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eu não perdi a minha

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eu nãoperdi a

minha fé

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Belo HorizonteMedson Barros Barreto

2017

M e d s o n B a r r e t o

eu nãoperdi a

minha fé

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Diagramação e Capa:

Revisão:

Ilustrações:

Medson Barreto

Evelyn Santana

Washington Fabri

Copyright © by Medson Barreto, 2017

Bibliotecária Responsável: Ana Maria Silva CRB6/2359

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - (CIP)

B273e Barreto, Medson Barros.

Eu não perdi a minha fé / Medson Barros Barreto. — Belo Horizonte: Edição do autor, 2017.

160 p. : il.

ISBN: 978-85-922195-0-5

1. Vida cristã. 2. Biografia. 3. Teologia devocional. 4. Romance policial. I. Título.

CDD: 248CDU: 24

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo

fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita do autor.

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Dedico este livro à Pessoaque um dia prometeu cuidar de mim

e está cumprindo a promessa.

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sumário

Comece aqui 9Perdemos a fé

Capítulo 1 13Pessoas comuns

Capítulo 2 35O sonho tornou-se pesadelo

Capítulo 3 47Deus é cruelCapítulo 4 65Preparem meu caixão… e não me mandem flores

Capítulo 5 91Eu odeio a minha mãe

Capítulo 6 109Saco de pancadas

Capítulo 7 127Eu tenho um sonho!

Conclusão 149Eu não perdi a minha fé

Sou grato! 157Sobre o autor 159

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COMECE AQUI

PERDEMOS A FÉ

Este não é mais um livro de autoajuda. Ainda que você o tenha encontrado nesta seção da livraria. Também não é um manual sobre psicologia, filosofia ou teologia. Tampouco a autobiografia de um bem-sucedido artista, empresário, palestrante motivacional ou youtuber. Nas últimas páginas não haverá um parágrafo que diga “Hoje sou um homem milionário, tenho uma carreira de sucesso e alcancei o mainstream da fama”, pois nada disto seria verdade. Não sou um sobrevivente de guerra, nem uma daquelas admiráveis pessoas que nasceram com doenças degenerativas ou membros a menos, para escrever uma surpreendente história de superação.

Este livro não mudará o mundo, nem será considerado o mais incrível projeto humano. Aqui você não encontrará a fórmula do sucesso financeiro, as respostas a todas suas questões pessoais e dúvidas sobre Deus, ou as soluções para os problemas da política e da nação.

É bem possível que, até esta obra chegar a suas mãos, você sequer tenha ouvido a meu respeito. Sou uma pessoa comum. Aliás, é importante dizer que este livro se destina a pessoas comuns. Se você se considera extraordinário, por favor, não o leia.

Esta é a história de alguém que está aprendendo a viver pela fé.

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Talvez isto soe confuso e até ridículo para você. E não me dei-xa nem um pouco surpreso. Estamos em uma sociedade e vivemos tempos nos quais afirmar viver pela fé é algo absurdo, mesmo em ambientes chamados religiosos.

Mas como assim? Vemos cada vez mais igrejas cristãs. É só caminhar um pouco e encontrará um “templo” logo na esquina. As pessoas que se reúnem ali, cantam aquelas músicas e sentam-se para ouvir um discurso, têm fé; certo? Sinceramente, eu sinto que não. Não mais. O fato é que nós perdemos a fé.

O ateísmo e agnosticismo1 cresceram e vêm regendo a huma-nidade, de modo que considerar algo correto ou incorreto baseado em convicções de fé tornou-se bizarro. “A Bíblia não passa de um livro histórico”, dizem alguns. Daí nascem muitas das ideias libera-listas. “Não se trata do que você acredita, e sim do que você sente; o importante é ser feliz, então faça o que seu coração mandar e te der na cabeça”, é o que ouvimos e lemos com frequência.

Muitos cristãos passaram a ter medo de pronunciar-se e com-partilhar a fé. Experiências de fé não são mais assuntos presentes nas conversas. E, assim, tal qual o povo de Israel no deserto, mesmo tendo vivido e testemunhado o agir de Deus inúmeras vezes, co-meçamos a duvidar de sua existência, poder e bondade.

Queremos participar de grandes movimentos, sentir arrepios e ver alguém se levantar de uma cadeira de rodas durante um megae-vento com um pregador famoso. Quando isto não acontece, nossa crença se dissipa feito fumaça. Pois a fé parece ter se transformado apenas em uma ferramenta para, se possível fosse, manipularmos a Deus e obrigá-lo a realizar todas as nossas vontades.

Noutros momentos, acreditamos, sim, na onipotência de Deus, mas tentamos confiná-lo a uma caixinha e limitar as suas ações.

Temos dificuldade de crer sem ver. Cristãos — evangélicos

1 Postura neutra diante da existência de Deus. Considera os fenômenos sobre-naturais inacessíveis à compreensão humana.

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ou católicos — carecem de coisas visíveis, imagens, símbolos e ar-tifícios para acreditarem no invisível. Precisamos carregar conosco uma dúzia de objetos aos quais possamos nos apegar. Não que es-sas coisas em si sejam ruins. Porém, se a nossa crença depender de coisas que vemos, deixará de ser fé. Vale lembrar: “A fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos”2.

A fé é também uma questão de coerência entre a maneira que vivemos e a crença que professamos. Tiago escreveu, em sua carta, que “a fé é assim: se não vier acompanhada de ações, é coisa morta”3. Relatos de fé como os de Abel, Abraão, Noé e tantos outros vêm sempre acompanhados de ações. “Pela fé Abel ofereceu a Deus um sacrifício superior ao de Caim. Pela fé ele foi reconhecido como justo, quando Deus aprovou as suas ofertas.”4 “Pela fé Noé, quando avisado a respeito de coisas que ainda não se viam, movido por santo temor, construiu uma arca para salvar sua família.”5 “Pela fé Abraão, quando chamado, obedeceu e dirigiu-se a um lugar que mais tarde receberia como herança, embora não soubesse para onde estava indo.”6

Entretanto, declaramos possuir fé, mas tantas vezes, ao lidar-mos com a menor dificuldade, caímos no desespero, praguejamos e nos afastamos de Deus. Não agimos como quem crê. Nossas vidas não refletem o caráter, amor, ousadia e persistência que a fé em Deus deveria gerar em nós.

Além disto, somos a todo tempo questionados a respeito de como poderíamos depositar nossa confiança em um Deus, quando só o que vemos nos noticiários é violência, corrupção, crises e in-justiça. Nós nos perguntamos: “Onde está Deus? Se Ele existe, por que não faz nada?”

É difícil manter a fé diante da inesperada morte de entes que-ridos; quando você não sabe de onde virá o alimento de amanhã;

2 Hebreus 11.1 NVI (Nova Versão Internacional).3 Tiago 2.17 NTLH (Nova Tradução na Linguagem de Hoje).4 Hebreus 11.4 NVI.5 Hebreus 11.7 NVI.6 Hebreus 11.8 NVI.

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ao ver pessoas a quem ama acometidas de doenças incuráveis e desenganadas pela medicina; perante toda sorte de problemas, hu-milhações e injustiças; ao sentir que todos os seus esforços foram em vão; quando não possui mais forças para continuar e chega ao ponto de desejar tirar a sua própria vida.

Esta é a história de alguém que passou por tudo isto, mas manteve a fé e, por meio dela, pôde contemplar a realização de coisas que todos diziam ser impossíveis.

Eu te convido a sentar-se comigo à mesa da cozinha — en-quanto, quem sabe, bebemos um café e comemos alguns pães de queijo7 — e conhecer a minha história. A história de quem pode declarar: Eu não perdi a minha fé!

7 Como um bom mineiro.

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CApítUlO 1

pessoas comuns

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Ano de 1946. Em uma ensolarada manhã de domingo, num vilarejo ao sul da Bahia, o fazendeiro conhecido como Chiquinho despediu-se de sua esposa e quatro filhos, selou seu cavalo e pre-parava-se para partir, quando foi surpreendido por alguns parentes acompanhados de um desconhecido. O homem identificou-se como missionário Lucídio.

A contragosto, Chiquinho os levou à cozinha e sentou-se para ouvir o que o homem queria dizer. A conversa durou horas. Usan-do uma Bíblia, o missionário apresentou-o aquilo que chamava de “evangelho de Jesus Cristo”. Ao final, convidou-o a reconhecer Je-sus como salvador e entregar sua vida a Ele. Chiquinho já era um homem religioso, no entanto, estava ouvindo algo que parecia ser absolutamente novo.

Desconfiado e precavido, ele pediu um prazo de três dias. “Vou rezar, e se o que este Lucídio está dizendo for mesmo verdade, Deus, de algum jeito, vai me responder”, pensou.

Passados três dias, Chiquinho tomou a decisão que mudaria o rumo não somente de sua história, mas também a de sua família.

As pressões vieram de imediato. Houve quem o oferecesse uma fazenda para que renunciasse sua fé. Meses depois, quando a mãe faleceu, seus irmãos o acusaram dizendo que ela não suportara o desgosto pela rebeldia do filho. Chiquinho, porém, não se deixou abalar.

Nas duas décadas seguintes, sua esposa concebeu mais deze-nove bebês. Alguns deles faleceram nos primeiros meses de vida. Sobrevivendo, ao todo, dezesseis filhos. Chiquinho deslocou-se com sua numerosa prole por diversas cidades, até, por fim, transfe-rir-se para Belo Horizonte, Minas Gerais, em abril de 1961.

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— O mesmo Deus que está com a gente aqui, também estará com a gente lá — respondia, quando questionado sobre a incerteza da mudança.

Para sustentar a família, em companhia dos filhos, trabalhou vendendo frutas e verduras pelas ruas; e, em outra época, atuou como servente de pedreiro.

Educou os filhos na igreja, onde se dedicou nos últimos 24 anos de vida. Era conhecido por estar sempre sorrindo, ser um ho-mem de coragem, que jamais se permitia abater pelas lutas e di-ficuldades, grande conselheiro e evangelizador. Por onde passou, iniciou congregações cristãs, ajudou a construir prédios para igrejas e auxiliou famílias carentes. Já não era chamado de Chiquinho, e sim Francisco Barreto.

Certo domingo, após assistir ao musical apresentado por um coral de adolescentes, Francisco deixou o auditório da igreja, ex-pressando a amigos uma de suas frases costumeiras:

— Isso é um verdadeiro banquete!Em casa, sua família o aguardava, mas ele não apareceu. A

madrugada se estendeu à sua procura em casas de amigos, hospitais e pelas ruas. Nada.

No dia seguinte, um de seus filhos retornou à igreja. A faxineira correu para lhe pedir ajuda, pois, aparentemente, encontrara um doente no banheiro masculino. O jovem abriu a porta e deparou-se com o pai de joelhos diante do vaso sanitário. A tampa estava fe-chada e sobre ela jazia uma Bíblia. Seu corpo estava frio. O tronco ereto, a gravata afrouxada. Não havia pulsação.

No bolso de sua camisa, encontraram um bilhete que mencio-nava o versículo 5 de Hebreus 11, onde está escrito: “Pela fé, Eno-que foi levado para o céu sem ver a morte; ‘ele desapareceu porque Deus o levou para junto de si’. Porque, antes de ser levado, ele era conhecido por agradar a Deus”1.

A fé deixa um legado.

1 Hebreus 11.5 NVT (Nova Versão Transformadora).

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Sempre me impressionei com a famosa Galeria dos Heróis da Fé. O capítulo 11 de Hebreus tornou-se um dos meus textos bíbli-cos prediletos e, provavelmente, o que mais li durante a vida. Na infância, quando ouvia histórias de homens como Davi, Josué ou Sansão, viajava no tempo e me imaginava estando no lugar deles. Enxergava-me derrotando o soldado Golias, gigante, forte e bem--treinado, com apenas uma pedrinha2; derrubando uma inabalável muralha só com a força de meus pulmões3; lutando sozinho contra exércitos inteiros4.

Via aquela extensa lista de homens e mulheres como espé-cies de sobre-humanos. Em pregações e estudos que por vezes eu ouvia, parecia existir algo místico em torno daqueles personagens. Ser como um deles? Impossível! Eram pessoas que alcançaram um patamar tão elevado, que eu, mero mortal, jamais poderia atingir. Afinal, tratava-se de super-heróis, como aqueles que a gente vê nas revistas em quadrinhos, no cinema e na TV. E eu não passava de um garoto comum, tímido e franzino.

Demorei a compreender que os Heróis da Fé são seres-hu-manos. Possuíam, sim, qualidades notáveis, porém, como você e eu, também eram cheios de defeitos e cometeram muitos erros. Estão relacionados nesta galeria porque, a despeito de suas fraquezas, for-talecidos pela fé, tiveram significativas experiências com Deus.

“O Justo viverá pela fé.”5 O profeta Habacuque, 600 anos an-tes de Cristo, havia escrito esta frase. O apóstolo Paulo repetiu duas

2 1 Samuel 17.3 Josué 6.4 Juízes 15.10-20.5 Habacuque 2.4.

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vezes6. O autor da carta aos Hebreus reafirmou7 e foi ainda mais longe, dedicando um capítulo inteiro para nos conclamar a ter uma vida guiada pela fé. Mais tarde, esta mesma frase inspirou a Refor-ma Protestante.

Você e eu também podemos fazer parte da galeria dos heróis da fé.

Não conheci meu avô paterno. Francisco Barreto faleceu cinco anos antes de meu nascimento. Tenho pouca ideia de sua aparência, pois o máximo a que tive acesso, até agora, foram duas ou três fotos. Em sua Biografia — uma única página datilografada e amarelada — não citaram como se vestia, quais bens possuíra ou o que deixou de herança em sua conta bancária. A maior homenagem que ele recebeu foi ter uma rua batizada com seu nome, em uma região isolada e pouco conhecida de Belo Horizonte.

Ao falar sobre meu avô em reuniões de família, ou quando en-contro pessoas que o conheceram, tudo o que mencionamos é sua firme confiança em Deus. Francisco, ou Chiquinho, plantou uma semente de fé. Seu testemunho foi capaz de influenciar gerações, filhos, netos e bisnetos. “Embora esteja morto, por meio da fé ainda fala.”8

Experiências como as dos Heróis da Fé bíblicos, o exemplo de meu avô e de tantas outras pessoas com quem tive o privilégio de conviver, tornaram-se como óculos para mim.

Aprendi a enxergar a vida pela perspectiva da fé.

O livro está apenas começando. Vamos para a próxima página? Ainda tenho outras histórias para compartilhar com você.

6 Romanos 1.17; Gálatas 3.11.7 Hebreus 10.38.8 Hebreus 11.4c NVI.

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UMA MOçA dE fé

Eram 5h da manhã. Estava escuro, todos da casa dormiam. A pe-quena menina de 10 anos levantou-se e caminhou pelos cômodos tentando não fazer barulho. Abriu a porta da frente e atravessou a rua. Estacou diante do casarão e leu a faixada, unindo as letras que aprendera com a mãe. Encontrava-se perante uma igreja. Seguiu pelo chão de terra ao lado do prédio e entrou pela porta dos fundos. O salão ainda estava vazio. “Melhor assim.” Não queria ser notada, preferia passar despercebida.

Ela lembrava-se nitidamente dos anos anteriores e das cons-tantes mudanças de cidade em cidade, vilarejo em vilarejo, no inte-rior do Paraná, à procura de uma vida melhor.

Recordava-se de seu pai realizar uma confraternização em gratidão a Deus por ter dado saúde à sua irmãzinha, após uma complicada gravidez e uma série de doenças. E do pai testemu-nhando em um culto a cura de outra filha, que fora acometida por paralisia infantil. Sabia que seus pais acreditavam em um Deus. Várias vezes vira o pai ajoelhado e de olhos fechados, conversando com alguém em uma sala vazia.

No entanto, estas não eram as únicas memórias que percor-riam sua mente. Recordava-se de ser espancada pelo pai no dia de seu aniversário; do sangue escorrendo por seu corpo, quando a fivela do cinto perfurara suas costas e barriga; e de ser carregada moribunda, primeiro em uma carroça, depois em um ônibus, até ao hospital. Presenciara o pai descontrolado, em inúmeras situações, agredindo sua mãe e irmãos. Brigas, gritos, choro e sangue eram cenas que repercutiam em sua mente.

Lembrava-se da mãe ensinando-a ler e de frequentar a es-cola sem que o pai soubesse. Quando este descobrira a verdade, a menina escondeu-se, com medo de mais uma vez ser surrada. Mas em vez disso, viu no rosto do pai um sorriso orgulhoso e, nas mãos, um grande embrulho repleto de materiais escolares. Não se esque-cera dos presentes e brinquedos, dos divertidos contos folclóricos

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ao redor da fogueira e dos momentos em que o pai tanto lhe de-monstrava carinho.

Recordava-se ainda da tempestade de neve que destruíra a plantação da família e da longa viagem de pau-de-arara9 do Paraná até a cidade de Boa União de Itabirinha, interior de Minas Gerais.

Assim como fizera nos dias anteriores, a menina escolheu um canto discreto e se ajoelhou. Em sua oração, que durou ininter-ruptas quase duas horas, contou a Deus todos os seus problemas. Pediu pela restauração de sua família, pelo pai, por saúde para sua mãe e irmãos e por comida. Acreditava que Deus podia atendê-la. Tinha fé.

O dirigente da reunião começou a cantar uma canção. A me-nina abriu os olhos e sentou-se no banco. Quando olhou para o lado, viu o pai, de joelhos e aos prantos. Ele sorriu sem graça e a abraçou.

Os anos se passaram, a menina cresceu. A adolescência, depois da mudança para Belo Horizonte, aos 13 anos, também foi regada de ferrenhas lutas, doenças, problemas familiares e toda sorte de necessidades. O pai estava cada vez pior. As crises epiléticas e agressões eram frequentes.

A volta para casa, onde morava com seus pais e dez irmãos, após a escola ou o trabalho, era algo que ela pouco desejava. Afastou-se da igreja e, nos finais de semana, reunia-se com amigos em cinemas, bares ou boates. Tudo o que a década de 70 podia oferecer a uma adolescente. Entretanto, via-se pouco à vontade em tais lugares.

Experimentou uma sequência de relações frustrantes. A últi-ma delas foi com um rapaz considerado o sonho de muitas mulhe-res, bonito, talentoso e estável financeiramente. Tudo estava pronto para o casamento. A cerimônia marcada, a casa construída, mó-veis e enxoval. A seguir, o rapaz tornou-se um alcóolatra. As brigas

9 Meio de transporte irregular, que consiste em adaptar caminhões para o trans-porte de passageiros.

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aconteciam a cada encontro. Enfim, depois de uma discussão em público, o rapaz, embriagado, atingiu-a com um forte tapa no braço. A garota então retirou a aliança e aos gritos o abandonou. Estava decepcionada. Prometeu a si mesma que jamais se relacionaria com outra pessoa. Queria ficar para sempre só.

Decidiu buscar uma igreja à qual pudesse integrar-se. Foram semanas visitando inúmeras congregações, até encontrar um lugar onde fosse acolhida. Acreditava que agora, ao dedicar-se a Deus, sua vida se tornaria melhor. Contudo, o que passaria nos anos se-guintes seria uma das mais intensas provações de sua existência.

As pressões começaram através de sua mãe.— Ou você sai daquela igreja ou sai da minha casa — ela

sentenciou.Porém a moça não quis arredar o pé. Na tentativa de uma con-

ciliação, separou seu quarto do restante da casa. Não queria ficar longe dos irmãos.

Um dia, seu pai saiu para o trabalho e não retornou. Fami-liares, a polícia e amigos empenharam semanas à sua procura. Em vão. A garota desenvolveu uma doença de pele, estranhos caro-ços cobriram todo o seu corpo. Tentara todo tipo de tratamentos, mas nada resolvia. Seus dois irmãos mais velhos abandonaram os empregos e viciaram-se no álcool e em jogos de azar. Não foram poucas as vezes em que ela os encontrou estirados pelas ruas. A prefeitura desapropriou a casa onde moravam para construir uma avenida. O processo de indenização era moroso, todavia a obra não podia parar. Em pouco tempo, todas as casas à volta tinham sido demolidas e o fornecimento de água e energia interrompidos. No mesmo período, a mãe e três de seus irmãos mais novos adoeceram e precisaram ser internados por semanas.

A moça retornou para casa próximo à meia-noite. As pernas vacilantes, não tinha mais forças para continuar. Estava exausta de toda aquela situação. Cansara-se de tanto orar e não obter resposta alguma. Deitou-se no sofá e, olhando para o céu através da janela, clamou a Deus por misericórdia.

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— Se o Senhor existe, mude este quadro da minha vida! — orou.

Naquela noite, ela teve um sonho. Sua mãe saíra do hospital e a levava para conhecer uma nova casa. As paredes eram brancas e, na frente, havia um jardim. Ela acordou assustada. Passou a manhã pensativa. O barulho de máquinas e tratores trabalhando lá fora estava insuportável.

Às 10h alguém bateu na porta. A moça foi atender. Seus olhos não acreditaram no que viram. Era sua mãe.

— Filha, ontem à meia-noite eu fui curada! — ela disse. Logo cedo havia saído do hospital, recebera parte da indenização e tinha quase por certo a compra de uma nova casa. — Hoje mesmo vamos nos mudar daqui.

Nos próximos dias os irmãos também tiveram alta. Sua do-ença de pele melhorara. O pai fora encontrado; descobriram que ele retornara ao Paraná, após ter um lapso de memória. Os irmãos mais velhos venceram o alcoolismo. E a nova propriedade da famí-lia era exatamente como a que a moça viu em seu sonho.

Deus, no momento devido, atende àqueles que o buscam com fé.

Anos mais tarde, a moça recebeu uma visita do pai. Já idoso, ele sentou-se à mesa da cozinha. A cabeça baixa, os olhos marejados.

— Minha filha, eu vim aqui te pedir perdão — disse. E em um longo discurso enumerou todos os maus-tratos e erros que come-tera na função de pai. — Sempre tive um arrependimento muito grande pelas coisas que fiz com você. Ficava tentando te dar pre-sentes, te recompensar, mas nada tirava a minha culpa.

Ela não conteve as lágrimas, enquanto o abraçava e aos solu-ços dizia que já o perdoara. Nenhuma mágoa guardava no coração.

— Não vamos mais nos ver… — ele anunciou, ao se despedir. Pressentia sua própria morte. Tinha paz com Deus. — Ainda pre-ciso conversar com sua mãe e seus irmãos. Não quero partir deven-do nada a ninguém.

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Estas foram as últimas palavras que ela ouviu do pai, Benício Vieira Gurgel.

A fé leva ao arrependimento e perdão.

Na chamada Semana Santa do ano de 1981, a moça viajou para Montes Claros, norte de Minas Gerais, com um grupo de sua igreja. O objetivo era realizar um projeto missionário na cidade com duração de três dias. As equipes foram divididas, mesclando membros da igreja local e do grupo visitante. Os líderes definiram as duplas, que trabalhariam juntas no primeiro momento.

Ela percorreu os olhos em volta, procurando a quem se uniria. Viu um rapaz bem-aparentado, magro, cabelos pretos com alguns fios grisalhos e olhos verdes. Ele sorriu e se aproximou.

— Qual seu nome?— Maria Barros — ela respondeu. — E você?— Eu me chamo Edson. Edson Barreto.

UM RApAZ dE fé E ApAIXONAdO

Décimo segundo filho de uma família de dezesseis irmãos, Edson Barreto dividia o tempo entre trabalhar e dedicar-se a ministérios e projetos da igreja. Em dias de folga, em que costumava visitar ami-gos ou parentes, quando dava por si, já estava trabalhando de novo. Consertava utensílios domésticos e resolvia problemas elétricos ou hidráulicos. Não cobrava nada por isso, seu prazer era servir.

Possuía trinta anos, e, até então, namorara uma única vez, mas a relação durou pouco. Viajou a Montes Claros de forma despre-tensiosa. Contudo, aqueles dias tinham despertado algo novo den-tro de si. Voltou para casa com o coração batendo mais forte.

Todo o grupo parecia ter notado. Soube que sua aproximação daquela moça de óculos, morena, magra e cabelos castanhos na al-tura dos ombros gerou um burburinho entre os amigos. Todos per-

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ceberam, menos Maria. Edson até sentou-se a seu lado no ônibus, na volta a Belo Horizonte. Ela pouco caso fez de sua companhia, encostou-se à janela e adormeceu.

Não frequentavam a mesma igreja, o que para ele jamais seria um empecilho. Logo, começou a criar oportunidades para vê-la. Fez de tudo tentando conquistá-la. Visitava sua casa com frequên- cia, mas raramente a encontrava, pois estava trabalhando, estudan-do ou em outros compromissos. A senhora Regina Barros o recebia bem. Pelo seu olhar, estava claro que também já desconfiava de suas intenções com a filha. Edson sempre tinha em mãos uma infinida-de de presentes — discos de vinil, fitas cassete, chocolates, flores, livros, revistas…

Quando viajava a trabalho, enviava cartões postais, assinados “do amigo Edson”. Foi assim que Maria passou a considerá-lo. Um amigo, nada mais.

— Pretendo ficar sozinha. Não quero me casar com ninguém. — Ela era enfática.

Certa vez, Edson viajou a Vitória, Espírito Santo, para prestar uma prova de supletivo. Imagine só com quem ele por acaso se en-controu. De longe avistou seu sorriso. Parecia que tudo o direcio- nava a ela.

Os anos passaram como um sopro. Dentro em pouco com-pletou três anos e sete meses que a conhecia. O sentimento não diminuíra, no entanto suas chances estavam cada vez menores.

Um dia, Maria o surpreendeu ao dizer:— Edson, eu vou me mudar em breve. Irei morar sozinha e

não quero que você me visite mais. Não pega bem pra uma moça solteira receber um rapaz, sem ninguém por perto.

Aquilo foi como um soco em seu estômago. Ficou mudo. Na-quela noite, ele mal dormiu. Precisava fazer alguma coisa. Se iria tomar uma atitude, teria de ser imediata.

Terça-feira, 29 de novembro de 1984. Edson acordou deci- dido. Como o faria? Ainda não tinha certeza. Foi até a casa de sua

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amada. Maria o recebeu, porém continuou posta perante a máqui-na de costura, confeccionando roupas que venderia nas semanas anteriores ao Natal. Não estava disposta a conversar. O que con-tribuiu para que Edson ficasse ainda mais ansioso. Ele andava de um lado ao outro no pequeno cômodo. No rosto avermelhado, um sorriso nervoso.

— Desembucha! — Maria pediu impaciente, interrompendo o trabalho. — O que aconteceu? Parece que um gato comeu a sua língua! Pare de andar pra lá e pra cá. Está me deixando tonta.

— É que… Eu vou me casar — ele anunciou, a voz trêmula.— Casar? — Maria arregalou os olhos. — É mesmo? Nem

sabia que você tinha namorada. Quem é a felizarda?Edson sorriu, aproximou-se e disse:— É você.Maria caiu na gargalhada.— Você enlouqueceu? Só pode estar de brincadeira. Casar co-

migo?!— Sim, Maria. Eu quero me casar com você. Fiquei medi-

tando nestes dias em tudo o que você me falou. Não é bom você ir morar sozinha. Eu não posso ficar sem sua amizade, gosto muito de você. Sempre quis te namorar, mas você só me cortava. Eu te amo, Maria! Quero fazer você feliz. Ser seu companheiro e esposo por toda a vida. Quer casar comigo?

— Edson, não posso me casar com você. Eu não te amo. Nun-ca me imaginei como sua esposa. Te amo apenas como um amigo, um irmão.

Ele respirou fundo e, depois de sucessivos argumentos, fez sua última tentativa.

— Olha, você não precisa me responder agora. Vou te dar uma semana para pensar e se decidir.

Maria concordou. Ele se despediu e foi embora.

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Aqueles foram os sete dias mais longos de sua juventude. No dia marcado, se reencontraram. Edson estava cheio de esperança. Maria refletira sobre a proposta e dedicara os últimos dias em ora-ção. De súbito, propôs-lhe alguns desafios. Se tudo desse certo, sa-beria que Deus aprovava aquela união.

A certidão de nascimento de Edson estava em péssimo esta-do, amassada, rasgada e mofada; normalmente teria de tirar uma segunda via. No desafio lançado por Maria, o cartório precisaria aceitá-la mesmo naquelas condições. O casamento religioso teria de acontecer, no mais tardar, no princípio de janeiro; a igreja e o pastor deveriam concordar e ter uma data disponível para a reali-zação.

Prontamente, Edson dirigiu-se ao cartório. E para sua sur-presa, aceitaram os documentos. Mesmo resistente e desconfiado, o pastor concordou em realizar a cerimônia e abriu uma data no calendário da igreja.

Um mês, era o tempo que teriam para organizar todas as coi-sas. Encomendaram os convites e as alianças. Contrataram o fotó-grafo, compraram o vestido de noiva e convidaram os padrinhos. Amigos e familiares os presentearam com quase tudo o que preci-savam. Alugaram uma pequena casa — a mesma que Maria tinha reservado —, adquiriram os móveis e eletrodomésticos.

A cerimônia aconteceu no dia 5 de janeiro de 1985.

A fé te possibilita a concretização de sonhos que você imaginava que nunca

se realizariam.

Os convidados estavam perplexos. Ninguém acreditava que Edson Barreto ainda se casaria. Ele, todavia, manteve a fé. Confia-va que se fosse esta a vontade de Deus, de uma forma ou de outra, aconteceria. Enfim, agora, era um homem casado.

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CASAl pERfEItO?

Muitas mulheres arrependem-se do casamento após alguns anos. Maria Barros arrependeu-se no primeiro dia. As semanas que se passaram entre a risória proposta e a cerimônia foram uma grande peça de teatro. O espetáculo se encerrara, era hora de voltar à reali-dade. Quando acordou no domingo e encarou o homem deitado a seu lado na cama, ela percebeu a loucura que havia cometido.

Existe casamento perfeito? Maria sabia que não. Aliás, casar e ser feliz eram duas ideias que pareciam não caber na mesma frase.

— Amor é convivência — Edson dizia.Contudo, permanecer a seu lado só despertava nela o senti-

mento oposto. Em vez de o marido cercá-la de carinho, agia feito uma criança mimada.

Como esposa, ela se empenhava. Arrumava-se, dava o melhor de si na cozinha e a casa estava sempre impecável. Porém, Edson percorria os olhos, procurando defeitos em tudo. “Afinal, sou sua esposa ou funcionária?”, ela se perguntava.

“Casamento é pra vida toda”, foi o que aprendera. Não se esque- cera dos votos feitos diante de todas aquelas testemunhas. “Sim: maldita resposta.” O que as pessoas diriam caso se separasse? O jeito era manter as aparências. Esforçar-se para, ao menos em público, fingir ser uma mulher realizada que amava o marido.

No segundo ano, veio a inesperada gravidez. Edson a tratava com total desdém. Não lhe prestava o devido auxílio. Importava-se muito mais em cuidar dos pais em detrimento da esposa. O período de gestação consistiu-se em idas e vindas a hospitais. Descontroles de pressão arterial, vômitos constantes e dores por todo o corpo. Logo estava anêmica e fraca. O corpo parecia não suportar. Havia probabilidades de o bebê nascer deficiente, talvez surdo. Diversas vezes ouvira sugestões para abortar a criança. Algo que ela jamais faria; amava o filho, mesmo antes de tê-lo em seus braços.

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— Eu não me importo — Maria respondia. — Se for preciso, eu aprendo a língua de sinais pra falar com ele.

Diariamente orava pelo menino. Clamava a Deus por seu desenvolvimento e saúde, seus futuros trabalhos, ministérios e seu casamento. Sentia que talvez não fosse viver para vê-lo crescer, por isso, precisava de antemão pedir por tais coisas.

Maria recordava-se da mensagem que certa manhã ouvira em um programa de rádio. “Jesus pode transformar a água de seu casa-mento no melhor vinho.” Sabia o que significavam essas palavras. Depositava nas mãos de Deus cada um de seus problemas.

Estava no nono mês; o bebê nasceria em breve. O telefone tocou, Maria foi atender. Uma desconhecida voz feminina pediu para falar com Edson Barreto. Não podia deixar recado, a conversa precisava ser pessoal. “Já entendi por que ele me trata com tanto des-prezo. Esse safado tem outra mulher!” A desconfiança tomou conta de sua mente.

“Divórcio! Será a melhor solução.” Tinha nojo do casamento. Não suportava mais aquela vida de angústias. Preferia criar o filho sozinha. Sem que ninguém soubesse, conseguiu uma casa para alu-gar e um carreteiro que transportaria os móveis que ela adquirira. O futuro ex-marido não poderia questionar.

Edson estava em casa quando alguém chamou no portão.— Vim buscar a mudança — anunciou o homem.Maria já estava preparada para abandoná-lo, planejara tudo às

escondidas. Edson não permitiria. Cancelou o serviço do motorista e acompanhou a mulher de volta à sala de estar. Ela descarregou de uma só vez todas as suas mágoas e objeções. Edson ouvia tudo de cabeça baixa.

Sentaram-se. Ele chorava. Explicou que jamais a traíra; a moça com quem Maria conversou por telefone ligou apenas para cobrar uma dívida. Edson reconheceu suas falhas e falta de carinho. Prometeu mudar de atitudes. A partir de então, faria de tudo para construir uma família feliz, com ela e o filho.

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Aquela seria a última chance. Maria decidiu esperar e ver até onde iriam as promessas do esposo. Ela o perdoou. Cria que Deus estava no controle da situação.

O filho não viera na data prevista. Sofrendo os descasos do sistema público de saúde, o casal foi ao hospital três vezes e ouviu que ainda não chegara o momento certo de o bebê nascer. Não havia contrações o bastante.

Aproximava-se de incríveis dez meses e meio de gestação. 08 de junho de 1987. Voltaram outra vez ao hospital. Não importava o que os médicos dissessem, Maria Barros só retornaria para casa com o filho.

Internaram-na na enfermaria, até que as contrações aumen-tassem. Passaram-se horas, ela sentiu uma forte dor na barriga. Di-rigiu-se até ao banheiro. O que saiu foi uma estranha gosma preta. A enfermeira veio examiná-la. As contrações atingiram o auge.

Tudo à volta começou a girar. Seu estado de consciência se dissipou. Viu pessoas empurrando-a em uma maca às pressas pelos corredores até a sala de parto. Ouviu alguém pedi-la para respirar fundo e apagou.

Ao longe, escutou o suave canto de um coral. Ela abriu os olhos, encontrava-se no prédio de uma igreja. Guiando-se pela me-lodia, subiu as escadas e aproximou-se das portas. O som parecia estar mais perto. Abriu uma fresta para assistir ao grupo. Todos vestiam roupas brancas. O maestro tinha cabelos longos e usava uma túnica também branca. Algumas pessoas acenaram para que ela se aproximasse.

Encerraram a apresentação da primeira música. O maestro virou-se.

— Irmã Maria, venha cantar com a gente!— Não posso. Eu não ensaiei — ela balbuciou. — E não te-

nho uma roupa branca.

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— Venha! Você ensaiou, sim — o maestro respondeu, entre-gando-lhe uma túnica. — Cante com a gente.

— Eu… Posso?— É claro que pode!Maria sorriu. Vestiu sua nova roupa e caminhou em direção ao

reluzente coral. Uma indescritível alegria a inundou.De repente, sentiu um forte choque no peito. E outro. E mais

outro. Tudo voltou a ficar escuro. Ela esforçou-se para abrir os olhos.

— Vocês estão tentando me matar! — protestou.Estava deitada na maca, os membros da equipe médica abra-

çavam-se e comemoravam.— Não, Maria. Nós estamos te ajudando — um deles respon-

deu.— Ajudar? Eu ia cantar com um lindo coral…— Maria, você não pode ir cantar em coral nenhum. Precisa

cuidar de seu filho.“Meu filho!” A visão do coral foi tão profunda que lhe ofuscou

a memória. Agora era mãe. Deu à luz um filho. Não permitiram que o visse tão logo, mas tinha certeza que o menino estava bem. Deus cuidaria de tudo.

Cinco dias depois, um médico entrou no quarto. As notícias não eram as melhores. Maria fora acometida com uma elevada in-fecção no sangue. Não fora possível realizar um parto normal, so-mente o procedimento a fórceps10. O bebê nascera completamente desnutrido e fragilizado; necessitava de aparelhos para respirar e se alimentava através de uma sonda. Precisaria passar por uma cirur-gia nos pulmões; na qual possuía poucas chances de sobrevivência.

— Se ele não resistir, não fique triste — argumentou o mé-dico. — É melhor que ele morra, pois dificilmente terá uma vida

10 É o parto via vaginal no qual se utiliza um instrumento cirúrgico semelhante a uma colher, que é colocado no canal genital da mulher, ajustando-se nos lados da cabeça do bebê para ajudar o obstetra a retirá-lo.

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normal. Vai ficar inutilizado. Só daria trabalho pra família. Aquelas palavras transpassaram seu coração tal qual uma es-

pada. “Como ele pode dizer uma coisa dessas?”— Em nome de Jesus, eu e meu filho vamos sobreviver! Deus

vai nos curar — Maria afirmou confiante.

Creia, mesmo que tentem roubar-lhe as esperanças.

Naqueles dias, várias igrejas mobilizaram-se. Cultos, vigílias e reuniões de oração foram realizadas.

As visitas não cessavam. Foi preciso um segurança ser desig-nado para vigiar o quarto de Maria Barros. Este, certa tarde, aju-dou-a a se levantar e, abrindo a janela, mostrou-lhe uma multidão de mais de cem pessoas à frente do hospital. Eram seus amigos, irmãos em Cristo, que estavam ali clamando a Deus pela recupera-ção dela e do filho.

— Quem é você? — perguntou o funcionário, surpreso.— Eu sou filha do rei — Maria respondeu, sorrindo.O segurança espantou-se.— Qual rei?— Do rei Jesus!

Vinte e um dias se passaram. A infecção que tomara todo o corpo de Maria pôde ser tratada. O menino foi curado. Não pre-cisou enfrentar nenhuma cirurgia. Respirava e se alimentava nor-malmente.

Edson abraçou a esposa e tomou o filho nos braços. Estavam em casa agora. As intensas experiências das semanas recentes con-tribuíram para que aprendesse a amar e valorizar a mulher.

Como o menino se chamaria? Edson lembrava-se do nome de uma pequena farmácia que vira em uma viagem. A palavra for-mava uma junção de seus nomes. Ele escreveu na folha de papel, completando com seu sobrenome e o de sua esposa — “Madson Barros Barreto”.

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fAMílIA QUASE COMplEtA

A despeito do esperado pelos médicos, Madson possuía uma saúde perfeita. Edson Barreto e Maria Barros amavam-se como nunca. Viviam feito dois adolescentes apaixonados. O relacionamento do casal não podia estar melhor. Formavam uma família feliz e admi-rada por todos que os conheciam.

Maria não deveria ter mais filhos, era a recomendação médica. Uma nova gravidez seria de alto risco para a mãe e a criança. Não quis passar por uma cirurgia de laqueadura11, preferiu fazer o pro-cedimento de inserção do DIU12. Continuou fazendo uso de medi- camentos por meses para recompor-se após o parto traumático.

Nos primeiros anos da infância, Madson apresentava uma sé-rie de transtornos psicológicos. A perda dos avôs paterno e mater-no, aos quais se apegara, contribuiu para os sintomas se agravarem. Dormia pouco, frequentemente tinha pesadelos, acordava assustado e tremendo de medo. Não queria comer, sequer doces e guloseimas que crianças normais aceitariam. Era agressivo, gritava com os pais, quebrava louças e vasos de plantas. Tratou-se com psicólogos e psi-quiatras por anos.

O menino sentia-se só. Era a única criança da família. Seus primos da mesma idade moravam longe. Devido às constantes mu-danças de casa, não tinha amigos na vizinhança. Brincava sempre sozinho.

Os pais oravam diariamente pelo filho. Faziam de tudo para tranquilizá-lo e mostrar que o amavam. Ainda assim, Madson demorou tempos para se abrir e expressar o que sentia.

Desejava ter um irmãozinho. Então, teria uma companhia. Como aprendera com a mãe, começou a orar a Deus pedindo por isto.11 Consiste no método de esterilização feminina caracterizado pelo corte e ligamento cirúrgico das tubas uterinas, que fazem o caminho dos ovários até o útero.12 O dispositivo intrauterino (DIU) é um instrumento anticoncepcional inserido no útero, por um médico.

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Cinco anos se passaram. Maria fora diagnosticada com uma infecção no útero. Precisaria retirar o DIU para fazer o tratamento. Pediu ao médico que a receitasse um comprimido anticoncepcio-nal, porém este afirmou que com o órgão naquelas condições, seria impossível engravidar.

Sua saúde piorou. Voltou a frequentar hospitais. A barriga co-meçou a inchar. Realizaram um ultrassom. Edson saltou de alegria e, ao mesmo tempo, preocupou-se, quando viu na tela a imagem do feto em perfeito estado. Maria estava grávida.

O período de gestação foi de repouso absoluto e acompanha-mento médico semanal. Familiares e amigos cercavam-na de cui-dados e carinho. Madson estava feliz e ansioso para o irmão nascer. Acariciava e beijava a barriga da mãe. Agora não ficaria mais so-zinho.

Passados os nove meses de gestação, chegou o esperado mo-mento. O sistema público de saúde estava em greve. Edson acom-panhou a esposa até ao hospital mais próximo de casa, ignorando as faixas na entrada que anunciavam a paralização.

Quinta-feira, 26 de agosto de 1993. O prédio estava vazio, mas havia médicos de plantão. Às 22h, pela segunda vez na vida, Maria foi finalmente encaminhada à sala de parto.

Outro nascimento complicado. Não havia dilatação suficiente para um procedimento normal. A pressão arterial era muito instá-vel para ser autorizada uma cesariana. Mesmo sendo ilegal, o mé-dico decidiu realizar o parto a fórceps.

Três dias depois, Maria aguardava sentada em um banco, à porta do hospital, com o bebê nos braços e o filho primogênito ao lado, enquanto Edson chamava um táxi.

Surge a questão: Qual nome o menino receberia? Ainda não fora definido. A escolha seria responsabilidade do pai, este era o combinado.“Edson Júnior” — carregou este nome no bolso até o cartório. Ainda não estava satisfeito. Foi quando lhe veio a grande

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ideia. “E se unisse a letra ‘M’ de ‘Maria’ ao nome ‘Edson’?” Nem se deu conta de que por pouco usava o mesmo raciocínio que compôs o nome do primeiro filho. O mundo recebia, então, Medson Barros Barreto.

De fato, sou fruto de uma família de fé.

Ao olhar para as experiências de minha família, me vem à mente a conhecida frase de Isaac Newton: “Se consegui enxergar mais lon-ge é porque estava apoiado sobre ombros de gigantes”.

Você não encontrará seus nomes nos livros de história. Não são grandes físicos, cientistas ou filósofos. São pessoas comuns, como eu e você, que por viverem a fé, puderam presenciar o extra-ordinário agir de Deus.

Sim, estou de pé sobre os ombros de meus pais e avós. O que sou, o que penso e se hoje escrevo este livro que está em suas mãos, em grande parte, é graças a essas pessoas. Por isso, não poderia deixar de honrá-los, dedicando-lhes este capítulo.

Pessoas comuns podem se tornar heróis da fé.

Ainda está cedo. Que tal dormir um pouco mais tarde hoje? Acredito que os próximos capítulos vão tirar o seu fôlego.