Eugênio Barba

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Eugênio Barba | Teatro Antropológico Encontrar uma anatomia especial para o ator, ou seja, o seu "corpo extra-cotidiano". É através da antropologia teatral - "o estudo do comportamento cênico pré-expressivo que se encontra na base dos diferentes gêneros, estilos e papéis e das tradições pessoais e coletivas", que Barba vai encontrar esse "novo corpo", onde a presença física e mental do ator modela-se segundo princípios diferentes dos da vida cotidiana. O corpo todo pensa/age com uma outra qualidade de energia e ter energia significa saber modelá-la: "um corpo-mente em liberdade afrontando as necessidades e os obstáculos predispostos, submetendo-se a uma disciplina que se transforma em descobrimento." A utilização extra-cotidiana do corpo-mente é aquilo que ele chama de "técnica". Uma ruptura dos automatismos do cotidiano. Princípios aplicados ao peso, ao equilíbrio, ao uso da coluna vertebral e dos olhos e que produzem tensões físicas pré-expressivas, uma qualidade extra-cotidiana de energia que vai tornar o corpo teatralmente "decidido", "crível", "vivo". Desse modo, a presença do ator, o seu bios- cênico, conseguirá manter a atenção do espectador antes de transmitir qualquer mensagem. A força da "presença" do ator não é algo que está, que se encontra aí, à nossa frente. Eugênio Barba nos fala da "presença" como uma contínua mutação que acontece diante de nossos olhos. Julia Varley em "O Castelo de Holstero" - (1990)As técnicas cotidianas do corpo são em geral caracterizadas pelo princípio do esforço mínimo, ou seja, alcançar o rendimento máximo com o mínimo uso de energia. As técnicas extra-cotidianas, ao contrário, buscam o máximo de energia quanto mais mínimo é o movimento. Etimologicamente, energia significa "entrar em trabalho". Barba vai encontrar princípios comuns, recorrentes, que norteiam este estado pré-expressivo do ator e que se encontram por trás da representação em diferentes lugares e épocas, como: Equilíbrio um equilíbrio extra-cotidiano e que ele chama de "equilíbrio de luxo" ou equilíbrio permanentemente instável, que vai gerar uma

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Eugênio Barba | Teatro Antropológico

Encontrar uma anatomia especial para o ator, ou seja, o seu "corpo extra-cotidiano". É através da antropologia teatral - "o estudo do comportamento cênico pré-expressivo que se encontra na base dos diferentes gêneros, estilos e papéis e das tradições pessoais e coletivas", que Barba vai encontrar esse "novo corpo", onde a presença física e mental do ator modela-se segundo princípios diferentes dos da vida cotidiana. O corpo todo pensa/age com uma outra qualidade de energia e ter energia significa saber modelá-la: "um corpo-mente em liberdade afrontando as necessidades e os obstáculos predispostos, submetendo-se a uma disciplina que se transforma em descobrimento." A utilização extra-cotidiana do corpo-mente é aquilo que ele chama de "técnica". Uma ruptura dos automatismos do cotidiano. Princípios aplicados ao peso, ao equilíbrio, ao uso da coluna vertebral e dos olhos e que produzem tensões físicas pré-expressivas, uma qualidade extra-cotidiana de energia que vai tornar o corpo teatralmente "decidido", "crível", "vivo". Desse modo, a presença do ator, o seu bios-cênico, conseguirá manter a atenção do espectador antes de transmitir qualquer mensagem. A força da "presença" do ator não é algo que está, que se encontra aí, à nossa frente. Eugênio Barba nos fala da "presença" como uma contínua mutação que acontece diante de nossos olhos.

Julia Varley em "O Castelo de Holstero" - (1990)As técnicas cotidianas do corpo são em geral caracterizadas pelo princípio do esforço mínimo, ou seja, alcançar o rendimento máximo com o mínimo uso de energia. As técnicas extra-cotidianas, ao contrário, buscam o máximo de energia quanto mais mínimo é o movimento. Etimologicamente, energia significa "entrar em trabalho".

Barba vai encontrar princípios comuns, recorrentes, que norteiam este estado pré-expressivo do ator e que se encontram por trás da representação em diferentes lugares e épocas, como:

Equilíbrio

um equilíbrio extra-cotidiano e que ele chama de "equilíbrio de luxo" ou equilíbrio permanentemente instável, que vai gerar uma série de tensões no corpo e vai exigir um esforço físico maior, dando vida e dinamicidade à ação.

Dilatação

Eugênio Barba diz que um corpo - em - vida é mais que um corpo que vive. "Um corpo - em- vida dilata a presença do ator e a percepção do espectador (...) o corpo dilatado é acima de tudo um corpo incandescente, no sentido científico do termo: as partículas que compõem o comportamento cotidiano foram excitadas e produzem mais energia, sofreram um incremento de movimento, separam-se mais, atraem-se com mais força, num espaço mais amplo ou reduzido".

Energia

Barba define como "a potência nervosa e muscular do ator". Estudar a energia do ator, segundo ele, significa examinar os princípios pelos quais o ator pode modelar e educar sua potência muscular e nervosa, de acordo com situações não-cotidianas. No oriente vamos encontrar vários termos que designam energia e que Barba nos dá como exemplos: a palavra

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Koshi, no Japão, define a presença do ator em cena e refere-se a uma parte específica do corpo humano: ao caminhar, os atores bloqueiam o quadril, evitando que ele siga os movimentos das pernas. Dois tipos de tensões são criados no corpo - na parte inferior (as pernas que devem mover-se) e na parte superior (o tronco e a coluna vertebral), que está comprometida, forçando para baixo, sobre o quadril. Isto vai pedir um equilíbrio peculiar, onde o tônus muscular do ator é alterado, precisando usar muito mais energia e fazer maior esforço do que quando caminha cotidianamente. Em Bali, o termo usado para descrever a presença do ator, é Bayu, que significa "vento", "respiração" e que se refere à distribuição correta da energia. No teatro Butoh encontramos a energia da neblina, da água, da pedra. Em Zeami, fundador do Teatro Nô, encontramos três tipos de energia, pelas quais seus atores são guiados - velho, mulher, guerreiro - e que nada tem a ver com sexo, mas maneiras diferentes de usar o mesmo corpo por meio de diversos tipos de energia. No ocidente atribuímos ao termo "anima" a energia feminina e ao termo "animus" a energia masculina. Barba ainda nos diz que energia não é esse ímpeto externo, esse excesso de atividade muscular e nervosa, mas se "refere a algo íntimo, algo que pulsa na imobilidade e no silêncio, uma força retida que flui no tempo sem se dispersar no espaço."

Oposição

Onde cada ação é iniciada na direção oposta à qual se dirige, como na Ópera de Pequim. O termo hippari hai (japonês) significa puxar para você alguém que por sua vez lhe puxa. No corpo do ator esta oposição encontra-se entre a parte superior e a inferior e entre a anterior e a posterior. Em Bali, os atores-bailarinos constroem a sua presença cênica através da dança das aposições entre o forte, duro, vigor (Keras) e o delicado, suave, terno (Manis). Na Índia, o princípio da oposição é chamado tribhangi, que significa três arcos e tem a forma de um "S" (cabeça, tronco, pernas). Esta oposição acontece também através do trabalho com a resistência; por exemplo, ao ir para frente, o corpo é puxado para trás; ao ir para trás, o corpo é puxado para frente; ao descer, o corpo é puxado para cima, e assim, com cada parte do corpo, com as pequenas partes. A oposição entre uma força que empurra a ação e outra que a retém - uma série de regras que contrapõem uma energia usada no espaço a uma energia usada no tempo, é como se a ação não terminasse ali onde o gesto se detém no espaço, mas continuasse muito mais além.

Corpo Decidido

diferente de decidir - eu não decido, já estou decidido. "Sats" é a palavra usada por Eugênio Barba para designar esta qualidade corporal: momento no qual se está a ponto de agir, o instante que precede a ação no espaço, quando toda a energia já está aí, preparada para intervir, porém suspensa, e compromete o corpo inteiro do ator. É a mola antes de soltar, "o arco curvado e estirado antes da mira, a pressão das águas sobre o dique", como diz Decroux - impulso e contra impulso, estar "pronto para". Na linguagem de Meyerhold, Barba encontra o termo "predigra", ou pré - atuação para designar o "sats"; "a pré - atuação é precisamente um trampolim, um momento de tensão que se descarrega na representação. A atuação é uma coda (termo musical, em italiano no texto original), ao passo que a pré - atuação é o elemento presente que se acumula, se desenvolve e espera resolver-se." Para Grotowski este antimovimento "pode ser realizado em diferentes níveis, como uma espécie de silêncio antes

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do movimento, uma espécie de silêncio cheio de potencial, ou pode ser realizado como uma espécie de suspensão da ação num momento preciso". Barba ainda nos coloca o termo Otkas usado por Meyerhold, que significa "recusa" ou - "na linguagem musical - a alteração de uma nota em um ou dois semitons que interrompe a evolução da melodia e a faz voltar ao seu tom natural". Uma ação brevíssima no tempo, "no sentido contrário, oposta à ação total do movimento: o ato de recuar antes de andar para frente, a flexão antes de erguer-se. O princípio do Otkas implica a precisa definição dos pontos nos quais termina um movimento e se inicia outro, um stop e um go ao mesmo tempo. Otkas é um corte nítido, que suspende o movimento anterior e prepara o seguinte. Permite assim reunir dinamicamente dois seguimentos de um exercício, revela o movimento subseqüente, lhe dá impulso, como um trampolim." Em Bali o termo usado para o "sats", é tangkis - intervenção que permite ao ator evadir-se do ritmo que seguia e criar uma variação no desenho dos movimentos, pontos que separam uma frase da outra e "evitam" que o sentido se perca num fluxo indeterminado de palavras.