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IVES GANDRA DA SILVA MARTINS PAULO DE BARROS CARVALHO FÁTIMA FERNANDES RODRIGUES DE SOUZA ROBSON MAIA LINS MARILENE TALARICO MARTINS RODRIGUES
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR CONSELHEIRO RELATOR, DOUTOR
EMMANOEL CAMPELO DE SOUZA PEREIRA - CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA.
Processo nº 0001418-80.2012.2.00.0000
e Apenso nº 0001058-48.2012.2.00.0000
UNIÃO DOS JURISTAS CATÓLICOS DE SÃO PAULO -
UJUCASP, entidade de natureza religiosa e cultural, com registro de
associação civil, sem fins lucrativos, com sede e foro na Cidade de São Paulo
à Rua João Ramalho nº 182 - Perdizes - SP-Capital, inscrita no CNPJ/MF sob
nº 16.550.688/0001-13, conforme documentos anexos, por seus procuradores
(doc. ), vem, respeitosamente, à presença de V. Exa., com fundamento nos
arts. 4º, II e XXI; art. 8º, I; art. 91 e outros do Regimento Interno do CNJ
e art. 103-B, § 4º da Constituição Federal, tendo em vista a relevância
jurídica e social da matéria objeto do processo em referência, requerer
seja admitida no presente feito, como “AMICUS CURIAE”, pelas seguintes
razões:
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O que se discute no presente feito é o Pedido de
Desconstituição de Ato Administrativo, proposto pela MITRA
ARQUIDIOCESANA DE PASSO FUNDO/RS e por FERNANDO DA
SILVA MACHADO CARRION, ambos devidamente qualificados nos
autos, proferido pelo CONSELHO DA MAGISTRATURA DO RIO
GRANDE DO SUL, nos autos do Processo Administrativo nº 0139-
11/000348-0, que determinou a retirada dos Crucifixos e SímbolosReligiosos
das dependências do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul.
Referido processo administrativo foi iniciado pelas seguintes
entidades: REDE FEMINISTA DE SAÚDE; SOMOS -
COMUNICAÇÃO, SAÚDE E SEXUALIDADE; THEMIS -
ASSESSORIA JURÍDICA E ESTUDO DE GÊNERO; MARCHA
MUNDIAL DE MULHERES; NUANCES - GRUPO PELA LIVRE
ORIENTAÇÃO SEXUAL e LIGA BRASILEIRA DE LÉSBICAS.
O pedido foi acolhido à unanimidade, pelos integrantes do
Conselho da Magistratura do Rio Grande do Sul, conforme Ato nº 009/2012-
COMAG, assim redigido:
“O CONSELHO DA MAGISTRATURA, NO USO DE SUAS
ATRIBUIÇÕES LEGAIS E DANDO CUMPRIMENTO À
DECISÃO DESTE ÓRGÃO TOMADA EM SESSÃO DE 06-
03-12 (PROC. THEMIS ADMIN Nº 0139-11/000348-0,
RESOLVE:
DETERMINAR A RETIRADA DE CRUCIFIXOS E
OUTROS SÍMBOLOS RELIGIOSOS EVENTUALMENTE
EXISTENTES NOS ESPAÇOS DESTINADOS AO
PÚBLICO NOS PRÉDIOS DO PODER JUDICIÁRIO DO
RIO GRANDE DO SUL.
Secretaria do Conselho da Magistratura, 06 de março de 2012.
Desemb. MARCELO BANDEIRA PEREIRA
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Presidente do Conselho de Magistratura.”
DA LEGITIMIDADE DE INGRESSO DA UJUCASP NO PRESENTE
FEITO NA QUALIDADE DE “AMICUS CURIAE”
A entidade Requerente tem interesse institucional de
participar do presente feito, na qualidade de “amicus curiae” porque,
conforme disposto em seu Estatuto, que segue anexo, tem como objetivo
contribuir para a presença e atuação dosprincípios da ética católica na
ciência jurídica, na atividade judiciária, legislativa e administrativa em
toda a vida pública e profissional, particularmente:
“I - ocupando-se com os problemas do mundo
contemporâneo e com as soluções propostas que devem
pautar-se de acordo com a fidelidade ao Evangelho e à
Tradição da Igreja, à luz do ensinamento do seu
Magistério Supremo;
II - propugnando pelo reconhecimento e pelo respeito ao
Direito natural e cristão na Justiça e na Caridade;
III – afirmando a dignidade humana e o apelo constante a
seus deveres fundamentais e aos direitos decorrentes;
IV - defendendo e protegendo a vida humana desde a
concepção até a morte natural;
V - defendendo e promovendo a concepção natural e cristã
da família;
VI - difundindo a doutrina e o ensinamento social da
Igreja, principalmente, no domínio jurídico, promovendo
sua aplicação para a justiça social;
VII - contribuindo para a afirmação dos princípios cristãos
na Filosofia, na Ciência do Direito, na atividade legislativa,
na judiciária, na administrativa, no ensino e na pesquisa,
assim como na vida pública e profissional.”
Na qualidade de instituição sem fins lucrativos, com
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personalidade civil, que congrega juristas voltados a enfrentar dilemas
postos pelo mundo contemporâneo sob a ótica da ciência jurídica e da
ética católica, a sua participação na discussão do tema mostra-se de todo
pertinente, uma vez que, ao determinar a retirada de crucifixos e outros
símbolos religiosos existentes nos espaços destinados ao Poder Público,
nos prédios do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul, o ato
administrativo que se pretende anular, volta-se contra a cultura,os
costumes e as tradições reconhecidos moralmente pela sociedade
brasileira, sendo contrário aos objetivos da Constituição,de valorização
da dignidade humana, de assegurar a liberdade religiosa e de prestigiar
os valores culturais da nação.
A intervenção de terceiros como “amicus curiae” em processos
como aquele de que aqui se cuida, revela-se cada dia mais útil diante da
complexidade das questões jurídicas que se agitam na sociedade moderna,
tanto que foi reconhecidanoNovo Código de Processo Civil, aprovado pela
Lei nº 13.105/2015, que incorporou em seu texto o instituto, estando o seu
art. 138, assim disposto:
“Art. 138 - O Juiz ou o relator, considerando a relevância da
matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a
repercussão social da controvérsia, poderá por decisão
irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem
pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de
pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada,
com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias
de sua intimação”,
Embora essa lei esteja ainda no período de “vacatio legis” (para
vigorar em março de 2016), o fato de ter-se inserido expressamente em seu
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texto a participação do “amicus curiae”, no Capítulo V - destinado à regular a
intervenção de terceiros e a dispor sobre questões como a legitimidade
recursal do amigo da corte, a ponto de poder ser requisitado de ofício pelo
próprio Juiz -mostra bem a utilidade da participação do terceiro para a solução
das controvérsias no âmbito judicial, mormente em se tratando de entidade
como o perfil da Requerente, que congrega em seu quadro de associados,
juristas, desembargadores, juízes, professores, promotores, advogados,
profissionais que muito podem contribuir com as discussões do tema em
debate neste feito.
Por tudo isso, éde ser aceita a intervenção da UJUCASP, como
amicus curiae no presente processo não só por ser tecnicamente viável, mas
também por revelar-se de grande valia para o debate do mérito da questão,
tanto para os Julgadores, quanto para as partes diretamente envolvidas.
É o que requer.
DO MÉRITO
A UJUCASP - União dos Juristas Católicos de São Paulo, traz
a este E. CNJ, alguns argumentos de mérito, no sentido de demonstrar a
insubsistência da decisão proferida pelo Conselho da Magistratura do
Rio Grande do Sul, que “determinou a retirada dos crucifixos das salas
de audiência e dos demais espaços públicos do Poder Judiciário Gaúcho”.
Pedido semelhante ao que deu origem a este feito foi apresentado
em face dos Tribunais de Justiça do Ceará, Minas Gerais, Santa Cataria e TRF
da 4a Região manifestando-se, todos eles, pela improcedência da pretensão,
sob o fundamento de que a presença de símbolos religiosos nesses recintos,
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que existe há décadas, não caracteriza comprometimento institucional
com aspectos religiosos.
Também o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul desacolheu
a pretensão. No entanto, o Conselho da Magistratura daquele Estado,
composto de 5(cinco) Desembargadores, ouvir os demais integrantes do
Tribunal nem promover qualquer debate ou audiência pública para que os
integrantes da sociedade pudessem ser ouvidos, alterou o entendimento
anterior e julgou procedente o pedido, em sede de pedido de reconsideração.
No entanto, o ato impugnado merece ser desconstituído por
violar flagrantemente diversos dispositivos constitucionais, desrespeitando
não só religiosidade da maioria da população brasileira 1, mas também a
cultura e as tradições de nosso país, que cumpre ao Estado proteger e
preservar.
Reza o art. 19, I da CF que:
art. 19 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los,
embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus
representantes relações de dependência ou aliança,
ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse
público. (...)
consagrando o Estado Laico - preceito que existe na Carta da República
desde 1891 - segundo o qual existe a separação entre Igreja e Estado, mas
1 O SESC desenvolveu recentemente, juntamente com a Fundação Perseu Abramo, uma pesquisa visando a
ampliar a investigação acerca dos hábitos e práticas culturais do povo brasileiro. Segundo o portal, a pesquisa
“Públicos de Cultura”, foram entrevistadas 2.400 pessoas em 139 municípios e muitas delas manifestaram
sua crença em alguma religião. O catolicismo abrange 57% e a religião evangélica, 28%.
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com cooperação entre eles e respeito à liberdade religiosa.
O fato de tradicionalmente estar exposto um crucifixo em
repartições públicas, não constitui qualquer ameaça a essa disposição
constitucional nem caracteriza qualquer das proibições dela constantes.
Nesse sentido já se manifestou o Ministro Gilmar Mendes:
“A liberdade religiosa consiste na liberdade para professar
a fé em Deus. Por isso, não cabe arguir a liberdade
religiosa para impedir a demonstração de fé de outrem em
certos lugares, ainda que públicos.
O Estado que não professa o ateísmo, pode conviver com
símbolos dos quais não somente correspondem a valores
que informam sua existência cultural, como remetem a
bens encarecidos por parcela expressiva de sua população -
por isso, também, não é dado proibir a exibição de
crucifixos ou imagens sagradas em lugares públicos”
(Curso de Direito Constitucional - 6ª edição - São Paulo - Ed.
Saraiva - 2011 - pp. 360/361).
No mesmo sentido, é a manifestação do Prof. e Jurista Fernando
Capez, sobre a matéria:
“A retirada de símbolos já instalados, mesmo que em
repartições públicas, leva à alteração de situação
consolidadas em um País composto pela quase totalidade
de adeptos de fé cristã e agride, desnecessariamente, o
sentimento de milhões de brasileiros, apenas para
contentar a intolerância e a supremacia de vontade de um
restrito grupo de pessoas.
(...)
Há uma clara e indesejável tendência nos sistemas
jurídicos contemporâneos de conferir à laicidade, um
conteúdo de antagonismo à religião, deturpando-a em puro
laicismo, no qual a fé é desprezada e totalmente substituída
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pelo racionalismo profano” (“A laicidade do estado
Brasileiro” in Revista Jurídica Consulex - Consulex nº 304 -
Brasília - p. 54 - set/2009).
Porém, há aqueles que confundem Estado Laico com Estado
Laicista, deturpação do primeiro, no qual se procura relegar o aspecto
religioso à esfera puramente pessoal, proibindo ou cerceando as
manifestações externas da religiosidade.
É precisamente essa a vertente que foi adotada na decisão
impugnada, ao fundamentar a conclusão de que a permanência de símbolos
religiosos no recinto Tribunal representaria violação ao laicismo do Estado,
lançando mão de argumentos que, data venia, carecem de razoabilidade,
como, por exemplo, pretender equiparar a tradição de se manter esses
símbolos em prédios públicos, com a “tradição” da prática do nepotismo no
Brasil!
Embora asseverando que “a laicidade deve ser vista não como
um princípio que se oponha à liberdade religiosa, mas como a garantia, pelo
Estado, da liberdade religiosa de todos os cidadãos, sem preferência por uma
ou outra corrente de fé”, é nítido o viés político do voto que foi sufragado pela
decisão impugnada,contra a religiosidade do povo. Tanto é assim que não
leva em conta a realidade de experiências estrangeiras, ignorando, por
exemplo, que a proibição do uso de burkas nas escolas francesas foi ditada
exclusivamente por razões de segurança, e não pelo fato de o uso dessa
indumentária violar a liberdade religiosa dos demais cidadãos; deplora as
concessões de rádios e televisões a entidades de cunho confessional; lamenta
a existência de bancada evangélica no Congresso Nacional, como se o
parlamento não fosse a Casa de representação de toda a sociedade (!); traz à
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colação como “exemplo” decisões da Suprema Corte americana contra a
ostentação de símbolos religiosos em espaços públicos institucionais,
esquecendo que na moeda daquele país consta a expressão: “IN GOD WE
TRUST”.
Afirma a decisão, com toda a razão, que o Estado brasileiro não
tem religião. É laico. Porém, ignora que a sociedade não o é. Estado laico é o
Estado onde a instituição Igreja - ou igrejas - não tem participação no
governo, muito embora todas as pessoas fiéis a um credo, enquanto cidadãos,
tenham direito de exercer a cidadania e defender valores em que acreditam,
estejam no cargo ou na função que estiverem. Tentar, a flagrante minoria do
povo, impor padrões comportamentais à sociedade a pretexto de o Estado ser
laico, é pretender exercer a ditadura da minoria.
Nem se diga que a exposição de um crucifixo na sala de um
tribunal constrangeria cidadãos que professam outros credos, ou que são
agnósticos ou ateus, ou que isso implicaria violação aos princípios da
impessoalidade ou equidade. Qualquer um que se aproxime das barras de um
Tribunal está em busca de justiça. Certamente é muito difícil que se sinta
prejudicado ou aflito pelo fato de o julgador ter à sua frente, a inspirar a
decisão que irá proferir, a imagem de alguém que foi vítima de uma das
maiores injustiças da História.
Ademais, a decisão não leva em conta que os símbolos religiosos
são também manifestação das tradições e da cultura do povo brasileiro.A
influência do cristianismo em todo Ocidente é um fato. E o nosso País tem
formação histórico-cultural cristã.Nesse sentido, o crucifixo é um símbolo
simultaneamente religioso e cultural, que representa um dos pilares - o mais
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transcendente - de nossa civilização ocidental.
Vale dizer: não é apenas de religião que se trata neste pleito.
Trata-se também de cultura, elemento principal que difere uma nação de
outra, pois a consciência do um povo é construída a partir de sua identidade
cultural.
Bem por isso, a Constituição dedica toda uma seção à sua
proteção, estabelecendo, no art. 215 e seu §1º, que:
Art. 215 O Estado garantirá a todos o pleno exercício de seus
direitos culturais de acesso às fontes de cultura nacional, e
apoiará e incentivará na valorização e a difusão das
manifestações culturais
§1º O Estado protegerá as manifestações das culturas
populares, indígenas e afro brasileiras, e das de outros grupos
participantes do processo civilizatório nacional
Os costumes, a arte, a religião, o modo de pensar e agir fazem
parte da tradição cultural e da história de uma nação. Nesse cenário, a
temática religiosa descortina um campo sem fronteiras, complexo e
fascinante, que se alastra pela geografia do planeta. Os elementos culturais
representam uma verdadeira herança, acumulada ao longo de anos - às vezes,
de séculos – que deve ser preservada, para que não se perca a singularidade
do coletivo em questão.
Entre nós, é verdadeiramente impossível ignorar o papel da
religiosidade do povo brasileiro em sua cultura, e da cultura, na religiosidade
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do povo brasileiro. Religião e cultura sempre andaram juntas. A primeira é,
aliás, um espelho, que mostra as vertentes de nossa formação cultural, na qual
avulta o papel da fé católica e do cristianismo na valorização da dignidade do
ser humano e na imposição de que o Estado deve respeitá-la.
De forma especial, a fé cristã desempenha papel da máxima
importância na história e na formação cultural do Brasil, desde os seus
primórdios. Trazida pelos lusitanos, inspirou os primeiros nomes atribuídos à
terra recém-descoberta - Terra de Vera Cruz, Terra de Santa Cruz – e mais
tarde, ao longo de nossa história, o nome da Estados, Municípios,
localidades,as representações artísticas que constituem a riqueza do
patrimônio cultural brasileiro, reconhecido internacionalmente, como é o caso
do Cristo Redentor, uma das Sete Maravilhas do Mundo e as obras de
Aleijadinho. Sua importância e disseminação acabou até por se estender às
culturas africanas e indígenas, formatando o sincretismo religioso, que
caracteriza a sociedade brasileira.
O desconhecimento daqueles que menosprezam a civilização
cristã, preservada pela Igreja Católica, mal sabem que, em todos os ramos do
conhecimento, a sua presença foi marcante.
Mormente no plano das ciências jurídicas, o direito ocidental é
devedor em muito da Igreja Católica. Para o Prof. Dr. Thomas E. Woods
Jr., da Universidade de Columbia dos EUA, “Foi no direito canônico da
igreja que o Ocidente viu o primeiro exemplo de um sistema legal moderno,
é luz do qual ganhou forma a moderna tradição legal do Ocidente. De igual
modo, a lei penal ocidental foi profundamente influenciada, não só pelos
princípios legais da lei canônica, mas também pelas ideias teológicas,
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particularmente pela doutrina da reparação desenvolvida por Santo Anselmo.
E, por último, a própria ideia dos direitos naturais, que durante muito tempo
se considerou ter surgido e alcançado sua plena formulação por obra dos
pensadores liberais dos Séculos XVII e XVIII, teve a origem no trabalho dos
canonistas, papas, professores universitários e filósofos católicos. Quanto
mais os estudiosos pesquisam o direito ocidental, mais nítida se apresenta a
marca que a Igreja Católica imprimiu à nossa civilização e mais nos
convencemos de que foi ela a sua arquiteta” (Como a Igreja Católica
construiu a Civilização Ocidental, São Paulo, Quadrante, 2008, pág. 190).
Tanto que o surgimento da Universidade, maior dádiva à cultura
universal em todos os tempos, é fruto exclusivo da Igreja Católica. A
esmagadora maioria das Universidades Medievais foi criada pela Igreja, que
fundou a primeira delas.
O Padre Robert de Sorbon, que deu o nome à Universidade de
Paris, costumava reunir intelectuais, jovens e sacerdotes da época (1257), com
o propósito de sintetizar o estudo superior na França, conformando-o
cientificamente de modo a torná-lo aplicável à vida cotidiana, algumas
décadas após a fundação da escola parisiense.
É interessante notar que a filosofia dos Séculos XII e XIII, na
Europa, é fundamentalmente uma filosofia cristã, sem esquecer que, à época,
havia também um crescimento do pensamento filosófico entre os árabes, com
filósofos do porte de Avicena, Averroes, etc.
A cultura clássica, que tanto árabes como cristãos preservaram
no período, ganhou relevo à luz do cristianismo, visto que os clássicos gregos
foram absorvidos, remeditados e serviam de base para toda escolástica e a
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produção fantástica de Tomas de Aquino, Abelardo, Bernardo de Claraval e
muitos outros.
O próprio patrono dos advogados, Yves de Tréguier, formou-se
em Direito cursando duas Faculdades e tornou-se, ao mesmo tempo,
sacerdote, advogado e juiz, com sólida formação em direito e filosofia (1250-
1303).
É de se lembrar, apenas para citar algumas, as figuras do Cônego
Copérnico, que desvendou o sistema heliocêntrico em oposição a Ptolomeu;
de Galileu Galilei, que morreu na fé católica e que teve os seus estudos
publicados pela Igreja, sem censura, enquanto conformava as teses de
Copérnico como possíveis, sendo censurado apenas quando afirmou, sem a
segurança dos astrônomos de hoje, que o heliocentrismo era algo
comprovado. Enquanto hipótese, publicou os seus artigos e estudos sem
contestação.
Charles Bossut, historiador e Matemático ao compilar a relação
dos matemáticos mais ilustres de 900 a.C. até 1800 d.C. encontrou 16 jesuítas
entre 303 maiores matemáticos da história.2
Ora, pelo fato de a Igreja defender valores, dignidade, ética,
moralidade, bons costumes, próprios do direito natural, seus seguidores
terminam por valorizar a democracia.
Neste particular, o eminente mestre em Teologia Dogmática e
doutor em História da Igreja, professor José Ulisses Leva, em seu artigo “A
teologia católica e de consumo” (Revista Espaço Ética, p. 164/169,
2 Discurso proferido na PUC PARANÁ, por Ives Gandra da Silva Martins, um dos patronos da Requerente.
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abril/2014), mostra a importância da ética nos cursos de Administração e
Economia para a formação de futuros empresários e consumidores, pois
conformando objetivos mais condizentes com a natureza do ser humano. É
que a ética nos negócios não representa um fator de descompetitividade, mas
um pólo de respeitabilidade, que favorece a própria evolução.
É interessante notar como hoje todas as empresas procuram
mostrar, em seus balanços sociais, o que têm feito pelos seus empregados e
pelo País, com ampla percepção do conteúdo de todas as encíclicas que, desde
a “Rerum Novarum” (1890) foram elaboradas pelos pontífices católicos, em
clara visão de que a boa imagem da empresa, que trabalha além da mera
obtenção de lucros, é positiva para os negócios.
Dizia São Josemaria Escrivá, o santo do trabalho corrente, que o
bom católico deve procurar viver os valores próprios de sua fé, mas deve
também procurar aprofundar-se na sua profissão, para que dê o exemplo de
trabalho bem feito.
Esta é a razão pela qual os valores religiosos levados à prática
são bons para os negócios, propiciando desenvolvimento e progresso
econômico e social. Mais do que isto, seus titulares não correm os riscos
daqueles empreendedores duvidosos, que pretendem vencer a concorrência
pela sonegação e corrupção, mas que, quando são flagrados, veem seus
negócios serem tragados pelo Estado e pela opinião pública. Viver valores,
ser competente, acreditar no seu Deus, oferta vantagens e competitividade aos
que sabem fazer bom uso deles.
É inquestionável que, no Estado Moderno, democrático, o Estado
e a Igreja têm áreas de atuação distintas, não devendo haver influencia,
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enquanto instituições, entre eles. Atuam em campos separados, uma
promovendo o ser humano, incutindo-lhe valores e preparando-o para a vida;
e o outro organizando a sociedade e prestando serviços públicos ao cidadão.
No Brasil, por ser a maioria absoluta da sociedade crente em
Deus, seus representantes colocaram, nas leis brasileiras, inúmeras
disposições que valorizam a dignidade do ser humano e obrigam o Estado a
respeitá-la.
Na própria Constituição foram atribuídas ao Estado as
tarefas de zelar e prestigiar os valores cristãos e a tradição histórica e
cultural do povo. Tanto que, ao conformá-lo, seus representantes,
colocaram no preâmbulo da Carta:
“PREÂMBULO: Nós, representantes do povo brasileiro,
reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir
um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-
estar, o desenvolvimento, a igualdade, e a justiça como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na
ordem interna e internacional, com a solução pacífica da
controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a
seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA
DO Brasil”.
Por outro lado, a retirada de símbolos religiosos e culturais de
instituições públicas que tradicionalmente sempre as ostentaram, não poderia
ter sido determinada por 5 (cinco) magistrados, sem consulta à sociedade. Tal
medida haveria de ter sido precedida, pelo menos, da oitiva da
integralidade dos membros do Tribunal, tomando-se o voto de cada um
deles. Fazê-lo por decisão de conselho de magistratura ou de presidente,
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isoladamente, quando afeta valores que podem ser caros à maioria dos
integrantes de uma Corte, é medida nitidamente autoritária, que deve ser
substituída por outra, democrática, reinstalando os crucifixos retirados,
ou mantendo sua retirada, se assim for a vontade da maioria.
Também não é razoável que se interprete o uso desses símbolos
religiosos como um desmerecimento das outras religiões, ou colocar em
situação de inferioridade ou exclusão os cidadãos que não comungam da fé
cristã, como aventado pela decisão impugnada, na medida em que a
exposição desses símbolos não subtrai a liberdade de crença religiosa.
Num mundo em que se busca a paz, a solidariedade e o respeito
entre as pessoas, não pode ser ofensiva ou discriminatória a afixação de
símbolos religiosos nas paredes dos prédios públicos. Pelo contrário, eles
remetem a um sentimento positivo, de humanidade.
Como acima mencionado, a decisão proferida pelo Conselho dos
Magistrados do Rio Grande do Sul, também afronta entendimento já expresso
por este E. Conselho Nacional de Justiça-CNJ, que não acolheu pretensões
idênticas, no ano de 2007, ao indeferir os pedidos de providências nos
Processos nºs 1344, 1345, 1346 e 1362 - visando à retirada de crucifixos nos
Plenários e salas dos Tribunais de Justiça dos Estados do Ceará, Minas
Gerais, Santa Catarina e do TRF-4ª Região.
Solicitadas informações aos Tribunais requeridos, o TJCE
informou que a presença do mencionado símbolo religioso existe há
décadas e que jamais estará o Estado laico isento, em sua estrutura ou
funcionamento, das implicações religiosas do seu povo. O TJMG informou
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que algumas salas do Tribunal possuem crucifixos, mas que são peças de
valor histórico, algumas, assim, tombadas. O TJSC nada respondeu. O
TRF-4ª Região, argumentou que o crucifixo existente em Plenário não
caracteriza comprometimento institucional com aspectos religiosos.
Tendo em vista a identidade de objeto, referidos processos foram
apensados (1344; 1345; 1346 e 1362), para um único julgamento.
O Conselheiro Paulo Lobo, votou pela realização de consulta
pública, via internet, pelo período de dois meses, com objetivo de aprofundar
o debate sobre o assunto.
Na sequência, o Conselheiro Oscar Argollo abriu a divergência,
apreciando o mérito da questão, no sentido de não determinar a proibição
do uso de símbolos religiosos. Seu voto foi seguido por todos os demais
presentes à sessão, com exceção do Relator, vencido em sua proposição de
realização de consulta pública.
O Conselho Nacional de Justiça entendeu que o uso de
símbolos religiosos em órgãos da Justiça NÃO fere o princípio da
laicidade do Estado. Do voto do Conselheiro OSCAR ARGOLLO, que
prevaleceu, merece destaque os seguintes trechos:
“Já mencionei - pedindo vênia aos eminentes Conselheiros -
sobre a distinção que faço entre o interesse público
primário e o interesse público secundário. O primeiro
decorre da vontade da sociedade, expressão dos direitos
individuais; enquanto o segundo está afeto às questões
relativas às vontades das pessoas jurídicas de direito
público3.
3 Revisão Disciplinar nº 21, Voto de Vista, j. em 22.05.2007 - “O interesse público - figura jurídica que
envolve enorme complexidade - deve ser observado sob dois prismas: o interesse público primário, que é o
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Data maxima venia, não seduz atualmente o argumento de
que havendo certo “interesse público”, ele deve prevalecer
sobre os interesses individuais. O objetivo ao invocar uma
pretensa proteção para algo “que é de todos” e que não
pertence a ninguém em particular é uma articulação
falaciosa.
O interesse público, de modo geral, em sua essência (lato
sensu), deve ser dirigido à defesa dos direitos individuais
predominantes, ainda que tais direitos individuais sejam
tratados coletivamente. É a exata situação que se apresenta
nos autos do presente processo.
O critério para a identificação do direito coletivo (lato
sensu) apontado pelo Requerente como violado - aqui
viabilizado pela legitimidade postulatória para arguir sobre
um pretenso interesse público, cuja competência e iniciativa
para legislar a respeito pertencem a Poder diverso - não
reside no mero exame do assunto abstratamente
considerado, mas na apreciação da norma jurídica que
aponta violada: o inciso I, do artigo 19, da Constituição
Federal.
A propósito, urge dizer que o povo brasileiro, por intermédio
do Poder Legislativo, mediante Constituição Federal
promulgada e vigente, concedeu ao Estado o objetivo
fundamental de assegurar a toda sociedade o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-
estar e a justiça - figura essa aqui representada pela ação do
Estado através do Poder Judiciário - como valores supremos
de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,
fundada na harmonia social, buscando construir uma
coletividade livre, justa e solidária, onde todos são iguais
perante a lei sem distinção de qualquer natureza,
garantida a inviolabilidade do direito à liberdade, pois
ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão em virtude de lei, sendo inviolável a liberdade
de consciência e de crença4.
A cultura e tradição -fundamentos de nossa evolução social- inseridas numa sociedade oferecem aos cidadãos em geral a
exposição permanente de símbolos representativos, com os
interesse social, da sociedade em geral, de uma coletividade, ou difuso: e o interesse público secundário,
aquele voltado para as questões afetas às pessoas jurídicas de direito público”. 4 CF. Preâmbulo; art. 3º, I e IV, e art. 5º, caput, II e VI.
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quais convivemos pacificamente, v.g.: o crucifixo, o escudo, a
estatua, etc. são interesses, ou melhor, comportamentos
individuais inseridos, pela cultura, no direito coletivo, mas
somente porque a esse conjunto pertence, e porque tais
interesses podem ser tratados coletivamente, mas não para
serem entendidos como violadores de outros interesses ou
direitos individuais, privados e de cunho religioso, que a
tradição da sociedade respeita e não contesta, porque não se
sente agredida ou violada.
Entendo, com todas as vênias, que manter um crucifixo
numa sala de audiências públicas de Tribunal de Justiça
não torna o Estado - ou o Poder Judiciário - clerical, nem
viola o preceito constitucional invocado (CF, art. 19, I),
porque a exposição de tal símbolo não ofende o interesse
público primário (a sociedade), ao contrário, preserva-o,
garantindo interesses individuais culturalmente
solidificados e amparados na ordem constitucional, como é
o caso deste costume, que representa as tradições de nossa
sociedade.
Por outro lado, não há, data vênia, no ordenamento
jurídico pátrio qualquer proibição para o uso de qualquer
símbolo religioso em qualquer ambiente de órgão do Poder
Judiciário, sendo da tradição brasileira a ostentação
eventual, sem que, com isso, se observe repúdio da
sociedade, que consagra um costume ou comportamento
como aceitável.
O estudo dos costumes, a ética (g. ethos), seja diante do caráter
da ação, seja pelo modo de ser ou de se comportar do agente
diante de um fato, é construído através dos tempos e distingue
os valores e atribui a ideia de comportamento autorizado ou
repudiado. O costume (l. consuetudo), como fonte e regra do
direito, tem por fundamento de seu valor a tradição e não a
autoridade do legislador. Aliás, o costume é o uso geral,
permanente e notório, observado por todos na convicção de
corresponder a uma necessidade jurídica.
O costume de expor, eventualmente, em dependências ou
ambiente de órgão público a imagem de um crucifixo
corresponde, sem embargos, a uma necessidade jurídica, de
acordo com as homenagens devidas à Justiça. Trata-se de
representação, ainda que religiosa, do respeito devido àquele
local. O crucifixo é um símbolo que homenageia princípios
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éticos e representa, especialmente, a paz. Afinal, a luta pelo
Direito é o meio para alcançar a Paz, conforme ensinou Ihering
em seu famoso opúsculo proferido em Viena em 18725.
O simbolismo nada mais é se não a representação concreta de
um conceito abstrato, a transformar símbolos em fenômenos
visíveis de alguma ideia. É a ideia sob a forma de imagem, de
tal forma que a ideia age permanentemente sobre imagem,
tornando-a um símbolo da mera representação de uma ideia.
Nada mais, nada menos.
O Estado laico tem a noção de liberdade de crença como
um comportamento derivado da liberdade de consciência,
patrimônio da liberdade interna do indivíduo.
Assim é que, o indivíduo, no Estado laico, tem absoluta
autonomia, ou seja: pode ser ateu, agnóstico, ou optar por
uma religião, ou não. Há, portanto, plena autonomia
privada, cabendo ao Estado proibir a coação: a chamada
imunidade de coação. Estado não tem o direito de se
imiscuir nos costumes e tradições reconhecidos
moralmente pela sociedade. Portanto, se costume é a
palavra chave para a compreensão dos conceitos de ética e
moral, a tradição se insere no mesmo contexto, uma vez
que deve ser vista como um conjunto de padrões de
comportamentos socialmente condicionados e permitidos.
E não podemos ignorar a manifestação cultural da religião
nas tradições brasileiras, que hoje não representa qualquer
submissão ao Poder clerical.
A manifestação cultural, forjada pela tradição, de exposição de
crucifixo em dependência ou ambiente de Tribunal de Justiça,
como elemento representativo do interesse público secundário
(vontade do órgão público), tem exemplo na sala do
Plenário do Excelso Pretório, quando se vê, ao fundo, no
painel construído em mármore bege-bahia, pelo artista
plástico Athos Bulcão6, acima do escudo de armas
5 Rudolf von Ihering (Aurich, 22.08.1818 – Göttingen, 17.09.1892) in “Der Kampf ums Recht”, trad. port. De
João de Vasconcellos, A Lucta pelo Direito, Lisboa, Livraria Aillaud, Alves & Cia., 1909. 6Athos Bulcão (Rio de Janeiro, 02.07.1918), artista plástico, escultor, pintor, professor da Unb, que
abandonou o curso de Medicina, em 1939, no terceiro ano, para se dedicar às artes. Aos 21 anos, foi
apresentado a Cândido Portinari, se tornando assistente na elaboração do Mural de São Francisco de Assis, na
Pampulha. Amigo de Pancetti, Milton Dacosta, Ceschiatti e Enrico Bianco, que o apresentou a Burle Marx;
inaugurou o Instituto de Arquitetos do Brasil, no Rio de Janeiro, a pedido de Oscar Niemeyer, que o
introduziu na vida da capital federal, para realizar uma série de obras de arte.
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brasileiro, um crucifixo confeccionado em pau-Brasil, obra
de Alfredo Ceschiatti7.
(...)
“... a presença ou não de crucifixo na parede, ... ou a
colocação de enfeite, quadro e outros objetos nas paredes é
atribuição ... de âmbito estritamente administrativo, não
ensejando violência a garantia constitucional do artigo 5º,
inciso VI da Constituição da República”. Vale dizer: o fato
não constitui violação a qualquer direito individual ou
coletivo, posto que a “hipótese ... é inócua para violentar a
garantia constitucional, eis que a aludida sala não é local de
culto religioso”.
Afigura-se, ademais disso, no referido julgado, a prevalência
do artigo 99 da Constituição Federal: “Ao Poder Judiciário é
assegurada autonomia administrativa...”. Não cabe, pois, ao
Egrégio Conselho o controle administrativo sobre a exposição
e disposição de objetos ou símbolos religiosos nas
dependências dos Tribunais de Justiça, face à autonomia
administrativa que possuem.
A matéria dos autos, produto de vetusta e ultrapassada
discussão, agora repristinada, não merece guarida, eis que a
redação do inciso I, do artigo 19, da Constituição Federal,
apenas veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas,
subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter
com eles ou seus representantes relações de dependência ou
aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse
público, previsões que não implicam em vedação para a
exposição de símbolo religioso em ambiente de órgão público,
ou que a exposição faz o Estado se tornar clerical.
Ainda no campo do direito administrativo há aqueles que
aludem sobre a presença de símbolos religiosos em
dependências de órgãos públicos como sendo uma apropriação
indevida do espaço público por interesses privados, porque o
interesse particular pode fazer tudo que a lei não proíbe, mas a
7 Alfredo Ceschiatti (Belo Horizonte, 1918-1989), escultor, professor da Unb e autor de obras em prédios
projetados por Oscar Niemeyer. Estudou na Escola Nacional de Belas-Artes, no Rio de Janeiro (1940). Foi
premiado no Salão Nacional de Belas-Artes (1945) pelo trabalho em baixo-relevo do batistério da Igreja de
São Francisco de Assis, na Pampulha. Depois, fez em várias esculturas para Brasília, como por exemplo: “A
Justiça”; peça em granito, de 1961, postada em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal; “As
banhistas”, peça em bronze, colocada no espelho d’água do Palácio da Alvorada; e “Os anjos” e “Os
evangelistas”, que ornamentam a Catedral de Brasília.
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Administração Pública só pode fazer aquilo que a lei
determina.
No particular, data maxima venia, entendo que a interpretação
não tem lugar, porque não há no ordenamento qualquer norma
jurídica vigente que determine a colocação de símbolo
religioso -que seria uma negação ao Estado laico, como
também não há lei que proíba tal colocação. Prevalece,
portanto, o princípio fundamental do interesse público, de
garantir direitos individuais e, ao mesmo tempo, coletivos,
uma vez que todos são iguais perante a lei e “ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei” (CF, art. 5º, II). (...)
Tenho, portanto, que há muito vivemos num Estado laico,
desde 1890, sem estabelecer, subvencionar, embaraçar, ou
de alguma forma se associar com qualquer culto religioso,
exatamente nos termos do inciso I, do artigo 19, da
Constituição Federal. Aliás, em meados do mesmo século
XIX, em Portugal ocorreu experiência semelhante, decerto
mais radical, mais viva, dada à cultura então vigente.
O insuspeito historiador e pensador português Alexandre
Herculano, feroz combatente do Estado clerical, distinguiu
muito bem a situação, afirmando, com toda pertinência, que o
interesse individual contido na cultura de uma sociedade não
afeta ou viola qualquer tipo de interesse coletivo, sobretudo
quando - aqui, aludindo a presença do simbolismo - o fato
“não perturba ou tolhe os direitos e ação de outrem ou dos
outros”8.
Por assim ver, na medida em que não vislumbro a invocada
inconstitucionalidade na prática apontada, muito menos
qualquer ilegalidade, dada à ausência de norma jurídica
específica em vigor, contendo obrigação de fazer ou de não
fazer, considerando que o interesse público primário (a sociedade), por sua legítima representação, o Poder
Legislativo, nenhuma norma jurídica expediu sobre a matéria,
e assim, por entender que essa matéria não se comporta no
controle exercido pelo Egrégio Conselho, sendo de
competência única, exclusiva, interna e totalmente autônoma
dos Tribunais de Justiça, detentores do interesse público
8 Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo (Lisboa, 28.03.1810 – Santarém, 13.09.1877), in Cartas, I, p.
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secundário; e por considerar que a presença de um símbolo
religioso, in casu o crucifixo, numa dependência de qualquer
órgão do Poder Judiciário não viola, agride, discrimina ou,
sequer, “perturba ou tolhe os direitos e ação de outrem ou
dos outros” (sic), são razões para não acolher a pretensão.
Pedindo vênia, ao eminente Conselheiro Relator, ouso
discordar da proposta, para dispensar qualquer Consulta
Pública -até porque, a meu juízo, inócua, face à cultura
cristã brasileira- para votar, no mérito, no sentido da total
improcedência da pretensão.”
Com tais argumentos, portanto, o Conselho Nacional de
Justiça, por seu Plenário, concluiu que os objetos são símbolos da cultura
brasileira e que não interferem na imparcialidade e universalidade do
Poder Judiciário, mantendo a decisão contrária à retirada dos símbolos
religiosos.
O ato administrativo emanado pelo Conselho dos Magistrados do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul não se ateve ao precedente do CNJ,
sobre a matéria, além de ser equivocado, à medida em que confunde, na sua
fundamentação, estado laico com Estado ateu, com desprezo à religiosidade e
aos valores culturais da sociedade brasileira.
Decididamente, até em respeito ao que consta do prólogo da
Constituição, promulgada “sob a proteção de Deus”, como salientou este E.
CNJ, em sua decisão antes mencionada, é de rigor que continuemos vivendo
num Estado que preserva suas tradições e assegura a liberdade das pessoas de
acreditar ou não em Deus, ao mesmo tempo em que prestigia a religiosidade
da maioria cristã.
Eliminar a tradição de manter crucifixos em repartições públicas
– prática que reflete o sentimento da maioria da população - sob a alegação
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de que o Estado laico não permite manifestações religiosas é , de rigor, uma
forma de externar a intolerância religiosa, como se tradicionais manifestações
públicas de religiosidade e de respeito a Deus, fossem ofensivas ao “Deus
Estado” merecedor de culto exclusivo – como Robespierre pretendeu fazer, ao
criar a deusa Razão, provocando o maior banho de sangue da história.
Na verdade, resta patente que, aqueles que suscitam pleitos do
teor do que ora se impugna, não estão sinceramente a defender o Estado laico
- que não é posto em xeque pela presença de um crucifixo numa repartição
pública. Tal iniciativa parece mais a reação daqueles que, não conseguindo
viver como pensam, optaram por pensar como vivem.
DO PEDIDO
Por todo exposto, requer seja a entidade admitida como “amicus
curiae”, para que sua participação nos autos se expresse inclusive mediante a
oportunidade de produzir sustentação oral por um de seus patronos.
Requer, também, que este E. Conselho Nacional de Justiça, dê
provimento ao pedido de anulação do Ato Administrativo emanado do
CONSELHO DA MAGISTRATURA DO RIO GRANDE DO SUL, nos
autos do Processo Administrativo nº 0139-11/000348-0, que determinou a
retirada dos Crucifixos e Símbolos das dependências do Poder Judiciário
Gaúcho, sem a oitiva dos demais magistrados integrantes do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul e da sociedade, por manifesta violação ao
art. 215 da CF.
Subsidiariamente, caso não seja acolhido o pedido supra - o que
é aduzido em homenagem à eventualidade - requer seja atribuída a cada
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Magistrado a decisão quanto à manutenção ou não do Crucifixo nas salas
de julgamento, em respeito aos valores cultuais e à religiosidade da
sociedade brasileira.
Assim decidindo, este E. Conselho Nacional de Justiça, estará
promovendo o Direito e a Justiça!
São Paulo, 04 de fevereiro de 2016.
Ives Gandra da Silva Martins
OAB/SP nº 11.178
Paulo de Barros Carvalho
OAB/SP nº 122.874
Fátima Fernandes Rodrigues de Souza
OAB/SP nº 26.689
Robson Maia Lins
OAB/SP nº 208.576
Marilene Talarico Martins Rodrigues
OAB/SP nº 42.904
RAD: UJUCASP(Amicus curiae) 04-02-2016.doc