Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito Da Vara de Família Da Comarca Do Rio de Janeiro
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA
VARA DE FAMÍLIA DA COMARCA DO RIO DE JANEIRO
MÁRIO, brasileiro, solteiro, universitário, portador do RG XXXXX-XX,
CPF XXX. XXX. XXX-XX, residente e domiciliado na Rua Mousse de
Chocolate, nº 85, Bairro: Doçuras, cidade Rio de Janeiro/RJ, CEP 12345-67,
vem por meio de seu advogado (documentos inclusos), com escritório
localizado na Rua Batata Frita, vem perante Vossa Excelência propor:
AÇÃO DECLARATÓRIA DE GÊNERO, pelas seguintes
razões de fato e de direito que passa a expor:
DOS FATOS:
O autor que nasceu do sexo masculino, desde os seus 16 anos nunca
se sentiu confortável e se adaptou a sua natureza biológica, pois
psicologicamente pertencia ao sexo feminino, tornando-o vítima de bullyng
pelas pessoas ao seu redor.
Aos 20 anos o requerente passou a ingerir hormônios (o que o permitiu
desenvolver características do novo sexo e emascarar as do sexo original) ,
usar roupas femininas e relacionar-se com homens. Posteriormente, optou por
realizar inúmeras cirurgias plásticas e estéticas de caráter tipicamente
feminino, entre elas a cirurgia de transgenitalização.
Todos esses procedimentos fizeram com que sua aparência física
contrastasse com seu nome de registro. Por isso foi requerido junto ao Cartório
de Registro Civil de Pessoas Naturais a respectiva alteração de seu prenome,
entretanto esta solicitação foi negada.
O autor se sente extremamente discriminado pela sociedade, pois
acredita ter nascido com um corpo que não corresponde ao gênero por ele
exteriorizado, o que lhe causa inúmeros abalos psicológicos e
constrangimentos, impossibilitando-o de ter uma vida digna.
DOS DIREITOS:
Os direitos fundamentais visam à concretização do princípio da
dignidade da pessoa humana, o qual, por sua vez, atua como sendo uma
qualidade inerente, indissociável, de todo e qualquer ser humano,
relacionando-se intrinsecamente com a autonomia, razão e autodeterminação
de cada indivíduo.
Conforme se apura o artigo 1º, inciso III da CRFB/88, a República
Federativa do Brasil onde encontra-se o fundamento a Dignidade da Pessoa
Humana aliado ao art. 5º, inciso III, também da CRFB/88 “ninguém será
submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
Sobre o tema vale ressaltar e citar os ensinamentos de Ingo Wolfgang
Sarlet:
“{...} Na feliz formulação de Jorge Miranda, o
fato de os seres humanos (todos) serem
dotados de razão e consciência representa
justamente o denominador comum a todos os
homens, expressando em que consiste a sua
igualdade. Também o Tribunal Constitucional
da Espanha, inspirado igualmente na
Declaração universal, manifestou-se no sentido
de que “a dignidade é um valor espiritual e
moral inerente à pessoa, que se manifesta
singularmente na autodeterminação consciente
e responsável da própria vida e que leva
consigo a pretensão ao respeito por parte dos
demais. Nesta mesma linha situa-se a doutrina
de Günter Dürig, considerado um dos principais
comentadores da Lei Fundamental da
Alemanha da segunda metade do século XX.
Segundo este renomado autor, a dignidade da
pessoa humana consiste no fato de que “cada
ser humano é humano por força de seu
espírito, que o distingue da natureza impessoal
e que o capacita para, com base em sua
própria decisão, tornar-se consciente de si
mesmo, de autodeterminar sua conduta, bem
como de formatar a sua existência e o meio
que o circunda” (in Dignidade da Pessoa
Humana e Direitos Fundamentais na
Constituição Federal de 1988, Livraria do
Advogado editora, 2001, p. 43/44).
A alteração de NOME e GÊNERO, é uma necessidade, sob pena de
ensejar situação de ainda maior vexame e constrangimento da parte autora. O
sexo e nome que constam no registro civil de nascimento encontram-se em
desacordo com a identidade social e características físicas e psicológicas,
sendo capaz de levar seu usuário a situações vexatórias, razão pela qual se
mostra razoável a alteração pretendida
Há muito a doutrina especializada vem salientando que:
“O conceito de sexo não pode ser identificado
apenas pelo aspecto anatômico, uma vez que,
para a Medicina Legal, não se pode mais
considerar o conceito de sexo fora de uma
apreciação plurivetorial, resultante de fatores
genéticos, somáticos, psicológicos e sociais.
A Psicologia define a sexualidade humana
como uma combinação de vários elementos: o
sexo biológico (o sexo que se tem), as
pessoas por quem se sente desejo (a
orientação sexual), a identidade sexual (quem
se acha que é) e o comportamento ou papel
sexual. Como os fatos acabam se impondo ao
Direito, a rigidez do registro identificatório da
identidade sexual não pode deixar de curvar-
se à pluridade psicosomática do ser humano.
(in União Homossexual: o Preconceito e a
Justiça, 3ª edição. Porto alegre: Livraria do
Advogado, ano 2006, p. 120).
Segundo a Classificação Internacional das Doenças (CID-10 F64.0), a
transexualidade caracteriza-se por “um desejo imenso de viver e ser aceito
como membro do sexo oposto, usualmente acompanhado por uma sensação
de desconforto ou impropriedade de seu próprio sexo anatômico e o desejo de
se submeter a tratamento hormonal e cirurgia, para seu corpo ficar tão
congruente quanto possível com o sexo preferido”. Além disso, “para que o
diagnóstico seja feito, a identidade transexual deve estar presente pelo menos
2 anos e não deve estar associado a outros transtornos mentais , tais como:
esquizofrenia e nem estar associado a anormalidade intersexual, genético e
cromossomo sexual. O transexualismo segundo a CID-10, caracteriza um
transtorno de identidade sexual ( F-64)”.
A Constituição Federal trata no seu art. 6º, que, entre os direitos sociais,
assegura-se o direito à saúde, que é imposto ao próprio Estado.
Art 196, CF - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
A Organização Mundial da Saúde – OMS, conceitua saúde como: “o
completo estado de bem-estar físico, psíquico ou social”. A não aceitação de
seu gênero biológico, aliado ao sua cirurgia de transgenitalização e o registro
civill provoca desajuste psicológico e moral ao transexual, logo não se pode
falar em bem-estar físico, psíquico e social.
“Assim, o direito à adequação do registro é uma garantia à saúde, e a
negativa de modificação afronta imperativo constitucional, revelando severa
violação aos direitos humanos” (Maria Berenice Dias. União Homossexual: o
Preconceito e a Justiça, 3ª edição. Porto alegre: Livraria do Advogado, ano
2006, p. 124).
A celeuma vivida pela pessoa que não se encaixa em seu sexo
transcende à mera opção sexual e passa a obstaculizar a sua dignidade.
Isso é o que dizem os psiquiatras e psicólogos, pessoas que estão
autorizadas a emitirem pareceres sobre o tema.
Logo, a intervenção do Poder Judiciário ocorre somente no momento em
que, avaliado o pedido sob a ótica dos especialistas, constata-se que a parte
realmente não se encaixa em seu sexo e necessita mudá-lo para seguir sua
vida com dignidade.
Desse modo, a retificação do registro de nascimento não trará qualquer
prejuízo à sociedade restringindo-se apenas à garantia da dignidade daquele
que a pleiteia, mormente, quando a retificação do nome já foi permitida,
faltando apenas a retificação do sexo. (APELAÇÃO Nº Nº 70065099772.
OITAVA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL. DESEMBARGADORES: LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS
(PRESIDENTE) E DR. JOSÉ PEDRO DE OLIVEIRA ECKERT. RELATOR:
DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ. PORTO ALEGRE, 16 DE JULHO DE 2015)
Ora, se o autor se considera mulher e assim é visto pela sociedade e
pela medicina, não pode continuar nessa situação degradante, vexatória e
aviltante que afronta os mais relevantes princípios fundamentais, como o
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
Com isso, não há dúvidas de que o pedido declaratório de gênero deve
ser deferido, do contrário, o autor continuará passando por meios
constrangedores e degradantes, infringindo os princípios constitucionais já
citados e explanados anteriormente.
DOS PEDIDOS:
Diante do exposto requer a Vossa Excelência:
a) I
ntimação do Ministério Público;
b) O
ficiar o Cartório de Registro de Pessoas Naturais;
c) Q
ue seja julgado procedente o pedido de alteração de gênero com a
consequente alteração no RCPN (Registro Civil de Pessoas
Naturais).
DAS PROVAS:
Requer a produção de todas as provas em direito admitidas.
VALOR DA CAUSA:
Dá-se o valor da causa de R$ 1.000,00 reais.
Nestes termos,
Pede deferimento
Rio de Janeiro, 02 de outubro de 2015.
Advogado nº OAB/RJ