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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE TECNOLOGIA E GEOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE OCEANOGRAFIA EVIDÊNCIAS DE CONECTIVIDADE ENTRE HABITATS COSTEIROS TROPICAIS ATRAVÉS DO ESTUDO DE PEIXES EM FASES INICIAIS DO CICLO DE VIDA. ELISABETH CABRAL SILVA FALCÃO RECIFE, 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE TECNOLOGIA E GEOCIÊNCIAS

DEPARTAMENTO DE OCEANOGRAFIA

EVIDÊNCIAS DE CONECTIVIDADE ENTRE HABITATS COSTEIROS

TROPICAIS ATRAVÉS DO ESTUDO DE PEIXES EM FASES INICIAIS DO

CICLO DE VIDA.

ELISABETH CABRAL SILVA FALCÃO

RECIFE, 2012

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ELISABETH CABRAL SILVA FALCÃO

EVIDÊNCIAS DE CONECTIVIDADE ENTRE HABITATS COSTEIROS

TROPICAIS ATRAVÉS DO ESTUDO DE PEIXES EM FASES INICIAIS DO

CICLO DE VIDA.

RECIFE, 2012

TESE APRESENTADA AO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

EM OCEANOGRAFIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE

PERNAMBUCO COMO REQUISITO PARCIAL PARA OBTENÇÃO

DO GRAU DE DOUTORA EM CIÊNCIAS NA ÁREA DE

OCEANOGRAFIA BIOLÓGICA

ORIENTADORA: PROFª DRª MARIA ELISABETH DE ARAÚJO

CO-ORIENTADOR: PROF. DR. WILLIAM SEVERI

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Catalogação na fonte

Bibliotecário Marcos Aurélio Soares da Silva, CRB-4 / 1175

F178e Falcão, Elisabeth Cabral Silva.

Evidências de conectividade entre habitats costeiros

tropicais através do estudo de peixes em fases iniciais do ciclo

da vida / Elisabeth Cabral Silva Falcão. - Recife: O Autor, 2012.

xi, 121 folhas, il., gráfs., tabs.

Orientadora: Profª. Drª. Maria Elisabeth de Araújo.

Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco.

CTG. Programa de Pós-Graduação em Oceanografia, 2012.

Inclui Referências e Apêndices.

1. Oceanografia. 2.Conectividade. 3. Tropical. 4.Larvas de

Peixes. 5. Pernambuco - Brasil. I. Araújo, Maria Elisabeth de

(Orientadora). II. Título.

UFPE

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Elisabeth Cabral Silva Falcão

EVIDÊNCIAS DE CONECTIVIDADE ENTRE HABITATS COSTEIROS

TROPICAIS ATRAVÉS DO ESTUDO DE PEIXES EM FASES INICIAIS DO

CICLO DE VIDA.

Tese defendida e aprovada pela banca examinadora:

Prof.ª Dr.ª Maria Elisabeth de Araújo

(Orientadora)

Prof. Dr. Ronaldo Bastos Francini-Filho – UFPB

(Examinador)

Prof. Dr. Paulo de Oliveira Mafalda Júnior – UFBA

(Examinador)

Prof. Dr. Ralf Schwamborn – UFPE

(Examinador)

Prof. Dr. Fernando Antônio do Nascimento Feitosa – UFPE

(Examinador)

Recife – PE

2012

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PARA ALICE E JULIA

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Agradecimentos

Após uma longa jornada de quatro anos, mas que às vezes parece uma

vida inteira, conclui-se uma importante etapa em minha vida. Durante este

período, muitas pessoas especiais estiveram ao meu lado, compartilhando comigo

momentos de aprendizado, dificuldades e de sucesso. Quero deixar aqui meus

profundos agradecimentos a todas essas pessoas.

Especialmente, agradeço à minha “teacher” querida, amiga e orientadora

Maria Elisabeth de Araújo pela oportunidade de melhorar como profissional e

como pessoa, por toda ajuda e crítica construtiva e, sobretudo, por acreditar em

mim.

Ao meu co-orientador William Severi, que me acompanha desde o início da

minha formação acadêmica, por me apoiar e dar oportunidade de aprender cada

dia mais.

Aos meus queridos amigos dos laboratórios de nécton (Universidade

Federal de Pernambuco) e de ictiologia (Universidade Federal Rural de

Pernambuco) pela amizade, apoio e momentos mais do que divertidos: Vanessa

Marques, Camila Gusmão, Isabela Leal, Danise Alves, Claudio Macedo, Sidney

Vieira, Daniel Lippi, Marcus Vinicius Santos, Felipe Mattos, Rafael Locatelli,

Isabela Araújo, Aline Rocha, Tatiane Medeiros, Natália Santos, Janaína Leal,

Verônica Severi, Helder Correa, Renata Felix, Sandra Luz, Priscila Cruz e Regis

Vinicius.

Agradeço muito às amigas Natália Carneiro Lacerda dos Santos, Isabela

Maria de Araújo, Vanessa Marques Mendes e Gabriela Oliveira pela amizade,

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companhia, cuidado e ajuda que me oferecem sempre e que foram essenciais

para o desenvolvimento deste trabalho.

À Profª Drª Sigrid Neumann Leitão por ter colaborado para a realização das

atividades de campo, por sempre estar disposta a ajudar e ensinar.

Aos professores e funcionários do Programa de pós-graduação em

oceanografia e ao CNPq pela concessão da bolsa de doutorado.

Aos meus pais e irmãos pelo apoio e incentivo.

Sou muito grata a Filipe, meu companheiro que me incentiva, me

compreende e me escuta, e às minhas filhas que fazem cada dia ser um novo

momento de felicidade.

Este trabalho não teria sido realizado sem a fé e a crença de que Deus nos

guia, acolhe e nos dá oportunidades de externarmos aquilo que somos por dentro,

sou eternamente grata.

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Sumário

Lista de figuras ........................................................................................................ iii

Lista de tabelas ....................................................................................................... vi

Resumo ................................................................................................................. viii

Abstract .................................................................................................................... x

Introdução geral ...................................................................................................... 1

Capítulo I - Variáveis ambientais como estruturadoras da distribuição temporal de ovos e larvas de peixes em um complexo estuarino tropical do nordeste do Brasil.14

Resumo .......................................................................................................... 15

Abstract .......................................................................................................... 17

Introdução ....................................................................................................... 18

Materiais e Métodos ....................................................................................... 20

Resultados ...................................................................................................... 25

Composição da comunidade ..................................................................... 25

Variação sazonal de ovos e larvas ............................................................ 25

Influência das variáveis ambientais na densidade de ovos e larvas ......... 32

Discussão ....................................................................................................... 38

Referências Bibliográficas .............................................................................. 43

Capítulo II - Padrões na densidade e diversidade de larvas de peixes em um continuum manguezal-prado-recife ....................................................................... 47

Resumo .......................................................................................................... 48

Abstract .......................................................................................................... 49

Introdução ....................................................................................................... 50

Materiais e Métodos ....................................................................................... 53

Resultados ...................................................................................................... 58

Discussão ....................................................................................................... 70

Referências Bibliográficas .............................................................................. 80

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ii

Capítulo III - Variação espaço-temporal de larvas de Achirus (Actinopterygii, Achiridae) em habitats de manguezal, praia e recife no nordeste do Brasil .......... 88

Resumo .......................................................................................................... 89

Abstract .......................................................................................................... 91

Introdução ....................................................................................................... 92

Materiais e Métodos ....................................................................................... 95

Área de estudo ......................................................................................... 95

Amostragens ............................................................................................ 97

Análise dos dados .................................................................................... 98

Resultados .................................................................................................... 100

Condições hidrográficas ........................................................................ 100

Densidade de larvas .............................................................................. 102

Estágios larvais e variações no comprimento ........................................ 103

Discussão ..................................................................................................... 107

Referências Bibliográficas ............................................................................ 114

Considerações Finais ....................................................................................... 119

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Lista de Figuras

Capítulo I - Variáveis ambientais como estruturadoras da distribuição temporal de ovos e larvas de peixes em um complexo estuarino tropical, nordeste do Brasil

Figura 1. Complexo estuarino do Rio Formoso e indicação das localidades onde foram coletadas as amostras de ovos e larvas de peixes ..................................... 20

Figura 2. Distribuição temporal das médias de densidade (ind.100 m-3) de (a) ovos e (b) larvas de peixes nos períodos de estiagem e chuvoso na zona estuarina do Rio Formoso, entre abril de 2009 e março de 2011. ............................................. 27

Figura 3. Distribuição temporal das médias de densidade (ind.100 m-3) dos táxons com maior Índice de Valor Biológico (IVB) na zona estuarina do Rio Formoso. (a) Engraulidae, (b) Achirus spp., (c) Atherinella brasiliensis, (d) Ctenogobius spp., (e) Lile piquitinga, (f) Eucinostomus spp., (g) Microgobius meeki, (h) Bairdiella ronchus, (i) Sphoeroides spp., (j) Bathygobius spp. .............................................. 31

Figura 4. Distribuição temporal das médias de precipitação acumulada (a), temperatura (b) e salinidade (c) na zona estuarina do Rio Formoso, no período de abril de 2009 a março de 2011. ............................................................................. 33

Figura 5. Análise nMDS das estações de estiagem (círculos) e chuvosa (estrelas) considerando os dados das variáveis ambientais (a) e de densidade dos táxons (b) coletados na zona estuarina do Rio Formoso. ...................................................... 35

Capítulo II - Padrões na densidade e diversidade de larvas de peixes em um continuum manguezal-prado-recife

Figura1. Mapa da zona costeira adjacente ao estuário do Rio Formoso com a indicação dos habitats amostrados. ...................................................................... 53

Figura 2. Densidade de larvas de peixes por período (a) e nas diferentes categorias do modo de ocupação dos estuários (b) nos três habitats estudados em Rio Formoso (PE). Os resultados estão expressos em média ± desvio padrão. Letras diferentes indicam, em ordem decrescente, diferenças significativas entre habitats determinadas pela análise a posteriori (Tukey). ...................................... 62

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iv

Figura 3. Densidade de larvas de peixes nos estágios de pré-flexão (PF), flexão (FL) e pós-flexão (PO), nos três habitats estudados em Rio Formoso (PE). Os resultados são expressos em média±desvio padrão. Letras diferentes indicam, em ordem decrescente, diferenças significativas entre habitats determinadas pela análise a posteriori (Tukey) .................................................................................. 63

Figura 4. Valores dos índices de diversidade (a) e equitabilidade (b) da assembleia de larvas de peixes (média±desvio padrão) em um continuum manguezal-prado-recife em Rio Formoso (PE). Letras diferentes indicam, em ordem decrescente, diferenças significativas entre habitats ou períodos determinadas pela análise a posteriori (Tukey, p<0,01) .................................................................................... 64

Figura 5. Ordenação nMDS das assembleias de larvas de peixes coletadas em um continuum manguezal-prado-recife na zona costeira adjacente ao estuário do Rio Formoso (PE). ....................................................................................................... 65

Figura 6. Padrões de movimentação entre habitats durante o ciclo de vida das espécies estuarinas coletadas em um continuum manguezal-prado-recife na zona costeira adjacente ao estuário do Rio Formoso (PE). (a) Atherinella brasiliensis: 1-presente estudo, 2- Silva-Falcão (2007), 3- Vendel e Chaves (2006) e Spach et al. (2006), 3- Fávaro et al. (2003); (b) Bairdiella ronchus: 1- presente estudo, 2- Itagaki et al (2007), 3- Reis-Filho et al. (2010),. 4- Chaves e Bouchereau, 2000; (c) Microgobius meeki: 1- presente estudo, 2- Coser et al. (2007), 3- Reis-Filho et al. (2010), ?- Dados não disponíveis. (d) Achirus spp.: 1- presente estudo, 2- Allen e Baltz (1997), 3- Oliveira e Fávaro (2010). Figuras dos peixes retiradas de Fahay (1983). ................................................................................................................... 67

Figura 7. Padrões de movimentação entre habitats durante o ciclo de vida das espécies marinhas migrantes em um continuum manguezal-prado-recife na zona costeira adjacente ao estuário do Rio Formoso (PE). (a) Lile piquitinga: 1-presente estudo, 2- Reis-Filho et al (2010). (b) Eucinostomus spp.: 1- presente estudo, 2- Thayer et al. (1987), 3- Chaves e Otto (1999). (c) Archosargus rhomboidalis: ?- Dados não disponíveis, 1- presente estudo, 2- Nagelkerken et al (2000), 3- Chavance et al. (1986), 4- Floeter e Gasparini (2000). Figuras dos peixes retiradas de Fahay (1983). ................................................................................................... 69

Capítulo III - Variação espaço-temporal de larvas de Achirus (Actinopterygii, Achiridae) em habitats de manguezal, praia e recife no nordeste do Brasil

Figura 1. Complexo estuarino do Rio Formoso e indicação das áreas de manguezal, praia e recifes amostradas ................................................................. 96

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v

Figura 2. Valores médios e desvio padrão das variáveis abiòticas em diferentes habitats estuarinos da zona estuarina do Rio Formoso, Pernambuco, Brazil (– + –: precipitatação). .................................................................................................... 101

Figura 3. Densidade dos diferentes estágios larvais de Achirus coletados em

diferentes habitats no estuário do Rio Formoso, Pernambuco, Brasil. Áreas

sombreadas: período noturno; não sombreadas: período diurno.………………..105

Figura 4. Média e desvio padrão do comprimento corpóreo das larvas de Achirus coletadas em diferentes habitats no estuário do Rio Formoso, Pernambuco, Brasil ............................................................................................................................ 105

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Lista de tabelas

Capítulo I - Distribuição sazonal de ovos e larvas de peixes e sua relação com as variáveis ambientais no complexo estuarino de Rio Formoso, Pernambuco, Brasil

Tabela 1. Coordenadas geográficas das áreas de amostragem de ovos e larvas de peixes na zona estuarina do Rio Formoso, Pernambuco ...................................... 21

Tabela 2. Densidade media mensal, índice de valor biológico (IVB) e freqüência de ocorrência amostral (FO) dos táxons coletados na zona estuarina do Rio Formoso .............................................................................................................................. 26

Tabela 3. Testes de Mann-Whitney (M-W) e de Kruskal-Wallis (K-W) e teste posteriori (Post) das médias de densidade dos táxons com maior Índice de Valor Biológico (IVB) entre os períodos do dia, meses, estações e ano na zona estuarina do Rio Formoso. (N): noturno, (E): estiagem, (1°): primeiro ano e (2°): segundo ano. Valores de significância indicados por (a) p < 0,001, (b) p < 0,01 e (c) p < 0,05. .................................................................................................................... 28

Tabela 4. Análise do percentual de similaridade (SIMPER) das espécies que mais contribuíram para a diferença entre as estações de estiagem e chuvosa no estuário do Rio Formoso. ...................................................................................... 36

Tabela 5. Resultados da rotina BIOENV indicando as variáveis ambientais que melhor explicam a distribuição sazonal das larvas de peixes coletadas no estuário do Rio Formoso. .................................................................................................... 36

Tabela 6. Análise de correlação de Pearson entre as variáveis ambientais e a densidade dos táxons com maior IVB com correlações significativas (p<0,05) ... 37

Capítulo II - Padrões na densidade e diversidade de larvas de peixes em um continuum manguezal-prado-recife

Tabela 1. Densidade total (ind.100 m-3) dos táxons de larvas de peixes coletadas em Rio Formoso (PE), com indicação dos estágios de desenvolvimento larval e habitat em que ocorreram. Estágios larvais: pré-flexão (PF), flexão (FL), pós-flexão (PO). Habitats: manguezal (M), prado (P), recife (R). .......................................... 59

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vii

Tabela 2. Análise do percentual de similaridade (SIMPER) das assembleias de peixes nos habitats individuais para determinar os grupos, em termos de densidade, que mais contribuíram para a similaridade nos habitats estudados em Rio Formoso (PE). Contribuição percentual da similaridade (CS). ....................... 67

Tabela 3. Resultado da ANOVA sobre a variação da densidade por habitat dos estágios larvais das espécies mais abundantes coletadas em um continuum manguezal-prado-recife na zona costeira adjacente ao estuário do Rio Formoso (PE). ..................................................................................................................... 68

Capítulo III - Variação espaço-temporal de larvas de Achirus (Actinopterygii, Achiridae) em habitats de manguezal, praia e recife no nordeste do Brasil

Tabela 1. Densidade larval media e níveis de significância das análises de variância não paramétricas de Kruskal–Wallis (habitats) e Mann–Whitney (períodos do dia e estações) sobre a densidade de larvas de Achiridae coletadas entre abril de 2009 e março de 2010. .................................................................. 104

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viii

Resumo

Na costa brasileira, apesar da crescente preocupação em se estabelecer um

manejo integrado dos ambientes costeiros, muitas das características ecológicas,

como a conectividade entre estes ecossistemas através da movimentação dos

peixes, ainda são pouco estudadas. No complexo estuarino do Rio Formoso, litoral

sul de Pernambuco – Brasil existe uma variedade de habitats costeiros próximos a

sua desembocadura que apresentam relativa proximidade um do outro. Entre eles

destacam-se os manguezais, os prados de fanerógamas e os recifes de arenito.

Recentemente, foram realizados alguns estudos a respeito da ictiofauna da região,

contudo pouco se sabe sobre os padrões de abundância, diversidade e mudanças

ontogenéticas de habitats dos peixes que utilizam estes ecossistemas em suas

fases iniciais do ciclo de vida, especialmente durante a fase larval. O presente

estudo objetivou analisar variações temporais e espaciais de densidade de larvas

de peixes coletadas em diferentes habitats no estuário inferior do rio Formoso,

buscando evidenciar padrões que indiquem o movimento das larvas ao longo de

sua fase larval. Durante o período de abril de 2009 a março de 2011, foram

coletadas 432 amostras mensais de ovos e larvas de peixes nos períodos diurno e

noturno. Foram realizados arrastos horizontais com rede de plâncton (55 m)

durante um intervalo de 10 minutos, em canal de mangue, praia estuarina com

manchas de prados e paralelamente à linha de recifes situados na foz do estuário.

As variáveis analisadas foram densidade de larvas, de ovos e de estágios larvais,

comprimento da larva, diversidade (Shannon-Wiener), equitabilidade (Pielou),

salinidade e temperatura. Durante dois ciclos sazonais e em diferentes habitats, o

presente estudo determinou padrões sazonais e espaciais da comunidade íctia em

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ix

fase larval e determinou tendências na preferência por habitat na fase de pré-

assentamento. Isto permitiu gerar dados que indiquem a existência de

conectividade entre os habitats. Verificou-se que a comunidade é dominada, em

densidade, por espécies residentes do estuário, principalmente Achirus spp.,

Engraulidae e Atherinela brasiliensis. Sazonalmente não ocorreram alterações na

composição das espécies, contudo, a densidade larval em geral foi mais elevada

durante a estação de estiagem, indicando ser um período de maior atividade

reprodutiva na área. Não foi observada influencia das variáveis ambientais

temperatura, salinidade e pluviosidade na estruturação da comunidade, no

entanto, a análise de correlação sugeriu que as respostas às variações destes

parâmetros foi espécie específica. Os diferentes estágios larvais de algumas

espécies apresentaram segregação de habitat, a exemplo de Lile piquitinga,

Achirus spp. e Bairdiella ronchus, indicando uma movimentação de larvas e

conseqüente conectividade biológica entre habitats. Este estudo evidenciou a

conectividade ecológica entre recifes, prados e manguezal através da

movimentação de larvas de peixes entre habitats na zona estuarina do rio

Formoso. Os resultados obtidos demonstram a importância da manutenção da

integridade dos ecossistemas para conservação e manejo dos recursos

pesqueiros em ecossistemas marinhos tropicais.

Palavras-chave: conectividade, tropical, larvas de peixes, Pernambuco.

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x

Abstract

In spite of growing concern to establish an integrated management of coastal

ecosystems on the Brazilian coast, many of the ecological characteristics such as

connectivity between these ecosystems through the movement of fish, are still

poorly studied. In the estuarine complex of rio Formoso, south coast of

Pernambuco – Brazil, there is a variety of interconnected habitats near its inlet.

These habitats include mangroves, seagrass meadows and reefs. Recently, a

number of studies about the ichthyofauna has been held. However, to date, the

abundance, diversity and ontogenetic habitat shifts patterns of fish that use these

ecosystems in early stages of the cycle life is not known. Collection of fish larvae

during two seasonal cycles and in different habitats was performed. A Spatial-

temporal pattern in larval fish community was found and a trend in habitat

preference in the pre-settlement stage was determined. This allowed achieve data

that indicate the existence of connectivity between habitats. It was found that the

larval fish assemblages are dominated by estuarine resident species, mainly

Achirus spp., Engraulidae and Atherinela brasiliensis. Seasonally there are no

changes in species composition; however, larval density is generally higher during

the dry season, indicating a period of greatest reproductive activity in the area.

There was no influence of the temperature, salinity, pH and precipitation variables

on community structure, and the responses to variations of these parameters were

species specific. The different larval stages of some species showed habitat shifts,

like Lile piquitinga, Achirus spp. and Bairdiella ronchus, indicating a movement of

larvae and consequent biological connectivity via export of biomass between

habitats. This study provides new evidence on the ecological connectivity through

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xi

the movement of fish larvae between habitats in the estuarine zone of Rio

Formoso. The results presented highlights the importance of ecosystem integrity in

conservation and management of fishery resources in tropical marine ecosystems

Keywords: Connectivity, tropical, fish larvae, Pernambuco.

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1

INTRODUÇÃO GERAL

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2

As zonas costeiras marinhas representam um ambiente de grande interesse

ambiental e econômico uma vez que fornecem diversos serviços ecológicos que

geram bem-estar social e ambiental (Moberg e Folke, 1999). Elas representam

uma área estratégica e intimamente ligada ao desenvolvimento econômico e

social, seja através da atividade pesqueira, de recreação e turismo, ou das vias de

comércio e da exploração de hidrocarbonetos nas plataformas continentais. Por

isso, sua vulnerabilidade aos impactos negativos decorrentes destas atividades

tem se tornado um aspecto preocupante, sobretudo do ponto de vista da

destruição dos habitats (Valiela et al., 2001; Orth et al., 2006).

Os ecossistemas tropicais marinhos são ambientes complexos e estruturalmente

distintos quanto as suas características físicas, hidrológicas e biológicas

(Nagelkerken, 2009). Na região tropical, as zonas costeiras apresentam grande

diversidade de espécies decorrente, sobretudo, da disponibilidade de habitats e

nichos ecológicos (Roberts et al., 2002). Entre os sistemas marinhos mais comuns

nas águas quentes dos trópicos destacam-se os manguezais, estuários, prados de

fanerógamas marinhas, lagunas e recifes. Quando esses ambientes estão

presentes concomitantemente em uma determinada área, formam-se mosaico de

habitats interconectados (Parrish, 1989). As características próprias desses

ambientes interligados impõem limites nos padrões do ciclo de vida das espécies

através do aumento da complexidade trófica e da necessidade de existirem táticas

e estratégias de sobrevivência entre esses habitats (Sheaves, 2005).

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3

A conectividade biológica entre as assembleias de peixes de diferentes

ecossistemas aquáticos é estabelecida em decorrência da atuação de dois fatores

principais: a alimentação e a busca por abrigo (Nagelkerken, 2009). Estes fatores,

por sua vez, estão intimamente ligados ao crescimento do animal, pois interferem

diretamente no incremento da biomassa e na redução da predação,

respectivamente (Chittaro et al., 2005). Desta forma, as ligações existentes entre

os ecossistemas costeiros, através das migrações dos peixes, podem ser

avaliadas a partir de estudos sobre dinâmica trófica das espécies entre diferentes

habitats (relacionada à atividade trófica) ou através da constatação de segregação

espacial de diferentes estágios do desenvolvimento (ciclo de vida) de peixes que

formam essas assembleias.

Existem dois tipos de padrões no uso do habitat pelos peixes marinhos

relacionados aos estágios do ciclo de vida: aqueles que passam todo o seu ciclo

de vida na mesma área e aqueles que, inicialmente utilizam um habitat específico,

e posteriormente, migram para o habitat parental (Beck et al., 2001). Estes últimos

representam aquelas espécies que utilizam habitats berçário durante as suas

fases iniciais de desenvolvimento, sendo que sua migração ontogênica ao habitat

adulto é que estabelecerá a conectividade biológica entre os ecossistemas.

Os padrões temporais na utilização de diferentes habitats, das várias classes de

tamanho e fases de desenvolvimento das espécies de peixes, são aspectos muito

utilizados na determinação de ligações entre eles. Neste contexto, os fatores mais

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4

comumente avaliados são composição, abundância, tamanho e tempo de

residência dos indivíduos (Gillanders et al., 2003; Faunce e Serafy, 2006).

Compreende-se o habitat berçário como aquele que apresenta a maior

contribuição em termos de densidade, crescimento, sobrevivência e migração dos

recrutas para o habitat parental, comparativamente a outras áreas em que os

jovens da espécie também ocorrem (Beck et al., 2001).

Atualmente existe uma grande cautela sobre as identificações de áreas de

berçário (Chittaro et al., 2005), o que têm gerado algumas opiniões discordantes

entre pesquisadores da área (Layman et al., 2006; Sheaves et al., 2006). Uma das

principais razões para este fato é a determinação de forma aleatória de áreas

berçário, sem levar em consideração as funções que devem ser exercidas para

que o habitat seja considerado como tal (Blaber, 2007). Isto decorre

principalmente da carência de estudos quantitativos, realizados de forma

simultânea e que estabeleça padrões diferenciados entre as espécies.

Em alguns estudos, os manguezais e prados de fanerógamas apresentaram uma

comunidade de peixes bem distinta daquela dos recifes e a função de berçário,

exercida por estes habitats é restrita apenas para algumas espécies (Chittaro et

al., 2005). Contudo, observa-se que os ecossistemas marinhos quando

conectados apresentam maior abundância (Nagelkerken et al., 2001; 2002;

Nagelkerken e van der Velde, 2002) e diversidade das espécies de peixes

(Nanami e Nishihira, 2003; Jelbart et al., 2007) do que quando são isolados.

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5

A fragmentação dos ecossistemas resulta na sua distribuição em manchas

isoladas, sendo decorrente principalmente da perda de habitat ou da interrupção

do fluxo hídrico entre eles (Layman et al., 2004). Entre as consequências, a

diminuição da diversidade da assembleia de peixes e da abundância, inclusive as

de interesse pesqueiro, são as mais reportadas (Layman et al., 2004; Mumby et

al., 2004).

A conectividade entre os diferentes sistemas costeiros representa um campo de

estudo relativamente atual, sendo os primeiros trabalhos que abordam

diretamente o assunto foram publicados a partir desta década (Cowen et al.,

2000). Porém, indiretamente, muitos autores tomaram conhecimento da

movimentação de peixes entre diversos ecossistemas marinhos, realizando

pesquisas com uma conotação similar aos estudos sobre conectividade.

Na década de 80, foram investigadas as sobreposições e interações na estrutura

da comunidade de peixes entre os ambientes de manguezal, fundos lamosos,

prados e recifes de coral, muito embora o termo “conectividade” não tivesse ainda

sido adotado. Neste estudo, Thollot e Kulbicki (1988) registraram poucas

interações entre as comunidades de peixes da zona costeira da baía de Saint

Vincent, no Indo-Pacífico, as quais foram caracterizadas pelos autores como

autossuficientes. Posteriormente, uma extensa revisão sobre a migração de

peixes entre habitat parental e berçários foi realizada por Parrish (1989) que

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6

considerou o recrutamento e a alimentação como principais determinantes deste

processo.

A conectividade das populações de peixes ocorre em diferentes escalas espaciais

que vai de centenas (conectividade genética) a poucas dezenas de quilômetros

(conectividade ecológica) (Nagelkerken, 2002). Em menor escala, a conectividade

pode ser estabelecida um único ecossistema, que possui grande diversidade

estrutural, como extensos bancos recifais (Aburto-Oropeza e Balart, 2001), sendo

a movimentação principalmente relacionada à alimentação e procura por abrigo.

Peixes em estágios iniciais do ciclo de vida, sobretudo na fase larval pelágica,

utilizam diversos mecanismos comportamentais e ambientais que promovem seu

transporte ao habitat de assentamento (Boehlert e Mundy, 1988). Muitas espécies

podem seguir rastros químicos e sonoros que são característicos do ambiente,

como os compostos característicos dos estuários ou os sons emitidos por ondas

em recifes (Holmes e McCormick, 2010). A partir daí, as larvas movem-se

ativamente, em velocidade crescente enquanto completam seu desenvolvimento

ontogênico.

Estudos sobre a distribuição e abundância de larvas de peixes em diferentes

habitats nas diferentes fases ontogênicas são escassos. Um dos principais

obstáculos para a realização dessas investigações é a padronização de

amostragens em áreas estruturalmente diferentes, que requer o uso de

metodologias distintas e originam dados quantitativos não comparáveis. Algumas

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7

pesquisas, realizadas em diferentes habitats, obtiveram sucesso na coleta de

larvas de peixes com o uso de armadilhas luminosas ou redes de plâncton. Em

Porto Rico, Rooker et al (1996) realizaram amostragens em recifes de coral, fundo

arenoso, prados de fanerógamas e manguezais com o uso de atrator luminoso. Os

autores relataram diferenças na riqueza e abundância de larvas que foram mais

elevadas nos recifes. Análises relacionadas à distribuição das fases ontogênicas

entre habitats não foram realizadas, possivelmente devido à quase que exclusiva

ocorrência de larvas em pós-flexão e além de indivíduos jovens, uma das

desvantagens do uso de armadilhas luminosas (Rooker et al., 1996).

No estuário de Santa Lúcia (África do Sul) Harris et al. (2001) realizaram

amostragens de larvas de peixes em águas costeiras, na zona de arrebentação e

no estuário. Os autores identificaram assembleias distintas entre os ambientes,

contudo, as espécies marinhas migrantes foram comuns em todos os habitats

sugerindo o movimento destas espécies como um fator essencial para o sucesso

do recrutamento. A maior parte das espécies marinhas migrantes desova no mar e

movem-se em direção aos estuários ainda na fase larval (Johannes, 1978). Nesta

fase a taxa de mortalidade é geralmente bem elevada, principalmente devido à

predação. Algumas espécies, como as de Lutjanidae, evitam as águas superficiais

oceânicas onde a taxa de predação é mais alta, migrando em camadas mais

profundas para as áreas rasas costeiras onde realizam o assentamento em prados

de fanerógamas e manguezais (D’Alessandro e Spounagle, 2011).

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No Brasil, o estudo de ovos e larvas de peixes em estuários tropicais tem

fornecido dados sobre a diversidade, distribuição e abundância desta comunidade.

Áreas recifais (Nonaka et al., 2000) e principalmente de manguezais (Ekau et al.,

2001; Barletta-Bergan et al., 2002; Joyeux et a., 2004) tem sido estudadas

principalmente sobre a ecologia das larvas de peixes. Contudo, até a presente

data, essas investigações vêm sendo realizadas em habitats isolados

desconsiderando possíveis segregações ontogênicas entre habitats que poderia

sugerir a direção do movimento da espécie ao longo do seu ciclo de vida. Este tipo

de informação implica na determinação de prováveis áreas de assentamento e de

berçário das espécies, e na necessidade de se compreender o ciclo de vida das

espécies para a instituição de medidas de conservação.

A presente tese representa o primeiro estudo no Brasil a abordar os padrões

espaciais e temporais das assembleias de larvas de peixes em três diferentes

tipos de habitats: manguezal, prado e recife. Pretende-se com este trabalho (1)

analisar variações inter-anuais e sazonais das assembleias, (2) correlacionar

estas variações com as condições abióticas do meio, (3) caracterizar as

assembleias dos diferentes habitats, (4) identificar padrões de segregação

espacial dos estágios de desenvolvimento, (5) caracterizar o ciclo de vida das

espécies dominantes.

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Page 32: EVIDÊNCIAS DE CONECTIVIDADE ENTRE HABITATS COSTEIROS ... · Evidências de conectividade entre habitats costeiros tropicais através do estudo de peixes em fases iniciais do ciclo

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CAPÍTULO I

VARIÁVEIS AMBIENTAIS COMO ESTRUTURADORAS DA

DISTRIBUIÇÃO TEMPORAL DE OVOS E LARVAS DE PEIXES EM UM

COMPLEXO ESTUARINO TROPICAL DO NORDESTE DO BRASIL.

Elisabeth Cabral Silva Falcão, William Severi e Maria Elisabeth de Araújo.

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Resumo:

O conhecimento sobre as mudanças sazonais e inter-anuais nas assembleias de

larvas de peixes e suas relações com variáveis ambientais são importantes na

compreensão da dinâmica do ciclo de vida das espécies. O pouco conhecimento

que se tem sobre essas variações torna-se ainda mais escasso se levarmos em

consideração a variedade de habitats nos estuários tropicais do Brasil. O presente

estudo objetivou identificar padrões sazonais na composição e abundância de

ovos e larvas de peixes na zona estuarina do Rio Formoso (Pernambuco) e

correlacioná-los com algumas variáveis ambientais. Amostragens de ovos e

larvas, com rede de plâncton de 500 µm, foram realizadas em um período de dois

anos (2009-2011), abrangendo dois ciclos sazonais, tendo no segundo ocorrido

um evento de enchente. Os dados foram analisados buscando identificar padrões

temporais na densidade e estrutura da comunidade e correlações com as

variáveis temperatura, salinidade e pluviosidade. Na estação de estiagem, quando

temperatura e salinidade foram mais elevadas, a densidade de ovos e larvas foi

maior. Verificou-se que a composição das assembleias das estação chuvosa e de

estiagem foi similar, sendo caracterizadas por espécies dominantes,

principalmente das famílias Engraulidae, Achiridae e Atherinopsidae, que variam

apenas em sua abundância. Entre as dez espécies mais abundantes, sete

estiveram associadas às variações de uma ou mais variável ambiental, indicando

que a resposta a estas mudanças deve ser espécie-específica e relacionada

também a fatores comportamentais. Entre as espécies associadas ao aumento da

temperatura, destacaram-se Achirus spp. e Engraulidae, que exibiram variações

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temporais mais consistentes entre os anos analisados. Ctenogobius spp.

apresentou densidades mais elevadas em condições de salinidade mais baixa,

enquanto que a diminuição da pluviosidade coincidiu com densidades mais

elevadas de Achirus spp., Lile piquitinga, Bairdiella ronchus e Sphoeroides spp.

Palavras-chave: hidrologia, sazonalidade, larvas de peixes, estuário.

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Abstract:

Knowledge about seasonal and interannual changes in fish larvae assemblages

and their relationships with environmental variables are important in understanding

the life cycle dynamics of fish species. Nevertheless, these variations are still

poorly known in Brazilian tropical estuaries. This study aimed to identify seasonal

patterns in fish eggs and larvae composition and abundance in Rio Formoso

estuary (Pernambuco) and correlate them with some environmental variables.

Samplings with plankton net were performed over a two-year basis, including two

seasonal cycles. Data were statistically analyzed in order to identify temporal

patterns in density and community structure and correlations with the variables

temperature, salinity, pH and precipitation. In the dry season, when temperature

and salinity were higher, the density of eggs and larvae was higher. It was found

that the larval fish assemblages of the rainy and dry seasons are similar and are

characterized by dominant species that differed only in abundance. Few species

were related to changes in environmental conditions, indicating that the response

to these changes must be species-specific and also related to behavioral factors.

Keywords: Hidrology, seasonality, fish larvae, estuary

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Introdução

A importância ecológica e econômica das zonas costeiras tropicais,

sobretudo das áreas estuarinas, é reconhecida em várias partes do mundo

(Barletta et al., 2010). Contudo, as ameaças aos ecossistemas associados a

essas áreas, como os recifes de coral, prados de fanerógamas e manguezais,

continuam sendo uma preocupação crescente (Valiela et al., 2001). A

dependência que muitas espécies de peixes apresentam por estas áreas é

evidente (Blaber, 2007), sobretudo durante as fases iniciais do ciclo de vida,

quando buscam abrigo e alimento em águas rasas e produtivas.

As assembleias ictioplanctônicas estuarinas caracterizam-se por

apresentar, em geral, uma elevada abundância de indivíduos, porém com uma

diversidade limitada, quando comparadas com as que habitam a zona costeira

adjacente (Harris et al., 2001). A baixa diversidade das espécies de peixes em

sistemas estuarinos é uma resposta às amplas flutuações das condições

ambientais impostas por estes ambientes, notadamente a salinidade (Barletta et

al., 2005).

A determinação de padrões diferenciados na distribuição e abundância do

ictioplâncton, em escala temporal, permite um melhor entendimento acerca das

flutuações nestas assembleias, principalmente quando relacionados a fatores

ambientais, tais como temperatura e salinidade. Embora muitos estudos tenham

evidenciado variações sazonais na composição das assembleias de peixes em

respostas às variações ambientais (Harris et al., 2001; Avendaño-Ibarra et al.,

2004), poucos avaliam mais de um ciclo sazonal (Reyier e Shenker, 2007).

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No Brasil, estudos realizados em estuários demonstraram que as

mudanças na salinidade, pluviosidade e temperatura podem alterar a composição

e abundância de larvas de peixes em uma escala sazonal (Barletta-Bergan et al.,

2002; Macedo-Soares et al., 2009). Essas alterações estão relacionadas

principalmente aos picos de desova das espécies dominantes, que respondem de

forma diferenciada às características ambientais (Harris et al., 2001). No estado de

Pernambuco, pouco se conhece sobre a comunidade de larvas de peixes em

estuários (Ekau et al., 2001). As informações sobre as atividades reprodutivas dos

peixes nestes ecossistemas não estão disponíveis em periódicos científicos,

dificultando a associação entre época de desova e picos de densidade larval,

assim como de padrões de movimentação ao longo do ciclo de vida.

A zona estuarina do Rio Formoso, Pernambuco, é caracterizada pela forte

influencia marinha e elevada produtividade (Honorato da Silva et al, 2001). Possui

uma série de habitats, como planícies de marés, manguezais, prados e recifes de

arenito, tornando esse ambiente de grande interesse ecológico. Recentemente,

Paiva et al. (2009) verificaram uma elevada diversidade de peixes, tendo

constatado grande parcela de espécies de origem marinha.

O presente estudo tem como objetivo identificar os padrões temporais na

composição e abundância da assembleia de larvas de peixes na zona estuarina

do Rio Formoso e avaliar possíveis relações entre as variáveis ambientais e

mudanças na estrutura da comunidade.

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Materiais e Métodos

A área de estudo compreende a região inferior do complexo estuarino do

Rio Formoso, Pernambuco (Figura 1), formado pela confluência dos rios Formoso,

Passos, Ariquindá e Lemenho. O complexo abrange aproximadamente 27,24 km²

e está localizado no município de Rio Formoso, a 92 km de Recife, estado de

Pernambuco, nordeste do Brasil. O estuário é dividido em três zonas distintas:

superior, média e inferior (Lira et al., 1979), apresentando cada uma

características peculiares quanto aos meios biótico e abiótico (Lira et al., 1979;

Honorato da Silva et al., 2004; Paiva et al., 2009). Na região, as estações se

dividem em chuvosa (março a agosto) e estiagem (setembro a fevereiro), sendo a

estação chuvosa aquela de maior produtividade primária, caracterizada por

condições eutróficas do estuário (Honorato da Silva et al., 2004).

Figura 1. Complexo estuarino do Rio Formoso e indicação das localidades onde

foram coletadas as amostras de ovos e larvas de peixes.

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Três habitats distintos foram selecionados para as amostragens:

manguezal, prado e recife (Tabela 1). Localizados dentro de duas áreas

protegidas marinhas, as APAs Costa dos Corais e de Guadalupe, os habitats

amostrados perfazem um trajeto de 6 km. O habitat manguezal consiste em um

canal de maré, margeado por Rhizophora mangle, localmente conhecido como

Maria-Açu. Na margem direita do estuário está localizada a praia dos Carneiros,

que, por ser mais rasa que a margem oposta, propicia a formação de esparsos

prados de fanerógamas, compostos por Halodule wrightii associada à macroalgas.

O habitat de recife localiza-se ao largo da foz do Rio Formoso, fazendo parte de

um complexo conjunto de recifes de arenito paralelos à linha de costa.

Tabela 1. Coordenadas geográficas das áreas de amostragem de ovos e larvas de

peixes na zona estuarina do Rio Formoso, Pernambuco.

Localidade Tipo de Habitat Coordenadas

Maria-Açu Mangue 8°40’51,63’’ S e 35°5’54,93’’ W

Praia dos Carneiros Prado 8°41’44,85’’ S e 35°5’18,83’’ W

Boca da barra Recife 8°41’34,19’’ S e 35°4’27,52’’ W

Foram realizadas amostragens mensais de larvas e ovos de peixes em um

intervalo de dois anos, compreendendo os meses de abril de 2009 a março de

2011. Foi utilizada uma rede de plâncton cônico-cilíndrica com abertura de malha

de 500 µm que foi arrastada por 10 minutos nas três localidades selecionadas.

Em cada área, foram realizadas três réplicas no período diurno e três no noturno,

totalizando 18 amostras por mês.

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22

O volume total de água filtrada foi estimado utilizando-se um fluxômetro

acoplado à boca da rede. Em cada ponto de amostragem, as variáveis ambientais

salinidade e temperatura da água foram mensuradas utilizando refratômetro e

termômetro, respectivamente. As amostras foram acondicionadas em potes

plásticos de 500 mL e fixadas em solução de formalina 4% tamponada com

carbonato de cálcio. As amostragens foram realizadas sempre em marés de

quadratura e na baixa-mar, objetivando minimizar o efeito de diferentes marés e

fases lunares, assim como realizar as atividades em melhores condições de

navegação, sobretudo nos recifes. Dados da precipitação acumulada mensal

foram obtidos no banco de dados do Laboratório de Meteorologia de Pernambuco

(LAMEPE) correspondente à estação meteorológica do município de Barreiros.

No laboratório, todo o conteúdo das amostras foi triado para a separação e

ovos e larvas, sendo a densidade expressa em indivíduos por cem metros cúbicos

(ind.100 m-3) e utilizada para as análises estatísticas. As larvas foram

caracterizadas merísticamente (contagem de vértebras, miômeros, rastros,

pterigióforos, espinhos e raios) e morfometricamente (relações corporais) e de

acordo com os padrões de pigmentação e de distribuição de espinhos cefálicos.

Alguns espécimes foram diafanizados (Dingerkus e Uhler, 1977) para facilitar a

visualização e contagem de estruturas mais internas, como vértebras e rastros.

Identificação. A identificação foi baseada em diversos manuais de identificação de

larvas de peixes e trabalhos de descrição do desenvolvimento larval disponíveis

na literatura (Fahay, 1983; Ahlstrom Symposium, 1983; Moser, 1984; Leis e

Trnski, 1989; Neira et al., 1992; Able e Fahay, 1998; Richards, 2006).

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23

O índice de valor biológico (IVB) foi calculado a partir da matriz de densidade

dos táxons (Sanders, 1960). Este índice ordena os táxons considerando tanto sua

frequência quanto sua abundância relativa nas amostras, evitando considerar

espécies abundantes em amostras específicas, mas não frequentes durante o

período analisado, ou vice-versa. O número máximo de táxons considerado para o

cálculo do IVB de cada amostra foi aquele cuja abundância relativa acumulada

alcançou 95% (Loya-Salinas e Escofet, 1990). As espécies com maiores valores

finais do IBV foram classificadas em ordem de importância decrescente, sendo

classificada em 1° lugar aquela dominante na comunidade.

Foram considerados nas demais análises, os táxons ordenados de 1 a 10,

segundo o IVB. Os dados de densidade foram log-transformados e testados

quanto à normalidade (Kolmogorov-Smirnov) e homogeneidade (Bartlett), segundo

as recomendações de Hammer et al. (2001). Uma vez não atingidos os pré-

requisitos da ANOVA, as diferenças nas densidades e nas variáveis ambientais

entre os anos e períodos do dia foram analisadas através do teste U de Mann-

Whitney e entre os meses através da ANOVA de Kruskal-Wallis utilizando os

dados não transformados. O teste de Dunn foi realizado como análise a posteriori

para identificar meses em que ocorreram maiores médias.

Para analisar possíveis variações na estrutura da comunidade entre os anos e

estações foi construída uma matriz de similaridade, baseada no índice de Bray-

Curtis, a partir dos dados de densidade transformados na raiz quarta e

organizados em uma planilha no modo R (Gotelli e Ellison, 2004). Este mesmo

procedimento foi adotado para os dados abióticos, porém foi utilizada a distância

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24

Euclidiana sobre os dados transformados e estandardizados. A partir dessas

matrizes, o método de ordenamento nMDS foi utilizado com o intuito de avaliar a

formação de grupos entre as estações do ano. A significância e a similaridade

entre estes grupos foram testadas pela ANOSIM. A identificação de espécies que

mais contribuíram para a similaridade interna dos grupos e a dissimilaridade entre

eles foi baseada na análise SIMPER. A existência de possíveis correlações entre

as assembleias de larvas de peixes e as variáveis ambientais foi verificada através

da rotina BIOENV e a análise por espécie foi testada pela correlação de Pearson.

Todas as análises estatísticas foram efetuadas nos pacotes estatísticos PRIMER®

(Plymouth Routines Multivariate Ecological Research) e PAST® (Paleontological

Statistics, ver. 2.13). O nível de significância considerado foi de 95% (p ≤ 0,05).

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25

Resultados

Composição da comunidade

Em 432 amostras coletadas durante um período de dois anos, foram

contabilizados 3.514 ovos e 2.383 larvas de peixes. Dos 50 táxons identificados,

Engraulidae e Achirus spp. foram os mais frequentes, estando presentes em mais

de 50% das amostragens (Tabela 2). Além destes, Atherinella brasiliensis também

foi frequente durante o período estudado, exceto em dezembro/10.

Os táxons identificados com maiores índices de valor biológico (IVB), em

ordem decrescente, referem-se aos indivíduos pertencentes às famílias

Engraulidae, Achiridae, Atherinopsidae, Gobiidae, Clupeidae, Gerreidae

Sciaenidae e Tetraodontidae (Tabela 2).

Variação temporal de ovos e larvas

Os resultados da ANOVA de Kruskal-Wallis indicaram diferenças na

distribuição mensal de ovos (p = 0,0003) e larvas (p < 0,0001). As maiores

densidades de ovos ocorreram entre abril e maio de 2009 e entre novembro de

2010 e fevereiro de 2011 (Figura 2a). No primeiro ano, o pico de densidade de

ovos ocorreu no mês de abril, quando a densidade média foi de 543,39±1005,29

ovos.100 m-3, enquanto no segundo ano ocorreu no mês de janeiro com média de

274,37±370,01 ovos.100 m-3. Entre os períodos do dia a densidade de ovos não

diferiu (Mann-Whitney: p = 0,827), contudo a densidade média foi mais elevada à

noite (121,06±371,13 ovos.100 m-3).

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26

Tabela 2. Densidade media mensal, índice de valor biológico (IVB) e frequência de ocorrência amostral (FO) dos táxons

coletados na zona estuarina do Rio Formoso.

Táxons Abr 09 Maio Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Jan 10 Fev Mar Abr Maio Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Jan 11 Fev Mar IVB FO

Engraulidae 1.93 1.12 0.66 0.92 0.21 0.57 11.86 6.32 0.23 0.96 0.77 3.42 1.24 0.13 0.49 0.71 11.76 7.19 2.34 0.99 18.66 4.37 2.16 1 50.00

Achirus spp. 0.48 1.16 0.37 0.49 2.16 5.62 5.29 4.96 2.91 1.99 2.47 2.90 2.43 0.29 0.64 4.11 4.75 4.79 1.68 2.49 1.85 2 56.90

Atherinella brasiliensis 0.33 0.27 1.49 1.16 1.78 2.64 4.29 2.96 1.86 1.42 1.18 3.32 14.64 12.97 0.59 9.48 0.49 1.14 0.55 1.48 0.17 0.18 1.87 3 27.00

Ctenogobius spp. 8.26 2.68 1.12 5.71 2.15 0.82 1.15 3.56 1.79 0.37 0.11 1.38 3.28 0.55 0.28 0.53 0.90 4 23.60

Lile piquitinga 0.22 1.75 0.13 0.42 0.78 1.66 1.15 1.76 0.92 0.13 1.58 0.18 0.75 6.15 9.69 0.46 0.53 2.30 5 17.30

Eucinostomus spp. 1.78 1.38 0.25 0.54 2.65 0.16 0.78 3.35 1.51 0.12 0.16 0.72 0.22 0.12 0.22 0.15 0.74 0.41 1.28 0.17 6 20.80

Microgobius meeki 1.14 0.13 0.39 0.17 2.26 0.43 0.87 0.31 0.24 2.59 0.50 0.23 0.17 0.14 0.45 0.46 0.13 7 20.10

Bairdiella ronchus 0.14 0.15 5.53 0.63 4.65 0.12 3.16 2.45 0.31 0.65 0.53 0.14 0.13 0.28 0.19 8 16.60

Bathygobius spp. 0.36 0.33 0.17 0.21 0.95 0.44 0.96 1.92 0.28 0.50 9 9.00

Sphoeroides spp. 0.26 0.32 0.14 0.47 1.28 0.57 0.25 0.13 0.27 0.82 0.22 0.15 0.25 10 13.19

Oligoplites saurus 0.18 0.41 0.95 0.14 0.12 0.97 1.00 0.33 0.16 0.31 0.24 0.17 11 8.00

Archosargus rhomboidalis 0.34 0.80 0.39 0.55 0.24 0.99 6.88 12 10.40

Lupinoblennius paivai 0.46 0.33 0.22 0.14 0.56 0.82 0.32 0.39 13 9.00

Hyporhamphus spp. 0.22 0.19 0.26 0.20 0.36 0.12 0.14 0.28 0.16 0.14 14 8.30

Stellifer spp. 0.16 0.12 0.32 0.83 0.36 0.27 0.18 0.40 15 6.25

Gobionellus oceanicus 0.82 0.98 0.13 0.14 0.17 0.57 0.14 16 6.25

Oligoplites spp. 0.95 0.15 0.16 0.24 0.16 17 4.16

Syngnathus pelagicus 0.12 0.17 0.94 0.14 18 2.77

Strongylura spp. 0.16 0.17 1.00 0.13 0.17 19 3.47

Guavina guavina 0.16 0.18 0.29 20 2.08

Lutjanus spp. 0.15 0.12 0.83 21 2.08

Carangoides ruber 0.56 22 0.69

Diapterus auratus 0.21 23 0.69

Malacoctenus delalandi 0.56 24 0.69

Stegastes spp. 0.36 25 0.69

Dactyloscopus spp. 0.28 0.16 0.30 26 1.38

Lactophrys spp. 0.18 27 0.69

Microdesmus bahianus 0.17 0.38 28 2.08

Trinectes spp. 0.15 0.13 0.23 29 2.77

Abudefduf saxatilis 0.17 0.18 0.12 0.12 30 2.70

Bryx dunckeri 0.11 31 0.69

Centropomus undecimalis 0.13 0.28 0.13 0.16 0.15 32 3.47

Chaetodipterus faber 0.12 0.16 33 1.38

Citharichthys spp. 0.16 34 0.69

Gobiomorus dormitor 0.43 35 1.38

Haemulon parra 0.23 36 0.69

Hippocampus spp. 0.15 0.11 0.16 0.15 37 2.77

Labrisomus nuchipinnis 0.13 38 0.69

Ophioblennius atlanticus 0.17 0.11 39 1.38

Lobotes surinamensis 0.17 40 0.69

Menticirrhus spp. 0.14 41 0.69

Trachinotus spp. 0.12 42 0.69

Mugil spp. 0.16 43 0.69

Naucrates ductor 0.12 44 0.69

Scartella cristata 0.13 45 0.69

Sparisoma spp. 0.13 46 0.69

Tylosurus crocodilus 0.12 47 0.69

Sphoeroides spengleri 0.12 48 0.69

Thalassophryne nattereri 0.13 49 0.69

Pareques spp. 0.14 50 0.69

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A densidade média de larvas de peixes foi mais elevada entre setembro e

novembro de 2009 e entre novembro e dezembro de 2010 (Figura 2b). No primeiro

ano, o pico de densidade larval foi registrado em setembro de 2009 (média de

22,09±31,22 ind.100 m-3), enquanto no segundo a maior densidade média ocorreu

em novembro de 2010 (média de 30,59±41,54 ind.100 m-3). Entre os períodos do

dia, as larvas foram mais abundantes nas amostragens noturnas (p < 0,0001),

quando a densidade larval média foi de 25,69±32,89 ind.100-3.

Figura 2. Distribuição temporal das médias de densidade (ind.100 m-3) de (a) ovos

e (b) larvas de peixes nos períodos de estiagem e chuvoso na zona estuarina do

Rio Formoso, entre abril de 2009 e março de 2011.

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28

Os táxons com maior IVB também apresentaram variações significativas

em sua distribuição temporal (Figura 3). Dos dez táxons analisados, apenas

Atherinella brasiliensis e Bathygobius spp. não apresentaram densidades

significativamente diferentes entre meses e estações. Estas espécies diferiram

apenas entre os anos (Bathygobius spp.) e períodos do dia, sendo mais

abundantes à noite (Tabela 3).

Tabela 3. Testes de Mann-Whitney (M-W) e de Kruskal-Wallis (K-W) e teste

posteriori (Post) das médias de densidade dos táxons com maior Índice de Valor

Biológico (IVB) entre os períodos do dia, meses, estações e ano na zona estuarina

do Rio Formoso. (N): noturno, (E): estiagem, (1°): primeiro ano, (2°): segundo ano,

(Res): resultado. Valores de significância indicados por (a) p < 0,001, (b) p < 0,01

e (c) p < 0,05.

Período Meses Estações Anos

Táxon M-W Res K-W Post M-W Post M-W Post

Engraulidae -6,18a N 71,98

a Jan-2°;Set-2° 2,82

b E 3,18

b 2°

Achirus spp. -6,13a N 85,83

a Nov-1° 5,75

a E 0,01 n.s.

Atherinella brasiliensis -2,92b N 22,26 n.s. 0,86 n.s. 1,12 n.s.

Ctenogobius spp. -7,21a N 49,90

a Abr-1° -1,54 n.s. 1,11 n.s.

Lile piquitinga -6,65a N 41,04

c Mar-2° 2,36

c E -2,02 n.s.

Eucinostomus spp. -4,88a N 59,13

a Dez-1° 0,29 n.s. 2,94

b 1°

Microgobius meeki -3,18b N 39,75

c Fev-1° 1,35 n.s. 2,82

b 1°

Bairdiella ronchus -5,03a N 56,39

a Set-1°;Nov-1° 2,92

b E 2,70

b 1°

Bathygobius spp. -2,34c N 29,04 n.s. -0,83 n.s. 2,86

b 1°

Sphoeroides spp. 0,62 n.s. 48,01b Out-1°;Nov-1° 1,54 n.s. 2,76

b 1°

Durante os meses mais quentes (setembro a fevereiro), que compreendem

a estação de estiagem, foi observada a maior abundância para a maioria dos

táxons analisados (Figura 3). Apenas um pico de densidade de larvas de

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Engraulidae ocorreu no primeiro ano, quando foi registrada uma densidade média

de 11,86±27,85 ind.100 m-3 em novembro (Figura 3a). No segundo ano, essas

larvas predominaram em setembro e janeiro, com valores médios de 11,76±23,47

e 18,66±45,55 ind.100 m-3, respectivamente.

Larvas de Achirus ocorreram em quase todos os meses, porém foram mais

abundantes entre outubro e dezembro, em ambos os anos. No primeiro ano, o

pico de densidade ocorreu em outubro, com 5,62±8,36 ind.100 m-3, e no segundo,

em dezembro, com 4,79±5,81 ind.100 m-3 (Figura 3b).

Embora Atherinella brasiliensis tenha sido frequente, não foi possível

identificar um padrão sazonal em sua distribuição (Figura 3c). No primeiro ano, a

espécie apresentou maiores densidade em outubro e março, com médias de

4,29±10,5 e 3,30±12,16 ind.100 m-3, respectivamente. No segundo, a espécie foi

mais abundante em abril, maio e julho, com médias de densidade de 14,64±34,45;

12,97±39,06 e 9,41±24,67 ind.100 m-3. Similarmente, não houve um padrão

sazonal definido na distribuição das larvas de Ctenogobius spp. Nos dois anos, os

picos de densidade ocorreram nas duas estações (Figura 3d).

Lile piquitinga apresentou elevada abundância no início da estação chuvosa

(março-2011), quando atingiu 20,30±48,61 ind.100 m-3 e na estação de estiagem

(dezembro-2010), com 9,69±4,21 ind.100 m-3 (Figura 3e). Vários picos de

densidade foram observados na distribuição mensal de Eucinostomus spp. (Figura

3f). No primeiro ano, as maiores densidades foram registradas em abril, maio,

agosto e dezembro. No segundo, estas larvas foram menos abundantes, sendo as

maiores densidades observadas em maio e janeiro.

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30

Durante o primeiro ano, a densidade de larvas de Microgobius meeki foi

significativamente maior (p = 0,009). Sua abundância foi mais elevada nos meses

da estação de estiagem, com pico de densidade em setembro, quando foi

registrada média de 2,26±6,48 ind.100 m-3 (Figura 3g). Também houve maior

densidade de Bairdiella ronchus no primeiro ano (p = 0,002). Esta espécie

apresentou picos de densidade durante a estação de estiagem em setembro,

novembro e fevereiro (Figura 3h).

Larvas de Sphoeroides spp. foram mais abundantes durante o primeiro ano

(p=0,012) e em diversos meses foram observadas densidades mais elevadas. A

densidade máxima no primeiro ano ocorreu em outubro (1,28±1,9 ind.100 m-3),

enquanto que no segundo foi registrada em fevereiro (0,27±1,07 ind.100 m-3),

ambas durante a estiagem (Figura 3i). O pico de densidade de Bathygobius spp.

ocorreu em março-2011, atingindo valor total de 34,58 ind.100 m-3 sendo esta

espécie mais abundante durante o primeiro ano (p = 0,004).

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Figura 3. Distribuição temporal das médias de densidade (ind.100 m-3) dos táxons

com maior Índice de Valor Biológico (IVB) na zona estuarina do Rio Formoso. (a)

Engraulidae, (b) Achirus spp., (c) Atherinella brasiliensis, (d) Ctenogobius spp., (e)

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Lile piquitinga, (f) Eucinostomus spp., (g) Microgobius meeki, (h) Bairdiella

ronchus, (i) Sphoeroides spp., (j) Bathygobius spp.

Influência das variáveis ambientais na densidade de ovos e larvas

Não foram observadas diferenças na precipitação mensal entre os dois

anos de estudo, contudo, houve variação entre as estações de estiagem e

chuvosa (p < 0,001) para o período estudado, sendo os meses entre abril e agosto

aqueles com valores mais altos. Em junho de 2010, o índice de pluviosidade

marcou 613,5 mm, um valor elevado, resultante de chuvas intensas que causaram

grandes enchentes na região (Figura 4a).

Durante o período estudado, a temperatura da água variou de 24,3 a 31,7

°C. Foram registradas diferenças nas médias deste parâmetro entre os meses (p =

0,006), sendo fevereiro de 2009 e março de 2011 aqueles com temperaturas mais

elevadas. As maiores médias também ocorreram durante a estação de estiagem

(p < 0,001), correspondendo ao período entre setembro de 2009 e março de 2010,

para o primeiro ano, e entre outubro de 2010 e março de 2011 para o segundo

(Figura 4b). A salinidade média variou de 15,42, registrada em junho de 2010, a

36,6, em novembro de 2009. Os maiores valores foram registrados no primeiro

ano (p < 0,001) e durante os meses da estação de estiagem (p < 0,001) (Figura

4c).

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Figura 4. Distribuição temporal das médias de pluviosidade, temperatura e

salinidade na zona estuarina do Rio Formoso, no período de abril de 2009 a março

de 2011.

Com base na matriz de similaridade das variáveis ambientais, a análise

nMDS (stress = 0,02) separou as amostras em dois grupos correspondentes às

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estações de estiagem e chuvosa (Figura 5a). O resultado da ANOSIM indicou

haver uma dissimilaridade intermediária entre os grupos (R Global = 0,41; p =

0,0001), resultante da sobreposição de amostras coletadas em meses de

transição entre as estações do ano. O ordenamento sazonal das amostras,

baseado na densidade dos táxons, não gerou grupos distintos (stress=0,19)

(Figura 5b). Além disso, verificou-se que as assembleias nas estações do ano são

similares (R Global = 0,11; p = 0,0003). Entre os dois anos estudados, também

não houve diferença na composição da assembleia (R Global= 0,039; p = 0,02).

De acordo com a abundância e ocorrência das espécies indicadas pela análise

SIMPER, as similaridades internas dos grupos foram baixas. Por outro lado, a

dissimilaridade entre os grupos foi elevada, principalmente por causa das

contribuições de Achirus spp., Engraulidade e Atherinella brasiliensis (Tabela 4).

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35

Figura 5. Análise nMDS das estações de estiagem e chuvosa considerando os

dados das variáveis ambientais (a) e de densidade dos táxons (b) coletados na

zona estuarina do Rio Formoso.

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36

Tabela 4. Análise do percentual de similaridade (SIMPER) das espécies que mais

contribuíram para a diferença entre as estações de estiagem e chuvosa no

estuário do Rio Formoso.

Táxon Similaridade% Dissimilaridade % Estiagem Chuvosa Estiagem x Chuvosa

Achirus spp. 39,29 30,98 13,37 Engraulidae 29,55 26,60 13,20 Atherinella brasiliensis 8,93 13,97 10,51 Eucinostomus spp. 3,84 6,72 6,70 Ctenogobius spp. 8,45 6,58 Microgobius meeki 4,76 5,59 Lile piquitinga 4,14 6,43 Bairdiella ronchus 3,00 4,72

A rotina BIOENV foi utilizada para comparar os dados das variáveis

ambientais com a abundância e distribuição dos táxons nas estações de estiagem

e chuvosa. Os resultados desta análise geraram baixos valores de correlação. As

variáveis temperatura e salinidade foram as que apresentaram os valores mais

altos, contudo explicaram apenas 3% da variação dos dados (Tabela 5).

Tabela 5. Resultados da rotina BIOENV indicando as variáveis ambientais que

melhor explicam a distribuição temporal das larvas de peixes coletadas no estuário

do Rio Formoso.

Número variáveis Correlação (Pearson) Grupo de variáveis

1 0,027 Salinidade 1 0,010 Temperatura 2 0,033 Temperatura;salinidade

Dentre os táxons mais representativos, sete apresentaram correlações

significativas com os fatores ambientais analisados (Tabela 6). As espécies de

Engraulidae e Achirus spp., Lile piquitinga e Microgobius meeki foram

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positivamente correlacionadas com a temperatura da água. Ctenogobius spp.

correlacionou-se negativamente com a salinidade, enquanto que condições de

baixa pluviosidade estiveram associadas ao aumento na densidade de Achirus

spp., L. piquitinga, Bairdiella ronchus e Sphoeroides spp.

Tabela 6. Análise de correlação de Pearson entre as variáveis ambientais e a

densidade dos táxons com maior IVB com correlações significativas (p<0,05)

Táxons Temperatura Salinidade Pluviosidade

R p R p R p

Engraulidae 0,41 <,001 -0,12 0,299 -0,16 0,157

Achirus spp. 0,33 0,004 0,07 0,546 -0,49 <,001

Atherinella brasiliensis -0,08 0,504 0,01 0,991 -0,06 0,955

Ctenogobius spp. -0,10 0,387 -0,25 0,029 0,17 0,141

Lile piquitinga 0,27 0,019 0,20 0,081 -0,25 0,033

Eucinostomus spp. -0,08 0,500 -0,03 0,769 0,04 0,730

Microgobius meeki 0,24 0,042 -0,01 0,927 -0,03 0,771

Bairdiella ronchus 0,09 0,456 -0,06 0,604 -0,36 0,002

Bathygobius spp. 0,07 0,144 0,06 0,249 -0,57 0,363

Sphoeroides spp. -0,05 0,663 0,10 0,375 -0,25 0,034

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38

Discussão

Os ecossistemas costeiros tropicais são reconhecidamente regiões de

elevada abundância de ovos e larvas de peixes por representarem importantes

sítios de desova e criação para várias espécies (Blaber, 2007). Apesar desta

reconhecida importância, pouco se conhece sobre a dinâmica sazonal destas

larvas nos estuários do nordeste, sobretudo em uma escala temporal de mais de

um ciclo (um ano).

Muitos estudos têm demonstrado que as larvas de espécies que desovam

no estuário, a exemplo das espécies de Engraulidae, Atherinopsidae e Achiridae,

são geralmente as mais frequentes e abundantes em relação àquelas que

desovam no mar (Ekau et al., 2001; Barletta-Bergan et al., 2002; Joyeux et al.,

2004. Além disso, as primeiras espécies apresentam uma elevada fecundidade e

desova contínua (Caselles e Acero, 1996; Caselles e Acero, 1996; Oliveira e

Fávaro, 2010), resultando em uma alta densidade larval em vários meses do ano.

A presença de ovos e larvas de peixes durante o período estudado sugere

que a atividade de desova na região ocorra ao longo do ano. Contudo, esta

atividade parece ter sido mais intensa em temperaturas acima de 27°C

concomitante com salinidades de 35 (abril de 2009 e janeiro de 2011). Esses

valores são encontrados principalmente durante o período de estiagem. Em áreas

de manguezal, muitas espécies desovam com maior intensidade durante a

primavera e o verão (Chaves e Bouchereau, 2000), sugerindo que as

características ambientais em períodos mais quentes ofereçam melhores

condições para o desenvolvimento de ovos e larvas.

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39

Vários trabalhos relataram uma maior abundância de ovos e larvas durante

o período noturno. Um deles, realizado estuário do Rio Caeté (Pará), relacionou a

maior densidade de larvas de peixes à noite ao ritmo da atividade alimentar das

espécies e evasão ao petrecho de coleta, que é mais visível nas amostragens

diurnas (Barletta e Barletta-Bergan, 2009). Na Bahia de La Paz (México) muitos

táxons foram registrados exclusivamente durante a noite (Aceves-Medina et al.,

2008). Esses autores associaram a abundância neste período ao momento da

desova e da eclosão de ovos, o que também ocorreu no estuário do Rio Formoso

devido à maior abundância de ovos e larvas no período noturno.

A maioria das espécies de peixes tropicais apresentam atividades de

desova (ovos pelágicos) e eclosão (ovos demersais) durante os períodos

crepuscular e noturno, objetivando reduzir o risco de predação (Johannes, 1978;

Taylor, 1984). Dados de investigações pretéritas realizadas no estuário do Rio

Formoso sugerem que a abundância de espécies de peixes planctívoros é mais

baixa à noite (Paiva et al., 2009; Pereira et al., 2010), favorecendo a maior

abundância de larvas durante este período.

Entre os táxons mais abundantes, Achirus spp e Lile piquitinga foram os

que apresentaram tendências sazonais mais marcantes para os dois anos. Neste

intervalo foram registrados dois picos de densidade larval para cada uma dessas

espécies, tendo o menor deles ocorrido na estação chuvosa e o maior na de

estiagem. Elevada abundância de clupeídeos nos meses mais quentes também foi

observada por Macedo-Soares et al. (2009) na Laguna Ibiraquera (SC). Na costa

brasileira, a desova da sardinha verdadeira (Sardinella brasiliensis) também ocorre

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40

durante todo o ano, com um elevado pico no verão, nos meses de dezembro e

janeiro (Isaac-Nahum et al., 1988).

Entre as espécies de Engraulidae presentes no estuário do Rio Formoso,

as mais abundantes e frequentes são Anchovia clupeoides e Cetengraulis

edentulus (Paiva et al., 2009). Peixes desta família realizam migrações para a

plataforma interna, onde acontece a desova e posterior retorno das larvas para o

ambiente estuarino (Araújo et al., 2008). De fato, esses peixes são k-estrategistas

por apresentar um ciclo de vida curto (cerca de um ano), um rápido

desenvolvimento embrionário, além de uma desova contínua, com picos nos

meses mais quentes (Blaber, 1997).

Embora as variações nas condições ambientais, observadas entre as

estações dos dois anos, tenham diferido significativamente, não houve mudança

na estrutura da assembleia de larvas do estuário do Rio Formoso. A época de

desova das espécies de peixes marinhos tropicais é mais longa do que das

espécies temperadas (Johannes, 1978), por isso, a elevada frequência das

espécies dominantes durante o período estudado causou a homogeneidade das

assembleias da estação chuvosa e de estiagem.

Comparando-se as assembleias entre as estações de estiagem e chuvosa,

verificou-se que houve similaridade apenas na sua composição, mas não na

abundância das espécies, sendo Engraulidae e Achirus os principais responsáveis

por esta diferença. Este resultado deve estar associado à elevada abundância

durante a estiagem que estes táxons apresentaram.

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41

As variações inter-anuais da densidade de larvas das espécies de

Ctenogobius, Eucinostomus, Sphoeroides e Microgobius meeki foram

caracterizadas por uma diminuição acentuada na abundância no segundo ano,

sobretudo após o mês de junho de 2010. Dois dias antes das amostragens deste

mês, ocorreram chuvas intensas que resultaram em uma enchente que atingiu o

estuário, diminuindo bruscamente a salinidade e elevando a turbidez. O mês de

junho foi caracterizado por apresentar baixa densidade larval, porém, como

esperado, nos meses subsequentes houve um aumento gradual na abundância

das espécies. Padrão similar foi observado durante o primeiro ano e também em

um estudo pretérito realizado (M. F. Castro, com. pess., 2004) no mesmo estuário.

O efeito de eventos climáticos regionais sobre a comunidade de larvas de peixes

ainda é pouco estudado, contudo é sabido que alterações nas características do

habitat podem impactar de maneira negativa a desova e sobrevivência de peixes

em fases iniciais do ciclo de vida (Allen e Barker, 1990).

A fraca correlação entre as assembleias e as variáveis ambientais pode ter

sido decorrente da baixa amplitude destas variáveis registradas na área de estudo

que corresponde a porção inferior do estuário (Honorato da Silva et al., 2001). No

estuário do Rio Caeté (Pará), a produção larval foi influenciada principalmente

pela sazonalidade das chuvas e da salinidade (Barletta-Bergan et al, 2002).

Naquele estuário, essas variações são marcantes, uma vez que a pluviosidade e a

vazão do rio são elevadas, causando amplos gradientes. Por outro lado, na Baía

de Vitória (Espírito Santo) (Joyeux et al., 2004) e no Canal de Santa Cruz

(Pernambuco) (Ekau et al., 2001), variações sazonais na abundância e

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42

composição de larvas não foram correlacionadas com variáveis ambientais,

corroborando com o presente estudo.

Pesquisas recentes indicam que o padrão de resposta das assembleias de

larvas de peixes sobre as abióticas é espécie-específica (Harris et al., 2001) e que

esta resposta também varia em função da estratégia reprodutiva e preferência por

habitat (Avendaño-Ibarra et al., 2004). No presente estudo, também foi constatada

a associação entre as variáveis ambientais e a densidade para sete das dez

espécies mais representativas (maiores IVB). A maior parte delas, Engraulidae,

Achirus, Ctenogobius, Microgobius meeki e Lile piquitinga, correlacionaram-se

com condições de altas temperaturas e/ou baixa pluviosidade. Dessas, apenas as

espécies de Ctenogobius apresentaram correlação com a salinidade, no caso,

negativa. As variáveis físicas, principalmente temperatura e salinidade, tem sido

amplamente correlacionadas aos mecanismos de recrutamento de larvas em

estuários (Boehlert e Mundy, 1988; Harris et al., 2001).

A complexidade de riqueza de habitats associada a menores amplitudes

das variáveis ambientais (porção inferior do estuário) representa uma área

estratégica para a atividade reprodutiva de várias espécies de peixes ao longo do

no. As variações inter-anuais observadas na distribuição e abundância de

algumas espécies, possivelmente relacionadas a um evento climático regional,

reforçam a necessidade de monitoramentos em longo prazo das comunidades e

das prováveis fontes de alterações em suas densidades.

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47

CAPÍTULO II

PADRÕES NA DENSIDADE E DIVERSIDADE DE LARVAS DE PEIXES

EM UM CONTINUUM MANGUEZAL-PRADOS-RECIFE.

Elisabeth Cabral Silva-Falcão, William Severi e Maria Elisabeth de Araújo.

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Resumo

A variação da diversidade e abundância de larvas de peixes entre habitats

costeiros tropicais ainda é pouco conhecida, sobretudo no Brasil. Neste estudo,

objetivou-se analisar padrões espécie-específicos de densidade e segregação de

estágios larvais em um continuum manguezal-prado-recife na zona estuarina do

Rio Formoso, nordeste do Brasil. Foram identificadas 30 famílias e 36 espécies de

peixes, sendo que apenas sete foram dominantes. No manguezal foi registrada

maior densidade de larvas, representadas, em grande parte, tanto por espécies

estuarinas como por marinhas migrantes. Entre as estuarinas, Atherinella

brasiliensis foi a mais específica quanto ao habitat durante a fase larval uma vez

que ocorreu quase exclusivamente no manguezal. Por outro lado, a densidade dos

estágios de Achirus spp. variou significativamente entre os habitats, indicando um

movimento a partir do recife em direção ao manguezal. As espécies marinhas

migrantes ocorreram apenas em estágios mais avançados de desenvolvimento,

principalmente em pós-flexão. Lile piquitinga e Archosargus rhomboidalis

apresentaram elevada abundância nos prado, quando no estágio de flexão. Neste

estudo, verificou-se que os habitats de manguezal e prado representam locais

potenciais para o assentamento de várias espécies, devido à elevada abundância

de larvas em estágios tardios nestes ambientes. Embora os processos que atuam

na distribuição destes organismos ainda sejam desconhecidos na área, os

padrões resultantes deste estudo evidenciam a existência de ligações entre os

habitats através da movimentação destas larvas.

Palavras-chave: conectividade; habitats costeiros; nordeste do Brasil.

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49

Abstract

Variation in diversity and abundance of fish larvae among tropical coastal habitats

is still poorly known, particularly in Brazil. This study aimed to analyze species-

specific patterns of density and larval stages segregation in a mangrove-seagrass-

reef continuum at Rio Formoso estuarine zone, northeastern Brazil. A total of 30

families and 36 species of fish were identified, but only seven of them were

sufficiently abundant in number and larval stages for analysis. The highest density

of larvae was recorded in the mangrove, composed largely by both estuarine

species and marine migrants. Among the estuarine species, Atherinella brasiliensis

was more habitat-specific during larval stage since it has occurred almost

exclusively in the mangrove. On the other hand, the density of Achirus spp. larval

stages varied significantly among habitats, indicating a reef-to-mangrove

movement. Marine migrant species occurred only at later stages of development,

mainly post-flexion. Lile piquitinga and Archosargus rhomboidalis showed high

abundance in seagrass, at flexion stage. The results indicate that the habitats of

mangrove and seagrass habitats represent a potential settlement habitat for a

number of species, based on a high abundance of larvae in late developmental

stages in these environments. Although the processes that operate in the

distribution of these organisms are still unknown in the area, the patterns resulting

from this study suggest the existence of links between habitats through the

movement of these larvae.

Keywords: connectivity; coastal habitats, northeastern Brazil

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50

Introdução

Nas zonas costeiras tropicais a associação entre manguezal, prados de

fanerógamas e recifes forma um complexo mosaico de ecossistemas conectados

por processos físicos e biológicos (Sheaves, 2005). A ictiofauna move-se entre

esses ambientes devido aos requerimentos fisiológicos e ecológicos do seu ciclo

de vida. Esse movimento é realizado principalmente por espécies estuarino-

dependentes, que necessitam migrar para habitats berçários ainda em estágios

iniciais (larvas e pós-larvas) (Able, 2005).

É na fase larval pelágica que os peixes possuem um maior potencial de

dispersão entre ambientes, especialmente as espécies demersais (Leis, 2006). A

busca por um habitat adequado ao assentamento é facilitada por capacidades

auditivas, olfatórias e visuais de larvas e jovens (Leis et al., 2003; Holmes e

McCormick, 2010). Somadas a estas características, o comportamento larval pode

garantir o uso de habitats preferenciais ainda em estágios de desenvolvimento

bastante iniciais, principalmente através de migrações verticais (Ruso e Bayle-

Sempere, 2006).

Muitos trabalhos têm evidenciado que as assembleias de peixes são

distintas entre os diferentes habitats, entretanto algumas espécies utilizam todo o

mosaico (Harris et al., 2001; Chittaro et al., 2005; Dorenbosch et al., 2006). Por

isso, a fragmentação desses ecossistemas costeiros tropicais pode causar

alterações substanciais na estrutura das comunidades, resultando em um declínio

da biodiversidade e perda de serviços dos ecossistemas (Valentine-Rose et al.,

2007).

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51

Estudos sobre a variação das assembleias e dos estágios de

desenvolvimento de larvas de peixes entre habitats ainda são escassos. Um dos

principais entraves para a realização destas investigações é a padronização no

método de coleta em ambientes estruturalmente diversos (Rooker et al., 1996).

Utilizando redes convencionais de plâncton na Baia de la Ascension, Caribe,

Vásquez-Yeomans (2000) coletou larvas de peixes sobre diversos habitats,

incluindo manguezais, prados de fanerógamas e recifes. Essa autora identificou

intensa atividade de desova na região, porém registrou baixa diversidade que foi

justificada pelas coletas limitadas ao período diurno.

Em Porto Rico, Rooker et al. (1996) avaliaram o efeito de vários fatores,

incluindo o tipo de habitat nas assembleias de larvas de peixes. Os autores

utilizaram armadilhas luminosas em recifes, manguezais, prados e fundos de areia

e registraram diferenças significativas na abundância e diversidade entre os

habitats. Embora estes estudos tenham fornecido dados primários sobre a

ecologia de larvas de peixes em diferentes ambientes, a existência de segregação

espacial dos estágios de desenvolvimento, que indica a movimentação entre

ecossistemas, não foi avaliada.

No Brasil a existência de ligações entre ecossistemas costeiros através do

fluxo da ictiofauna ainda é pouco estudada, sobretudo na região Nordeste (Moura

et al., 2011). Recentemente, investigações sobre a estrutura das assembleias de

peixes no complexo estuarino do Rio Formoso, Pernambuco foram realizadas em

áreas de planícies de marés (Paiva et al., 2009) e prados de fanerógamas (Pereira

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52

et al., 2010), porém nenhuma delas buscou avaliar sua variação entre os

diferentes tipos de habitats presentes na região.

A presente investigação é a primeira sobre os padrões de densidade e

diversidade de larvas de peixes em diferentes ambientes (manguezal, prado de

fanerógamas e recifes) costeiros no Brasil. O objetivo deste estudo é avaliar os

padrões de abundância e da estrutura das assembleias de larvas de peixes em

três habitats costeiros conectados, dispostos em um continuum. Em particular, as

hipóteses são as seguintes: (1) As assembleias de larvas de peixes são diferentes

entre os habitats amostrados; (2) Habitats berçários, como manguezais e prados,

apresentam maior densidade larval em relação às áreas recifais; e (3) A

densidade dos diferentes estágios larvais difere entre os habitats, indicando

movimentação de diferentes fases ontogênicas.

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53

Materiais e métodos

Área de estudo

A área de estudo abrange diferentes habitats localizados nas imediações

da divisa dos municípios de Rio Formoso e Tamandaré, litoral sul de Pernambuco

(Figura 1), sendo representada pela área na qual deságua o Complexo Estuarino

do Rio Formoso. A região está inserida em duas áreas de proteção ambiental

(APA): uma estadual, a APA de Guadalupe, e uma federal, a APA Costa dos

Corais. A APA de Guadalupe foi criada pelo decreto nº 19.635/97, com 31.591 ha

de área continental e 12.664 ha de área marítima, abrangendo os municípios de

Sirinhaém, Rio Formoso, Tamandaré e Barreiros. A APA federal foi criada pelo

decreto s/nº de 23 de outubro de 1997, abrangendo 413.563 ha, por 135 km de

costa, entre o Rio Formoso e Rio Meirim, no norte de Alagoas.

Figura1. Mapa da zona costeira adjacente ao estuário do Rio Formoso com a

indicação dos habitats amostrados.

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54

O complexo estuarino do Rio Formoso é um sistema raso com grande

influência marinha, sendo caracterizado como um braço de mar (Lira et al., 1979).

Apresenta vários canais de maré onde se desenvolve uma vegetação típica de

manguezal, com predominância de Rhizophora mangle.

A região costeira adjacente apresenta várias linhas de recifes de arenito

que ficam parcialmente emersos na baixa-mar, além de várias outras linhas a

partir da isóbata de 16 m que ficam permanentemente submersas (Camargo et al.,

2007). Estes arenitos são colonizados por uma grande variedade de invertebrados

e vertebrados, entre eles os peixes recifais, que são o principal atrativo natural da

área. Esta região vem sofrendo crescente pressão antrópica, sobretudo por conta

do turismo e expansão urbana, podendo haver comprometimento da qualidade

ambiental (Araújo e Costa, 2006; Coelho e Araújo, 2011).

Na porção inferior do estuário, nas margens rasas desenvolvem-se bancos

de macroalgas com participação da fanerógama marinha Halodule wrightii, que

conferem um ambiente alternativo ou berçário para as espécies de peixes que

transitam por esta região costeira (Pereira et al., 2010). Foram registradas 78

espécies de peixes para a região estuarina, sendo Clupeidae, Engraulidae e

Gerreidae as famílias que apresentaram maior abundância (Paiva et al, 2009).

Amostragens

As amostragens foram realizadas mensalmente no período de abril de 2009

a março de 2011, no manguezal, prado de fanerógamas e recife. Em cada habitat

foram coletadas aleatoriamente três amostras (tréplicas) por período (diurno e

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55

noturno), totalizando 432 elementos amostrais. Os arrastos horizontais foram

feitos com rede de plâncton com 500 µm de abertura de malha, a partir de uma

embarcação com velocidade constante (1 a 2 nós), com duração padronizada de

10 minutos e o volume coletado foi estimado através de um fluxômetro acoplado à

rede. As amostras foram fixadas e preservadas em solução de formalina a 4%

tamponada com carbonato de cálcio.

No laboratório as amostras foram triadas sob estereomicroscópio em uma

câmara de acrílico para a contagem e separação das larvas de peixes do restante

do material. A densidade ictioplanctônica foi estimada a partir do volume filtrado

pela rede e expressa em org.100m-3. As larvas foram caracterizadas

merísticamente (contagem de vértebras, miômeros, rastros, pterigióforos,

espinhos e raios) e morfometricamente (relações corporais) e de acordo com os

padrões de pigmentação e de distribuição de espinhos cefálicos. Alguns

espécimes foram diafanizados (Dingerkus e Uhler, 1977) para facilitar a

visualização e contagem de estruturas mais internas, como vértebras e rastros.

Identificação. A identificação foi baseada em diversos manuais de identificação de

larvas de peixes e trabalhos de descrição do desenvolvimento larval disponíveis

na literatura (Fahay, 1983; Ahlstrom Symposium, 1983; Moser, 1984; Leis e

Trnski, 1989; Able e Fahay, 1998; Richards, 2006).

O estágio larval foi classificado, a partir das características definidas por

Kendall et al. (1984), em: 1) pré-flexão: a partir da completa absorção do vitelo até

o início da flexão da notocorda, 2) flexão: do início da flexão da notocorda até sua

completa flexão e 3) pós-flexão: a partir da completa flexão da notocorda até o

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início da metamorfose. As espécies foram classificadas de acordo com os modos

de ocupação em ambientes estuarinos segundo Elliott et al. (2007).

Considerou-se “espécies estuarinas” aquelas capazes de completar todo

seu ciclo de vida no ambiente estuarino; “marinhas migrantes”, aquelas que

desovam no mar e geralmente entram nos estuários em grande número quando

jovens. As “marinhas visitantes” são as que desovam no mar e entram nos

estuários em pequeno número, alcançam as áreas mais externas onde a

salinidade é próxima de 35 (Elliott et al., 2007).

Análise dos dados

Foram consideradas como unidades amostrais os valores médios mensais

obtidos em cada habitat e em cada período do dia. Todos os resultados das

análises estatísticas estão apresentados na forma de média ± desvio padrão. Para

cada amostra foram calculados os índices de Diversidade de Shannon-Wiener (H’)

e de Equitabilidade de Pielou (J’) (Krebs, 1999).

Os dados foram submetidos aos testes de Kolmogorov-Smirnof-Lillifors e de

Bartlett para avaliar se cumpriam os pré-requisitos da ANOVA, e quando

necessário foram log10 x+1 transformados, para alcançar a normalidade.

Comparações da densidade total, diversidade e equitabilidade de espécies, além

da densidade das categorias de ocupação e dos estágios larvais entre os habitats

e períodos do dia foram realizadas através da ANOVA unifatorial (Gotelli e Ellison,

2004). A análise a posteriori de Tukey foi efetuada para determinar que habitat

e/ou período do dia foi responsável pelas maiores médias, indicando a formação

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57

de grupos de habitats ou de habitats isolados que apresentam elevada densidade

larval.

Com o intuito de avaliar diferenças nas assembleias de larvas de peixes

entre os habitats, foram conduzidas análises multivariadas utilizando os dados de

densidade. Os dados foram logaritmizados (log10 x+1) a fim de reduzir o efeito das

espécies muito abundantes ou raras, e aplicado o índice de similaridade de Bray-

Curtis sobre esses resultando em uma matriz triangular.

A análise de ordenação nMDS das matrizes de similaridade foi efetuada

para verificar a existência de diferentes assembleias entre os habitats, sendo

considerado adequado um nível de stress < 0,20. A confirmação de diferenças

significativas evidenciadas pelo nMDS foi realizada através da ANOSIM. Uma

análise do percentual de similaridade (SIMPER) foi efetuada para determinar quais

espécies foram responsáveis pelas diferenças evidenciadas pela ANOSIM (Clarke

e Warwick, 1994).

A fim de identificar indícios de movimentação entre habitats foi analisada a

segregação dos estágios larvais entre manguezal, prado e recife. As espécies

mais abundantes foram analisadas quanto à distribuição dos estágios larvais entre

os habitats. Para isso foi realizada uma ANOVA utilizando os dados de densidade

de cada estágio e comparada a variação de suas médias entre os habitats. Em

todas as análises foi estabelecido um valor de = 0,05.

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58

Resultados

Foram analisadas 2.383 larvas pertencentes a 30 famílias, incluindo 36

identificadas ao nível de espécie, 23 de gênero e 10 apenas de família (Tabela 1).

Numericamente, as famílias dominantes foram Engraulidae (23%), Atherinopsidae

(16%), Achiridae (15%), Clupeidae (14%) e Gobiidae (14%), somando 82% do

total. Engraulidae, além de representar a família mais abundante, foi também a

mais especiosa, contribuindo com 6 espécies (10,17%).

Tabela 1. Densidade total (ind.100 m-3) dos táxons de larvas de peixes coletadas

em Rio Formoso (PE), com indicação dos estágios de desenvolvimento larval e

habitat em que ocorreram. Estágios larvais: pré-flexão (PF), flexão (FL), pós-flexão

(PO). Habitats: manguezal (M), prado (P), recife (R).

Táxons Densidade Habitats Estágios

Engraulidae

Anchoa lyolepis (Evermann & Marsh, 1902) 19,23 M, P, R PO

Anchoa tricolor ((Agassiz, 1829) 3,83 M PO

Anchoa spinifera (Valenciennes, 1848) 3,33 M PO

Anchoa spp. 6,32 M PO

Anchoviella brevirostris (Günther, 1868) 2.92 M PO

Anchoviella lepidentostole (Fowle, 1941) 40,00 M, P, R FL, PO

Anchovia clupeoides (Swainson, 1839) 35,53 M FL, PO

Não identificadas 1.418,72 M, P, R PF, FL, PO

Clupeidae

Lile piquitinga (Schreiner & Miranda Ribeiro, 1903) 871,88 M, P, R PF, FL, PO

Batrachoididae

Thalassophryne nattereri Steindachner, 1876 2,31 R PO

Antenariidae

Não identificada 1,70 M PF

Mugilidae

Mugil spp. 2,84 R PF

Atherinopsidae

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Atherinella brasiliensis (Quoy & Gaimard, 1824) 1.176,71 M, P, R PF, FL, PO

Belonidae

Strongylura spp. 13,14 M, P, R FL

Tylosurus spp. 2,14 R PO

Hemiramphidae

Hyporhamphus spp. 37,50 M, P, R FL

Syngnathidae

Syngnathus pelagicus Linnaeus, 1758 8,78 P, R FL, PO

Bryx dunckeri (Metzelaar, 1919) 2,06 R PO

Hippocampus spp. 9,35 P PO

Não identificadas 7,27 P, R PF, FL

Centropomidae

Centropomus undecimalis (Bloch, 1796) 13,91 M, P, R PO

Carangidae

Naucrates ductor (Linnaeus, 1758) 2,19 P PF

Oligoplites saurus (Bloch & Schneider, 1801) 41,84 M, P, R FL, PO

Oligoplites spp. 14,56 M, R PF, FL

Trachinotus spp. 1,84 P PO

Carangoides ruber (Bloch, 1793) 10,07 R PO

Lutjanidae

Lutjanus spp. 6,09 P, R PF

Lobotidae

Lobotes surinamensis (Bloch, 1790) 2,99 M PO

Gerreidae

Eucinostomus lefroyii (Goode, 1874) 4,75 M PO

Eucinostomus spp. 298,06 M, P, R PF, FL, PO

Diapterus auratus Razani, 1840 3,83 M PO

Haemulidae

Haemulon parra (Desmarest, 1823) 4,16 M PO

Sparidae

Archosargus rhomboidalis (Linnaeus, 1758) 167,10 M, P, R FL, PO

Não identificadas 1,57 P FL

Sciaenidae

Stellifer spp. 6,41 M, P, R PF

Menticirrhus spp. 2,46 M PF

Bairdiella ronchus (Cuvier, 1830) 333,82 M, P, R PF, FL

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Pareques spp. 2,50 R PF

Não identificadas 13,35 M, P, R PF

Pomacentridae

Abudefduf saxatilis (Linnaeus, 1758) 10,58 R PF

Stegastes spp. 6,41 R PF

Não identificadas 4,42 R PF

Scaridae

Sparisoma spp. 2,30 R PO

Dactyloscopidae

Dactyloscopus spp. 13,24 P, R PF

Labrisomidae

Malacoctenus delalandi (Valenciennes, 1836) 10,07 R PO

Labrisomus nuchipinnis (Quoy & Gaimard, 1824) 2,30 R PO

Não identificadas 2,31 R FL

Blenniidae

Scartella cristata (Linnaeus, 1758) 2,30 R PO

Lupinoblennius paivai (Pinto, 1958) 45,13 M, P, R PF, FL, PO

Ophioblennius atlanticus (Valenciennes, 1836) 5,03 P, R PF

Não identificadas 2,19 R PF

Eleotridae

Guavina guavina (Valenciennes, 1837) 11,29 M, P, R PO

Gobiomorus dormitor Lacepède, 1800 7,77 M PO

Não identificadas 7,82 M, R PO

Gobiidae

Microgobius meeki Evermann & Marsh, 1899 172,50 M, P, R PF, FL, PO

Ctenogobius spp. 621,59 M, P, R PO

Gobionellus oceanicus (Pallas, 1770) 53,13 M, P, R PO

Bathygobius spp. 78,61 M, P, R PF, PO

Microdesmidae

Microdesmus bahianus Dawson, 1973 9,90 M, P PO

Ephippidae

Chaetodipterus faber (Broussonet, 1782) 5,05 P PF

Paralichthyidae

Citharichthys spp. 2,91 P PF

Achiridae

Achirus lineatus (Linnaeus, 1758) 250,32 M, P, R FL, PO

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Achirus spp. 953,64 M, P, R PF, FL, PO

Trinectes microphthalmus Chabanaud, 1928 3,65 M, P PO

Trinectes spp. 8,72 R PF

Não identificadas 7,26 P, R PF

Ostraciidae

Lactophrys spp. 3,21 P PF

Tetraodontidae

Sphoeroides spengleri (Bloch, 1785) 2,13 M PO

Sphoeroides spp. 78,89 M, P, R PF, PO

A densidade larval média foi de 15 ± 25 ind.100 m-3, diferindo

significativamente ao longo do continuum manguezal-prado-recife (F(2;432) = 101,9,

p < 0,001) (Figura 2.a). O teste a posteriori de Tukey apontou o manguezal como

o habitat com maior densidade média de indivíduos (22 ind.100 m-3), seguido do

prado (11 ind.100 m-3) e do recife (10 ind.100 m-3). Entre os períodos do dia, a

densidade foi mais elevada à noite (F(2;432)= 12,1, p < 0,001), quando a média foi

de 25,69 ind.100 m-3, enquanto que no período diurno este valor foi de apenas

3,48 ind.100 m-3.

Nos habitats estudados houve uma predominância de larvas de espécies

marinhas migrantes, como Eucinostomus spp. e Lile piquitinga, em seguida,

prevaleceram as espécies estuarinas, representadas principalmente por

Atherinella brasiliensis e Ctenogobius spp. As densidades de larvas de espécies

estuarinas e marinhas migrantes foram significativamente maiores (F(2;432)= 17,3, p

< 0,001 e F(2;432)= 3,9, p = 0,02) no manguezal, onde a média foi de 10,74 e 11,19

ind.100 m-3, respectivamente (Figura 2.b). A densidade de indivíduos marinho

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visitantes foi significativamente maior nos prados e nos recifes (F(2;432)= 4,1 p =

0,01), onde a densidade média foi de 1,25 e 0,679 ind.100 m-3, respectivamente.

Figura 2. Densidade de larvas de peixes por período (a) e nas diferentes

categorias do modo de ocupação dos estuários (b) nos três habitats estudados em

Rio Formoso (PE). Os resultados estão expressos em média ± desvio padrão.

Letras diferentes indicam, em ordem decrescente, diferenças significativas entre

habitats determinadas pela análise a posteriori (Tukey).

Ocorreram larvas nos três estágios de desenvolvimento, sendo aquelas em

pré-flexão responsáveis por quase metade (48%) do total coletado. As larvas em

pré-flexão apresentaram maior densidade no manguezal (p < 0,001), com

densidade média de 11,36 ind.100 m-3. O estágio de flexão foi equivalentemente

abundante entre os habitats (p = 0,08), apresentando maior média de 3,02 ind.100

m-3 no prado. Larvas em pós-flexão apresentaram densidade mais elevada no

manguezal (p < 0,001) onde a média foi de 8,09 ind.100 m-3.

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Figura 3. Densidade de larvas de peixes nos estágios de pré-flexão (PF), flexão

(FL) e pós-flexão (PO), nos três habitats estudados em Rio Formoso (PE). Os

resultados são expressos em média±desvio padrão. Letras diferentes indicam, em

ordem decrescente, diferenças significativas entre habitats determinadas pela

análise a posteriori (Tukey)

Os índices de diversidade e de equitabilidade não diferiram

significativamente entre os habitats (F(2;72)=2,4, p = 0,08 e F(2;72)=1,9, p = 0,14,

respectivamente). Contudo, comparando-se os períodos do dia, a diversidade de

larvas foi mais elevada à noite (F(2;72)=42,8, p < 0,001), enquanto a equitabilidade

foi maior durante o dia (F(2;72)=23,2, p < 0,001) (Figura 4).

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Figura 4. Valores dos índices de diversidade de Shannon-Wiener – H’ (a) e

equitabilidade de Pielou – J’ (b) da assembleia de larvas de peixes (média±desvio

padrão) em um continuum manguezal-prado-recife em Rio Formoso (PE). Letras

diferentes indicam, em ordem decrescente, diferenças significativas entre habitats

ou períodos determinadas pela análise a posteriori (Tukey, p<0,01)

As assembleias de larvas de peixes variaram significativamente entre os

habitats. As assembleias do recife e do prado apresentaram-se em sobreposição

(R Global = 0,327, p < 0,01), enquanto no manguezal a estrutura da comunidade

foi diferenciada (Figura 5). As espécies de Engraulidae, Atherinella brasiliensis,

Achirus e Ctenogobius foram determinantes para a estruturação das assembleias

em seus habitats (Tabela 2).

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Figura 5. Ordenação nMDS das assembleias de larvas de peixes coletadas em um

continuum manguezal-prado-recife na zona costeira adjacente ao estuário do Rio

Formoso (PE).

Tabela 2. Análise do percentual de similaridade (SIMPER) das assembleias de

peixes nos habitats individuais para determinar os grupos, em termos de

densidade, que mais contribuíram para a similaridade nos habitats estudados em

Rio Formoso (PE). Contribuição percentual da similaridade (CS).

Manguezal Prado Recife

Espécies CS (%) Espécies CS (%) Espécies CS (%)

Atherinella brasiliensis 33,80 Achirus spp. 24,77 Engraulidae spp. 31,88

Engraulidae spp. 17,32 Ctenogobius spp. 21,89 Achirus spp. 30,40

Achirus spp. 12,17 Engraulidae spp. 18,83 Microgobius meeki 8,32

Lile piquitinga 10,88 Lile piquitinga 7,70 Eucinostomus spp. 7,51

Ctenogobius spp. 7,93 Bairdiella ronchus 7,13 Sphoeroides spp. 4,79

Eucinostomus spp. 5,95 Eucinostomus spp. 6,58 Bairdiella ronchus 4,70

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Entre as espécies mais abundantes, Atherinella brasiliensis, Microgobius

meeki, Achirus spp., Lile piquitinga e Archosargus rhomboidalis tiveram variações

ontogênicas estatisticamente significantes entre os habitats (Tabela 3).

Tabela 3. Resultado da ANOVA sobre a variação da densidade por habitat dos

estágios larvais das espécies mais abundantes coletadas em um continuum

manguezal-prado-recife na zona costeira adjacente ao estuário do Rio Formoso

(PE).

Pré-flexão Flexão Pós-flexão F p F p F p

Atherinella brasiliensis 71,81 <0,001 30,63 <0,001 - - Bairdiella ronchus 3,24 0,04 - - - - Microgobius meeki 4,99 0,007 - - - - Achirus spp. 4,23 0,01 3,24 0,03 9,41 <0,001 Lile piquitinga - - 8,15 <0,001 20,58 <0,001 Eucinostomus spp. - - - - 1,68 0,18 Archosargus rhomboidalis - - 3,71 0,02 - -

Houve também uma diferença significativa no modo como os estágios

larvais de algumas espécies estuarinas ocuparam os habitats (Figura 6). O padrão

exibido por Atherinella brasiliensis demonstrou preferência pelo manguezal

durante as fases de pré-flexão e flexão. Por outro lado, as larvas recém eclodidas

(pré-flexão) de Bairdiella ronchus e Microgobius meeki foram mais abundantes no

recife e no prado. A maior segregação espacial foi observada em espécies do

gênero Achirus. Durante o estágio de pré-flexão, a espécie ocorreu

predominantemente no recife, passando para o prado durante a flexão e chegando

ao manguezal ao atingir o estágio de pós-flexão (Figura 6).

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Figura 6. Padrões de movimentação entre habitats durante o ciclo de vida das

espécies estuarinas coletadas em um continuum manguezal-prado-recife na zona

costeira adjacente ao estuário do Rio Formoso (PE). (a) Atherinella brasiliensis: 1-

presente estudo, 2- Silva-Falcão (2007), 3- Vendel e Chaves (2006) e Spach et al.

(2006), 3- Fávaro et al. (2003); (b) Bairdiella ronchus: 1- presente estudo, 2-

Itagaki et al (2007), 3- Reis-Filho et al. (2010),. 4- Chaves e Bouchereau, 2000; (c)

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Microgobius meeki: 1- presente estudo, 2- Coser et al. (2007), 3- Reis-Filho et al.

(2010), ?- Dados não disponíveis. (d) Achirus spp.: 1- presente estudo, 2- Allen e

Baltz (1997), 3- Oliveira e Fávaro (2010). Figuras dos peixes retiradas de Fahay

(1983).

As variações nas densidades de estágios larvais das espécies marinhas

migrantes possibilitaram identificar padrões distintos entre elas (Figura 7). Por

outro lado, a baixa ocorrência de estágios mais iniciais (pré-flexão) foi um

resultado comum para este grupo. Durante a flexão, as larvas de Lile piquitinga

foram mais abundantes no prado, passando então a habitar o manguezal durante

a fase de pós-flexão. Não houve segregação entre os estágios de Eucinostomus

spp. e o estágio mais avançado de pós-flexão predominou em todos os habitats.

No prado houve maior densidade de larvas de Archosargus rhomboidalis. A

espécie foi coletada principalmente durante o estágio de flexão neste habitat.

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Figura 7. Padrões de movimentação entre habitats durante o ciclo de vida das

espécies marinhas migrantes em um continuum manguezal-prado-recife na zona

costeira adjacente ao estuário do Rio Formoso (PE). (a) Lile piquitinga: 1-presente

estudo, 2- Reis-Filho et al (2010). (b) Eucinostomus spp.: 1- presente estudo, 2-

Thayer et al. (1987), 3- Chaves e Otto (1999). (c) Archosargus rhomboidalis: ?-

Dados não disponíveis, 1- presente estudo, 2- Nagelkerken et al (2000), 3-

Chavance et al. (1986), 4- Floeter e Gasparini (2000). Figuras dos peixes retiradas

de Fahay (1983).

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Discussão

Os resultados indicam que os habitats estudados são utilizados em fases

larvais pelágicas distintas por muitas espécies de peixes com diferentes tipos de

associação com estes ambientes. Contudo, apenas um pequeno grupo de

espécies, formado por peixes das famílias Atherinopsidae, Engraulidae, e

Clupeidae, somou mais da metade do total capturado. A dominância destas duas

últimas famílias é um padrão comum observado nas investigações de larvas de

peixes em regiões costeiras adjacentes a estuários (Rooker et al., 1996; Mafalda

Junior et al., 2006) e recifes de coral (Sponaugle et al., 2003). As espécies destas

famílias são pelágicas e apresentam elevada fecundidade (Blaber, 2007), além de

produção larval em vários meses do ano (Sponaugle et al., 2003), resultando em

elevada abundância em ambientes costeiros.

A assembleia foi composta por diversos táxons característicos de áreas

estuarinas e similares àquelas registradas em outros estuários tropicais

brasileiros. Nas baías de Todos os Santos e de Camamu (Bahia) todos os táxons

identificados em nível de família (Katsuragawa et al., 2011) são comuns aos

registrados na zona estuarina do Rio Formoso. Na Baía de Vitória (Espírito Santo),

das 25 famílias identificadas (Joyeux et al., 2004), Cynoglossidae, Elopidae,

Ophichthidae, Scorpaenidae e Triglidae não foram registradas no presente

levantamento, sendo as espécies destas famílias tipicamente marinhas e pouco

abundantes nas amostragens de larvas em estuários. A presença de recifes mais

afastados do estuário, que não foram aqui amostrados, pode sugerir a retenção de

larvas destas famílias (Reyier e Shenker, 2007). Por outro lado, no presente

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estudo a coleta realizada em áreas de prado e recife localizados na boca do

estuário, resultou na ocorrência de famílias raras em estuários e tipicamente

recifais, a exemplo de Scaridae, Pomacentridae, Antenariidae, Ostraciidae e

Dactyloscopidae.

Em áreas estuarinas tropicais, as maiores densidades larvais costumam

ocorrer nas regiões a montante, diminuindo à medida que se aproxima da região

inferior ou boca do estuário (Barletta-Bergan et al., 2002). Esta elevada densidade

está particularmente associada à retenção larval de espécies estuarinas, que é

resultado de fatores físicos do ecossistema somados ao comportamento ativo da

larva (Boehlert e Mundy, 1988). No presente estudo, a maior densidade foi

registrada no manguezal, diferindo significativamente do prado e recife.

Embora exista uma vasta literatura sobre as variações na densidade de

peixes entre habitats de mangue, prado e recife (Nagelkerken et al., 2002; Chittaro

et al., 2005; Dorenbosch et al., 2006), as informações são relativas a indivíduos

jovens ou adultos. Além disso, as comparações com trabalhos realizados

isoladamente em prado ou recife são dificultadas pela utilização de diferentes

métodos de coleta, como armadilhas luminosas e redes estacionárias (e.g.

Sponaugle et al., 2003; Ruso e Bayle-Sempere, 2006).

A predominância de espécies marinhas migrantes coincide com o padrão

observado na ictiofauna jovem em um levantamento realizado na mesma região

(Paiva et al., 2009). O elevado número de larvas desta categoria em regiões

estuarinas também foi registrado em estudos realizados na África do Sul (Harris et

al., 2001) e no Norte do Brasil (Barletta-Bergan et al., 2002). Este resultado aponta

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72

para a existência de movimento da ictiofauna entre habitats costeiros ainda na

fase larval, com consequente conectividade ecológica (Nagelkerken et al., 2002).

A migração para berçários costeiros é bem documentada para espécies de

Lutjanidae, Mullidae e Scaridae (Nagelkerken et al., 2002; Unsworth et al., 2009),

que geralmente buscam os habitats estuarinos ao atingirem a fase jovem (Pereira

et al., 2010). Por isso, as larvas destas famílias foram raras no presente estudo,

sendo mais comuns outras espécies marinhas migrantes, como Lile piquitinga e

Archosargus rhomboidalis.

As espécies classificadas como estuarinas correspondem àquelas capazes

de completar todo seu ciclo de vida do estuário (Elliot et al., 2007). A maior

densidade deste grupo no manguezal, assim como das marinhas migrantes,

evidencia que existe a busca por um ambiente raso, abrigado e com elevada

complexidade estrutural. Entre as hipóteses que tentam elucidar os fatores que

determinam essa busca, destaca-se a redução da taxa de predação, a maior

oferta de alimentos e a disponibilidade de abrigo (Blaber, 2007; Nagelkerken et al.,

2008).

Independentemente do estágio larval, os indivíduos são capazes de atingir

os habitats necessários ao seu desenvolvimento, mesmo durante a fase de pré-

flexão (Boehlert e Mundy, 1988; Leis, 2006). Mecanismos de retenção ou

exportação, através de movimentação ativa e do transporte pelas correntes

marinhas, garantem a chegada das larvas ao habitat de assentamento. Contudo,

deve haver uma sincronia entre o tempo gasto no transporte para este habitat e o

período de duração da fase pelágica (Van der Veer e Leggett, 2005). Por isso, a

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73

ocorrência de elevada densidade de larvas, em estágios avançados de

desenvolvimento, em um determinado ambiente, pode indicar sua utilização com

berçário ou habitat de transição.

Entre os habitats, a densidade dos diferentes estágios de desenvolvimento

variou significativamente. O padrão geral observado demonstra que, independente

do estágio de vida, as densidades das larvas predominam nos manguezais,

sugerindo tratar-se de um ambiente potencial para o assentamento das larvas em

pós-flexão, que ocorreram em elevada abundância. Por outro lado, existem

espécies que possivelmente utilizam esse habitat como área de produção larval,

dada a elevada densidade de indivíduos em fases mais iniciais. A predominância

de larvas em pré-flexão na assembleia de peixes, como observada neste estudo,

corrobora com outras investigações realizadas em estuários no Brasil (Barletta-

Bergan et al., 2002; Coser et al., 2007), que associaram este padrão à atividade

reprodutiva de espécies residentes no estuário.

Em escala regional, a estrutura da comunidade em áreas de manguezal é

influenciada principalmente pela diversidade, estrutura e hidrologia do habitat

(Blaber, 2007). Além destes fatores, a proximidade com recifes e prados influencia

diretamente na composição das assembleias de jovens e adultos (Nagelkerken et

al., 2002). Para as larvas de peixes, diferenças nos índices de diversidade e

equitabilidade entre os habitats não foram observadas. Em estuários tropicais, as

variações nos índices ecológicos estão geralmente ligadas aos pulsos sazonais

das condições ambientais associadas ao ritmo endógeno das espécies (Joyeux et

al., 2004). Espacialmente, estes índices apresentam gradientes mais marcantes

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entre áreas oceânicas e estuarinas, sendo as primeiras aquelas com maior

diversidade (Harris et al., 2001).

A sobreposição entre as assembleias de larvas de peixes de diferentes

habitats costuma ser decorrente do padrão de desova em áreas mais externas ou

fora dos estuários, com consequente retorno para áreas internas (Able et al.,

2010). Embora as espécies determinantes das assembleias dos habitats tenham

sido comuns no continuum manguezal-prado-recife, diferenças nas densidades e

na composição geral resultaram na formação de três assembleias distintas.

No manguezal houve dominância de Atherinella brasiliensis, que é uma

espécie essencialmente estuarina (Spach et al., 2004), enquanto no prado

dominaram as larvas de Achirus spp., que são costeiras (Oliveira e Fávaro, 2010).

No recife Engraulidae foi predominante, constituindo uma família que, além de ser

uma das mais especiosas na região (Paiva et al., 2009), suas espécies geralmente

desovam em águas marinhas, resultando em uma abundância de larvas em águas

costeiras (Able et al., 2010). Larvas de peixes com ovos pelágicos, como

Engraulidae e Achiridae, tendem a apresentar uma maior abundância em áreas

mais profundas. Por outro lado, peixes que apresentam desova demersal, como

aqueles pertencentes a Atherinopsidae, utilizam áreas rasas (Reyier e Shenker,

2007).

As informações obtidas na presente pesquisa permitiram compreender uma

parte até então desconhecida do ciclo de vida de várias espécies de peixes, e

relacionar suas fases de desenvolvimento larval com os diferentes ecossistemas

costeiros. Esta análise foi possível principalmente pelo fato de ter ocorrido

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diferenças na densidade entre os habitats dos estágios larvais das espécies

estuarinas mais abundantes, indicando que as mesmas se movimentam ao longo

do seu desenvolvimento larval.

A partir do padrão observado na distribuição dos estágios larvais de

Atherinella brasiliensis, constatou-se que ela apresenta uma forte associação com

o habitat de manguezal nas primeiras fases, logo após a eclosão. Este resultado

suporta a ideia de que estes peixes utilizam áreas rasas estuarinas adjacentes aos

manguezais para reprodução e desova (Fávaro et al., 2003). Ao atingir a fase

jovem e adulta, a espécie também ocupa os demais ambientes estuarinos, como

planícies de marés e praias estuarinas (Vendel e Chaves 2006; Spach et al., 2006;

Paiva et al., 2009). Uma vez que se alimenta principalmente de plâncton em todas

as fases do ciclo de vida (Rocha et al., 2008; Contente et al., 2011), esta espécie

utiliza as áreas estuarinas rasas como áreas de criação, por serem mais

produtivas.

Em estudos similares realizados em estuários tropicais, A. brasiliensis é

pouco frequente nas amostras, apresentando densidades médias inferiores a 0,5

ind.100 m-3 (Joyeux et al., 2004; Coser et al., 2007), enquanto na presente

investigação a média foi de 2.72 ind.100 m-3. Considerando apenas o manguezal,

esta valor sobe para 8 ind.100 m-3. Uma das possíveis causas da menor

densidade registrada nesses estudos consiste no fato das coletas terem sido

realizadas em canais principais dos estuários que são mais profundos e afastados

do mangue. A presença de áreas de manguezal parece ser fundamental para A.

brasiliensis uma vez que neste habitat sua densidade foi mais elevada. Este

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padrão sugere que a perda deste habitat, a partir da supressão da vegetação e de

canais de maré, pode resultar no declínio do recrutamento desta espécie em

ambientes estuarinos.

Nas fases mais iniciais, B. ronchus foi significativamente predominante nos

habitats de prado e recife. Entretanto, esta espécie é considerada estuarina

(Vasconcelos-Filho e Oliveira, 1999) e apresenta atividade de desova em áreas de

manguezal (Chaves e Bouchereau, 2000). Em Cananéia, sudeste do Brasil,

Itagaki et al. (2007) obtiveram larvas em flexão e pós-flexão, além de jovens, em

canais intertidais estuarinos, onde foram coletadas manualmente com puçás.

Esses autores associaram a abundância de larvas e jovens a um provável uso de

canais e raízes de mangue como berçário e refúgio. Essa constatação explica o

fato de terem sido coletadas apenas duas larvas em flexão no complexo estuarino

do Rio Formoso e nenhuma em pós-flexão (através dos arrastos de rede de

plâncton). Um padrão semelhante na densidade de larvas em pré-flexão foi

observado para Microgobius meeki, considerada uma espécie estuarina, com

predomínio também nos prado e recife, e (Reis-Filho et al., 2010). A grande

quantidade de larvas iniciais encontradas em Rio Formoso e em outros estuários

tropicais (Barletta-Bergan et al., 2002; Coser et al., 2007) indica que esta espécie

deve desovar em áreas estuarinas. Informações sobre sua atividade reprodutiva

ainda não foram publicadas.

Comparando-se as espécies estudadas, a maior segregação espacial dos

estágios de desenvolvimento foi registrada nas larvas de Achirus. Os estágios de

pré-flexão, flexão e pós-flexão desses peixes foram distintamente predominantes

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no recife, no prado e no manguezal, respectivamente. O padrão de distribuição

longitudinal desses estágios sugere que o mecanismo de dispersão das larvas

ocorre a partir da foz do estuário, próximo ao recife, de onde as larvas realizam

migrações verticais sincronizadas com a maré. Este comportamento resulta em

um transporte rio acima (Epifanio, 1988). Desta forma, os indivíduos pré-

assentantes atingem as áreas de manguezal, onde habitam enquanto jovens

(Allen e Baltz, 1997). As espécies deste gênero que ocorrem na área, A. declivis e

A. lineatus, são encontradas principalmente em planícies de maré da zona

estuarina superior (Paiva et al., 2009), tendo sido registrada mais recentemente

no prado (Pereira et al., 2010).

As larvas e pós-larvas de espécies marinhas migrantes, além de ocuparem

diferentes ecossistemas, também realizam migrações verticais sincronizadas com

as marés para atingir os berçários costeiros (Boehlert e Mundy, 1988). Os

indivíduos atingem as zonas estuarinas em estágios de desenvolvimento mais

avançados, em geral, em flexão e pós-flexão (Elliot et al., 2007).

Todas as espécies analisadas e consideradas marinhas migrantes

apresentaram uma baixa ocorrência de larvas em pré-flexão, indicando que neste

estágio devem se desenvolver ainda em áreas externas ao estuário. Este número

reduzido também pode indicar que a espécie realiza a desova nestas áreas

externas, como acontece com Lile piquitinga. Embora seja classificada como uma

espécie estuarina (Reis-Filho et al., 2010), não há dados que confirmem a sua

atividade reprodutiva no estuário. Uma vez que poucas larvas em pré-flexão desta

espécie foram coletadas no presente estudo, apenas seis, acredita-se que ela

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apresente o mesmo padrão dos demais clupeídeos de regiões tropicais: desova e

eclosão em ambiente marinho (Blaber, 1997). Este comportamento reprodutivo

também ocorre em Eucinostomus spp. (Chaves e Otto, 1999). No estuário do Rio

Formoso houve o predomínio destes peixes no estágio de pós-flexão para os três

habitats amostrados. Os jovens desta família também são abundantes em vários

habitats costeiros (Thayer et al.,1987) e, por isso, apresentam características de

espécie habitat-generalista (Adams et al., 2006).

Estudos pretéritos indicam que Archosargus rhomboidalis desova em águas

estuarinas, principalmente em prados de fanerógamas, onde as larvas eclodem

(Chavance et al., 1986). Na zona estuarina do Rio Formoso esta espécie parece

depender fortemente deste habitat durante a fase larval. Embora não tenham sido

coletados espécimes em pré-flexão, acredita-se que larvas neste estágio também

se refugiam nos prados, utilizando-o como possível zona transicional (Ruso e

Bayle-Sempere, 2006), até atingir a fase jovem, quando passa a ocorrer também

em manguezais (Rooker e Dennis, 1991; Nagelkerken et al., 2000). Uma das

consequências da destruição e fragmentação dos prados é a interrupção de

importantes rotas de migração, reduzindo a movimentação em direção aos

manguezais (Reyier e Shenker, 2007).

A partir dos resultados do presente estudo, conclui-se que várias espécies

que utilizam a zona estuarina do Rio Formoso, em fases iniciais do ciclo de vida,

apresentam segregação espacial, sendo que algumas possuem maior

especificidade quanto ao habitat. A movimentação de larvas em diferentes

estágios entre os habitats evidencia a conectividade existente entre eles, sendo a

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manutenção da integridade deste mosaico de ecossistemas fundamental para a

manutenção da biodiversidade da região.

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88

CAPÍTULO III

VARIAÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL DE LARVAS DE ACHIRUS

(ACTINOPTERYGII, ACHIRIDAE) EM HABITATS DE MANGUEZAL,

PRAIA E RECIFE NO NORDESTE DO BRASIL.

Elisabeth Cabral Silva Falcão, William Severi e Maria Elisabeth de Araújo

(Artigo publicado no Journal of Marine Biological Association)

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Resumo

O gênero Achirus engloba espécies de Pleuronectiformes bentônicos, que

apresentam aspectos peculiares durante sua fase larval. As larvas além de

sofrerem profunda metamorfose podem ter suas atividades alimentar e natatória

alterada devido à necessidade de encontrar um ambiente adequado ao

assentamento. Sabendo-se da preferência por habitat que as espécies deste

grupo apresentam, este estudo teve como principal objetivo avaliar se a

abundância dos estágios larvais difere entre os habitats indicando o substrato

preferencial para o assentamento das larvas de Achirus spp. entre diferentes

ambientes na região estuarina do Rio Formoso, Pernambuco. As campanhas

foram realizadas entre abril de 2009 a maio de 2010, durante os períodos diurno e

noturno, em tréplicas nos ambientes de mangue, praia e recife, totalizando 216

amostras. As larvas de Achirus spp. foram coletadas através de arrastos

horizontais de subsuperfície com rede de plâncton com 500 de malha, durante 10

minutos, seguidos da fixação da amostra em formol 4%. Foi realizada a triagem,

identificação, medida do comprimento padrão e determinação do estágio larval,

sendo o material etiquetado e preservado em álcool. A densidade foi expressa em

org.m-3, e submetida à análise de variância quanto aos meses, período do dia e

habitat. Os dados de comprimento também foram submetidos à ANOVA para

analisar variações entre habitat e períodos do dia. Foram coletadas 204 larvas

planctônicas, além de 1 exemplar jovem de Achirus, gerando uma densidade

média de 2,1 org.100m-3 por arrasto. As larvas ocorreram em todos os meses de

coleta, exceto em Junho, apresentando um padrão de aumento sequencial na

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densidade a partir de Julho chegando ao seu máximo em dezembro com 31,28

org.100m-3 ocorrendo posterior declínio. Durante o período noturno as larvas

foram significativamente mais abundantes, porém não houve diferença de

densidade entre os ambientes. Ocorreram larvas nos estágios pré-vitelino ao de

pós-flexão, sendo mais abundante o estágio de pré-flexão, correspondendo a 87%

do total. Indivíduos maiores foram capturados à noite, enquanto que entre os

ambientes, houve significativa segregação de tamanho que a partir do recife, foi

aumentando em direção ao mangue. Os resultados indicam que as larvas de

Achirus provêm de regiões mais profundas externas ao estuário, onde ocorre a

desova, e realizam migração ontogênica em direção às águas rasas do manguezal

onde realizam assentamento no habitat berçário.

Palavras-chave: Ecossistemas costeiros; larvas de peixes; Pleuronectiformes

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Abstract

The genus Achirus includes demersal fish that exhibit a close relationship with the

substrate and comprise peculiar aspects during their larval stage. This study aimed

to assess whether the abundance of Achirus larvae differ among a set of habitats

in Rio Formoso estuary, Pernambuco, Brazil. Samplings were undertaken monthly

by horizontal hauls with plankton net between April 2009 and March 2010, during

day and night periods in the mangrove, beach and reef habitats. Sorting,

identification, measurement and larval stage determination were performed. The

density and body length were subjected to non-parametric analysis of variance to

analyze variation among seasons, habitats and day-night periods. 204 larvae were

collected from an average density of 2.1 larvae.100 m-3 by towing. Density was

higher during night samplings, but there was no difference between habitats.

Larvae occurred in yolk-sac to post-flexion stage, being pre-flexion the most

abundant one, corresponding to 78%. There was segregation in size; larger larvae

were captured at night and in the mangrove. The smallest ones were caught on

reef, with increase in length toward mangrove. Temperature and salinity appears to

be the most important hydrographic factors affecting the fish larvae. The results

indicate that Achirus larvae come from deeper regions outside the estuary, where

spawning occurs, and perform ontogenetic migration towards the shallow waters of

mangrove where they might settle.

Keywords: Coastal habitats, ichthyoplankton; Pleuronectiformes

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Introdução

A família Achiridae é composta por espécies de peixes de pequeno

tamanho que habitam principalmente as zonas costeiras dos mares tropicais e

subtropicais (Munroe, 2002). Como outros representantes de Pleuronectiformes, o

grupo é conhecido por apresentar aspectos peculiares de sua história de vida,

principalmente durante os primeiros estágios de desenvolvimento, como uma

profunda metamorfose larval, em comparação a outros teleósteos, e um

movimento do habitat pelágico para o bentônico (Geffen et al., 2007). As larvas

planctônicas possuem inicialmente corpo simétrico e lateralmente comprimido,

sofrendo posterior migração do olho esquerdo, alteração na posição do intestino e

aumento da pigmentação no lado com olhos (Richards, 2006). As larvas de

Achiridae também apresentam corpo alto, intestino longo, saliência cefálica

bastante peculiar, além de olhos e maxila grandes (Ahlstrom et al., 1984).

Após a completa metamorfose da larva no plâncton, o indivíduo passa para

a fase jovem e ocorre o assentamento no habitat berçário (Van der Veer e Leggett,

2005). A mudança para este habitat é influenciada por padrões de comportamento

ainda no estágio larval, como as migrações verticais sincronizadas com as marés,

que propiciam a retenção ou a exportação para ambientes favoráveis ao

desenvolvimento (Bailey et al., 2005). Os atributos do habitat, como tipo de

substrato e complexidade estrutural, também influenciam os padrões de

distribuição (Moles e Norcross, 1995), assentamento (Walsh et al., 1999) e

alimentação (Florin e Lavados, 2010) nas fases iniciais dos Pleuronectiformes.

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Adicionalmente, a sobrevivência e dispersão destes organismos podem ser

afetadas pelas condições hidrográficas (Yamashita et al., 2001).

O gênero Achirus (Lacépède) engloba quatro espécies descritas para a

costa brasileira: A. Achirus (Linnaeus, 1758), A. declivis Chabanaud, 1940, A.

lineatus (Linnaeus, 1758) (Menezes et al., 2003) e A. mucuri Ramos, Ramos e

Lopes, 2009 (Ramos et al., 2009). Contudo, apenas A. lineatus foi caracterizada

quanto ao seu desenvolvimento larval (Richards, 2006), informação valiosa para a

identificação e diferenciação dos indivíduos coletados nesta fase. A escassez de

trabalhos que descrevam os diferentes estágios larvais dificulta a identificação das

larvas de peixes, e gera uma lacuna no conhecimento sobre aspectos ecológicos

destas larvas, como sua abundância e distribuição espaço-temporal.

Em diferentes estuários da costa brasileira, larvas de Achiridae fazem parte

de uma parcela significativa da comunidade ictioplanctônica (Barletta-Bergan et

al., 2002; Bonecker et al., 2007; 2009; Sarpedonti et al., 2008). Contudo, nenhum

estudo até a presente data forneceu informações direcionadas à ecologia larval

destes indivíduos. Além disso, os levantamentos sobre ictioplâncton em

ecossistemas costeiros do Brasil têm sido realizados principalmente em áreas

estuarinas com fundo lamoso associado a manguezais (Mafalda Jr et al., 2008), e

existe pouca informação sobre as larvas de peixes em ambientes recifais (Nonaka

et al., 2000) e de praia (Godefroid et al., 1999).

O objetivo do presente estudo é realizar a primeira descrição dos padrões

de distribuição espaço-temporal de larvas de Achirus em um sistema costeiro

tropical no nordeste do Brasil, incluindo habitats de manguezal, prado e recife. As

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principais questões investigadas foram: (1) a densidade larval difere entre

habitats?; (2) existe segregação por estágio e tamanho entre os habitats?; e (3)

existe correlação entre variações na densidade e nas variáveis abióticas? Este

estudo pretende gerar informações que poderão auxiliar na compreensão dos

padrões sazonais e diários de densidade destas larvas, assim como da influência

das características do habitat na distribuição e assentamento destes organismos.

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Materiais e métodos

Área de estudo

O presente estudo foi realizado na região inferior do complexo estuarino do

Rio Formoso, o qual é formado pela confluência dos rios Formoso, Passos,

Ariquindá e Lemenho. O complexo abrange aproximadamente 27,24 km2 e está

localizado no município de Rio Formoso, a 92 km de Recife, capital de

Pernambuco (nordeste do Brasil). O estuário é dividido em três zonas distintas

(superior, média e inferior), e cada uma apresenta características peculiares

quanto aos meios bióticos e abióticos (Lira et al., 1979; Silva et al., 2004; Paiva et

al., 2009). O nordeste do Brasil apresenta duas estações distintas – uma estação

chuvosa de março a agosto e uma estação de estiagem de setembro a fevereiro.

A estação chuvosa é seguida por um aumento na produtividade primária, podendo

ser caracterizada por condições eutróficas no estuário (Honorato da Silva et al.,

2004).

Três habitats distintos foram selecionados para as amostragens de larvas

de peixes - manguezal, prado e recife (Figura 1). Localizadas dentro de duas

áreas protegidas marinhas (APAs: Costa dos corais e Guadalupe), os habitats

amostrados perfazem um trajeto de aproximadamente 6 km. Um total de 185

espécies de peixes foi registrado na APA Costa dos corais (Ferreira e Cava,

2001), incluindo Achirus lineatus e A. declivis entre os Achiridae (Paiva et al.,

2009). O habitat manguezal, composto principalmente por Rhizophora mangle,

Laguncularia racemosa, Avicennia schaueriana e A. germinans (Nascimento-Filho

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et al., 2007), está localizado na margem esquerda do estuário, em um pequeno

canal conhecido como Maria-Açu. Consiste em um canal de maré margeado pelo

manguezal, que fornecem significativa complexidade estrutural através de suas

raízes, e com substrato de lama fina, rica em matéria orgânica.

Figura 1. Complexo estuarino do Rio Formoso e indicação das áreas de

manguezal, praia e recifes amostradas.

Na margem direita do estuário está localizada a praia dos Carneiros,

selecionada como habitat de prado. Este local possui substrato arenoso com

manchas de macroalgas e prados de fanerógamas, compostos principalmente por

Halodule wrightii, sendo considerado um habitat intermediário. Os prados atuam

como abrigo para recrutas de peixes recifais e estuarinos, funcionando como um

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corredor entre os demais ecossistemas (Pereira et al., 2010). O habitat de recife

localiza-se na foz do Rio Formoso, fazendo parte de um complexo conjunto de

recifes de arenito paralelos à linha de costa. Entre as 105 espécies de peixes

registradas nos recifes de Tamandaré, localizados ao largo do estuário do Rio

Formoso (Ferreira et al., 1995), 40 foram registradas no estuário adjacente e

acredita-se que desempenham um papel na estruturação da comunidade de

peixes estuarina (Paiva et al., 2009).

Amostragens

As amostragens foram realizadas mensalmente entre abril de 2009 a março

de 2010, nos períodos diurno e noturno, com tréplicas nos três habitats estudados,

totalizando 216 amostras. Com o propósito de iniciar as coletas noturnas após o

crepúsculo e operar em condições adequadas de navegação, principalmente nos

recifes, as coletas foram realizadas durante a baixa-mar de quadratura. Os

arrastos de ictioplâncton foram efetuados horizontalmente, na subsuperfície, com

rede de plâncton com abertura de malha de 500 µm. A rede foi arrastada em uma

velocidade constante de cerca de 2 nós por 10 minutos e o volume filtrado foi

estimado por um fluxômetro, acoplado no centro da boca da rede. As variáveis

temperatura (°C), salinidade, pH, oxigênio dissolvido (mg.L-1) e profundidade local

(m) foram aferidas na superfície durante cada arrasto, utilizando monitores

portáteis. Não houve coleta de dados de salinidade nos meses de março/10 e

maio/09 e de oxigênio nos meses de fevereiro e março/10 em decorrência da

indisponibilidade dos equipamentos. Os dados de pluviosidade mensal da estação

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de Tamandaré para o período amostrado foram obtidos no banco de dados do

Laboratório de Meteorologia de Pernambuco (LAMEPE).

A fixação da amostra foi realizada mediante a adição de solução de

formalina a 4%, tamponada com carbonato de cálcio e diluída em água do mar. No

laboratório o material foi triado sob estereomicroscópio, tendo as larvas sido

identificadas e determinados seu comprimento corpóreo (BL) e estágio de

desenvolvimento larval, segundo Kendall et al. (1984). As larvas de Achirus foram

distinguidas das demais larvas da família através de características únicas

apresentadas pelo gênero que as diferenciam de Trinectes. Estas características

incluem a presença de um terceiro raio dorsal alongado e de um forâmen cefálico

nas fases intermediárias e avançadas, além da ausência de pigmentação em

estágios mais iniciais (larval vitelino e início do pré-flexão) (Ahlstrom et al., 1984;

Richards, 2006). O número total de larvas em cada amostra foi determinado e os

valores de abundância foram convertidos em valores de densidade, expressos em

larvas. 100 m-³.

Análise dos dados

Valores de densidade e comprimento corpóreo foram considerados na

análise da distribuição espaço-temporal. Os fatores fixos foram habitat, período do

dia e estação do ano. Os dados foram padronizados e transformados (log10 x+1)

antes da realização das análises estatísticas. A normalidade das variáveis foi

testada através do teste de Kolmogorov-Smirnof-Lillifors e a homocedasticidade

através do teste de Bartlett (Zar, 1999). Uma vez não cumprindo os pré-requisitos

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da ANOVA, as variáveis foram submetidas aos testes não paramétricos: Mann-

Whitney para analisar diferenças entre períodos do dia e estações; e Kruskal-

Wallis para analisar diferenças entre habitats. Foram considerados significativos

os resultados de (p<0,05). A associação entre as variáveis ambientais e a

densidade foi analisada através do teste de correlação não paramétrica de

Spearman. Este teste foi considerado apenas como uma análise exploratória uma

vez que pode gerar resultado de correlações positivas ao acaso.

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100

Resultados

Condições hidrográficas

A profundidade das estações de coleta variou de 0,8 a 14,9 m. O habitat de

recife foi o mais profundo (média de 6,0 ± 3,1 m) enquanto os habitats de prado e

manguezal foram os mais rasos (médias de 1,95 ± 0,7 e 1,30 ± 0,5

respectivamente). A temperatura média durante o período de amostragem foi de

28,42°C. Temperaturas mais baixas ocorreram entre maio e agosto (média de

27,1°C) e as mais elevadas ocorreram em fevereiro e março (média de 30,18°C).

Este parâmetro variou significativamente apenas entre as estações do ano (p <

0,0001) e foi mais elevada durante o período de estiagem (média de 29°C).

Nenhuma variação significativa na temperatura foi encontrada entre os períodos

do dia e entre habitats.

A salinidade média foi 30,78, variando de 26 em junho a 36 em novembro.

Os valores de salinidade foram mais elevados durante a estação de estiagem (p =

0,0049) nas amostras diurnas (p = 0,0294) coletadas no prado e no recife (p <

0,0001). A distribuição mensal da precipitação média foi inversamente

correlacionada à da salinidade, com valores de pluviosidade acima de 200 mm

registrados entre abril e agosto (estação chuvosa) (Figura 2).

A concentração média de oxigênio dissolvido na água foi mais elevada em

agosto (7,58 mg.L-1). Concentrações mais elevadas ocorreram durante o dia (p =

0,0247), com valor médio de 6,25 mg.L-1. Entre os habitats, a concentração mais

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baixa foi registrada no manguezal, alcançando 5,01 mg.L-1, enquanto o recife

apresentou os valores mais elevados (média de 6,82 mg.L-1; p < 0,0001).

Os valores de pH variaram de 6,32 em dezembro a 8,71 em março, com

valores mais elevados na estação chuvosa (média de 7,97), embora nenhuma

diferença estatisticamente significativa tenha sido encontrada entre as estações (p

= 0,1125). O manguezal teve os menores valores de pH (média de 7,8) e os

outros habitats apresentaram médias superiores a 8.0 (Figura 2).

Figura 2. Valores médios e desvio padrão das variáveis abióticas em diferentes

habitats estuarinos da zona estuarina do Rio Formoso, Pernambuco, Brasil (– + –:

precipitação).

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Densidade de larvas

Um total de 204 larvas de Achirus foram coletadas, com uma densidade

média de 2,1 ± 4,92 larvas.100 m-3 por arrasto. Os valores de densidade foram

significativamente diferentes entre os meses (p = 0.0001), com um máximo de

31,28 larvas.100 m-3 em dezembro/09 e mínimo de 1,36 larvas .100 m-3 em

abril/10. A densidade também diferiu significativamente entre as estações do ano

e períodos do dia (Tabela 1). A densidade média variou de 0,83 larvas.100 m-3 na

estação chuvosa a 3,34 larvas.100 m-3 na estação de estiagem (p < 0,0001). Os

resultados do teste de Mann-Whitney indicaram diferenças significativas entre

períodos do dia (p < 0,0001), com densidade larval média de 3,46 larvas.100 m-3

nas amostras noturnas e 0,74 larvas.100 m-3 nas diurnas. Nenhuma diferença

significativa nos valores de densidade total foi detectada entre os habitats (p =

0,1478), mas uma média mais elevada foi registrada no recife (3 larvas.100 m-3),

seguido do prado (2,07 larvas.100 m-3) e manguezal (1,23 larvas.100 m-3). Dentre

as variáveis hidrográficas mensuradas, a densidade larval correlacionou-se

positivamente apenas com a temperatura (r = 0,2; p < 0,05) e a salinidade (r = 0,2;

p < 0,05).

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Tabela 1. Densidade larval media e níveis de significância das análises de

variância não paramétricas de Kruskal–Wallis (habitats) e Mann–Whitney

(períodos do dia e estações) sobre a densidade de larvas de Achiridae coletadas

entre abril de 2009 e março de 2010.

Estágios larvais e variações no comprimento

Todos os estágios de desenvolvimento larval de Achirus foram encontrados

durante o período de amostragem. Do total, 10% eram larvas vitelinas, 78%

estavam em pré-flexão, 4% estavam em flexão e 8% em pós-flexão. A

participação relativa dos estágios foi similar entre os habitats, uma vez que a

média da proporção de cada estágio não diferiu significativamente entre os

habitats. Em cada habitat a proporção dos estágios foi diferente. No manguezal (p

= 0,003) o teste de Scheffé destacou os estágios de pós-flexão (33%) e pré-flexão

(58%) como os mais representativos. Na praia (p = 0,001) e recife (p = 0,001) a

proporção média de larvas em pré-flexão foi de 60% e 58%, respectivamente.

A análise de variância revelou resultados significativos considerando a

densidade por estágio larval apenas para os estágios de pré-flexão e pós-flexão

(Tabela 1). O estágio de pré-flexão foi mais abundante na estação de estiagem (p

< 0,0001) durante as coletas noturnas (p = 0,0005) realizadas nos habitats de

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recife e de prado (p = 0,0430). Valores significativamente diferentes na densidade

de larvas em pós-flexão foram registradas apenas entre períodos do dia (p =

0,0086), com maiores valores médios registrada nas coletas noturnas, enquanto

nenhuma diferença foi observada entre estações e habitats (Tabela 1). Contudo,

houve uma tendência geral de densidades médias mais elevada de larvas em pós-

flexão no manguezal (0,33 larvas.100 m-3), enquanto as menores foram

registradas no recife (0,1 larvas.100 m-3) (Figura 3).

Considerando-se os valores dos picos de densidade dos diferentes estágios

larvais, os estágios mais iniciais (larval vitelina e pré-flexão) foram mais

abundantes no recife. Houve um incremento de larvas durante as amostragens

noturnas (Figura 3), embora tenha sido coletado um elevado número de larvas em

pré-flexão no manguezal durante o período diurno (p = 0,0322). O estágio de

flexão distribuiu-se de maneira mais uniforme entre os habitats, com pico de

densidade nas coletas noturnas no período de estiagem. Maiores valores de

densidade de larvas em pós-flexão foram registrados no manguezal, com valores

mais elevados durante a estiagem. No mangue e no prado, as larvas em pós-

flexão foram coletadas exclusivamente à noite.

.

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105

Figura 3. Densidade dos diferentes estágios larvais de Achirus coletados em

diferentes habitats no estuário do Rio Formoso, Pernambuco, Brasil. Áreas

sombreadas: período noturno; não sombreadas: período diurno.

Os comprimentos corpóreos das larvas variaram entre 1,4 a 4,5 mm (média

de 2,2 ± 0,64 mm), tendo os maiores tamanhos ocorrido na estação chuvosa (p =

0,0362). Diferenças significativas foram encontradas entre os períodos do dia (p =

0,0178), com um valor médio de 2,5 mm nas amostras noturnas contra 1,9 mm

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nas diurnas. Também foi registrada diferença no tamanho entre os habitats (p =

0,0320), com os maiores tamanhos coletados no manguezal (Figura 4).

Figura 4. Média e desvio padrão do comprimento corpóreo das larvas de Achirus

coletadas em diferentes habitats no estuário do Rio Formoso, Pernambuco, Brasil.

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Discussão

O ictioplâncton em regiões estuarinas é dominado por espécies estuarino-

dependentes, que encontram neste ecossistema áreas que representam berçários

em potencial devido aos seus atributos bióticos e abióticos (Reyier e Shenker,

2007). Muitas dessas espécies, incluindo Pleuronectiformes, são conhecidas por

exibirem migração ontogênica a partir das áreas de desova em direção ao estuário

(Bailey, 1997). Nos estuários tropicais brasileiros, larvas de Achiridae são

frequentes nas amostragens de ictioplâncton e, em alguns casos, podem figurar

entre os táxons mais abundantes (Barletta-Bergan et al., 2002; Barletta e Barletta-

Bergan, 2009). Entre as espécies do gênero Achirus que ocorrem na costa

brasileira, apenas A. lineatus e A. declivis foram registradas no estuário do Rio

Formoso (Paiva et al., 2009), embora Araújo et al., (2004) também cite A. achirus

para a região nordeste do país. A inexistência de informações sobre as

características diagnósticas das formas larvais de Achirus que ocorrem na área

estudada (Richards, 2006) impossibilitam afirmar com exatidão a espécie

abordada neste estudo.

A ocorrência de larvas ao longo de todo o ano indica que na região a

atividade de desova desta espécie é contínua no complexo estuarino do Rio

Formoso, com um provável pico em dezembro. No estuário do Rio Caeté (norte do

Brasil), Achirus também predominou neste mês, que ocorre durante a estiagem,

com maiores valores de temperatura e salinidade (Barletta e Barletta-Bergan,

2009). Embora exista pouca informação disponível sobre o ciclo de vida de

Achiridae, os peixes dessa família são conhecidos por apresentarem atividade de

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desova mais intensa quando a temperatura da água é superior a 20°C (Futch,

1970). Temperaturas acima desse valor foram registradas no presente estudo, o

que pode explicar a coleta de larvas iniciais em quase todos os meses. A única

exceção foi junho/09, quando houve uma menor densidade, em um mês da

estação chuvosa.

Elevadas temperaturas promovem o aumento da taxa de crescimento,

resultando em um incremento no tamanho em que ocorre a metamorfose para

algumas espécies (Geffens et al., 2007), enquanto que a elevada temperatura

acelera a metamorfose em outras espécies, resultando a um menor tamanho em

que a metamorfose ocorre e período larval mais curto (Yamashita et al., 2001). Em

todo caso, a desova em estações mais quentes favorece o desenvolvimento e a

sobrevivência das larvas. Adicionalmente, elevada salinidade pode também

contribuir para uma maior densidade de larvas em estágios iniciais. Em espécies

de linguados que desovam em águas da plataforma externa e apresentam

migração para áreas costeiras durante a fase larval, experimentos em laboratório

indicaram que as larvas inicias não toleram baixa salinidade, ao contrário das

larvas pré-assentantes (Yamashita et al., 2001). Os dados obtidos para a área de

estudo suportam estas observações, uma vez que o recife, que é o habitat mais

distante da costa, apresentou a maior densidade de larvas recém eclodidas e em

pré-flexão. Esta elevada ocorrência prevaleceu na estação de estiagem e no

período noturno.

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109

Em condições hidrográficas favoráveis, uma sincronia é frequentemente

determinada entre eclosão das larvas e o ciclo de produção de plâncton, que

aumenta a sobrevivência de ovos e larvas pelágicas (Rijnsdorp et al., 1995).

Contudo, comparando, os dados de densidade larval no presente estudo com o

pico de produção primária registrados em estudos realizados por Honorato da

Silva et al (2004; 2009), realizados no mesmo estuário, esta sincronia não é

aparente. Dessa forma, a produção de plâncton pode não ser um fator limitante

para estas larvas na área em questão, provavelmente devido ao fato de ser um

estuário altamente produtivo (Honorato da Silva et al., 2009) a apresenta elevada

biomassa ao longo do ano.

As larvas realizam migrações verticais circadianas, concentrando-se na

superfície à noite e migrando para o fundo durante o dia. Este comportamento é

conhecido para muitas larvas de peixes como estratégia de alimentação e/ou fuga

de predadores visuais e pode estar associado à “selective tidal stream transport”

(STST), que é uma estratégia para exportação ou retenção através de migrações

verticais em sincronia com as marés (Boehlert e Mundy, 1988). Alguns estudos

tem documentado este comportamento, como a retenção de formas larvais de

espécies de Achirus, que migram para camadas mais profundas durante as marés

vazantes (Aceves-Medina et al., 2008) ou são mais abundantes durante a maré

enchente, sugerindo transporte rio acima (Barletta e Barletta-Bergan, 2009). A

zona estuarina inferior do Rio Formoso é um braço-de-mar, com grande

penetração de maré e inexpressiva influência fluvial (Lira et al., 1979). Esta

condição decorre da forte influência marinha e pode favorecer a retenção das

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larvas na coluna de água na zona estuarina. Neste caso as migrações verticais

seriam desencadeadas principalmente pelo fotoperíodo e não pela variação de

marés. No manguezal a densidade de larvas não foi significativamente

influenciada pelo período do dia, embora maiores médias tenham sido registradas

no período diurno. Provavelmente, o maior número de larvas capturadas neste

habitat foi devido à maior turbidez da água, maior no manguezal do que no recife

(Honorato da Silva et al., 2009), que reduz a visibilidade e, consequentemente a

evasão à rede (Lemke e Ryer, 2006).

Quase 90% das larvas coletadas estavam nos estágios de desenvolvimento

larval vitelino e de pré-flexão, com este último atingindo 78% do total. A

predominância de larvas mais iniciais é esperada devido à relação direta entre

duração do período larval e taxa de mortalidade (Van der Veer e Leggett, 2005).

Larvas em pré-flexão foram mais abundantes no recife e no prado durante a noite.

Este resultado corrobora com o padrão observado por Able et al. (2006); estes

autores estudaram o ictioplâncton na costa do estado de Nova Jersey (EUA) e

concluíram que 77% das larvas em pré-flexão foi coletado em estações costeiras e

a 90% das em pós-flexão foi coletado no estuário. No presente estudo, a maiorias

das larvas em pré-flexão foram coletadas no prado e no recife, enquanto que

larvas em pós-flexão foram coletadas principalmente manguezal. Uma vez que o

período de desenvolvimento larval é de aproximadamente um mês para algumas

espécies de Achirus (Ortíz-Galindo et al.,1990; Flores-Coto et al., 1992), nenhum

padrão sazonal (período chuvoso ou de estiagem) foi relacionado à ocorrência de

diferentes estágios larvais. Contudo, um elevado numero de larvas recém

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eclodidas chegaram ao primeiro ecossistema que habitam (o recife) na estação de

estiagem. A salinidade é mais baixa durante a estação chuvosa, que favorece a

sobrevivência de larvas maiores (Yamashita et al., 2001). As maiores larvas

coletadas no complexo estuarino do Rio Formoso ocorreram na estação chuvosa,

embora a densidade total das larvas tenha sido baixa em comparação com a

estação de estiagem.

Com o crescimento, as larvas tornam-se menos dependentes das

correntes, mas ainda podem beneficiar-se da STST na busca de um habitat

apropriado (Gibson, 1997). Contudo, a mudança de habitat apenas ocorrerá após

o desenvolvimento das estruturas que geram as habilidades necessárias à

sobrevivência. Existem evidências que indicam que o período da mudança

ontogênica de habitat está mais relacionado ao tamanho corpóreo do que à fase

de desenvolvimento (Fuiman, 1997), que nem sempre coincidem. O aumento

gradual no comprimento das larvas a partir do recife em direção ao manguezal é

um indicativo da sua migração da área de desova para seu provável habitat de

assentamento. Entre os habitats investigados, o recifal teve a maior concentração

de larvas, principalmente em estágios mais iniciais. Provavelmente, a eclosão

destes indivíduos ocorre em águas mais profundas da região marinha adjacente,

com correntes que favorecem a deriva de ovos e larvas em direção à costa.

Na área de estudo, a ictiofauna jovem que habita os prados de

fanerógamas da praia dos Carneiros foi estudada, porém nenhum espécime jovem

de Achiridae foi registrado (Pereira et al., 2010). Similarmente, um inventário

realizado na área recifal adjacente não registrou nenhum espécime desta família

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(Ferreira et al., 1995). Pequenos jovens de Achirus lineatus e A. declivis foram

coletados nas áreas mais internas associadas aos manguezais (Paiva et al.,

2009), sugerindo que estes manguezais representam um berçário em potencial

para estas.

A migração entre ecossistemas e consequente conectividade populacional

ocorre durante o estágio larval pelágico. A duração dos estágios de ovo e larva

precisa coincidir com o período de transporte necessário para garantir a

metamorfose (Van der Veer e Leggett, 2005). Por isso, a fase larval pelágica dos

Pleuronectiformes é mais crítico para a sobrevivência dos indivíduos do que a fase

jovem e adulta, uma vez que o assentamento no habitat bentônico ocorre em

berçários específicos (Gibson, 1997). A duração da fase pelágica em algumas

espécies da família é bastante curta – geralmente não ultrapassando 30 dias

antes do assentamento dos indivíduos (Ortíz-Galindo et al., 1990; Flores-Coto et

al., 1992). Além disso, muitas larvas pelágicas de Pleuronectiformes apresentam

uma natação bastante letárgica, correspondendo a apenas 1BL . sec-1 (Bailey et

al., 2005). Isto significa que uma larva em flexão, com cerca de 3 mm de

comprimento corpóreo, é capaz de realizar um percurso de apenas 260 m em um

dia, justificando a importância das migrações verticais na otimização do transporte

larval.

Conclui-se que os três habitats abordados no presente estudo são

utilizados pelas fases iniciais de Achirus, porém há uma tendência de segregação

de tamanhos, que indica uma movimentação dos recifes (local de desova) para o

manguezal (local de assentamento). A proximidade dos habitats estudados

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provavelmente favoreceu este movimento, resultando em uma conectividade entre

ecossistemas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados mostraram que a produção e o recrutamento das larvas para os

habitats costeiros ocorrem durante todo o ano e para a maioria das espécies de

peixes que vivem na região de estudo. As estações do ano determinam as

variações na abundância de ovos e larvas, porém a estrutura da comunidade não

é alterada em decorrência de mudanças nas condições ambientais das estações,

mesmo com a inclusão de um evento climático regional (enchente). . Contudo,

sugere-se que exista uma tendência anual de picos de produção larval durante o

período de estiagem. Algumas espécies parecem ter sido afetadas pela enchente,

contudo é necessário monitorá-las por um período mais amplo para avaliar com

mais precisão esta resposta.

A assembleia de larvas de peixes da região estuarina inferior do Rio Formoso é

bem diversa, com participação de muitas espécies de origem marinha. Porém, a

esta assembleia é dominada por poucas espécies, sendo a maior parte composta

por espécies estuarinas. Espécies marinhas migrantes, como aquelas do gênero

Eucinostomus e Lile piquitinga, são encontradas apenas em estágios mais

avançados, indicando sua movimentação a partir de áreas marinhas mais

externas.

O manguezal corresponde ao habitat com maior abundancia de larvas, sendo a

concentração de larvas tardias neste local mais elevada. A seleção do habitat de

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assentamento inicia-se ainda na fase larval, quando a larva busca um ambiente

ideal para o seu desenvolvimento e sua proteção. A concentração de pré-

assentantes de determinadas espécies, como Bairdiella ronchus, Achirus spp. e

Lile piquitinga, sugere que a área estudada o manguezal atua como berçário para

elas. Os dados também apontam para o prado como provável berçário de

Archosargus rhomboidalis. Por outro lado, a área recifal representa um ambiente

onde muitas larvas recém eclodidas estiveram associadas e, devido a sua posição

mais externa ao complexo estuarino, acredita-se que parte delas é composta por

espécies marinhas migrantes que estão entrando no estuário na busca por um

ambiente favorável ao seu desenvolvimento.

Algumas espécies, como Atherinella brasiliensis e Archosargus rhomboidalis,

estão fortemente associadas a um único habitat, sendo que a primeira foi

abundante no manguezal e a segunda no prado. O padrão exibido por estas

espécies indicam que perdas ou alterações nesses habitats podem resultar na

redução de suas populações através do impacto causado ao recrutamento dessas

larvas.

As espécies de Achirus exibiram uma tendência anual bem consistente, com picos

de densidade no período de estiagem e maior densidade larval durante a noite. A

segregação espacial dos estágios larval foi bem evidente, havendo uma tendência

de movimentação das larvas mais iniciais a partir dos recifes em direção ao

manguezal, onde as larvas pré-assentantes são mais abundantes. Sugere-se que

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este padrão de distribuição destas larvas, e de outras com padrões similares,

resulte na conectividade entre estes habitats através da exportação de biomassa

no tecido vivo. O quanto esta ligação entre os habitats, via movimentação das

larvas de peixes, pode aumentar o sucesso do recrutamento e a produção larval é

uma questão levantada a partir dos resultados obtidos e que necessita ser

investigada em nível específico.