EXCLUSÃO DO HERDEIRO POR INDIGNIDADE -...

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1 UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Janaina Lorena de Souza EXCLUSÃO DO HERDEIRO POR INDIGNIDADE CURITIBA 2012

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Janaina Lorena de Souza

EXCLUSÃO DO HERDEIRO POR INDIGNIDADE

CURITIBA

2012

2

Janaina Lorena de Souza

EXCLUSÃO DO HERDEIRO POR INDIGNIDADE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas

da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito

parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Clayton Reis.

CURITIBA

2012

3

TERMO DE APROVAÇÃO

Janaina Lorena de Souza

EXCLUSÃO DO HERDEIRO POR INDIGNIDADE

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, _____ de ________________________ de 2012.

______________________________________________

Curso de Direito

Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: Prof. Clayton Reis. Universidade Tuiuti do Paraná – Departamento de Ciências Jurídicas

Prof. ___________________________________________________

Universidade Tuiuti do Paraná – Departamento de Ciências Jurídicas

Prof. ___________________________________________________

Universidade Tuiuti do Paraná – Departamento de Ciências Jurídicas

4

AGRADECIMENTOS:

Chegar até aqui não foi fácil. E se hoje comemoro esta conquista, deve-se

àqueles que estiveram ao meu lado em todos os momentos. Que fizeram dos meus

sonhos os seus. Que fizeram do meu objetivo a sua própria luta.

Agradeço a meus pais que tanto amo, pela força, confiança e apoio dispensados

em todo momento.

Aos meus irmãos pela força e carinho de sempre.

A todos os meus familiares que acreditaram em mim.

Aos meus amigos pela torcida e pelos momentos de descontração.

Aos sábios professores que durante todos esses anos me mostraram a beleza

do direito e sua importância para a sociedade.

Ao meu orientador pelo apoio e compreensão na conclusão dessa monografia.

A Deus que me guiou nessa longa caminhada.

A todos, muito obrigada!

5

Entender a vontade de Deus nem sempre é fácil, mas

crer que ele está no comando e tem um plano para

nossa vida, faz a caminhada valer a pena.

6

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................... 08

1. ORIGEM E HISTÓRICO DA SUCESSÃO ................................................................ 09

1.1 NA ANTIGUIDADE................................................................................................... 09

1.2 EM ROMA E NA GRÉCIA........................................................................................ 11

1.3 NA FRANÇA............................................................................................................ 11

1.4 NO BRASIL.............................................................................................................. 13

2. DO DIREITO SUCESSÓRIO .................................................................................... 15

2.1 ESPÉCIES DE SUCESSÃO.................................................................................... 16

2.1.1 SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA E LEGÍTIMA .................................................... 16

2.1.2 SUCESSÃO UNIVERSAL E SINGULAR.............................................................. 20

2.2 DA ABERTURA DA SUCESSÃO E DA TRANSMISSÃO DA POSSE..................... 22

2.3 DA ACEITAÇÃO....................................................................................................... 24

2.4 DA RENÚNCIA......................................................................................................... 25

2.5 DA CESSÃO............................................................................................................. 26

2.6 DA HERANÇA JACENTE E VACANTE................................................................... 26

3. DA EXCLUSÃO DOS HERDEIROS: CONSIDERAÇÕES GERAIS......................... 28

3.1 DAS FORMAS DE EXCLUSÃO............................................................................... 29

3.2 DA DESERDAÇÃO.................................................................................................. 30

3.2.1 DAS CAUSAS DE EXCLUSÃO POR DESERDAÇÃO.......................................... 32

4. DA INDIGNIDADE: ASPECTOS GERAIS................................................................. 34

4.1 ORIGEM E CONCEITO........................................................................................... 35

4.2 DAS CAUSAS DA EXCLUSÃO POR INDIGNIDADE............................................. 37

4.2.1. ATENTADOS CONTRA A VIDA.......................................................................... 38

4.2.2 ATENTADOS CONTRA A HONRA...................................................................... 40

4.2.3 ATENTADO CONTRA A LIBERDADE DE TESTAR............................................ 42

4.3 A ORIENTAÇÃO EM FACE DO CÓDIGO CIVIL DE 2002...................................... 44

4.4 AÇÃO DECLARATÓRIA DE INDIGNIDADE............................................................ 46

4.5 EFEITOS DA INDIGNIDADE.................................................................................... 50

4.6 REABILITAÇÃO DO INDIGNO................................................................................. 54

4.7 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE LEI N. 118/2010.............. 55

CONCLUSÃO................................................................................................................. 59

REFERÊNCIAS.............................................................................................................. 63

7

RESUMO

O objeto deste trabalho é demonstrar o regramento jurídico atual da exclusão do herdeiro por indignidade. Faz um sucinto traço histórico do advento da indignidade e sua introdução no ordenamento jurídico pátrio. Faz breves considerações sobre o direito sucessório, legalmente, bem como o tratamento da doutrina e jurisprudência nacional. Como fontes utiliza livros e decisões dos tribunais brasileiros. É relevante o presente estudo pois há um projeto de lei, o qual pretende alterar substancialmente a aplicabilidade da indignidade, o que acarretará uma grande consequência jurídica e social.

Palavras-chave: exclusão; herança; indignidade.

8

INTRODUÇÃO

O direito sucessório disciplina a transmissão do patrimônio do de cujus a seus

sucessores. Consoante linhas posteriores desse trabalho, far-se-á maiores elucidações

do instituto.

Nesse cariz, importante destacar o objeto desse presente estudo: a exclusão do

herdeiro por indignidade. O instituto da indignidade está elencado nos art. 1.814 e

seguintes do Código Civil, e tem como objetivo resguardar os direitos que o autor da

herança em dispor de seus bens, e possui um rol com três incisos, onde constam os

atos que, vindo a ser cometido pelo agente, poderá torna-lo indigno.

Notadamente, o tema ganhou vulto com o já conhecido caso de Suzane Von

Richthofen. Entrementes, o tema proposto para o momento, vai aquém disso. Existe

uma proposta de lei tramitando no Congresso Nacional, a qual irá mudar

substancialmente o instituto da indignidade.

Nesse diapasão, antes de adentrar o cerne polêmico da lei, é necessário

entender qual o regramento jurídico para a exclusão do herdeiro por indignidade.

Quais as suas causas? Quais seus efeitos? Qual o procedimento? Todas essas

questões devem ser elucidadas para melhor entender as diferenças que ocorrerão se a

lei em comento passar a viger.

Destarte, faz-se mister, nessa esteira de conhecimentos, lembrar de alguns

aspectos do direito sucessório, bem como suas origens, na doutrina, legislação e

jurisprudência nacional, conforme passa-se a demonstrar.

9

1 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA:

Antes de adentrar no tema central do presente estudo, faz-se mister apresentar

o surgimento e evolução histórica do instituto das sucessões, juridicamente reconhecido

no atual direito brasileiro, mas que sofreu algumas mudanças ao longo dos tempos.

Recordar é necessário na medida em que torna compreensível a adoção de certos

regramentos, como a exclusão do filho indigno, cerne deste estudo.

Dessa feita, passa-se a um breve histórico da origem e evolução do direito

sucessório, sua introdução ao ordenamento jurídico brasileiro para melhor elucidação

do tema.

1.1 NA ANTIGUIDADE:

De acordo com os ensinamentos de Paulo Hermano Ribeiro, ao tecer

comentários sobre o direito sucessório, aponta que existiam indícios de normas acerca

do direito de suceder nos códigos mais antigos, como o do rei Khammu-rabi, da

Babilônia, e o Código de Manu.1

Silvio Rodrigues elucida que o direito sucessório possui surgimento na

antiguidade

a possibilidade de alguém transmitir seus bens, por sua morte, é instituição de grande antiguidade, encontrando-se consagrada, entre outros , nos direitos egípcio, hindu, e babilônico, dezenas de séculos antes da Era Cristã. Todavia, as razões pelas quais a lei agasalha o direito hereditário têm variado no correr dos tempos. Por outro lado, não são poucas as vozes que, hoje como no

1 RIBEIRO, Paulo Hermano. Novo Direito Sucessório Brasileiro. São Paulo: J.H. Mizuno, 2009, p. 11.

10

passado, contestam tanto a legitimidade quanto a conveniência da sucessão hereditária.

2

Nesta perspectiva, Carlos Roberto Gonçalves ressalva que:

O direito sucessório, remonta à mais alta antiguidade, sempre ligado Índia, a religião desempenha grande importância na agregação familiar. Relata Fustel de Coulanges, a propósito, que o culto dos antepassados desenvolve-se diante do altar doméstico, não havendo castigo maior para uma pessoa do que falecer sem deixar quem lhe cultue, de modo a ficar seu túmulo ao abandono. Cabe ao herdeiro o sacerdócio desse culto

3.

Neste mesmo sentido, elucida Arnaldo Rizzardo que o advento da sucessão se

deu em três momentos:

Primeiramente, havia uma comunhão familiar, ou seja, os bens ficavam como grupo familiar, já que persistia a comunidade agrária, sendo as terras de propriedade coletiva da gens. Isto numa fase anterior, o que também se verificou em outros povos. Posteriormente, foram prevalecendo os sentimentos individualistas, surgindo a propriedade familiar, um grupo restrito e ligado ao parentesco próximo. Transmitia-se a propriedade do varão aos descendentes, considerado como um pequeno grupo. Finalmente, firma-se a propriedade individual, com o arrefecimento dos laços políticos, religiosos e de parentesco. Opera-se a transmissão não aos membros da família, mas aos herdeiros, assim considerados os que estavam submetidos diretamente à potestade do pai, e aos escravos instituídos herdeiros por testamento

4.

Todavia, o direito sucessório tal como na sua acepção jurídica, interessa como

tema de estudo de sua origem histórica no Direito Romano, o berço da civil law, que

traz o embrião do direito sucessório tal como conhece-se atualmente.

2 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, volume sete. Colaboração de Zeno Veloso. São Paulo: Saraiva 2002,

p. 4. 3 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das sucessões. 2ª ed., São Paulo: Saraiva 2006, p. 3.

4 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Sucessões: Lei nº 10.406 de 10.01.2002. 4. Ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2008.

11

1.2 EM ROMA E NA GRÉCIA:

Nessa vereda, o direito sucessório romano, segundo Sílvio de Salvo Venosa,

"Uma das fundamentais características do direito clássico era de que o herdeiro, na

época, substituía o morto em todas as relações jurídicas e, também, nas relações que

nada tinham a ver com o patrimônio, mas com a religião. O sucessor causa mortis era o

continuador do culto familiar." 5

É quase mínima a divergência da origem do direito sucessório. Gonçalves

aponta que "o conhecimento da evolução histórica do direito das sucessões torna-se

mais nítido a partir do direito romano " 6.

De acordo com Silvio de Salvo Venosa, que faz pequena menção do direito

sucessório em Roma e também na Grécia, explica que:

Os romanos, assim como os gregos, admitiam as duas formas de sucessão, com ou sem testamento. O direito grego, contudo, só admitia a sucessão por testamento, na falta de filhos. No direito romano a sucessão testamentária era a regra, daí a grande importância do testamento na época. Isso era conseqüência da necessidade de o romano ter sempre após sua quem continuasse o culto familiar

7.

Todavia, nem sempre era bem visto este ônus. Muitas vezes a sucessão

hereditária representava mais um ônus do que um benefício, já que o herdeiro,

qualquer que fosse sua origem, não recebia apenas as coisas corpóreas da herança,

mas também sucedia o de cujus em todas as reações jurídicas, ativa e passivamente,

tanto em nível de relações jurídicas propriamente ditas, como de relações religiosas,

aspectos intimamente ligados à época. Destarte, o sucessor também se tornava

5 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões. 4ª ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 16.

6 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Sucessões. 2ª ed., São Paulo: Saraiva 2006, p. 3.

7 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 3º Ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 17.

12

responsável perante os credores do espolio. Venosa explica que “A única forma que

tinha o herdeiro para safar-se dessa responsabilidade era a renuncia da herança ” 8.

É quase uníssono na doutrina pátria que foi a "Lei das XII Tábuas", Roma, que

surge aludido instituto na forma que importa para a construção do direito sucessório

atual. Este diploma significou o início da primazia do direito escrito, que predomina até

hoje nos sistemas jurídicos ocidentais. Quanto ao seu conteúdo, as dez primeiras

tábuas tratam do direito material e as duas últimas contêm disposições de direito

processual9.

Neste cariz, bem ensina o emérito doutrinador Orlando Gomes que no direito

das XII Táboas, o pater familias tinha absoluta liberdade de dispor de seus bens para

depois da morte, mas se falecesse sem testamento, a sucessão se devolvia,

seguidamente, a três classes de herdeiros: sui, agnati e gentiles.10 Essa é a razão por

que a sucessão, a esse tempo e durante séculos, transmite-se apenas pela linha

masculina, ou seja, aos agnados, pois como o filho é o sacerdote da religião doméstica

na antiguidade, e não sua irmã, é ele quem recebe o patrimônio da família.11

Entrementes, a edição do Código de Justiniano, altera a sucessão legítima,

baseando-se unicamente no parentesco natural, estabelecendo nova ordem de

vocação hereditária12 .

8 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 3º Ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 91-92.

9 PEREIRA, Guilherme Boloreci. Apio Claudio e a Lei das XII Tábuas. Artigo do Centro Cultural da Justiça

Federal. 10

“Sui eram os filhos sob pátrio poder, a mulher e outros parentes sujeitos ao de cujus. Agnati, as pessoas sob o mesmo pátrio poder ou que a ele se sujeitariam se o pater famílias não estivesse morto. A herança não era deferida a todos os agnados, mas ao mais próximo no momento da morte. Gentiles os membros da mesma gens.” – GOMES, Orlando. Sucessões. Páginaª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1970, p. 23. 11

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, volume sete. Colaboração de Zeno Veloso. São Paulo: Saraiva 2002, p. 4. 12

“Somente no Código de Justiniano, todavia, a sucessão legítima passa a fundar-se unicamente no parentesco natural, estabelecendo-se a seguinte ordem de vocação hereditária: a) os descendentes, b)

13

Bem assim, Orlando Gomes explica que a partir do Código Justiniano, os

parentes mais próximos excluíam os mais remotos13.

1.3 NA FRANÇA:

Destarte, aludido doutrinador ao comentar a evolução histórica do instituto,

passa ao estudo do direito germânico, onde a sucessão baseava-se na compropriedade

familiar, vindo em primeiro lugar, os filhos varões, e, em seguida, os irmãos do defunto,

tios paternos e maternos14.

Nesta esteira de evolução do instituto, não pode-se deixar de destacar a

legislação francesa. Dessa maneira, traz-se a lume os ensinamentos de Zeno Veloso:

Na França, desde o século XIII fixou-se o droit de saisine, instituição de origem germânica, pelo qual a propriedade e a posse da herança passam aos herdeiros, com a morte do hereditário. O código civil francês de 1804 - Côde Napoleón - diz no art. 724 que os herdeiros naturais e o cônjuge sobrevivente recebem de pleno direito os bens, direitos e ações do defunto com a obrigação de cumprir com todos os encargos da sucessão

15

1.4 NO BRASIL:

De acordo com as lições de Carlos Roberto Gonçalves, o princípio da saisine foi

introduzido no Direito português.16 Destarte, a codificação europeia influenciou o direito

os ascendentes, c) os irmãos e irãs, consanguíneos ou uterinos, d) outros parentes colaterais.” GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das sucessões. 2ª ed., São Paulo: Saraiva 2006, página 4. 13

GOMES, Orlando. Sucessões. Páginaª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1970, p. 24. 14

GOMES, Orlando. Ob. Cit., p. 24. 15

VELOSO Zeno. Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva 2003, volume 21, p. 1597. 16

“O princípio da saisine foi introduzido no direito português pelo Alvará de 9 de novembro de 1754, reafirmado pelo assento de 16 de fevereiro de 1786. O código Civil português de 1867, já revogado, dizia, no art. 2.011: a transmissão do domínio e a posse da herança para os herdeiros, quer instituídos, quer

14

pátrio.

Nos ensinamentos de Orlando Gomes, o direito pátrio, a ordem de vocação

hereditária até 1907, a seguinte: 1. Descendente; 2. Ascendentes; 3. Colaterais até o

10º grau; 4. Cônjuge sobrevivo; 5. Fisco. Segundo o doutrinador, a lei nº 1.839, alterou

este regramento, trazendo para o terceiro grau o cônjuge supérstite e limitando o

parentesco até o 6º grau. Assim, o diploma civil de 1916 seguiu o mesmo regramento,

mas a sucessão dos colaterais foi reduzida para o 4º grau17.

Dessa forma, após elucidar a origem e evolução do direito de sucessão do

direito romano até o código civil de 1916, faz-se necessário demonstrar o conteúdo do

direito de sucessão no ordenamento jurídico brasileiro e o instituo com o advento do

código civil de 2002, a luz da carta de outubro de 1988. Referidas alterações serão

expostas ao longo desse trabalho, na forma que passa a demonstrar.

legítimos, dá-se no momento da morte do autor dela.” GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das sucessões. 2ª ed., São Paulo: Saraiva 2006, p. 5.

15

2 DO DIREITO SUCESSÓRIO

Pode-se conceituar sucessão como a transmissão, a transferência do direito de

uma pessoa a outra ou assim como ensina Venosa, “suceder é substituir, tomar o lugar

de outrem no campo dos fenômenos jurídicos. Na sucessão, existe a substituição do

titular de um direito”18 podendo ocorrer, ainda nas palavras de Venosa, de duas formas:

No direito, costuma-se fazer uma divisão entre duas formas de sucessão: a que deriva de um ato entre vivos, como um contrato, por exemplo, e a que deriva ou tem como causa a morte (causa mortis), quando os direitos e obrigações da pessoa que morre transferem-se para seus herdeiros e legatários

19

Segundo Maria Helena Diniz, sucessão seria o

Conjunto de normas que disciplinam a transferência do patrimônio de alguém, depois de sua morte, ao herdeiro, em virtude de lei ou testamento 3” e, citando Beviláqua temos que o direito sucessório é “o complexo dos princípios segundo os quais se realiza a transmissão do patrimônio de alguém, que deixa de existir

20.

Temos ainda as palavras de Carlos Roberto Gonçalves que nos ensina que

sucessão, em sentido amplo, se resume no ato pelo qual uma pessoa toma o lugar de

outra, substituindo-a na titularidade de todos ou alguns dos seus bens21.

Ademais, o direito sucessório é de máxima importância conforme assevera

Eduardo de Oliveira Leite:

17

GOMES, Orlando. Sucessões. Páginaª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1970, p. 24. 18

VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil: Direito das Sucessões; p.15. 19

VENOSA, Silvio de Salvo, ob. Cit. p.15. 20

DINIZ, Maria Helena, Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. São Paulo. Saraiva. 2006, p.03 21

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva 2007, p.01.

16

Na medida em que a vida e a morte se decide todo o complexo destino da condição humana. O aludido direito se esgota da exatamente da ideia singela, mas imantada de significações, de continuidade para além da morte, que se mantém e se projeta na pessoa dos herdeiros.

22

Em síntese, o direito sucessório nada mais é do que o conjunto de normas e

princípios jurídicos pertinentes à transmissão de titularidade do patrimônio de alguém

que já não existe, a seus sucessores23, estando previsto no livro V do Código Civil

Brasileiro24.

2.1 ESPÉCIES DE SUCESSÃO

Podemos dividir a sucessão de duas maneiras: quanto as fontes das quais

derivas (legítima e testamentária) e quanto aos efeitos que produz (universal e a título

singular). A seguir será analisada cada uma delas.

2.1.1 SUCESSÃO LEGÍTIMA E TESTAMENTÁRIA

Quanto à fonte, a sucessão pode ser legítima ou testamentária. A sucessão

legítima ocorre nos casos de ausência, nulidade, anulabilidade ou caducidade do

testamento, conforme o artigo 1786 a 1788 do Código Civil Brasileiro.

Segundo Rodrigues, temos que a sucessão legítima se procede quando:

22

LEITE, Eduardo Leite. Comentários ao Novo Código Civil. Coordenação de Sálvio de Figueiredo Teixeira. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense. 2003, p.14-15. 23

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Sucessões. Rio de Janeiro. Forense, 2005, p.01: Dessa maneira, ensina Rizzardo que “A sucessão, de algum modo, tem uma sensação de prolongamento da pessoa, ou de atenuação do sentimento do completo desaparecimento, especialmente quando são realizadas obras que refletem o ser daquele que morre, e que o tornam vivo ou presente nas memórias”. 24

Código Civil de 2002.

17

O defunto, por exemplo, deixou de fazer testamento, seu patrimônio, por força de lei, irá à seus descendentes; inexistindo descentes aos seus ascendentes; não havendo nem descendentes nem ascendentes, ao seu cônjuge; à falta daqueles parentes ou do cônjuge, aos colaterais até quarto grau[...] Nota-se que a transmissão da herança aos sucessores efetua-se sem manifestação de última vontade da falecida, mas decorrente da lei.

25

É importante frisar que essa transmissão de herança ocorre imediatamente aos

herdeiros a partir do momento do falecimento, conforme prediz o princípio da saisine

que representa uma “apreensão possessória autorizada”, segundo Venosa26. Assim, os

herdeiros tomam posse da herança, imediatamente, quando aberta a sucessão 27.

Dessa maneira, ocorrendo o falecimento da pessoa, sem que esta tenha

deixado um testamento ou uma disposição de última vontade e havendo patrimônio

próprio, ocorre à sucessão legítima onde a classe de herdeiros mais próxima exclui a

mais remota 28.

A sucessão testamentária, por sua vez, é aquela em que o de cujus pode

expressar por testamento ou dispositivo, sua última vontade. De acordo com

Washington de Barros Monteiro, a sucessão testamentária nasce como o ato de última

vontade do de cujos, que se manifesta por meio do testamento e de acordo com a lei,

escolhendo este os destinatários de seus bens 29.

Rizzardo nos ensina sobre a sucessão testamentária que:

25

RODRIGUES, Sílvio. Ob. cit, p.16. 26

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 8. Ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.27. 27

Código Civil Brasileiro de 2002: artigo 1784: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo aos herdeiros legítimos e testamentários. 28

RIZZARDO, Arnaldo, Direito das Sucessões, p. 07, citando AMORIM E OLIVEIRA: “Com efeito, a ordem de vocação hereditária consagrada no direito brasileiro é de caráter excludente, de modo que, chamados a suceder herdeiros de determinada classe, ficam automaticamente afastados os de classe subsequente.” 29

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito das Sucessões. 25° Ed. São Paulo; Saraiva 2003, p.09

18

Sucessão testamentária ou ex testamento, cujo significado exsurge da própria designação, ou a sucessão que se processa de acordo com a vontade do titular do patrimônio.Possui ele liberdade de dispor quanto à partilha dos bens que ficarão após sua morte.

30

Assim, a sucessão testamentária nasce quando há testamento válido ou

disposição de última vontade, limitando-se ambos a liberdade de testar adotada pela

legislação brasileira, conforme os artigos 184531, 1846 32, 178933, e 1667 34 todos do

Código Civil Brasileiro.

O testamento possui como características o fato de ser um negócio jurídico

unilateral e personalíssimo, que no entendimento de Diniz significam:

Unilateralidade, que significa dizer que somente pode ser feito pelo testador,

motivo porque é dito personalíssimo, ou seja, não é permitido que haja

participação de representante legal ou convencional. Por ser personalíssimo e

unilateral, a lei veda o testamento conjunto, ou seja, aquele realizado por mais

de uma pessoa.35

Além disso, o testamento é gratuito 36, já que o testador não objetiva nenhuma

30

RIZZARDO, ob. cit, p. 08. 31

Código Civil Brasileiro de 2002, Artigo 1845: “São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.” 32

Código Civil Brasileiro de 2002: Artigo 1846: “Pertencem aos herdeiros necessários, de pleno direito, metade dos bens da herança, constituindo a legítima”. 33

Código Civil Brasileiro de 2002, Artigo 1789: “Havendo herdeiros necessários, o testador só pode dispor de metade da herança”. 34

Código Civil Brasileiro de 2002: Artigo 1667: “O regime de comunhão universal importa na comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e sua dividas passivas, com exceção do artigo seguinte.” 35

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das sucessões, p.72. 36

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito das sucessões, p.145.

19

vantagem em troca de sua causa mortis e também revogável 37, pois o testador tem a

liberdade de dispor novamente de seu testamento no momento em que o desejar.

Por fim, tem-se que o testamento é ato solene 38 e que só produz seus efeitos

após a morte do testador 39.

2.1.2 SUCESSÃO UNIVERSAL E SINGULAR:

Ocorre a sucessão universal quando o herdeiro que é chamado a suceder o faz

herdando a totalidade dos bens do de cujus.

Segundo Rodrigues, o sucessor se:

Sub-roga na posição do finado, como titular da totalidade ou parte da universitas iuris, que é seu patrimônio, de modo que, da maneira que se investe na titularidade do seu ativo, assume a responsabilidade.

40

Na sucessão universal o herdeiro sucede como substituto do falecido de

maneira completa, tomando seu lugar na relação jurídica universal 41.

Quanto à sucessão singular, há disposição do testador sobre item da herança

determinado, ou ainda nas palavras de Rizzardo:

37

RODRIGUES, Silvio, Direito Civil: Direito das sucessões, p.146: “Essa característica é elementar no seu conceito, uma vez que, a concessão ilimitada prerrogativa de revogar o ato de ultima vontade, assegura ao legislador, a quem testa, a mais ampla liberdade. Assim, a mera existência de um testamento ulterior válido, se for incompatível com o anterior, revoga o testamento anterior, visto que o direito de dispor de seus bens causa mortis e de mudar as disposições passadas só se exaure com o falecimento da pessoa”. 38

CATEB, Salomão de Araújo. Direito das Sucessões. - 3 Ed. São Paulo: Atlas, 2003, p 182: “O testamento é um ato solene, soberano, que representa a legítima manifestação de vontade de uma pessoa, mas só produzirá seus efeitos após a morte do testador. Válido o testamento, a superveniência de um fato pode ocasionar a perda de sua eficácia. Diz-se caduco o legado quando perde sua eficácia originaria em consequência de causas posteriores determinadas, provenham ou não da vontade do testador.” 39

DINIZ, Maria Helena. Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões, p.126.

20

A sucessão a título singular tem em vista mais o objeto em que se sucede do que o sujeito a quem se sucede. Tal é sucessão em uma dívida ativa ou passiva, a sucessão em um imóvel, em uma coisa ou em uma universalidade de coisas

42.

Em síntese, na sucessão singular, o bem que será reservado ao sucessor será

específico e determinado, sendo o sucessor chamado de legatário 43, acolhendo este

apenas parte da herança, fazendo jus a um legado que nas palavras de Washington de

Barros não se confunde com a herança, pois:

No primeiro, o objeto transmitido é definido, concreto, individualizado, por exemplo, o prédio da rua a direito, n.230 a quantia de r$ 100.000,00 ou tal jóia. Na segunda existe uma universalidade, abrangendo a totalidade da massa hereditária, ou parte da alíquota dela

44 .

Quando na sucessão universal, o herdeiro beneficiado receberá a herança em

conjunto ou em frações iguais a de outros herdeiros, sendo esta a nomenclatura que

designará o sucessor (es),45 acolhendo a totalidade da herança.

2.2 DA ABERTURA DA SUCESSÃO E DA TRANSMISSÃO DA POSSE

A sucessão abre-se com o falecimento do de cujus, conforme entende Diniz a

morte é o fato jurídico que transforma em direito aquilo que era, para o herdeiro, mera

40

RODRIGUES, Silvio. Ob. Cit. p.17. 41

RODRIGUES, Silvio. Ob. Cit., p.18. 42

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Sucessões, p.08. 43

GOMES, Orlando.Sucessões.12° Ed.Rio de Janeiro:Forense.2004.p.101 ; “ o legado é coisa certa e determinada, deixada a alguém , denominado legatário, em testamento ou codicilo. Qualquer parente, ou não, natural ou jurídica, simples ou empresária, pode ser contemplada pelo legado”. 44

MONTEIRO, Washington de Barros, Direito Civil. p 189 . 45

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Sucessões, p.09.

21

expectativa; deverás, não há direito adquirido de herança senão após o óbito46 e

completa dizendo:

Com a morte, a herança é oferecida aos herdeiros, sendo provada por meio da certidão de óbito ou na sua falta por outros jurídicos admissíveis, como, o levantamento pericial e a prova testemunhal. O domínio dos bens do falecido passa automaticamente para os herdeiros, e não no instante da transcrição da partilha dos bens no inventário, de forma que o fisco só pode cobrar o imposto causa mortis baseado nos valores do instante do óbito

47

Ainda, Dias nos ensina que a abertura da sucessão diz respeito ao:

o momento da morte de alguém e o nascimento do direito de seus herdeiros a seu bens. A titularidade do acervo patrimonial se transfere sem sofrer solução de continuidade. Isso porque a existência da pessoa natural termina com a morte (CC, 6º), deixando de ser sujeito de direitos e obrigações. Daí a necessidade de que alguém assuma o seu lugar de forma tão imediata

48”.

Como dito anteriormente, nosso código civil adota o princípio da saisine,

através do qual se entende que ao momento do falecimento, a transmissão da posse e

do domínio aos herdeiros ocorre. Nesse sentido, continua a ilustre doutrinadora,

diferenciando a abertura da sucessão da abertura do inventário:

Abertura da sucessão não se confunde com abertura do inventário. São momentos distintos. A transmissão ocorre independentemente do inventário, porque é inadmissível relação jurídica decapitada, sem um sujeito de direito para titularizá-la. A abertura da sucessão se dá no momento da morte, termo final da personalidade natural, e a abertura do inventário ocorre quando do ingresso em juízo da ação correspondente, sempre depois da abertura da sucessão

49

46

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: direito das sucessões. V. 6, 17 ed. São Paulo: Saraiva 2003, p.23. 47

DINIZ, Maria Helena. Ob. Cit, p.30-31: 48

DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 97.

22

Com a morte, surge a necessidade de legalização da disponibilidade da

herança 50, que se dará com inventário51 dos bens do de cujus e posterior partilha de

bens 52.

2.3 DA ACEITAÇÃO

A aceitação é ato confirmativo, onde o herdeiro simplesmente diz sim, a parte

que lhe cabe da herança. Quanto a sua forma, a aceitação pode ser expressa, tácita ou

presumida. Na aceitação expressa53 o herdeiro aceita a herança de forma documental,

expressando sua vontade de herdar, podendo ser feita por documento público ou

particular, não sendo aceita a mera manifestação oral sobre o ato. Na tácita54, o próprio

comportamento do autor condiz com o ato de aceitar, seja pela prática de atos

49

DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 97-98, apud Nogueira, Cláudia de Almeida. Direito das sucessões - Comentários à parte geral e à sucessão legítima. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2007, p. 1. 50

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 19 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva 2005. V.”seis, p. 39:” Herança é o patrimônio do falecido, isto é, o conjunto de direitos e deveres que se transmitem aos herdeiros legítimos ou testamentários” 51

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões. V.7.4.ed. São Paulo: Saraiva 2010, p. 479: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários (CC, art. 1.784), malgrado os bens imóveis permaneçam ainda em nome em nome do de cujus no Registro de Imóveis. É necessário, então, proceder-se ao inventário, isto é, à relação, descrição dos bens deixados, e à subseqüente partilha, expedindo-se o respectivo formal.” 52

NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. v um. 3. Ed. Reformada, São Paulo: Saraiva 2003, p. 481: Sobre a partilha, ensina o doutrinador: “Ao estabelecer a forma de divisão e partilha, remeteu o legislador às regras que regem a partilha dos bens da herança, estabelecida, atualmente, nos artes”. 2.013 a 2.022 do Código Civil. Entre outras possibilidades encontra-se, na hipótese de serem todos os sócios maiores e capazes, a de se realizar a partilha amigável, por documento escrito, que será submetido à homologação judicial. 53

GONCALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, óbito. p.90-92: “Na aceitação expressa o herdeiro assume inequivocamente o seu título ou qualificação. Perfaz por declaração “escrita”, diz o legislador. Resolvendo aceitar a herança, deve o herdeiro fazê-lo, assim, por declaração escrita, que pode ser pública ou particular”. 54

DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 184): “O herdeiro não precisa manifestar a aceitação para que ocorra a transmissão. A aquisição da herança é tácita e se dá no momento da morte do de cujus. A lei simplesmente assinala que a transmissão é definitiva desde a abertura da sucessão. A herança é deferida ao herdeiro como a

23

negativos ou positivos e pertinentes com sua condição de herdeiro e, por fim, a

aceitação presumida55, ocorre quando no decurso do tempo estabelecido em lei, o

herdeiro se silencia, presumindo-se assim a sua anuência.

Quanto a pessoa, a aceitação56 pode ser direta, quando o próprio herdeiro se

manifesta a respeito de sua herança e indireta, quando um estranho a ordem de

vocação hereditária é quem se manifesta. Nesse sentindo, segundo entendimento de

Cahali57, sabe-se que no silêncio da lei, o cônjuge pode manifestar seu desejo de

receber a herança sem nem mesmo precisar do consentimento de seu consorte.

A revogação ou anulação da aceitação, segundo Maria Helena Diniz58, pode

ocorrer se:

Após sua ocorrência fora apurado que o aceitante não é o herdeiro ou que o testamento absolvia a totalidade da herança, havendo herdeiro necessário. Com a declaração da ineficácia da aceitação, a herança passa ao herdeiro a quem regularmente se defere, como se aquela aceitação nunca tivesse havido.

ocorrência da morte. Apenas lhe é facultada a possibilidade de renunciar. Ou seja, a transmissão ocorre, mas está sujeita a condição resolutiva: a renúncia” 55

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. v. 7. 4. Ed. São Paulo: Saraiva 2010, p. 90-92: Sobre a aceitação presumida: A aceitação é denominada presumida, como foi dito, na hipótese do art. 1.807 do Código Civil, ou seja, quando algum interessado em saber se o herdeiro aceita ou não a herança, requer o juiz, depois de passados vinte dias da abertura da sucessão, que assinale ao herdeiro prazo razoável, não maior de trinta dias, para, nele, se pronunciar, “sob pena de se haver a herança por aceita”. Cuida-se do conhecido prazo para deliberar, que suscitou muita controvérsia no direito pé-codificado. 56

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. v. 7. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 98:” A aceitação é negócio jurídico unilateral, porque se aperfeiçoa com uma única manifestação da vontade, e de natureza não receptícia, porque não depende de ser comunicado a outrem para que produza seus efeitos. Podem praticá-lo apenas as pessoas capazes de agir. Os incapazes devem ser representados ou assistidos .O prazo para deliberação atende a um imperativo de liberdade de opção. Mas, realizada esta, optando o herdeiro por aceitar ou por renunciar à herança, a situação hereditária deve ficar definida, não se admitindo que a deliberação venha a acarretar novas indecisões. Por isso, a aceitação há de ser negócio puro: na pode subordinar-se a condição ou a termo nem pode ser parcial, [...].A aceitação é, pois indivisível e incondicional. O herdeiro que aceita a herança continua a posse do de cujus, sub-rogando-se em seus direitos e obrigações. [...].” 57

CAHALI, Francisco José, HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito das sucessões. 3ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, pg. 71. 58

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v.6: direito das sucessões. 17ª ed. ver. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 67.

24

mas, se já houve homologação da partilha, o interessado só poderá reivindicar o que lhe compete por ação de petição de herança.

Por fim temos que a aceitação não pode ser parcial, apenas podendo ocorrer

em sua totalidade, exceto pelo herdeiro que ao mesmo tempo é legatário e sendo

assim, poder dispor tanto da herança, quanto do legado, renunciando a ambos,

aceitando a ambos ou até mesmo a um aceitando e a outro renunciando.

2.4 DA RENÚNCIA

Maria Helena Diniz59 conceitua renúncia como o ato jurídico unilateral através

do qual o herdeiro manifesta-se expressamente sobre a sua não aceitação da herança

e sua pretensão de se despojar da titularidade de herdeiro.

Com a renúncia60, o herdeiro deixa de ter qualquer direito, mesmo para o seu

sucessor, pois o renunciante é considerado como se nem mesmo houvesse herdado,

conforme disposto no artigo 180461 do Código Civil. Ela apenas poderá ocorrer

expressamente, por herdeiro capaz, na forma admitida em lei, sendo não admitida sob

a condição ou termo e de forma parcial e que não tenha existido nenhum ato

condizente com a aceitação da herança. A renúncia é gratuita, seu objeto deve ser licito

59

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v.6: direito das sucessões. 17ª ed. ver. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 71 60

NOGUEIRA, Claudia de Almeida. Direito das Sucessões: Comentários à Parte Geral e à Legítima, 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 27: Sobre a renúncia, ensina a doutrinadora: “A renúncia à herança ou legado é também ato unilateral do sucessível que declara expressamente, após a morte do autor da herança, não aceitá-los, repudiando-os, sendo necessariamente de forma pura e simples, sem qualquer condição. É a recusa à herança ou ao legado, o que só pode ocorrer após o óbito do autor da herança, pois enquanto vivo o titular dos direitos, os sucessores têm mera expectativa de direitos” 61

CÓDIGO CIVIL, artigo 18 : "A transmissão tem-se por não verificada quando o herdeiro renuncia à herança."

25

e quando feita é proibida caso concebida com má-fé, com o objetivo de prejudicar

eventuais credores62.

Cahali por sua vez, trás ainda outra restrição à validade da renúncia, dizendo

que :

Tratando-se a sucessão aberta como imóvel, a renúncia à herança depende do consentimento do cônjuge, salvo se casado pelo regime da separação absoluta. Considera-se que a ausência do consentimento torna o ato anulável, uma vez passível de ratificação

63

Rodrigues64 nos ensina que a sucessão testamentária, faz caducar, a renúncia

do herdeiro, a disposição de última vontade que a beneficie, a menos que o testador

tenha indicado um substituto ou que tenha o direito de acrescer65, entre os herdeiros.

2.5 DA CESSÃO

A Cessão de herança é instituto inovatório do código Civil de 2002, previsto no

artigo 1793 66, conceituando-se como a transferência do quinhão hereditário ao qual faz

jus o herdeiro, a outrem, de forma total ou parcial. Diniz nos ensina a respeito da

cessão que:

62

CÓDIGO CIVIL, artigo 1813 : -Quando o herdeiro prejudicar os seus credores, renunciando à herança, poderão eles, com autorização do juiz, aceitá-la em nome do renunciante.- ou seja, afasta com efeito, a possibilidade de haver renúncia lesiva aos credores. Os credores prejudicados com a renúncia da herança pelo herdeiro poderão dentro do prazo de 30 dias a contar do conhecimento do fato, aceitá-la em nome do renunciante, no montante de seus créditos. Do contrário poderá configurar fraude contra credores. 63

CAHALI, Francisco José, HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito das sucessões. 3ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, pg. 79 64

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, v.7- Direito das Sucessões. 26ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 46. 65

DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 129: A esse respeito explana a doutrinadora: “Na hipótese de renúncia não há direito de representação, pois o renunciante é tido como não herdeiro. Seu quinhão é devolvido ao acervo sucessório e dividido como se ele não existisse. Ocorre o que se chama de direito de acrescer

26

A herança é um valor patrimonial, mesmo que os bens que a consideram ainda não estejam individualizados na quota de herdeiros; daí a possibilidade de sua transmissão por ato inter vivos, independente de estar concluído o inventário. É a hipótese em que se configura a cessão de herança

67 (...)

Gonçalves, por sua vez, nos ensina que o direito à sucessão aberta, é como

qualquer direito patrimonial de conteúdo econômico e assim pode ser transferido

mediante cessão68. Salienta-se que o que se cede, por este instituto, não é a qualidade

de herdeiro, mas sim o que lhe cabe de herança ao abrir-se a sucessão, visto que a

titularidade de herdeiro é intransferível e personalíssima.

2.6 DA HERANÇA JACENTE E VACANTE

Na herança jacente69 o que temos é a falta de conhecimento notório de herdeiros

possíveis ao recebimento da herança, ficando o Estado, ao final da ordem de vocação

hereditária, apto a arrecadar o objeto hereditário por ser um herdeiro sui generi70.

Diniz71 ensina que a herança jacente se “configura como uma situação de fato em que

ocorre a abertura da sucessão, porém não existe quem se intitule herdeiro”.

66

CÓDIGO CIVIL, artigo 1.793: "o direito a sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública". 67

Op. Cit: DINIZ, p.78 68

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. v.7. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 55. 69

BEVILAQUA, Clóvis. Direito das Sucessões. ed. hist. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1978, p. 52: “Herança Jacente é aquela cujos herdeiros ainda não se conhecem, quae heredem nondum habet, sed habere sperat. Difere da herança vaga, em que esta não tem herdeiro, e, por isso é devolvida ao Estado: vacans vero quae nec habet nec habere sperat.” 70

GARCEZ. Christianne. Direito das Sucessões. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 36: “Por não estar contemplado na ordem de vocação hereditária e, conseqüentemente, não possuir saisine, não ingressa na posse e no domínio da herança pela morte, mas após ultrapassar as fases de jacência e vacância. Assim, o Estado assume posição peculiar na sucessão hereditária.” 71

Diniz, op.cit, p.

27

Após haver decorrido um ano da arrecadação dos bens pelo Estado, sem que

haja qualquer manifestação de herdeiros, a herança é declarada vacante72, com a

justificativa de que presença do Estado é necessária quando se imagina que a falta de

manutenção de um bem possa causar a deterioração do mesmo, e assim, caso algum

herdeiro ou legatário confirmado nessa qualidade o reclame no tempo adequado, possa

o requerer de maneira, plena e eficaz, já que o objeto da herança esteve cuidado pelo

Estado. Para Monteiro, herança jacente vem a ser aquela cujos herdeiros não são

conhecidos, ou que ainda não foi aceita pelas pessoas sucessíveis73.

Gonçalves74 nos ensina que a jacência não se confunde com a vacância, pois

esta é apenas uma fase do processo que antecede a vacância. Após a declaração de

vacância, ao decurso de 5 anos, os bens que foram arrecadados são incorporados ao

domínio do município ou Distrito Federal, ou ainda a própria União Federal quando sitos

em território federal75.

72

VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil: Direito das Sucessões, 4ª ed., v. 7, São Paulo, editora Atlas, ano 2004, p. 68: “decorrido um ano de sua primeira publicação, sem que haja herdeiro habilitado, será a herança declarada vacante. Pela vacância, os bens são entregues ao Estado” 73

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, v.6: Direito das Sucessões. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p.73. 74

GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva. 2007. Volume II, p.115. 75

DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 501: “A declaração da vacância não acarreta perda do direito sucessório. Ao menos com relação aos herdeiros necessários (CC 1.845). Por mais absurdo que possa parecer, ainda que a herança esteja servindo ao desenvolvimento do ensino universitário, pelo período de cinco anos, os herdeiros necessários podem reclamar a herança (CC 1.822). Assim, durante este período, a propriedade é resolúvel. A municipalidade mantém a condição de depositária até consolidar-se o domínio pleno e definitivo. Somente depois do decurso deste prazo é que os bens arrecadados passam definitivamente

28

3. DA EXCLUSÃO DOS HERDEIROS: CONSIDERAÇÕES GERAIS

Conforme explanado anteriormente, é com a abertura da sucessão que se dá

propriamente início ao direito hereditário e onde o domínio e a posse da herança

transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários, permitindo-se, de

acordo com o Código Civil de 2002, ainda a presença na ordem de vocação hereditária

a presença do cônjuge76 como herdeiro necessário, junto aos descendentes e

ascendentes.

No ordenamento jurídico pátrio, existem duas formas de exclusão de herdeiros,

quais sejam a deserdação e a indignidade. A grande controvérsia existente, diz respeito

ao trâmite da declaração da indignidade do herdeiro ou legatário, já que no direito

brasileiro, diferente de outros países, a declaração da indignidade apenas ocorrer com

a sentença penal condenatória, conforme nos ensina Pereira,

No direito francês controvertem os autores, entendendo uns que necessário um julgamento se houver contestação. Os modernos inclinam-se pela dispensa dum provimento específico, por entenderem que o indigno incorre de pleno direito na exclusão da herança. Para Vialetton a questão é mais teórica, pois so interessado se defende, haverá sempre uma sentença. O debate não se limita ao plano doutrinário. Percute na jurisprudência, assentando alguns arestos que não é necessário um julgamento declaratório especial, e sustentando dispensa. No Direito Alemão (BGB, art. 2.342), é necessária sentença em ação impugnatória, declarando a indignidade. Em nosso direito, somente vale para este efeito sentença condenatória, isto é, uma declaração, que se revista dos requisitos de provimento jurisdicional em processo contencioso. Não gera a exclusão, ex.gr. o pronunciamento nos autos de inventário, ou a afirmativa

ao domínio público (CC 1.822). Somente depois de cinco anos da morte, e tendo neste período sido declarada a vacância, extingue-se o direito sucessório dos herdeiros”. 76

DIAS, Maria Berenice. ob.cit, p. 43 : O cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário (CC 1.845, sendo convocado a herdar em terceiro lugar (CC 1.829 III). Ou seja, o viúvo percebe herança se o morto não deixou nem descendentes nem ascendentes. A depender do regime de bens, faz jus à concorrência sucessória (CC 1.891).Já o companheiro da união estável, de forma escancaradamente inconstitucional, recebe tratamento diferenciado. Além de não constar da lista dos herdeiros, só tem direito à totalidade da herança se o companheiro falecido não tiver nenhum parente: nem irmãos, nem tios, sobrinhos, tios-avós, sobrinhos-netos ou primos (CC 1.90 IV).

29

emanada de processo de jurisdição graciosa, ou mesmo a confissão do fato pelo herdeiro

77.

Ilustrando o que foi dito pelo renomado autor, há o exemplo da Alemanha, onde

a exclusão é automática, sendo desnecessária o trâmite legal, ao contrário do Brasil,

onde se faz importante para que haja a declaração de indignidade, uma ação que a

declare através de sentença78.

São os arts. 1.814 a 1818 e 1.963 e 1.965 do Código Civil de 2002 que nos

trazem as hipóteses de exclusão da sucessão, tratando também de suas espécies:

indignidade e deserdação. Ambas serão melhor abordados no item subsequente, mas

por hora podemos conceituar a exclusão por indignidade como sendo aquela onde há

o cometimento de um dos atos descritos nos incs. do art. 1.814, do Código Civil, e

precisando para que sua declaração de indigno uma ação denominada declaratória de

indignidade. A deserdação, por sua vez, ocorre quando o testador dispôs em seu

testamento, de maneira expressa a exclusão da sucessão de um dos seus herdeiros

por ter agido na prática de uma das condutas descritas no art. 1.962 do Código Civil

Brasileiro.

3.1 DAS FORMAS DE EXCLUSÃO

Existem duas formas de exclusão da sucessão, a deserdação e a indignidade.

Nesses dois casos, o herdeiro não se mostra merecedor de receber a parte da herança

77

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. V. 6, 11 ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p.32-33 78

CATEB, Salomão de Araújo. Direito das Sucessões. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 58: Sobre os efeitos do trânsito em julgado da sentença procedente na ação de indignidade , nos ensina CATEB que “são sempre pessoais os efeitos da exclusão, e os herdeiros excluídos reconhecem a herança, com

30

que lhe cabe já que “a sucessão hereditária assenta na afeição real ou presumida do

defunto pelo sucessor, afeição que deve despertar nesse último um sentimento de

gratidão. A quebra desse dever de gratidão acarreta a perda da sucessão; nisso se

combinam a indignidade e a deserdação” 79.

3.1.2 DA DESERDAÇÃO

A deserdação ocorre quando o herdeiro necessário é excluído da sucessão

através de testamento pelo autor da herança, por motivo fundamentado em lei.

Gonçalves conceitua a deserdação como o :

Ato unilateral pelo qual o testador exclui da sucessão herdeiro necessário, mediante sucessão testamentária em uma das causas previstas em lei. Para excluir da sucessão os parentes colaterais, não é preciso deserdá-los, “basta que o testador disponha de seu patrimônio sem os contemplar” (CC, ART.1850)

80.

Fiuza explica que a deserdação nada mais é do que a:

exclusão de um ou mais herdeiros necessários, pelo próprio testador, no testamento. Só terá validade se o testador explicitar a causa da deserdação. Assim é que a deserdação só atinge os herdeiros necessários, uma vez que, em relação aos demais, basta que o testador não os contemple. Mas os necessários que, como vimos, têm que ser contemplados com 50% da herança, estes sim pode ser deserdado pelo sucedido, desde que o faça em testamento. Para deserdar, não basta que o testador queira. A deserdação, assim como a exclusão por indignidade tem que ter fundamento. E este fundamento é dado

pela própria lei81.

o se ele morto fosse.” 79

RODRIGUES, Silvio. Ob cit. p. 66 80

GONÇALVES, Carlos Roberto. Ob. Cir. p. 398 81

FIUZA, César. Direito Civil: Curso Completo. 8. ed. ver. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 996

31

Hironaka entende que a deserdação nada mais é do que exclusão do herdeiro

necessário da sucessão através de testamento, fundamentado em motivo permitido em

lei, sendo ato de iniciativa do autor da herança e a única forma que tem este para

afastar os herdeiros necessários, sejam eles ascendentes ou descendentes82.

Seguindo esta mesma ideia, Gonçalves nos ensina que são requisitos essenciais para

a configuração da deserdação: a) a existência de herdeiros necessários; b) testamento

válido c) a existência de cláusula de deserdação; e d) propositura de ação ordinária83.

As diferenças básicas entre a deserdação e a indignidade, que será melhor

estudada posteriormente no capítulo 5, está precisamente explícita nos seguintes

pontos: A deserdação ocorre apenas com os herdeiros necessários; suas causas de

instituição são maiores que da indignidade; o motivo da deserdação apenas poderá ser

acolhido quando anterior ao testamento e como previsão legal deste84 ;somente poderá

existir deserdação com previsão testamentária expressa e, caso o testamento venha a

ser anulado, também esta o será85; para preservar os herdeiros necessários, evitando

que o autor da herança proceda de forma arbitrária quanto à deserdação, é obrigatória

a comprovação da sua causa em ação própria, assim que aberta a sucessão86. Essa

ação possui o prazo decadencial de quatro anos, contando da abertura do testamento

82

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso Avançado de Direito Civil, 2° Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.366. 83

Gonçalves, Carlos Roberto. Direito das Sucessões. 5° Ed. São Paulo, Saraiva.2002.p.98-99 84

VELOSO,Zeno.Testamentos.2°Ed. Belém: Cejup.1993, p.453: Entende o autor que a deserdação vem tratada “ na sucessão testamentária, por mera atração de forma, porque a lei elegeu o testamento como único meio possível de solenizá-la. Fundamentalmente, todavia, a deserdação é matéria da sucessão legítima, mais propriamente da sucessão necessária”. 85

CATEB, Salomão de Araújo, Direito das Sucessões. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 182: Nesse sentido, entende o doutrinador que “a reconciliação do testador com o herdeiro não significa perdão. A última vontade do testador é aquela constante no testamento e deve ser comprida.”. Entende-se daí que apenas um novo testamento poderia anular o anterior e habilitando o deserdado na sucessão novamente. 86

CAHALI, Francisco José, Curso Avançado de Direito Civil, 2. Ed. São Paulo; Revista dos Tribunais, 2003, p.371: Segundo o autor “Se o herdeiro instituído não ajuizar a ação que lhe compete , ao próprio

32

e, caso esta seja proposta fora desse prazo, ou ainda, caso a causa motivadora da

deserdação não seja comprovada, não haverá a produção de qualquer efeito.

3.1.3 CAUSAS DE EXCLUSÃO POR DESERDAÇÃO

Conforme dito anteriormente, os casos de deserdação encontram sua previsão

nos artigos deserdação nos arts. 1.961 ao 1.965 do Código civil de 2002.

As causas mais corriqueiras de deserdação são também causas que motivam

a indignidade87, porém a deserdação possui um leque ainda mais aberto e como já foi

dito, e assim também autorizam a deserdação a injúria grave, a ofensa física (mesmo

que de natureza leve), as relações ilícitas com o cônjuge ou companheiro do autor da

herança, o desamparo do testador quando este estiver em alienação mental ou

gravemente enfermo, constantes no artigo 1962 CC :

Art. 1.862. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:

I – ofensa física; II – injúria grave; III – relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto; IV – desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade

88

No primeiro inciso, a ofensa física corresponde tanto à ofensa grave quanto a

ofensa leve e o que se espera é que se prove a “absoluta de falta de afeto, respeito ou

deserdado assiste o direito de tomar a iniciativa, exigindo que por meio de ação própria o interessado prove o fundamento da deserdação, sendo neste caso o ônus da prova do interessado, agora réu.” 87

FIUZA, César. Direito Civil: Curso Completo. 8. ed. ver. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 996; “A deserdação é o ato pelo qual o testador retira a legítima do herdeiro necessário. Embora seus efeitos e causas geradoras se coincidem com a indignidade, ambas não se confundem, pois a indignidade é peculiar ao herdeiro legítimo e atinge qualquer herdeiro legítimo, enquanto que a deserdação existe apenas na sucessão testamentária e atinge apenas os herdeiros necessários. 88

CÓDIGO Civil Brasileiro de 2002, artigo 1962.

33

gratidão para com seu ascendente, não sendo justo, por isso que lhe suceda”89. Sobre

o inciso II, temos a injúria que apenas caracteriza a deserdação quando atinge

seriamente a honra, a respeitabilidade, a dignidade do testador e não de pessoas de

sua família ou de seu consorte90. No inciso III, sabe-se que há um parentesco afim

entre a madrasta e seu enteado e/ou padrasto e enteada por serem parentes em linha

reta, configurando assim uma relação de incestuosa ou adúltera, conforme prevê o

Código Civil (art. 1.595, § 2º), portanto esse inciso diz respeito a atos que podem

“mancham a pureza do ambiente doméstico, legitimando assim a deserdação”91.O

último inciso justifica-se por si só, já que a falta de solidariedade com o enfermo, já

demonstra o total de desapego e falta de solidariedade do futuro herdeiro com o próprio

autor da herança, deixando-o a mercê do desamparo num momento vital, como é o da

doença.

A partir deste momento, será analisado de maneira esmiuçada e completa o

instituto da exclusão da sucessão por indignidade, centro deste trabalho.

89

DINIZ, Maria Helena. Ob. Cit. p.193. 90

DINIZ, Maria Helena. Ob. Cit. p. 194.

34

4 DA INDIGNIDADE: ASPECTOS GERAIS

Em linhas gerais, podemos afirmar que o instituto da indignidade está previsto

pelo Código Civil de 2002, entre os artigos 1814 a 1818, dizendo respeito à situação

onde o herdeiro legatário ou testamentário, nas circunstâncias dispostas em lei, pode

ser excluído da sucessão ou, no conceito de Cateb, temos que a indignidade é uma

Forma de exclusão de herdeiros legítimos e testamentário, e abrange portanto, a sucessão legítima e a testamentária; embora tendo a capacidade para suceder, o excluído perde-a, como pena civil, pela prática de determinados atos determinados pela lei, como danosos à vida, à honra ou à liberdade de testar do autor da herança

92.

Na indignidade, os herdeiros são destituídos por causas posteriores ou

anteriores a abertura da sucessão, podendo ser afastados tanto os herdeiros legítimos

como os legatários e estes quando declarados indignos serão afastados por

indignidade de todo o direito sucessório.

Já se viu que há muitas diferenças entre a indignidade e a deserdação, e para

mais uma vez ilustrar-se essa afirmação, Rodrigues ensina que a:

Exclusão por indignidade e deserdação, todavia, são institutos paralelos, que remedeiam a mesma situação, visto que por intermédio deles se afasta da sucessão o beneficiário ingrato, pois, como observa LACERDA DE ALMEIDA, a sucessão hereditária assenta na afeição real ou presumida do defunto pelo sucessor, afeição que deve nesse último o sentimento de gratidão. A quebra desse dever de gratidão acarreta a perda da sucessão; nisso se combinam a indignidade e a deserdação.

Ainda, não se pode confundir a indignidade com a incapacidade, pois conforme

explana Cateb:

91

DINIZ, Maria Helena. Ob. Cit., p. 194.

35

Difere, também, a indignidade da incapacidade: na indignidade, a pessoa recebe a coisa e a perde; na incapacidade, a pessoa nunca recebeu, pois não tinha a capacidade para tal; a indignidade é uma pena civil aplicada a determinada pessoa pela prática de atos, enquanto na incapacidade existe um fato, decorrente da personalidade do herdeiro; o incapaz não existe para a sucessão, o indigno existe, recolhe a herança, perdendo-a

93

A lei apenas permite que um herdeiro seja considerado indigno após sentença

transitada em julgado e assim, quando aberta a sucessão, ele esta apto a recebera

parte da herança que lhe cabe, sendo obrigado a proceder com a devolução no caso da

declaração por indignidade, conforme reza o artigo 181594 do Código Civil Brasileiro.

4.1 ORIGEM E CONCEITO

A palavra indignidade advém do latim, e seu significado, diz respeito a

ausência de honra e respeitabilidade95,assim como ao ultraje, afronta e a injúria.O

Direito Romano permitia que em casos de falta grave contra o autor da herança fosse

o herdeiro. No direito contemporâneo, o instituto ainda sobrevive com as mesmas

características, tratando-se ainda de uma sanção civil ao qual é penalizado o sucessor

quando houver praticado algum ato ilícito contra: a) a vida do autor da herança, de seu

descendente, ascendente, cônjuge ou companheiro; b) a honra do falecido, ou de seu

92

CATEB, Salomão de Araújo. Direito da Sucessão. 4° Ed. São Paulo, Atlas, 2007, p.97 93

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. 26ª ed. atual. por Zeno Veloso. São Paulo: Saraiva, 2006. vol. 7.p. 66 94

Código Civil Brasileiro, 2002: Art. 1.815. A exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de indignidade, será declarada por sentença. Parágrafo único. O direito de demandar a exclusão do herdeiro ou legatário extingue-se em quatro anos, contados da abertura da sucessão. 95

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, 4ª edição, 2004, p.78: "É moral e lógico que quem pratica atos de desdouro contra quem lhe vai transmitir uma herança torna-se indigno de recebê-la.

36

cônjuge ou companheiro; ou c) a liberdade do de cujus de trazer regras para o direito

sucessório.

Conceitua Diniz a indignidade como o instituto bem próximo da incapacidade

sucessória é o da exclusão do herdeiro ou do legatário, incurso em falta grave contra

autor da herança e pessoas de sua família, que o impede de receber o acervo

hereditário, dado que se tornou indigno96. Continua a renomada doutrinadora, frisando a

importância que existe em retirar os direitos a sucessão do herdeiro que atentou contra

o autor da herança ou alguém de sua família, já que não seria plausível beneficiar

pessoa com tal conduta:

Antonio Cicu e Ferri, dentre outros, ressaltam, acertadamente, o fundamento ético da indignidade, pois repugna à ordem jurídica como à moral que alguém venha auferir vantagem do patrimônio da pessoa que ofendeu. Deveras, a sucessão hereditária baseia-se na afeição real ou presumida do falecido para com o herdeiro ou legatário; se este último, por atos inequívocos, demonstrar ingratidão, desapreço ou ausência de sentimento afetivo para com o de cujus, nada mais justo do que privá-lo do que lhe caberia em razão do óbito do autor da herança

97.

Em outro conceito, Monteiro assim define a indignidade, optando por diferenciá-

la da deserdação:

A indignidade constitui pena civil cominada a herdeiro acusado de atos criminosos ou reprováveis contra o de cujus. Com a prática desses atos, incompatibiliza –se ele com a posição de herdeiro, tornando-se incapaz de suceder. Não se deve confundir indignidade com deserdação. Certamente, têm ambas a mesma finalidade, a punção de quem se portou ignobilmente com o falecido, e o esmo fundamento, a vontade presumida do de cujos, que não desejaria, por cetro, fossem seus bens recolhidos por quem se mostrou capaz de tão grave insídia. Ambos os institutos procuram afastar aquele que não em razão do reprovável que teve em relação ao autor da herança. Mas a pena de indignidade é cominada pela própria lei, nos casos expressos que enumera, ao passo que a de deserdação repousa na vontade exclusiva do autor da herança,

96

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005. vol. 6.p.50 97

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito das Sucessões. Editora Saraiva.Volume 6. 23ª Edição. 2009. p. 50.

37

que a impõe ao culpado no ato de última vontade, desde que fundada em motivo legal

98.

Já Nogueira entende a indignidade como pena civil imposta aos herdeiros e/ou

legatários que participam de algumas das hipóteses previstas no artigo 1814 do Código

Civil, ficando privados do recebimento dos bens da pessoa ofendida (autor da

herança)99.

Para que um herdeiro legítimo ou legatário seja considerado indigno, há

necessidade de propositura da ação ordinária pertinente, cujos legitimados se

configuram nas pessoas que possuem interesse na sucessão e na exclusão do indigno.

Ainda, para que esta ação seja julgada procedente, o autor terá que provar que o

herdeiro o cometimento de algum dos casos explícitos de indignidade, previstos no art.

1.814 e incisos do Código, o que será melhor analisado em itens posteriores do

presente trabalho.

4.2 DAS CAUSAS DA EXCLUSÃO POR INDIGNIDADE

As causas que autorizam a exclusão por indignidade100 estão previstas

taxativamente no art. 1.814 em seus incisos:

98

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 6. Direito das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 62 99

NOGUEIRA, Claudia de Almeida. Direito das Sucessões: Comentários à Parte Geral e à Legítima, 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 47 100

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 112: “O herdeiro ou legatário pode, com efeito, ser privado do direito sucessório se praticar contra o de cujus atos considerados ofensivos, de indignidade. Não é qualquer ato lesivo, entretanto, que a lei considera capaz de acarretar tal exclusão, mas somente os consignados no art. 1.814, que podem ser assim resumidos: atentado contra a vida, contra a honra e contra a liberdade de testar do de cujus.”

38

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários: I – que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; II – que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro; III – que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

Portanto as causas expressas nesse artigo numerus clausus, não existindo

possibilidade de que seja estendido ante o princípio nulla poena sine lege,conforme

entende Diniz:

As causas que autorizam a exclusão do herdeiro ou do legatário da sucessão estão arroladas no art. 1.814 do Código Civil, podendo ser resumidas em: atentados contra a vida, a honra e a liberdade do de cujus ou de membros de sua família. Como se trata de pena civil, a exclusão por indignidade só pode ocorrer nos casos expressamente mencionados em lei, não comportando interpretação extensiva ou aplicação analógica ante o princípio nulla poena sine lege

101

Far-se-à a partir de agora, análise a cada respectiva causa que caracteriza a

indignidade.

4.2.1. ATENTADOS CONTRA A VIDA

Constante no inciso I, do dispositivo supracitado, é considerado indigno aquele

que atentar, dor co-autor ou houver sido cúmplice de homicídio contra a vida do autor

101

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro - Direito das Sucessões, São Paulo. Editora Saraiva, 2010, p.51.

39

da herança, de seu descendente, ascendente, cônjuge ou companheiro102. Frisa-se que

referido atentado contra a vida só se autoriza com a forma dolosa103 (tentado ou

consumado) não abrangendo, portanto, o homicídio culposo104.

Nessa esteira, Cateb nos ensina que :

Não se estende, no caso, ao delito culposo, como não tem cabimento no error in persona e na aberractio ictius. O dolo é elementar na determinação do fato causal da exclusão, não se podendo cogitar desta em qualquer situação e que a perda da vida resultou de uma ausência de animus necandi. A vontade dirigida, o resultado alcançado ou pretendido, o homicídio voluntário ou a tentativa deste, não basta o simples planejamento ou querência. A ação criminosa é condição indiscutível para a exclusão do herdeiro por esse motivo105

.

É importante lembrar que, quando o parente colateral que for herdeiro ou

legatário e atentar contra a vida do irmão do autor da herança, seja dolosa ou

culposamente, não autoriza causa de indignidade e assim não poderá ser privado do

acervo hereditário, assim como aquele que proceder em lesão corporal.

Outro ponto a ser salientado é que não se pode falar em causa de exclusão por

indignidade, seja por imprudência106, imperícia ou negligência107, no caso homicídio

102

DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 57: “Prevalece o princípio ético que impede a quem age contra a vida ou a honra do autor da herança ser beneficiado com os direitos sucessórios (CC 1.962 e 1.963)”. 103

DIAS, José de Aguiar, Da responsabilidade, v 1, 1979, p. 113: “A conduta reprovável, por sua parte, compreende duas projeções: o dolo, no qual se identifica a vontade direta de prejudicar.” 104

DIAS,José de Aguiar,ob.cit. , P-136: Sobre a culpa, elucida o doutrinador: Sobre a culpa, entende o doutrinador: “ a culpa é a falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente , do esforço necessário para observá-la, com resultado não efetivado, mas previsível, desde que o agente detivesse na consideração das conseqüências eventuais de sua atitude.” 105

CATEB, 2004, ob. Cit. p. 56 106

DIAS, Jose de Aguiar, ob. Cit., p. 127 : “ consiste a imprudência na precipitação , no procedimento inconsiderado, sem cautela, em contradição com as normas do procedimento sensato. É a afoiteza no agir, o desprezo das cautelas que devemos tomar em nossos atos.” 107

DIAS, José De Aguiar, ob.cit.p. 127: “Negligência é a omissão daquilo que razoavelmente se afz, ajustadas as condições emergentes as considerações que regem a conduta normal dos negócios humanos.É a inobservância das normas que nos ordenam operar com atenção, capacidade, solicitude e discernimento

40

culposo. Ainda, caso seja cabível o error in persona; na aberratio ictus (art.20, §3º, do

Código Penal) ou casos de legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular

de um direito, loucura e embriaguez (CP, arts. 23 I a III, 26 e 28, II), da mesma forma

não se pode falar em exclusão por indignidade, pois em todas essas hipóteses , o ato

lesivo não foi voluntário, havendo falta de animus necandi108 e como foi dito, o dolo109

é elementar para que se caracterize a hipótese de exclusão prevista no inciso I do

artigo 1814, do Código Civil Brasileiro.

Monteiro em seu entendimento completa o que foi explanado acima:

No direito pátrio, porém, o reconhecimento da indignidade não depende de prévia condenação do indigno no juízo criminal. Não há interdependência entre as duas jurisdições; a prova da indignidade pode ser produzida no juízo cível. Mas, se há sentença no juízo criminal, absolvendo o réu, por não lhe ser imputável o fato, ou por não ter este existido, não mais será possível questionar a respeito no juízo cível, de acordo com o art. 935 do Código Civil de 2002. A sentença criminal produz efeito de coisa julgada e lícito não será reconhecer a indignidade no juízo cível

110.

O entendimento trazido acima será melhor elucidado em item posterior deste

mesmo capítulo, quando se tratar da Ação Declaratória de Indignidade.

108

GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Direito das Sucessões. Editora Saraiva. Volume 7. 4ª Edição. 2010. P.129: Em uma bela frase, o doutrinador resume o assunto: “mão ensanguentada não apanha herança (blutige hand nimmt kein erbe).” 109

CAMPOS,Nelson Renato Palaia de Ribeiro de. Noções Essenciais de Direito. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.93/94: Dá-se o dolo quando o erro é praticado em procedimento malicioso, em que o agente, por ação ou omissão consciente, induz o outro a erro, tirando vantagem disso. 110

GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Direito das Sucessões. Editora Saraiva. Volume 7. 4ª Edição. 2010. Página 113.

41

4.2.2 ATENTADOS CONTRA A HONRA

A causa de indignidade por atentado contra a honra está prevista no inc. II do

art. 1814, do Código Civil e se divide em duas formas: quando o excluído da herança

cometer o crime de denunciação caluniosa ao autor da herança, sabendo que este é

inocente (previsto no artigo 399 do Código Penal) e quando houver prática de qualquer

crime contra a honra do autor da herança, de seu cônjuge ou companheiro, ou ainda

conforme entende Rodrigues, a lei permite que se exclua da sucessão o autor de ato

que atente contra a vida ou contra a honra do hereditando, ou que represente um

agravo a sua liberdade de dispor de seus bens, por testamento111.

Mirabete nos esclarece a respeitos dos crimes contra a honra:

Segundo parte da doutrina, nos crimes contra honra, além do dolo, deve estar presente um especial fim de agir consubstanciado no animus injuriandi vel diffamandi consistente no ânimo de denegrir, ofender a honra do indivíduo. Não basta que o agente profira palavras caluniosas; é necessário que tenha vontade de causar dano à honra da vítima

112.

Na primeira hipótese, a jurisprudência dominante impõe que a denunciação

caluniosa deva ter sido levada a termo em juízo criminal, mesmo que a lei não exija a

condenação criminal daquele que praticou a denunciação caluniosa.

Em contra-parte, quando a respeito da prática de crime contra a honra do autor

da herança, de seu cônjuge ou companheiro – calúnia113, difamação114 ou injúria

111

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direitos das Sucessões. 26.ed. São Paulo: Saraiva. 2003. p. 67). 112

CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, parte especial, volume 2, Dos Crimes contra a pessoa a Dos Crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos, (arts 121 a 212), 6° edição, revista e atualizada, 2006, Editora Saraiva, p.240. 113

MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal, Parte Especial, arts 121 a 234 do CP, 23° edição Revista e Atualizada por Renato N. Fabbrini, Editora Atlas S.A-2005, Volume 2, folha 165.

42

(artigos 138, 139 e 140 do Código Penal) – a prova da condenação no juízo criminal é

de suma importância. Corroborando esse entendimento, Cateb nos ensina:

O inciso II do art. 1.814 prevê a possibilidade de acusação caluniosa em juízo ou os crimes previstos nos arts. 138,140 e 339 do Código Penal, ou seja, denúncia caluniosa, injúria e calúnia. Pouco importa que o ato seja praticado contra o auctor successionis, ou de seu cônjuge ou companheiro, em vida ou após sua morte. Também a memória do falecido deve ser preservada e respeitada, consoante os arts. 138, § 2º, 140, 144 e 339 do Código Penal

115.

Por fim, a expressão crime contra a honra também abrange as ofensas contra a

memória do de cujus, não sendo necessário que tenha sido o herdeiro condenado e

apenas bastando que este tenha provocado a ação penal contra o autor da herança.

4.2.3. ATENTADO CONTRA A LIBERDADE DE TESTAR

Previsto no inciso III do já citado dispositivo 1814 do Código Civil, atentar contra

a liberdade de testar refere-se apenas ao autor da herança, quando a liberdade que

este tem de dispor como bem o quiser de sua herança, seja limitada ou até mesmo

obstada.

Cateb entende que este inciso trata da

A liberdade de testar, de dispor de bens após sua morte, é uma manifestação livre e espontânea, e deve ser preservada pelo Direito. É bastante antiga essa forma de manifestação, sabendo-se que, na primeira fase do direito romano, era ampla e irrestrita, existindo, sem dúvida uma liberdade absoluta de dispor por meio de liberalidade. Data dessa época a preocupação do pater com a

“Segundo parte da doutrina , nos crimes contra honra, além do dolo, deve estar presente um especial fim de agir consubstanciado noanimus injuriandi vel diffamandi , consistente no ânimo de denegrir, ofender a honra do indivíduo.Não basta que o agente profira palavras caluniosas; é necessário que tenha vontade de causar dano à honra da vítima” 114

MIRABETE, Julio Fabbrini , ob.cit., p. 160: O autor explica que a difamação é “comentar um fato que prejudique a reputação de outrem, mesmo que seja verídico, para a sociedade.” 115

CATEB, 2007, p. 59

43

continuação de sua família, dos seus costumes religiosos, a preservação desses princípios e, muitas vezes, a idéia de idolatria do próprio pater

116.

Gonçalves fala a respeito dessa inibição, conceituando que inibir é cercear a

liberdade de disposição de bens. Obstar corresponde a impedir tal disposição117.

É importante frisar que, em qualquer dos casos, para que se perpetue a

exclusão do herdeiro por indignidade, o herdeiro ou legatário o ato de inibir ou obstar

seja feito usando de por meio de violência ( com ação física) ou meio fraudulento ( com

ação psicológica).

A fraude, nas palavras de Venosa, nada mais é do que:

Todo artifício malicioso que uma pessoa emprega com a intenção de transgredir o Direito ou prejudicar interesses de terceiros. Portanto, a fraude é aquela conduta que ilude a lei ou terceiros por via indireta, sem que haja um ato

ostensivo de desrespeito ao direito118.

Caso não seja comprovado que tenha existido um desses dois casos, esta

hipótese de exclusão por indignidade deverá ser afastada., Venosa nos ensina a

respeito deste inciso III que a vontade testamentária tem que deve ser livre, vindo a lei

através do citado inciso, preservar a liberdade de testar, impondo uma punição ao

herdeiro ou legatário que por algum meio viciaram o vontade do testador119.Em suma, o

que o legislador pretendeu com a elaboração desse inciso foi defender a liberdade que

tem de cujus de dispor de sua herança, punindo o herdeiro que tenha agido com uma

116

CATEB, Op.cit.71-72 117

GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Direito das Sucessões. Editora Saraiva. Volume 7. 4ª Edição. 2010. p. 119. 118

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões. São Paulo: Atlas, 2003, p. 155 119

VENOSA, 2003, ob.cit.p 84-85

44

conduta120 fraudulenta121, dolosa122 ou coercitiva123 ou ainda que induza o autor da

herança em erro substancial124, e de forma a impedir que este possa expressar essa

liberdade. Caso o testamento seja posteriormente declarado nulo, não produzindo

efeitos não haverá punição, bem como no caso do ato lesivo ser corrigido a tempo.

4.3 A ORIENTAÇÃO EM FACE DO CÓDIGO CIVIL DE 2002.

Notadamente, que ao longo dos séculos, o direito não se mantém imutável. O

direito sempre depende da organização da sociedade, quais sejam, estados laicos ou

não, tipo de economia, etc. Destarte, de Roma aos dias atuais, consoante linhas

anteriores, ocorreram uma série de mudanças. Nessa perspectiva, Silvio Rodrigues faz

importante ponderação na diferença do direito sucessório antigo com a do direito atual:

Note-se que antigas regras sobre a sucessão, quer inspiradas em motivos religiosos, quer fundadas no anseio de fortalecer a família, não levam em consideração o sentimento de equidade, ou seja, o intuito de aquinhoar igualmente os descendentes. Ou os parentes em grau de igualdade. Entretanto, foi nesse sentido que o direito hereditário evoluiu, visto que hoje, na quase-totalidade dos países, a sucessão legítima se processa entre os herdeiros que se encontram no mesmo grau e, que por conseguinte, recebem partes iguais.

125

120

GLAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil. Volume 3, 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 27: Sobre conduta, esclarece o doutrinador: de “conduta humana, positiva ou negativa (omissão), guiada pela vontade do agente, que desemboca em dano ou prejuízo.” 121

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito das Sucessões. 24ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 294-296: Sobre a fraude: “Fraude (CC, arts. 158 a 165), que é o emprego de artifícios maliciosos por alguém para enganar o testador, induzindo-o, para lesar seus credores, a dispor de modo diverso do que ele faria, se não houvesse tais artifícios” 122

DINIZ, op.cit, p. 294-296: Sobre dolo: “Dolo (CC, arts. 145 a 150 e 1.909) ou seja, artifício malicioso para induzir o testador em erro ou para mantê-lo no erro em que já se encontrava.” 123

DINIZ, op.cit. p. 294-296: Sobre coerção: Coação (CC, arts. 151 a 155 e 1.909), que é o estado de espírito em que o disponente, ao perder a energia moral e a espontaneidade da vontade, elabora o testamento que lhe é exigido. 124

DINIZ, op.cit. p.294-296: Sobre erro substancial: “Erro substancial (CC, arts 138 a 142) na designação da pessoa do herdeiro, do legatário (error in personanm) ou da coisa legada (error in corpore rei), a não ser que, pelo contexto do testamento, por outros documentos ou por fatos inequívocos, se puder identificar a pessoa ou coisa a que o testador queria referir-se (CC, art. 1.903) 125

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, volume 7. Colaboração de Zeno Veloso. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 5

45

Desta feita, o direito sucessório foi recepcionado em nosso ordenamento

jurídico. Implicitamente, é direito resguardado pela Constituição de 1988, por

conseqüência do direito de propriedade. De acordo com Rodrigues, “parece fora de

dúvida ser de interesse da sociedade em conservar o direito hereditário como um

corolário do direito de propriedade. Partindo do ponto de vista de que o interesse

individual constitui a melhor espécie de progresso, deve o poder publico assegurar ao

individuo a possibilidade de transmitir seus bens a seus sucessores, pois, assim

fazendo, estimula-o a produzir cada vez mais, o que coincide com o interesse da

sociedade.”126

O diploma civil de 2002, disciplina o direito da sucessões em quatro títulos, que

tratam: da sucessão em geral, da sucessão legítima, da sucessão testamentária e do

inventário e partilha.

De forma sucinta, Silvio Rodrigues explicita a sistemática do tratamento do

instituto no código civil de 2002:

O Título I abrange tanto a sucessão legítima quanto a testamentária, e as regras que agasalha sobre a administração da herança, sobre a sua aceitação e renúncia, a respeito da vocação hereditária e dos legitimados a suceder, da herança jacente,da petição de herança, bem como sobre a indignidade, aplicam-se quer a sucessão decorrente da lei, quer à derivada de testamento. O Título II, talvez o mais importante dos quatro, é o referente a sucessão legítima , ou seja, a que se opera por força de lei. O Título III, que cuida da sucessão testamentária, é o maior de todos, contendo 133 artigos, o que mostra a importância atribuída pelo legislador a transmissão de bens por ato de ultima vontade. No Título IV, a par e regras sobre inventario e partilha, que se avizinham do campo do processo, encontram-se os importantes capítulos sobre colações e sonegados, que disciplinam matéria substantiva de maior relevância.

127

126

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, volume 7. Colaboração de Zeno Veloso. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 7. 127

RODRIGUES, Silvio. Ob. Cit. p. 6-7.

46

4.4 AÇÃO DECLARATÓRIA DE INDIGNIDADE:

Para ver a indignidade reconhecida judicialmente, é necessário provocar a

jurisdição, em observância ao princípio da inércia da jurisdição e da demanda. Dessa

forma, faz-se necessário ajuizar uma ação, cujo objetivo final é ver reconhecida a

indignidade do herdeiro, o que irá por impedir que receba a herança.

Por ter uma tutela final meramente de reconhecimento de indignidade, é

chamada de ação declaratória.128 Dessa forma, imprescindível demonstrar o

procedimento e o posicionamento da doutrina nesse sentido, na forma que passa a

expor.

Assim, a ação declaratória pode ser ajuizada a partir da abertura da sucessão.

Maria Helena Diniz explica que:

O prazo para a propositura da ação declaratória de indignidade é de quatro anos, contado da abertura da sucessão, sob pena de decadência (CC, art. 1.815, parágrafo único); portanto, tal ação não pode ser proposta em vida do hereditando. Exclui-se, assim, a iniciativa dessa ação pelo próprio ofendido, que terá apenas o direito de deserdar o sucessor (...). Apesar de a deserdação e a indignidade terem o mesmo objetivo - a punição de quem ofendeu o de cujus -, são institutos distintos, pois: a) a indignidade funda-se, exclusivamente, nos casos expressos no art. 1.814 do Código Civil, ao passo que a deserdação repousa na vontade exclusiva do auctor successionis, que a impõe ao ofensor no ato de última vontade, desde que fundada em motivo legal (CC, arts. 1.814, 1.962 e1.963); b) a indignidade é própria da sucessão legítima, embora alcance o legatário (CC, art. 1.814), enquanto a deserdação só opera na seara da sucessão testamentária; c) a indignidade priva da herança sucessores legítimos e testamentários; e a deserdação é o meio usado pelo

128

A exclusão do indigno depende, pois, de propositura de ação específica, intentada por quem tenha interesse na sucessão, sendo decretada por sentença, de natureza declaratória. - GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 123.

47

testador para afastar de sua sucessão os seus herdeiros necessários (descendentes e ascendentes)

129.

De acordo com os ensinamentos da insigne doutrinadora, conclui-se que a ação

não pode ser proposta em vida pelo hereditando. Nesse sentido, interessante destacar

um julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em que verifica-se a hipótese

aventada:

DIREITO CIVIL - SUCESSÃO - EXCLUSÃO DE HERDEIRO - INDIGNIDADE - AÇÃO PROPOSTA PELO GENITOR EM FACE DE FILHA - ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM - MATÉRIA COGNOSCÍVEL DE OFÍCIO EM QUALQUER GRAU DE JURISDIÇÃO - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO - RECURSO PREJUDICADO." No caso em exame, portanto, cabia ao recorrido utilizar-se do instituto da "deserdação", para excluir os recorrentes da sucessão, e não buscar a declaração judicial de sua indignidade. Destarte, é forçoso concluir faltar ao apelado legitimidade ativa ad causam, e ainda, ocorrer a impossibilidade jurídica do pedido inicialmente deduzido. Tendo em vista serem as condições da ação matérias cognoscíveis ex officio, conforme autoriza o artigo 267, § 3º do Código de Processo Civil, julgo extinto o processo sem resolução do mérito, com esteio no inciso VI do artigo 267 do mesmo codex, e prejudicados os recursos interpostos. Com isto, condeno as partes ao pagamento das custas processuais, na proporção de 50% (cinquenta por cento), devendo cada qual arcar com os honorários de seu respectivo patrono

130.

No que tange a legitimidade para aforar aludida demanda, entende-se que o art.

1815 do Código Civil131, seriam apenas os herdeiros ou legatários quem poderiam

compor o pólo ativo de referida ação.

Entrementes, tem sido comum o ajuizamento dessa ação pelo Ministério

Público Estadual, consoante se infere nos seguintes julgados:

129

DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 6: direito das sucessões. 16. ed. São Paulo: Saraiva: 2002, p. 49-50 130

TJPR, Agravo de Instrumento nº 305.956-3, 11ª Câmara Cível, Rel. Juiz Convocado Espedito Reis do Amaral, DJ 09.06.06

48

INDIGNIDADE DE HERDEIRO NECESSÁRIO. HOMICÍDIO DO AUTOR DA HERANÇA. AÇÃO DECLARATÓRIA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.815 DO CC/02. CO-HERDEIROS, ADEMAIS, QUE SÃO MENORES. PRESERVAÇÃO DE SEUS INTERESSES, INDISPONÍVEIS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. A questão única que no recurso se coloca diz com a legitimidade do Ministério Público para propositura da ação de indignidade. Com efeito, repugna à ordem jurídica por que vela o Ministério Público (art. 127 da CF/88) que o homicida do pai ou mãe possa, ainda, se beneficiar de sua herança. Não se tem, crê-se, questão de índole exclusivamente privada. Concorre interesse geral em evitar benefício do criminoso, resultante do ilícito penal que pratica. Mais, acode ainda uma forma de desestímulo a semelhante conduta. Mauro Antonini defende que a solução mais adequada há de ser a de conferir legitimidade concorrente do Ministério Público para a ação de indignidade, a seu ver porque “não parece ser razoável permitir, por falta de iniciativa dos parentes próximos, prevalecer solução moralmente abjeta do indigno se locupletar com a indignidade praticada. Há interesse público incontestável em desestimular a prática de homicídio contra o autor da herança, visando a herança.” (cf. CC Comentado, Coord. Min. Cezar Peluso, Manole, 5ª ed., p. 2211). Tal, enfim a orientação que se veio a consolidar no texto do Enunciado 116 da Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal. Por último, não se há de olvidar que, no caso concreto, os demais herdeiros são menores, assim com direitos indisponíveis e por cujo atendimento também é função do Ministério Público zelar, nos termos do art. 127 da CF e 201, inc. V, do ECA. Como já se decidiu, “o Ministério Público é parte legítima ativa para propor ação em prol de criança e adolescente. Jurisprudência majoritária, com base na Constituição da República e no Estatuto da Criança e do Adolescente.(...)” (TJRS, Ap. 70043253103, Rel. Des. Rui Portanova, j. 4.8.2011) Nesses termos, de rigor a manutenção da sentença. Ante o exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao recurso

132.

Esta hipótese já foi comentada por Silvio Rodrigues, que bem orientava:

O que convém ter em vista é que a matéria é de interesse privado, e não público, de sorte que só aqueles que se beneficiariam com a sucessão poderiam propor a exclusão do indigno. Se o herdeiro legítimo ou testamentário assassinou o hereditando, mas as pessoas a quem sua exclusão beneficiaria preferissem manter-se silentes, o assassino não perderia a condição de herdeiro e receberia os bens da herança, não podendo a sociedade, através do Ministério Público, impedir tal solução

133.

131

Código Civil Brasileiro de 2002: Art. 1.815. “A exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de indignidade, será declarada por sentença. Parágrafo único. O direito de demandar a exclusão do herdeiro ou legatário extingue-se em quatro anos, contados da abertura da sucessão.” 132

TJSP, apelação Cível n. 788320058260627, Rel. Des. Claudio Godoy, J. 25.10.2011.

133

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Direito das Sucessões. Saraiva. v. 7. p. 71.

49

Essa opinião é consentânea na doutrina e jurisprudência, conforme se

depreende dos ensinamentos de Maria Helena Diniz:

Como o novo Código Civil foi omisso a respeito, o Ministério Público poderia também propô-la, por ser o guardião da ordem jurídica (CF, art. 127) e pelo fato de haver interesse social e público de evitar que herdeiro ou legatário desnaturado receba vantagem, beneficiando-se da fortuna deixada pela sua vítima

134.

Isso porque há, sem dúvida, interesse público e social de evitar que um filho

desnaturado que assassinou seu próprio pai venha a se beneficiar da fortuna que este

deixou135.

Destarte, concorrendo uma das causas de indignidade, inerentes a condição da

ação, bem como o ajuizamento por um dos legitimados, a ação está apta para o devido

trâmite processual.

Entretanto, existem alguns aspectos que interferem no deslinde dessa causa

processual. Causas essas que trazem a baila um dos motivos do presente estudo. No

entanto, no momento, limitar-se-á a apenas dizer o tratamento atual da justiça cível e

penal ao tema. Ao final, em capítulo específico demonstrar-se-á seus aspectos

polêmicos.

Pois bem. Em razão das causas de indignidade ligarem-se a objetos de tutela

eminentemente penal, e seus efeitos, ligarem-se a objetos de tutela do juiz cível, é que

a jurisprudência tem determinado que a decisão da ação declaratória de indignidade

depende da decisão do juízo criminal:

É nesse sentido a jurisprudência:

134

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 6 Direito das Sucessões, p. 70. 135

VELOSO, Zeno. Código Civil Comentado, Coord.: Regina Beatriz Tavares, Saraiva, 6ª ed., p. 1841

50

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE EXCLUSÃO DE HERDEIRO POR INDIGNIDADE - PROCESSO CRIMINAL EM CURSO - SUSPENSÃO DO PROCESSO NA ESFERA CÍVEL - POSSIBILIDADE - ARTIGO 265, INCISO IV, ALÍNEA A,DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - QUESTÃO PREJUDICIAL - DECISÃO MANTIDA. 1 - À inteligência do artigo 265, inciso IV, alínea a, do Código de Processo Civil, suspende-se o processo quando a sentença de mérito depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitui o objeto principal de outro processo pendente. 2 - Recurso a que se nega provimento

136.

CIVIL. SUCESSÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INDIGNIDADE. EXCLUSÃO DA HERDEIRA. CRIME CONTRA A HONRA DO OFENDIDO. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO PENAL. 1. Para que a ré fosse excluída da sucessão, em razão do cometimento de crime contra a honra do autor da herança, como previsto no inciso II, segunda parte, do artigo 1.814 do Código Civil, seria necessária a sua condenação prévia, pelo juízo criminal, que tem competência para averiguar a materialidade e a autoria do crime, após o ajuizamento de ação penal própria. 2. Recurso não provido. A despeito de teses doutrinárias e jurisprudenciais contrárias, filio-me ao entendimento segundo o qual seria necessária a condenação prévia, na esfera criminal, para que a ré fosse excluída da sucessão, em razão do cometimento de crime contra a honra do autor da herança, como previsto no inciso II, segunda parte, do artigo 1.814 do Código Civil. Isso porque, da leitura do referido dispositivo, infere-se que serão excluídos da sucessão aqueles que “incorrerem em crime”, ou seja, que cometerem uma ação típica e antijurídica, culpável e punível. Nesse aspecto, é o juízo criminal quem tem competência para declarar a existência ou não da materialidade e da autoria, após, é claro, o ajuizamento de ação penal própria, com regular trâmite processual, observando-se a ampla defesa e o contraditório... Ante o exposto, nego provimento

137.

Dessa forma, após a sentença criminal, o juízo cível declara a indignidade,

prescindindo de instrução processual, por se tratar de matéria de direito. Com a

procedência da ação, começam os efeitos para o herdeiro declarado indigno.

136

TJMG, Agravo de Instrumento n. 100240570080620011, Rel. Des Batista Franco, J. 7.2.2006. 137

TJDFT, Apelação Cível n. 2009.01.1.010101-7, Rel. Des. Cruz Macedo, J. 20.7.2011.

51

4.5 EFEITOS DA INDIGNIDADE:

Nessa vereda, após a ação declaratória de indignidade, os efeitos antes

abstratos tornam-se concretos. Destarte, vale-se aqui dos ensinamentos doutrinários

para bem compreender os efeitos da indignidade. Bem assim, a doutrina fornece a

fundamentação e elucidações necessárias no que tange a reabilitação do indigno, na

forma que demonstra a seguir.

Nessa esteira, após a ação declaratória de indignidade, com o trânsito em

julgado da ação de indignidade julgada procedente, segundo Silvio de Salvo Venosa,

teremos os seguintes efeitos:

1- efeito retroativo, desde a abertura da sucessão (ex tunc) os descendentes do indigno sucedem como se ele morto fosse (art. 1816); 2- o indigno é obrigado a devolver os frutos e rendimentos da herança, já que é considerado possuidor de má-fé com relação aos herdeiros, desde a abertura da sucessão (art. 1817); 3- na forma do art. 1817, os atos da administração e as alienações praticadas pelo indigno antes da sentença de exclusão são válidos. Trata-se de dispositivo que merecerá maior estudo a seguir por envolver questões de herdeiro aparente. Contudo o efeito, aqui, é ex nunc. Só não valem as alienações praticadas após a sentença de indignidade. E ressalvado o direito pessoal do novo herdeiro em

cobrar perdas e danos do indigno138

.

Sobre os efeitos do trânsito em julgado da sentença procedente na ação de

indignidade que são sempre pessoais os efeitos da exclusão, e os herdeiros excluídos

reconhecem a herança, como se ele morto fosse139.

Conforme os ensinamentos de Venosa, o desapossamento dos bens da

herança, pelo indigno, não pode ser utilizado como instrumento de um injusto

enriquecimento por parte do herdeiro.

138

VENOSA, Silvio de salvo. Direito Civil: direito das sucessões. 3ª Ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 78. 139

CATEB, 2007, p. 58

52

Destarte, o excluído, na forma do art. 1601 do Código, teria direito de reclamar

indenizações por acréscimos e melhoramentos feitos na conservação dos bens

hereditários, assim como direito de cobrar os créditos que lhe assistissem contra a

herança. 140

Venosa levanta questão importante ao tema em comento:

Questão importante erigida na lei, sem a qual a pena de indignidade perderia sua força, é a perda ao direito de usufruto e administração dos bens dos filhos que representam o indigno, bem como à sucessão eventual desses bens (art. 1693, IV). Não fosse essa proibição, o indigno poderia beneficiar-se da herança da qual foi excluído por via transversa. Ou seja, como o indigno é tratado como se morto fosse, seus filhos representam-no na herança, como se tivesse havido uma pré-morte. Se os filhos fossem incapazes, o indigno teria o usufruto legal desses bens, assim como sua administração (art. 1689), como efeitos inerentes ao poder familiar. Da mesma forma, a lei veda que o excluído por indignidade venha a receber por herança esses bens que lhe foram tolhidos, caso venha a suceder seus filhos, em caso de morte destes

141.

Dessa forma, será nomeado um curador a esse espólio.

Ainda, quanto aos efeito, importante destacar o julgado que avultou o tema na

mídia: o caso Suzane Louise Von Richthofen. Andreas Albert Von Richthofen ajuizou a

demanda em face de sua irmã, que em companhia de seu namorado e cunhado,

executou seus pais.

ANDREAS ALBERT VON RICHTHOFEN moveu AÇÃO DE EXCLUSÃO DE HERANÇA em face de sua irmã SUZANE LOUISE VON RICHTHOFEN, por manifesta indignidade desta, pois teria ela, aos 31 de outubro de 2002, em companhia do seu namorado, Daniel Cravinhos de Paula e Silva, e do irmão dele, Cristian Cravinhos de Paula e Silva, barbaramente executado seus pais... Conheço desde logo do pedido, pois se trata de matéria exclusiva de direito, estando a lide definida com a condenação penal, transitada em julgado, da herdeira Suzane Louise Von Richthofen pela morte de seus pais, pela qual foi condenada a 39 anos de reclusão e seis meses de detenção. A indignidade é uma sanção civil que causa a perda do direito sucessório,

140

VENOSA, Silvio de Salvo. Ob. Cit., p. 78. Venosa complementa dizendo que “Temos para nós que a regra não é repetida no novo código porque a situação deve ser vista de acordo com o sistema das benfeitorias, analisando-se, em cada caso, se houve boa ou má-fé.”

141

VENOSA, Silvio de Salvo. Ob.cit., p. 78.

53

privando da fruição dos bens o herdeiro que se tornou indigno por se conduzir de forma injusta, como fez Suzane, contra quem lhe iria transmitir a herança... Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a presente Ação de Exclusão de Herança que Andreas Albert Von Richthofen moveu em face de Suzane Louise Von Richthofen e, em conseqüência, declaro a indignidade da requerida em relação à herança deixada por seus pais, Manfred Albert Von Richthofen e Marísia Von Richthofen, em razão do trânsito em julgado da ação penal que a condenou criminalmente pela morte de ambos os seus genitores, nos exatos termos do disposto no artigo 1.814, I, do Código Civil. Condeno também a requerida a restituir os frutos e rendimentos dos bens da herança que porventura anteriormente percebeu, desde a abertura da sucessão, nos termos do § único, artigo 1.817, também do Código Civil. Condeno a requerida ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios, que, diante dos critérios do art. 20, do Código de Processo Civil, fixo em 15 % sobre o valor corrigido da causa, ressalvando que tal verba será cobrada, se o caso, nos termos dos artigos 11, § 2º e 12, da Lei nº 1.060/50. Junte-se cópia deste decisório nos autos principais de inventário dos genitores do autor. P.R.I.

No caso supramencionado, Suzane foi declarada indigna. Além da exclusão da

herança, foi condenada a restituir os frutos e rendimentos dos bens da herança que

havia recebida anteriormente.

Segundo princípios que proclamam o resguardo da boa fé, desde que o

herdeiro excluído não tenha praticado atos contrários ao direito ou agido dolosamente,

deverá ser ressarcido pelas despesas efetuadas com a conservação dos bens

hereditários142.

Nesse diapasão, insta frisa que ainda que um só interessado promova a ação,

sua declaração aproveita aos demais, que não participariam do processo. Trata-se de

uma situação que vem beneficiar e atingir terceiros estranhos à ação. 143

Os efeitos da coisa julgada, portanto, de forma peculiar, alcançam quem não foi

parte. Isso ocorre porque a ordem de vocação hereditária não tem caráter individual. A

condição de herdeiro é indivisível. Daí por que não pode haver renuncia parcial da

herança. A exclusão que se opera por indignidade é feita com relação à herança, o que

142

CATEB, 2007, p. 58 143

VENOSA, Silvio de Salvo. Ob. cit, p. 79.

54

acentua o caráter universal do chamamento e aquisição hereditários. Se mais de um

herdeiro mover ação concomitante ou sucessivamente, devem elas ser reunidas para

julgamento uno144.

4.6 REABILITAÇÃO OU PERDÃO DO INDIGNO:

O art. 1.818 prevê a hipótese de reabilitação do indigno, in verbis:

Aquele que incorreu em atos que determinem a exclusão da herança será admitido a suceder, se o ofendido o tiver expressamente reabilitado em testamento, ou em outro ato autêntico. Parágrafo único. Não havendo reabilitação expressa, o indigno, contemplado em testamento do ofendido, quando o testador, ao testar, já conhecia a causa da indignidade, pode suceder no limite da disposição testamentária.

O perdão, portanto é ato solene, pois a lei só lhe dá eficácia mediante ato

autêntico, ou em testamento. Deve ser expresso, embora não se exija palavras

sacramentais. Uma vez concedido torna-se irretratável, sob pena de tolerar-se

arrependimento no perdão, o que não seria moral145.

Nessa vereda, Cateb explica que:

O perdão é próprio da natureza humana. Nossa legislação acompanha os Códigos italiano, espanhol, alemão e contraria o francês. O texto legal exige que a manifestação do ofendido se faça de forma definitiva. O perdão é um ato jurídico, uma declaração de vontade do autor da herança, unilateral, direcionada a evitar a exclusão do herdeiro ou legatário do processo sucessório

146.

144

VENOSA, Silvio de Salvo. Ob. Cit., p. 79. 145

GONÇALVES, Carlos Roberto. Ob cit, p. 108. 146

CATEB. Ob cit., p. 60-61

55

De acordo com Gonçalves, tem-se admitido o perdão tácito, ou seja, quando o

testador, após a ofensa, tiver contemplado o indigno em testamento. Concedendo o

perdão ao indigno, evita que os outros herdeiros o excluam da sucessão, após a

abertura desta. Trata-se de ato privado, pois ninguém melhor do que o ofendido para

avaliar a intensidade da ofensa à sua sensibilidade.147 Se o testamento for nulo, o

perdão também será, salvo se tiver sido de forma pública. O mesmo não ocorre com o

testamento cerrado ou particular.

4.7 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE LEI N. 118/2010:

Dessa razão, elucidado todos os institutos de da exclusão por indignidade no

Código Civil de 2002, importante destacar em linhas sucintas o projeto de lei que

poderá alterar o regime das sucessões neste tocante. O Senado Federal elaborou no

ano de 2006 um projeto de lei, que pretendia inserir ao art. 1.815-A à Lei nº 10.406, de

10 do Código Civil, que aos casos de indignidade, basta o trânsito em julgado da

sentença penal condenatória que acarretará a exclusão imediata do herdeiro ou

legatário indigno.

A justificativa para o projeto de lei baseava-se nos seguintes termos:

As instituições de direito privado vêm experimentado notável revolução em suas estruturas, e, aos poucos, abandonam antigos valores para se revestirem de maior segurança jurídica e, sobretudo, maior eficácia. A presente proposição tem por finalidade dirimir dúvidas e interpretações quanto às definições contidas na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil, bem como aperfeiçoar o instituto da exclusão de herdeiro ou legatário indigno, que vem sofrendo mudanças no correr dos anos. Tais mudanças são calcadas nas recentes transformações sociais, que conduz à colocação da dignidade humana

147

GONÇALVES, Carlos Roberto. Ob cit., p. 108

56

em primeiro lugar. Dentre as mais notáveis alterações na ordem privada, sobrelevam as contidas na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2.002, que instituiu o Código Civil, revigorando o direito das sucessões no Brasil, na vanguarda mundial de proteção patrimonial dos legítimos herdeiros e legatários. Após quase quatro anos de colheita de bons frutos, a sociedade sente a necessidade de tornar automática a exclusão de herdeiro ou legatário indigno, condenado por sentença penal transitada em julgado. Assim, não será mais admitido que herdeiro ou legatário, que tenha sido autor, co-autor ou partícipe de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seja agraciado com os bens advindos da herança. Ademais, o Projeto de Lei acima afasta a necessidade de propositura de ação de exclusão da sucessão (ou ação de indignidade), por qualquer dos herdeiros, em desfavor do herdeiro indigno, vez que a sentença penal condenatória transitada em julgado terá o efeito imediato de excluir da sucessão o herdeiro ou legatário indigno. Em outras palavras, herdeiros ou legatários declarados culpados por sentença penal condenatória transitada em julgado serão imediatamente excluídos da sucessão, sem que seja preciso submeter novamente a matéria à nova decisão soberana do Poder Judiciário. A sentença penal, transparente e justa, fortalecerá o direito sucessório, vez que traz segurança jurídica para os demais herdeiros e legatários, que não serão obrigados a litigar novamente em juízo contra aquele que tiver matado, ou tentado matar, o seu ente querido. Assim, apresentamos projeto para que a exclusão imediata do herdeiro ou legatário assassino seja mecanismo idôneo para a solução dessas questões que causam tanto constrangimento na sociedade. São essas as razões que justificam a proposição, que, pelo seu amplo alcance social, certamente merecerá o apoio dos demais membros deste Parlamento.

Entretanto, referido projeto foi substituído pelo Projeto de Lei do Senado (PLS) nº

118/2010, de autoria da Senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE). Aludido projeto de

lei já foi aprovado pelo Senado em março de 2011. Todavia, como se trata de lei

ordinária, faz-se necessária a aprovação pelas duas casas, o que ainda não ocorreu.

Para melhor elucidação das alterações, far-se-á análise criteriosa das alterações

que poderão ser realizadas.

Primeiramente, no que tange as causa de exclusão da herança, acrescenta-se

que, além das causa de ofensa à vida, ficará sujeito a exclusão da herança aquele que

ofender a dignidade sexual do autor da herança ou de seu cônjuge, companheiro ou

parente, por consanguinidade ou afinidade, até o segundo grau.

Além da ofensa da honra, será também incluído à ofensa a integridade física, à

liberdade ou ao patrimônio do autor da herança. A hipótese de “violência ou qualquer

57

meio fraudulento”, passa a vigorar com o seguinte texto: inibir ou obstar o autor da

herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade, furtar, roubar,

destruir, ocultar, falsificar ou alterar o testamento ou codicilo do falecido, incorrendo na

mesma pena aquele que, mesmo não tendo sido o autor direto ou indireto de qualquer

desses atos, fizer uso consciente do documento viciado.

A inovação se dá ao seguinte inciso, que será inserto nas hipóteses de causa de

exclusão: “sem justa causa, tenha abandonado ou desamparado o autor da herança,

especialmente aquele que, tendo conhecimento da paternidade ou maternidade do

filho, não a tenha reconhecido voluntariamente durante a menoridade civil.”

Ao final o paragrafo único advertirá que “para efeito do disposto nos incisos I e II

do caput deste artigo, incluem-se entre os atos suscetíveis de gerar declaração de

indignidade quaisquer delitos dos quais tenham resultado a morte ou a restrição à

liberdade do autor da herança ou de seu cônjuge, companheiro, ascendente,

descendente ou irmão.”

O impedimento, em qualquer desses casos, será declarado por sentença, salvo

quando houver anterior pronunciamento judicial definitivo, cível ou criminal, que já tenha

expressamente reconhecido a prática da conduta indigna, bastando, nesses casos, a

sua juntada aos autos do inventário.

A hipótese que já era aceita pela jurisprudência de ajuizamento da ação pelo

Ministério Público passa a vigorar legalmente, elastecendo o rol de legitimados para a

ação. A ação passará a ter o prazo de ajuizamento de 2 anos, todavia, não será

contado apenas da abertura da sucessão, como também da descoberta da conduta do

indigno.

58

No tocante aos usufrutos, indenização e perdas e danos, a lei permanece igual.

Assim, na reabilitação, sofre pequena mudança, podendo ser admitido a suceder se o

ofendido o tiver expressamente reabilitado em testamento, codicilo ou escritura pública.

Referido projeto também vai alterar a deserdação. A mudança na lei se dá pela

necessidade de diferenciação substancial dos dois institutos, que embora tenham

mesmo objetivo, possuem causas e procedimentos absolutamente diferentes, bem

assim o próprio intuito de alterar o regime da indignidade, ante os anseios da

população.

Todavia, apesar do bom intuito do legislador, é de se considera que a lei traz

conceitos genéricos. Assim, qual seria o elemento de convicção para um juiz excluir um

herdeiro por alegação de abandono ou desamparo econômico?

Margareth Tatcher dizia que a “ganância é um bem”, referindo-se que os

progressos deram-se em razão da vontade humana de conseguir mais e mais.

Notadamente que quando se trata de heranças milionárias, ou até mesmo aquelas de

pequena valia, em que herdeiros se degladiam por um considerável quinhão, a

ganância é um mal, e um conceito tão amplo como o em comento, torna-se meio

altamente perigoso de fazer o digno indigno.

59

CONCLUSÃO

A princípio, este trabalho salientou o perfil histórico da sucessão, esclarecendo

sua íntima ligação com o culto aos antepassados, cabendo ao sucessor da linha

masculina a continuação dos mesmos quando na ocorrência da morte do pai, em razão

do pater família. O pater família era a justificativa da absoluta liberdade de dispor dos

bens para depois da morte, ao autor da herança e, em razão disto, por muito tempo e

durante séculos, transmitiu-se apenas pela linha masculina, pois o filho homem era

visto como o sacerdote da religião doméstica na antiguidade e sendo assim, cabia a

este o recebimento do patrimônio da família.

Contemporaneamente, as mutações sociais, culturais e econômicas permitiram a

mudança do direito, que em consoante a própria natureza humana não é imutável.

Desta feita, de Roma aos dias atuais, consoante linhas anteriores, ocorreram uma série

de mudanças e atualmente o ordenamento jurídico brasileiro foi recepcionado em nosso

ordenamento jurídico, implicitamente resguardado pela Constituição de 1988, por

consequência do direito de propriedade. O diploma civil de 2002 disciplina o direito da

sucessão em quatro títulos, que tratam: da sucessão em geral, da sucessão legítima,

da sucessão testamentária e do inventário e partilha.

Partindo para o capítulo seguinte, fez-se uma análise sobre a base do direito

sucessório, conceituando-se sucessão como a transmissão, a transferência do direito

de uma pessoa a outra, dividindo-o de duas maneiras: Quanto às fontes (legítima,

quando há patrimônio, porém não há testamento e assim a herança passa as mãos dos

herdeiros dispostos na ordem de vocação hereditária e testamentária, quando o de cujo

60

pode expressar por testamento ou dispositivo, sua última vontade) e ainda quanto aos

efeitos que produz (universal, quando o herdeiro que é chamado a suceder o faz

herdando a totalidade dos bens do de cujos e singular quando o bem que será

reservado ao sucessor é específico e determinado). Chegou-se ao entendimento de

que a sucessão é aberta com o falecimento do de cujus e que dela pode decorrer a

aceitação, renúncia e cessão. Ainda, a herança poderá tornar-se jacente ou vacante.

Seguindo, introduziu-se o tema deste trabalho, esclarecendo-se pontos essenciais

a exclusão do herdeiro da sucessão, dividindo-o este fenômeno em exclusão por

indignidade ou deserdação, ocorrendo a primeira quando existe o cometimento de um

dos atos descritos nos incs. do art. 1.814, do Código Civil, precisando para que exista a

declaração de indigno uma ação denominada declaratória de indignidade. A

deserdação, por sua vez, ocorre quando o testador dispôs seu testamento, de maneira

expressa sobre a exclusão da sucessão de um dos seus herdeiros por ter agido na

prática de uma das condutas descritas no art. 1.962.

Chegou-se então ao capítulo que aprofundou o tema central deste trabalho, qual

seja a exclusão do herdeiro por indignidade, que trouxe as posições doutrinárias e

jurisprudências mais atuais. Traçou-se um conceito de indignidade como pena civil

imposta aos herdeiros e/ou legatários que participam de algumas das hipóteses

previstas no artigo 1814 do Código Civil, ficando privados do recebimento dos bens da

pessoa ofendida e então se explanou sobre as causas de exclusão por indignidade:

atentado contra a vida, atentado contra a honra e atentado contra a liberdade de testar.

Para ver a indignidade reconhecida judicialmente, entendeu-se necessário provocar a

jurisdição com o ajuizamento de uma ação objetivando o reconhecimento da

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indignidade do herdeiro, cuja pretensão é impedi-lo de receber a herança, perfazendo-

se a exclusão deste herdeiro da sucessão. Os efeitos desta declaração de indignidade

ligam-se aos objetos de tutela penal, e assim entendeu-se é que a jurisprudência tem

determinado que a decisão da ação declaratória de indignidade depende da decisão do

juízo criminal, porém, tal posicionamento trás consigo polêmicas.

Viu-se também que a reabilitação do herdeiro é possível e está prevista no artigo

1818 do Código Civil Brasileiro de 2002 através do perdão, ato solene, expresso e

irretratável, que também poderá ser tácito, no caso do testador contemplar o herdeiro

indigno em testamento.

Chegando ao capítulo final deste trabalho, esclareceu-se a respeito de

considerações sobre o projeto de lei que visa modificar o regime da indignidade no

atual código civil, visando várias alterações, quais sejam: automatização da exclusão,

acréscimo e modificação do texto sobre as causas de exclusão por indignidade,

aumento do rol de legitimados para a propositura da ação de declaração de indignidade

incluindo o Ministério Público como legitimado no texto da lei e mudanças na admissão

do herdeiro indigno reabilitado. Além disso, este projeto pretende clarear as diferenças

entre o instituto da indignidade e deserdação.

Conclui-se, portanto, que a indignidade tem a função de impedir que o herdeiro ou

legatário se beneficie da herança do hereditando quando houver praticado algum ato

grave contra o mesmo ou contra as pessoas descritas nos dispositivos pertinentes.

É justo que o vilão capaz de praticar tais atos reprováveis seja punido pela lei,

devendo o magistrado no momento da ponderação não se privar do principio da

equidade, sob pena de beneficiar os agentes que cometeram crime contra o autor da

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herança. Para tanto, é necessário que se façam efetivas mudanças deste dispositivo,

permitindo aos operadores do direito que possam cumprir o verdadeiro objetivo da

norma e da vontade do legislador, que é punir herdeiro indigno de forma a excluí-lo da

sucessão, de maneira célere e efetiva, ampliando o rol taxativo do próprio dispositivo

1814 – CC, quando diante da ganância e leviandade dos casos concretos e

comprovados de causas de exclusão por indignidade Cabe citar novamente o ilustre

doutrinador Carlos Roberto Gonçalves quando nos ensina que “mão ensanguentada

não apanha herança”. A ganância é uma paixão humana que deve ser direcionada

apenas ao progresso e forçadamente contida nos limites do respeito, sob o risco de

transformar-se em autodestruição.

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