda, a respeito do apelante, importa destacar que possui formação
profissional na área de educação e, por isso, mostra-se cotidianamente preocupado com
o absoluto respeito aos direitos humanos. Agindo como cidadão participativo e
consciente, procura oferecer ao público informações relevantes, com especial atenção
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
27
aos nossos jovens, em quem depositamos as esperanças de um país mais justo, solidário
e desenvolvido.
Como dizia o saudoso Herbert de Souza (Betinho), referência de humanismo
no país:
“A criança é o princípio sem fim. O fim da criança é o princípio do fim.
Quando uma sociedade deixa matar as crianças é porque começou seu
suicídio como sociedade. Quando não as ama é porque deixou de se
reconhecer como humanidade.
Afinal, a criança é o que fui em mim e em meus filhos enquanto eu e
humanidade. Ela, como princípio, é a promessa de tudo. É minha obra
livre de mim.
Se não vejo na criança, uma criança, é porque alguém a violentou antes,
e o que vejo é o que sobrou de tudo que lhe foi tirado. Diante dela, o
mundo deveria parar para começar um novo encontro, porque a
criança é o princípio sem fim e seu fim é o fim de todos nós.”
Indisputável, portanto, que o apelante exerce atividade jornalística não
profissional, ao ser proprietário de um blog que difunde informações e críticas sobre
fatos da atualidade, tal como o fazem os jornais e revistas de grande circulação.
Aliás, encontra-se o réu em idêntica situação (guardadas as devidas
proporções) à dos “jornalistas” Roberto Marinho e Octávio Frias de Oliveira, em verdade
meros proprietários de meios de comunicação que jamais obtiveram o título decorrente
de formação universitária em jornalismo.
DO DIREITO DE RESPOSTA: FACULDADE DESPERDIÇADA PELO APELADO
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
28
De tudo o que até agora se viu, resta demonstrado que no Brasil
contemporâneo, democrático e republicano, a liberdade de expressão do pensamento e
de crítica possui caráter preferencial, não se justificando a demanda por dano moral
supostamente sofrido, notadamente por quem exerce cargo público.
Mas isso não significa que inexista um mecanismo para afastar supostas
inverdades ou críticas descabidas veiculadas em meios de comunicação. A liberdade de
uns enfrenta-se com a liberdade de todos, não com a censura. Para isso existe o “direito
de resposta”, previsto no artigo 5º, inciso V, da Constituição da República e pelo artigo
13.2 da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos.4
Discorrendo a respeito do tema, a tratadista Ana Marina Nicolodi, após
fornecer um apanhado do tratamento do tema na doutrina europeia, arremata, com
maestria:
“Daí que, constitui o direito de resposta também “uma forma de
liberdade de expressão e de acesso individual aos meios de informação
(...). Compreende-se por isso que a Lei de imprensa inclua o direito de
resposta entre as garantias do direito dos cidadãos a serem informados
(art. 1–4), visto que ele proporciona a publicação de versões
alternativas, facultando assim aos leitores uma perspectiva
suplementar sobre a mesma questão”3.
Com efeito, por um lado, o direito de resposta constitui uma medida de
garantia dos direitos de personalidade, por outro, constitui um direito
4 Artigo 13. Liberdade de pensamento e de expressão
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.
2.O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:
a. o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou
b. a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONE
E-MAIL 29
individual de acesso aos meios de comunicação social e de participação
na formação da opinião pública. Ou seja, reconhece-se a este direito o
duplo caráter de garantia institucional (direito do público à informação
veraz), assegurando-se a sua dimensão individual, e de direito subjetivo
(direito individual de defesa dos bens da personalidade ofendidos).
Com isto, o direito de resposta, que inclui no seu âmbito o direito de
retificação, cumpriria dois objetivos: “(...) o de proporcionar a quem se
sinta afectado pela imprensa de fazer valer a sua verdade; (...) o de
permitir a difusão de versões alternativas, facultando ao público o
acesso a pontos de vista contraditórios sobre o mesmo assunto, no que
constitui uma verdadeira garantia do direito à informação”4.” (O Direito
de resposta. Revista Jus Vigilantibus, Sexta-feira, 12 de outubro de 2007.
http://jusvi.com/artigos/29029. Acesso em 30 de maio de 2011)5
Desta forma, tivesse o apelante se negado a publicar artigo do apelado em seu
blog, com o mesmo destaque e nas mesmas proporções, aí sim, com maioria de razão
teria ele por que protestar.
Mas, não.
Jamais houve solicitação do apelado para que o réu veiculasse, em mesmo
espaço e com o mesmo destaque, a sua versão sobre os fatos, de modo a privilegiar a
solução constitucional para o tema, o que o réu certamente faria, como o fez ao ter dado
voz às críticas de uma das pessoas citadas na carta (Prof. José Carlos Forte Maia – fls 54)
5 3 Vital Moreira, O direito de resposta entre a Constituição e a realidade, in Actas do Congresso Internacional organizado pelo Instituto Jurídico da Comunicação da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra- 25 a 27 de nov./1993, Coimbra, 1996, p. 157.
4 J.M. Coutinho Ribeiro, Lei de imprensa e legislação conexa. Lisboa: Quid Iuris-Sociedade Editora, 2001, p. 59.
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
30
e à senhora Ana Raquel (fl. 55 e 56), igualmente citada na publicação, que pôde apor a
sua versão no que dizia respeito aos fatos narrados e às críticas veiculadas.
De se destacar que o próprio apelado postou um comentário no Blog com os
seguintes dizeres:
“Publiquei a carta da Ana Raquel, como publico a de qualquer pessoa
que se sinta, ofendido, ou apresente algum erro, garantido assim o
direito de resposta, mas cabe esclarecer.” (fls. 56)
Aliás, não passa despercebida a parte da r. sentença em que são citados
vários casos de irregularidades processados pelo mesmo Juízo de Cerqueira César (fls.
325), ligados a irregularidades na gestão da Unidade da Fundação Casa, como se o
apelante tivesse a obrigação de conhecê-los (sendo que vários são sigilosos) e confrontá-
los com o conteúdo da carta, como se o presente processo se prestasse a uma espécie de
“exceção da verdade”, totalmente descabida em sede de ação indenizatória.
A respeito, vem bem a calhar a observação da doutrinadora acima referida,
que alerta:
“Antes de mais, importa sublinhar que, apesar de ser gradativa a
afirmação do direito de resposta perante a doutrina e a jurisprudência,
ainda é prática comum dos titulares de direitos de personalidade
lesados pelos medias se absterem de exercê-lo. O que não podemos
deixar de lamentar, pois seu exercício pronto e eficaz, frente às ofensas
causadas aos direitos de personalidade, tais como a honra, imagem e
vida privada, pode, em casos específicos, representar economia da
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
31
máquina judiciária, apaziguando-se os ânimos e evitando, muitas vezes,
uma disputa judicial.”6
Por tais motivos, consolidada a noção de que a publicação da carta no Blog
Infanciaurgente, de propriedade do ora apelante, deu-se dentro do padrão
constitucional de liberdade de expressão e manifestação do pensamento e da liberdade
jornalística, resta claro que, no caso presente, a interpretação que se deva dar ao artigo
186 do Código Civil é no sentido da inocorrência de violação de direitos e de inexistência
de dano moral, dada a ausência de ilicitude do ato.
Desde logo, quer o apelante deixar prequestionada a matéria, em relação à
interpretação do artigo 186 do Código Civil (lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), à
luz da Constituição Federal, solicitando expressa manifestação desta Eg. Corte sobre o
tema.
Da mesma forma, deixa prequestionada a matéria constitucional, na forma
dos artigos 5º, incisos IV, V, IX e X, e art. 220, §§ 1º e 2º, e convencional, na forma do
artigo 13 da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, solicitando manifestação
expressa desta Eg. Corte sobre o tema.
DO VALOR DA CONDENAÇÃO E DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Por fim, caso mantida a r. sentença condenatória, o que se admite apenas em
face do princípio da eventualidade, cumpre ressaltar que o valor da condenação é
extremamente elevado e não condiz com os elementos fixados na doutrina e na
jurisprudência como base para sua aferição.
6 http://jusvi.com/artigos/29029.ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONE
E-MAIL 32
Conforme ensina a doutrina e a jurisprudência, o valor da indenização não
pode gerar enriquecimento sem causa do ofendido ou a ruína do ofensor.
De plano incumbe ressaltar que o apelante é pessoa pobre, tanto que se
enquadrou no padrão fixado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo para
atendimento, que é o de não perceber mais do que três salários mínimos mensais como
renda, ou seja, R$ 1866,00 (hum mil oitocentos e sessenta e seis reais).
Deste modo, o valor de dez mil reais é, para ele, completamente além de suas
possibilidades de sobrevivência, caso tenha que pagar a indenização, pois significaria
abrir mão de cerca de um ano de seus vencimentos, como se, neste período, não
precisasse comer, morar e se alimentar.
Vejam, Exas., que o valor da condenação foi fixado a pedido do juízo “a quo”,
visto que na petição inicial o apelado requeria que a condenação fosse arbitrada
judicialmente. (fls. 20) Instada a parte a aditar a inicial (fls. 81), assim fez o autor (fls.
82) solicitando indenização no valor de dez mil reais.
Ademais, sempre é bom ressaltar que a violação à ampla defesa, com a
indevida supressão da fase instrutória do presente feito, acabou por fazer com que não
se tivesse clara a intenção do apelante ao publicar a carta em seu blog, sendo certo que o
valor da indenização deve observar o critério subjetivo relacionado à intensidade do
animus leadere. (cf. Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 7º. 17ª ed.
São Paulo: Saraiva. p. 93);
Desta forma, caso mantida a condenação, dada a condição socioeconômica do
apelante, requer a redução do valor de condenação para R$ 1.000,00 (hum mil reais).
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
33
Da mesma forma em relação aos honorários advocatícios, fixados pelo
máximo, em causa em que sequer dilação probatória houve, resumindo-se a atuação dos
D. Patronos à argumentação escrita.
Desta forma, requer-se a fixação da honorária pelo valor mínimo fixado no
artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil.
DOS PEDIDOS:
Ante o exposto, é o presente recurso para requerer seja dado integral
provimento à apelação para que:
A. Seja reconhecido o cerceamento de defesa e a inocorrência de hipótese de
julgamento antecipado da lide, anulando-se a r. sentença de fls. 320 e ss. para o
fim de determinar a realização audiência preliminar e, se o caso, de dilação
probatória, na forma do que preceitua o artigo 331 do Código de Processo Civil.
B. Subsidiariamente, e apenas na hipótese de não atendimento do requerido no item
anterior, seja reconhecida a inocorrência de dano moral, tendo em vista que a
conduta do apelante deu-se dentro dos estritos padrões constitucionais que
regem a demanda, e especificamente para:
a. Declarar a inocorrência de dano moral decorrente da publicação da
missiva intitulada “Excelencia precisamos de sua atenção”, que foi
publicada no blog Infanciaurgente (www.infanciaurgente.blogspot.com)
sob o título “Velha/Nova Febem/ Fundação Casa 161;
b. Afastar hipótese de retirada do referido blog do ar, assim como do pleito
de inserção de informação quanto à pretendida condenação judicial; e
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
34
c. Permitir seja recolocada no ar a carta intitulada “Excelencia precisamos de
sua atenção”, postada no blog do réu, cassando-se a decisão proferida em
sede de tutela antecipada, como decorrência lógica do reconhecimento da
inexistência de dano moral pelos motivos expostos nesta peça processual.
C. Seja o apelado condenado em custas processuais e em honorários advocatícios, a
serem revertidos para o Fundo Especial de Despesa da Escola da Defensoria
Pública do Estado – FUNDEPE, CNPJ nº 08.036.157/0001-89 na forma do que
dispõe a Lei Estadual nº 12.793, de 4 de janeiro de 2008;
D. Caso seja mantida a procedência da demanda, seja reduzido o valor da
condenação para R$ 1.000,00 (um mil reais), reduzindo-se a honorária para 10%
(dez por cento) do valor da condenação.
E. Esta Egrégia corte pronuncie-se expressamente sobre:
a. Os artigos 330 e 331 do Código de Processo Civil;
b. O artigo 186 do Código Civil;
c. Os artigos 5º, incisos IV, V, IX e X, e 220, § 1º e 2º da Constituição da
República Federativa do Brasil; e
d. O artigo 13 da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos
É o que se espera, como medida de JUSTIÇA!
São Paulo, xxxxxxxxxxxxxxxx
Defensor(a) Público(a) Unidade de XXXXXXXXX
ENDEREÇO DA UNIDADE - TELEFONEE-MAIL
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