Exemplo 4 escrita criativa - Mu(dar)
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Ana Rita Caldeira Agosto de 2011
Contextualização do tema abordado
O trabalho baseia-se numa reflexão pessoal acerca da resistência à mudança
evidenciada por todos nós, que tende a desenvolver-se à medida que amadurecemos
cognitivamente. Tem inspiração em algumas ideias provenientes da Psicologia do
Desenvolvimento e da Psicologia Cognitiva, pretendendo realçar o potencial de
crescimento do qual dispomos e do que temos ao nosso alcance para conseguir
CRES(SER).
É resultado do interesse e estudo dirigidos à área da mudança
comportamental, da maximização das competências individuais e da qualidade de
vida, visando a promoção do desenvolvimento humano e social, visto vivermos num
sistema em constante interacção. Mais ainda, consiste numa ideologia antagónica à
estagnação, salientando que o risco, ponderado e discernido, pode ser a porta para a
mudança.
Ao longo da reflexão é feita uma escalada pelo percurso desenvolvimentista
humano e pela forma como a maturação se mostra muitas vezes uma antítese do seu
propósito: a solidificação da capacidade de investir em hipóteses virtuais, de uma
forma deliberada, antecipada e estratégica.
Neste sentido, ao deparar-nos com este paradoxo cognitivo, que se liga ao não
aproveitamento de todas as competências que temos ao nosso dispor na idade
madura, e assim colocando em causa o que é per si o sentido do desenvolvimento,
podemos colocar a questão: de que forma poderemos transformar esta tendência
humana para permanecer no espaço seguro, fazendo então jus ao que nos torna
únicos no nosso Ecossistema?
Para terminar, pretendo abordar o título do trabalho: MU(DAR). Consiste no
destaque atribuído a duas palavras, estando uma incluída no sentido real da outra.
Desta forma, não é pretendido falar apenas em mudança, mas sim menciona-la como
uma forma de interagir com os outros, de alcançarmos metas tendo em vista um bem
individual mas também social. Nenhum homem é uma ilha e desta forma cabe-nos a
nós objectivar, delinear e executar as pontes que nos interligam.
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Ana Rita Caldeira Agosto de 2011
MU(DAR)
Não parece nada fácil.
Hábitos, trejeitos,
expressões, tiques, posturas,
perífrases, metáforas, eufemismos,
silêncios, opiniões. Trabalho árduo
de construção, trabalho fácil de
habituação.
É assim que funcionamos ao
longo da vida: primeiro, não
sabemos nada, tabula rasa sedenta
de vontade de integrar. Nesta altura
desenvolvem-se as mais refinadas
estratégias de acomodação e
assimilação, entenda-se isto como
um passo crucial na integração da
novidade (que por esta altura é
tudo). Posteriormente, a confiança
aumenta e também a selecção do
que queremos apreender fica mais
evidente.
O contexto induz-nos a
gostar mais de umas coisas em
detrimento de outras e isso é
legítimo. O indivíduo X nasce num
meio abastado e intelectualmente
desenvolvido, que fomenta o gosto
pela arte e pela música. Não nos
iludamos: o indivíduo X começará
por querer saber tudo mas
posteriormente, na arrogância do
desenvolvimento, tenderá a
escolher o que vai de encontro ao
seu interesse, genético mas
também aprendido. Irá a concertos,
ouvirá sonatas e terá amigos
leitores assíduos. Tal como ele,
também nós passamos a usar o que
melhor nos cabe e que ficará
automatizado. Talvez para nos
pouparmos a novos investimentos
intelectuais, para nos tornarmos
rápidos a escolher e a depreciar,
para ingenuamente considerarmos
a certeza de que sabemos bem de
que somos feitos.
E assim, nós, que tínhamos
uma casa com dezenas de andares,
que começamos bem, criativos,
empreendedores, sanguessugas de
informação, sabotamos a
oportunidade que temos para
evoluir e abrir novos caminhos. Na
verdade, passamos grande parte da
vida a utilizar apenas um ou dois
andares da casa. Porque cansa,
arrisca, perturba, desestabiliza. É
este o retrato que temos da
mudança: "periguifica" tudo o que
alcançámos, que mesmo que não
seja bom, é nosso. E não, não
queremos perder. Porque veremos
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Ana Rita Caldeira Agosto de 2011
como uma derrota e nunca como
uma oportunidade.
A mudança não tem mau
carácter (passo a personificação).
Apenas nos quer mostrar que não
nos permitimos experimentar ao
máximo, quando é essa a nossa
obrigação. E assim, ao longo do
desenvolvimento, sedimentamos a
tendência cerebral para pensar em
termos de opostos redutores:
através da etiquetagem dicotómica
bom/mau, feio/bonito, moral/imoral,
possível/impossível.
Consequentemente, quanto
mais se pensa em termos de
conceitos divergentes, mais se
desenvolvem essas redes neuronais
rápidas e rígidas que corroboram o
sentido polarizado dos
comportamentos dos outros e dos
acontecimentos e que nos impedem
de CRES(SER).
Para MU(DAR) pede-se
flexibilidade, arte de discernimento e
ainda criatividade interpretativa com
abertura a alternativas. Pede-se
análise escrutinada, capacidade
para experimentar o lugar do outro,
para abandonar o juízo crítico-
destrutivo e abarcar um sentido
cooperativo de acção e reflexão.
Pede-se pouco. Pede-se
congruência com a evolução
humana, biológica e social. Pede-se
que consigamos isto por nós e pelos
outros.
Na ausência de novas
estratégias, usam-se as antigas:
disfuncionais ou não. Peca-se assim
quase sempre pela não mudança. É
esta a miséria que mais nos afecta,
primeiro que qualquer outra.