EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIRETO DA VARA...
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIRETO DA VARA FAZENDA
PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL:
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO, pelos Promotores de Justiça signatários, no exercício de suas atribuições
constitucionais e legais, vem, perante Vossa Excelência, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICACIVIL PÚBLICA
em face de:
FEDERATION INTERNATIONALE DE FOOTBALL ASSOCIATION – FIFA,
associação de direito privado suíça, com endereço na Strasse 20, CH-8044, Zurich, Suiça,
representada no Brasil pelo Sr. Fulvio Danilas, brasileiro, solteiro, economista, CPF:
806.255.047-91, residente na Av. Jornalista Tim Lopes, 255, Bloco 6, Barra da Tijuca,
CEP: 22.640-908, Rio de Janeiro/RJ (doc. 12);
COPA DO MUNDO FIFA 2014 - COMITÊ ORGANIZADOR BRASILEIRO
LTDA., pessoa jurídica de direito privado, CNPJ: 10.014.746/0001-08, com sede na
Avenida Salvador Allende, 6555, Rio Centro, Pavilhão 1, Bairro: Barra da Tijuca, CEP:
22783-127, Rio de Janeiro/RJ;
pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.
I – DOS FATOS:
1. Trata-se da Ação Civil Pública fruto do trabalho efetuado pelo Ministério
Público Federal e pelos Ministérios Públicos dos Estados da Bahia, Ceará, Distrito
Federal, Minas Gerais, Pernambuco e Rio de Janeiro no âmbito do “Fórum Nacional de
Articulação das Ações do Ministério Público na Copa” do Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP).
2. Urge destacar que ações semelhantes a esta petição inicial estão sendo
simultaneamente propostas em cada uma das cidades que sediaram a Copa das
Confederações FIFA 2013, vale dizer, nos Municípios de Salvador, Fortaleza, Belo
Horizonte, São Lourenço da Mata, Rio de Janeiro, bem como no Distrito Federal.
3. O pleito é de ressarcimento dos gastos efetuados pelo Poder Público para
fins de instalar nos estádios que sediaram a Copa das Confederações FIFA 2013
estruturas temporárias para o período da competição.
4. O compromisso de custeio das estruturas temporárias pelo Poder Público
foi imposto pela FIFA por meio da assinatura de um aditivo ao Contrato de Estádio
(Stadium Agreement – doc.6) assinado pelos Estados, denominado “First Amendment to
the Stadium Agreement” (doc. 7).
5. Eis o teor da obrigação assumida no aditivo ao contrato de estádio, na
cláusula 2.3 (doc. 7):
“Se espaços suficientes, salas, construções e/ou instalações não puderem ser
providas dentro do Estádio para obedecer totalmente a quaisquer exigências
feitas pela FIFA (i.e. Erigir um voluntário, credenciamento ou centro de bilhetes,
ou para estacionamentos, áreas de hospitalidade e de exibição comercial para os
Afiliados Comerciais e cidades sede), a Autoridade do Estádio assumirá a tarefa
de alugar, desenvolver (se necessário) e prover, à FIFA e ao LOC, de acordo com
os termos e condições deste Acordo, os espaços e áreas requeridos (incluindo
qualquer instalação necessária) nas imediações do Estádio para o Período de Uso
Exclusivo e removê-las, (se necessário), depois de usadas pela FIFA e pelo LOC –
tais provisões e remoções são de total custo da Autoridade do Estádio. Qualquer
espaço adicional e salas providas pela Autoridade do Estádio nos termos desta
cláusula são, para todos os fins e propósitos, parte dos termos da Cláusula 3.1 do
Estádio, no contexto deste Acordo”.
6. Chama-nos atenção que as exigências de custeio das estruturas
temporárias não tenham constado do original do “Contrato de Estádio” – doc.6, o
que denota que, à época da assinatura deste Contrato, tais obrigações não seriam de
responsabilidade do Poder Público, e sim, da proprietária do evento.
7. A nova obrigação foi imposta pela FIFA, por meio de um autêntico
contrato de adesão, padronizado para todas as cidades-sede. (doc. 7)
8. Acrescente a isso o fato de tais exigências de custeio terem sido impostas
pela Fifa em fevereiro de 2009, três meses antes da entidade anunciar as cidades-sedes
escolhidas, o que ocorreu em maio de 20091, sem dispor do detalhamento ou
especificação do vulto das referidas estruturas temporárias.
9. É evidente que aqueles Estados/Municípios que não se comprometessem
em arcar com as despesas relativas às estruturas temporárias seriam excluídos do
processo de escolha. Daí porque podemos afirmar que se tratou de um Termo de Aditivo
imposto pela FIFA sem qualquer possibilidade de discussão pelos signatários.
10. Prova disso é que, conforme se verá, a obrigação assumida pelos
Estados/Municípios não foi precedida de qualquer estudo em relação ao seu impacto
financeiro, tanto que solicitaram ao Governo Federal que arcasse com a despesa,
alegando não terem dimensionado o impacto financeiro do compromisso assumido,
doc. 02.
1 http://www.portal2014.org.br/noticias/307/CIDADESSEDE+JA+ESTAO+ESCOLHIDAS.html
11. Ou seja, as circunstâncias que permearam a assinatura do Contrato de
Estádio e seus Aditivos denotam a inegável prática de abuso de direito pela FIFA
(artigo 187, do Código Civil). Isso porque, além da exigência de reformas e construções
de estádios no país para os eventos de 2013 e 2014, a FIFA, extrapolando os limites
condizentes com a estruturação do País, exigiu de forma autoritária que os Estados
arcassem com milionários valores para as estruturas temporárias, que nenhum legado
trouxe à sociedade.
12. A despeito do abuso de direito perpetrado pela FIFA, há a questão, também
relevante, voltada à ausência de interesse público na assunção destes gastos, que não
trazem nenhum legado à população.
13. Vejamos.
14. Estruturas temporárias, segundo a FIFA, são adaptações temporárias
para viabilização das partidas de futebol da Copa do Mundo, consistentes em uma série
de estruturas e serviços acessórios aos estádios, destinadas a atender as necessidades
operacionais e comerciais específicas da competição (doc. 1).
15. A FIFA exemplifica que são estruturas temporárias os seguintes
produtos e serviços: Assentos temporários; Tendas; Plataformas; Rampas; Passarelas;
Sinalização específica; Cercas; Iluminação; Cabos; Mobiliário; Divisórias; Preparação de
piso; Instalações elétricas; Instalações hidráulicas; Instalações de Ar Condicionado (doc.
1).
16. Tratam-se, portanto, as estruturas temporárias de facilidades adicionais
concedidas pelo Poder Público à FIFA para fins de bilhetagem, controle de entrada e
saída de torcedores, áreas de lazer e alimentação, suporte à mídia esportiva, transmissão
de TV e rádio, áreas de hospitalidade para patrocinadores e autoridades, segurança,
armazenagem e distribuição de insumos, além de suporte para as equipes de futebol,
árbitros, equipe FIFA e seus parceiros.
17. No documento intitulado de “Projetos Conceituais de Estruturas
Temporárias, FIFA World Cup Brasil”, a FIFA apresenta figuras que ilustram as estruturas
temporárias em eventos da Copa do Mundo: (doc. 1, p: 3)
18. Ilustram também a grandiosidade e a natureza voluptuária das
estruturas temporárias as fotos retiradas pelo MPMG no Estádio do Mineirão, em Belo
Horizonte, por ocasião da Copa das Confederações FIFA 2013, cujas características não
se diferem nas demais sedes:
19. São também ilustrativas as fotos retiradas pelo Ministério Público do
Estado do Ceará na Arena Castelão, na data do dia 26 de junho de 2013, às vésperas da
partida entre Espanha x Itália. Como será visto, as estruturas temporárias foram
padronizadas para todas as sedes:
20. As fotos evidenciam o desvio de finalidade do gasto público, pois se
referem a camarotes vip, tendas para patrocinadores, suporte para a HBS (empresa
exclusiva da FIFA para TV), lojas oficiais da FIFA, além de geladeiras, TV's e outros
equipamentos com logomarca dos próprios parceiros da FIFA. Tais circunstâncias se
repetiram em todas as sedes da Copa das Confederações FIFA 2013.
21. Vale observar que os custos das estruturas temporárias para a
realização da Copa das Confederações FIFA 2103 foram de aproximadamente R$ 230
milhões de reais nas seis cidades de realização do evento (doc. 8):
Gastos – Copa das Confederações FIFA 2013 – Estruturas Temporárias2
Belo Horizonte R$ 46 milhões
Brasília R$ 34 milhões + R$ 14,7 milhões
Rio de Janeiro R$ 33,7 milhões
Fortaleza R$ 33,8 milhões
Recife R$ 36,5 milhões
Salvador R$ 31 milhões
22. No ponto, vale asseverar que o próprio Governador do Estado, em 10
dezembro de 2012, subscreveu, em conjunto com demais Chefes do Executivo Estadual
das sedes do evento, ofício à União solicitando que os custos da contratação das
estruturas temporárias fossem assumidos pelo Governo Federal, pois “não
dimensionaram o real impacto financeiro do compromisso assumido” e que o cenário
2 http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2013/06/19/ganho-do-turismo-
nao-paga-nem-estrutura-temporaria-da-copa-das-confederacoes.htm;
http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2013/06/10/governos-gastam-r-
158-milhoes-por-jogo-da-copa-das-confederacoes.htm
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/painelfc/2013/08/1330665-conta-em-
atraso.shtml
http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2013/08/09/governo-do-df-paga-
sobra-de-conta-da-copa-das-confederacoes-e-prejuizo-com-evento-cresce-r-15-
milhoes.htm
http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2013/07/18/estruturas-
temporarias-da-copa-devem-constar-na-conta-oficial-da-copa-recomenda-tcu.htm
http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2013/01/30/fifa-reduz-exigencia-
e-custo-de-estruturas-temporarias-de-estadios-da-copa.htm
http://www.hojeemdia.com.br/esportes/estrutura-das-copas-custara-ate-r-100-milh-es-ao-governo-de-mg-
1.146714
http://www.espbr.com/noticias/arena-vai-consumir-r-36-5-milhoes-estruturas-
temporarias-copa-confederacoes
era de “estrangulamento de suas receitas e, consequentemente, de sua capacidade de
investir.” (doc. 2)
23. A preocupação do Governador do Estado com relação ao estrangulamento
da capacidade de investir nas Estruturas Temporárias da FIFA é pertinente (doc. 2),
seja (a) pelo alto custo das referidas estruturas, (b) seja pela total ausência de
dimensionamento do porte e do custo das respectivas contratações, pois omisso o
Termo de Aditivo quanto a eventuais valores, o que somente foi conhecido com
encaminhamento dos projetos pela FIFA no limite do prazo para realização das
licitações pelos Estados. (doc. 4)
24. Observe-se que os projetos com as especificações de itens,
equipamentos, etc. das estruturas temporárias não são de autoria dos Estados, mas
sim da FIFA, que no exercício de seu arbítrio, encaminhou o caderno com as exigências
que deveriam ser atendidas pelo Poder Público, para fins de satisfazer as suas exclusivas
necessidades operacionais e comerciais. (doc. 1, p. 5 e doc. 9)
25. Segue prancha exemplificativa (doc. 9):
26. Impugna-se, portanto, nesta ação civil pública, a realização dos gastos
efetuados pelo Poder Público com intuito de atender aos exclusivos interesses da FIFA
durante a Copa das Confederações FIFA 2013, mediante assunção de custos com
estruturas temporárias, que ao final da competição foram desmobilizadas dos estádios,
sem legado para a população. (doc. 1, págs.: 12/13)
II – DO DIREITO:
A – DA INAPLICABILIDADE DA CLÁUSULA ARBITRAL:
27. Para afastar, desde logo, qualquer dúvida quanto à competência do Poder
Judiciário para a causa, o MP esclarece que a cláusula 9.15 do Contrato de Estádio, que
prevê a arbitragem como método de solução de conflitos entre as partes, não se aplica a
este caso. (doc. 6)
28. Embora a doutrina, a jurisprudência e a legislação brasileiras admitam a
possibilidade de submissão à arbitragem de certos litígios envolvendo o Poder Público,3
com o consequente afastamento excepcional da jurisdição estatal,4 a presente demanda
não se sujeita ao juízo arbitral, por duas razões principais: primeiro, a cláusula arbitral
pactuada no Contrato de Estádio não vincula o Ministério Público, que dela não foi parte;
segundo, esta demanda envolve interesse público primário, de natureza indisponível, o
que a torna insuscetível de submissão à arbitragem, segundo o critério de arbitrabilidade
objetiva adotado pela Lei Brasileira de Arbitragem (Lei 9.307/1996).
29. Enquanto a jurisdição estatal deriva diretamente da lei, os poderes
exercidos pelo árbitro têm fundamento na vontade das partes, manifestada no regular
exercício de sua autonomia enquanto sujeito de direitos, por meio da celebração de uma
convenção arbitral.
30. Desse modo, para afastar a jurisdição legal do Poder Judiciário e submeter
o conflito à arbitragem, é preciso que tenha havido o CONSENTIMENTO das partes
litigantes, seja prévio (mediante a chamada cláusula compromissória) ou
contemporâneo ao litígio (por meio de compromisso arbitral), nos termos do artigo
3º da Lei 9.307/1996.
31. No presente caso, como o Ministério Público não figura como parte do
acordo celebrado pelos réus, nem manifestou, de qualquer outra forma, seu
consentimento em submeter-se à jurisdição arbitral – até porque a atuação do MP,
assim como do Poder Judiciário, decorre diretamente da Constituição da República
e da lei –, não está ele obrigado a se sujeitar à arbitragem.
32. Portanto, a cláusula 9.15 do Contrato de Estádio é inoponível ao
3 A possibilidade de utilização de arbitragem para solução de conflitos derivados de contratos com o Poder
Público está prevista, por exemplo, no artigo 11 da Lei 11.079/2004 (Lei de Parceria Público-Privada) e no artigo 23-A
da Lei 8.987/1995, que dispõe sobre a Concessão e Permissão de Serviços Públicos.
4 O artigo 267, inciso VII, do Código de Processo Civil prevê, entre as causas de extinção do processo, sem
resolução de mérito, a existência de convenção arbitral validamente celebrada pelas partes litigantes.
Ministério Público e não representa obstáculo a que o Ministério Público, terceiro
não signatário da convenção arbitral e legitimado a atuar por força da lei, promova
esta ação perante o Poder Judiciário.
33. Além disso, a Lei 9307/1996 restringe a possibilidade de utilização da
arbitragem apenas para solução de litígios relativos a “direitos patrimoniais disponíveis”
(artigo 1º da Lei 9.307/1996).
34. Para demandas envolvendo direitos de natureza extrapatrimonial (não
suscetíveis de avaliação pecuniária) ou indisponível (insuscetíveis de ato voluntário de
disposição), é vedada a adoção da arbitragem, cabendo exclusivamente ao Poder
Judiciário o exercício da jurisdição.
35. Em se tratando de litígios com o Poder Público, diante do princípio da
indisponibilidade do interesse público, a doutrina e a jurisprudência têm discutido os
limites para utilização da arbitragem a partir da distinção entre “interesse público
primário” (também chamado “interesse público propriamente dito” ou “interesse da
coletividade”, consistente no plexo dos interesses dos indivíduos enquanto partícipes da
sociedade) e “interesse público secundário” (também conhecido como “interesse da
Administração”, quando o Poder Público se comporta como simples sujeito de direitos,
praticando meros atos de gestão, em benefício de seus próprios interesses particulares).5
36. Nesse sentido, a arbitragem com o Poder Público somente é admitida para
questões de natureza contratual ou privada relacionadas a atos de gestão do ente público,
que envolvem mero interesse da Administração (cabendo a defesa, nesse caso, à
Advocacia Pública).6
5 DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo. 20. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 234. Vide, ainda, GRAU, Eros Roberto. Arbitragem e contrato administrativo. São Paulo:
Revista da Escola Paulista de Magistratura, v.3, nº. 2, 2002. p. 58.
6 É o que ocorre, por exemplo, em demandas envolvendo sociedades de economia mista, como nos seguintes
precedentes do Superior Tribunal de Justiça: Recurso Especial 606.345/RS. Relator Ministro João Otávio de Noronha.
37. Ao contrário, quando o que está em jogo é o interesse da coletividade –
como nos casos de grave e injustificável prejuízo ao erário –, não há espaço para
arbitragem, pois os direitos envolvidos são indisponíveis e extrapolam a simples
dimensão pecuniária e contratual, cabendo ao Ministério Público, no cumprimento de seu
papel institucional, promover a tutela do patrimônio público perante o Poder Judiciário.
38. Em conclusão, a arbitragem visa atender, de forma legítima, os anseios
daqueles que contratam com a Administração Pública por um instrumento célere e
eficiente para solução dos conflitos contratuais. Contudo, a opção por essa alternativa,
que está amparada exclusivamente na vontade dos contratantes, não pode representar
obstáculo para que os órgãos de controle desempenhem sua função institucional, nem
criar um manto de insindicabilidade pelo Poder Judiciário na proteção do patrimônio
público.
39. Com efeito, a Cláusula 9.15 do Contrato de Estádio, que prevê a
arbitragem como método de solução de conflitos entre as partes, não se aplica à presente
demanda.
B – DO ABUSO DO DIREITO:
40. Como dito ao norte, o compromisso de custeio das estruturas temporárias
pelo Poder Público foi imposto pela FIFA por meio de um aditivo ao Contrato de
Estádio (Stadium Agreement – doc.6) assinado pelos Estados, denominado “First
Amendment to the Stadium Agreement (doc. 7)”.
41. As exigências de custeio das estruturas temporárias não tinham
constado do original do “Contrato de Estádio” – doc.6, tendo sido a nova obrigação
imposta em fevereiro de 2009, três meses antes da entidade anunciar as cidades-sedes
2007; Mandado de Segurança 11.308/DF. Relator Ministro Luiz Fux. 2008.
escolhidas, o que ocorreu em maio de 20097. De toda forma, importante observar que o
aditamento referente às estruturas temporárias não dispunham acerca dos detalhes e
especificações técnicas que as constituiriam, deixando o Poder Público refém da vontade
privada da FIFA, esta sempre com o domínio da situação.
42. É evidente que aqueles Estados que não se comprometessem em arcar com
as despesas relativas às estruturas temporárias seriam excluídos do processo de escolha.
Daí porque podemos afirmar que se tratou de um Termo de Aditivo imposto pela FIFA
sem qualquer possibilidade de discussão pelos signatários.
43. Isso comprova o abuso de direito da FIFA e a ilicitude do ato (artigo
187, CC), que ultrapassou o limite de razoável e da boa-fé ao exigir que o Poder Público
arcasse com valores astronômicos a título de estruturas provisórias, as quais, em razão de
sua natureza voluptuária e por serem apenas ínsitas às exclusivas necessidades
operacionais da FIFA, não trouxeram nenhum legado à sociedade. A média de custos das
estruturas temporárias em cada Estádio, pelo período de 15 dias, foi acima de R$ 30
milhões de reais.
44. O ônus excessivo imposto aos Estados revela a ausência de boa fé objetiva
da FIFA, que apenas se interessa com astronômicos lucros, livrando-se, inclusive, de
despesa ínsitas à própria realização de seu negócio.
45. A propósito, a Procuradoria-Geral da República, por meio do Oficio
PGR/GAB/Nº 1795 (doc. 3), questionou à FIFA acerca de qual a entidade (se pública ou
privada) arcou com as despesas referentes às estruturas temporárias dos estádios na Copa
do Mundo na Alemanha e na África do Sul. Foi solicitado também o encaminhamento
de contratos de estádios (Stadium Agreements) dos eventos de 2006 e 2010.
46. Em resposta, a FIFA negou o encaminhamento dos contratos. Apenas
7 http://www.portal2014.org.br/noticias/307/CIDADESSEDE+JA+ESTAO+ESCOLHIDAS.html
disse que as exigências são efetuadas para todos os eventos FIFA e quem deve arcar com
as estruturas temporárias é o proprietário do estádio, ocorrendo no Brasil a coincidência
de ser o Poder Público. Salientou, ainda, que as Competições FIFA da Alemanha e África
do Sul não podem ser comparadas com a Copa das Confederações de 2013 e a Copa do
Mundo de 2014. (doc. 3)
“(...) Informamos, respeitosamente, que os Stadium Agreements celebrados
nas Copas do Mundo FIFA realizadas na Alemanha e na África do Sul
possuem cláusula de confidencialidade e são sujeitos à legislação estrangeira, e
a FIFA está, portanto, impedida de encaminhar cópias ou divulgar seu conteúdo.
Ainda que pudessem ser compartilhados, acreditamos que tais contratos
seriam de pouca utilidade para o Ministério Público Federal, tendo em
vista as diferenças na organização administrativa do Poder Público e na
estrutura jurídica da propriedade em cada um destes países, bem como as
inúmeras peculiaridades que cercam a montagem de cada estádio para sediar
partidas da Copa das Confederações FIFA e da Copa do Mundo FI FA
("Competições FIFA").
(….) Para que a realização das Competições FIFA seja viável, a FIFA exige que
os estádios possuam determinada configuração como, por exemplo, no que
diz respeito aos espaços de hospitalidade, à capacidade de espectadores, aos
padrões de acessibilidade e às instalações técnicas para a transmissão das
partidas. Os requisitos relativos à configuração dos estádios são conhecidos
e aceitos pelos proprietários dos estádios antes de se candidatarem para
sediar partidas das Competições FIFA.
(…) O investimento nos estádios para a realização destas competições depende
de uma série de fatores, incluindo as características individuais de cada estádio.
Já a quantidade de recursos públicos destinada a este fim depende de quem
são os proprietários dos estádios e, conforme o caso, de eventuais acordos
entre os proprietários e o Poder Público. Por este motivo, no que diz
respeito à reforma e construção de estádios ou à montagem de estruturas
complementares, as diferentes edições das Competições FIFA - e mesmo os
diversos estádios que sediam uma mesma competição - não são
comparáveis entre si.
47. Todavia, na contramão da resposta da entidade, na Copa do Mundo FIFA
África do Sul 2010, os gastos com as estruturas temporárias, como não poderia ter
sido diferente, foram suportados pelo Comitê Organizador Local. A informação
pública consta do Relatório Financeiro da FIFA da Copa de 2010 (FIFA Financial Report
2010)8 (doc.5, fls. 38), bem como do Relatório do Ministério do Esporte e Lazer da
República da África do Sul9 (doc. 10, fls. 172):
“A quantidade de despesas operacionais do Comitê Organizador é estimada
num total de 516 milhões de dólares. Uma vez que os custos totais excederam
o orçamento original, os custos excedentes foram cobertos pelo aumento do
fluxo de receitas da venda de bilhetes, resultando num lucro antecipado de 10
milhões de dólares. Em outras palavras, a FIFA cobriu todas as despesas
operacionais do Comitê Organizador.
A maioria dos custos foram atribuídos ao funcionamento dos estádios (260
milhões de dólares), custos pessoais (58 milhões de dólares), transporte (34
milhões de dólares) e tecnologia de informação (26 milhões de dólares). O
funcionamento do Estádio incluiu os custos de estruturas temporárias (89
milhões de dólares), fornecimento de energia (87 milhões de dólares),
segurança (22 milhões de dólares) e voluntários (14 milhões de dólares), bem
como pagamentos feitos ao governo, aos estados e aos locais para aluguel dos
estádios, totalizando 23 milhões de dólares.” (grifos nossos)
“The Organising Committee’s operational expenses amounted to a total of
8
http://www.fifa.com/mm/document/affederation/administration/01/39/20/45/web_fifa_fr2010_eng
%5B1%5D.pdf acessado em 10 de outubro de 2013.
9 http://www.srsa.gov.za/MediaLib/Home/DocumentLibrary/SRSACountryReport2013-withcover.pdf,
acessado em 10 de outubro de 2013.
USD 516 million. While the overall costs exceeded the original budget, these
were covered by higher revenue from ticket sales, resulting in an anticipated
profi t of USD 10 million. In other words, FIFA covered all of the Organising
Committee’s operational expenses.
The majority of the costs were attributable to stadium operation (USD 260
million), personnel costs (USD 58 million), transport (USD 34 million) and
information technology (USD 26 million). Stadium operation includes the costs
for temporary structures (USD 89 million), power supply (USD 87 million),
security (USD 22 million) and volunteers (USD 14 million), as well as
payments totalling USD 23 million made to the government, the provinces and
the venues for the rental of the stadiums.”
48. Ora, não há que se falar na impossibilidade de comparação das
Competições FIFA da Alemanha e África do Sul com os eventos similares no Brasil. Na
verdade, se deduz notoriamente o objetivo da FIFA de maximizar seus lucros, impondo ao
Poder Público brasileiro gastos que não atendem ao interesse público.
49. Acrescente-se também ser falso o alegado pela FIFA ao dizer que os
Estados já sabiam o que iriam gastar com estruturas temporárias. Como apontado alhures,
a obrigação assumida pelos Estados não foi precedida de qualquer estudo em
relação ao seu impacto financeiro, tanto que solicitaram, como já dito, ao Governo
Federal que arcasse com a despesa, alegando que não dimensionaram o impacto
financeiro do compromisso assumido. (doc. 02)
50. Também comprova esse fato, de forma exemplificativa, a irresignação do
Estado de Minas Gerais com a postura da FIFA em (1) atrasar o envio das especificações
das estruturas temporárias para que fosse efetuada a licitação, (2) alterar itens na
undécima hora, bem como (3) sugerir a inobservância das leis que vigoram no pais (docs.
4 e 11). Repita-se que, embora a citação seja relacionada ao Estado de Minas Gerais,
a conduta da FIFA foi equivalente em todas as sedes.
51. Vejamos, portanto, as ponderações do Estado de Minas Gerais (doc . 4):
(…) A contratação das estruturas temporárias pode, inequivocamente, ser
qualificada como sui generis. Trata-se de um objeto extremamente vasto e
complexo, mas que, ao mesmo tempo, está ancorado em uma planilha de
quantidades fornecida pela FIFA, que é composta por itens cujos níveis de
detalhamento são parcos. ( . . . )
(…) o encaminhamento da planilha só veio a acontecer muito depois
e, ainda assim, em qualidade inservível, para fins de abertura de
processo licitatório, o que representou a necessidade de aguardar ainda
mais tempo para o encaminhamento de informações mais precisas que
tornassem o material apto à instauração de certame. O envio tardio das
especificações técnicas daquilo que a FIFA entendia representarem as
estruturas temporárias da Copa das Confederações foi o grande
gargalo para que o Governo do Estado de Minas Gerais conseguisse realizar o
planejamento para o qual estava preparado para realizar, caso o
cronograma das entregas não tivesse sido desrespeitado pela referida
entidade.
(…) Como se não bastassem as incongruências e inconsistências que
orbitavam essa contratação, considerando as várias inclusões
extemporâneas de novos quantitativos e itens que o COL insistia em
encaminhar, munido do acordo firmado com os Governos Estaduais que
o habilitavam para tal, (...)
(…) Faltando cerca de cinco meses para a Copa das Confederações
da FIFA Brasil 2013, no dia 15 fevereiro de 2013, o COL
encaminhou a este Gabinete um pedido de inclusão de itens e
alterações de quantidades nos editais/processo de temporárias, via
correspondência eletrônica {Anexo 15), tendo sido essa tônica
constante ao longo desse período, exigindo que os órgãos públicos
de todo o país intercedessem junto ao COL no convencimento das
nossas limitações, face ao ordenamento jurídico vigente. (doc. 4)
52. O desrespeito da FIFA e do COL com as leis nacionais é gritante.
Corrobora esse fato também o posicionamento do COL encaminhado ao Estado de Minas
Gerais, conforme se colhe da Nota Técnica 051/2012: (doc. 11)
“(...) após nova reunião na sede do COL, no Rio de Janeiro, o mesmo servidor
Rodrigo Reis de Oliveira enviou ao Dr. Arq. Carlos de La Corte, da Arena
Estádio, empresa contratada pelo COL, a solicitação da lista de itens. (doc. 4)
O Gerente Geral de Estádios e Instalações, Roberto Siviero, foi quem direcionou
o pleito, de cuja resposta, extraímos a seguinte passagem:
“Infelizmente não temos como entregar nada antes. (…) Se pararmos
para atender a vocês, perderemos o prazo, que já está muito, muito
complicado de conseguir atingir pois há mudanças constantes, como
mencionei. Vocês precisam encarar esta contratação como algo
diferenciado. (…) precisamos pensar fora da caixa, não adianta
ficarmos presos nas amarras públicas de prazos e escopo neste caso
(grifo nosso), na minhão opinião” (SIC)” (doc. 11)
53. Ora, a FIFA se considera supra estatal e pratica inegáveis excessos nas
exigências para a realização de suas competições. No Brasil, ela sumariamente exigiu
as estruturas temporárias, sendo indiferente se o ordenamento jurídico pátrio impede
gastos públicos que não se harmonizam com o interesse público. O Estado Brasileiro
deve se adequar à FIFA, ou é a FIFA quem deve se adequar ao ordenamento pátrio? Eis
um questionamento que merece reflexão.
54. Ora, se no Brasil a propriedade dos Estádios, nas sedes da Copa das
Confederações FIFA 2013, é do Poder Público, então caberia a FIFA se readequar e arcar
com os custos das estruturas temporárias ou, por outro lado, buscar o apoio de seus
patrocinadores. Não poderia, portanto, atribuir essa conta ao Poder Público
brasileiro.
55. Com efeito, nítida a prática de abuso de direito por parte da FIFA por
meio de exigências excessivas que extrapolam os limites da razoabilidade (art. 187,
CC), consubstanciada, no caso concreto, na imposição aos Estados de arcarem com as
estruturas temporárias na Copa das Confederações FIFA 2013.
C - DA AUSÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO
56. Relembre-se que a Copa das Confederações FIFA 2013 e a Copa do
Mundo FIFA 2014 são eventos privados, cujos direitos são exclusivos da FIFA,
associação de direito privado com sede na Suíça.
57. Dito isso, indaga-se: houve interesse público apto a justificar a assunção
pelo Poder Público de custos de operacionalização da Copa das Confederações que
deveriam ter sido suportados pelo seu proprietário?
58. Busca-se, portanto, à luz do interesse público, demonstrar a ilegalidade
dos custos assumidos pelo Poder Público.
59. O interesse público deve ser avaliado no caso concreto e, diante das
especificidades deste, será possível aferir o único sentido possível em que pode ser
tomado, e por isso, a hipótese é entendida como caso de vinculação (ou regulação
direta) e não campo de exercício de discricionariedade.10
60. Ou seja, na análise do caso concreto apenas um sentido será o mais
adequado para preenchimento do interesse público.
61. Partindo-se para a avaliação do fato em foco (Copa das Confederações
FIFA 2013), não se vislumbraram justificativas para a contratação das estruturas
10 Ver STJ AGRG 4053, 2ª T, DJ 12/11/2001
temporárias pelo Poder Público em favor da FIFA, diante da ausência do interesse
público e de benefício à população.
62. A hipótese é completamente diversa dos gastos com mobilidade urbana,
portos e aeroportos.
63. Nestes últimos casos, ainda que os investimentos e projetos tenham sido
idealizados, incentivados ou otimizados em virtude da realização dos Eventos FIFA no
país, há inegável investimento em infraestrutura e legado para a população.
64. Situação ilustrativa é o caso das obras de infraestrutura que, a despeito
do atraso nos cronogramas, mesmo que concluídas ao final da Copa do Mundo FIFA
2014, gerarão benefícios a toda a população.
65. Ou seja, ainda que tenham sido germinadas e iniciadas tendo por mote a
realização do evento esportivo, o ganho nos investimentos em aeroportos, portos,
mobilidade urbana, na verdade, será da sociedade que contará com a prestação de
um serviço público melhor estruturado e com qualidade superior ao atual.
66. Outrossim, o mesmo não se diz com relação ao custo das estruturas
temporárias, que inclusive foram desmobilizadas ao final da competição. (doc. 1,
págs.: 12/13)
67. Houve interesse público na contratação de estruturas temporárias para fins
de bilhetagem, controle de entrada e saída de torcedores, se a FIFA comercializou os
ingressos e com eles obteve lucros?
68. Houve interesse público na contratação de estruturas temporárias para fins
de transmissão de TV e rádio, se a FIFA foi/é a única detentora dos direitos de
transmissão do evento e os comercializou a preços milionários?
69. Houve interesse público na contratação de estruturas temporárias para
patrocinadores e autoridades, se a FIFA arrecadou vultosos valores de seus
patrocinadores, os quais objetivaram o lucro com a exposição no evento?
70. Para todas essas perguntas, a resposta é indubitavelmente negativa.
71. O fato de a Copa das Confederações FIFA 2013 ter sido um evento
reconhecidamente de enorme importância mundial, não justificou a responsabilidade
imposta ao Poder Público em arcar com elevados custos que deveriam ser assumidos pelo
ente privado e que não trouxeram legado para a população.
72. E mais, os compromissos ilegais assumidos com a FIFA não possuíram o
condão de se sobrepor à Constituição Federal e leis em vigor no país, a pretexto de serem
necessários para realização do evento esportivo.
73. Nem se argumente que a assunção destes custos pelo Poder Público
tiveram o condão de melhorar a imagem da cidade ou do próprio país.
74. A propósito, para preservar e melhorar a imagem do país perante os
demais países do mundo e turistas, necessário será garantir uma boa mobilidade
urbana, segurança pública, tarifas hoteleiras a preços justos, serviços de boa
qualidade, cujo legado, este sim, irá beneficiar a população local.
75. Em suma, sob todos os ângulos, percebe-se que os custos das estruturas
temporárias da Copa das Confederações não se harmonizaram com o interesse
público, e, por isso, devem ser ressarcidos pela FIFA.
76. A tese que sustenta a pretensão em exame é muito simples: qualquer gasto
público, para encontrar amparo no ordenamento pátrio, deve ser direcionado para
obras/serviços que proporcionem retorno para a população. Investimentos em mobilidade
urbana e aeroportos atendem ao requisito apontado.
77. Em sentido oposto, e aqui reside o problema, é claramente
inconstitucional/ilegal a realização de investimento público em serviços temporários que
tiveram como único beneficiário um ente privado, no caso a FIFA.
78. Somente a FIFA lucrou com a venda de ingressos, souvenirs e transmissão
do evento.
79. Ora, nessa linha, é a FIFA quem deveria ter arcado, como ocorrido na
Copa do Mundo da África do Sul 2010 (doc.5, fls. 38 e doc. 10, fls. 172), com a
montagem da estrutura temporária.
80. Com efeito, há desvio de finalidade no gasto público:
“Finalidade é o elemento pelo qual todo ato administrativo deve estar dirigido ao
interesse público. Realmente não se pode conceber que o administrador, como
gestor de bens e interesses da coletividade possa estar voltado a interesses
privados. O intuito de sua atividade deve ser o bem comum, o atendimento aos
reclamos da comunidade, porque essa de fato é sua função.”11
81. Corroborando que o distanciamento da tutela do interesse público em
prol de interesse privado da FIFA configura desvio de finalidade (desvio de poder), tem-
se a doutrina de Carvalho Filho:
“(...) o desvio de poder é a modalidade de abuso em que o agente busca alcançar
fim diverso daquele que a lei lhe permitiu, como bem assinala LAUBADÈRE. A
finalidade da lei está sempre voltada para o interesse público. Se o agente atua em
descompasso com esse fim, desvia-se de seu poder e pratica, assim, conduta ilegítima.
Por isso é também que tal vício é também denominado de desvio de finalidade,
denominação, alás, adotada na lei que disciplina a ação popular (Lei nº 4.717, de
29.6.1965, art. 2º, parágrafo único, “e”).12
82. E prossegue Carvalho Filho:
“(...) o desrespeito ao interesse público constitui abuso de poder sob a forma de
desvio de finalidade. Não se pode esquecer também que a conduta desse tipo
11 Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, 25ª edição, Editora Atlas, 2012, pág. 118
12 Manual de Direito Administrativo, 25ª edição, Editora Atlas, 2012, pág. 47
ofende os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa, porque
no primeiro caso, enseja tratamento diferenciado aos administrados na mesma
situação jurídica, e, no segundo, porque relega os preceitos éticos que devem nortear a
Administração. Tais princípios estão expressos no art. 37, caput, da Constituição
Federal.”13
83. Em suma, o desvio de finalidade traz como consequência a ilegalidade e
nulidade da despesa, que se distanciou do interesse público para tutelar interesse
exclusivamente privado, sem qualquer benefício ou legado para a população. O
ordenamento jurídico repudia, com a pecha de nulidade, a prática de condutas
administrativas que, por não atender o interesse público, desviam-se da legalidade e da
finalidade, como se colhe do artigo 2° da Lei 4.717/65:
Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades
mencionadas no artigo anterior, nos casos de: (...)
c) ilegalidade do objeto; (...)
e) desvio de finalidade.
84. Ademais, a tutela do interesse privado da FIFA em detrimento do
interesse público vulnera também o princípio da impessoalidade (artigo 37, caput,
CF) e da igualdade (artigo 5º, CF).
85. Ao discorrer sobre o princípio da impessoalidade aponta Celso Antônio
Bandeira de Mello:
“[O princípio da impessoalidade] traduz a ideia de que a Administração tem que
tratar a todos os administrados, sem discriminações, benéficas ou detrimentosas.
Nem favoritismos nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou
animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação
13 Op. cit., pág. 118;
administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de
qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da
igualdade ou isonomia, sendo vedado a este buscar outro objetivo no
interesse próprio ou de terceiros.14
86. Ou seja, para que haja observância ao princípio da impessoalidade, a
atividade administrativa deve ser destinada a todos os administrados, sem discriminação,
nem favoritismo, constituindo um desdobramento do princípio da igualdade. As pessoas
jurídicas que integram a Administração Pública, direta ou indireta, devem perseguir o
interesse público, permanecendo numa posição de neutralidade em relação aos interesses
das pessoas privadas.
87. No caso concreto, a assunção pelo Poder Público com os custos das
estruturas temporárias, que não trouxeram nenhum legado para a população, vulnera
os princípios da igualdade (artigo 5º, CF) e da impessoalidade (artigo 37, caput, CF).
88. O gasto indevido de dinheiro público também atenta contra o princípio da
moralidade, pois tem por intuito favorecer interesses particulares de uma associação
privada (FIFA) em detrimento do interesse público, situação que consubstancia desvio do
padrão ético de conduta. A Constituição da República repudia as condutas que confundem
o espaço público com a dimensão pessoal do governante e seus favorecidos, justamente
por ferir o princípio da moralidade.
89. Acrescente-se também a violação ao princípio da eficiência, pois o
Estado, ao atender interesses privados da FIFA em detrimento do interesse público e sem
qualquer legado para a população, consagra o desvio de finalidade na Administração
Pública.
14 Melllo, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 21. ed., São Paulo, Malheiros
Editores, 2006, p. 110.
90. A propósito, ressalta Alexandre de Moraes:
“Princípio da eficiência é aquele que impõe à Administração Pública direta e
indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício
de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa,
eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção
dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos
recursos públicos, de maneira a se evitar desperdícios e garantir-se uma
maior rentabilidade social”.15
91. Por fim, pertinente a menção ao voto do Ministro Celso de Mello na Ação
Declaratória nº 12 julgada pelo Supremo Tribunal Federal que tinha por objeto a vedação
ao nepotismo. Em sua decisão, o Ministro Celso de Mello faz importantes
considerações sobre a dicotomia do espaço público e privado, bem como da violação
aos princípios da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa nos
casos de confusão entre estes espaços:
“Tenho para mim, analisada a questão sob essa perspectiva, que se impõe fazer
essencial distinção entre o espaço público, de um lado, e o espaço privado,
de outro, em ordem a obstar que os indivíduos, mediante ilegítima apropriação,
culminem por incorporar, ao âmbito de seus interesses particulares, a
esfera de domínio institucional do Estado, marginalizando, como
conseqüência desse gesto de indevida patrimonialização, o concurso dos
demais cidadãos na edificação da "res publica".
Daí a reflexão doutrinária, impregnada de acentuado componente filosófico, que
examina o pensamento democrático à luz das grandes dicotomias, como, por
exemplo, aquela pertinente à dualidade público/privado, subjacente à ideia
mesma de que o respeito, pelos indivíduos, aos limites que definem o
domínio público de atuação do Estado, separando-o, de modo nítido, do
15 Moares, Alexandre de., Direito Constitucional. 5 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 1999. P. 294.
espaço meramente privado, qualifica-se como pressuposto necessário ao
exercício da cidadania e do pluralismo político, que representam, enquanto
categorias essenciais que são (pois dão ênfase à prática da igualdade, do
diálogo, da tolerância e da liberdade), alguns dos fundamentos em que se
estrutura, em nosso sistema institucional, o Estado republicano e democrático
(CF, art. lº, incisos II e V).
Cabe preservar, desse modo, as relações que os conceitos de espaço público
e de espaço privado guardam entre si, para que tais noções não se
deformem nem provoquem a subversão dos fins ético-jurídicos visados pelo
legislador constituinte.
(…)
O fato é um só, Senhor Presidente: quem tem o poder e a força do Estado, em
suas mãos, não tem o direito de exercer, em seu próprio benefício, a autoridade
que lhe é conferida pelas leis da República. (…) E esta Suprema Corte, Senhor
Presidente, não pode permanecer indiferente a tão graves transgressões da
ordem constitucional.” (Voto Min. Celso de Mello - ADC 12, DJE 18/12/2009,
Pleno, Rel. Min. Carlos Britto)
92. Assim, em virtude da lesão ao patrimônio público, almeja-se nos pedidos
dessa Ação Civil Pública, a condenação da FIFA e do Comitê Organizador Local ao
ressarcimento dos gastos que beneficiaram interesses privados da FIFA, sem qualquer
legado para a população, tendo por fundamento o desvio de finalidade e a violação dos
princípios da legalidade, igualdade, impessoalidade, moralidade e eficiência (art. 37,
caput, CF e artigo 2º da Lei 4.717/65).
IV – DO RECONHECIMENTO INCIDENTAL DE NULIDADE:
93. Para fins de ser prestada a tutela jurisdicional de ressarcimento dos valores
do custo das estruturas temporárias da Copa das Confederações FIFA 2013, impõe-se o
reconhecimento incidental de nulidade do Contrato de Estádio (Stadium Agreement –
doc. 6) e seu aditivo, denominado “First Amendment to the Stadium Agreement (doc. 7),
no que toca à imposição de que o Poder Público assumisse o custo das estruturas
temporárias.
94. Eis o teor da obrigação assumida no aditivo ao contrato de estádio, na
cláusula 2.3 (doc. 7):
“Se espaços suficientes, salas, construções e/ou instalações não puderem ser providas
dentro do Estádio para obedecer totalmente a quaisquer exigências feitas pela FIFA
(i.e. Erigir um voluntário, credenciamento ou centro de bilhetes, ou para
estacionamentos, áreas de hospitalidade e de exibição comercial para os Afiliados
Comerciais e cidades sede), a Autoridade do Estádio assumirá a tarefa de alugar,
desenvolver (se necessário) e prover, à FIFA e ao LOC, de acordo com os termos e
condições deste Acordo, os espaços e áreas requeridos (incluindo qualquer
instalação necessária) nas imediações do Estádio para o Período de Uso Exclusivo e
removê-las, (se necessário), depois de usadas pela FIFA e pelo LOC – tais provisões e
remoções são de total custo da Autoridade do Estádio. Qualquer espaço adicional e
salas providas pela Autoridade do Estádio nos termos desta cláusula são, para todos
os fins e propósitos, parte dos termos da Cláusula 3.1 do Estádio, no contexto deste
Acordo”.
95. Com efeito, a nulidade decorre expressamente da lei, (1) seja pela prática
de abuso de direito (artigo 187, CC), (2) seja pelo desvio de finalidade do gasto que não
tutela o interesse público (artigo 2° da Lei 4.717/65), (3) seja pela lesão aos princípios da
legalidade, igualdade, impessoalidade, moralidade e eficiência (art. 37, caput, CF), como
vastamente exposto ao norte desta petição inicial.
96. Assim, requer o autor o reconhecimento incidental da nulidade das
disposições previstas na Cláusula 2.3, Parágrafo 2º do Contrato de Estádio, objeto do
Termo Aditivo celebrado com a FIFA, bem como, por arrastamento, de outras
disposições decorrentes daquela Cláusula que impôs ao Poder Público a obrigação de
arcar com despesas relacionadas às estruturas temporárias16
para a Copa das
Confederações FIFA 2013.
V – DO VALOR DO DANO:
97. No caso dos autos, o valor a ser ressarcido pela FIFA e pelo Comitê
Organizador Local aos cofres públicos atinge a quantia de R$ 33.650.000,00 (trinte e três
milhões, seiscentos e cinquenta mil reais).
98. A comprovação decorre do valor da contratação das estruturas temporárias
suportada pelo Estado para a realização da Copa das Confederações FIFA 2013, conforme
se colhe do instrumento de contrato em anexo. (doc.13)
VI – DAS CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS:
99. Prevê o artigo 53 da Lei 12.663/2012 (Lei Geral da Copa):
Art. 53. A FIFA, as Subsidiárias FIFA no Brasil, seus representantes legais,
consultores e empregados são isentos do adiantamento de custas, emolumentos,
caução, honorários periciais e quaisquer outras despesas devidas aos órgãos da Justiça
Federal, da Justiça do Trabalho, da Justiça Militar da União, da Justiça Eleitoral e da
Justiça do Distrito Federal e Territórios, em qualquer instância, e aos tribunais
superiores, assim como não serão condenados em custas e despesas processuais, salvo
comprovada má-fé.”
100. Há inconstitucionalidade no dispositivo que deve ser reconhecida em
sede de controle difuso.
16 As estruturas temporárias são aquelas previstas no DOC 09, anexo à inicial.
101. A isenção dada à FIFA, às suas subsidiárias, aos seus representantes legais,
aos seus consultores e aos seus empregados (art. 53 da Lei Geral da Copa) viola
manifestamente o princípio da isonomia tributária (art. 150, II, da CR)17
.
102. Trata-se de garantia fundamental do contribuinte de não se ver prejudicado
ante outros que desfrutem de situação idêntica. Em outras palavras, o legislador não pode
favorecer um contribuinte em detrimento de outro, mas somente identificar situações em
que há diferenças que justificam o tratamento diferenciado. Diz Luciano Amaro:
“Assim, nem pode o aplicador, diante da lei, discriminar, nem se autoriza o
legislador, ao ditar a lei, a fazer discriminações. Visa o princípio à garantia do
indivíduo, evitando perseguições e favoritismos.
Tem-se de ver, agora, outra face do princípio, segundo a lição clássica de que a
igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais,
na medida de sua desigualdade. (...)
O problema, parece-nos, deve ser abordado em termos mais amplos: além de saber
qual a desigualdade que faculta, é imperioso perquirir a desigualdade que obriga
a discriminação, pois o tratamento diferenciado de situações que apresentam
certo grau de dessemelhança, sobre decorrer do próprio enunciado do princípio
da isonomia, pode ser exigido de outros postulados constitucionais, como se dá,
no campo dos tributos, à vista do princípio da capacidade contributiva, com o
qual se entrelaça o enunciado constitucional da igualdade.”18
103. Retornando às lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, verifica-se que
discriminações em relação ao princípio da isonomia possuem natureza teleológica, ou
seja, sempre se vinculam à efetivação de um fim constitucionalmente protegido que é
17 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios: […]
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida
qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente
da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
18 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 17ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. pp. 158-159.
compatibilizado com o valor da igualdade. Mesmo quando a desequiparação seja
determinada com base em condições individuais singulares de um contribuinte em
questão – como no caso da imunidade recíproca entre os entes federativos –, tem-se no
plano de fundo da desequiparação um fim específico – no exemplo, trata-se da proteção
do pacto federativo, do reforço da autonomia administrativa (pela não confusão entre
patrimônios) e da simplificação das contas públicas.
104. Poucas são as razões constitucionalmente adequadas para a existência de
uma discriminação fiscal. A matriz tributária nacional se fundamenta na justiça tributária,
prevalecendo o direito da Administração Pública recolher a parcela, exceto quando seja
injusta a realização da cobrança. A isenção daqueles que podem pagar somente se dá ante
interesses constitucionais relevantes.
105. Até em questões de política tributária, nas hipóteses em que o legislador
busca favorecer determinado comportamento, deve “haver um critério válido de
discrímen para justificar a isenção, a fim de harmonizá-la com o preceito constitucional
da isonomia”19
. Nesse sentido, a ADI 4.033, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 7.2.2011.
106. No caso, não é possível vislumbrar nenhuma razão que justifique o
tratamento diferenciado da FIFA e de seus relacionados. A única alegação possível, de que
a medida tem um interesse logístico na facilitação da organização da Copa do Mundo não
é motivo constitucionalmente relevante.
107. Nesse sentido, a isenção concedida não se qualifica como um benefício
constitucionalmente adequado, mas como um verdadeiro favorecimento ilegítimo.
108. Por isso, havendo sucumbência da FIFA e do Comitê Organizador
Brasileiro Ltda., impõe-se a condenação em custas, despesas e demais ônus de
sucumbência, na forma prevista pelo Código de Processo Civil, reconhecendo-se, em
19 Idem. pp. 306-307
sede de controle difuso, a inconstitucionalidade do artigo 53 da Lei 12.663/2012.
VII – DOS PEDIDOS:
109. Pelo exposto, requer o Ministério Público:
a) a intimação do Estado para que manifeste interesse em compor o polo ativo da
demanda, nos termos do Artigo 6, § 3º da Lei 4.717/65 c/c Artigo 5, § 2º da Lei 7.347/85,
bem como para que forneça cópia dos comprovantes de pagamento;
b) a citação da FIFA e do Comitê Organizador Brasileiro Ltda. para apresentarem
resposta, caso queiram;
c) ao final, seja julgado procedente o pedido para condenar, solidariamente, a FIFA e o
Comitê Organizador Brasileiro Ltda. ao ressarcimento dos recursos públicos expendidos
pelo Estado na contratação das estruturas temporárias da Copa das Confederações FIFA
2013, no valor de R$ 33.650.000,00 (trinte e três milhões, seiscentos e cinquenta mil
reais) devidamente atualizado com juros e correção monetária, desde a data do evento;
d) a condenação da FIFA e do Comitê Organizador Brasileiro Ltda. em custas, despesas e
demais ônus, nos termos do Código de Processo Civil pátrio, reconhecendo-se
incidentalmente a inconstitucionalidade, em sede de controle difuso, do artigo 53 da Lei
12.663/2012;
e) para fins de prequestionamento, requer a análise expressa do artigo 2° da Lei 4.717/65,
artigo 187 do Código Civil e dos artigos 5º, caput (princípio da igualdade) e 37, caput
(princípios da impessoalidade, igualdade, moralidade e eficiência) da Constituição
Federal;
f) a produção de prova por todos os meios em direito admitidos, notadamente, prova
documental, testemunhal, pericial e outras mais que se fizerem necessárias.
Dá se a causa o valor de R$ R$ 33.650.000,00 (trinte e três milhões,
seiscentos e cinquenta mil reais).
Pede deferimento.
Rio de Janeiro, 14 de outubro de 2013.
Flávio Bonazza de Assis Patrícia do Couto Villela
Promotor de Justiça Promotor de Justiça
Matrícula 2294 Matrícula 2127
Documentos que acompanham a petição inicial
Documento 01: Projetos Conceituais de Estruturas Temporárias
Documento 02: Solicitação dos Estados para a União arcar com os custos
Documento 03: Oficio PGR/GAB/Nº 1795 e Resposta FIFA
Documento 04: Of. Gab SECOPA Nº 502/2013
Documento 05: Relatório Financeiro da FIFA da Copa de 2010
Documento 06: Modelo padrão de Stadium Agreement
Documento 07: Modelo padrão de Aditivo do Stadium Agreement
Documento 08: Notícias sobre os valores das Estruturas Temporárias relativas a Copa das
Confederações 2013.
Documento 09: Mídia com projeto de estruturas temporárias FIFA
Documento 10: Relatório COL África do Sul
Documento 11: Oficio SECOPA 778/2012 e Nota Técnica 051/2102
Documento 12: Procuração da FIFA para o Sr. Fulvio Danilas
Documento 13: Contrato das Estruturas Temporárias