Exercícios Espirituais 2011

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    E X E R C C I O S D A F R A T E R N I D A D E

    D E C O M U N H O EL I B E R T A O

    SE ALGUM EST EMCRISTO, UMA CRIATURA NOVA

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    Se algum eSt em CriSto,

    uma Criatura nova

    E x E r c c i o s d a F r a t E r n i d a d Ed E c o m u n h o E L i b E r t a o

    R m i n i 2 0 1 1

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    2011 Fraternit di Comunione e LiberazioneTraduo de Jos Maria de Almeida

    Na capa:O chamado de Zaqueu (detalhe), Capua (Itlia), Baslica de SantAngelo in Formis.A imagem oi gentilmente cedida pelo reitor da Baslica.

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    Cidade do Vaticano, 29 de abril de 2011

    Reverendo Padre Julin Carrn Presidente da Fraternidade de Comunho e Libertao

    Por ocasio Exerccios Espirituais Fraternidade de Comunho e Libertao sobre o tema Se algum est em Cristo uma criaturanova Sumo Pont ce dirige aos participantes a etuoso pensamento eenquanto deseja que providencial encontro suscite renovado ervor mis- sionrio a servio do Evangelho invoca copiosa e uso luzes celestes eenvia ao senhor e todos os participantes implorada bno apostlica.

    Cardeal Tarcisio Bertone , Secretrio de Estado de Sua Santidade.

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    Sexta- eira, 29 de abril, noite Na entrada e na sada:

    Wol gang Amadeus Mozart, Concerto para piano n. 27 em si bemol maior, K 595 Andrs Schi , piano

    Sndor Vegh - Camerata Academica Salzburg, Decca

    INTRODUOJulin Carrn

    No incio deste nosso gesto dos Exerccios, creio que ningum senteuma urgncia maior do que a de pedir, de invocar a disponibilidade converso. Cada um de ns sabe muito bem o quanto resiste a essa con-verso, quantas vezes o nosso corao se endurece, o quanto no esta-mos disponveis at o undo a nos deixar atrair por Ele. Quanto maisestivermos conscientes disso, dessa guerra na qual estamos engajados, ede qual a nossa ragilidade e a nossa raqueza, tanto mais sentiremos aurgncia de suplicar ao Esprito que seja Ele a lavar o que or imundo, airrigar o que or rido, e restaurar o que estiver erido.

    Vinde Esprito

    Sado cada um de vocs aqui presentes e todos os amigos que estoligados conosco de diversos pases, e todos aqueles que aro os Exer-ccios nas prximas semanas.

    Comeo lendo o telegrama enviado por Sua Santidade:

    Por ocasio Exerccios Espirituais Fraternidade de Comunhoe Libertao sobre o tema Se algum est em Cristo uma criaturanova Sumo Pont ce dirige aos participantes a etuoso pensamento eenquanto deseja que providencial encontro suscite renovado ervor mis- sionrio a servio do Evangelho invoca copiosa e uso luzes celestes eenvia ao senhor e todos os participantes implorada bno apostlica.Cardeal Tarcisio Bertone, Secretrio de Estado de Sua Santidade.

    Se algum est em Cristo uma criatura nova1 porque Cristo algoque est acontecendo comigo. Procuremos identi car-nos com os dis-cpulos aps a Pscoa. O que predominava nos coraes deles, em seus

    1 2 Cor 5,17.

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    A rma Dom Giussani: Est no mistrio da ressurreio o cume e oauge da intensidade da nossa autoconscincia crist, e por isso da auto-conscincia nova de mim mesmo, do modo como olho todas as pessoas etodas as coisas. na ressurreio que est a pedra angular da novidade darelao comigo mesmo, entre mim e os homens, entre mim e as coisas.Mas isso a coisa da qual mais ugimos, a coisa que mais se quiserem,ainda que respeitosamente deixamos de lado, respeitosamente deixa-da na sua aridez de palavra intelectualmente percebida, percebida comoideia, justamente como o cume do desa o do Mistrio nossa medida6.Quem de ns no desejaria tal intensidade de vida? Mas se ns compa-rarmos o que viveram os discpulos naquela semana de Pscoa com o quens vivemos, todos reconheceremos a distncia abissal que nos separa daexperincia que eles zeram. Inclusive a nossa participao na Liturgia: para eles, oi o momento de reconhec-Lo (abriram-se os seus olhos e Oreconheceram), para ns muitas vezes se reduziu a um rito.

    Mas esse distanciamento que percebemos em ns, essa dor que seimpe, esse distanciamento oi superado nos apstolos e essa a espe-rana para cada um de ns. O que ns esperamos, neles j um ato, j aconteceu na histria. Essa novidade j oi uma experincia no ho-mem, em alguns homens, e pode se tornar tambm nossa se estivermosdispostos a deixar-nos gerar atravs da modalidade que nos prendeu, ocarisma. Para que isso acontea devemos estar dispostos a continuar ocaminho traado por Dom Giussani, para que o cristianismo se torneto nosso que chegue a superar essa distncia que nos separa da expe-rincia dos apstolos, que pleni que a vida com aquela novidade quevence qualquer aridez, preciso continuar o percurso que estamos a-zendo, do qual j demos as razes no dia 26 de janeiro, na apresentao

    de O senso religioso.A pergunta que tantas vezes, de diversos modos, est vindo tona eque se torna mais premente quando azemos a Escola de Comunidade indicativa do problema que estamos analisando: mas por que insistimosque Cristo veio nos despertar e nos educar para o senso religioso, que anatureza da experincia crist se v pelo ato de que capaz de suscitar o sentido do mistrio no eu, de suscitar a pergunta humana? No teriasido mais cil alar de Cristo sem essa obstinao no despertar do eu,sem essa insistncia sobre o que descobrimos em ns? E muitas vezesvocs me perguntam: Mas para onde voc quer nos levar? No umacomplicao o caminho que Dom Giussani nos leva a azer?.

    6 L. Giussani, A amiliaridade com Cristo, Ed. San Paolo, Cinisello Balsamo 2008, pp. 71-72.

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    Sexta-feira, noite

    como se eu ouvisse hoje a mesma idntica objeo que Dom Gius-sani ouvia do seu aluno. Ele prprio conta: Agora as pessoas no per-cebem mais em que consiste a correspondncia entre a proposta cristem sua originalidade, entre o acontecimento cristo e a vida de todosos dias, e quando eu me es oro para explicar, e vocs se es oram paraentender, me dizem: Mas como voc complicado, como voc com- plicado! No Liceu, quando eu ditava o que vocs estudam na Escola deComunidade, havia na classe o lho de Manz, que conhecia um padreque o acompanhava. Esse padre o instigou contra o que lia nas minhasanotaes e lhe dizia: Veja, ele complica, mas a religio simples.Quer dizer, as razes complicam e quantos diriam o mesmo! , a busca das razes complica. Ao contrrio, ilumina! por essa impos-tao que Cristo no mais autoridade, mas um objeto sentimental eDeus um espantalho e no um amigo7.

    Dom Giussani sabia bem aonde levava esse modo de viver a , apa-rentemente menos complicado: Numa situao aparentemente ideal para a transmisso de um contedo catlico terico e tico parquiase cientes o erecendo cursos de catecismo para todos os gostos; aulade Religio obrigatria em cada srie da escola at o colegial; tradio bem salvaguardada nos critrios transmitidos amiliarmente, pelo me-nos de modo ormal; um certo pudor ainda no negado perante a indis-criminada crtica ou in ormao no religiosa; um bom ndice de re-quncia Missa dominical [que agora, sessenta anos depois, est tudomuito redimensionado] , um primeiro contato com jovens estudantesdo colegial indicava trs atores relevantes, que tocavam o observador interessado. Antes de mais nada, uma alta de motivao ltima da (...); em segundo lugar, uma bvia no-incidncia da sobre o com-

    portamento social em geral, e escolar, em particular; en m, um climadecisivamente gerador de ceticismo8.Por isso tem razo o pensador judeu Herschel: costume culpar a

    cincia secular e a loso a antirreligiosa pelo eclipse da religio na so-ciedade moderna, mas seria mais honesto culpar a religio por suas pr- prias derrotas. A religio declinou no porque oi re utada, mas porquese tornou desprovida de relevncia, montona, opressiva e inspida9.Essa irrelevncia, essa insipidez da pode ser veri cada tambm numasituao como aquela descrita por Dom Giussani, na qual a religiosi-

    7 L. Giussani,Tu (o dellamicizia), Ed. Bur, Milo 1997, pp. 40-41.8 L. Giussani, Educar um risco, Edusc, Bauru 2004, pp. 29-31.9 A.J. Heschel,Crescere in saggezza, Gribaudi, Milano 2001, p. 157.

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    dade era onipresente, ou como naquela imaginada por Nietzsche, ondea religio se espalhava, mas era incapaz de despertar o eu. Nietzschenos advertiu h tempos quea morte de Deus per eitamente compat-vel com uma religiosidade burguesa[...]. Ele no pensou sequer por um momento que a religio tivesse terminado. O que ele questionava a capacidade da religio de mover a pessoa [isto , de despertar o eu]e abrir a sua mente [...]. A religio tornou-se um produto de consumo,uma orma de entretenimento como outras, uma onte de consolo paraos racos [...] ou uma estao de servios emotivos destinada a satis-

    azer algumas necessidades irracionais, que ela capaz de satis azer melhor do que qualquer outra coisa. Por mais que possa soar unilateral,o diagnstico de Nietzsche acertava o alvo10.

    Um cristianismo que no capaz de mover a pessoa, de despertar o humano, levou a um desinteresse pelo cristianismo em si, azendo-ose tornar irrelevante. Em muitos casos no houve uma rebelio contraa proposta crist; na maioria dos casos, o cristianismo simplesmente perdeu o interesse, ou seja, tornou-se irrelevante. Isso documenta que odespertar do eu, que o senso religioso no algo til somente antes da

    , mas algo decisivo em qualquer momento, a sua verdadeira veri ca-o. E ns, pensamos que sem essa veri cao podemos azer di erentedos outros? Ou terminaremos como todos? Ser que ns tambm noterminaremos desinteressados da proposta crist se no zermos o ca-minho que Dom Giussani nos prope?

    Por isso, amigos, numa rase verdadeiramente sinttica ele nos diz odesa o que temos diante de ns: Estava pro undamente convencido deque uma que no pudesse ser descoberta e encontrada na experincia presente, con rmada por esta, til para responder s suas exigncias

    [s exigncias da vida], no seria uma em condies de resistir nummundo onde tudo,tudo, dizia e diz o contrrio11. Essa a questo deci-siva: a necessidade de ocar uma experincia capaz de resistir. Por isso,na rase que citamos, Dom Giussani nos o erece uma trplice chave paraentender se estamos percorrendo o caminho certo: que a seja umaexperincia presente (no o relato de atos aos quais, depois, colar algo por cima), uma experincia julgada, no uma repetio de rmulas oude rases ou comentrios a respeito; que a encontre con rmao dasua utilidade na vida, na experincia presente, na prpria experincia

    10 E.L. Fortin, The regime o Separatism:Theoretical Considerations on the Separation o Churchand State, in Id. Human Rights, Virtue, and the Common Good , U.S.A. 1996, p. 8.11 L. Giussani, Educar um risco, op. cit., p. 16.

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    (do contrrio, teremos sempre necessidade de um suplemento de certe-za de ora); que a seja capaz de resistir num mundo no qual tudodiz o contrrio.

    Somente se ns percebermos qual a luta na qual estamos engajados que poderemos levar a srio o trabalho que estamos azendo e enten-der as razes pelas quais Giussani ez o que ez.

    Toda a razoabilidade da est a, na sua capacidade de exaltar ohumano para poder captar a pertinncia da s exigncias da vida, porque cristianismo e homem compartilham a mesma sorte.

    Essa experincia presente da decisiva para que a novidade intro-duzida na histria e em nossa vida pelo Batismo possa perdurar, possa re-sistir em ns como conscincia, como nos lembrou o Papa recentemente,na Missa Crismal: So Pedro, na sua grande catequese batismal, aplicoutal privilgio e mandato de Israel a toda a comunidade dos batizados, proclamando: Vs, porm, sois raa eleita, sacerdcio real, nao santa, povo adquirido por Deus para anunciardes os louvores dAquele que voschamou das trevas sua luz admirvel. Vs, que outrora no reis seu povo, agora sois povo de Deus (1 Pd 2,9s). O Batismo e a Con rmaoconstituem o ingresso nesse povo de Deus, que abraa todo o mundo; auno no Batismo e na Con rmao introduz neste ministrio sacerdotalem avor da humanidade. Os cristos so um povo sacerdotal em avor do mundo. Os cristos deveriam azer visvel ao mundo o Deus vivo,testemunh-Lo e conduzir a Ele. Ao alarmos dessa nossa misso co-mum enquanto batizados, no temos motivo para nos vangloriar. De ato,trata-se de uma exigncia que suscita em ns alegria e ao mesmo tempo preocupao: somos ns verdadeiramente o santurio de Deus no mundoe para o mundo? Abrimos aos homens o acesso a Deus ou, pelo contr-

    rio, o escondemos? Porventura ns, povo de Deus, no nos tornamos emgrande parte um povo marcado pela incredulidade e pelo a astamento deDeus? Porventura no verdade que o Ocidente, os pases centrais docristianismo, se mostram cansados da sua e, en astiados da sua prpriahistria e cultura, j no querem conhecer a em Jesus Cristo? Nes-te momento, temos motivos para bradar a Deus: No permitas que nostornemos umno-povo! Fazei que Vos reconheamos de novo! De ato,ungiste-nos com vosso amor, colocaste o vosso Esprito Santo sobre ns.Fazei que a ora do vosso Esprito se torne novamente e caz em ns, para darmos com alegria testemunho da vossa mensagem! Mas, apesar de toda a vergonha pelos nossos erros, no devemos esquecer que hojeexistem tambm exemplos luminosos de ; pessoas, que pela sua e oseu amor, do esperana ao mundo. Quando or beati cado Joo Paulo

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    II no prximo dia 1 de maio, cheios de gratido pensaremos nele comogrande testemunha de Deus e de Jesus Cristo no nosso tempo, como ho-mem cheio do Esprito Santo12.

    O beato Joo Paulo II testemunha excepcional para en rentarmosestes dias, e nos torna presente que possvel viver como cristos, hoje. Ns temos evidentes razes para sentir esse evento da beati cao dasua pessoa como particularmente prximo a ns, pela histria que nosuniu a ele, para que possamos responder ao que ele nos recomendou:Quando um movimento reconhecido pela Igreja, este se torna uminstrumento privilegiado para uma pessoal e sempre nova adeso aomistrio de Cristo. No permitais jamais que na vossa participao sealoje o caruncho do costume, da rotina, da velhice [isto , o contrrioda vida nova]! Renovai continuamente a descoberta do carisma que vos

    ascinou e ele vos levar de orma mais potente a vos tornardes servi-dores daquela nica potestade que Cristo Senhor!13. Como no sen-tir particularmente vivo esse seu apelo num momento como este, quecoincide com a sua beati cao? Quem de ns no sente essas palavrascomo um chamado particularmente urgente converso? S podere-mos responder adequadamente a essa misso se continuarmos a seguir o carisma que nos ascinou, como procuraremos azer durante essesExerccios.

    Peamos a Joo Paulo II e a Dom Giussani que nos tornem dispon-veis, no incio deste gesto, graa de Cristo que continua a vir ao nossoencontro, para podermos nos tornar como eles testemunhas.

    Um gesto com estas dimenses impossvel acontecer sem a contri- buio e o sacri cio de cada um de ns na ateno aos avisos, ao siln-

    cio, s indicaes. Cada uma dessas coisas uma modalidade imediatada nossa splica a Cristo para que tenha piedade do nosso nada, paraque no nos tornemos um no-povo. Porque essa a luta, amigos, no procurar arrumar alguma coisa, o risco que ns percamos tambm ointeresse, que nos tornemos um no-povo, como tantos nossa volta.Todos conhecemos a necessidade que temos desse silncio, que permitedeixar penetrar at a medula de cada coisa que nos or dita, para queesse silncio se torne um grito, splica a Cristo para que tenha piedadede ns, do nosso nada.

    12 Bento XVI, Santa Missa Crismal, 21 de abril de 2011.13 Joo Paulo II, Discurso aos sacerdotes participantes da experincia do Movimento Comunhoe Libertao, 12 de setembro de 1985.

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    SANTA MISSAHOMILIA DO PADRE STEFANO ALBERTO

    Essa era a terceira vez que Jesus se mani estava aos discpulos ( Jo21,14). Praticamente todo dia a Sua presena sica, real, essa vida nova,irrompia na vida dos apstolos; no entanto, naquela noite estavam tris-tes, a noite ora in ecunda. Sobretudo Pedro, pensava que podia rela-cionar-se com essa nova presena do Senhor segundo o que j sabia,com o que era capaz de azer: Vou pescar. No aconteceu nada, umain ecundidade total.

    s a iniciativa de Cristo, s o acontecer real da novidade da Sua presena que escancara toda a nossa humanidade. Mas h um detalhe:esse ser agarrado por Cristo, por Ele, no pelas nossas imagens, no pelo que j sabamos, nem pela riqueza do patrimnio de tantos anos dehistria com Ele no Movimento, esse ser agarrado por Cristo acontece, para Pedro e para os outros, atravs de algum que vivia pro undamenteo drama da sua humanidade, que era o mais atento: Joo o primeiro a perceber a Sua presena. Seu grito expulsa a nossa sonolncia, a nossa presuno, a nossa distrao: o Senhor!.Para ns, Giussani isso, o carisma isso: a possibilidade concretade sermos resgatados, mas resgatados agora, porque uma voz quegrita agora mar de Tiberades ou mar de Rmini, a mesma coisa, noh nenhuma di erena , um rosto, uma mo que nos indica essaPresena que nos toma um a um. o Senhor!.

    Peamos a Nossa Senhora a graa para cada um de ns, a graa deno dormir e no opor resistncia.

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    Sbado, 30 de abril, manh Na entrada e na sada:

    Wol gang Amadeus Mozart, Concerto para piano e orquestra n. 23 em L maior, KV 488Wilhelm Kemp , piano

    Ferdinand Leitner Bamberg Simphony, Decca

    Padre Pino . Quem est em Cristo uma criatura nova, porque Cristo algo que est me acontecendo agora.

    ngelus

    Laudes

    PRIMEIRA MEDITAOJulin Carrn

    O mistrio eterno do nosso ser

    Se perguntssemos a Nossa Senhora como passou a se conceber, surpre-endendo-se em ao depois do anncio do anjo, ela teria usado palavrassemelhantes a essas de Dom Giussani: Toda a personalidade de NossaSenhora resulta do momento em que lhe oi dito: Ave Maria, isto ,quando percebeu aquele sinal, aquele chamamento. A partir do momen-to do anncio, assumiu o seu lugar no universo perante a eternidade. Es-tabeleceu-se uma nascente totalmente nova de moralidade na sua vida.

    Surgiu um sentimento pro undo de si, misterioso: uma venerao de simesma, um sentido de grandeza semelhante apenas ao sentido do seunada no qual nunca pensara desse modo14.

    Quem de ns no gostaria de viver a vida toda dominado por essesentimento de si to pro undo e misterioso, por esse senso de grandeza tanto quanto consciente do prprio nada? E se tivssemos dirigido amesma pergunta a Andr depois do encontro com Jesus, ele poderia olhar para sua mulher e seus lhos para intuir o que estava acontecendo comele e que o havia preenchido de silncio no caminho de volta: E quandovoltaram, noite, ao terminar do dia repercorrendo o caminho, muito provavelmente em silncio, pois jamais haviam-se alado como naquele

    14 C . L. Giussani,Toda a terra deseja o Teu rosto, Ed. Paulus, Lisboa, 2002, pp. 154-155.

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    grande silncio em que um Outro alava, em que Ele continuava a alar e ecoar dentro deles , e chegaram em casa, a esposa de Andr, ao v-lolhe diz: Mas o que voc tem, Andr? e os lhinhos, surpresos, olhavam para o pai: era ele, sim, era ele mesmo, mas era mais ele, estava di e-rente. Era ele, mas era di erente. E quando como j dissemos uma vez,comovidos com uma imagem cil de se pensar, por ser to realstica elalhe perguntou: O que houve?, ele a abraou, Andr abraou sua esposae beijou seus lhos: era ele, mas nunca a havia abraado assim! Era comoa aurora, ou o alvorecer, ou o crepsculo de uma humanidade di erente,de uma humanidade nova, de uma humanidade mais verdadeira. Como sequase dissesse: Finalmente!, sem crer em seus prprios olhos. Mas eraevidente demais para que no acreditasse em seus olhos!15.

    Que intensidade humana! Quem no gostaria de sentir toda a vibra-o de uma humanidade to nova, de poder abraar sua mulher assim?Que esposa no gostaria de se sentir abraada assim? No um discurso!Sentir-se abraada assim. No o marido lhe repetindo o discurso cor-reto, mas algum que a leva a azer a experincia do que lhe diz abra-ando-a assim. E qual lho no gostaria de olhar seu pai quando tudo j comea a decair pela lgica normal da vida, e dizer-lhe admirado: ele, mas mais ele agora do que quando era jovem.Mas algum pode pensar que Nossa Senhora e Andr experimenta-ram este outro mundo neste mundo porque era a primeira vez. Depoisaconteceria com eles como acontece com todos, teriam perdido o entu-siasmo. E isso como se nos con rmasse em nosso ceticismo: oi assim,mas depois tudo decai. Que no assim, que no assim todos ns ovimos, todos ns, com os nossos olhos! Quem no lembra a imponnciado testemunho de Dom Giussani na Praa de So Pedro, j no nal da sua

    vida?! Que o homem, para te lembrares dele, o lho do homem, paracuidares dele?. Nenhuma pergunta me impressionou tanto na vida comoesta. Houve s um Homem no mundo que podia me responder, colocandouma nova pergunta: Que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, sedepois perder a si mesmo? Ou, que poder dar em troca de si mesmo?. Nunca me oi dirigida uma outra pergunta que me deixasse sem legocomo esta de Cristo! Mulher alguma jamais ouviu uma outra voz alar deseu lho com semelhante ternura original e indiscutvel valorizao do

    ruto do seu seio, com a rmao totalmente positiva do seu destino; sa voz do judeu Jesus de Nazar. Mas, mais ainda, nenhum homem podesentir-se a rmado com essa dignidade de valor absoluto, para alm de

    15 L. Giussani, O tempo se az breve, Sociedade Litterae Communionis, So Paulo 1994, p. 25.

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    qualquer sucesso seu. Ningum no mundo jamais pde alar assim! SCristo se interessa totalmente pela minha humanidade. a surpresa deDionsio, o Areopagita (sculo V): Quem poder jamais alar do amor ao homem que prprio de Cristo, transbordante de paz?. Repito estas palavras a mim mesmo h mais de cinquenta anos!16.

    Cada um pode azer a comparao consigo mesmo, entre a sua ex- perincia humana e aquela que nos testemunham esses homens e mu-lheres, no para ouvi-lo de novo como a ensima censura pelo ato dens no estarmos altura, pela nossa habitual tendncia a reduzir tudoem termos moralistas, mas para nos darmos conta do que estamos per-dendo. essa intensidade que perdemos, essa vibrao! E cada um dens sabe que verdade, ns o experimentamos em certos momentos davida. Mas que distncia existe, tantas vezes, entre eles e ns. Nada deperder o lego diante de Cristo: que reduo tantas vezes descobri-mos em ns! Ns estamos juntos, amigos, para nos acompanharmos, para nos apoiarmos, para testemunharmos mutuamente que possvel,em meio a todos os nossos limites os limites no importam, vamos parar com isso, no tm nada a ver! que possvel viver assim.

    Agora, a primeira coisa para entender, com a companhia insubstitu-vel de Dom Giussani, por que nos reduzimos tanto.

    1. A con uso do eu

    Por trs da palavraeu h hoje uma grande con uso, todavia a compre-enso do que omeu sujeito o primeiro interesse. Com e eito, o meusujeito est no centro, na raiz de qualquer ao minha (um pensamento

    tambm uma ao). A ao a dinmica com a qual eu entro em re-lao com qualquer pessoa ou coisa. Quando se negligencia o prprioeu, impossvel que sejam minhas as relaes com a vida, que a prpriavida (o cu, a mulher, o amigo, a msica) seja minha [...]: j a prpria palavraeuevoca para a esmagadora maioria das pessoas um qu de con-

    uso e futuante, um termo que se usa por comodidade com simples valor indicativo (como garra a ou copo). Mas por detrs dessa palavrinhano vibra mais nada que indique orte e claramente que tipo de con-cepo e de sentimento um homem tenha do valor do prprio eu. Por isso, pode-se dizer que vivemos tempos em que uma civilizao parece

    16 L. Giussani, Na simplicidade do meu corao, cheio de letcia te dei tudo, in LitteraeCommunionisn. 63, mai/jun 1998, p. 7.

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    acabar: com e eito, uma civilizao evoluda na medida em que a-vorecida a vinda tona e o esclarecimento do valor de cada eu. Estamosem uma era em que avorecida, pelo contrrio, uma grande con uso arespeito do contedo da palavra eu17.

    como diz para dar um exemplo entre tantos possveis este tre-cho do recente romance de Roth,La controvita: tudo o que posso lhedizer com certeza que eu, por exemplo, no tenho um eu, e que noquero ou no posso sujeitar-me palhaada de um eu. O que tenho nolugar do eu uma variedade de interpretaes em que posso produzir--me, e no s a respeito de mim mesmo: toda uma trupe de atores queincorporei, uma companhia estvel qual posso me dirigir quando pre-ciso de um eu, um estoque em contnua evoluo de roteiros e de partesque ormam o meu repertrio. Mas certamente no possuo um eu inde- pendente das minhas ilusrias tentativas artsticas de possu-lo. E nemo quero. Sou um teatro, nada mais que um teatro18.

    Uma experincia que no responda a essa mentalidade di undida,mesmo que aamos muitas reunies, que tomemos vrias iniciativas, um racasso! o eclipse da humanidade, como diz ainda Herschel: Aincapacidade de perceber o nosso valor [...] por si mesma uma terrvel punio19, que ns pagamos pessoalmente todos os dias.Mas como oi que isso aconteceu? A primeira constatao, no in-cio de qualquer investigao sria acerca da constituio do prpriosujeito, que a con uso de hoje domina por detrs da rgil mscara(quase um fatus vocis) do nosso eu e vem, em parte, de uma infunciaexterna nossa pessoa. preciso ter bem presente a infuncia decisivaque tem sobre ns aquilo que o Evangelho chama o mundo e que semostra como o inimigo da ormao estvel, condigna e consistente de

    uma personalidade humana. H uma presso ortssima por parte domundo que nos cerca (atravs dosmass media, ou tambm da escola, da poltica) que infuencia e acaba por atravancar como um preconceito qualquer tentativa de tomada de conscincia do prprio eu20.

    Essa infuncia externa, esse mundo, o que ? o poder des-creve em muitas ocasies Dom Giussani que no permanece ora dens (como diz Bernanos, alando da opinio dominante: Diante dela asenergias se desgastam, o carter empobrece, a sinceridade perde a sua17 L. Giussani, Em busca do rosto do homem, Ed. Companhia Ilimitada, So Paulo 1996, pp. 11-13.18 P. Roth, La controvita, Einaudi, Torino 2010, p. 388.19 A.J. Heschel,Chi luomo?, Se, Milano 2005, p. 43.20 L. Giussani, Em busca do rosto do homem, op. cit., p. 12.

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    clareza21), mas penetra em ns to pro undamente que nos tornamosestranhos a ns mesmos. Antes osse somente uma perseguio exterior e permanecesse intacta a nossa autoconscincia. Antes osse! O que nosrodeia, a mentalidade dominante, a cultura invasora, o poder, opera umaestranheza de ns mesmos [arranca nossa alma!]: como se no houves-se mais nenhuma evidncia real a no ser a moda, porque a moda um projeto de poder22.

    Escutemos ainda Dom Giussani: A mentalidade comum, criada pelosmass mediae por toda a trama de instrumentos que o poder tem que au-mentam cada vez mais, tanto que zeram Joo Paulo II chegar a dizer queo perigo da poca que estamos atravessando a abolio do homem pelo poder altera o sentido de si mesmo, o sentimento de si, mais precisamenteatro a o senso religioso, atro a o corao, melhor ainda, o anestesia total-mente (uma anestesia que pode se tornar coma, mas uma anestesia)23.

    Sinal dessa alterao do senso de si, dessa estranheza, a conse-quente leitura que ns azemos das nossas necessidades. Por isso DomGiussani nos adverte: preciso prestar muita ateno, porque muito

    acilmente no partimos da nossa experincia verdadeira, isto , da ex- perincia completa e genuna. De ato, muitas vezes identi camos aexperincia com impresses parciais, reduzindo-a, assim, numa muti-lao, como requentemente acontece no campo a etivo, no namoro ounos sonhos com o uturo. E mais requentemente ainda con undimos aexperincia [mesmo que alemos dela a toda hora] com preconceitos eesquemas, talvez inconscientemente assimilados do ambiente [coin-cidem tanto conosco que pensamos que somos ns mesmos: at que ponto chega a incidncia do poder!]. Por isso, em vez de nos abrirmosnaquela atitude de espera, de ateno sincera, de dependncia, que a

    experincia sugere e exige pro undamente, impomos experincia ca-tegorias e explicaes que a bloqueiam e angustiam, presumindo resol-v-la [ns impomos os esquemas experincia: se relatam atos queno trazem nenhuma clareza sobre si, so comentrios, o que signi caque no existe experincia]. O mito do progresso cient co que umdia ir solucionar todas as nossas necessidades a rmula modernadessa presuno, uma presuno selvagem e repugnante: no consideranem mesmo as nossas necessidades verdadeiras, tampouco sabe o queso; recusa-se a observar a experincia com olhos abertos, e a aceitar

    21 G. Bernanos,Un uomo solo, La Locusta, Vicenza 1997, p. 41.22 L. Giussani, Lio rinasce in un incontro (1986-1987), Bur, Milano 2010, p. 182.23 Ibidem, pp. 364-365.

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    o humano em tudo quanto ele exige. Por isso, a civilizao de hoje azcom que nos movamos cegamente entre essa exasperada presuno e omais tenebroso desespero24.

    Diz Rey, um estudioso rancs: Estamos to habituados a essa misriaque na maioria das vezes nem mesmo a percebemos25: nos acomodamos.

    Mas Giussani nos adverte que essa infuncia do poder est em pro- poro direta com a nossa impotncia. Por que diz isso? Porque ne-nhum resultado humano pode ser imputado exaustivamente a merascircunstncias exteriores, posto que a liberdade do homem, apesar deen raquecida, permanece marca indelvel da criatura de Deus26. O pecado original en raqueceu o meu eu, mas eu permaneo criatura deDeus, no me identi co com uma pea do mecanismo das circunstn-cias do poder. Isso quer dizer que uma incidncia to orte do poder so- bre ns acontece tambm por conivncia nossa. O que poderia parecer uma nova acusao de Giussani, na realidade se torna para ele recurso para o contra-ataque. O homem no oi de nitivamente derrotado. E por isso diz: ns no alamos do poder porque temos medo, alamosdo poder porque precisamos despertar do sono. A ora do poder anossa impotncia. [...] Porm, ns no temos medo do poder, temosmedo das pessoas que dormem e, por isso, permitem ao poder que aacom elas o que quiser. Digo que o poder adormece a todos o quanto pode. Seu grande sistema, o grande mtodo, adormecer, anestesiar ou,melhor ainda, atro ar. Atro ar o qu? Atro ar o corao do homem, asexigncias do homem, os desejos, impor uma imagem de desejo ou deexigncia di erente daquele mpeto sem m que existe no corao. Eassim crescem pessoas limitadas, de nidas, prisioneiras, j meio cad-veres, isto , impotentes27.

    aquela sonolncia dos discpulos [que] permanece, ao longo dossculos, a ocasio avorvel para o poder do mal28, de que o Papa alano seu mais recente livro.

    Como podemos saber que o poder no tem razo? Voc sabe o queexiste no corao do homem, porque existe em voc. E qual o critrio para conhecer a verdade sobre o homem (vejaO senso religioso)? A

    24 L. Giussani,O caminho para a verdade uma experincia, Ed. Companhia Ilimitada, So Paulo2006, pp. 104-105.25 O. Rey, Itinraire de lgarement , Seuil, Paris 2003, p. 17.26 L. Giussani, Por que a Igreja, Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro 2004, p. 66.27 L. Giussani, Lio rinasce in un incontro (1986-1987), op. cit., pp. 173-174.28 Bento XVI, Jesus de Nazar, Da entrada em Jerusalm at a Ressurreio, Ed. Planeta, SoPaulo 2011, p. 143.

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    refexo sobre si mesmo em ao [no um discurso correto e limpo!]. No existe outro critrio29. No existe outro critrio!

    Mas, como nos lembra Hanna Arendt: In elizmente parece que mais cil convencer os homens a se comportar do modo mais impen-sado e ultrajante do que convenc-los a aprender com a experincia, a pensar e a julgar verdadeiramente em vez de aplicar categorias e r-mulas prontas na prpria cabea30. Que ajuda poderemos nos dar serealmente nos acompanharmos nisso!

    Uma amiga me escreve: Caro Julin, quinta- eira passada nos reu-nimos para jantar com alguns amigos do nosso grupo e com o nossoresponsvel. Procuramos retomar o trabalho sobre o quarto captulo deO senso religioso. Contvamos atos acontecidos naquela semana, atosque haviam nos impressionado de orma especial, seja por razes posi-tivas como negativas, e que haviam suscitado em ns um certo tipo deadmirao, alegria ou dor. O nosso responsvel nos exortava, porm, a buscar no que havia acontecido os atores constitutivos do nosso eu,sem cair em respostas j sabidas e cmodas [ co consolado que noacontea somente comigo...]. No nego que oi um trabalho muito pro-vocador e pelo que me diz respeito, tambm doloroso. Percebi que emgeral todo o grito e a exigncia de bondade, justia e beleza, rente scircunstncias da vida, cam su ocados e sou tentada a deix-lo assim.O meu grito autntico, o meu. No o dos colegas de trabalho, o meu. No o dos amigos do Movimento, o meu. O meu, que absolutamenteoriginal e me az perceber aquela desproporo imensa, aquela alta,aquela espera. como estar a descoberto, e a gente no pode mais seesconder atrs do j sabido ou dos amigos que pensam como a gente. voc e esse mistrio imenso que o seu grito rente s circunstncias,

    dentro das circunstncias mais caras. um grito vertiginoso e eu, emgeral, tenho medo de encar-lo. Paradoxalmente, tive necessidade deum amigo para encar-lo. Tive necessidade do testemunho desse meuamigo, que nos desa ou a todos ns, ele estava sozinhocontra todos, enunca o senti to amigo. O trabalho apenas comeou.

    Amigos, ns devemos decidir continuamente se seguimos de verdadeDom Giussani ou apenas temos a inteno de segui-lo, e depois sobrepor aos atos os nossos pensamentos. Porque somente nos surpreendendoem ao como ele nos ensina que podemos azer vir tona tudo o quesomos. O quinto captulo deO senso religioso(para continuar o nosso

    29 L. Giussani, Lio rinasce in un incontro (1986-1987), op. cit., p. 365.30 H. Arendt, Responsabilit e giudizio, Einaudi, Torino 2004, p. 31.

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    percurso), onde Giussani descreve a verdadeira natureza do eu, de um euno reduzido, nos ajuda nesse trabalho. Cada um pode azer a compara-o entre aquela vibrao humana e o achatamento do desejo que tantasvezes surpreendemos em ns mesmos e que, como diz Dom Giussani, aorigem do desnorteamento dos jovens e do cinismo dos adultos31.

    2. O mistrio eterno do nosso ser

    Nada to ascinante quanto a descoberta das reais dimenses do pr- prio eu, nada to rico de surpresas quanto a descoberta do prprio rostohumano32, nos diz ainda Dom Giussani. Por isso uma aventura apaixo-nante, mas como acabamos de ouvir para lanar-nos nessa aventura evencer aquela estranheza de ns mesmos preciso algum com quem olhar o nosso humano, algum que no se assuste com o meu humano. Comoescreve esta jovem a um amigo: Neste momento sinto a necessidade de

    alar com voc, agora que essas perguntas, que por tanto tempo mantiveescondidas dentro de mim, reclusas e acorrentadas, nalmente explodiram.Finalmente... Tudo conspirou e conspira contra mim, tudo, at mesmo mi-nha me me dizia que tranquila, essa tristeza vai passar, ou entono se preocupe... Mas no passou e nunca deixei de pensar nela porque umanecessidade de sentido angustiante, que no me deixa e me atormenta todosos dias, em todos os momentos, sem trgua. Todos tentaram me acalmar,me tranqilizar, azer com que eu no so resse e tudo se tornasse mais su- portvel, serenando um corao inquieto, que, porm, nunca parou de dese- jar e de pedir cada vez mais. Depois voc apareceu, eu nunca tive um amigocomo voc. Somente voc no se assustou, nem se escandalizou diante

    da minha dor e da minha exigncia de in nito. Nunca ningum me olhouassim. Meu corao tremeu, vibrou como nunca. De repente ui invadida pela amarga conscincia de que at agora ningum jamais me olhou comoeu verdadeiramente desejava, todos deixaram de lado minha incmoda ur-gncia, compartilhando comigo tudo, menos o que era indispensvel. Masuma vida que no considera a minha humanidade, as minhas exignciasmais viscerais e ntimas, no vida, e no nem mesmo morte, apenasum choro desesperado. Eu no posso deixar de lado a minha busca de sen-tido, do contrrio eu su oco, no consigo avanar, tudo igual, achatado,intil, tedioso e terrivelmente insuportvel. O encontro com voc criou em

    31 L. Giussani,O eu, o poder, as obras, Ed. Cidade Nova, So Paulo 2001, p. 163.32 L. Giussani, Em busca do rosto do homem, op. cit., p. 11.

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    mim uma pretenso em relao minha vida inteira, a cada segundo, e euno quero mais viver por nada menos que isso. Voc acendeu em mim uma paixo, um gosto que eu jamais senti. Eu preciso ter ao meu lado pessoasque estejam altura do pensamento que domina a minha vida, com as quaiseu possa, a todo momento, alar sobre o que realmente tem valor. Eu queroestar com voc porque voc no me reduz, no me nega, no me morti ca,no me consola e no tenta me dar uma resposta, no tenta me distrair ou le-vantar minha moral, mas compartilha comigo a espera, o questionamento,a nobreza da nossa dor, a grandeza desse desejo ilimitado e a desproporoque cria. Eu preciso de voc porque me az olhar de rente essa terrvel, mascara dor, esse terrvel, mas caro pensamento que me torna to humana.

    Pensemos na Samaritana: o olhar daquele Homem desvelou exata-mente como aconteceu com essa jovem rente a seu amigo a verda-deira natureza da sua sede33.

    Por isso, o ponto de partida para uma investigao como a que nosinteressa est na prpria experincia, no si-mesmo-em-ao. [...] O a-tor religioso representa a natureza do nosso eu enquanto se exprime emcertas perguntas: Qual o signi cado ltimo da existncia?; Por que,no undo, vale a pena viver?34.

    A primeira caracterstica dessas perguntas que so inextirpveis.Essas perguntas se enrazam pro undamente no nosso ser: soinex-tirpveis,pois constituem como que o tecido de que eito35. A rmaainda Herschel: Apesar dos racassos e das rustraes continuamosa nos sentir obcecados por essa pergunta inexprimvel e no sabemosaceitar a ideia de que a vida seja vazia, desprovida de signi cado36. E,como diz Leopardi, apesar do nau rgio universal, a pergunta perma-nece: Como uma torre / em solitrio campo, / Sozinho ests, gigante

    dentro dela37

    . Esse pensamento dominante,terrvel, mas caro38

    oindcio de algo que no a oga no contraste acenado, que reemerge donau rgio universal, que o in nito nada de tudo39 no consegue eli-minar. Pensemos no Filho Prdigo: quando percebeu o nada de tudo, aurgncia humana era ainda maior do que antes.

    Por isso, a segunda caracterstica dessas perguntas que so inexau-

    33 Jo 4, 15.34 L. Giussani,O senso religioso, Ed. Universa, Braslia 2009, p. 73.35 Ibidem, p. 75.36 A.J. Heschel,Chi luomo?, op. cit., p. 71.37 G. Leopardi, O pensamento dominante, vv.18-20.38 Ibidem, v. 3.39 G. Leopardi, A si mesmo, v. 16.

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    rveis, carregam uma exigncia de totalidade: Naquelas perguntas, oaspecto decisivo o erecido pelos adjetivos e advrbios: qual o sen-tidoltimoda vida? No undo, no undo,de que eita a realidade? Por que valeverdadeiramentea pena que eu exista, que a realidade exista?So perguntas que esgotam a energia, toda a energia de busca da razo,so perguntas que exigem uma resposta total que abranja todo o hori-zonte da razo, esgotando toda a categoria da possibilidade. Existe,com e eito, uma coerncia da razo que no se detm, a no ser quandochega a se exaurir totalmente. Sob o intenso azul do cu, um ou outro pssaro voa; nunca se detm: porque todas as imagens levam escrito:mais alm40. Comear a reconhec-lo torna-se luz para a estrada davida. Olhem o que diz Dom Giussani comentando esta passagem deMontale: O problema, de ato, no viver os relacionamentos como se

    ossem deuses, como se ossem relaes com o divino; so relaescom o sinal, por isso no podem realizar, podem se tornar estrada, pas-sagem, sinal, podem remeter, como dizia Clemente Rebora na poesiaque eu citei deO senso religioso: No por isso, no por isso. EMontale, de um ponto de vista pago, ateu, diz: todas as coisas estra-nhamente gritam, trazem escrito mais alm. E ento se tratam nocomo se dissessem: Eu sou tudo; e isso nos az apreciar mais as coi-sas, as pessoas. Por exemplo, muito mais ascinante ser companheirosde caminho do que cmplices de uma satis ao provisria41.

    Cada um de ns pode escolher.Por isso, algum verdadeiramente atento experincia no pode dei-

    xar de reconhecer a desproporo estrutural que constitui o nosso eu, queLeopardi descreveu de um modo insupervel neste texto: O no poder ser satis eito por alguma coisa terrena, nem, por assim dizer, pela Terra

    inteira; considerar a amplitude inestimvel do espao, o nmero e a gran-deza maravilhosa dos mundos, e achar que tudo pouco e pequeno para acapacidade do prprio esprito; imaginar o nmero dos mundos in nito,e o universo in nito, e sentir que o esprito e o desejo nossos seriam aindamaiores que esse universo; e sempre acusar as coisas de insu cincia e denulidade, e so rer de ausncia e vazio, e portanto tdio, me parece o maior sinal da grandeza e da nobreza da natureza humana42.

    Que sentimento de grandeza! A inexauribilidade das perguntasexalta acontradioentre o mpeto da exigncia e a limitao da medi-

    40 L. Giussani,O senso religioso, op. cit., p. 75.41 L. Giussani, Lio rinasce in un incontro (1986-1987), op. cit., p. 385.42 G. Leopardi, Poesie e prose, Mondadori, Milano 1980, Vol. II, p. 321.

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    da humana na procura. No entanto, lemos com gosto um texto medidaque a vibrao dessas perguntas e a dramaticidade dessa desproporolhe sustentam a temtica43. Essa contradio insolvel o Mistrioeterno / do nosso ser44, que a coisa que mais alta entre ns, justa-mente pela razo citada: pela infuncia que o poder tem sobre ns, coma nossa conivncia. No alta Deus, alta o mistrio do nosso eu, essemistrio eterno do nosso ser! Por isso no temos necessidade dEle e por isso buscamos a resposta onde todos a buscam.

    Mas quando algum comea a experimentar refetidamente essemistrio eterno do prprio ser, ento comea a vencer essa con usoque arruna a vida e descobrimos em ns uma clareza de juzo nica.Eis o exemplo dramtico de um amigo que me escreve: Caro Julin,quero lhe relatar um ato que est mexendo com a minha vida. Fao-odepois do seu apelo na ltima Escola de comunidade, no qual citandoum texto do cantoO meu rostovoc dizia: Olho no undo e vejo o escu-ro que no tem m. Se ns no surpreendemos isso, porque aquilo quemais nos alta volto aos Exerccios da Fraternidade o sentido doMistrio. E isso se v no ato de que ns, a nal, buscamos a satis aoda vida l onde a buscam todos. Bem, eu que estou h anos em CL,casado, com mulher e lhos, me apaixonei por uma jovem. Comeceia entend-lo um pouco porque no undo, no undo, no queria admiti--lo, mas assim mesmo. Eu procurava a astar essa evidncia colandoCristo nossa amizade, mas era evidente que se tratava apenas deuma consolao psicolgica, para no ter que olhar o desvio do meu eu.Todas as bras do meu ser vibram com o rosto dessa pessoa. Se tomeicoragem e decidi lhe escrever porque depois da Escola de comunidadesobre o captuloO senso religioso: o ponto de partidacomecei a olhar

    pro undamente a minha situao para surpreender em ao os atoresconstitutivos do meu eu e descobri que sou verdadeiramente uma ne-cessidade sem undo, que no pode ser satis eita nem com o rosto beloe puro dessa moa. Bastou um instante em que reconheci essa evidnciaque logo a con uso alimentada por essa situao se dissolveu, sem tirar o sacri cio enorme do a astamento dela e a dor que sinto quando pensoem minha esposa, de quem gosto muito, em meus queridos lhos, emmeus amigos e testemunhas. Pela primeira vez percebi pro undamenteo mistrio do meu ser, a sua vastido in nita e, ao mesmo tempo, a sua

    43 L. Giussani,O senso religioso, op. cit., p. 77.44 G. Leopardi, Sobre o retrato de uma bela mulher esculpido em seu monumento unerrio, vv.22-23.

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    nulidade e pequenez. A surpresa que, dentro de toda essa dor, vejodiante de mim a beleza e a convenincia da estrada verdadeiramentehumana que voc est nos propondo, com uma deciso e ranqueza queso, para mim, o maior sinal da ternura de Deus pelo meu nada. Se Cris-to no osse uma presena real para mim eu no estaria em condiode olhar-me assim, e por isso sou verdadeiramente grato, porque no preciso jogar ora nada do meu humano; ao contrrio, tudo o que estacontecendo comigo uma provocao a me perguntar de Quem eusou, a Quem quero dar toda a minha vida. No quero mais viver comose meu ence alograma osse uma linha reta.

    somente assim que a vida no resolvida por um moralismo est-ril. Se ns ormos capazes de olhar pro undamente o mistrio do nossoser, ento tudo pequeno para a capacidade da alma (mas quantas com- plicaes da vida por no se entender isso...), porque no resolve nadair atrs da primeira que passa, no resolve nada, simplesmente compli-ca tudo, para depois ter de recomear do zero. E a isso no podemosresponder somente moralisticamente: Porque proibido, para depoisdizermos a ns mesmos: Mas no undo perdemos o melhor. Signi caque no entendemos nada! Como diz Gertrud von le Fort: cada coisaconsiderada do ponto de vista religioso adquire lucidez e clareza.Ento, olhar-nos pelo mistrio que somos nos az entender as coisasque carregamos dentro de ns (e que tantas vezes nos desconcertam),como, por exemplo, a tristeza, a grandetristeza, carter undamentalda vida consciente de si, desejo de um bem ausente, segundo SantoToms45. Quando sinto essa tristeza porque desejo um bem que aindaest ausente. Por isso ser consciente do valor de tal tristeza se identi-

    ca com a conscincia da estatura da vida e com o sentimento do seu

    destino. E, ento, algum pode sentir a verdade dessa tristeza como adescreve Dostoievski (longe de ser uma desgraa!): Essa eterna e santatristeza que alguma alma eleita, uma vez a tendo saboreado e conheci-do, no trocar depois nunca mais por uma satis ao barata46.

    E re erindo-se ainda a Dostoievski, Dom Giussani prossegue: Sa ideia eterna de que h qualquer coisa de in nitamente mais justo e

    eliz do que eu me enche por completo de uma ternura sem limitese de glria! Seja eu quem or, seja o que tenha eito! Muito mais doque a sua prpria elicidade, necessrio ao homem saber e acreditar em cada momento que h em qualquer parte uma elicidade per eita e

    45 L. Giussani,O senso religioso, op. cit., pp. 81-82.46 C r. F. Dostoevski,Os demnios, Editora 34, So Paulo 2005, p. 49.

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    calma, para tudo e para todos. A lei da existncia humana consiste emque o homem pode sempre inclinar-se perante o in nitamente gran-de. Se privssemos disso o homem, este no quereria viver e morreriadesesperado47.

    por isso que o eu surpreendido em ao se revela como promessa,como o descreveu de um modo genial Pavese: O que o homem buscanos prazeres um in nito, e ningum jamais renunciaria esperanade alcanar essa in nitude48, porque a espera a estrutura mesma danossa natureza, [...] estruturalmente a vida promessa49. No omosns que o decidimos, assim.

    Por isso, quanto mais algum entra no mistrio do prprio ser, maistoma conscincia do que a verdadeira solido, que no o sentimento passageiro de se sentir s, isso no seria nada. Pode-se per eitamentedizer que o sentimento da solido nasce no corao de cada empenhosrio com a prpria humanidade [quanto mais algum leva a srio a pr- pria humanidade, tanto mais toma conscincia da natureza das prpriasnecessidades e sente toda a impotncia para responder a elas]. Estamossozinhos com as nossas necessidades, com a nossa necessidade de ser,de viver intensamente, como uma pessoa sozinha no deserto: a nicacoisa que pode azer esperar que venha algum. E no ser certamenteo homem a trazer a soluo; pois o que tem que ser resolvido so justa-mente as necessidades do homem50.

    Ento nesse momento que posso comear a entrever qual a ver-dadeira companhia: O lso o norte-americano Al red N. Whiteheadassim de ne a religio: Aquilo que o homem az na sua solido. Ade nio interessante mesmo que no expresse todo o valor do qual parte a intuio que a gerou. Com e eito, essa pergunta ltima cons-

    titutiva do indivduo e, nesse sentido, o indivduo totalmente s: elemesmo aquela pergunta e nada mais. Por isso, quando olhamos umhomem, uma mulher, um amigo, algum que passa, sem que ressoeem ns o eco daquela pergunta, daquela sede de destino que os consti-tui, o nosso relacionamento no humano, e menos ainda pode ser umrelacionamento amoroso em qualquer nvel: no respeita a dignidadeda outra pessoa, no adequado dimenso humana da outra pessoa.A mesma pergunta, porm, no mesmo instante em que de ne a mi-

    47 L. Giussani,O senso religioso, op. cit., p. 83.48 C . C. Pavese,O o cio de viver, Ed. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro 1988, p. 209.49 L. Giussani,O senso religioso, op. cit., p. 85.50 L. Giussani,O caminho para a verdade uma experincia, op. cit., p. 105.

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    nha solido, coloca a raiz da minha companhia, porque signi ca que eusou constitudo de uma outra coisa, ainda que misteriosa. Portanto, sequisermos completar a de nio do lso o americano, diremos que areligio , sim, aquilo que o homem az na sua solido, mas tambmaquilo em que descobre a sua essencial companhia. Esta companhia mais original que a solido, j que aquela estrutura de pergunta no gerada pela minha vontade, mas me dada. Portanto, antes da solidoest a companhia que abraa a minha solido, por isso no mais ver-dadeira solido, mas grito de apelo companhia escondida.51. Por isso,quanto mais algum vive essa solido, essa impotncia, essa alta, no pode deixar de gritar como naquela poesia de Luzi: De que alta esta

    alta,/ corao,/ de que de repente te enches?/ De qu?52.

    3. A saudade do Tu

    Este o cume da busca, este o cume que surpreendemos em ns, ondeo eu expressa o que , se no estiver reduzido. Como expressa maravi-lhosamente o poema de Lagerkvist: meu amigo um desconhecido,algum que no conheo [no sei o que procuro, no o conheo]. / Umdesconhecido distante, distante. / Por ele o meu corao est cheio desaudades. / Por que ele no est junto de mim. / Talvez porque no existade verdade? / Quem s tu que preenches o meu corao com a tua ausn-cia? / Que preenches toda a Terra com a tua ausncia?53.

    Com essa palavra saudade Lagerkvist descreve de um modo sim- ples o que Giussani escreve no nal do quinto captulo: A a rmao daexistncia da resposta est implicada no prprio ato da pergunta54. A

    saudade uma experincia humanssima atravs da qual todos podemosentender que o ato de t-la implica que exista o outro de quem sinto sau-dade, do contrrio no existiria a saudade, no existiria como experincia,no sentiramos a alta de ningum. Pensem se vocs j sentiram saudadede alguma coisa, ou de algum, seno porque j existiu e existe.

    Ento um eu no reduzido um eu que sente essa saudade dentrode si, essa saudade de um Tu real e misterioso, uma saudade que exis-te no prprio idntico impulso com que entra em contato com o real.51 L. Giussani,O senso religioso, op. cit., p. 89.52 M. Luzi, Di che mancanza, vv. 1-5.53 P. Lagerkvist, Uno sconosciuto il mio amico, in Poesie, Guaraldi-Nuova CompagniaEditrice, Rimini-Forl 1991, p. 111.54 L. Giussani,O senso religioso, op. cit., p. 91.

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    Como os Salmos testemunham de um modo nico: Deus, Tu s omeu Deus, desde a aurora ansioso Te busco, minha alma tem sede de Ti,minha carne Te deseja com ardor, como terra seca, deserta, sem gua.Sim, eu Te contemplava no santurio, vendo o Teu poder e a Tua gl-ria. Porque a Tua graa vale mais do que a vida, e por isso meus lbioscantaro o Teu louvor. No meu leito, de Ti me recordo e penso em Tinas viglias noturnas. A Ti se apega a minha alma e a Tua mo direitame sustenta55. Ou: Como a cora anseia pelos cursos dgua, assima alma minha anseia por Ti, Deus, porque a minha alma tem sede deDeus, do Deus vivo. Quando voltarei a ver a ace de Deus?56.

    No alta Deus, alta um eu assim! Que carregue dentro toda a sau-dade, toda a sede... Entendem por que Jesus diz Bem-aventurados osque tm ome e sede?57 Bem-aventurados! Somente um verdadeiro eudesperto pode reconhec-lo, comovido. E isso con rma a racionalidadedo percurso que Dom Giussani nos az azer me parece! , e que nonos poupe decisivo: uma graa.

    A luta com o poder se d nesse nvel. Um eu assim a vitria sobre o poder, sobre a tentativa do poder de reduzi-lo no impulso do seu desejo,de achat-lo. Para um eu assim as o ertas do poder so migalhas, por-que sabe que nenhuma distribuio de presentes pode bastar, nenhumlugar ao sol su ciente para um eu consciente da prpria necessidade, porque algum assim sabe aonde encontrar o seu repouso, um repouso altura da sua necessidade, o nico que verdadeiramente az repousar.Vs nos zestes, Senhor, para Ti e o nosso corao estar inquietoenquanto no encontrar repouso em Ti58.

    Quanto mais a pessoa est consciente de que s Ele pode constituir o seu verdadeiro repouso, mais se comove com o ato mesmo da exis-

    tncia de Deus. No pode deixar de ser invadido pela comoo da suaexistncia, como repetia com tanta requncia Dom Giussani: O meucorao est eliz porque Cristo vive59.

    Por isso a Sua presena me enche de silncio: Ao Teu nome e Tuarecordao se volta, Deus, todo o nosso desejo60. Esse desejo no pode sobreviver nem alguns minutos se no se tornar pedido, porque averdadeira orma do desejo o pedido: chama-se orao.

    55 Sal 63,2-9.56 Sal 42,2-3.57 Mt 5, 6.58 Santo Agostinho,Con sses, I, 1.59 L. Giussani, L'Alleanza, Jaca Book, Milo 1979, p. 106.60 Is 26, 8.

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    Sbado, 30 de abril, tarde Na entrada e na sada:

    Wol gang Amadeus Mozart, Concerto para piano em d menor n. 24, K 491Clara Haskil, piano

    Igor Markevitch - Orchestre des Concerts LamoureuxColeo Spirto Gentil n. 32, Philips

    SEGUNDA MEDITAOJulin Carrn

    Ubi fdes ibi libertas

    bela a estrada para quem caminha61. E caminhar uma deciso quecada um deve tomar continuamente porque, apesar de o tecido do hu-mano com que omos eitos ser acessvel ao homem verdadeiramenteatento experincia e ao eu que se observa em ao, todos sabemos oquanto estamos longe de ter essa clareza. S alguns homens ou em al-guns momentos culminantes conseguem captar o undo de si, tornar-severdadeiramente conscientes de si. Em geral, o que prevalece a con-

    uso como bem sabemos, basta observar como nos movemos tantasvezes , que se d pela infuncia do poder ou pela nossa conivncia edistrao, e a a pessoa no caminha.

    As consequncias desse no-caminhar so descritas por Dom Gius-sani de modo admirvel no oitavo captulo deO senso religioso. Sotremendas, basta um breve sumrio: o esvaziamento da personalidade

    (que ca entregue reatividade); a aridez nos relacionamentos; o di-logo reduzido a conversa ada; a solido como ausncia de signi cado(cujos sintomas mais graves so a exasperao, a violncia e a vulne-rabilidade).

    Por isso, algum que se torne verdadeiramente consciente dessasituao entende qual a dramtica situao em que muitas vezesnos encontramos. Diz von Balthasar: Assim como uma grande partedas pro undezas do homem cou coberta e esquecida por causa doa astamento de Deus, essa pro undidade [do ser, essa venerao desi, essa conscincia verdadeira de ns mesmos] s pode ser elevada

    61 C. Chie o, La Strada, in:Canti, Societ Cooperativa Editoriale Nuovo Mondo, Milo 2002, p. 245.

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    luz da memria e da autocompreenso do homem pela encarnaode Deus62.

    Essa a razo pela qual Deus saiu procura do homem. Ele sai aoencontro da inquietao do nosso corao, da inquietude que nos azquestionar e procurar63.

    nessa situao que o cristianismo precisa mostrar a sua capacidadede despertar o eu, este eu que muitas vezes j est resignado, convenci-do de que se basta a si mesmo, to reduzido est. Se conseguir despert--lo, essa ser a veri cao mais poderosa da .

    1. S Cristo salva o humano

    S o divino pode salvar o homem, isto , as dimenses verdadeiras eessenciais da gura humana e do seu destino s podem ser conservadas ou seja, reconhecida, proclamadas e de endidas por Aquele que oseu sentido ltimo64, nos ensinou Dom Giussani.

    A resposta positiva dramtica disperso em que a sociedade nosaz viver um acontecimento. S um acontecimento[...] pode tor-

    nar o eu claro e consistente nos seus atores constitutivos. Este um paradoxo que nenhuma loso a ou teoria sociolgica ou poltica consegue tolerar: que seja um acontecimento, no uma anlise, noum registro de sentimentos, o catalisador que permite aos atores donosso eu virem tona com clareza e se comporem aos nossos olhos,diante da nossa conscincia, com limpidez rme, duradoura e estvel.[...] O acontecimentocristo , de ato, o catalisador adequado doconhecimento do eu, o que torna possvel uma clara e estvel per-

    cepo do eu, que permite ao eu tornar-se operativo enquanto eu. Forado acontecimento cristo,no podemos entender o que o eu. E oacontecimento cristo como j vimos a respeito do acontecimentocomo tal algo de novo, de estranho, que vem de ora, portanto algoimpensvel, que no podemos supor, que no podemos reconduzir auma construo nossa, que irrompe na vida. [...] Esse encontro abreos meus olhos para mim mesmo, suscita um desvelamento de mim,demonstra-se correspondentequilo que sou: az com que eu me d

    62 C r. H.U. von Balthasar,Wenn ihr nicht werdet wie diesses Kind , Johannes Verlag, Einsiedeln1988.63 Bento XVI,Santa Missa Crismal , 21 de abril de 2011.64 L. Giussani, Na origem da pretenso crist, Nova Fronteira, Rio de Janeiro 2003, p. 120.

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    contadaquilo que sou, daquilo que quero, porque me az entender queo que traz exatamente o que eu quero, corresponde ao que sou65.

    E essa a con rmao do caminho que estamos procurando azer, porque s o acontecimento capaz de despertar o eu, no a repetio decertas rmulas, s o acontecimento cristo me az entender o meu eu,e por isso insistimos na Escola de Comunidade buscando testemunhar mutuamente como surpreendemos o Seu acontecer em ns, porque isso que testemunha o acontecimento cristo em ato, esse despertar doeu. Estamos buscando entender quem Cristo observando o que conse-gue despertar em ns, para entendermos a ns mesmos, para nos tornar-mos mais consistentes, mais estveis como conscincia, para estarmosmenos dependentes do poder, para ter uma inteligncia maior do real, para sermos ns mesmos, para que ningum nos engane.

    Cristo to correspondente ao que sou que quando O encontro -nalmente posso entender de Quem alta a alta que eu sinto, de Al-gum que me diz: Eu sou o Mistrio que alta em todas as coisas quetu provas, a cada promessa que tu vives. Seja o que or que tu desejesou procures alcanar, eu sou o Destino de tudo aquilo que azes. Tu procuras-Me em todas as coisas!66.

    O autor rancs Chrtien identi cou bem que essa conscincia s possvel para o cristianismo: Que o mais alto desejo, e o que aza grandeza do homem, seja o desejo de in nito, o desejo que nadaaplaca ou adormece, pois nada de nito pode satis az-lo, isso cons-titui um pensamento propriamente cristo, pelo ato de que o desejode in nito tem por verdade o desejo de Deus mesmo. Tal pensamentose ope radicalmente a toda a sabedoria grega antiga, para a qual umdesejo sem limite seria um sinal de desmedida e de loucura, cami-

    nho certo para a in elicidade ou para o desespero67

    . E at que pontoo pensamento antigo retorna podemos v-lo pelas vezes em que os pais comeam a dizer aos lhos que uma loucura desejar isso ouaquilo: no estando ainda em condio de entender a si mesmos, noconseguem entender os lhos (e assim tambm os pro essores com osalunos). Cristo quem az vir tona toda a minha humanidade, todoo meu desejo, porque, como diz Kierkegaard, s quando aparece oobjeto que aparece o desejo68.65 L. Giussani, Em caminho, in: Passos Litterae Communionisn. 5, jan/ ev 2000, pp. III, VI,VIII.66 L. Giussani, Acontecimento de liberdade, Ed. Diel, Lisboa 2004, p. 145.67 J.L. Chrtien, La Joie spacieuse, Les ditions de Minuit, Paris 2007, p. 196.68 S. Kierkegaard, Don Giovanni, M.A. Denti, Milo 1944, p. 87.

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    Portanto, o meu desejo, to desproporcional s minhas oras, umaclareza to poderosa sobre o que me alta, o maior testemunho deCristo, o sinal mais evidente da Sua contemporaneidade: no se trata de

    alar de Cristo, mas de um eu com esse desejo! Ns conhecemos muitas pessoas que alam de Cristo, mas quantos vocs conhecem que no socticos, que at certa idade ainda mantm vivo um desejo de vida? Seisso testemunha a contemporaneidade de Cristo, ento quando algumv uma coisa assim, sabe bem que a no criao do homem! im- possvel ao homem criar a , porque um homem assim despertado no prprio desejo a coisa mais humanamente impossvel. Uma coisa des-se tipo o homem no podia nem sonhar; alis, lhe parecia uma loucura.Por isso, a nossa humanidade despertada a apologia maior de Cristo.

    isso que enche de admirao Isaac de Nnive: Como estupendaa meditao da tua constituio, homem! Mas mais estupendo omistrio do teu despertar69.

    O despertar do eu mostra que Cristo no resolve o drama do eu eli-minando o desejo humano, mas exaltando-o, apro undando o senso domistrio. Que soluo seria aquela que termina por achatar o desejo ousuprimi-lo? Pelo contrrio, quem reconhece Cristo v a sua humanidadelevada para alm de qualquer imaginao. Por isso, o apro undamentodo senso do mistrio o sinal da Sua presena.

    Dizia um amigo durante um testemunho pblico: Minha trajet-ria existencial dos ltimos seis anos, cujo ponto principal de novidade posso descrever como a exploso da desproporo estrutural, oi aradicalizao da percepo da minha necessidade humana, de uma exi-gncia de signi cado, quase lancinante em certos momentos, unida percepo da impossibilidade humana de satis az-la e ao racasso de

    tantas iluses. A primeira coisa que quero lhes dizer que olhar paraCarrn nestes anos implicou que a minha exigncia radical despertas-se, antes de tudo que eu percebesse que havia reduzido toda a histria precedente, que o meu despertar no dependia de estudarO senso re-ligioso, mas da convivncia com o acontecimento de Cristo que algunsamigos me testemunhavam. O encontro com uma testemunha viva nome tornou inabalvel, eu pensava que tornar-se maduro quisesse dizer um pouco a ataraxia. Ao invs, me vejo muito mais rgil, muito mais perturbado, muito mais vulnervel, muito mais abalado pela doena dealgum ou por um projeto que no se realiza, por um desejo que no seconcretiza, pela angstia sobre a situao de um amigo e do mundo. A

    69 Isaac de Nnive, Discorsi spirituali, Qiqajon, Magnano (Bi) 2004, pp. 141-142.

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    erida muito mais radical do que antes (a erida existencial, pessoal, psicolgica), e as coisas e as pessoas me perturbam muito mais; porm,ao mesmo tempo, a coisa nova que percebo que ningum pode res- ponder a essa vertigem a no ser Algum no redutvel natureza. aabertura para um Outro di erente de si. Isto , percebi nestes anos, nes-ta convivncia, o engano que procurar preencher a pergunta humanacom algo menor do que o que pode satis az-la, que pode muito bemser vivida sendo do Grupo Adulto elmente, como me parecia ter tentado viver nestes anos; mas a esperana humana no est em Cristo presente e se vivem como que vidas paralelas (o dualismo de que ala-mos com requncia): de um lado, voc a rma Cristo e acha que reza,mas o critrio de juzo que usa na relao com a realidade baseia-se emoutra coisa. Se eu sou to necessitado, no uma vez, mas todas as vezes preciso reencontrar essa Presena, se no encontro essa Presena noestou bem, e certos dias mesmo uma percepo sica, como se uma

    erida me transpassasse o corao, e preciso ver os Seus atos, porqueesses atos so o blsamo do abismo que tenho dentro de mim. E assimaconteceu uma coisa estranha: a Presena desencadeou a percepo daminha desproporo, mas a desproporo me deixou em condio dever essa Presena em coisas para as quais antes eu no ligava. um reforescimento, assim, do prprio eu, a veri cao da e davocao, diante da qual no se pode deixar de sentir admirao e umain nita gratido. Gratido por qu? Porque Ele existe, porque Cristoexiste e est presente. E quanto mais algum descobre a prpria neces-sidade, tanto mais percebe que essa necessidade no pode ser resolvidacom um discurso, com a teoria certa, com a interpretao correta (nemmesmo a interpretao correta de Giussani), com as obras, com as ini-

    ciativas, com o trabalho, com a carreira, com certos relacionamentosa etivos. No pode ser satis eita com nada. Para encontrar a resposta aesse eu consciente, com toda a sua imponncia de mistrio, precisoreencontrar a Sua presena, porque nada nos basta. Outra coisa no ser-ve, e por isso ter relao com Ele a nica possibilidade de encontrar o que corresponde.

    somente com amigos assim que somos capazes de azer uma lei-tura verdadeira das nossas necessidades. Havamos dito esta manh quemuitas vezes ns reduzimos as necessidades. O encontro, ao invs,liberta as suas necessidades, liberta-as da veia daquela interpretaoredutora que tende a uncionalizar toda a pessoa em relao ao poder70.

    70 L. Giussani, Lio rinasce in un incontro (1986-1987), op. cit., p. 377.

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    Giussani insiste: Agora, o encontro gera, suscita se ormos sin-ceros com o corao, se houver um mnimo de sinceridade umacompanhia di erente, que se ope quela da sociedade, uma compa-nhia como a nossa! Nela a leitura das necessidades trans ormada, aleitura que ela az das necessidades vence a sugesto da sociedade,vence a sugesto do poder, daquilo que o poder lhe injeta; nesta com- panhia comeamos a ler as necessidades segundo a verdade encontra-da71. E mais adiante acrescenta: Ento, o encontro, instintivamen-te, gera uma companhia di erente, uma a nidade com a pessoa quese encontra, com outros que a encontraram; assim nasce um grupo,nasce uma companhia, nasce um movimento. Nessa companhia, nessemovimento, as necessidades que se tm so lidas de um modo verda-deiro. E, por isso, se determina um contraste, esta companhia torna-seuma polis paralela; a pessoa comea a entender o que quer dizer relacionamento com a mulher, o que quer dizer relao de amizade, oque quer dizer relacionamento com o homem como tal, relao com otempo, com o passado, com o erro, com o engano, o que quer dizer o perdo. Em suma, comea a entender, a entender que antes no enten-dia, que os outros no entendem, e lhe vem uma compaixo por todos. como se algum tivesse vivido num bueiro, tivesse nascido e vividoali, crendo que o mundo osse o bueiro, e repentinamente sasse: meu Deus! um outro mundo!72.

    Como se gera um eu assim?

    2. A gerao do nosso rosto humano

    Escutemos Dom Giussani: O poder no pode impedir o despertar do euno encontro, mas procura impedir que se torne histria73, isto , que ajano decorrer do tempo, na durao, no permanecer do que oi despertado.E como age? Procurando reduzir os nossos desejos to logo eles sejamdespertados de novo pelo encontro. E quantas vezes nos surpreendemosvoltando situao de antes: Basta ver que grandes rasgos de vazio seabrem no tecido cotidiano da nossa conscincia e quo grande a perdada memria74 encontrados em ns mesmos tantas vezes.

    71 Ibidem, pp. 362-263.72 Ibidem, p. 364.73 Ibidem, p. 247.74 L. Giussani, Em busca do rosto do homem, op. cit., p. 11.

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    Para que a novidade introduzida pelo encontro se torne consistente,de modo que no somente no retornemos situao de antes ou, pior,nos tornemos cticos, mas se apro unde a percepo do nosso mistrio, preciso percorrer um caminho, um caminho ascinante, porque nada to ascinante quanto a descoberta das reais dimenses do nosso eu, nada to rico de surpreender quanto a descoberta do prprio rosto humano.

    Impressiona ler as sugestes que Dom Giussani dava aos colegiais,anos atrs, para encoraj-los nessa aventura (me parece que serve tam- bm para ns): Esperem um caminho, no um milagre que elimine assuas responsabilidades, que dispense o seu es oro, que torne mecnicaa sua liberdade. No! No esperem isso. E essa uma di erena pro un-da do caminho eito at agora: a di erena pro unda que voc no po-der me seguir, no poder nos seguir a no ser tentando compreender.At agora pde seguir mesmo sem entender, mesmo sem a tenso paracompreender; agora no poder mais nos seguir se no estiver propensoa entender. E at agora voc pde seguir sem amar nada; agora devercomear a amar realmente, digo, a vida e o seu destino. De outro modo,se no estiver propenso a entender e se no estiver propenso a amar avida e o destino, ento nos deixar: somente nesse caso75. Porque tudodiz o oposto, e se algum no entender as razes do que az, no durar,no se tornar histria o que aconteceu conosco.

    Ento Giussani prope um caminho, um empenho, no um milagreou um mecanismo. Por trs do incmodo que tantas vezes afora entrens h esta con uso: pensamos sempre numa proposta que produza

    rutos sem es oro, sem envolver a nossa liberdade, sem empenhar atotalidade do nosso eu. Vejam o que diz Giussani (no achamos outrocompanheiro de caminho que nos descreva de modo to autntico, como

    se passasse um scanner sobre ns): E etivamente, de que dependema aridez e a facidez da convivncia, da convivncia das comunidades[pensem na Fraternidade, pensem nas amlias, pensem nos amigos],se no do ato de que pouqussimas pessoas podem se dizer engajadasna experincia, na vida como experincia? o descompromisso com avida como experincia que nos az bater papo e no alar76. Pensemosa certas cenas entre ns: que impresso teria algum de ora a respeitodo que realmente nos interessa?

    Por isso destaca-se o alcance da sugesto de caminho que DomGiussani nos prope (e eu no tenho nada de di erente para propor):

    75 L. Giussani, Encontro nacional dos colegiais, Rmini, 28-30 de setembro de 1982, Arquivo de CL.76 L. Giussani,O senso religioso, op. cit, p. 130.

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    o caminho para a verdade uma experincia presente, que con rma autilidade da para responder s exigncias e aos desejos que urgem emns de um modo inextirpvel e inexaurvel. E todos sabem as di culda-des que temos: damos as nossas impresses, contamos coisas, damos asnossas opinies, mas quantos estamos empenhados numa experinciaverdadeira?

    A di culdade que en rentamos hoje a mesma encontrada por Gius-sani quando dizia: H trinta anos, quando comecei a dizer essas coisas,no pensava que, depois de trinta anos, deveria repeti-las tantas vezes para que as pessoas que j caminham na mesma estrada h dez anos!Por lerem as coisas, elas acreditam t-las compreendido, vo em rentee no so srias com as palavras usadas, no so srias com a realidadeque as palavras indicam; no se srio com o sujeito que vive a realida-de da qual eita o seu tempo, a sua orma. Qual o ponto de partida deuma indagao humana, de uma pesquisa sobre a verdade? O ponto de partida a experincia. No o que experimentamos, mas a experinciaque azemos julgada pelos critrios do corao, os quais, como critrio,so in alveis (in alveis como critrio, no como juzo: pode ser umain abilidade mal aplicada). Os critrios so esses, no existem outros;ou os critrios so os do corao, ou somos alienados, vendidos no mer-cado da poltica ou da economia77.

    Dom Giussani nos adverte que se pode permanecer aparentemen-te no caminho sem azer experincia: a escada rolante est sempre espreita... Se o nosso caminho e a nossa no se tornam experincia presente na qual encontramos a con rmao da convenincia humanada , no poderemos seguir e nem nos azer companhia: A experinciadeve ser verdadeiramente isto, ou seja, julgada pela inteligncia, de ou-

    tro modo, a comunicao torna-se um tagarelar ou vomitar lamentos78

    .Por isso, a veri cao se estamos azendo experincia ou no ocrescimento do nosso eu, a sua maior consistncia. E az parte da expe-rincia sempre nos oi dito o ato dodar-se conta de crescer79. Ea pessoa toma conscincia porque isso ca na memria, no se esque-ce mais: A experincia tutelada pela memria. Memria proteger a experincia. A experincia est, portanto, sob custdia da memria, porque no posso dialogar com voc se a minha experincia no estguardada em mim, protegida em mim como uma criana no seio da

    77 L. Giussani, possvel (verdadeiramente) viver assim?, Bur, Milo 1996, p. 83.78 L. Giussani,O senso religioso, op. cit, p. 131.79 L. Giussani, Educar um risco, op. cit., p. 87.

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    me, de tal modo que cresa em mim medida que o tempo passa80.Ento, assim que quando alamos podemos comunicar algo verdadei-ramente veri cado na experincia.

    Se ns azemos essa experincia, a pode gerar uma pessoa verdadei-ramente consistente. A consistncia do prprio eu uma experincia pro-

    undamente nova, realmente o nascer de novo de Nicodemos. O milagreque deve acontecer a consistncia do prprio eu, quer dizer, da dignidade, acerteza do destino e a capacidade de operar de modo novo e mais humano81.

    Por isso somente um caminho que gera a criatura nova, que DomGiussani descreve assim: Uma experincia di erente do sentimento desi, uma percepo di erente das coisas, uma emoo di erente da presen-a alheia, um mpeto, uma densidade di erente nos relacionamentos, umgosto di erente na conturbada dinmica do trabalho, um xito que no eraconcebido nem imaginado antes82. Se no acontecer isso, que interesse a

    ter para ns? Antes ou depois o desinteresse tambm vencer em ns,mas no ser como dizemos muitas vezes porque Cristo no cumprea promessa que nos ez no encontro, mas porque ns reduzimos tudo amecanismo, porque no estamos verdadeiramente empenhados na veri -cao da experincia! E sem isso eu no tenho um rosto.

    impressionante o trecho nal de um poema de Rimbaud: Todosos que se encontraram comigo como se no tivessem me visto83.Voc se depara com algum sem rosto. Ao invs, ser presena signi cater um rosto, e a o que torna o rosto signi cativo.

    A ora da nossa presena a , mas a vivida como experincia presente, e ento se torna uma presena que no se esquece: O que no pode ser esquecido? [...] O que no deixa margem para o esquecimento[...], o que por si mesmo e quase antecipadamente resplandecente de

    uma clareza que nada pode apagar ou encobrir84

    .

    3.Ubi fdes, ibi libertas (Santo Ambrsio)

    Se o indivduo no tem consistncia, se a sua personalidade esva-ziada, ca merc das oras mais descontroladas do instinto e do

    80 L. Giussani,O senso religioso, op. cit, p. 131.81 L. Giussani, Conselho Nacional de CL, Milo, 9-10 de evereiro de 1985, Arquivo de CL.82 La ede oggi, Encontro de Dom Giussani com os adultos de CL. Turim, 13 de junho de 1981,Arquivo de CL.83 C . A. Rimbaud, Una stagione in in erno, in:Opere, Mondadori, Milo 1975, p. 219.84 J. L. Chretin, Linsperabile e lindimenticabile, Cittadella Editrice, Assis 2008, . 123.

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    poder: a perda da liberdade (termina assim o oitavo captulo deO senso religioso).

    Hoje nos encontramos rente a um desejo enorme de liberdade, masao mesmo tempo constatamos a incapacidade de sermos verdadeira-mente livres, ou seja, ns mesmos, na realidade. como se, de ato,cada um se dobrasse ao que se espera de ns em cada circunstncia: as-sim a pessoa tem uma ace no trabalho, outra com os amigos, outra emcasa... Mas onde somos verdadeiramente ns mesmos? Para no dizer quantas vezes a pessoa se sente su ocada pelas circunstncias da vidacotidiana, sem a mnima ideia de como se libertar, a no ser esperandoa mudana das circunstncias (essa, muitas vezes, parece ser o nicocaminho de libertao que conseguimos conceber). No m, a pessoase v bloqueada, sonhando com uma liberdade que no chega nunca. Num momento histrico em que se ala tanto de liberdade, assistimosao paradoxo da sua alta, da sua ausncia.

    Portanto, o ato de a liberdade hoje ser um bem to escasso, toraro, uma outra documentao da alta de uma experincia real da ,segundo o grande moto de Santo Ambrsio: Ubi des, ibi libertas85 (onde h h liberdade).

    Por isso a liberdade o sinal mais precioso e potente da , e a quens podemos veri car de verdade se estamos azendo uma experinciade capaz de resistir num mundo onde tudo mas tudo mesmo! dizo contrrio, o oposto. Mas ns entendemos que tipo de desa o temosde encarar? Se ns, nessa realidade, no temos um rosto e no temosuma consistncia, a nossa no poder resistir na histria, seremos banidos!

    Qual a condio da liberdade? Em qual condio tem sentido alar

    de liberdade, de irredutibilidade do eu, de consistncia? Apenas numcaso: H somente um caso em que esse ponto que o homem indi-vidual livre do mundo inteiro, livre, e nem o mundo inteiro, nemo universo inteiro podem obrig-lo. Em apenas um caso essa imagemde homem livre explicvel: se supusermos que aquele ponto [do caroque ns somos] no seja totalmente constitudo pela biologia de seu paie de sua me, mas possua algo que no derive da tradio biolgica deseus antecedentes mecnicos, que sejarelao direta com o in nito,relao direta com a origem de todo o fuxo do mundo [...].Somentenahiptese de que haja em mim essa relao, o mundo pode azer de mimo que quiser, mas no me vence, no me induz, no me agarra; eu sou

    85 Santo Ambrsio, Epstolas, 65, 5.

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    maior, soulivre. [...] Eis o paradoxo: a liberdade a dependncia deDeus. um paradoxo, mas muito claro. O homem o homem concreto,eu, voc no existia, agora existe, amanh no existir mais: portanto,depende. Ou depende do fuxo de seus antecedentes materiais, e escra-vo do poder, ou depende daquilo que est na origem do fuxo das coisas,alm delas, isto , de Deus. A liberdade se identi ca com a dependnciade Deus em nvel humano, isto , reconhecida e vivida. Ao passo que aescravido negar ou censurar essa relao. A conscincia vvida dessarelao chama-se religiosidade. A liberdade est na religiosidade! Por isso, o nico obstculo, o nico limite, a nica ronteira ditadura dohomem sobre o homem quer se trate de homem ou de mulher, de paise lhos, de governo e cidados, de patres e empregados, de che es de partido e estruturas nas quais as pessoas prestam servios o nicoobstculo e a nica ronteira, a nica objeo escravido do poder anica a religiosidade86.

    Vejam quantas vezes ns sonhamos alcanar a liberdade e nos com- paremos seriamente com o que Dom Giussani diz submetendo-o veri-

    cao da experincia: Por essa razo, quem tem o poder [...] tentadoa odiar a religiosidade verdadeira, a menos que seja pro undamente reli-gioso [...] porque [a religiosidade autntica] o limite posse, desa o posse87.

    E ainda: A o gesto undamental de liberdade, e a orao aconstante educao do corao e do esprito autenticidade humana, liberdade: porque e orao so o reconhecimento pleno daquelaPresena que o meu destino, e a minha liberdade est em depender dela88.

    Mas como possvel viver em todas as circunstncias a religiosida-

    de, a relao com o Mistrio, que me torna irredutvel a qualquer po-der? preciso que o homem adira sempre ao Mistrio do qual depende.Eu sempre quei marcado por essa pergunta, muitas vezes evocada por Dom Giussani: como o homem pode ter a conscincia clara e a energiaa etiva para aderir ao Mistrio, se esse Mistrio permanece mistrio?Como pode o objeto ainda obscuro e misterioso despertar a energia daliberdade para realiz-la?

    Enquanto o objeto or obscuro, cada um pode imaginar aquilo quequiser e pode determinar-se, em sua relao com esse objeto, como

    86 L. Giussani,O senso religioso, op. cit, p. 141.87 Ibidem, p. 141.88 Ibidem, p. 137.

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    mais lhe agradar. Pensem na experincia amorosa: a pessoa deseja amar e ser amada, mas enquanto o rosto desconhecido, o que azemos?Aquilo que queremos. Somente quando o rosto aparece que introduzrealmente uma possibilidade de magnetizar o eu. Porque eu sei que de-sejo o in nito, que esse in nito existe porque sempre tenho saudadedele como dizia Lagerkvist mas todos os dias me agarro a um de-talhe, vou atrs de qualquer objeto, que depois me deixa insatis eito.E esse o destino do homem, a menos que acontea a hiptese de que

    ala Wittgenstein: Voc precisa de redeno, do contrrio se perde [...]. preciso que entre uma luz, por assim dizer, atravs do telhado, o tetosob o qual trabalho e ao qual no desejo subir. [...] Essa tenso parao absoluto que az parecer por demais mesquinha qualquer elicidadeterrena... me parece estupenda, sublime, mas eu xo o meu olhar emcoisas terrenas, a menos que Deus me visite89.

    Por isso preciso que o Mistrio se torne companheiro experiment-vel, que Deus nos visite. Foi necessrio que o Mistrio se zesse com- panheiro da vida do homem para que no mundo entrasse uma experin-cia completa da liberdade. S quando o Mistrio, como a pessoa amada,desvela o Seu rosto e me atrai totalmente, me magnetiza, que posso ter a clareza e a energia a etiva para aderir, isto , para empenhar toda aminha liberdade.

    Com Jesus o Mistrio se tornou digo numa rase insupervel deDom Giussani uma presena a etivamente atraente90, a ponto deacender o desejo humano e desa ar como nenhum outro a sua liberda-de, isto , a sua capacidade de adeso. Ao homem, basta ceder atra-o vencedora da Sua pessoa, Sua atratividade, como ocorre com ohomem apaixonado: a presena ascinante da pessoa amada que des-

    perta nele toda a sua energia a etiva. Basta ceder ao ascnio de quemest sua rente. Por isso dizia Betocchi: preciso um homem, / no necessria a sabedoria, / o que se precisa de um homem / em esp-rito e verdade; / no de um lugar, no de coisas, / necessitamos de umhomem, / de um passo seguro e de uma mo rme estendida, / de modoque todos possam segur-la e caminhar / livres e salvos91.

    E, como a pessoa amada, eu descubro o Mistrio presente por umencontro imprevisto, surpreendente, como oi para Joo e Andr: desde

    89 L. Wittgenstein, Movimenti di pensiero, Quodlibet, Macerata 1999, p. 85.90 L. Giussani, Lautocoscienza del cosmo, Bur, Milo 2000, p. 247.91 C. Betocchi, Ci che ocorre un uomo, in C. Betocchi, Dal de nitivo istante, Bur, Milo1999, p. 146.

    Exerccios da Fraternidade

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    que O encontraram caram tomados pelo resto de suas vidas, porque aliberdade deles ora to desa ada pela Sua excepcionalidade nica queno puderam mais ir adiante sem levar em conta essa Pessoa. A liberda-de daqueles que o haviam encontrado teve nEle um cumprimento semcomparao: o cntuplo aqui, isto , uma satis ao cem vezes maior.Se no encontramos uma satis ao cem vezes maior, por que deve-ria ser razovel segui-Lo? No resistiramos muito tempo se no osse por uma satis ao, uma satis ao cem vezes maior, como antecipaodaquela plena. E demonstra-se que os discpulos no eram visionrios pelo ato de que permaneceram, do contrrio eles tambm teriam se perdido depois de pouco tempo.

    Caro cardo salutis92, como diz agudamente Tertuliano: a carne, oVerbo eito carne o eixo da salvao. E com isso chegamos ao pontomais agudo do drama com o qual cada um de ns se de ronta. Ento,se assim, se Cristo essa presena atraente, to correspondente snossas exigncias mais pro undas, pareceria normal que cedssemos Sua atrao; to correspondente que pareceria quase bvio. Mas denovo uma ateno experincia nos mostra que no assim.

    Por que em muitas ocasies sentimos uma resistncia to visceral adeixar-nos atrair por Ele? No apenas raqueza, embora a tenhamosde ato; substancialmente uma sensao de perder-se que nos impedede ceder. Mas como que ns carregamos essa sensao de nos perder,quando na realidade s cedendo Sua atratividade que nos ganhare-mos? o e eito do pecado sobre ns. O pecado introduziu algo de estra-nho que des ocou a percepo de ns mesmos e de Deus, azendo comque Deus aparea aos nossos olhos como uma espcie de adversrioda nossa realizao, tanto verdade que pensamos que ao ceder a Ele

    ns nos perdemos, e por isso precisamos manter uma certa distncia. Edesse drama nem mesmo Jesus, verdadeiro homem, oi poupado; alis, justamente porque Ele o en rentou que pde venc-lo.

    Escreve Bento XVI: A vontade humana, segundo a criao, tende para a sinergia (a cooperao) com a vontade de Deus, mas, por causado pecado, a sinergia trans ormou-se em oposio. O homem, cuja von-tade se realiza aderindo vontade de Deus, agora sente a sua liberdadeameaada pela vontade de Deus. V, no sim vontade de Deu, no a possibilidade de ser plenamente ele mesmo, mas a ameaa para a sualiberdade, contra a qual ope resistncia. O drama do monte das Oli-veiras consiste no ato de a vontade natural do homem ser reconduzida

    92 Tertuliano, De resurrectione mortuorum, VIII, 6-7.

    Sbado, tarde

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    por Jesus [...] na sua grandeza. Na vontade humana natural de Jesusest [...] presente toda a resistncia da natureza humana contra Deus.A obstinao de todos ns, toda a oposio contra Deus est presente,e Jesus, lutando, arrasta a natureza recalcitrante para o alto, para a suaverdadeira essncia. [...] A orao: no se aa a minha vontade, mas aTua ( Lc22,42) verdadeiramente uma orao do Filho ao Pai, na quala vontade humana natural oi totalmente arrastada para dentro do Eu doFilho, cuja essncia se exprime precisamente no no Eu, mas Tu, noabandono total do Eu ao Tu de Deus Pai. Mas, este Eu acolheu em sia oposio da humanidade e trans ormou-a, de tal modo que agora, naobedincia do Filho, estamos presentes todos ns, somos todos arrasta-dos para dentro da condio de lhos93.

    O Papa reiterou isso na Quarta-Feira Santa: O homem em si ten-tado a opor-se vontade de Deus, a ter a inteno de seguir a prpriavontade, de se sentir livre unicamente se autnomo; ope a prpria au-tonomia contra a heteronomia de seguir a vontade de Deus. Eis o dramada humanidade. Mas na verdade esta autonomia errada e este entrar na vontade de Deus no uma oposio a si, no uma escravido queviolenta a minha vontade, mas entrar na verdade e no amor, no bem.E Jesus puxa a nossa vontade, que se ope vontade de Deus, que procura a autonomia, puxa esta nossa vontade para o alto, rumo von-tade de Deus. Este o drama da nossa redeno, que Jesus puxa para oalto a nossa vontade, toda a nossa repulsa vontade de Deus e a nossarepulsa morte e ao pecado, e une-a vontade do Pai: No seja eitaa minhavontade, mas aTua. Nesta trans ormao do no em sim,nesta insero da vontade criatural na vontade do Pai, Ele trans orma ahumanidade e redime-nos. E convida-nos a entrar neste seu movimento:

    sair do nosso no e entrar no sim do Filho. A minha vontade existe,mas decisiva a vontade do Pai, porque esta a verdade e o amor94.Esse o preo da nossa redeno. No se trata de jogo de palavras!Mas como esse pux