EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO DO SUPREMO … curiae ADIn... · artigos 1º, 2º, 3º e 4º da Lei...
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL – DD. JOAQUIM BARBOSA – RELATOR DA ADI 3.874
AÇÃO EDUCATIVA, ASSESSORIA, PESQUISA E INFORMAÇÃO,
associação civil sem fins lucrativos, cadastrada como organização de pesquisa no
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, inscrita
no CNPJ/MF sob o nº 00.134.362/0001-75, com sede à Rua General Jardim, n.º
660, Vila Buarque, CEP: 01223-010, São Paulo /SP, por seu programa de defesa
do direito à educação Ação na Justiça, por seu Coordenador Geral e bastante
representante jurídico, Dr. Sérgio Haddad, brasileiro, casado, professor e
pesquisador universitário, RG 3.434.607 (docs.1 e 2); e CONECTAS
DIREITOS HUMANOS, associação civil sem fins lucrativos qualificada como
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, inscrita no CNPJ
sob nº 04.706.954/0001-75, com sede na Rua Pamplona, 1197, casa 4, São
Paulo/SP, por meio de seu programa de justiça Artigo 1º, representada por seu
Diretor Executivo e bastante representante nos termos de seu Estatuto Social, Dr.
Oscar Vilhena Vieira, brasileiro, casado, advogado inscrito na OAB/SP sob o nº
112.967 (docs. 3 e 4), vêm respeitosamente à presença de V. Exa., com
fundamento no § 2º do artigo 6º da Lei 9.882/99, manifestar-se na qualidade de
Amici Curiae na ADI 3.874
ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino –
CONFENEN – tendo por objetivo a declaração de inconstitucionalidade dos
artigos 1º, 2º, 3º e 4º da Lei Estadual n.º 4.675, de 20 de dezembro de 2005,
publicada no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro aos 31 de dezembro de
2005. As organizações que ora se apresentam como amici buscam a
improcedência da ADIn 3874, pelas razões e argumentos a seguir expostos:
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I – DA LEGITIMIDADE DAS ASSOCIAÇÕES PARA FIGURAR COMO
AMICI CURIAE NA PRESENTE ADI 3.874
O instituto do amicus curiae teve sua inserção formal na legislação processual
constitucional com as leis 9.868/99 e 9.882/99, que dispõem sobre o trâmite das
ações declaratórias de inconstitucionalidade e das argüições de descumprimento
de preceito fundamental, respectivamente.
Desde a edição de tais leis, inúmeros memoriais, pareceres, arrazoados e
documentos foram admitidos por este Egrégio Supremo Tribunal Federal e
juntados aos processos de controle concentrado de constitucionalidade.
No entendimento deste Egrégio Supremo Tribunal Federal, a possibilidade de
manifestação da sociedade civil em tais processos tem o objetivo de
democratizar o controle concentrado de constitucionalidade, oferecendo
novos elementos e perspectivas para os julgamentos. É o que se depreende da
ementa de julgamento da ADI 2130-3/SC:
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
INTERVENÇÃO PROCESSUAL DO AMICUS CURIAE.
POSSIBILIDADE. LEI Nº 9.868/99 (ART. 7º, § 2º). SIGNIFICADO
POLÍTICO-JURÍDICO DA ADMISSÃO DO AMICUS CURIAE NO
SISTEMA DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO DE
CONSTITUCIONALIDADE. PEDIDO DE ADMISSÃO
DEFERIDO.
- No estatuto que rege o sistema de controle normativo abstrato de
constitucionalidade, o ordenamento positivo brasileiro
processualizou a figura do amicus curiae (Lei nº 9.868/99, art. 7º,
§ 2º), permitindo que terceiros - desde que investidos de
representatividade adequada - possam ser admitidos na relação
processual, para efeito de manifestação sobre a questão de direito
subjacente à própria controvérsia constitucional.
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- A admissão de terceiro, na condição de amicus curiae, no
processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se
como fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte,
enquanto Tribunal Constitucional, pois viabiliza, em obséquio ao
postulado democrático, a abertura do processo de fiscalização
concentrada de constitucionalidade, em ordem a permitir que
nele se realize, sempre sob uma perspectiva eminentemente
pluralística, a possibilidade de participação formal de entidades e
de instituições que efetivamente representem os interesses gerais
da coletividade ou que expressem os valores essenciais e
relevantes de grupos, classes ou estratos sociais.
Em suma: a regra inscrita no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99 - que
contém a base normativa legitimadora da intervenção processual
do amicus curiae - tem por precípua finalidade pluralizar o debate
constitucional”. (grifamos).
A previsão legal para tal participação na qualidade de amicus curiae nas ações de
controle concentrado está prevista nos parágrafos primeiro e segundo do artigo 6º
da Lei 9.882/99 e no parágrafo segundo do artigo 7º da Lei 9.868/99, o qual se
aplica ao presente caso:
Art. 7º, Lei 9.868/99:
§2º. O relator, considerando a relevância da matéria e a
representatividade dos postulantes, poderá, por despacho
irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo
anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.
A par do entendimento de que a manifestação de organizações da sociedade civil
nos processos de controle concentrado tem como objetivo maior o oferecimento
de diferentes argumentos e razões para as decisões deste Egrégio Supremo
Tribunal Federal, a fim de pluralizar o debate constitucional que a todos afetará, a
lei expressamente autoriza tal manifestação, observadas duas condições: a
relevância da matéria e representatividade dos postulantes.
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Sendo evidente a relevância pública da temática referente ao direito à educação,
mais especificamente, ao acesso aos meios educacionais, à garantia de tal direito
como um direito humano e, não, como um mero bem econômico, é que se justifica
a iniciativa destas instituições quando do ato postulatório em amici curiae.
A Ação Educativa, Assessoria, Pesquisa e Informação, fundada em 1994, tem
com missão a promoção dos direitos educativos e dos direitos da juventude, tendo
em vista a promoção da justiça social, da democracia participativa e do
desenvolvimento sustentável do Brasil. Desenvolve, em âmbito nacional, projetos
que envolvem formação de educadores e jovens, promoção cultural, pesquisa,
informação, assessoria a políticas públicas, controle social do Estado, participação
em redes e outras políticas institucionais (www.acaoeducativa.org).
Desde 2004, por intermédio de um programa específico, tem atuado na defesa
jurídica do direito à educação, propondo medidas judiciais e acompanhando a
adequação legal da oferta de serviços educativos. Também tem se dedicado à
difusão do direito à educação e à produção técnica em torno deste assunto.1
A Conectas Direitos Humanos foi fundada em 2001 com a missão de fortalecer e
promover o respeito aos direitos humanos no Brasil e no hemisfério Sul,
dedicando-se, para tanto, à educação em direitos humanos, à advocacia estratégica
e à promoção do diálogo entre sociedade civil, universidades e agências
internacionais envolvidas na defesa destes direitos.
Tem como objetivo estatutário, em especial, a promoção da ética, da paz, da
cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais,
bem como a promoção de direitos estabelecidos, por meio da prestação de
assessoria jurídica gratuita, tendo, inclusive, quando possível e necessário, a
capacidade de propor ações representativas (www.conectas.org).
1 Algumas publicações: HADDAD, Sérgio, GRACIANO, Mariângela (Orgs.) A educação entre os
direitos humanos. Campinas,SP: Autores Associados; São Paulo: Ação Educativa, 2006. AÇÃO
EDUCATIVA. Educação também é Direito Humano. São Paulo: Ação Educativa, 2005. AÇÃO
EDUCATIVA. Boletim Obstáculos e Possibilidades de Acesso: informação pelo direito à
educação. Edições 01 a 35. São Paulo: Ação Educativa, 2006.
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Por meio de seu programa de justiça Artigo 1º, a Conectas promove advocacia
estratégica em direitos humanos, em âmbito nacional e internacional, com o
objetivo de alterar as práticas institucionais e sociais que desencadeiam
sistemáticas violações de direitos humanos. É hoje a organização com maior
número de amicus curiae frente a este Supremo Tribunal Federal2.
Ambas organizações já tiveram sua legitimidade para participar, em litisconsórcio,
na condição de amici curiae, apreciada por este Egrégio Supremo Tribunal
Federal nos autos da ADI 3.729, com o seguinte despacho de ilustre Ministro
Relator Gilmar Mendes:
“Por meio da Petição n.º 155.457/2006, a Conectas Direitos
Humanos e a Ação Educativa, Assessoria, Pesquisa e Informação,
requerem seu ingresso no feito na qualidade de amici curiae. (...)
Entendo, portanto, que a admissão de amicus curiae confere ao
processo um colorido diferenciado, emprestando-lhe caráter
pluralista e aberto, fundamental para o reconhecimento de direitos
e a realização de garantias constitucionais em um Estado
Democrático de Direito. Assim, com fundamento no art. 7º, § 2º,
da Lei 9.868/1999, defiro o pedido da Conectas Direitos Humanos
e da Ação Educativa, Assessoria, Pesquisa e Informação para
que possam intervir no feito no condição de amici curiae”. (DJU
23/02/2007 – grifo nosso).
Assim, diante da legitimidade da Ação Educativa e da Conectas Direitos
Humanos, conjugada à relevância da matéria para o avanço das garantias jurídicas
relacionadas ao direito à educação, com importantes reflexos em amplo
contingente da população brasileira, requerem sua admissão na qualidade de amici
curiae.
2 Dados advindos de pesquisa para dissertação de mestrado Sociedade civil e democracia – a
participação como amicus curiae no Supremo Tribunal Federal, Eloísa Machado de Almeida,
Programa de Pos Graduação em Ciências Sociais, PUC/SP, 2006.
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II – DA LEI IMPUGNADA PELA AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE 3874
A Lei 4.675, de 20 de dezembro de 2005, publicada no diário oficial do Estado do
Rio de Janeiro em 31 de dezembro de 2005, proíbe que os estabelecimentos de
ensino sediados naquele estado, incluindo as instituições de ensino superior,
pratiquem cobrança específica por provas de segunda-chamada, provas finais ou
equivalentes, condicionem sua realização a tal pagamento ou à satisfação de
demais obrigações de natureza estritamente civil, como abaixo transcrito, in
verbis:
“A Governadora do Estado do Rio de Janeiro
Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro decreta e eu sanciono a seguinte lei:
Art. 1º - Fica proibida a cobrança, pelos estabelecimentos de
ensino sediados no Estado do Rio de Janeiro, por provas de
segunda-chamada, provas finais ou equivalentes, não podendo os
estudantes ser impedidos de fazer provas, testes, exames ou outras
formas de avaliação, por falta de pagamento prévio, seja
específico para esta despesa, seja relativo às mensalidades em
geral.
Art. 2º - A proibição a que se refere esta Lei estende-se às
instituições de ensino superior e não se aplica a concursos
públicos, vestibulares ou provas destinadas ao acesso inicial a
determinado curso, bem como ao ingresso em escolas, colégios ou
faculdades, incluindo exames de habilidade específica exigidos
para ingresso em determinados cursos técnicos ou superiores.
Art. 3º - A violação a esta lei obrigará ao estabelecimento infrator
que devolva ao estudante, em décuplo, o valor cobrado
abusivamente.
Art. 4º - A presente Lei entrará em vigor na data da sua
publicação, revogadas as disposições em contrário.
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Rio de Janeiro, 20 de dezembro de 2005
ROSINHA GAROTINHO
Governadora”
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3874, a Autora alegou que a lei
estadual acima citada apresenta vícios de ordem formal e material, posto que ela
fere:
a) Competência privativa da União para legislar sobre Direito Civil (art. 22,
I);
b) Valor da livre iniciativa como um dos fundamentos da República, do
Estado Democrático de Direito e da Ordem Econômica (art. 1º, IV e 170,
caput);
c) Autonomia administrativa e financeira das universidades e faculdades (art.
207, caput);
d) Liberdade de ensino à iniciativa privada, atendido o cumprimento das
normas gerais da educação nacional (art. 209, caput, I); e
e) Princípio da proporcionalidade e da razoabilidade implícito à garantia do
devido processo legal substancial (art. 5º, LIV).
No presente amicus, contudo, propomos um enfoque diferenciado para a questão,
que segundo nossa compreensão deve ser encarada como uma garantia jurídica de
exercício do direito fundamental à educação, e não como uma mera relação
contratual civil.
É verdade que a iniciativa privada participa da promoção desse direito, no entanto,
sua liberdade de iniciativa neste campo submete-se ao interesse maior da
coletividade.
Todos os esforços, portanto, devem ser direcionados a uma solução que preserve
tanto a obrigação civil devida à empresa como o direito à educação do cidadão.
Neste sentido é que se coloca nossa contribuição.
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III – DO DIREITO
1. O Direito constitucional à educação
A Constituição Federal de 1988 imprime centralidade inédita aos direitos sociais
básicos, exigindo de seus intérpretes a aplicação de uma hermenêutica que integre
estes aos demais direitos e garantias constitucionais. Assim leciona Paulo
Bonavides:
“Com efeito, não é possível compreender o constitucionalismo do
Estado social brasileiro contido na Carta de 1988 se fecharmos os
olhos à teoria dos direitos sociais fundamentais, ao princípio da
igualdade, aos institutos processuais que garantem aqueles
direitos e aquela liberdade a ao papel que doravante assume na
guarda da Constituição o Supremo Tribunal Federal.” (2002;
pp.338-339)
Nesse contexto, o direito à educação figura como primeiro direito fundamental
social em nossa Constituição:
“Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a
moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição.”
Seu reconhecimento também ganhou destaque nos últimos anos com a
incorporação de tratados e convenções internacionais de direitos humanos,
principalmente: o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais (Decreto n° 591, de 6 de julho de 1992), a Convenção sobre os Direitos
da Criança (Decreto n° 99.710, de 21 de novembro de 1990) e o Protocolo
Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Decreto n° 3.321, de 30 de dezembro
de 1999).
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No sentido de implementar tais compromissos internacionais, o art.205 da
Constituição reafirma o direito universal à educação e a primazia do Estado em
promovê-la, estabelecendo os três principais objetivos a serem alcançados:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho.
Ou seja, além servir ao desenvolvimento do indivíduo, dotando-lhe do
instrumental cognitivo necessário ao exercício pleno de sua liberdade,
possibilitando-lhe, ademais, a fruição dos benefícios advindos do
desenvolvimento tecnológico e cultural da sociedade, a educação, em termos
constitucionais, é pressuposto para a inserção digna do sujeito no mundo do
trabalho e sua participação cidadã.
Decorre disso que sua garantia está intimamente relacionada ao próprio
fundamento de cidadania e igualdade material do Estado Democrático de Direito,
sendo meio essencial para o seu exercício (CF/88, art.205, c/c art.1°, II e art.5°,
caput).
No mesmo sentido já dispôs a magistrada Maria Cristina de Brito Lima, em seu
livro A Educação como Direito Fundamental:
“Entretanto, essa nova idéia de liberdade não vem dissociada do
contexto jurídico de que se trata. (...) deve visar à igualdade de
oportunidades, o que só será possível com educação básica para
todos. (...)
Nesse sentido, a educação, como instrumento da liberdade, passa a
integrar o núcleo essencial de direitos que conduzem à cidadania,
conferindo-lhe um caráter libertário.” (2003; pp.23-24)
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E também o Prof. Dr. Marcus Augusto Maliska, em O Direito à Educação e a
Constituição, citando Hesse:
“O quarto aspecto do direito à educação diz respeito ao preparo
para o exercício da cidadania. Aqui está o que afirma Konrad
Hesse: ‘Em tudo, democracia é, segundo seu princípio
fundamental, um assunto de cidadãos emancipados, informados,
não de uma massa de ignorantes, apática, dirigida apenas por
emoções e desejos irracionais que, por governantes bem
intencionados, ou mal intencionados, sobre a questão do seu
próprio destino, é deixada na obscuridade(HESSE, K. Elementos
de Direito Constitucional, p.133).’ A democracia tem na cidadania
a sua base. O legítimo poder democrático é exercido quando a
sociedade é composta por cidadãos ativos, cidadãos que exercem
plenamente a sua cidadania, que não deve ser compreendida em
um sentido formal e abstrato, mas como um conjunto de fatores
que possibilita o controle do poder pela participação ativa dos
envolvidos.” (2001; p.161)
Os artigos seguintes da Constituição (arts. 206 a 214) tratam especificamente do
ensino, entendido como o conjunto das tipologias de educação formal, ou seja,
dos cursos e programas educacionais regulados pelo Estado e que visam à
certificação dos estudantes.
Assim, o art.206 estabelece os princípios específicos aplicáveis ao ensino, os
quais, salvo expressa disposição do próprio texto da Constituição, aplicam-se
tanto ao sistema público como ao sistema privado de ensino. Nesse sentido,
destacamos:
“Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes
princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber;
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III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e
coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; (...)
V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos,
na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente
por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas;
(Redação da EC n° 53/2006)
(...)
VII - garantia de padrão de qualidade.”
Outro elemento que demonstra a centralidade assumida pela educação em nosso
sistema jurídico, é o fato de ser este direito fundamental, originariamente, o único
a contar com garantia constitucional expressa de recursos orçamentários oriundos
de impostos:
“Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito,
e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por
cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida
a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento
do ensino.”
2. A regulamentação do ensino privado
Retomando o já referido art.206 da Constituição, que trata dos princípios
aplicáveis ao ensino, citamos Maliska:
“Desta forma, os estabelecimentos privados estão vinculados aos
princípios gerais de educação, já abordados, bem como a toda
legislação que disponha sobre educação e que tenha incidência
sobre as atividades educacionais que desenvolvem”. (2001; p.197)
Não poderia ser outra a compreensão do disposto no art.209 da Constituição:
Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as
seguintes condições:
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I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;
II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.
Trata-se, portanto, de “liberdade regulada”, visto que há na iniciativa educacional
privada um forte componente de interesse público. Nesse sentido, Celso Antônio
Bandeira de Mello situa a educação dentre os “serviços públicos não-privativos do
Estado”, ressaltando que estes devem ajustar-se, entretanto, a uma forte disciplina
pública:
“Nesta última categoria ingressam os serviços que o Estado deve
desempenhar, imprimindo-lhes regime de Direito Público sem,
entretanto, proscrever a livre iniciativa do ramo de atividade em
que se insere.
Aos particulares é lícito desempenhá-los, independentemente de
concessão.
20. De acordo com a Constituição, são quatro estas espécies de
serviços sobre os quais o Estado não detém titularidade exclusiva,
ao contrário do que ocorre com os demais serviços públicos nela
previstos. A saber: serviços de saúde, de educação, de previdência
social e de assistência social.
(...)
Sem embargo, ficam todos eles submetidos a um tratamento
normativo mais estrito do que o aplicável ao conjunto das
atividades privadas. Assim, o Poder Público, dada a grande
relevância social que possuem, os disciplina com um rigor
especial.” (Curso de Direito Administrativo; Malheiros; 2005;
p.648)
No julgamento da ADI 1.266, também proposta pela COFENEN, cujo objeto em
muito se assemelha ao presente, este Egrégio Tribunal adotou a mesma posição do
autor supracitado no sentido de submeter a livre iniciativa em matéria educacional
aos princípios de direito público, reconhecendo, inclusive, a competência do
Estado-membro para legislar sobre a relação entre a instituição privada de ensino
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e o estudante-contratante, impondo limites às disposições contratuais que tenham
implicação direta no exercício do direito à educação. Vejamos:
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
LEI N. 6.584/94 DO ESTADO DA BAHIA. ADOÇÃO DE
MATERIAL ESCOLAR E LIVROS DIDÁTICOS PELOS
ESTABELECIMENTOS PARTICULARES DE ENSINO. SERVIÇO
PÚBLICO. VÍCIO FORMAL. INEXISTÊNCIA. 1. Os serviços de
educação, seja os prestados pelo Estado, seja os prestados por
particulares, configuram serviço público não privativo, podendo
ser prestados pelo setor privado independentemente de concessão,
permissão ou autorização. 2. Tratando-se de serviço público,
incumbe às entidades educacionais particulares, na sua prestação,
rigorosamente acatar as normas gerais de educação nacional e as
dispostas pelo Estado-membro, no exercício de competência
legislativa suplementar (§2º do ar. 24 da Constituição do Brasil).
3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado
improcedente.
VOTO : O SENHOR MINISTRO EROS GRAU (Relator): A
CONFENEN objetiva a declaração de inconstitucionalidade da Lei
n. 6.586/94, que dispõe sobre a adoção de material escolar e de
livros didáticos pelos estabelecimentos de ensino, por afronta aos
artigos 22, inciso XXIV e 209 da Constituição do Brasil.
(...)
6. O texto assegura ao usuário do serviço prestado por
estabelecimento particular de ensino o conhecimento, durante o
período de matrícula, do quantitativo de material escolar a ser
utilizado no ano letivo, com a justificativa da necessidade de cada
item. Veda a indicação de preferência por marca ou modelo de
qualquer item; faculta aos pais ou responsáveis pelo educando a
entrega do material de uma só vez ou de forma parcelada, entre
outras disposições de igual índole.
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6. A lei em questão não se afastou do âmbito da competência
concorrente dos Estados-membros fixada pela Constituição no
artigo 24, inciso IX e seu § 2o. Outrossim, enfatizo que a medida
cautelar foi indeferida há dez anos, desde então produzindo efeitos
a Lei n. 6.586, de 1.994.” (ADI 1.266, Rel. Min. Eros Grau,
julgamento em 6-4-05, DJ de 23-9-05)
Além das disposições já transcritas pelo Eminente Min. Eros Grau em seu
Relatório, vale destacar que a Lei n. 6.586/1994 do Estado da Bahia, referendada
em sua constitucionalidade pelo STF, também veda a aplicação de sanção
pedagógica em casos de descumprimento de obrigação de natureza civil. Ou seja,
apresenta garantia idêntica à que atualmente é contestada pela autora na ADI n°
3.874, senão vejamos:
Lei Estadual n. 6.586/1994. (...)
Art. 7º - Fica proibido condicionar o comparecimento, a
participação e a permanência do aluno nas atividades escolares, à
aquisição e/ou fornecimento de livro didático ou material escolar.
Art. 8º - Os estabelecimentos particulares de ensino que
descumprirem as normas da presente lei estarão sujeitos às
penalidades fixadas no Código de Defesa do Consumidor e na
legislação correlata.
Daí, conclui-se que o recente entendimento construído neste Egrégio Supremo
Tribunal Federal reconhece a liberdade de iniciativa em matéria de ensino, no
entanto, limita-a sempre que esta coloque em risco o exercício do direito à
educação.
Tomando como base o julgamento da ADI 1.266, o Tribunal reconhece como
legítimas as normas estaduais que vedam as modalidades de sanção pedagógica
por obrigação de natureza civil.
Importa ressaltar que na relação jurídica que se desenvolve entre o educando, ou
seus responsáveis, e a instituição privada prestadora de serviços educativos,
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subsistem dois sistemas normativos: o privado, regulado pelo direito civil e
consumista; e o público, regulado pelo direito à educação. Essa foi a posição do
Eminente Min. Sepúlveda Pertence ao votar, conforme o Relator, na ADI 1.266,
ressaltando seu entendimento que o ensino privado é “atividade privada, mas,
porque imbricada com o direito à educação, sujeita a regulamentações públicas”.
Tal imbricação é tão significativa que, como lembra o referido Ministro, autoriza
inclusive a intervenção estatal para a "disciplina de preços" em serviços de saúde
e educação (ADI 1.266, Inteiro Teor do Acórdão, p.13).
Não se está aqui, em absoluto, advogando em favor do não cumprimento das
obrigações civis relacionadas no contrato, que são, inclusive, essenciais para a
manutenção do próprio serviço educacional. No entanto, entendemos que nosso
sistema jurídico-constitucional, quando de sua integração normativa, não mais
comporta interpretações fundadas na auto-tutela jurídica. Para a execução de
dívida civil existe procedimento próprio, com garantias e sanções específicas.
Esse é o espírito da Lei Federal n° 9.870/1999, que regula as anuidades escolares
e a cobrança por seu inadimplemento, privilegiando a garantia de permanência na
escola e de continuidade dos estudos :
Art. 6o São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção
de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras
penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento,
sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e
administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do
Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro,
caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias.
Ou seja, nosso sistema jurídico busca equilibrar uma relação de natureza
complexa, direcionando a execução das obrigações civis advindas do contrato de
prestação de serviços educacionais ao regime próprio das ações de cobrança – às
quais pode recorrer livremente a instituição de ensino.
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Por outro lado, protege o interesse público vinculado à continuidade do exercício
dos direitos educativos. O que não se permite é a instrumentalização do direito à
educação, ou seja, a restrição a seu exercício como meio de forçar o
adimplemento da obrigação contratual.
No caso, a desproporcionalidade das medidas vedadas pela lei carioca e
pretendidas pela COFENEN, pode ser percebida a partir do potencial de
quantificação e reparação dos direitos em jogo. Se, por um lado, o pagamento de
uma ou de algumas mensalidades é facilmente mensurável e exigível nos termos
da legislação processual própria, por outro, a interrupção do ciclo educacional do
indivíduo provoca impactos pessoais e sociais praticamente imensuráveis e
dificilmente poderá ser restituído em sua plenitude.
Ademais, finalizado o contrato, não está a instituição privada de ensino obrigada a
renovar com o inadimplente (Lei n° 9.870/1999, art.5°), podendo, no entanto,
subsistir a execução de natureza civil contra aquele. Enquanto isso, ao impedí-lo
de "fazer provas, testes, exames ou outras formas de avaliação, por falta de
pagamento prévio" de obrigação que não lhe é exigível, a instituição de ensino
estará, na prática, vedando a continuidade de seus estudos, mesmo que em outra
escola privada ou pública, pois o referido estudante não poderá demonstrar o
cumprimento dos requisitos mínimos para o ingresso na série ou etapa pretendida.
A "sanção pedagógica", portanto, inviabiliza o exercício do direito à educação
(CF/88, art.6º), violando os princípios da "igualdade de condições para o acesso e
a permanência na escola (...) e da garantia de padrão de qualidade (CF/88, art.206,
arts.I e VII)", aplicáveis às redes pública e privada.
Daí, devem ser afastados os argumentos da ADI 3874, pois a Lei 4.675, de 20 de
dezembro de 2005, publicada no diário oficial do Estado do Rio de Janeiro em 31
de dezembro de 2005, visa, exatamente preservar a eficácia desses princípios
constitucionais, vedando a exigibilidade de obrigações abusivas e a restrição ao
exercício do direito à educação através de sanções de natureza pedagógica.
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3. Organização do Ensino no Brasil: competências material e legislativa na
Constituição Federal
Devido ao grau de importância e de abrangência de algumas matérias socialmente
relevantes, o constituinte originário decidiu por vincular sua consecução a
determinados entes federativos, considerando tanto o respeito à hierarquia
funcional, quanto à independência administrativa dos Estados Federados. Entre
estas matérias, conforme já observado anteriormente, encontra-se a educação,
compreendida aqui em sentido mais amplo que o ensino escolar.
A educação e, mais especificamente, o ensino, teve sua competência material
repartida pela Constituição entre todos os entes federados, sendo referida nos
artigos 23, inciso V, e 211, §§1° a 3°; in verbis:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios: (...)
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à
ciência;
(...)
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.
§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos
Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e
exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e
supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades
educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante
assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios;
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino
fundamental e na educação infantil;
§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no
ensino fundamental e médio;
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Coerente com a distribuição de competências materiais, e preocupada em
assegurar a unidade da educação nacional, a Constituição organizou a
competência legislativa nos artigos 22, inciso XXIV e 24, inciso, IX. Citamos:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...)
XXIV – diretrizes e bases da educação nacional.
(...)
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal
legislar concorrentemente sobre: (...)
IX – educação, cultura, ensino e desporto.
Configura-se, então, privativa da União a competência para legislar sobre as
diretrizes e bases da educação nacional, o que se concretizou na Lei n.º 9.394, de
20 de dezembro de 1996, com suas posteriores modificações.
Tal norma dispõe sobre os princípios e fins da educação escolar, determina sua
organização, regulamentando o disposto no art.211 da Constituição, além de tratar
das etapas e modalidades de ensino e dos profissionais da área. Em seu art.1°,
caput e §1°, a referida lei cuida de estabelecer seu âmbito de aplicação dentro do
universo educacional, fazendo a exegese da terminologia constitucional:
Lei n.º 9.394/1996 (...)
Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se
desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no
trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos
sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações
culturais.
§ 1º. Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve,
predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.
Ou seja, mesmo reconhecendo que a educação abrange um amplo conjunto de
processos sociais, a lei, ao normatizar as diretrizes e bases, restringe-se à educação
escolar formal, que tem como principal meio de implementação o ensino. Daí, as
diretrizes e bases da educação nacional, identificada como educação escolar, não
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podem ser confundidas com a educação em todas as suas manifestações, da qual
fala o art.24, IX, da Constituição. Nesse sentido expõe o Prof. Dr. Dermeval
Saviani:
“Como demonstrei em outro trabalho (SAVIANI, 1996), há uma
estreita relação entre a LDB e a sistematização da educação. A
educação assistemática não é objeto de legislação específica. Veja-
se por exemplo, as questões referentes ao pátrio poder, às
diversões públicas etc., que podem ser consideradas atividades
educativas segundo o próprio conceito adotado no Título I da nova
LDB; no entanto, tais questões são reguladas pelo Código Civil.
Quando, no entanto, se pensa numa lei específica para a educação,
é porque se está visando à sua sistematização e não apenas à sua
institucionalização. Antes de haver leis de educação, havia
instituições educativas. Isso não implica, entretanto, a vinculação
necessária da sistematização à legislação, ou seja: não é
necessário que haja lei específica de educação para que haja
educação sistematizada; esta poderá existir mesmo não existindo
aquela. O que fica claro é a vinculação necessária da lei específica
da educação à sistematização. Tal lei visará consolidar o sistema
ou reformá-lo (caso exista), ou então, instituí-lo, ou pelo menos,
determinar as condições para que ele seja criado (caso não
exista).
Ora, em se tratando de uma lei que se propõe a fixar as Diretrizes
e Bases da Educação Nacional, mais ainda se impõe a conclusão
acima apresentada. Com efeito, se por diretrizes e bases se
entendem fins e meios, ao serem estes definidos em termos
nacionais pretende-se não apenas indicar os rumos para onde se
quer caminhar, mas organizar a forma, isto é, os meios através dos
quais os fins serão atingidos. E a organização intencional dos
meios com vistas a se atingir os fins educacionais preconizados em
âmbito nacional, eis o que se chama ‘sistema nacional de
educação’.”(A Nova Lei da Educação, LDB Trajetória Limites e
Perspectivas; Autores Associados; 7º Ed.; p. 206)
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Ou seja, em última análise, é competência privativa da União, nos termos do art.
22, XXIV, o estabelecimento das diretrizes e bases que organizam a educação
escolar em nível nacional, dotando-a de unidade. Partindo disso, coube à Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, por mandamento constitucional,
regulamentar as competências e distribuir as responsabilidades em matéria de
ensino, criando um verdadeiro “sistema nacional”, composto de “subsistemas”
estaduais e municipais, dotados, por delegação legal, de competência material e
legislativa em seus respectivos âmbitos de atuação, nos quais se incluem tanto a
rede pública como a privada de ensino.
Portanto, as diretrizes e bases da educação nacional, por definição, devem
necessariamente contemplar uma base comum, que fortaleça a identidade do povo
brasileiro, que promova seus mecanismos comuns de exercício da cidadania e
permita a livre mobilidade interna. Nota-se, assim, o porquê da competência
privativa da União para legislar sobre tal matéria, visto que a definição de
horas/aula, do conteúdo programático mínimo, dos recursos financeiros para
financiamento, dos limites à atuação da escola privada, entre outros, são por
demais estratégicos e condicionadores da cidadania para se deixar ao arbítrio de
cada Estado ou ainda de cada instituição de ensino.
Contudo, fora desse módulo estratégico basilar, permite a Constituição Federal e a
Lei que, de modo complementar à União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios que legislem sobre matéria de ensino. Por óbvio que o conteúdo
material aqui destinado deve ser distinto daquele de competência privativa da
União, não por questões essencialmente hierárquicas, mas, sim, pela possibilidade
de se permitir a especificidade de cada ente federativo na consecução de normas
peculiares às suas realidades e necessidades distintas, respeitada a coerência do
sistema.
Assim, por dedução, toda matéria que fuja à regulamentação das diretrizes e bases
da educação nacional prevista no art. 22, XXIV, da Constituição, e na Lei
específica, constitui a competência concorrente (residual) do art. 24, IX, da
Constituição.
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4. Da competência legislativa do sistema de ensino estadual
Portanto, cabe-nos analisar se, ao editar a Lei Estadual n.º 4.675, de 20 de
dezembro de 2005, o Estado do Rio de Janeiro avançou em matéria que foge à
competência legislativa de seu sistema de ensino próprio, não podendo, assim, a
norma em questão ser enquadrada no âmbito de sua competência concorrente ou
suplementar (CF/88, art.24).
A Lei n° 9.394/1996 assim dispõe sobre os sistemas estaduais de ensino:
“TÍTULO IV- Da Organização da Educação Nacional
Art. 8º. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
organizarão, em regime de colaboração, os respectivos sistemas de
ensino.
§ 1º. Caberá à União a coordenação da política nacional de
educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo
função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais
instâncias educacionais.
§ 2º. Os sistemas de ensino terão liberdade de organização nos
termos desta Lei.
Art. 9º. A União incumbir-se-á de:
(...)
IX - autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar,
respectivamente, os cursos das instituições de educação superior e
os estabelecimentos do seu sistema de ensino.
(...)
§ 3º. As atribuições constantes do inciso IX poderão ser delegadas
aos Estados e ao Distrito Federal, desde que mantenham
instituições de educação superior.
Art. 10º. Os Estados incumbir-se-ão de:
I - organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais
dos seus sistemas de ensino;
(...)
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IV - autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar,
respectivamente, os cursos das instituições de educação superior e
os estabelecimentos do seu sistema de ensino;
V - baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;
(...)
Art. 17. Os sistemas de ensino dos Estados e do Distrito Federal
compreendem:
I - as instituições de ensino mantidas, respectivamente, pelo Poder
Público estadual e pelo Distrito Federal;
II - as instituições de educação superior mantidas pelo Poder
Público municipal;
III - as instituições de ensino fundamental e médio criadas e
mantidas pela iniciativa privada;
IV - os órgãos de educação estaduais e do Distrito Federal,
respectivamente.”
As instituições privadas de ensino fundamental e médio, bem como as de ensino
superior (por força de delegação legal), constituem os sistemas estaduais de
ensino, sendo submetidas às normas complementares destes.
Ademais, em relação ao ensino privado, a referida Lei fortalece o princípio da
“liberdade regulada”, acrescentando novas condições às já referidas na
Constituição:
“Art. 7º. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as
seguintes condições:
I - cumprimento das normas gerais da educação nacional e do
respectivo sistema de ensino;
II - autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo
Poder Público;
III - capacidade de autofinanciamento, ressalvado o previsto no
Art. 213 da Constituição Federal.”
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Explicitamente, a Lei delega aos sistemas estaduais de ensino o estabelecimento
de normas a serem cumpridas pela iniciativa privada e vai além, pois estabelece
como condição para o exercício privado do ensino formal a “autorização de
funcionamento”. Ou seja, mesmo se tratando a educação de “serviço público
não-privativo” (MELLO, Celso Antônio B. Op. Cit.), verificado o não
cumprimento das diretrizes e bases nacionais ou da regulamentação estadual, pode
o sistema local negar autorização à abertura ou ao funcionamento de escola, curso
superior, faculdade ou universidade.
Não há que se alegar aqui, ademais, violação do princípio constitucional da
autonomia universitária, pois, conforme o entendimento deste Egrégio Tribunal:
"As autonomias universitárias inscritas no art. 207, CF, devem ser interpretadas
em consonância com o disposto no art. 209, I e II, CF." (MS 22.412, Rel. Min.
Carlos Velloso, julgamento em 01/02/2002, DJ de 01/03/2002). Ou seja, em se
tratando de universidade privada, o exercício de sua autonomia pressupõe o
cumprimento das normas de direito público estipuladas pelos sistemas de ensino
aos quais se vinculam.
Ora, se pode o sistema estadual chegar ao extremo de negar funcionamento a
instituição privada, por que lhe seria vedado assegurar legalmente garantias
adicionais aos estudantes, relacionadas ao desenvolvimento e continuidade de
seus processos educativos?
A Lei Estadual n.º 4.675/2005 foi editada, portanto, dentro da competência
subsidiária do Sistema de Ensino do Estado do Rio de Janeiro instituído pela Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sendo aplicável aos níveis
educacionais básico e superior.
5. Complementaridade entre a Lei Federal n° 9.870/1999 e a Lei
Estadual n.º 4.675/2005 – RJ
Vale ressaltar que tais “garantias adicionais” criadas pela Lei Estadual
complementam o disposto na Lei Federal n.º 9.870, de 23 de novembro de 1999,
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que dispõe sobre o valor das anuidades escolares e veda a aplicação de
“penalidades pedagógicas” em função de seu inadimplemento.
Tal norma foi utilizada pela COFENEN como aquela que, em âmbito federal,
haveria tratado da matéria que a referida lei estadual intenta dispor. Afirma na
inicial a Autora:
“24. Prova maior de que o Estado do Rio de Janeiro invadiu a
competência legislativa da União é que o tema relativo à
suspensão de provas escolares, sejam elas de segunda-chamada,
provas finais ou equivalentes, retenção de documentos escolares e
aplicação de penalidades pedagógicas, por motivo de
inadimplência, sempre recebeu tratamento por parte do legislador
federal que editou inúmeras Medidas Provisórias, até a conversão
da MP n.º 1890 na Lei n.º 9.870 de 23 de novembro de 1999(...)”
Como já referido, a Lei n.º 9.870, no caput de seu art. 6º, infere que “São
proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares
ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de
inadimplemento” (grifo nosso) das parcelas acertadas no contrato.
Por outro lado, a Lei Estadual n.º 4.675/2005 proíbe a cobrança específica “por
provas de segunda-chamada, provas finais ou equivalentes” (art.1°) e, de outra
parte, autoriza a cobrança em “concursos públicos, vestibulares ou provas
destinadas ao acesso inicial a determinado curso” (art.2°).
Portanto, enquanto que a lei federal trata mais especificamente da forma de
estipulação das anuidades, da inadimplência destas e, conseqüentemente, observa
que por motivo desta o estudante não estará sujeito a quaisquer tipos de
penalidades pedagógicas, a lei estadual deseja inferir acerca das, lato sensu,
“provas substitutivas” ou “provas de recuperação”, que são aquelas às quais o
educando se submete quando não consegue a pontuação necessária para avançar
de grau com as provas ordinárias.
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Nesse ponto, determina a lei que o aluno não estará obrigado a pagar qualquer
quantia, além da que foi contratada por força da anuidade, para a realização
destas. Isso porque, ao contratar o serviço educacional privado, o estudante, ou
seu responsável, contrata todo o processo educacional relativo ao nível
pretendido, envolvendo tanto as aulas, atividades e exames ordinários como os de
natureza de recuperação ou nivelamento. Inclusive, não será determinante para o
exercício desse direito o devido adimplemento das mensalidades escolares, sendo
estas exigíveis por outros meios.
Nesse ponto, a lei estadual corrobora e relembra a lei federal, mas, nem
proximamente, torna-se ociosa a norma do Estado do Rio de Janeiro, posto que a
matéria tratada por esta é um direito completamente autônomo em relação ao
tratado pela lei federal.
Permite, então, a Constituição Federal que, União, Estados e Distrito Federal,
legislem sobre a mesma matéria, desde que, o primeiro, atente-se à expedição de
normas gerais e, em relação aos demais, expeçam-se normas de caráter específico.
Em caso de omissão do legislador federal na emissão de normas de caráter geral,
fica facultado ao ente federativo expedir esta norma, de competência precípua da
União, dentro de seu território, tendo validade até a publicação de uma lei por
parte da União que trate da mesma matéria.
No caso em espécie, sobrevindo lei federal que vede a cobrança por provas
substitutivas ou de recuperação em todo o território nacional, só assim, sairia de
cena a lei estadual objeto da presente ADI.
Também permite, através da suplementaridade decorrente da concorrência, que
qualquer Estado, em percebendo que determinada norma, de caráter geral, ainda
não exarada pela União, que falte ao ordenamento jurídico para uma perfeita
consecução do direito à educação, tem permissão constitucional para legislar
sobre essa matéria.
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Conforme infere o §4º do artigo 24 da Constituição Federal, nesse caso, a
superveniência de “lei federal sobre as normas gerais suspende a eficácia da lei
estadual, no que lhe for contrário”.
Complementam a compreensão do disposto acima os próprios julgamentos deste
Pretório Excelso:
“O art. 24 da CF compreende competência estadual concorrente
não-cumulativa ou suplementar (art. 24, § 2º) e competência
estadual concorrente cumulativa (art. 24, § 3º). Na primeira
hipótese, existente a lei federal de normas gerais (art. 24, § 1º),
poderão os Estados e o DF, no uso da competência suplementar,
preencher os vazios da lei federal de normas gerais, a fim de
afeiçoá-la às peculiaridades locais (art. 24, § 2º); na segunda
hipótese, poderão os Estados e o DF, inexistente a lei federal de
normas gerais, exercer a competência legislativa plena ‘para
atender a suas peculiaridades’ (art. 24, § 3º). Sobrevindo a lei
federal de normas gerais, suspende esta a eficácia da lei estadual,
no que lhe for contrário (art. 24, § 4º). A Lei 10.860, de 31-8-2001,
do Estado de São Paulo foi além da competência estadual
concorrente não-cumulativa e cumulativa, pelo que afrontou a
Constituição Federal, art. 22, XXIV, e art. 24, IX, § 2º e § 3º.”
(ADI 3.098, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 24-11-05,
DJ de 10-3-06)
“Ação direta de inconstitucionalidade – Lei n.º 10.820/92 do
Estado de MG – Pessoas portadoras de deficiência – Transporte
coletivo intermunicipal – Exigência de adaptação dos veículos –
Matéria sujeita ao domínio da legislação concorrente –
Possibilidade de o Estado-membro exercer competência legislativa
plena (...). A CF, ao instituir um sistema de condomínio legislativo
nas matérias taxativamente no seu art. 24 – dentre as quais avulta,
por sua importância, aquela concernente à proteção e à integração
social das pessoas portadoras de deficiência (art. 24, XIV), deferiu
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ou Estado-membro, em ‘inexistindo lei federal sobre normas
gerais’, a possibilidade de exercer a competência legislativa plena,
desde que ‘para atender a suas peculiaridades’ (art. 24, §3º). A
questão da lacuna normativa preenchível. Uma vez reconhecida a
competência legislativa entre a União, os Estados-membros e o DF
em temas afetos às pessoas portadoras de deficiências, e enquanto
não sobrevier a legislação de caráter nacional, é de admitir a
existência de um espaço aberto à livre atuação normativa do
Estado-membro, do que decorre a legitimidade do exercício, por
essa unidade federada, da faculdade jurídica que lhe outorga o art.
24, § 3º, da Carta Política.” (STF – Pleno – Adin n.º 903-6/MG –
Medida Liminar – Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça,
Seção I, 24 out. 1997, p. 54.155).
Existem imensas diferenças entre as diversas regiões que constituem o país, bem
como, entre seus Estados e as temáticas que neles ganham legitimidade a ponto de
merecerem norma específica.
Da mesma forma que a Constituição permite que essas diferenças sejam
respeitadas, esta deseja que a União mantenha o controle sobre a unidade
educacional no país, não permitindo que determinada região diferencie-se
excessivamente das outras.
Daí, comprovada a eficácia da lei estadual em resguardar os direitos educativos de
seus estudantes, o mais adequado seria elevar esta garantia ao plano federal, fato
que, ao que se sabe, todavia não ocorreu. O que não se pode admitir é que
punamos os estudantes cariocas por inércia do legislador federal.
Toda esta exposição é válida na medida em que se considera como pressuposto a
não incidência do mero caráter civil das relações existentes entre as instituições
privadas de ensino e seus estudantes. Inegavelmente, em algum nível dessa
relação, existem interações meramente contratuais.
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Contudo, no âmbito das matérias com as quais se relaciona o interesse público,
não é razoável tratá-las como tais.
Devido ao caráter estratégico que as relações educacionais possuem, o Estado não
permite que motivos essencialmente mercadológicos rejam o ensino e a educação,
posto que, estes são função do Estado e, mesmo que liberados seu exercício pelas
mãos da iniciativa privada, deve seguir o direcionamento das demais políticas
públicas garantidoras de direitos prestacionais. Por fim, na posição de amici
curiae, vamos ao encontro do Relator Especial para o Direito à Educação das
Nações Unidas, Vernor Muñoz Villalobos, quando diz “A educação é um direito
humano, não um bem econômico”3.
IV - O ENSINO PRIVADO NO BRASIL E NO RIO DE JANEIRO:
EXPANSÃO DE MATRÍCULAS E MAJORAÇÃO DE MENSALIDADES
A educação escolar é, sem dúvida, o serviço público mais difundido no território
nacional. Segundo os últimos dados coletados pelo Ministério da Educação
(MEC/INEP/Censo Escolar 2006), temos 55.942.047 (cinqüenta e cinco milhões,
novecentos e quarenta e duas mil e quarenta e sete) pessoas matriculadas nas
etapas e modalidades da educação básica, compreendendo: educação infantil
(creche e pré-escola), ensino fundamental, ensino médio, educação de jovens e
adultos, educação especial e educação profissional.
Desse total, 7.346.203 (sete milhões, trezentos e quarenta e seis mil e duzentos e
três) estudantes estão matriculadas na rede privada de educação básica,
correspondendo a 13,13% do total de vagas oferecidas.
Em relação ao ensino superior, os dados oficiais (MEC/INEP/SINAES) apontam
4.453.156 (quatro milhões, quatrocentos e cinqüenta e três mil e cento e cinqüenta
e seis) estudantes matriculados em todo o país, sendo que a participação da
iniciativa privada se inverte em relação à educação básica.
3 Tradução Livre “Education is a Human Right, Not an Economic Good”,
http://www.ohchr.org/english/issues/education/rapporteur/; 02/04/07.
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Vejamos o gráfico abaixo:
Matrículas no Ensino Superior por Natureza de IES -
Brasil - 2005 (Fonte: SINAES/INEP/MEC)
34%
11%13%3%
39%
Comunit/Conf/FilantEstadual
Federal
Municipal
Particular
Fonte: SINAES/INEP/MEC
As Instituições Privadas atendem, juntas, 73% das matrículas. As Particulares, que
visam o lucro, são as que detêm o maior percentual de vagas: 39% (1.753.184);
sendo seguidas pelas Instituições Privadas Comunitárias, Confessionais e
Filantrópicas, que respondem por 34% (1.507.783) do total de matrículas.
Enquanto isso, as Instituições Públicas e gratuitas atendem somente 27%
(1.192.189) dos universitários, sendo 13% (579.587) nas Federais, 11% (477.349)
nas Estaduais e 3%(135.253) nas Instituições Públicas Municipais. São, portanto,
10.607.170 (dez milhões, seiscentos e sete mil e cento e setenta) os usuários do
serviço educacional privado no Brasil, somados todos os níveis.
A tendência apresentada nos últimos anos aponta, por um lado, uma redução
relativa da participação privada na educação básica e, por outro, uma grande
evolução no número de matrículas pagas no ensino superior, que segue crescendo
em nível impressionante. Vejamos:
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Evolução das Matrículas em Instituições de Ensino Superior (IES) Públicas e
Privadas – Brasil – 1991 a 2005
Fonte: SINAES/INEP/MEC
Esse fator tem merecido especial atenção por parte das organizações de interesse
público e do Poder Legislativo, pois, ao passo que se tem ampliado a
possibilidade de acesso ao ensino superior para populações historicamente
excluídas desse direito, tal fato decorreu, sobretudo, da ampliação de oferta
privada, uma vez que não foram feitos os investimentos necessários na expansão
da rede pública de ensino superior.
Outro fator que merece ser destacado é que, juntamente com a ampliação de sua
participação na oferta de vagas de 3° grau, o setor privado tem exagerado na
elevação das anuidades escolares em geral.
Estudo do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos
– DIEESE, referente ao período 1997 – 2004, concluiu que, enquanto o Índice do
Custo de Vida (ICV) acumulou alta inflacionária de 72,05%, os “(...) gastos com
educação subiram 91,92%, basicamente pela pressão da alta das mensalidades
escolares (94,52%). (DIEESE, Educação sobe mais que inflação nos últimos sete
anos, 2004)”.
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Especifica:
“Os gastos com educação são responsáveis por 6,3% do
orçamento doméstico. (...) No caso da Educação – onde 89% das
despesas referem-se aos serviços e apenas 11% são bens -, os itens
foram detalhados, permitindo localizar mais precisamente os
grandes responsáveis pela alta desses preços. Para essa análise
foram utilizadas as taxas anuais de reajuste praticadas nos últimos
sete anos, ou mais precisamente, de janeiro de 1997 a janeiro de
2004 (Tabela 2).
A alta apurada na educação nestes sete anos – de 91,88% - foi
mais acentuada no subgrupo serviços (94,52%). Os bens
apresentaram aumento de 70,48%, menor, portanto, que a
detectada no índice geral (72,05%). Como os serviços da educação
compreendem basicamente as mensalidades escolares, um aumento
acima da inflação geral vem a pesar muito no bolso das famílias
que mantiveram seus filhos estudando no ensino privado e que não
tiveram reajustes em suas rendas compatíveis com os aumentos das
mensalidades.
Dentre os serviços da Educação, o que mais subiu foram os cursos
universitários (124,32%). Aumentos expressivos também foram
praticados nas escolas de 1º e 2º graus – respectivamente de
94,06% e 93,82% - enquanto os cursos diversos (64,52%) e a pré-
escola (70,48%) tiveram elevações inferiores ao índice geral.”
(DIEESE, Op. Cit., p. 02)
Concluindo: “Esse resultado permite afirmar que houve um abuso nos reajustes
das mensalidades escolares ao longo deste período.” (DIEESE, Op. Cit., p. 06).
Disso decorre a ampliação do potencial de conflitividade jurídica entre
instituições privadas e educandos, sendo necessária a edição de normas que
protejam o direito à educação destes, sem, no entanto, desconsiderar a
legitimidade das obrigações decorrentes do contrato e devidas à pessoa jurídica.
Esse é o espírito da legislação aprovada no último período, dentre elas a Lei
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Federal n° 9.870/1999, a Lei Estadual n°6.584/1994 - BA e a Lei Estadual
n°4.675 – RJ, esta última objeto da presente ADI.
Em relação especificamente ao Estado do Rio de Janeiro, onde vigora a lei objeto
da presente declaratória de inconstitucionalidade, são 4.225.696 (quatro milhões,
duzentos e vinte e cinco mil e seiscentos e noventa e seis) os estudantes
matriculados na educação básica, sendo 856.835 (oitocentos e cinqüenta e seis mil
e oitocentos e trinta e cinco) estudantes em instituições privadas. Ressalte-se que
no Rio de Janeiro a participação do setor privado neste nível de ensino é superior
à média nacional, alcançando 20,28% das matrículas. (Fonte: MEC/INEP/Censo
Escolar 2006)
Nesse estado, a participação da iniciativa privada no ensino superior é ainda maior
que a observada nacionalmente. Segundo as mesmas fontes oficiais, o ensino
superior carioca conta com 473.585 (quatrocentos e setenta e três mil e quinhentos
e oitenta e cinco) estudantes, sendo somente 18,3% (86.750) matriculados em
Instituições Públicas e 81,7% (386.835) em Instituições Privadas, respondendo as
Instituições Privadas Comunitárias, Confessionais e Filantrópicas por nada menos
que 70% das vagas:
Matrículas no Ensino Superior por Natureza
de IES - Rio de Janeiro - 2005
70,7%
4,6%
13,6%
0,1%
11,0% Comunit/Conf/Filant
Estadual
Federal
Municipal
Particular
Fonte: SINAES/INEP/MEC
Somando-se a educação básica e o ensino superior, são, somente no Estado do Rio
de Janeiro, 1.243.670 (um milhão, duzentos e quarenta e três mil e seiscentos e
setenta) os estudantes vinculados a escolas privadas, que arcam, direta ou
indiretamente, com os custos de sua educação. São estes, exatamente, os
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beneficiários da Lei Estadual n° 4.675/2005 - RJ, a qual, diante da peculiar
situação do estado, assegura uma garantia adicional ao exercício do direito à
educação de tais estudantes; repita-se, em um contexto no qual as mensalidades
escolares são inflacionadas abusivamente.
Vale ressaltar que no Brasil, sobretudo na educação infantil (creches e pré-
escolas) e no ensino superior, etapas nas quais a participação do Estado se
apresenta mais deficiente, na maior parte dos casos, a freqüência a escola privada
não pode ser encarada como opção do estudante, e sim como único meio de
acessar o direito humano à educação que lhe é assegurado constitucionalmente.
Tal fato, por si só, justifica uma maior atenção das instituições jurídicas.
V – PEDIDO
Diante de todo o exposto, requer-se:
a) seja a presente manifestação da Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e
Informação e da Conectas Direitos Humanos admitida na qualidade de amici
curiae na ADI 3874, nos termos do artigo 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99, com a
conseqüente juntada dos documentos anexos aos autos;
b) seja assegurada aos postulantes a possibilidade de sustentação oral de seus
argumentos em Plenário;
c) caso negado o item anterior, requer-se que estes argumentos e documentos
sejam recebidos como memoriais;
São Paulo, 16 de maio de 2007.
Salomão Barros Ximenes
OAB/CE 15.357
Rafael Conde Macedo
OAB/SP 249.809
Eloísa Machado de Almeida
OAB/SP 201.790