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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL DEFENSORIA PÚBLICA NUDECONTU 1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DE PORTO ALEGRE/RS Distribuição Especializada – Demanda Coletiva – 15ª ou 16ª Vara Cível DIREITO DO CONSUMIDOR - PLANO DE SAÚDE – REAJUSTE – FAIXAS ETÁRIAS - ESTATUTO DO IDOSO A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, pelo órgão signatário, com fulcro nos artigos 134, caput, e 5°, inciso LXXIV, ambos da Constituição Federal, no artigo 5°, inciso II, da Lei n.º 7.347/85, com a redação que lhe empresta a Lei n° 11.448/07, no art. 15, § 3°, da Lei n.° 10.741/2003, e nos artigos 81 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor – Lei n.º 8.078/90, vem, respeitosamente, perante este Juízo, propor AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO Em face de UNIMED PORTO ALEGRE SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO LTDA., inscrita no CNPJ sob o n° 87.096.616/0001-96, com sede na Rua Venâncio Aires, n.º 1040, Nesta Capital, a ser citada na pessoa do seu representante legal, pelos fatos e fundamentos que passa a expor:

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DEFENSORIA PÚBLICA NUDECONTU

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DE PORTO ALEGRE/RS Distribuição Especializada – Demanda Coletiva – 15ª ou 16ª Vara Cível

DIREITO DO CONSUMIDOR - PLANO DE SAÚDE – REAJUSTE – FAIXAS ETÁRIAS - ESTATUTO DO IDOSO

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE

DO SUL, pelo órgão signatário, com fulcro nos artigos 134, caput, e

5°, inciso LXXIV, ambos da Constituição Federal, no artigo 5°, inciso

II, da Lei n.º 7.347/85, com a redação que lhe empresta a Lei n°

11.448/07, no art. 15, § 3°, da Lei n.° 10.741/2003, e nos artigos 81 e

seguintes do Código de Defesa do Consumidor – Lei n.º 8.078/90,

vem, respeitosamente, perante este Juízo, propor

AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO

Em face de UNIMED PORTO ALEGRE SOCIEDADE

COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO LTDA., inscrita no

CNPJ sob o n° 87.096.616/0001-96, com sede na Rua Venâncio Aires,

n.º 1040, Nesta Capital, a ser citada na pessoa do seu representante

legal, pelos fatos e fundamentos que passa a expor:

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I - DOS FATOS

A Defensoria Pública, por meio de seu NUDECONTU – NÚCLEO

DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DE TUTELAS COLETIVAS – instaurou o

PADAC – Procedimento de Apuração de Danos Coletivos – sob o n.º 2083-30.00/08-4

(cópia anexa), visando a averiguar a existência de abusividade nos reajustes praticados

por planos de saúde em razão de mudança de faixa etária, especialmente no que se

refere ao consumidor idoso.

A iniciativa do Núcleo deveu-se à notícia formulada pela

Coordenadoria Regional I deste Órgão, que informou o aumento da procura pelos

serviços da Defensoria Pública, tanto para o ajuizamento, como para acompanhar ações

já em curso, cujo foco está justamente nos referidos reajustes.

Formalizado o procedimento, verificou-se que a inobservância ao

Código de Defesa do Consumidor e ao Estatuto do Idoso é comum em contratos de

diversas empresas de plano de saúde, inclusive no que se refere à ora demandada. Tal

ilegalidade ocorre tanto nos planos chamados “antigos”, quanto naqueles contratos

assinados em data posterior à entrada em vigor da Lei n.º 9.656/98 – Lei dos Planos de

Saúde, o que ocorreu em 02 de janeiro de 1999.

Realizada reunião entre o NUDECONTU e os procuradores da ora

requerida para tentativa de acerto por meio de assinatura de Termo de Compromisso de

Ajustamento de Conduta (fl. 132 do PADAC), esta se manifestou pela impossibilidade

“de aceitação” (ofício acostado).

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Em seguida, houve solicitação por parte da requerida no sentido de

ser realizada nova reunião com a participação de representantes da “UNIMED

FEDERAÇÃO”, visando a uma solução conjunta com todas as Cooperativadas.

Várias reuniões foram realizadas, inclusive com a participação do

Assessor Atuarial da UNIMED, Professor José Antônio Lumertz, o qual apresentou

considerações escritas (fls. 192 e seguintes), tendo havido o comprometimento da

requerida de apresentar a situação econômico-financeira de cada uma das

Cooperativadas, no intuito de demonstrar percentual limite para reajuste em cada uma

das faixas-etárias (ata em anexo – fl. 191).

Todavia, isso não ocorreu, tendo a UNIMED silenciado, o que

indica sua indisponibilidade para solução extrajudicial da questão (fl. 199).

Ocorre que, de modo geral, as empresas de plano de saúde,

incluindo-se a ora demandada, praticam reajustes em percentuais abusivos, não

respeitando as faixas etárias previstas no contrato ou nas Resoluções editadas pelo

CONSU (Conselho de Saúde Suplementar) e pela própria ANS (Agência Nacional de

Saúde), infringindo as mais comezinhas regras de proteção ao consumidor previstas na

Lei n.º 8.078/90 – Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

A ilegalidade é ainda mais flagrante quando o consumidor está

prestes a atingir ou atinge 60 anos de idade, momento em que passa a contar com a

proteção específica da Lei n.º 10.741/03 (Estatuto do Idoso, artigo 1º).

Desse modo, na fase da vida em que o consumidor mais necessita de

um plano de saúde, os reajustes praticados, de tão abusivos, acabam por

verdadeiramente expulsá-lo do plano ao qual aderiu. Assim, a Defensoria Pública, na

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tutela dos idosos usuários de planos de saúde, ajuíza a presente demanda visando à

aplicação do Estatuto do Idoso a todos os contratos então vigentes.

II - DO DIREITO

1) DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL AO CASO

1.1) Da aplicação do CDC aos Contratos de Plano de Saúde:

O direito à saúde está previsto na Constituição Federal como direito

social1, devendo ser prestado pelo Estado a todo indivíduo2.

Nesse sentido, JOSÉ AFONSO DA SILVA ensina que o direito a

saúde “... há de informar-se pelo princípio de que o direito igual à vida de todos os seres

humanos significa também que, nos casos de doença, cada um tem o direito a um

tratamento condigno de acordo com o estado atual da ciência médica,

independentemente de sua situação econômica, sob pena de não ter muito valor sua

consignação em normas constitucionais”.3

Sabidamente, todavia, o sistema de saúde pública é precário em nosso

país, o que praticamente obriga o cidadão a contratar plano de saúde complementar

ofertado por empresas privadas.

1 Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 26, de 2000)�2 Vários são os dispositivos constitucionais que tratam do direito à saúde, destacando-se os

seguintes, além do artigo 6º: artigo 23, inciso II, artigo 24, inciso XII, e artigos196,197, 198 e 199. 3 DA SILVA, José Afonso. “Curso de direito constitucional positivo”. 15 ª edição. São Paulo:

Malheiros, 1998. p.311.

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De efeito, não há dúvida de que a saúde, analisada sob o enfoque de

relação entre privados, quando o consumidor opta por adquirir outros meios para tratá-la,

sem precisar depender do setor público, é uma típica relação de consumo, sobre a qual

incidirão as disposições do Código de Proteção e Defesa do Consumidor4.

Nesse sentido, CLÁUDIA LIMA MARQUES5 esgotou o tema:

“...Para bem analisar a relação entre o Código de Defesa do Consumidor- CDC e a legislação especial sobre planos privados de assistência à saúde, e identificar se existem conflito de normas, sugerindo formas de resolução dos mesmas, gostaria de destacar dois pontos: em primeiro, a origem constitucional do CDC, a superior hierarquia da proteção do consumidor como direito e mandamento constitucional (Art. 5º, XXXII, CF/88), e como limite constitucional à livre iniciativa dos operadores de planos privados de assistência à saúde (Art. 170, V, CF/88). Sem querer entrar na discussão sobre o direito constitucional à saúde, há que se considerar hoje que estes "planos" operados por fornecedores, com intuito de lucro e com livre iniciativa permitida pela CF/88 (Art. 199 CF/88), são relações de consumo e os usuários são pessoas físicas, destinatários finais dos serviços, consumidores, pelo Art. 2º do CDC, de serviços remunerados prestados por fornecedores organizados em cadeia de fornecimento de serviços (Art. 3º e Art. 3º, §2º do CDC), são terceiros vítimas, terceiros expostos e representantes ou terceiros intervenientes, considerados todos consumidores equiparados (Art. 17, 29 e Art. 2º , parágrafo único do CDC). Em segundo lugar, pois, há que se destacar o fato de, no ordenamento jurídico brasileiro hoje, constituírem todos os contratos de Planos Privados de Assistência à Saúde, objeto da Lei 9.656/98 relações de consumo, reguladas também pelo Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90. Mencione-se, porém, inicialmente com o Prof. e Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que ‘dúvida não pode haver quanto à aplicação do Código do Consumidor sobre os serviços prestados pelas

4 MARQUES, Cláudia Lima; SCHMITT, Cristiano Heineck. “Visões sobre os planos de saúde

privada e o Código de Defesa do Consumidor”. Disponível em: <http://www.saude.ba.gov.br/conferenciaST2005/cdrom/CD%20colet%C3%A2nea%20leis%20e%20textos/Artigos/19.doc>. Acesso em: 14 jun. 2007 – Buscalegis.ccj.ufsc.br. 5 Op.Cit. pág. 28.

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empresas de medicina de grupo, de prestação especializada em seguro-saúde (sic). A forma jurídica que pode revestir esta categoria de serviço ao consumidor, portanto, não desqualifica a incidência do Código do Consumidor. O reconhecimento da aplicação do Código do Consumidor implica subordinar os contratos, aos direitos básicos do consumidor, previstos no art. 6º do Código...’.(DIREITO, Carlos Alberto Menezes, O Consumidor e os planos de saúde, in Revista Forense, vol. 328,out/dez.1994, p.312 - 316.). Aplicado o CDC e a lei especial, apreenda-se a lição do Ministro Ruy Rosado para os contratos de incorporação que serve para os contratos de planos, ainda mais tendo em visto o objeto "fundamental' daquele contrato envolvendo saúde: ‘O contrato de incorporação, no que tem de específico é regido pela lei que lhe é própria (Lei 4591/64), mas sobre ele também incide o Código de Defesa do Consumidor, que introduziu no sistema civil princípios gerais que realçam a justiça contratual, a equivalência das prestações e o princípio da boa-fé objetiva’ (REsp. 238.011-RJ,Voto, p. 4, j. 29.02.2000)”.

De igual forma, a jurisprudência é pacífica ao reconhecer a incidência

da Lei n.º 8.078/90 sobre os contratos de plano de saúde e também de seguro saúde,

mesmo em relação àqueles anteriores à edição da referida lei:

CIVIL E CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. CONTRATAÇÃO ANTERIOR À VIGÊNCIA DO CDC E À LEI 9.656/98. EXISTÊNCIA DE TRATO SUCESSIVO. INCIDÊNCIA DO CDC, MAS NÃO DA LEI 9.656/98. EXTENSÃO DA OBERTURA PARA INCLUIR DOENÇA. IMPOSSIBILIDADE IN CASU. - Dada a natureza de trato sucessivo do contrato de seguro saúde, o CDC rege as renovações que se deram sob sua vigência, não havendo que se falar aí em retroação da lei nova. - Tendo o Tribunal de origem reconhecido que o câncer não se encontra entre as doenças cobertas pelo plano de saúde contratado e não havendo qualquer circunstância específica que, sob a égide da legislação consumerista, justifique a revisão contratual, não há que se falar em injusta recusa de cobertura securitária. Recurso Especial não conhecido. (REsp 1011331/RJ - RECURSO ESPECIAL 2007/0284629-6, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, 3ª Turma, julg. 17/04/2008, DJe 30/04/2008)

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PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE DEMASIADO DAS MENSALIDADES EM DECORRÊNCIA DA PROGRESSÃO DA FAIXA ETÁRIA. É abusiva a cláusula contratual que prevê o aumento demasiado das mensalidades do plano de saúde, em decorrência da progressão de idade do participante. Aplicação do art. 122 do CC de 2002, arts. 6º, V e 51, X e § 1º, II e III, do CDC e art. 15, § 3º, da Lei nº 10.741/03. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº 70022978266, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator Des. Leo Lima, Julgado em 19/03/2008) Aplicam-se, pois ao presente caso, as seguintes disposições da Lei

n.º 8.078/90 – Código de Proteção e Defesa do Consumidor:

Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; (...) VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: I - a proteção da vida, (...) III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

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V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; (...) Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (...) X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços. Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; § 1º. Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: (...) III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso; (...) X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; Por fim, ressalte-se que o idoso consumidor que contrata um plano de

saúde é abarcado por uma qualificação especial ao conceito de consumidor, pois naquele

indivíduo somam-se à hipossuficiência da sua condição de idoso outras debilidades de

ordem técnica, cultural e econômica inerentes a sua condição de consumidor.

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Outrossim, não se pode olvidar que estamos tratando de contratos de

adesão.

Enfim, é a proteção do idoso frente aos contratos de adesão de planos

de saúde que dão o norte da presente ação coletiva de consumo.

1.2) Da aplicação da Lei n.º 9.656/98 aos Planos de Saúde (Efeitos da ADIn 1931-8):

O Egrégio Supremo Tribunal Federal, em julgamento de Medida

Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade contra dispositivos da Lei n.º 9.656, de

3 de junho de 1998, denominada Lei dos Planos de Saúde, concedeu liminar em 21 de

agosto de 2003 para o fim de suspender a eficácia do artigo 35-E e de parte do §2º do

artigo 10 da referida lei, em razão de ofensa ao inciso XXXVI do artigo 5º da

Constituição Federal (ato jurídico perfeito), julgando constitucional os seus demais

dispositivos.

Desse modo, a aplicação da referida lei ficou restrita aos contratos de

planos de saúde assinados após à sua entrada em vigor, ou seja, após 02 de janeiro de

1999, com eficácia, pois, “ex nunc”6.

Em suma, com a referida decisão, as operadoras de plano ou seguro

saúde não estão mais obrigadas a pedir autorização à Agência Nacional de Saúde (ANS)

para proceder a reajustes nas mensalidades dos consumidores com mais de 60 (sessenta)

anos de idade. Todavia, isso não significa que a elas seja permitido impor aumentos

abusivos ou desproporcionais aos usuários dos seus planos, por força exatamente da

vigência do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, o qual veda práticas que geram

onerosidade excessiva aos consumidores. 6 ROCHA, Ivan Pinto da, “Os Efeitos da Decisão Liminar do STF (ADIN 1931) sobre os planos de saúde” . Texto extraído do Jus Navigandi - http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4429

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Nesse sentido é o posicionamento do nosso E. TJRS, senão vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEGURO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REAJUSTE DAS PARCELAS. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APARENTE ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL EM QUE SE FUNDOU O AUMENTO. Em que pese tenha aberto a decisão proferida pelo STF caminho à eclosão de tal problemática, não há se permitir, ao menos por ora, enquanto ainda não julgada a ação direta de inconstitucionalidade intentada pelas operadoras de planos de saúde, sejam descumpridos os preceitos trazidos pela lei consumerista, com a aplicação de cláusulas contratuais unilaterais e aparentemente abusivas. Por se tratarem de contratos de trato sucessivo, aplicável à espécie se apresentam os dispositivos do CDC, inclusive aos contratos anteriores ao seu advento. Aparentemente abusiva se mostra a cláusula que permite o condicionamento do reajuste das parcelas do prêmio à recomposição das despesas médico-hospitalares quando sobreposta tão-somente porque afastada a incidência de artigo de lei que dispõe sobre a competência da ANS para a divulgação do índice de reajuste, até então propalado em 11,75%, longínquos, no entanto, do reajuste de 81,60% de que ora se aproveita a seguradora. AGRAVO IMPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70009373507, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Vinícius Amaro da Silveira, Julgado em 28/10/2004) AÇÃO DECLARATÓRIA. REAJUSTE DE PLANO DE SAÚDE. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O ESTATUTO DO IDOSO AOS CONTRATOS DE SEGURO RELATIVOS A PLANOS DE SAÚDE. AUMENTO ABUSIVO. ADEQUAÇÃO AO PATAMAR ESTABELECIDO PELA ANS. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. DESCABIMENTO. O aumento da mensalidade de plano de saúde, como forma de manter o equilíbrio contratual, deve observar o reajuste fixado pela ANS. Impossibilidade de reajuste além do limite fixado pela agência reguladora ainda que o contrato seja anterior à vigência da Lei nº 9.656/98. O consumidor que atingiu a idade de 60 anos, quer seja antes da vigência do Estatuto do Idoso, quer seja a partir de sua vigência (1º de janeiro de 2004) está sempre amparado contra a abusividade de reajustes das mensalidades com base exclusivamente

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no alçar da idade de 60 anos. Caso concreto em que o reajuste de 19,23% se mostra excessivo, porque superior àquele fixado pela ANS, sendo, também, superior aos índices inflacionários e aos reajustes salariais ocorridos no período. Devolução em dobro de valores. Descabimento. Aplicação da Súmula n. 159 do STF. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70018110106, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Aquino Flores de Camargo, Julgado em 09/10/2008) APELAÇÃO CÍVEL. AGRAVO RETIDO NÃO-CONHECIDO. SEGUROS. PLANO DE SAÚDE COLETIVO. UNIMED. CRT. 1) Contrato anterior à vigência da Lei nº 9.656/98, de trato sucessivo e prorrogação automática. Os planos de saúde se submetem às normas do CDC, sendo que o usuário do plano ostenta a condição de consumidor - art. 2º, da Lei nº 8.078/90. 2) Aplicação imediata das disposições do art. 12, § 2º, da Lei 9.656/98, que torna obrigatória cobertura do atendimento nos casos de emergência, como tal definidos os que impliquem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente (cegueira), caracterizado em declaração do médico assistente. 3) Não se trata, portanto, de dar efeito retroativo à lei, para atingir contrato assinado em data anterior à vigência desta. Mas, simplesmente, fazer incidir norma de caráter público e cogente, cuja adoção é obrigatória. 4) Não prepondera o argumento de que os contratos de seguro saúde cobrem riscos pré-determinados nas condições contratadas, conforme exegese dos art. 757 e 776 do CC. Há que se dar, aqui, prevalência ao próprio objeto do contrato, que é prestar assistência à saúde, dado ao seu conteúdo social. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70022333827, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Aquino Flores de Camargo, Julgado em 28/08/2008)

Diante do exposto, de concluir que mesmo aos contratos chamados

antigos, quais sejam os assinados antes de 02 de janeiro de 1999, data da entrada em

vigor da denominada Lei dos Planos de Saúde (Lei n.º 9.656/98), devem ser observadas

as disposições do CDC, restando vedados, por seus princípios, reajustes unilaterais,

abusivos, desproporcionais e que causem onerosidade excessiva aos consumidores.

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1.3) Da aplicação do Estatuto do Idoso aos Planos de Saúde:

O Estatuto do Idoso apresenta princípios protetivos aos cidadãos

maiores de 60 anos por reconhecer sua condição de hipossuficiência no contexto sócio-

econômico contemporâneo.

Dentre o extenso rol de garantias, encontram-se a prevenção geral

(dever do Estado e da sociedade em garantir às necessidades básicas do idoso), o

atendimento integral (direito à vida, saúde, alimentação, educação, esporte e lazer,

enquanto fatores necessários ao livre desenvolvimento da personalidade do idoso), da

garantia prioritária (primazia nas assistências sociais) e a proteção estatal (manutenção da

saúde bio-psíquica social, familiar e comunitária, através de programas de

desenvolvimento), entre outras derivadas do princípio constitucional da dignidade da

pessoa humana.

Prevê, então, a Lei n.º 10.741/03 – Estatuto do Idoso, que este, assim

considerado o cidadão com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, goza de todos os

direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe assegurado por lei ou por

outros meios todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e

mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de

liberdade e dignidade (artigos 1º e 2º).

Outrossim, é previsão expressa do Estatuto do Idoso:

Art. 15. É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos. (...)

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§ 3o É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade.

Entendem as empresas de plano de saúde, com amparo em

interpretação da própria ANS, que o Estatuto do Idoso, e em especial a vedação

prevista no parágrafo 3º do artigo 15, somente se aplicaria aos planos contratados ou

assinados após a entrada em vigor da citada lei, ou seja, somente fariam jus à proteção

do Estatuto aqueles que formalizassem o contrato após 1º de janeiro de 2004.

Todavia, é preciso lembrar que todo contrato de plano ou seguro

saúde tem vigência de 12 (doze) meses, renováveis por igual período no silêncio das

partes. Estamos, portanto, diante de um contrato de trato sucessivo, que se renova a

cada ano.

E esta renovação consiste exatamente numa nova contratação, sendo

que a partir da primeira data de aniversário do plano após a vigência do Estatuto do

Idoso, sobre o contrato deverá incidir as regras protetivas da Lei n.º 10.741/03. A cada

ano há um contrato novo, que sucede o contrato anterior, descabendo qualquer alegação

de violação ao ato jurídico perfeito.

Nesse sentido, o precedente clássico emanado do E. Superior Tribunal

de Justiça, de lavra da Ilustre Ministra Nancy Andrighi, verbis:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE EM DECORRÊNCIA DE MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA. ESTATUTO DO IDOSO. VEDADA A DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DA IDADE.

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- O Estatuto do Idoso veda a discriminação da pessoa idosa com a cobrança de valores diferenciados em razão da idade (art. 15, § 3º). - Se o implemento da idade, que confere à pessoa a condição jurídica de idosa, realizou-se sob a égide do Estatuto do Idoso, não estará o consumidor usuário do plano de saúde sujeito ao reajuste estipulado no contrato, por mudança de faixa etária. - A previsão de reajuste contida na cláusula depende de um elemento básico prescrito na lei e o contrato só poderá operar seus efeitos no tocante à majoração das mensalidades do plano de saúde, quando satisfeita a condição contratual e legal, qual seja, o implemento da idade de 60 anos. - Enquanto o contratante não atinge o patamar etário preestabelecido, os efeitos da cláusula permanecem condicionados a evento futuro e incerto, não se caracterizando o ato jurídico perfeito, tampouco se configurando o direito adquirido da empresa seguradora, qual seja, de receber os valores de acordo com o reajuste predefinido. - Apenas como reforço argumentativo, porquanto não prequestionada a matéria jurídica, ressalte-se que o art. 15 da Lei n.º 9.656/98 faculta a variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de planos de saúde em razão da idade do consumidor, desde que estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajuste incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS. No entanto, o próprio parágrafo único do aludido dispositivo legal veda tal variação para consumidores com idade superior a 60 anos. - E mesmo para os contratos celebrados anteriormente à vigência da Lei n.º 9.656/98, qualquer variação na contraprestação pecuniária para consumidores com mais de 60 anos de idade está sujeita à autorização prévia da ANS (art. 35-E da Lei n.º 9.656/98). - Sob tal encadeamento lógico, o consumidor que atingiu a idade de 60 anos, quer seja antes da vigência do Estatuto do Idoso, quer seja a partir de sua vigência (1º de janeiro de 2004), está sempre amparado contra a abusividade de reajustes das mensalidades com base exclusivamente no alçar da idade de 60 anos, pela própria proteção oferecida pela Lei dos Planos de Saúde e, ainda, por efeito reflexo da Constituição Federal que estabelece norma de defesa do idoso no art. 230.

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- A abusividade na variação das contraprestações pecuniárias deverá ser aferida em cada caso concreto, diante dos elementos que o Tribunal de origem dispuser. - Por fim, destaque-se que não se está aqui alçando o idoso a condição que o coloque à margem do sistema privado de planos de assistência à saúde, porquanto estará ele sujeito a todo o regramento emanado em lei e decorrente das estipulações em contratos que entabular, ressalvada a constatação de abusividade que, como em qualquer contrato de consumo que busca primordialmente o equilíbrio entre as partes, restará afastada por norma de ordem pública. Recurso especial não conhecido. (Recurso Especial nº 809.329 - RJ (2006/0003783-6) – Terceira Turma – Rel.Ministra Nancy Andrighi)

Na esteira do decidido pelo E. Superior Tribunal de Justiça, não há

que se falar em ato jurídico perfeito, já que as cláusulas de reajuste estavam sob

condição, ou seja, dependem da ocorrência de evento futuro e incerto, qual seja, o

contratante aderente efetivamente completar a idade de 60.

Assim, não há falar em não-incidência do Estatuto do Idoso quando,

por ocasião da firma do contrato, o consumidor não ainda detém a condição de idoso.

Ora, implementar a idade é condição, sujeita a evento futuro e incerto.

Portanto, há de se aferir tal condição quando do efetivo advento da idade.

Aliás, mesmo que a edição do Estatuto do Idoso tenha se dado em

2003, tem a pretensão ora exposta, além do amparo legal no Código de Proteção e Defesa

do Consumidor, como supra referido, sustentação constitucional, haja vista a previsão do

artigo 230 da Constituição Federal de 1988.

Diz o art. 230 da Carta Política:

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Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

Ao proteger-se o idoso contra abusivos aumentos no custeio de plano

de saúde, aplicados de forma discriminatória em razão da idade, estar-se-á tutelando a sua

dignidade, em prestígio à vida e à pessoa humana.

Nesta senda, cumpre alertar que abusivos são os aumentos havidos

em razão da alteração da faixa etária não apenas quando o cidadão atinge 60 anos, mas

também quando está prestes a ser enquadrado na condição de idoso, na acepção legal

da palavra.

A decisão do STJ, ora invocada como precedente, é angular, pois veda

o aumento abusivo, mesmo antes dos 60 anos de idade, seja pelo Estatuto do Idoso, seja

pelo Código de Defesa do Consumidor, que lhe é anterior, seja por efeito reflexo da

Constituição Federal, que lhe é anterior e estabelece norma de defesa do idoso no

citado artigo 230.

Ocorre que a requerida, com a finalidade de escapar da vedação

contida no artigo 15, § 3º do Estatuto do Idoso, aplica reajustes para aqueles que

estão na iminência de completar 60 anos. Tal prática configura verdadeira burla à

lei, pretendendo as operadoras de planos de saúde “compensarem” o lucro que

entendem que deixarão de auferir dali a pouquíssimos anos.

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Nesse sentido, sensibilizado o julgador pátrio, recentemente,

reconheceu a nulidade de cláusula de reajuste aplicado quando a parte autora completou

56 anos de idade. Segue a ementa ilustrativa:

PLANO DE SAÚDE. MAJORAÇÃO DA CONTRAPRESTAÇÃO EM RAZÃO DA ALTERAÇÃO DE FAIXA ETÁRIA. ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA. Configuram-se abusivas as cláusulas de plano de saúde que estabeleçam majoração acentuada das contraprestações pecuniárias em função da idade, sendo nulas de pleno direito. Caso em que, ainda que admissível o reajuste com base nas condições gerais do contrato, duvidosa seria a aplicação, já que não há previsão contratual expressa e clara ao consumidor acerca do percentual exato do reajuste, mas apenas a previsão de reajuste em decorrência da mudança de faixa etária. Reajuste que inviabiliza a permanência do segurado no plano de saúde contratado. Recurso desprovido. Unânime. (Recurso Cível Nº 71001673284, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: João Pedro Cavalli Junior, Julgado em 17/07/2008)

Outrossim, é sólido o entendimento jurisprudencial pela aplicação

imediata do Estatuto do Idoso aos planos de saúde vigentes mesmo antes de sua entrada

em vigor, senão vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE DA MENSALIDADE EM FUNÇÃO DA FAIXA ETÁRIA. ABUSIVIDADE. APLICABILIDADE DO ESTATUTO DO IDOSO E DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Do agravo retido 1. Não prospera o argumento de que a autora não requereu o que restou determinado no despacho, pois pleiteou expressamente a consignação de valores, embora não nos mesmos moldes do deferido pelo magistrado, pois este formou sua convicção de forma diversa. Mérito do presente recurso 2. Os planos ou seguros de saúde estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor, enquanto relação de consumo atinente ao mercado de prestação de serviços médicos. Isto é o que se extrai da interpretação literal do art. 35 da Lei 9.656/98. 3. O objeto do litígio é o reconhecimento da onerosidade da cláusula que determina um acréscimo de 156% na

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mensalidade exigida após o segurado completar 60 anos, com pedido inicial de reajuste no percentual de 11,69% de forma a tornar equânime a relação contratual havida entre as partes. 4. A cláusula contratual que determina o acréscimo na mensalidade, não indica os critérios utilizados para determinar o reajuste em valor tão vultoso, aumento que se implementou em apenas um mês, rompendo com o equilíbrio contratual, princípio elementar das relações de consumo, a teor do que estabelece o artigo 4º, inciso III, do CDC, inviabilizando a continuidade dos contratos a segurados nessa faixa etária. 5. O consumidor tem o direito de prever qual será a amplitude do aumento dos preços, que deve ser realizado de forma eqüitativa entre os contraentes, em especial nos contratos de prestações sucessivas, como é o caso dos autos. Nessa seara, com base no artigo 51, incisos IV, X e XV, § 1º, do CDC, reconhece-se a inadequação do aumento da mensalidade por implemento de idade. 6. Aplicabilidade da lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), norma de ordem pública e aplicação imediata, em especial porque a externalização do contido na cláusula de majoração da mensalidade ocorreu dentro da sua vigência. Negado provimento ao apelo e ao agravo retido. (Apelação Cível Nº 70024022683, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 16/07/2008)

2) DAS PECULIARIDADES DOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE

Como se sabe, os contratos de plano de saúde são pactos

absolutamente especializados, que não atendem diretamente à principiologia contratual

clássica,7 exatamente porque possuem características essenciais e peculiaridades que

merecem ser destacadas.

7 Interessante paradigma teórico se encontra nos modelos contratuais propostos por Ian Macneil. Salienta o doutrinador norte-americano que no modelo clássico o contrato possui como características a descontinuidade (atos contratuais independentes e autônomos), a impessoalidade (transação definida sem quantificar a qualidade das partes), a presentificação (contrato planeja no presente todos comportamentos futuros) e o individualismo (conduta egoísta e antagônica dos contratantes, visando a obtenção da maior vantagem econômica possível). Já o chamado modelo relacional, em que se enconra inserto os contrato de longa duração como o dos planos de saúde, detém como peculiaridades as transações contínuas, a abertura (mutabilidade de parâmetros contratuais), a procedimentalidade ou desmaterialização do objeto (pacto se limita a estabelecer processos institucionais pelos quais os termos de trocas e ajustes serão especificados no curso do cumprimento contratual), a alta exigência de relações primárias e a cooperação e solidariedade (contrato estabelece processos de cooperação

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Primeiro tem-se a longa duração do contrato, pois a relação contratual

do consumidor com o fornecedor se alonga no tempo por décadas. O tempo na

contratação atinente aos planos de saúde não é somente desejado pelas partes, mas

essencial ao cumprimento das obrigações, pois o interesse do credor/consumidor não é

satisfeito senão com uma prestação continuada e reiterada no tempo.

Segundo, verifica-se a formação de uma verdadeira rede contratual8 –

atuação em rede entre mantenedora do plano, estabelecimentos de saúde e médicos

conveniados, e consumidor –, que possui como causa sistemática ou supracontratual da

pactuação a manutenção das relações econômicas conexas que permitem a manutenção

do fornecimento do produto e o seu consumo. Essa situação de conexidade contratual

atende aos interesses dos dois pólos da relação jurídica, pois a união de contratos é um

interorganizacional na atividade comercial). MACNEIL, Ian. The Relational Theory os Contract: selected works of Ian Macneil. Londres: Sweet & Maxwell, 2001; MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Contratos Relacionais e Direito do Consumidor. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 105-107, 116-117 e 125-131; LORENZETTI, Ricardo Luis. Esquema de uma Teoria Sistemica del Contrato. Revista de Direito do Consumidor. n. 33, São Paulo: Revista dos Tribunais, jan/mar 2000, p. 68-69; LORENZETTI, Ricardo Luis. Redes Contractuales: conceptualización jurídica, relaciones internas de colaboracion, efectos frente a terceiros. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS. n. 16, Porto Alegre: Síntese, p. 171-202, 1999 e Revista de Direito do Consumidor, n. 28, out-dez 1998, p. 24-28 e LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de los Contratos. t. 1, Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 1999, p. 45-46. 8 Nos chamados contratos coligados ou conexos há a união de pactos estruturalmente diferenciados e que mantém suas individualidades estruturais, a qual se dá em razão da existência de um nexo (econômico, funcional, institucional e/ou sistemático) entre os mesmos, o que, em uma perspectiva socioeconômica, diz com o reconhecimento de que todos os contratos engendram uma mesma operação econômica ou processo de produção. Já na redes de contratos se configura a coordenação sistemática de contratos coligados ou conexos, visando organizar cadeias de produção ou de fornecimento de produtos e serviços ao consumidor, fulcrada na cooperação que visa baixar custos, diminuir riscos e aumentar a eficiência (produtiva e de vendas) das partes contratantes, o que se constitui na causa sistemática ou supracontratual da pactuação (LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 198; LORENZETTI, Ricardo Luis. Esquema de uma Teoria Sistemica del Contrato. Revista de Direito do Consumidor. n. 33, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 51-77, jan/mar 2000, p. 68-69; MOSSET ITURRASPE, Jorge. Contratos Conexos: grupos y redes de contratos. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 1999, p. 45; MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 93-94; LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes Contratuais no Mercado Habitacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 97, 104, 127 e 136; ENEI, José Virgílio Lopes. Contratos Coligados. Revista de Direito Mercantil: industrial, econômico e financeiro. São Paulo: Malheiros, n. 132, out-dez, 2003, p. 122).

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meio para a satisfação de interesses que não poderiam ser realizados, na conformidade

desejada pelas partes, através das figuras típicas existentes.9

O terceiro tópico que merece destaque é o fato de os contratos de

planos de saúde serem pactos cujo objeto possui um enorme grau de essencialidade à

vida humana. Ao instituir o chamado paradigma da essencialidade, refere TERESA

NEGREIROS que cabe ao intérprete diferenciar os pactos que contenham interesses

extrapatrimoniais (por exemplo, garantia à saúde) daqueles em que as obrigações

assumidas sirvam unicamente para a satisfação de interesses patrimoniais (distinguindo

ainda as situações patrimoniais qualificadas em função da utilização existencial do bem

contratado), aumentando a intervenção legislativa (interferências estatais na autonomia

privada e no domínio econômico) e judicial, conforme o grau de utilidade existencial

atribuído ao bem contratado, o qual é enorme no caso das contratações de planos de

saúde.10

Em razão dos fatores antes mencionados, o quarto fator a ser

destacado é a existência de um alto grau de dependência e catividade do consumidor

9 No que tange aos interesses dos fornecedores, tanto em suas relações internas quanto nas relações com os consumidores, a contratação com conexidade está embasada na cooperação que visa baixar custos, diminuir riscos e aumentar a eficiência (produtiva e de vendas), em um mercado marcado pela competitividade e especialização dos agentes econômicos. Sob o prisma dos consumidores, é inegável que esta espécie de contratação lhes concede vantagens, eis que obtém melhores financiamentos, compram o bem mais barato, com menos custo de informação e com menor risco. Conforme acentua RICARDO LORENZETTI, os consumidores “compram el bien más barato porque hay costos que se prorratean entre el grupo, obtienem mejores financiaciones porque representam um volúmen económico más interesante para el financista, y muchas otras ventajas” (LORENZETTI, Ricardo Luis. Redes Contractuales: conceptualización jurídica, relaciones internas de colaboracion, efectos frente a terceiros. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS. n. 16, Porto Alegre: Síntese, p. 171-202, 1999 e Revista de Direito do Consumidor, n. 28, out-dez, 1998, p. 23; LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de los Contratos. t. 1, Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 1999, p. 44; LORENZETTI, Ricardo Luis. Esquema de uma Teoria Sistemica del Contrato. Revista de Direito do Consumidor. n. 33, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 51-77, jan/mar 2000, p. 70). Ademais, em diversas situações apenas a diluição de custos e riscos entre o grupo permite a comercialização de determinado produto, como ocorre no caso dos planos de saúde. 10 NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

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para com a mantenedora do plano de saúde,11 a qual se mostra potencializada no caso do

consumidor idoso.

Se este novo direito dos contratos de longa duração e das redes

contratuais nasce da especialização das tarefas produtivas que impõe uma racionalização

da empresa e da lógica econômica – fulcrada na cooperação que visa baixar custos,

diminuir riscos e aumentar a eficiência (produtiva e de vendas) das partes contratantes –,

é certo que representa enorme risco de imprevisibilidade, dominação e vulnerabilidade.

O leitmotiv dessa nova modalidade contratual, condutora da catividade

do hiposuficiente e da manutenção da longa duração dos pactos, é a promessa da

construção de algo futuro, que surge agregada a valores como segurança, confiança e

tranqüilidade. A constatação destes novos parâmetros de vulnerabilidade importa na

necessidade de se verificar, pormenorizadamente, a dinâmica de cumprimento e

modificação das prestações no curso da execução do contrato, com as peculiaridades

próprias ao contexto ora tratado.

Mister se faz destacar que a catividade no caso dos planos de saúde

advém de uma série de fatores, tais como a essencialidade do objeto do contrato, as

circunstâncias pessoais dos agentes, as falhas de mercado (ex. falta de informação), a

complexidade das relações contratuais, a longa duração dos pactos e os desequilíbrios

de poder internos da rede de contratos.12

11 XAVIER, José Tadeu Neves. Reflexões sobre os Contratos Cativos de Longa Duração. Revista da AJURIS, n. 95, p. 137-159, set. 2004, p. 142-143. 12 LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de los Contratos. t. 1, Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 1999, p. 74-76 e 80.

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Como visto, nos contratos de plano de saúde o tempo não é somente

desejado pelas partes, mas essencial ao cumprimento das obrigações, pois o interesse do

credor não é satisfeito senão com uma prestação continuada e reiterada no tempo.

Contudo, o aumento da importância do fator tempo, principalmente

atinente ao planejamento futuro no contrato relacional, pode representar enorme risco de

imprevisibilidade, dominação e vulnerabilidade do consumidor, sendo que esta noção de

catividade ou dependência deve ser entendida no contexto atual, de indução ao consumo

através de publicidade massiva e agressiva e de insegurança quanto ao futuro.13

Este aprisionamento gera a enorme dependência do consumidor na

manutenção do contrato, tanto que para isso aceitará facilmente as novas imposições do

fornecedor e as resoluções de outros participantes da rede, sob pena de ver frustradas

todas as suas legítimas expectativas.14 Nesse contexto sobressai o poder unilateral do

fornecedor, que diz com a sua capacidade de subjugar o consumidor sem o seu

consentimento, impondo cláusulas e diretrizes contratuais perfectibilizadoras de sua

vontade.

No caso dos contratos de longa duração, as modificações contratuais

devem levar em conta não somente a causa contratual, mas também a causa sistemática.15

13 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 79. 14 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 90; LORENZETTI, Ricardo Luis. Redes Contractuales: conceptualización jurídica, relaciones internas de colaboracion, efectos frente a terceiros. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS. n. 16, Porto Alegre: Síntese, p. 171-202, 1999 e Revista de Direito do Consumidor, n. 28, out-dez, 1998, p. 26. 15 A supremacia da causa sistemática influi, inclusive, na interpretação dos pactos. Nesse sentido a regra do art. 1.030, do anteprojeto do NOVO CÓDIGO CIVIL argentino, elaborado pela comissão criada pelo Decreto n.º 685/95: “Artículo 1.030. Grupos de Contratos. Los contratos que están vinculados entre si por haber sido celebrados em cumplimiento del programa de uma operación económica global son interpretados los unos por medio de los otros, y atribuyéndoles el sentido apropiado al conjunto de la operación.” (LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de los Contratos. t. 1, Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni,

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A comutatividade dos vínculos de larga duração deve ser interpretada mediante uma

perspectiva relacional e dinâmica,16 o que na espécie diz com a quantificação de que os

idosos já contribuíram durante anos com o plano de saúde antes de efetivamente fazerem

uso dos mesmos quando de sua velhice.

Salienta RICARDO LORENZETTI que as mantenedoras de redes

contratuais trabalham a assunção de riscos através de cálculos probabilísticos, onde

quantificam os ganhos, os custos e as possibilidades de diluição dos encargos entre os

participantes. O risco da empresa estaria em fazer bem ou mal este cálculo, podendo

diminuí-lo ou aumentá-lo conforme a diversificação de suas atividades e sua eficiência

corporativa, mas não podendo simplesmente transladá-los aos consumidores

(principalmente os idosos), pois isso afeta o equilíbrio sistemático.17 Assim, no caso dos

planos de saúde, descabe a modificação unilateral do preço no período em que o

consumidor se enferma, o que ocorre com mais freqüência na velhice.

O que aqui se quer delinear é que o fato de o consumidor atingir 60

anos não afeta de maneira alguma o equilíbrio atuarial do plano de saúde, sendo a

majoração da mensalidade abusiva sob o ponto de vista legal (art. 15, § 3º, da Lei

10.741/03), contábil e ético.

A rede de contratos requer uma inter-relação econômica e técnica,

estabelecida no momento genético, que deve ser mantida para o seu funcionamento,

1999, p. 63 e ENEI, José Virgílio Lopes. Contratos Coligados. Revista de Direito Mercantil: industrial, econômico e financeiro. São Paulo: Malheiros, n. 132, p. 111-128, out-dez, 2003, p. 126). Ademais, cabe mencionar as conclusões da COMISSÃO III da VI JORNADAS NACIONAL DE DERECHO CIVIL (ARGENTINA): “Interpretación: Los contratos conexos deben ser interpretados en función de la operación económica que persiguen” (LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de los Contratos. t. 1, Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 1999, p. 54-55). 16 LORENZETTI, Ricardo Luis. Esquema de uma Teoria Sistemica del Contrato. Revista de Direito do Consumidor. n. 33, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 51-77, jan/mar 2000, p. 68. 17 LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de los Contratos. t. 1, Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 1999, p. 72.

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conformando o equilíbrio objetivo com a causa sistemática. Nesse sentido, é

incompatível com essa finalidade supra-contratual a imputação de cargas excessivas nas

mensalidades dos idosos, quando nesta fase da vida deveriam ser protegidos em razão de

sua hipossuficiência. Os ônus da elevação dos custos devem ser diluídas entre os

partícipes, como é comumentemente feito pela operadoras. O que não se pode permitir é

que estas se utilizem de parâmetros discriminatórios (idade dos idosos) para a aferição

deste equilíbrio atuarial.

Ademais, nesta espécie contratual há, normalmente, um período de

carência de serviços, onde o consumidor paga, mas não recebe nada e, levando em conta

o rigor dos estudos de admissão (ex. um consumidor doente somente seria admitido a um

preço maior), no período subseqüente à contratação é habitual que o aderente não gere

grandes gastos ao grupo, sendo estes os períodos de maior rentabilidade da empresa.

Passado um longo período, a tendência se inverte, pois a empresa tende a passar a gastar

com o aderente mais do que recebe deste18. É neste período que descabe à operadora

transladar seus custos diretamente aos idosos, fator teleológico que motivou a edição do

artigo 15, § 3º, da Lei n.º 10.741/03.

Como se sabe, a diluição dos gastos do plano se dá através de três

maneiras, que devem ser quantificadas pelo mantenedor da rede através de cálculos

atuariais: (1) compensação com o que foi recebido do consumidor durante a carência e no

período em que não se mostrava enfermo; (2) difusão dos custos com os demais

participantes do grupo (compensação entre os sãos e os enfermos); (3) incremento regular

das prestações através de novos integrantes/consumidores na rede.

18 LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de los Contratos. t. 1, Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 1999, p. 68-69.

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Nos contratos de duração a correspectividade das prestações deve ser

analisada durante todo o tempo do contrato, pois uma análise bilateral de cada momento

levaria a conclusão de que não há prestações recíprocas: no primeiro momento o

consumidor paga e nada recebe; posteriormente recebe mais do que paga. Nesse sentido,

resta desqualificado o argumento utilizado pelas fornecedoras de plano de saúde que,

pretendendo demonstrar a onerosidade de sua atividade, analisam apenas os custos

presentes da relação quando o consumidor é idoso e demanda o uso efetivo do plano

contratado.

CLÁUDIA LIMA MARQUES, valendo-se dos ensinamentos de

Schwabe, afirma ser o contrato um verdadeiro “ponto de encontro dos direitos

fundamentais”, defendendo que “a nova concepção mais social do contrato o

visualizaria – ou revisitaria – como uma instituição jurídica flexível, que é hoje ponto de

encontro de direitos constitucionais dos sujeitos envolvidos”19.

Tanto na relação fornecedor-consumidor quanto na dinâmica

empresarial, o contrato deve ser fonte de engrandecimento pessoal e da consecução de

finalidades comuns às partes, não sendo admissível que se constitua num cativeiro

invisível20 que aprisiona o hipossuficiente técnico, econômico, social e/ou cultural,

asfixiando, em muitos casos, sua dignidade e liberdade pessoal.

3) DA ANTINOMIA ENTRE AS NORMAS: Prevalência da vedação do art. 15, § 3º, da Lei n.º 10.741/03 – ESTATUTO DO IDOSO

O deslinde do objeto da presente demanda depende da resolução de

uma clara antinomia jurídica.

19 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 210-211. 20 XAVIER, José Tadeu Neves. Reflexões sobre os Contratos Cativos de Longa Duração. Revista da AJURIS, n. 95, p. 137-159, set. 2004, p. 157.

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Ocorre que o sistema jurídico nacional encontra um verdadeiro

paradoxo normativo na relação dos dispositivos da Lei n.º 9.656/98, da Resolução n.º

06/98 do CONSU e da Resolução Normativa n.º 63/03 da ANS, que permitem o aumento

dos valores dos planos de saúde por faixas etárias aos idosos, com a norma do art. 15, §

3º, da Lei 10.741/03, que veda a discriminação do idoso nos planos de saúde pela

cobrança de valores diferenciados em razão da idade.

A questão das contradições dos elementos normativos é ponto

fundamental dentro da teoria do sistema jurídico,21 que não tolera nem se compadece com

a existência de antinomias jurídicas, pois a ocorrência das mesmas coloca em risco a

funcionalidade do sistema, não permitindo que o mesmo cumpra com seus desideratos de

ordem interna e adequação axiológica.

NORBERTO BOBBIO define antinomia jurídica como sendo “aquela

situação que se verifica entre duas normas incompatíveis, pertencentes ao mesmo

ordenamento e tendo o mesmo âmbito de validade.”22 Por sua vez, JUAREZ FREITAS

entende que as antinomias são “incompatibilidades possíveis ou instauradas entre

regras, valores ou princípios jurídicos, pertencentes validamente ao mesmo sistema

jurídico, tendo de ser vencidas para a preservação da unidade e coerência do sistema

positivo e para que se alcance a máxima efetividade da pluralista teleologia

constitucional.”23

21 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. Lisboa: Calouste, 1989, p. 206; ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 88-89, 92 e 161. 22 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10 ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1997, p. 88. 23 FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 91.

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Conforme a melhor doutrina, as antinomias comportam três espécies

distintas, conforme o grau de extensão do contraste entre as duas normas contraditórias.

Primeiro, se configurará a antinomia total-total quando as normas têm

idêntico âmbito de validade (temporal, espacial, pessoal e material). Nessa hipótese não

haverá nenhum caso em que uma das duas normas possa ser aplicada sem entrar em

conflito com a outra.24

Segundo, existirá a antinomia parcial-parcial quando as duas normas

incompatíveis tem âmbitos de validade em parte igual e em parte diferente, subsistindo a

contradição somente para a parte comum. Nesse caso haverá um campo de aplicação no

qual o conflito não existe.

Terceiro, se evidencia a antinomia total-parcial quando, das duas

normas incompatíveis, uma tem um âmbito de validade igual ao da outra, porém mais

restrito.

Este é o caso do conflito normativo em exame, pois a Lei n.º 9.656/98,

a Resolução n.º 06/98 do CONSU e a Resolução Normativa n.º 63/03 da ANS

normatizam de forma geral o reajuste pela faixa etária dos planos de saúde, enquanto o

art. 15, § 3º, da Lei 10.741/03 regula de forma especial e, portanto, mais restritamente a

mesma matéria, tendo como âmbito de validade apenas o reajuste pela faixa etária nos

contratos de planos de saúde firmados com idosos.

Assim, enquanto a Lei n.º 10.741/03 não pode ser aplicada sem entrar

em conflito com a Lei n.º 9.656/98, a Resolução n.º 06/98 do CONSU e a Resolução

24 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10 ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1997, p. 88.

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Normativa n.º 63/03 da ANS, estas diretrizes normativas tem uma esfera de aplicação em

que não entram em conflito com o Estatuto do Idoso, pois quando não se tratar de regular

o reajuste pela faixa etária de idoso, não haverá contradição.

Definida a antinomia em questão, saliente-se que no curso da secular

obra de interpretação das leis, a doutrina e a jurisprudência elaboraram algumas regras

para a solução das antinomias, as quais, estando hierarquicamente dispostas, são

comumente aceitas.

O primeiro critério interpretativo é o cronológico,25 expresso no

brocardo lex posterior derogat legi priori. Acolhendo a idéia de progresso e

desenvolvimento do Direito,26 este instrumento exegético estabelece que a norma

posterior, em rota de conflito, há de preponderar sobre a anterior. Neste sentido é a exata

lição de KARL LARENZ, o qual argumenta que “se uma das normas jurídicas é anterior

no tempo à outra, a mais antiga cede à mais recente, uma vez que deve aceitar que o

legislador, ao estabelecer uma nova norma, quis abolir uma regra mais antiga em

contrário.”27

Na espécie, é facilmente perceptível que a Lei n.º 10.741/03, na

condição de norma posterior, deve preponderar sobre a Lei n.º 9.656/98, a Resolução n.º

06/98 do CONSU e a Resolução Normativa n.º 63/03 da ANS.

25 FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 94 e 104. 26 Comentando o critério cronológico, salienta Bobbio que “existe uma regra geral no Direito em que a vontade posterior revoga a precedente, e que de dois atos de vontade da mesma pessoa vale o último no tempo, Imagine-se a Lei como expressão da vontade do legislador e não haverá dificuldade em justificar a regra.” BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10 ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1997, p. 93. 27 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 2. ed. Lisboa: Calouste, 1989, p. 318.

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Nesse sentido, dispõe o art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código

Civil, que a “lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando

seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a

anterior”, o que torna o Estatuto do Idoso eficaz legal e socialmente em face das outras

disposições supramencionadas.

O segundo parâmetro hermenêutico, superior ao acima delineado, é o

chamado critério da especialidade,28 consagrado na máxima lex specialis derogat

generali. Esta disposição deôntica determina que, em caso de contradição, deve

prevalecer a lei especial em detrimento da geral, por força da racional exigência da

eqüidade, presumida na especialização do texto normativo.29 A observância a esta regra

hermenêutica representa um momento imprescindível no desenvolvimento de um

ordenamento, conforme sustenta NORBERTO BOBBIO:

A passagem de uma regra mais extensa (que abrange um certo genus) para uma regra derrogatória menos extensa (que abrange uma species do genus) corresponde a uma exigência fundamental de justiça, compreendida como tratamento igual das pessoas que pertencem à mesma categoria. A passagem da regra geral à regra especial corresponde a um processo natural de diferenciação das categorias, e a uma descoberta gradual, por parte do legislador, dessa diferenciação. Verificada ou descoberta a diferenciação, a persistência na regra geral importaria no tratamento igual de pessoas que pertencem a categorias diferentes, e, portanto, numa injustiça. Nesse processo de gradual especialização, operado através de leis especiais, encontramos uma das regras fundamentais da justiça, que é a do suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu).30

28 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10 ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1997, p. 108. 29 FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 98. 30 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10 ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1997, p. 96.

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No caso concreto, onde se debate a vedação do reajuste pela faixa

etária nos contratos mantidos com idosos, a Lei n.º 10.741/03 prepondera sobre a Lei n.º

9.656/98, sobre a Resolução n.º 06/98 do CONSU e sobre a Resolução Normativa n.º

63/03 da ANS, pelo simples fato de ser norma especial com relação as demais

legislações. Saliente-se que se todas as normas contém disposições acerca da cobrança de

valores de planos de saúde, apenas a Lei n.º 10.741/03 se refere à aplicação destas

disposições contratuais aos idosos, o que denota com clareza seu grau de especialidade.

Já o terceiro critério, superior aos supramencionados, é o

hierárquico,31 que encontra seu fundamento no axioma lex superior derogat inferior.

Seguindo-se este regramento, em caso de colisão deve preponderar a norma de escalão

superior, o que atende tanto às questões de hierarquia e unidade interna do sistema,

quanto à forma do processo legislativo, que não raras vezes prevê quorum e votação

qualificados para a aprovação de certas diretrizes legislativas. NORBERTO BOBBIO

aduz não possuir qualquer dificuldade em compreender a razão do critério ora em exame:

(...) as normas superiores podem revogar as inferiores, mas as inferiores não podem revogar as superiores. A inferioridade de uma norma em relação a outra consiste na menor força de seu poder normativo; essa menor força se manifesta justamente na incapacidade de estabelecer uma regulamentação que esteja em oposição à regulamentação de uma norma hierarquicamente superior.32

Analisando este parâmetro, de frisar, inicialmente, que é incontroversa

a prevalência hierárquica da Lei n.º 10.741/03 em relação à Resolução n.º 06/98 do

CONSU e a Resolução Normativa n.º 63/03 da ANS, pois não se poderia pretender que

resoluções emanadas de órgãos administrativos se sobreponham à uma Lei discutida,

31 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10 ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1997, p. 109. 32 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10 ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1997, p. 93.

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votada e aprovada pelo Congresso Nacional, conforme o processo legislativo

constitucionalmente estabelecido.

Acerca da relação existente entre a Lei n.º 10.741/03 e a Lei n.º

9.656/98, cabe novamente salientar, como já feito acima, que a proteção aos idosos

possui matriz constitucional, nos termos do artigo 230, da Constituição Federal.

Assim, a origem constitucional da Lei n.º 10.741/03 demanda a

superior hierarquia da proteção ao idoso, instaurando um novo limite à livre iniciativa

dos operadores de planos privados de assistência à saúde.

Ademais, a Lei n.º 10.741/03 atende a preceitos de ordem moral e

sócio-econômicos que transcendem à esfera jurídica. Ocorre que a proteção aos idosos,

legalmente considerados como cidadãos hiposuficientes, aqui consubstanciada na regra

do art. 15, § 3º, é uma norma de sobredireito, e que, portanto, possui hierarquia superior

àquelas estabelecidas na Lei dos Planos de Saúde – n.º 9.656/98.

Assim sendo, como se não bastasse o caráter temporal e da

especialidade, também o critério hierárquico impinge a prevalência aplicativa do Estatuto

do Idoso ao caso em exame.

Contudo, mesmo que se entenda inexistir superioridade do Estatuto do

Idoso em relação à Lei dos Planos de Saúde, por serem ambas leis ordinárias – o que se

refere somente a título argumentativo –, cabe salientar que prevalece o Estatuto do Idoso

pela aplicação dos parâmetros anteriormente analisados.

JUAREZ FREITAS suscita a existência de um quarto operador

deôntico capaz de solver antinomias, por ele denominado de princípio da hierarquização

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axiológica, definido como sendo “o metacritério que indica, inclusive em face de

antinomias no plano dos critérios, a prevalência do princípio hierarquicamente superior,

mesmo no conflito especifico entre regras, visando-se a impedir a autocontradição do

sistema e resguardando a unidade sintética de seus múltiplos comandos.”33

Também pela aplicação deste vetor hermenêutico deve prevalecer a

Lei n.º 10.741/03, por ser esta a disposição normativa que resguarda com plenitude os

valores constitucionalmente assegurados, que no caso dizem com a proteção do idoso

enquanto cidadão amplamente hipossuficiente.

Assim sendo, através da aplicação de todos os parâmetros

exegéticos analisados (cronológico, especialidade, hierarquia e hierarquização

axiológica) conclui-se que prevalece a vedação do art. 15, § 3º, da Lei 10.741/03, com

relação ao permissivo legal para o reajuste pela faixa etária disposto na Lei n.º

09.656/98, na Resolução n.º 06/98 do CONSU e na Resolução Normativa n.º 63/03 da

ANS.

Em sendo prevalente a redação do art. 15, § 3º, da Lei n.º 10.741/03,

incide na espécie o disposto no art. 39, inciso X, e art. 51, incisos IV, X e XV, todos do

Código de Defesa e Proteção do Consumidor.

Desta feita, sendo vedada a discriminação do idoso nos planos de

saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade, deve ser considerada

abusiva a prática da fornecedora de plano de saúde e a disposição contratual permissiva

da alteração da mensalidade pelo atingimento de faixa etária protegida pelo Estatuto do

Idoso.

33 FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 114.

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33

Especialmente no que se refere aos contratos antigos de plano de

saúde, deve-se inicialmente verificar que se está tratando de um confronto de uma norma

de natureza pública, interesse público e caráter cogente, com determinadas cláusulas

contratuais.

Não se pode recair no sofisma de que o conflito se daria entre a Lei n.º

10.741/03 e a Lei n.º 9.656/98, pois em verdade são os contratos a fonte permissiva do

reajuste pela faixa etária. A Lei n.º 9.656/98 apenas ampara esta pretensão, visto que a

correção pela mudança de faixa etária não é decorrência lógica da lei, mas sim do

contrato. Esta questão é facilmente comprovada pelo fato de que, mesmo na vigência da

Lei n.º 9.656/98, seria vedado reajuste não previsto contratualmente.

Nesse contexto, tornar-se-ia tecnicamente insubsistente a pretensão de

que uma disposição contratual privada prevaleça sobre uma norma de natureza pública,

interesse público e caráter cogente.

Como se não bastassem estas considerações, deve-se atentar que a Lei

n.º 10.741/03, como antes frisado, atende a preceitos de ordem moral e sócio-econômicos

que transcendem à esfera jurídica. A proteção aos idosos consubstanciada na regra do art.

15, § 3º, é uma norma de sobredireito, e nessa condição possui hierarquia superior as

normas contratuais amparadas pelo permissivo da Lei dos Planos de Saúde.

4) DO DANO MORAL COLETIVO:

Como se sabe, a partir do paradigma da Carta Constitucional de 1988

(art. 5º, V) tornou-se incontroverso que no sistema brasileiro existem duas esferas de

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reparação, atinentes à proteção dos danos patrimoniais e morais, esferas tecnicamente

independentes, muito embora possam derivar de uma fonte material comum.

Na espécie, para além dos danos materiais sofridos pelos

consumidores tutelados por esta demanda, se configura claramente um dano moral

coletivo passível de ser indenizado, nos termos do art. 6º, incisos VI e VII, do CDC, que

elenca a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, no plano

individual e coletivo, como direito básico do consumidor, verbis:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...)

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

Como se não bastasse essa disposição, a pretensão ainda encontra

embasamento no art. 1º, inciso II, da Lei 7.347/85:

Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (...)

II - ao consumidor;

O dano moral coletivo surge do alargamento da conceituação do dano

moral individual. Conforme preleciona André de Carvalho Ramos,34 “com a aceitação

da reparabilidade do dano moral em face de entes diversos das pessoas físicas, verifica-

se a possibilidade de sua extensão ao campo dos chamados interesses difusos e

coletivos.”

34 RAMOS, André de Carvalho. Ação Civil Pública e o Dano Moral Coletivo. In Revista de Direito do Consumidor. N. 25. São Paulo: Revista dos Tribunais, jan.-mar. 1998, p. 82.

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Já Carlos Alberto Bittar Filho35 define o dano moral coletivo como

sendo “a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação

antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos”, referindo ainda que

“quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o

patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente

considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista

jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu

aspecto imaterial.”

Nesse contexto conceitual e legal, a doutrina e a jurisprudência já

pacificaram entendimento quanto a duas questões imprescindíveis ao tema ora em exame.

Primeiro, que a configuração do dano moral coletivo se dá in re ipsa,

ou seja, a ofensa é presumida e deriva da própria repercussão do dano praticado pelo

requerido. In casu, a espoliação sofrida pelos consumidores afeta o psiquismo coletivo,

sendo desnecessária a averiguação da efetiva ocorrência de dano na esfera moral de cada

indivíduo, na medida em que a prática abusiva alcançou uma coletividade de pessoas em

sua vulnerabilidade.

Segundo, que a prática comercial abusiva concretizada pelo requerido,

por ofender diversas leis públicas e cogentes, transcende o mero dissabor dos transtornos

cotidianos, configurando efetivo dano moral.

Saliente-se que a ofensa de ordem moral e psicológica não deve

restringir-se ao sofrimento ou à dor pessoal, pois o instituto compreende a modificação

35 BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do Dano Moral Coletivo no Atual Contexto Jurídico Brasileiro. In Revista de Direito do Consumidor. N. 12. São Paulo: Revista dos Tribunais, out.-dez. 1994, p. 55.

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“desvaliosa” do espírito coletivo, sendo aplicável, portanto, a qualquer violação aos

valores fundamentais compartilhados pela coletividade.

Assim, toda vez que se vislumbrar a ofensa a interesse moral de uma

coletividade, estará configurado dano moral passível de reparação, abrangendo não só o

abalo, a repulsa, a indignação, mas também a diminuição da estima infligida e apreendida

em dimensão coletiva, entre outros efeitos lesivos.

O manejo da tutela coletiva por meio desta demanda caracteriza a

transcendência do dano moral experimentado pela coletividade tutelada, ora representada

pela DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, afastando a

concepção individualista característica da responsabilidade civil e assumindo uma visão

mais moderna e sociável da tutela de interesses, destinada a preservação dos valores

coletivos, o que na espécie diz com a vedação da cobrança indevida pela taxa de emissão

de boleto bancário.

André de Carvalho Ramos36 expõe que “o ponto chave para a

aceitação do chamado dano moral coletivo está na ampliação de seu conceito, deixando

de ser o dano moral um equivalente da dor psíquica, que seria exclusividade de pessoas

físicas.” O autor ainda argumenta que qualquer abalo no patrimônio moral de uma

coletividade merece reparação, nos seguintes termos:

Devemos ainda considerar que o tratamento transindividual aos chamados interesses difusos e coletivos origina-se justamente da importância destes interesses e da necessidade de uma efetiva tutela jurídica. Ora, tal importância somente reforça a necessidade de aceitação do dano moral coletivo, já que a dor psíquica que alicerçou a teoria do dano moral individual acaba cedendo lugar, no caso do dano moral coletivo, a um sentimento de desapreço e de perda de valores essenciais que afetam negativamente toda uma coletividade.

36 RAMOS, André de Carvalho. Direitos Humanos em Juízo, p. 62.

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Nesse sentido o entendimento do E. TJRS, exemplificativamente

delineado no recente julgado abaixo colacionado:

AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. BRASIL TELECOM. (...) 2. DANO MORAL COLETIVO: Os danos morais coletivos decorrem do reconhecimento da dimensão extrapatrimonial dos interesses coletivos. Necessidade de ampla reparação dos danos ensejados pela ofensa a esses direitos, inclusive de natureza extrapatrimonial. Evidenciado, no caso concreto, o dano moral coletivo, tendo em vista a ofensa ao sentimento da coletividade como um todo. (Apelação Cível Nº 70022157465, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgado em 23/04/2008)

No que tange ao destino da parcela pecuniária correspondente à

reparação do dano moral coletivo, deve ser observado o disposto no art. 13 da Lei

7.347/85:

Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.

Interessante a observação de Xisto Tiago de Medeiros Neto:37

Na hipótese da reparação do dano moral coletivo ou difuso, o direcionamento da parcela pecuniária ao Fundo é de importância indiscutível, por apresentar-se a lesão, em essência, ainda mais fluida e dispersa no âmbito da coletividade. Além disso, tenha-se em conta que a reparação em dinheiro não visa a reconstituir um bem material passível de quantificação, e sim a oferecer compensação diante da lesão a bens de natureza imaterial sem equivalência econômica, e sancionamento exemplar ao ofensor, rendendo-se ensejo para se conferir destinação de proveito coletivo ao dinheiro recolhido.

É imprescindível a reparação do dano moral coletivo, uma vez que,

como bem observa Xisto Tiago de Medeiros Neto (2004, p. 161), a ausência de reparação

“resultaria em um estado de maior indignação, descrédito e desalento da coletividade

para com o sistema político-jurídico.” Por esta razão, a reparação do dano moral coletivo

é ainda mais relevante do que a reparação do dano moral meramente individual. 37 MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano Moral Coletivo. São Paulo: LTr, 2004, p. 177.

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No caso, restou demonstrada a razão do pedido de condenação ao

pagamento de indenização ao Fundo Estadual de Reconstituição de Bens Lesados do

Consumidor, tendo em vista não apenas o dano ocasionado pelo demandado, mas

também a necessidade de que seja desestimula a reiteração desta prática abusiva.

III – DO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

Cuida-se de proteção jurídica à vida e à saúde dos cidadãos que, por

advento da idade, exatamente no momento em que mais necessitam do serviço de saúde,

são banidos dos planos por força de reajustes que de tão abusivos inviabilizam a

continuidade do pagamento.

A legislação constitucional e infraconstitucional, como demonstrado,

veda tal prática. Ainda, os valores que essa minoria hipossuficiente é obrigada a arcar por

força dos reajustes praticados pela requerida, quando isso se mostra possível, acaba por

afetar as despesas básicas das famílias desses idosos, em prejuízo da moradia, da saúde

dos demais entes queridos, e até da alimentação.

Na espécie se encontram presentes os requisitos para a concessão

antecipada da tutela, nos termos do art. 12, da Lei 7.347/85, art. 84, parágrafo 3º, do

CDC, e art. 273, inciso I, do CPC.

Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.

Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (...)

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§ 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.

§ 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

Quanto à concessão da tutela antecipada, no caso concreto, a tese ora

ventilada vem acompanhada de elementos de prova que permitem a identificação da

verossimilhança dos argumentos da parte autora, preenchendo os requisitos do art. 273,

do CPC, o qual pressupõe, para o deferimento da medida, a verossimilhança e a prova

inequívoca dos fundamentos, como pressupostos concorrentes, e alternativamente a

existência de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, abuso de direito

de defesa ou manifesto propósito protelatório.

A verossimilhança e a prova inequívoca dos fundamentos está

consolidada nas provas ora acostadas, bem como nas teses supramencionadas, as quais se

encontram lastreadas na legislação federal e no entendimento uníssono de nossos

Tribunais. De outro turno, este requisito está estampado na própria lei e nas reclamações

registradas junto ao PROCON e esta Defensoria Pública.

Já o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação surge

pelo fato de que a coletividade de consumidores não pode continuar a ser submetida a

prática comercial abusiva concretizada pelo requerida, da qual deriva significativo

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desfalque patrimonial de cunho individual e coletivo. Os aumentos abusivos combalem

os já fracos orçamentos dos idosos, impedindo a manutenção das contratações, advindo

daí o risco de ocorrência de dano de difícil reparação.

IV - DO PREQUESTIONAMENTO

Acaso superadas as questões supramencionadas, o que se cogita

apenas no plano argumentativo, requer-se, desde já, o expresso enfrentamento dos

dispositivos legais e preceitos jurídicos aqui mencionados, em especial no que respeita

aos princípios constitucionais e as disposições do Código Civil e Código de Defesa do

Consumidor.

V - DO PEDIDO

DIANTE DO EXPOSTO, requer-se:

a) Inaudita altera parte, liminarmente, a antecipação dos efeitos da

tutela jurisdicional de fundo, determinando-se à requerida que suspenda,

incontinenti, sob pena de astreinte a ser arbitrada por este juízo, em valor não

inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) diários, os aumentos nas mensalidades dos

planos de saúde em razão do advento da condição de idoso (60 anos ou mais),

inclusive aqueles adrede aplicados aos 56, 57, 58, 59 anos, posto tratar-se de burla à

lei, em relação a todos os contratos antigos e novos firmados ou renovados antes da

vigência do Estatuto do Idoso, no âmbito da área de atuação da Cooperativa, na

forma do artigo 461 do CPC;

b) ao ser recebida a presente inicial, seja invertido o ônus da prova, na

forma do art. 6o, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor;

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c) a citação da ré, na pessoa de seu representante legal;

d) a integral procedência da presente ação coletiva de consumo,

confirmando-se a tutela antecipada concedida, para:

d.1) vedar os reajustes praticados por advento dos 60 ou 70 anos de

idade, declarando-se a incidência do Estatuto do Idoso para os contratos antigos, assim

entendidos todos aqueles firmados em data anterior à vigência da Lei dos Planos de

Saúde – Lei n.º 9.656/98, em 02 de janeiro de 1999, bem como para os contratos novos

firmados antes da entrada em vigor do Estatuto do Idoso, Lei n.º 10.741/03, em 1º de

janeiro de 2004, declarando-se a nulidade das cláusulas de reajuste em razão do

implemento da idade de 60 ou 70 anos, nos limites da área de atuação da Cooperativa,

que abrange os municípios de Alvorada, Arroio do Sal, Canoas, Cachoeirinha, Capão da

Canoa, Capivari do Sul, Cidreira, Esteio, Glorinha, Gravataí, Imbé, Mostardas, Osório,

Palmares do Sul, Porto Alegre, Santo Antonio da Patrulha, Sapucaia do Sul, Terra de

Areia, Torres, Tramandaí, Três Cachoeiras, Viamão e Xangri-lá, fixando-se multa diária

pelo descumprimento em valor não inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia;

d.2) vedar os reajustes praticados por advento dos 56, 57, 58 e 59 anos

de idade, declarando-se a nulidade das cláusulas de reajuste em razão da idade, em

respeito ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), ao Princípio

Constitucional da Isonomia, e como forma de coibir a burla à aplicação do Estatuto do

Idoso, para os contratos antigos, assim entendidos todos aqueles firmados em data

anterior à vigência da Lei dos Planos de Saúde – Lei n.º 9.656/98, em 02 de janeiro de

1999, bem como para os contratos novos firmados antes da entrada em vigor do Estatuto

do Idoso, Lei n.º 10.741/03, em 1º de janeiro de 2004, declarando-se a nulidade das

cláusulas de reajuste em razão do implemento da idade de 56, 57, 58 e 59 anos de idade,

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nos limites da área de atuação da Cooperativa que abrange os municípios de Alvorada,

Arroio do Sal, Canoas, Cachoeirinha, Capão da Canoa, Capivari do Sul, Cidreira, Esteio,

Glorinha, Gravataí, Imbé, Mostardas, Osório, Palmares do Sul, Porto Alegre, Santo

Antonio da Patrulha, Sapucaia do Sul, Terra de Areia, Torres, Tramandaí, Três

Cachoeiras, Viamão e Xangri-lá, ou, subsidiariamente, determinar que o reajuste

eventualmente aplicados para estas faixas etárias não ultrapasse o percentual de 30%, em

respeito aos princípios razoabilidade, proporcionalidade e vedação à onerosidade

excessiva fixando-se multa diária pelo descumprimento em valor não inferior a R$

10.000,00 (dez mil reais) por dia;

d.3) determinar seja excluído dos docs de pagamento dos

consumidores os reajustes referentes às faixas etárias referidas nos itens c.1 e c.2,

inclusive nos docs já emitidos e eventualmente não pagos, devendo a requerida remeter,

em até 48 horas, novos docs para pagamento da mensalidade, sem qualquer ônus aos

usuários;

d.4) determinar o ressarcimento em dobro das quantias (art. 42,

parágrafo único, do CDC) indevidamente acrescidas ou reajustadas pela requerida

referentes aos reajustes praticados pelo adventos dos 56, 57, 58, 59 e 60 ou 70 anos de

idade;

d.5) indenizar o dano moral in re ipsa sofrido pelo consumidor idoso

ou na iminência de sê-lo na acepção legal da palavra, decorrentes da não-aplicação do

Estatuto do Idoso, da tentativa de burla ao referido Estatuto e da não-observância do

Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a fim de que o provimento jurisdicional

concretize sanção pedagógica fundamental, colimando alcançar-se o efeito pedagógico e

profilático inibidor da conduta abusiva, em valor não inferior a R$ 3.000,00 (três mil

reais) para cada consumidor;

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d.5) condenar o demandado a obrigação de indenizar os interesses

morais difusos e coletivos lesados, decorrentes do abalo à harmonia nas relações de

consumo, consistente na prática comercial abusiva, levando em consideração a dimensão

do dano, o porte financeiro do ofensor e a relevância do bem jurídico protegido,

revertendo os valores ao Fundo Estadual de Reconstituição de Bens Lesados do

Consumidor, com a cominação de multa diária (astreinte) para o caso de descumprimento

do julgado, cujo valor também deverá ser destinado ao Fundo Estadual de Reconstituição

de Bens Lesados do Consumidor;

d.6) seja o demandado compelido a publicar, com marco inicial no 15º

dia após o trânsito em julgado e às suas expensas, em cinco jornais de grande circulação

deste Estado, em três dias alternados, nas dimensões 20cm x 20cm, a parte dispositiva de

eventual sentença de procedência, para que os consumidores tenham ciência do decidido,

o que deve ser introduzido com a seguinte menção: “Acolhendo pedido veiculado em

ação coletiva de consumo ajuizada pelo Núcleo de Defesa do Consumidor e Tutelas

Coletivas (NUDECONTU) da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul

(DPE/RS), o juízo do (...)º Juizado da (...)ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre,

condenou a UNIMED PORTO ALEGRE – SOCIEDADE COOPERATIVA DE

TRABALHO MÉDICO, nos seguintes termos: (...)”;

e) a determinação de publicação de edital, no órgão oficial, consoante

o disposto no art. 94, do CDC;

f) a intimação do Ministério Público, nos termos do art. 5°, § 1°, da

Lei n° 7.347/85;

g) a isenção de quaisquer custas ou despesas processuais, por ser a

Defensoria Pública do Estado, instituição pública e permanente que garante o acesso à

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Justiça dos carentes na acepção da lei, defendendo-os em Juízo livre de qualquer

contribuição ou taxa, nos termos do artigo 87, do CDC c/ artigo 18, da Lei 7.347/85;

h) o atendimento às prerrogativas legais da Defensoria Pública,

notadamente a intimação pessoal dos atos processuais, a contagem em dobro dos prazos e

a possibilidade de manifestação por quotas nos autos;

i) a condenação do réu ao pagamento de custas e honorários

advocatícios destinados ao FADEP – Fundo de Aparelhamento da Defensoria Pública,

Cód. 712, BANRISUL;

j) a produção das provas documental e, se necessário, pericial;

Dá-se à causa o valor de alçada, porquanto inestimável.

Valor da Causa: R$ 977,00 Porto Alegre, 10 de agosto de 2009. RAFAELA CONSALTER Defensora Pública Dirigente do NUDECONTU FELIPE KIRCHNER Defensor Público Membro do NUDECONTU NILTON LEONEL ARNECKE MARIA Defensor Público Membro do NUDECONTU