Etologia

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ETOLOGIA I. O QUE É ETOLOGIA 1. Introdução Os animais e seu comportamento sempre despertou o interesse do ser humano. No alvorecer da história humana, muito desse interesse estava fundamentado em necessidades práticas. Nossos ancestrais teriam maior sucesso na caça – fonte de alimentos e peles para abrigo e vestimenta - se conhecessem os segredos de sua conduta, os limites de sua percepção, táticas de fuga, locais mais freqüentados e rotas de migração. As pinturas em cavernas, produzidas por populações humanas muito antigas, retratam o interesse do homem paleolítico pelo comportamento animal. Muitos antropólogos acreditam que essas representações serviriam para rituais religiosos e para o ensino das novas gerações sobre o comportamento dos animais e técnicas de caça. E hoje, milhares de anos depois, não é muito diferente. Continuamos nos fascinando com a conduta dos animais, nos espantando e surpreendendo com seu estilo de vida, exaustivamente apresentado por documentários televisivos, que sempre tem uma audiência garantida. Instintivamente procuramos nos cercar deles, os trazemos para dentro de nossas casas e agora muitos lutam pela sua sobrevivência. Talvez tudo isso seja um reconhecimento inconsciente de nossa natureza biológica e origem animal. E ainda hoje o interesse pelo comportamento animal continua sendo estimulado por necessidades práticas e lucrativas. Com esse conhecimento alguns ganham a vida adestrando animais, outros descobrem formas melhores de combater pragas e cientistas desvendam mistérios do próprio comportamento humano, aplicados pela Psicologia, pela Psiquiatria, pela Sociologia e pela Pedagogia. 2. Importância dos estudos etológico. Por que estudar hoje o comportamento animal? Depois de tantos séculos de convivência e observação dos animais, havia algo ainda para se aprender sobre o seu comportamento? Na verdade sim. E muito! Principalmente porque durante muito tempo e até mesmo atualmente são inúmeros os que assumem que os animais são como nós e lhes atribuem sentimentos e emoções humanos. Não é raro que digamos que nosso cão se sinta “culpado” quando o encontramos em nossa cama ou que nosso gato está “ciumento” das crianças. Costumamos tratar aos animais de estimação como membros da família e atribuímos aos animais selvagens atributos como astúcia, crueldade ou coragem. Ainda que tais interpretações do comportamento animal possam ser aceitáveis pelo público em geral, elas não são científicas, nem levam a um conhecimento profundo e realístico da natureza, além de criar alguns problemas. Essa visão antropocêntrica, que assume que os animais sejam como nós ignora um fato básico: tal como os humanos, elas também são únicos. Em certo sentido podemos ser como os animais, mas em muitos outros somos definitivamente diferente deles. O conhecimento científico do comportamento animal – algo relativamente novo na história humana – leva-nos a ver os animais como organismos dotados de seus

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ETOLOGIA

I. O QUE É ETOLOGIA

1. Introdução Os animais e seu comportamento sempre despertou o interesse do ser humano. No alvorecer da história humana, muito desse interesse estava fundamentado em necessidades práticas. Nossos ancestrais teriam maior sucesso na caça – fonte de alimentos e peles para abrigo e vestimenta - se conhecessem os segredos de sua conduta, os limites de sua percepção, táticas de fuga, locais mais freqüentados e rotas de migração.

As pinturas em cavernas, produzidas por populações humanas muito antigas, retratam o interesse do homem paleolítico pelo comportamento animal. Muitos antropólogos acreditam que essas representações serviriam para rituais religiosos e para o ensino das novas gerações sobre o comportamento dos animais e técnicas de caça.

E hoje, milhares de anos depois, não é muito diferente. Continuamos nos fascinando com a conduta dos animais, nos espantando e surpreendendo com seu estilo de vida, exaustivamente apresentado por documentários televisivos, que sempre tem uma audiência garantida. Instintivamente procuramos nos cercar deles, os trazemos para dentro de nossas casas e agora muitos lutam pela sua sobrevivência. Talvez tudo isso seja um reconhecimento inconsciente de nossa natureza biológica e origem animal.

E ainda hoje o interesse pelo comportamento animal continua sendo estimulado por necessidades práticas e lucrativas. Com esse conhecimento alguns ganham a vida adestrando animais, outros descobrem formas melhores de combater pragas e cientistas desvendam mistérios do próprio comportamento humano, aplicados pela Psicologia, pela Psiquiatria, pela Sociologia e pela Pedagogia.

2. Importância dos estudos etológico. Por que estudar hoje o comportamento animal? Depois de tantos séculos de convivência e observação dos animais, havia algo ainda para se aprender sobre o seu comportamento?

Na verdade sim. E muito! Principalmente porque durante muito tempo e até mesmo atualmente são inúmeros os que assumem que os animais são como nós e lhes atribuem sentimentos e emoções humanos. Não é raro que digamos que nosso cão se sinta “culpado” quando o encontramos em nossa cama ou que nosso gato está “ciumento” das crianças. Costumamos tratar aos animais de estimação como membros da família e atribuímos aos animais selvagens atributos como astúcia, crueldade ou coragem.

Ainda que tais interpretações do comportamento animal possam ser aceitáveis pelo público em geral, elas não são científicas, nem levam a um conhecimento profundo e realístico da natureza, além de criar alguns problemas. Essa visão antropocêntrica, que assume que os animais sejam como nós ignora um fato básico: tal como os humanos, elas também são únicos. Em certo sentido podemos ser como os animais, mas em muitos outros somos definitivamente diferente deles.

O conhecimento científico do comportamento animal – algo relativamente novo na história humana – leva-nos a ver os animais como organismos dotados de seus próprios atributos e não dos nossos. No lugar de presumirmos que os animais “pensam como nós”, devemos, isso sim, é “pensar como eles”, com frieza e objetividade. Somente assim descobriremos a verdade.

Por mais paradoxal que possa parecer, enquanto alguns humanos teimam em fazer animais viverem como humanos – crendo que pensam e sentem como nós -, conseguem, na verdade, fazer muitos humanos viverem como animais, ignorando completamente seus pensamentos e sentimentos.

A tarefa de desfazer mitos e falsas compreensões já é uma primeira e principal motivação para o estudo científico do comportamento animal. Ademais, tal estudo pode trazer outras importantes contribuições para a humanidade.

Graças às pesquisas com animais foi possível aumentar o conhecimento sobre nós mesmos, no que se refere aos processos básicos da aprendizagem, às motivações humanas mais profundas (fome, sede, reprodução), ao funcionamento dos órgãos do sentidos e aos fatores que influenciam no desenvolvimento da inteligência nos primeiros anos de vida.

Os animais, cujo comportamento normal havia sido bem estudado, serviram de modelos para entender como o sistema nervoso funciona, para a análise dos efeitos comportamentais de drogas e poluentes, bem como para o desenvolvimento de medicamentos para desordens neurológicas como ansiedade, esquizofrenia, depressão e dependência de drogas.

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3. Conceito de EtologiaEtologia: o estudo científico do comportamento animal A disciplina dedicada ao estudo do comportamento animal recebe o nome de Etologia, termo que provêm do grego êthos (conduta, costumes, comportamento) e lógos (estudo, tratado).

A Etologia é uma combinação de estudos de laboratório e de campo com um forte caráter interdisciplinar, combinando conhecimentos de neuroanatomia, ecologia e evolução.

E por outro lado, ela integra-se intimamente com outras disciplinas, principalmente das Ciências Humanas, fornecendo valiosas contribuições.

A partir do desenvolvimento da Etologia, algumas novas disciplinas se estruturaram, como a Paleo-etologia humana, que tenta reconstruir o comportamento dos hominídeos fósseis. Outra delas é a Etoprimatologia (ou Etologia de Primatas), dedicada ao estudo do comportamento dos primatas não humanos atuais, os quais apresentam padrões de comportamento que poderiam ter pertencido aos nossos ancestrais.

Dois exemplos de comportamentos de primatas que despertam o interesse da Etoprimatologia são a forma de estrutura social de babuínos e as habilidades técnicas exibidas pelos chimpanzés.

Os métodos de estudo e aspectos do comportamento analisado não são uniformes e universais, variando conforme a corrente de pesquisa à qual o cientista mais se identifica, dentre as que surgiram ao longo da história da Etologia.

4. Histórico da Etologia e suas correntesA conflituosa história da Etologia Ainda que Darwin – o grande criador da Teoria da Evolução – tenha se esporadicamente dedicado aos estudos comportamentais, inclusive escrevendo o livro A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, o primeiro a realmente romper com a visão antropocêntrica foi o zoólogo inglês Conwy Lloyd Morgan, que no final do século XIX criou o Princípio da Parcimônia, pelo qual o cientista deve procurar a explicação mais simples e objetiva para o comportamento observado, a que presume uma menor capacidade do animal na escala psicológica.

Morgan lançou o seu Princípio da Parcimônia em 1894 no livro Introdução à Psicologia Comparativa, afirmando literalmente que "em nenhum caso podemos interpretar uma ação como o resultado do exercício de uma faculdade psíquica mais elevada, se puder ser interpretada como o resultado do exercício de uma que está mais abaixo na escala psicológica."

Os fundadores da observação científica do comportamento foram o fisiologista alemão Jacques Loeb, o fisiologista russo Ivan Pavlov e o psicólogo norte-americano John B. Watson que estabeleceram as linhas mestras de seus métodos nos primeiros anos do século XX. Entretanto, seus estudos estavam limitados e dirigidos pelos interesses específicos da psicologia e da fisiologia

Embora muitos naturalistas e zoólogos tenham estudado alguns aspectos do comportamento animal, a moderna ciência do comportamento animal surgiu como uma disciplina distinta a partir de 1920, com os estudos dos biólogos Nikolaas Tinbergen (na Holanda) e Konrad Lorenz (na Áustria) e teve seu marco inaugural em 1937 quando surgiu, na Alemanha, a primeira revista científica dedicada ao comportamento animal.

A consagração e reconhecimento científico vieram para a Etologia na forma de um prêmio Nobel entregue em 1973 a Tinbergen, Lorenz e também ao alemão Karl von Frisch, que desvendou a linguagem das abelhas.

A partir desse momento, surgiu uma encruzilhada na história da Etologia que colocou a descoberto um componente da atividade científica pouco conhecida do público em geral: o confronto de idéias.

O estudo convencional das Ciências pode criar a falsa impressão de que a verdade científica é única e unanimemente aceita, e que todos os cientistas que estudam um mesmo tema e buscam a mesma descoberta pensam da mesma forma.

Em muitas áreas científicas os pesquisadores alinham-se em correntes e escolas com concepções distintas e até mesmo hostis entre si. E é o que ocorre com relação ao estudo do comportamento animal.

Ao longo dos quase cem anos de desenvolvimento da Etologia podem ser identificadas duas grandes correntes de pesquisas, conhecidas como comportamentalismo e etologismo. Elas são distintas quanto ao ponto de partida, enfoque de pesquisa, metodologia e interpretação dos comportamentos observados.

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4.a. O comportamentalismo No início do século XX, o psicólogo norte-americano John B. Watson começou a rejeitar a abordagem introspectiva e as idéias de psiquiatras como Freud de que a causa dos comportamentos humanos sejam apenas os fenômenos mentais, imateriais por natureza. Como alternativa, propunha que o comportamento era uma resposta a alguma estimulação ambiental. Suas idéias tornaram-se logo muito difundidas, o que resultou no surgimento de uma corrente psicológica denominada comportamentalismo, também conhecida como behaviorismo (derivada do inglês behavior, comportamento).

Um marco na abordagem experimental moderna ao estudo do comportamento foi o livro Behaviorismo, publicado por J. B. Watson em 1924.

Seguindo os princípios de Watson, vários psicólogos experimentais norte-americanos passaram a se interessar em estudar os animais apenas como um modelo para o comportamento humano, como meio para descobrir as leis científicas que regem o comportamento e assim poderem molda-lo e controla-lo de forma prática.

A influência dos estudos da fisiologia do sistema nervoso, a partir dos quais surgiram os pressupostos teóricos do comportamentalismo faz com que estes cientistas, ao observar os comportamentos, perguntassem como?, buscando os mecanismos fisiológicos que desencadeiam e executam os comportamentos. Dessa forma, procuravam descobrir as causas imediatas dos comportamentos.

Nascia assim uma nova corrente de estudos do comportamentos animal, o comportamentalismo, que herdou seu nome, enfoque e métodos dos psicólogos.

Tendo o interesse mais voltado para a aprendizagem, acreditando ser essa a principal fonte dos comportamentos e influenciada pelo ambiente, limitavam-se ao estudo de poucas espécies animais, sempre submetidas a condições artificiais e controladas em laboratório. Dessa forma ignoravam aqueles aspectos do comportamento que não podiam ser quantificados e medidos com precisão.

Os comportamentalistas tem como principais instrumentos de pesquisa os labirintos e a caixa de Skinner, nome dado em homenagem ao seu criador B. F. Skinner, um grande cientista dessa corrente.

4.b. O etologismoDe origem européia, os etologistas (etólogos seguidores da corrente do etologismo) procuram estudar os animais em

ambientes naturais sem intervenção alguma, geralmente desde discretos esconderijos. Interpretam os comportamentos como uma forma de adaptação ao ambiente e resultado do processo evolutivo. Centram o interesse nos estímulos que evocam os comportamentos e nas motivações que o controlam.

De uma forma simplista, pode-se dizer que para os etologistas a principal fonte do comportamento são os instintos, o repertório de comportamentos que os animais herdam das gerações anteriores.

Dessa forma, os etologistas não estão interessados em problemas que se relacionam com o aprendizado e, embora reconhecessem que seus animais eram capazes de aprender, geralmente ignoram ou excluem este dato de suas teorias e explicações.

A orientação teórica da corrente etologista tem como ponto de partida a constatação por parte de Darwin de que assim como o corpo dos animais, também os padrões de comportamento estão sujeitos aos processos seletivos da evolução. Em decorrência de suas origens darwinistas, ao observar os comportamento, a primeira pergunta formulada pelos etologistas é por que? Ao perguntarem por que os estorninhos cantam, os etologistas priorizam a busca das causas últimas do comportamento, que se resume em determinar por que o comportamento evoluiu dessa forma e não de outra.

A formulação clássica dos princípios e métodos etologistas foi criada com os trabalhos de Konrad Lorenz e de Nikolaas (Niko) Tinbergen, que as resumiu em seu livro de 1951, O Estudo do Instinto. Nele, Tinbergen mostra que os padrões complexos de comportamento podem surgir sem grande influência de algum processo de aprendizado, bastando que eles sejam ativados por certos “sinais de estímulos”, que receberam o nome de estímulo-sinal. Eles são determinados por uma programação interna inata, própria da espécie.

Tinbergen descobriu o poder do estímulo-sinal ao observar que o filhote recém-nascido de uma gaivota prateada tem “acionado” o seu comportamento de pedir alimento quando vê uma mancha alaranjada, típica do bico dos pássaros adultos.

Lorenz, por sua vez, ao descobrir o fenômeno da estampagem, pelo qual certas “marcas” são gravadas (ou estampadas) na memória do filhote, pôde demonstrar de que forma a experiência é capaz de dirigir ou determinar o desenvolvimento de comportamentos inatos.

Lorenz percebeu o papel da estampagem quando foi instintivamente adotado como “mãe” por uma ninhada de gansos, justamente por ter sido o primeiro objeto móvel, a primeira “marca”, com a qual se depararam assim que saíram do ovo.

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O etologismo ampliou-se nos últimos anos passando a abranger a observação sistemática do comportamento humano, especialmente das crianças, já que, a princípio, elas têm menor repertório de comportamentos socialmente determinados e aprendidos. Também tem discutido questões como a origem e controle da violência, o caráter inato das expressões faciais e de outras formas de comunicação não-verbal.

Podemos visualizar as principais diferenças entre as duas correntes da Etologia comparando-as em poucas palavras.

Comportamentalismo Etologismo

Local de origem Estados Unidos EuropaComportamento como produto do (a)

Ambiente Genética

Fonte do comportamento Aprendizagem InstintosBusca as causas Imediatas ÚltimasMétodo de estudo Experimento em laboratório Observação em ambientes

naturais.Principal objetivo Descobrir como moldar e

controlar o comportamentoEntender como a Evolução e a Ecologia moldaram os comportamentos.

Espécies estudadas Poucas Muitas

4.c. O confronto Inicialmente, cada uma dessas correntes ignorou as descobertas da outra, mas depois da Segunda Guerra Mundial, quando a comunicação entre os cientistas europeus e norte-americanos voltou a se estabelecer com maior facilidade, começaram as disputas e ambas tenderam a adotar posições mais radicais e intransigentes.

Os conflitos e diferenças entre as duas principais correntes da Etologia nada mais retratavam do que um embate entre diferentes visões de mundo e uma disputa ideológica entre duas proeminentes escolas da Psicologia. E a aspereza com que esta disputa foi conduzida era alimentada, sobretudo, pelas diferentes filosofias dos antagonistas que tinham como ringue os congressos científicos internacionais e como armas artigos científicos e livros dirigidos para o público em geral.

A escola comportamentalista da Psicologia, fundamentada numa abordagem experimentalista da Psicologia, considerou o experimento controlado a única fonte legítima de conhecimento. Dessa forma, diziam, os métodos empíricos (observação e interpretação dos comportamentos à luz da evolução e da ecologia) adotados pelos etologistas deveriam figurar entre as especulações filosóficas e portanto como “não-científica”. E os acusavam de considerar o rótulo “instintivo” como uma explicação em si mesma, e de aplicar este rótulo demasiado rapidamente e sem evidências suficientes.

Do outro lado do ringue, os etologistas – amparados pela escola estruturalista da Psicologia - queixavam-se de que a maioria dos comportamentalistas ignorava o comportamento de qualquer outro animal que não fosse o rato branco ou o pombo. Eles sugeriam que a realidade do instinto seria muito mais óbvia para qualquer pessoa que pudesse afastar-se de uma caixa de Skinner para observar uma colméia de abelhas ou um pássaro em seu ninho.

As desavenças começaram a ser superadas graças a pesquisas científicas realizadas por cientistas que procuraram ir além da polêmica entre aprendizado e instinto.

Uma das mais significativas delas foi realizada por Marler e Tamura que estudaram o desenvolvimento do canto no pardal de coroa branca, que atraiu o interesse por seu canto apresentar diferenças regionais, como fossem “dialetos”, facilmente reconhecíveis.

O pardal de coroa branca, Zonotrichia leucophrys, um pequeno pássaro nativo da costa oeste dos Estados Unidos, do mesmo gênero que o nosso tico-tico, nunca imaginou que cantando daria uma grande contribuição a Etologia, ajudando a diminuir as distâncias entre duas correntes opostas.

Diante desse fato, os comportamentalistas diriam que o canto específico do pardal de coroa branca seria totalmente aprendido dos machos adultos daquela região e que as diferenças regionais teriam surgido por falhas no processo de aprendizagem e transmitido assim por gerações. Os etologistas, por outro lado, afirmariam que o canto é um ato estritamente instintivo, herdado geneticamente e que as diferenças regionais seriam o resultado de mutações que ocorreram ao longo de séculos de isolamento das distintas populações do pássaro.

Para comprovar o que seria mais importante no desenvolvimento do canto, Marler e Tamura criaram isoladamente em salas aa prova de som, machos jovens de diversas regiões. Eles cresceram sem poderem ouvir o seu “dialeto”. E todos

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acabaram cantando versões muito semelhantes e simplificadas do canto normal e que seria o padrão básico de canto dessa espécie. O mesmo ocorria quando cresciam ouvindo cantos de pássaros de outras espécies próximas. Mas quando os jovens cresciam ouvindo o “dialeto” de outra região, aprendiam-no perfeitamente.

Isso demonstrou que o desenvolvimento do canto partia de um padrão básico de canto instintivo, complementado pela aprendizagem do “dialeto” local. Portanto, o comportamento não dependia apenas da aprendizagem ou somente dos instintos.

A publicação dos resultados da pesquisa de Marler e Tamura em 1964 causou um forte impacto e fez os membros das duas correntes ficarem muito perplexos e pensativos...

4.d. Uma paz possível? Depois das descobertas com o pardal de coroa branca, várias outras se seguiram, confirmando como eram sutis e complexas as interações entre tendências herdadas e o aprendizado na produção do comportamento tal como o observamos. O resultado disso foi uma reavaliação, por parte das duas correntes, de suas posições e uma maior aproximação entre elas.

Os etologistas estão agora mais cautelosos em confirmar suas teorias com experimentos, utilizam modelos matemáticos na análise e descrição do comportamento e dirigem cada vez mais sua atenção ao papel da aprendizagem e a influência do ambiente. Os comportamentalistas estão utilizando uma variedade maior de animais, estudando-os em uma variedade bem maior de situações e reconhecem que a evolução faz com que as espécies adquiram comportamentos diferentes e próprios.

Por princípio, qualquer conflito parece algo extremamente danoso, especialmente na Ciência. Mas é surpreendente observar que, neste caso, o saldo pode ser considerado positivo pois ambos os lados obtiveram bons resultados e até beneficiaram-se mutuamente com uma disputa que mais esclareceu do que confundiu. Isso porque ela fez com que cada corrente aprofundasse mais em aspectos distintos do comportamento – que hoje sabemos que se complementam - e criasse novos conceitos e modelos, na tentativa de conseguir o argumento definitivo para dobrar o adversário. Tudo isso forma hoje o cabedal comum do conhecimento etológico, uma rica e variada herança proveniente dos dotes de duas famílias que se hostilizavam, mas se uniram em casamento.

A principal parte dessa herança é a Ecologia Comportamental, uma disciplina científica que sintetiza as abordagens do comportamentalismo e do etologismo, centralizando sua atenção na interação dos organismos no ambiente natural. Ela desenvolveu-se muito nos últimos trinta anos procurando tanto desvendar os mecanismos fisiológicos e hormonais dos comportamentos, como o seu valor adaptativo em termos de evolução.

Hoje em dia já é unanimemente aceito que a disciplina científica dedicada ao estudo do comportamento animal receba o nome de Etologia, independente da corrente que se siga.

5. Métodos de estudo

Como qualquer ciência, a Etologia possui um vasto arsenal de métodos de estudo e recursos a disposição dos etólogos. Eles são meios para conduzir os estudiosos à descoberta da verdade científica.

Não há um método que sempre seja o mais certo. Cada um deles tem suas qualidades e limitações, mas devem ser combinados e usados com critério de forma a conseguirem responder a pelo menos uma das quatro questões básicas sobre o comportamento animal:

1. O que faz um animal realizar um certo comportamento?

2. Como o comportamento muda ao longo da vida do animal?

3. Qual é a história evolutiva do comportamento?

4. Como o comportamento ajuda o animal a sobreviver e se reproduzir com sucesso?

5.a. Observação naturalistaO procedimento mais simples e básico para a obtenção de informações sobre o comportamento animal é a observação

naturalista, realizada de uma forma discreta no ambiente natural do animal estudado. Através dela pode-se descrever o que realmente os animais fazem, o estado mais puro e bruto de seu comportamento, e não o que queremos ou limitamos a que façam, o que pode acontecer no laboratório.

A observação somente está completa quando se realiza o registro do que foi observado. Como o cientista não pode confiar cegamente na memória, que prega tantas peças em nossas vidas, ele precisa tomar nota rapidamente do que observa.

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Tradicionalmente, usa para isso o caderno de campo, uma pequena caderneta onde pode anotar o que vê, suas idéias e hipóteses.

A observação tornou-se sofisticada nos últimos anos e os cadernos de campo foram suplantados pelos computadores portáteis (laptops e assistentes pessoais) e complementados por outras formas de registro, como as filmagens.

Pesquisas que envolvem o canto de pássaros exigem um equipamento adicional, além dos binóculos e roupas camufladas: a antena parabólica acoplada a um microfone direcional e um gravador.

Qualquer que seja a tecnologia que se use no registro, o importante na observação é que o observador tenha o discernimento para distinguir o que é um aspecto importante do comportamento do que é completamente irrelevante. Isso inclui a capacidade de relacionar os estímulos ambientais aos comportamentos desencadeados por eles.

A limitação do método de observação naturalista é que os dados obtidos podem ter um caráter apenas casual, algo que ocorre de forma isolada, imprevisível e não repetitiva. Informações desse tipo são se prestam a análises e menos ainda a comprovação, tornado-se, portanto, sem valor científico.

5.b. Observação controlada Para superar a limitação importa pela observação naturalista, os cientistas recorrem a observação controlada. Nela o animal é colocado em um laboratório que reproduz as condições naturais, porém permitindo que se manipulem algumas variáveis do ambiente, como temperatura, iluminação e presença de alimentos ou predadores. Mantendo constante algumas variáveis e manipulando outras é possível conseguir informações mais esclarecedoras e resultados passíveis de repetição.

Não é nada agradável ficar acordado durante toda a madrugada para observar o comportamento de hamsters, animais de hábito noturno. Mas em condições controladas é possível, manipulando a iluminação, inverter o ciclo de atividade do animal e analisa-lo confortavelmente durante o dia.

Em condições controladas é possível registrar estímulos que nem sempre podemos perceber, mas muitos animais sim. As abelhas podem enxergar na faixa do ultravioleta e detectar a luz polarizada, os pombos são capazes de perceber campos magnéticos pouco intensos, alguns peixes percebem campo elétricos, muitos animais podem ouvir ultra-sons e os cães e alguns insetos respondem a odores que dificilmente sentiríamos.

Outra vantagem desse método é a oportunidade que oferece de observar o comportamento de várias espécies simultaneamente e em justaposição, o que facilita as comparações e generalizações.

O risco da observação controlada é a da indução a formulação de questões biologicamente irrelevantes, para um animal que está em um ambiente totalmente artificial.

5.c. O EtogramaO objetivo final da observação, seja ela naturalista ou controlada, é a elaboração de um etograma. O etograma é um

inventário dos comportamentos de uma espécie, com os comportamentos detalhadamente descritos e organizados em categorias (instinto, aprendizado, comportamento agressivo, territorial, reprodutivo, alimentar, social e de defesa). Ele coloca o repertório de comportamentos em uma estrutura organizada que permite aos etólogos entenderem como cada comportamento ajuda o animal a sobreviver, acasalar e conseguir alimentos. Os etogramas são também um valioso instrumento que auxilia aos cientistas na análise da evolução do comportamento, pois facilitam a comparação entre espécies de uma mesma linha evolutiva.

Uma das maneiras de apresentar os dados estruturados no etograma e coletados na observação é através da tabela de uso do tempo. Nela se exibe a seqüência dos comportamentos no período de observação. Com esses dados é possível calcular a porcentagem de tempo dedicado a cada atividade e determinar se há padrões de comportamentos associados e seqüenciais.

Espécie: Mus musculus Observadores: Silva e Souza

Data: 09 de Setembro de 2000 Horário: 14:00–15:00

Condições: luz natural, aquário de 30 litros. Comentários: macho adulto no 21

Categorias de Comportamento

Tempo Andar Dormir Comer 14:02 x 14:04 x 14:06 x 14:08 x

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14:10 x 14:12 x 14:14 x 14:16 x 14:18 x 14:20 x

Há duas maneiras de se descrever o comportamento e elaborar um etograma. A descrição estrutural detalha a aparência e forma física do comportamento em termos de posturas, movimentos e sons. Uma descrição estrutural simplificada de um aperto de mão dirá que é um comportamento que ocorre entre dois seres humanos que se postam de pé um diante do outro, estendem os braços direitos na direção do outro, com a mão aberta, que se fecha ao contato com a palma da mão do outro.

A descrição significativa relata o significado dos comportamento em termos dos efeitos e conseqüências que produz sobre o próprio sujeito, sobre o ambiente e sobre outros organismos. No caso do aperto de mão, uma descrição significativa o retrataria como uma cerimônia de cumprimento que aproxima os indivíduos e inicia outras formas de interação interpessoal.

5.d. Experimentos Há situações em que o interesse não está dirigido ao comportamento “natural”, mas a uma parte dele ou a sua relação a fatores ambientais. Então pode-se recorrer a experimentos em laboratório, em condições totalmente artificiais. Inclusive pode-se treinar aos animais a adotarem comportamentos novos para eles, como apertar uma barra em uma caixa de Skinner para receber alimento. É um recurso importante para se descobrir as leis que regem o processo de aprendizagem.

Ademais, com esse tipo de montagem experimental, quando se treina o animal para um determinado estímulo, como um som ou alguma freqüência de luz, é possível determinar quais os limites de percepção do animal. Basta perceber a partir de qual nível de estímulo (freqüência do som ou tipo de luz) o animal não mais responde apertando a barra.

É certo que nas condições experimentais, o comportamento animal sofra perturbações, como os cães e lobos que ficam arranhando o piso do laboratório, na tentativa de escavar o solo para enterrar o osso, como fazem na natureza. Mas esses erros de exibição de comportamento causados pelo cativeiro produzem uma quantidade inesperada de informação sobre a natureza e a composição das seqüências do comportamento observado.

II. INSTINTOS

1. Introdução Quase todos os comportamentos observados nos animais são adaptativos, fazendo os animais responderem corretamente às circunstâncias ambientais de modo que possam não só sobreviver, como deixar prole. E se assim não fosse, a espécie se extinguiria, como já aconteceu muitas vezes no passado.

Há duas formas básicas pelas quais um comportamento adaptativo pode tornar-se parte do repertório de respostas de um animal. Primeiramente, o animal pode ter nascido com as respostas comportamentais corretas previamente “programadas” no sistema nervoso, como parte das características herdadas das gerações anteriores. Assim, as abelhas herdam não só a capacidade de formar asas e os músculos necessários para voar, como ainda a tendência de voar para as flores que lhe forneçam néctar e pólen e toda a seqüência de movimentos necessários para coleta-los e leva-los para a colméia, como também a reação de picar imediatamente quem ou o que tente ameaçá-las. Esses comportamentos geneticamente programados são popularmente chamados de instintos e formam como uma “memória da espécie” transmitida de uma geração a outra.

Por outro lado, as abelhas não nascem sabendo onde estão as flores de que necessitam. O instinto leva-as apenas a procurá-las e reconhece-las. Mas uma vez encontradas, sua posição precisa ser memorizada e comunicada a outras abelhas da colméia, que aprendem onde as flores estão. Esse comportamento de dirigir-se corretamente para localização das flores com base em informações adquiridas durante a vida é o resultado de uma capacidade denominada aprendizagem. Ela faz com que um animal, nascido com poucas respostas herdadas, possa modificar seu comportamento graças as suas experiências de modo a melhor adaptar-se ao ambiente, principalmente quando está sujeito a muitas modificações, como a posição das flores adequadas em determinada estação do ano.

Tanto o instinto como a aprendizagem são responsáveis pelo comportamento adaptativo, ambos são o resultado da pressão da seleção natural, seja na história da espécie – no caso do comportamento instintivo – seja na vida do indivíduo – no caso do comportamento aprendido.

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2. Características do instinto O comportamento instintivo, que se manifesta pelos instintos típicos da espécie, pode ser identificado por algumas características que lhes são próprias.

2.a. Movimentos estereotipados O comportamento instinto consiste em uma seqüência de movimentos rígidos e estereotipados, exibidos de forma muito semelhante em todos os indivíduos de uma mesma espécie. Mas o fato de ser estereotipado não implica em que o comportamento instintivo seja restrito a poucos e simples movimentos de breve duração. Atividades complexas envolvendo inúmeras etapas (como a construção de teias por aranhas) ou a participação de numerosos indivíduos (como a construção e manutenção das colméias por abelhas) são exemplos de comportamentos instintivos em ação e que podem se completar tanto em alguns minutos, como em vários dias..

E também não está restrito apenas aos invertebrados. Grande parte do comportamento observado entre os vertebrados mais evoluídos (aves e mamíferos) é instintivo. Ele é especialmente evidente nas estratégias de caça, nos cuidados corporais (como limpeza e retirada de parasitas externos), no ritmo sono-vigília adotado, nas estratégias de fuga dos predadores e no comportamento social (envolvendo o cortejamento, os chamados de alarme e a agressividade contra membros da mesma espécie) onde as exibições instintivas funcionam como uma linguagem comum, compreendida instintivamente por todos da mesma espécie.

2.b. Bagagem genética Como o comportamento instintivo provem exclusivamente de uma bagagem genética, com poucas variações entre indivíduos de uma mesma espécie, tanto ele, como seus efeitos permanentes (ninhos, túneis escavados, teias de aranhas) podem ser usados na classificação e identificação da espécie.

Os instintos representam uma grande vantagem para os animais de vida curta ou com pouco ou nenhum cuidado paterno pois permite ao animal apresentar respostas adaptativas imediatas, já prontas em seu primeiro desempenho.

Com os seus pais mortos desde o verão anterior, a vespa escavadora jovem emerge, durante a primavera, de sua pupa enterrada. Tem poucas semanas para amadurecer, acasalar, escavar um ninho para os filhotes, capturar uma presa para alimenta-los quando nascerem e realizar a postura dos ovos antes de morrer. Toda essa série complexa de comportamentos somente pode ser possível graças ao repertório de instintos da espécie.

Entretanto, esse tipo de comportamento desenvolve-se gradualmente na espécie por evolução, como acontece com as características corporais. A seleção natural modifica-o para uma melhor adaptação ao ambiente, principalmente quando este permanece praticamente inalterado por longos períodos.

2.c. Desencadeado por estímulos simples Uma característica marcante dos instintos é de que eles podem ser desencadeados muito rapidamente por estímulos muito simples, que podem ser apenas uma parte de um animal, um gesto ou uma condição da natureza muito bem delimitada. Dessa forma, mesmo estando em um ambiente ou situação complexa, o animal que tem o seu comportamento guiado pelos instintos não corre o risco de se confundir pois dará atenção apenas ao detalhe que lhe serve de estímulo.

Para despertar o instinto agressivo de um pintarroxo não é necessário que veja inteiramente um macho da mesma espécie. Basta apenas um tufo de penas vermelhas, como as que existem no peito desses pássaros para que o instinto se manifeste. Essa porção limitada de uma animal ou condição da natureza capaz de provocar uma resposta comportamental recebe o nome de estímulo-sinal.

Os estímulos são capazes de produzir três categorias de efeitos. Eles ativam o animal, eliciam uma resposta e orientam o comportamento.

Determinados estímulos somente provocam resposta – tanto instintiva como aprendida – quando o animal está sob certos estados motivacionais. Por isso o peixe-espinho somente reage agressivamente a mancha vermelha dos outros machos quando está no período de acasalamento, sob a motivação reprodutiva.

3. O papel da motivação na vida humana É comum observar que o mesmo estímulo apresentado ao mesmo animal em ocasiões diferentes não provoca sempre a mesma resposta. Da mesma forma não é raro notar-se uma mudança súbita no tipo de comportamento executado. Estes fatos revelam que algo dentro do animal deve ter mudado, alterando a relação entre estímulo e comportamento. Para explicar ocorrências como essas, os etólogos lançam mão do conceito de motivação. Ela é definida como uma “tendência” ou “impulso” gerado internamente no cérebro e cujo resultado é a organização do comportamento de forma a atingir um objetivo específico.

Nos humanos a motivação está estreitamente ligada às emoções que nos regem. Mas em se tratando de animais, não se pode falar em emoções, freqüentemente associadas a fortes sentimentos subjetivos, mas em reações fisiológicas semelhantes a

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que nos humanos estão relacionadas com certos estados emocionais, alguns dos quais gerados por causas especificamente humanas, como auto-estima, auto-realização, desejo de poder e aceitação social. Eles são classificados como motivadores secundários. Na sociedade ocidental contemporânea, um elemento que possui um grande poder motivador é o dinheiro. A sua posse, tida por inúmeros como um fim em si, é capaz de condicionar muitos aspectos do comportamento humano e até mesmo a estrutura e organização social.

Os motivadores primários ou básicos não são aprendidos e os compartilhamos com os animais. Incluem fome, sede, sexo, rejeição a dor, agressividade e medo.

A motivação é uma grande força que move a conduta humana. Graças a ela conseguimos realizar tarefas não muito agradáveis, mas necessárias como meio para o objetivo visado pela motivação. Assim, muitos padecem severa fome (contrariando a motivação primária da busca de alimento) e ignoram os clamores da comodidade para conseguir emagrecer e assim ter uma maior aceitação social, além de satisfazer a auto-estima. Outros, até mesmo indo contra o instinto de auto-preservação, arriscam-se em incêndios para salvar vidas humanas desconhecidas, apenas motivados pela compaixão ou pelo senso de responsabilidade.

Entretanto, a motivação também possui uma face negra. Pessoas, grupos e instituições inescrupulosas podem usar as motivações para manipular o comportamento de populações inteiras. É o que faz, de uma forma mais ou menos benigna, a propaganda estimulando motivações como sexo e auto-estima para vender seus produtos como meios para satisfazê-las.

E a História possui muitos exemplos de governantes que usaram o medo como meio para controlar a sociedade e assim satisfazer outra motivação: o desejo de poder.

Não apenas o uso que se faça das motivações pode representar uma ameaça à liberdade e felicidade humana, mas também a sua intensidade. Quando a motivação do medo supera determinados limites surge a fobia, um estado motivacional e emocional no qual a pessoa praticamente perde o controle racional sobre o seu comportamento, infelizmente com conseqüências nefastas e imprevisíveis.

4. Tipos de instintos Não há para os instintos uma classificação rigorosa, mas podem ser mais claramente percebidas duas grandes categorias deles: as ações reflexas e os padrões fixos de ação. As ações reflexas incluem as formas mais simples de comportamento instintivo, como as cineses e os tropismos, enquanto que os padrões fixos de ação enquadram os comportamentos mais complexos.

4.a. Ação reflexa A forma mais simples de comportamento instintivo e que primeiro deve ter surgido no processo evolutivo é a ação reflexa, a resposta imediata de um único órgão ou mesmo célula a um estímulo. Pode-se dizer que os protozoários possuem comportamento porque são capazes de orientar seu deslocamento para a fonte de alimentos em resposta a estímulos químicos, em um claro exemplo de ação reflexa.

Muitos invertebrados são governados por cadeias de ações reflexas. Na centopéia, por exemplo, o movimento de uma perna estimula o movimento da seguinte e assim sucessivamente fazendo o animal inteiro caminhar.

Os humanos também exibimos algumas ações reflexas que permitem ajustar os músculos para um melhor desempenho ou garantem proteção de órgãos mais sensíveis, como os olhos. Assim, uma luz intensa ou um toque na córnea fazem os olhos se fecharem imediatamente por reflexo. E a pupila pode contrair-se para fornecer a retina a iluminação correta.

Uma forma um pouco mais complexa de comportamento instintivo. envolve um mecanismo fisiológico conhecido como arco reflexo. Nele, um mínimo de dois neurônios (células nervosas) devem estar interconectados. O primeiro, denominado receptor, recebe a estimulação e transmite um sinal para outro neurônio, o motor, que ativa um músculo que realiza o comportamento. Entre esses dois neurônios podem haver outros para processar os sinais emitidos pelo receptor e transmiti-lo para outras partes do corpo, envolvendo mais órgãos na resposta, até fazendo organismo inteiro se mover.

Quando o reflexo resulta em um deslocamento do indivíduo que não é orientado pela fonte de estímulo recebe o nome de cinese. Nele, a velocidade do movimento ou a freqüência de giro do corpo inteiro ou de partes do corpo depende da intensidade da estimulação.

Os ativos movimentos da lampreia (somente sob luz intensa) e da barata (quando a luz torna-se tênue) são exemplos cineses, reflexos que fazem animais se movimentarem, ignorando a posição da fonte de estímulos.

Por outro lado, quando o movimento é orientado pelo estímulo, atraindo ou repelindo o animal, denomina-se tropismo. As diversas formas de tropismos recebem nomes específicos em função do estímulo que orienta o comportamento: fototropismo (resposta a luz), quimiotropismo (resposta a substâncias químicas), hidrotropismo (resposta a água ou umidade),

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geotropismo (resposta a gravidade), tigmotropismo (resposta a estimulação mecânica) ou eletrotropismo (resposta a correntes elétricas).

Mesmo sendo herdadas, algumas ações reflexas não se manifestam durante toda a vida. Os bebes possuem três reflexos que costumam desaparecer depois de alguns meses de vida. O reflexo de Moro consiste no movimento de encolher os braços e as pernas, como que tentando abraçar algo, que o bebe exibe quando está deitado de costas e se assusta com um som ou movimento brusco. Quando o recém-nascido movimenta os dedinhos do pé em resposta a toques delicados na sola do pé, ele está manifestando o reflexo de Babinsk. A ação reflexa neonatal mais impressionante é o reflexo de preensão das mãos, pelo qual agarra fortemente os objetos que tocam na palma de sua mão. Interpreta-se esse comportamento como sendo um resquício evolutivo do nosso tempo de primatas, quando era essencial que o filhote tivesse o reflexo de se agarrar aos pelos da mãe para permanecer sempre junto dela.

4.b. Padrão Fixo de Ação O Padrão Fixo de Ação (ou simplesmente PFA) pode ser definido como uma rígida seqüência de um número limitado de padrões de movimentos estereotipados, os quais são liberados por um estímulo específico (o estímulo-sinal) e guiados ou orientados por fatores ambientais determinados. Costumeiramente resulta em exibições altamente elaboradas, que podem continuar por vários dias seguidos, com comportamentos e atividades diferenciadas e aparentemente não relacionadas. É o caso do cuidado com a prole pelos pássaros, que envolve a captura, o transporte, a manipulação e a entrega dos alimentos aos filhotes. Toda essa gama de ações é um padrão fixo de ação ou vários deles encadeados, sendo que o precedente desencadeia o seguinte, geralmente gerando o estímulo-sinal ou criando as condições para que ele seja reconhecido.

Os exemplos mais claros e visíveis desse tipo mais complexo e sofisticado de comportamento instintivo são encontrados nos comportamentos reprodutivos e nas atividades de construção de ninho. E não são apenas os vertebrados mais evoluídos (aves e mamíferos) que apresentam padrões fixos de ação. Grande parte do comportamento dos artrópodes (aranhas, insetos, crustáceos) é desse tipo e não simples reflexos.

A observação de alguns exemplos de exibições de padrões fixos de ação na natureza, principalmente envolvendo as estratégias de caça, como as elaboradas teias das aranhas, parecem sugerir a manifestação de alguma forma de inteligência. Porém a verdade está muito longe disso. Por ser composto por movimentos automatizados e estereotipados, a execução desse tipo de comportamento não exige nenhuma intencionalidade ou mesmo de consciência. O animal faz o que deve ser feito, da forma exata como deve ser feito, porém sem saber o que está fazendo. Isso porque os movimentos estão programados nos circuitos cerebrais, e, uma vez disparados, serão executados até o fim, mesmo que não haja mais necessidade de faze-lo.

A comparação mais próxima dos padrões fixos de ação para a realidade humana é a burocracia, uma seqüência de atos e rituais estritamente formalizados (carimbos, preenchimentos de formulários, espera em filas, visitas a guichês) e que não parecem ter nenhuma justificativa racional ou relação necessária e direta com um objetivo almejado.

Os padrões fixos de ação podem, por outro lado, ser os responsáveis por comportamentos paradoxais de muitos animais, como nesse caso de um cardeal que exibe todo a seqüência estereotipada de alimentação de filhotes; porém para dar os insetos para uns .... peixes. Niko Tinbergen, o criador do conceito de padrão fixo de ação, explicou que esse cardeal agiu assim porque seu ninho teria sido destruído e, mesmo assim, continuou automaticamente com o comportamento de alimentação da prole, porém dirigido agora para os peixes.

III. APRENDIZAGEM

1. Características da aprendizagem

A aprendizagem pode ser definida como o processo que se manifesta por alterações adaptativas no comportamento individual como resultado da experiência que adquire durante sua vida. Esta definição salienta duas importantes características do comportamento aprendido.

A primeira consiste em que o aprendizado resulta em alterações adaptativas. Graças a aprendizagem, o animal pode modificar seu comportamento em virtude de suas experiências à medida que se desenvolve. Ele aprende que algumas respostas obtêm melhores resultados e isso leva a repeti-las sistematicamente, modificando o seu comportamento adaptativamente.

Ainda que o comportamento aprendido possa ser considerado mais flexível do que o instintivo, nem por isso os movimentos comandados por ele deixarão de ser tão estereotipados quanto os dos instintos. Os musaranhos aquáticos aprendem a geografia de seu ambiente com detalhes surpreendentes. Se em um ponto de seu percurso eles tiverem que pular sobre um pequeno tronco, esse movimento é aprendido com tal rigidez que eles continuam a dar o pulo no mesmo lugar, mesmo muito tempo depois do tronco ter sido removido. Situações como essa demonstram que a aprendizagem cria um novo circuito cerebral fixo, como um instinto recém-surgido, com uma seqüência de movimentos automáticos.

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Conseqüentemente, a diferenciação entre comportamento aprendido e instintivo não deve ser feita com base nos movimentos exibidos, ou mesmo na sua complexidade, mas sim na forma de seu surgimento no indivíduo.A segunda característica da aprendizagem é que ela consiste em um processo e, portanto, não pode ser medida diretamente, mas apenas o que foi lembrado em decorrência do aprendizado. E sendo um processo, a aprendizagem obedece a certas regras que, conhecidas, poderiam permitir a sua replicação e manipulação.

O comportamento aprendido mostra as suas vantagens com maior clareza em ambientes e circunstâncias sujeitas a muitas alterações, onde um comportamento instintivo poderia tornar-se extremamente inadequado. Entretanto, exige do animal um sistema nervoso mais desenvolvido e flexível, capaz de memorizar informações e de avaliar o valor e conseqüência das respostas exibidas. Por isso, a aprendizagem nunca foi claramente demonstrada apenas entre os celenterados (medusas, anêmonas, hidras) e os equinodermos (estrelas-do-mar, bolachas-da-praia, ouriços, pepinos-do-mar), animais sem um sistema nervoso centralizado.

2. Tipos de aprendizagem

Ainda que alguns pesquisadores se resistam a aceitar a existência de “leis gerais de aprendizado”, já que esse processo ocorre em uma grande variedade de animais, e nas mais diversas circunstâncias, a constatação da existência de alguns padrões distintos e claramente perceptíveis na aprendizagem justifica uma classificação para o comportamento aprendido.

2.a. Habituação

O tipo mais simples de aprendizado é a habituação, pois ao contrário de outras formas de aprendizagem, ela não implica na aquisição de respostas novas, mas sim na perda de velhas.

Ocorre quando um animal é submetido repetidamente a um mesmo estímulo que não esteja associado com nenhuma recompensa ou punição. O resultado é que o animal cessa de responder a esse estímulo.

É a habituação que faz com que os pássaros passem a ignorar o espantalho e a se fartarem da plantação.

Os primeiros estudos de habituação foram realizados com caracóis que ao serem tocados levemente em sua carapaça, interrompem sua caminhada e encolhem o corpo para dentro dela. Se a mesmo tipo de estimulação for repetido algumas poucas vezes, o animal passará a ignora-lo e continuará seu caminho, demonstrando que o animal já se habituou aos toques em sua carapaça e que, de alguma forma, percebeu que esses estímulos não lhe representam uma ameaça séria, como inicialmente parecia. Isso mostra que a habituação é um processo importante para ajustar o comportamento de um animal ao ambiente, pois seria muito desvantajoso estar constantemente interrompendo atividades importantes, como busca de alimento e de abrigo, ante qualquer “alarme falso” do ambiente, que costuma estar cheio de estímulos que podem ser erroneamente interpretados como ameaçadores.

Entretanto, a reação de defesa do caracol reaparecerá assim que a força do estímulo ou a área atingida mudar, evidenciando que a habituação é bastante específica quanto ao estímulo, adaptando o animal ao ambiente, sem priva-lo completamente de seus instintos defensivos.

A habituação tem também um importante papel no desenvolvimento do comportamento dos animais jovens, que, instintivamente, como mecanismo de proteção contra inúmeros predadores potenciais, tem o comportamento de fuga ante qualquer coisa grande que se mova ou qualquer som forte que lhe seja novo. E para um animal recém-nascido quase tudo é novidade! Com a aprendizagem por habituação o jovem animal começa a conhecer os componentes de seu meio, reconhecendo os que são totalmente indiferentes e inofensivos. Assim, um gatinho que inicialmente se assusta e foge com um som mais agudo de uma música tocada em casa, na vez seguinte só se imobiliza e, mais tarde, apenas mexe as orelhas diante do estímulo. Em pouco tempo já ignorará as músicas agitadas e perturbadoras de seu dono e conseguirá levar uma vida normal.

A exceção de outras formas de aprendizagem e devido a sua marcante simplicidade, que pode exigir a alteração no limiar de reação de apenas uma célula, a habituação é amplamente distribuída no mundo animal. Ocorre desde protozoários unicelulares até, naturalmente, o próprio homem.

2.b. Condicionamento clássico

A primeira forma de aprendizagem mais complexa a ser descoberta e descrita sistematicamente foi o condicionamento clássico, universalmente conhecido como reflexo condicionado, nome dado pelo grande fisiólogo russo Ivan Pavlov, que abriu novos caminhos ao realizar experimentos com o reflexo de salivação dos cães.

Ele percebeu que poderia fazer um animal associar um estímulo condicionado previamente neutro ou indiferente (como uma campainha ou um sino) a um estímulo incondicionado (como o alimento) que suscitava naturalmente algum comportamento específico (como a salivação), a resposta incondicionada. Depois de algumas repetições dessa associação

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entre estímulos, o animal passava a responder apenas ao estímulo condicionado, mesmo sem a apresentação do estímulo incondicionado. Com isso, Pavlov conseguiu fazer o animal aprender a exibir um dado comportamento toda vez que recebesse um determinado estímulo, escolhido por ele. Ou seja, ele conseguiu fazer com que um estímulo indiferente ao animal, antes imperceptível, assumisse o poder de produzir um comportamento.

O termo incondicionado, aplicado por Pavlov, simplesmente significa que o estímulo e a resposta desse tipo estão naturalmente relacionados e conectados. Ou seja, o estímulo natural que provoca a salivação é o alimento. Por outro lado, o termo condicionado designa o oposto: alguma conexão ou associação não natural, mas proposital ou acidentalmente estabelecida e que representa uma aprendizagem. E para destacar o fato de que esse tipo de aprendizagem ocorre por uma nova associação entre um estímulo e uma resposta, algumas costumam também lhe dar o nome de aprendizado associativo.

Pavlov descobriu o condicionamento clássico com um experimento, também clássico. Em laboratório, Pavlov mantinha os cães presos em arreios e com um tubo saindo da boca para medir a saliva produzida pelo animal quando ele fareja algum alimento. Com o cão faminto, ele tocava um sino – o neutro estímulo condicionado - um certo tempo antes de borrifar pó de carne - o estímulo incondicionado - na boca do animal. Nas primeiras tentativas, a única resposta imediata ao som era uma elevação momentânea das orelhas. Mas depois de seis apresentações do som seguido de carne, a salivação começava tão logo a sineta tocava, antes que fosse dada a carne.

Se bem que descoberta em laboratório, a aprendizagem por condicionamento clássico é um fenômeno amplamente distribuído na natureza, podendo ser observado desde em artrópodes até entre chimpanzés. Muitos predadores aprendem a associar a presença de suas presas nas proximidades com “pistas” que deixam, como fezes, cheiros, sonorizações, penas e restos de construção de tocas e ninhos. Assim, o encontro casual de um destes sinais de presença da presa desencadeia no predador o comportamento de busca.

Usando o condicionamento clássico, os treinadores de animais ensinam seus “alunos” a levantarem a pata ao som de um estalar de dedos ou com um pequeno e padronizado movimento de mão. Para isso, basta associar esses estímulos ao choque na pata, que a faz naturalmente se levantar.

A rotina diária de quem possui animais domésticos permite a surgimento de vários condicionamentos clássicos, principalmente os relacionados com a alimentação. Muitos animais aprendem a associar o ruído de uma porta de armário onde se guarda o alimento com o imediato fornecimento de comida.

Na vida humana cotidiana, esse tipo condicionamento é mais facilmente percebido quando as emoções estão envolvidas. Um exemplo muito claro é o das pessoas que sofreram a traumática experiência de serem assaltadas. Se o fato ocorreu em um final de tarde, por exemplo, a simples visão das longas sombras projetadas no solo pelo sol poente pode despertar, por associação, sentimentos de medo e aflição.

2.c. Condicionamento operante

Geralmente quando colocado em um ambiente novo, como uma gaiola, muitos animais exibem o comportamento exploratório, farejando e tocando tudo que tem ao seu alcance. Se ao mover algum elemento dentro dela, como um botão ou alavanca, ele receber imediatamente um prêmio, como a abertura da gaiola, alimento ou água, o animal logo passará repetir o mesmo comportamento com maior freqüência. Isso demonstra que houve uma aprendizagem, que recebe o nome de condicionamento operante porque é baseado na recompensa ou reforço de uma resposta natural que é operante sobre o ambiente. E por ser o próprio comportamento, espontaneamente realizado pelo animal, o instrumento que lhe proporciona a recompensa, essa forma de aprendizagem é também designada comportamento instrumental.

Um dos pioneiros no estudo da aprendizagem foi o psicólogo norte-americano Edward Lee Thorndike, que no início do século XX criou e usou diversos tipos de caixas-problema para medir o tempo de aprendizagem dos animais.

Uma das caixas-problema de Thorndike é uma gaiola cuja porta pode ser aberta por dentro apertando-se uma alavanca. Ele fazia o animal repetir a tarefa de abrir a gaiola diversas vezes, medindo o tempo gasto para executa-la.

Em uma delas, o gato que estava preso ficava tentando sair, andando de um lado para outro sem cessar e, por acaso, poderia pisar na alavanca, o que fazia a porta se abrir. Isto podia se repetir em duas ou três sessões, mas logo ele se dirigia diretamente para a alavanca e a apertava. Com base nessas observações, Thorndike formulou a Lei do Efeito que afirma que quando uma resposta é seguida por uma recompensa (como abrir a porta da gaiola, permitindo a fuga), aumenta a possibilidade de repetição da mesma resposta nas mesmas circunstâncias.

Inspirado nas caixas-problema de Thorndike e nas idéias do psicólogo John B. Watson, fundador do behaviorismo, o psicólogo norte-americano Burrhus F. Skinner também criou um equipamento adequado para o seu estudo com ratos e pombos, que ficou conhecido como caixa de Skinner.

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Ele percebeu que os pombos, que tendem a bicar todo tipo de objeto, mais cedo ou mais tarde bicam um disco no painel frontal da caixa, ativando um mecanismo que joga um grão de milho aos pés do animal. O pombo logo “descobre o truque” e continua a bicar o disco. Uma vez estabelecida a resposta, a recompensa (que Skinner passou a denominar de reforço) não precisa mais ser oferecido a cada bicada. Então pode, por exemplo, ser ganho a cada dez bicadas ou até mesmo mais espaçado. Sabe-se que os pombos continuam a bicar quando reforçados apenas a cada 800 bicadas. Assim, Skinner evidenciava a existência da aprendizagem por condicionamento operante e que ela era mais duradoura e difícil de se perder do que as outras formas de aprendizagem. Tal fato é bem conhecido pelos projetistas de caça-níqueis e faz a alegria dos seus donos que sabem que os apostadores são capazes de exibir a resposta condicionada de colocar a moeda e apertar a alavanca até centenas de vezes, sem receber nenhum reforço tangível e sonante! A essência da diferença entre as duas formas de condicionamento consiste em que no condicionamento clássico há uma associação entre dois estímulos que eliciam uma resposta determinada e no condicionamento operante há o reforço de uma resposta que o animal exibe aleatoriamente, o que cria uma associação entre um reforço (positivo se for alguma recompensa e negativo se tratar-se de uma punição) e uma resposta.

Em laboratório, o condicionamento operante é muito útil e importante, não apenas por si mesmo, mas porque os animais podem ser treinados para reconhecer um determinado estímulo exibindo um comportamento escolhido pelo pesquisador, como apertar uma alavanca. Usando esse condicionamento como instrumento, os etólogos e fisiologistas podem analisar detalhadamente os limites da capacidade de percepção dos animais. Por exemplo, pombos podem ser treinados para bicar um disco iluminado com uma determinada cor, como o verde. Depois, a cor apresentada pode ser alterada gradativamente para o azul. Quando o pombo deixar de responder será sinal de que o animal não reconhece mais a cor como verde. O mesmo pode ser feito com outros animais e para outros sentidos, testando a percepção de sons, aromas e até de campos elétricos e magnéticos.

Em muitas situações naturais também pode ocorrer o condicionamento operante. Graças a ele, as aves aprendem rapidamente a reconhecer e evitar as borboletas que, apesar das cores vistosas e apetitosas, são dotadas de péssimo gosto. Elas associam o gosto desagradável, o reforço do comportamento predatório, à coloração e padrão de desenho das asas das borboletas, o que as fazem evitar de atacar também vespas e outros insetos com colorido semelhante e com as mesmas defesas químicas, poupando assim inúmeros dissabores. Da mesma forma, muitos animais aprendem a evitar alimentos potencialmente danosos ao associar o gosto com o mal-estar que sentem depois de consumi-los.

Esse comportamento muito adaptativo traz, por outro lado, especiais dificuldades quando queremos eliminar aos ratos com iscas venenosas, pois esses animais apenas mordiscam pequenas porções de novos alimentos que são descobertos em seu ambiente. Se verificarem que ela é comestível, passam a provar quantidades maiores nas noites seguintes. Mas se tiverem algum mal-estar até uma hora depois, o que pode acontecer se comerem uma pequena porção da isca venenosa, insuficiente para matar, passarão a rejeitar as iscas. Conseqüentemente, essas iscas devem ser projetadas para terem sabor agradável e somente fazerem qualquer efeito muitas horas depois de consumidas.

Se a habituação pode ser considerada entre os pesquisadores como o “patinho feio” da Etologia, por atrair o interesse de poucos pesquisadores, o condicionamento – e especialmente o condicionamento operante – representa o cisne que encanta a uma legião de psicólogos e de etólogos, principalmente os adeptos à abordagem behaviorista. E não é para menos! O seu estudo minucioso permitiu engenhosas e elegantes teorizações, além de fornecer os mais proveitosos retornos financeiros dessa ciência, já que é essa teoria que fundamenta todo o trabalho que os treinadores de animais tem desenvolvido há séculos.

O condicionamento operante tem sido explorado de uma forma empírica há muitas gerações pelos treinadores circenses. Graças a ele, os animais aprendem a saltar aros em chama, elefantes a sentarem, patos tocam piano e até um leão-marinho pode ser treinado para recuperar mísseis e torpedos afundados.

2.d. Aprendizagem latente

Há situações em que a aprendizagem observada no animal não parece estar relacionada com nenhuma recompensa ou, pelo menos, não há nenhum sinal evidente e imediato disto. Dessa forma, o que é aprendido não se manifesta no momento em que a aprendizagem ocorre, mas fica oculto ou “latente”. Por esta razão convencionou-se denomina-la como aprendizagem latente, sendo definida pelo psicólogo norte-americano Edward Tolman, seu descobridor, como a associação entre estímulos e situações indiferentes sem nenhum reforço.

Quando colocado pela primeira vez em um labirinto, um rato de laboratório, mesmo sem estar com sede ou fome e sem receber nenhuma recompensa, explora todo o ambiente, cheirando-o e passando por todas as partes do labirinto. Posteriormente, quando for condicionado a percorrer o caminho certo no labirinto para receber alimento, o seu desempenho será muito superior ao dos animais que não tiveram essa experiência prévia. Este fato confirma que houve antes do condicionamento uma aprendizagem latente.

A aprendizagem latente, em sua forma natural, ocorre freqüentemente quando o animal está explorando um ambiente novo.

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É muito importante para a sobrevivência que os animais aprendam rapidamente a reconhecer as características de seu ambiente, criando um “mapa mental” dele. E para isso são movidos pelo instintivo comportamento exploratório. Durante a exploração ocorre a aprendizagem latente, pela qual o animal acumula informações que mais tarde lhe serão de grande valia para evitar predadores, encontrar alimento e localizar os parceiros sexuais.

Essa forma de aprendizagem não é atributo restrito a animais dotados de cérebros mais desenvolvidos, com aves e mamíferos. O caso mais estudado de aprendizagem latente na natureza é o de vespas solitárias que ao saírem para caçar alimento, realizam um “vôo de orientação” sobre a área para aprender os pontos de referência que serão úteis para localizar seu ninho no retorno.

Vespas caçadoras constroem ninhos escavando um buraco no solo onde colocarão seus ovos sobre uma presa paralisada, como aranhas, para servir de alimento para as larvas.

A aprendizagem latente poderia ser vista também como uma aprendizagem “sem querer”, não intencional. Uma forma livre de se aprender, motivada pela curiosidade e voltada para a pura e simples observação. É o que acontece com as crianças enquanto brincam, manipulando objetos e circulando por ambientes ainda desconhecidos para elas. Sem perceber, estão aprendendo coisas novas.

2.e. Estampagem

Não é raro ocorrerem na vida de indivíduos de algumas espécies, períodos sensíveis durante os quais certas coisas podem ser aprendidas, vindo a tornarem-se relativamente fixas e resistentes a alteração. A aprendizagem do canto entre os pássaros é um exemplo. O período sensível nos tentilhões ocorre próximo ao final do primeiro ano de vida, e um mês depois disso parece não haver mais nenhuma aprendizagem para o canto.

Esse processo foi denominado de estampagem por Konrad Lorenz porque a aprendizagem parece ficar estampada, impressa definitivamente no animal. Ela pode ser definida como um processo de aprendizagem pelo qual um padrão comportamental inato é associado com um estimulo liberador, resultado da experiência durante o período crítico, que pode variar de acordo com a espécie e com o conteúdo da aprendizagem.

Lorenz descobriu a estampagem em 1935 observando que filhotes de gansos, recém saídos do ovo passavam a segui-lo, como fosse sua mãe, porque ele foi o primeiro objeto móvel que viram. Para ele ficou claro que a estampagem era um tipo de aprendizagem irreversível e, no caso dos gansos, como também de patos e marrecos, servia para estabelecer o vínculo materno e reconhecer os outros indivíduos da mesma espécie, pois em situações naturais, as primeiras criaturas que os filhotes costumam ver são seus pais.

Parece não haver limites para os padrões visuais que podem servir de objeto da estampagem. Cor, forma e mesmo movimento podem ser irrelevantes. Por isso, pintinhos de um dia de vida podem estampar uma caixa de fósforos puxada por uma linha.

Durante algum tempo os etólogos acreditaram que esse tipo de estampagem determinaria a escolha do parceiro sexual na idade adulta. Entretanto sabe-se hoje que essa idéia é apenas parcialmente verdadeira, ainda que hajam relatos de patos criados por pais substitutos de espécies diferentes que tentaram cortejar parceiros da espécie substituta, ignorando indivíduos da mesma espécie.

Além do comportamento sexual, a estampagem parece ter um importante papel no estabelecimento de vínculos que estruturam a organização social das espécies mais evoluídas. Para estes animais, o isolamento de outros indivíduos da mesma espécie durante a fase de estampagem costuma ter conseqüências por toda a vida, perturbando o comportamento social, tornando a convivência dentro do grupo inviável e fazendo das fêmeas mães pouco cuidadosas e dedicadas.

A estampagem faz com que domar e domesticar animais selvagens seja bem mais fácil quando são tomados para criar antes de seu período crítico.

A estampagem foi mais extensivamente estudada entre as aves. Porém também pode ser constatada em outros grupos animais, como alguns insetos e mamíferos. No entanto, como o comportamento dos mamíferos, em sua maior parte, é controlado pelo olfato, a estampagem dos filhotes geralmente é determinada pelo cheiro da mãe.

Alguns psicólogos não resistiram à tentação de interpretarem comportamentos dos humanos como resultado da estampagem durante a infância. Até mesmo o fundador da Psicanálise, Sigmund Freud, afirmou que a idade de cinco anos era critica no desenvolvimento sexual.

É evidente que experiências infantis tem um marcante papel na formação da personalidade. Mas isso não permite afirmar que os humanos sejamos sujeitos ao processo da estampagem, tal como observamos nos animais. Mesmo porque o nosso comportamento é extremamente moldável e sujeito a sobreposição da bagagem cultural, encobrindo e até mesmo eliminando muitas influências inatas, como é o caso da estampagem. Ademais há o fato da infância humana ter uma longa duração, o que cria mais oportunidades para a recuperação do que teria sido estampado.

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Uma das conseqüências nefastas desse mal-entendido é a tentativa de se julgar o comportamento homossexual como fruto de uma estampagem inadequada, que deveria ser considerada como, pelo menos, simplista, para não se dizer preconceituosa e anticientífica. Mesmo assim, as teorias de desenvolvimento infantil usadas por psicólogos e psiquiatras no tratamento de distúrbios da personalidade tomam muito seriamente o conceito de período crítico.

Por outro lado, em se tratando da capacidade de aprendizagem de certas habilidades pelas crianças, torna-se cada dia mais popular o conceito de janelas de oportunidade, como um período de maior predisposição e facilidade para se aprender determinadas coisas, como línguas estrangeiras. Algo bem diferente da idéia de estampagem inicialmente concebida por Lorenz.

2.f. Aprendizagem por compreensão

Todos vivenciamos situações em que a solução de um problema veio como em um “estalo”, depois de alguns minutos de concentração. É difícil, obviamente, demonstrar de forma conclusiva a existência de processos semelhantes nos animais. Apesar disso, os etólogos tem usado o termo compreensão, ou insight em inglês, quando observam animais resolvendo problemas muito rapidamente, depressa demais para uma situação normal de tentativa-e-erro. Ou, pelo menos, depressa demais para que o animal pudesse fazer ensaios reais, mas existe a possibilidade de que ele estivesse “pensando” neles e os experimentando no cérebro.

O psicólogo alemão Wolfgang Köhler descobriu em 1917 que ao apresentar a chipanzés bananas penduradas fora de seu alcance, eles freqüentemente se mostravam capazes de empilhar caixas e galga-las ou de emendar varas para poder alcançar o alimento. Ele atribuiu a solução desse problema a um processo de compreensão.

Diante de situações como essa, em que não parece estar envolvida nenhuma outra forma de aprendizagem, os cientistas reconhecem a existência, pelo menos em animais com o cérebro mais desenvolvido, como os primatas, da aprendizagem por compreensão. Trata-se de um processo de aprendizagem pelo qual o animal produz um novo tipo de resposta por meio de um insight, de uma compreensão momentânea, que lhe permite resolver problemas que tem por diante.

A aprendizagem por compreensão é um fenômeno que depende muito da capacidade de reorganizar as percepções que o animal tem do mundo que o rodeia, relacionando as características dos objetos. Dentre as muitas relações que estabelece no planejamento de sua ação, uma servirá para resolver o problema que enfrenta.

Na natureza observou-se que os chimpanzés são capazes de usar varetas para retirar cupins de seus ninhos, um alimento muito apreciado, como também de lançar varas como projéteis para afugentar um leopardo. Comportamentos como esse podem ser difundidos por imitação entre os animais do mesmo bando, o que permitiria falar em alguma forma de “cultura” entre animais. Um exemplo muito popular é o de uma fêmea de uma espécie de macaco japonês que desenvolveu o hábito de lavar batatas doces antes de comê-las, foi imitada por seus companheiros e um ano depois esse comportamento tornou-se uma atividade normal para metade do bando.

Na vida humana, a aprendizagem por compreensão é uma experiência cotidiana que ocorre quase sem percebermos, assim como a aprendizagem latente. Mas para a Ciência, os insights tem um enorme valor, sendo responsáveis por grandes idéias e avanços. Um dos casos mais conhecidos foi a descoberta da estrutura molecular do benzeno pelo químico alemão Friedich August Kekule que, durante algum tempo, debatia-se com a dificuldade de explicar como os seis átomos de carbono se uniam na molécula de benzeno. Todas as tentativas de desenhar uma molécula linear, como se fazia até então, resultavam infrutíferas por não serem coerentes com os dados experimentais que possuía. Em uma noite de 1865 ele sonhou com uma cobra mordendo seu próprio rabo. Esta imagem gerou o insight de que o benzeno deveria ter a forma de um anel fechado, o que correspondeu com as propriedades do benzeno. Com essa descoberta, Kekule abriu o imenso campo da Química Orgânica.

3. O condicionamento nas nossas escolas

Um dos focos de interesse de Skinner esteve voltada para a educação, campo onde aplicou suas descobertas com animais sugerindo a Pedagogia Tecnicista, uma proposta psico-pedagógica que tem como principais pontos a apresentação das informações em pequenas etapas seqüenciais, a avaliação de cada nova aprendizagem com a passagem para a informação seguinte após a resposta correta e o reforço imediato à resposta do aluno.

Como fruto de seu trabalho surgiu a instrução programada, uma técnica de ensino na qual o estudante é apresentado a uma série de unidades de informação separadas e ordenadas de modo que deve aprender uma antes de passar para a seguinte da série. No Brasil, a instrução programada fez muito sucesso na década de 1970, motivando a criação de toda uma geração de livros didáticos. Sendo depois severamente criticada por muitos educadores que seguiam novas concepções pedagógicas, como o construtivismo, acabou caindo em desuso nos dias de hoje.

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As idéias de Skinner também serviram para a criação de máquinas de ensinar que usam os princípios de condicionamento operante para fixar a aprendizagem. Atualmente, uma versão modernizada dessas máquinas de ensinar pode ser vista em alguns softwares educativos.

Atualmente, são muitos os cientistas que consideram inadequado empregar qualquer forma de condicionamento como um modelo para a aprendizagem dos seres humanos. Entretanto, não podemos negar que são muito sugestivos os paralelos que podemos encontrar entre os processos empregados pela maioria de nossas escolas, inclusive as que se definem como “progressistas” ou “construtivistas”. Não deixa de ser tentador ver os elogios ou as notas altas como reforços positivos a selecionar e estimular as respostas consideradas, pelos professores e educadores, como as mais adequadas. Por outro lado, as notas baixas, os olhares desaprovadores, as palavras de recriminação e todas as demais formas de punição, desde as mais elegantes até as mais selvagens, nada mais parecem do que típicos reforços negativos, tão práticos e eficientes para extirpar os comportamentos indesejáveis.E a forma compulsiva, irrefletida e automatizada com que os alunos se atiram em direção a porta quando toca a sinal de saída, não pode deixar de fazer lembrar o cão de Pavlov, sua sineta e a ... salivação ...

4. Os animais são inteligentes?

A questão mais polêmica na Etologia é a da inteligência animal. Muito impressiona os vários exemplos da versatibilidade no comportamento de animais que parecem produto de alguma forma de raciocínio. Ratos de laboratório são capazes de resolver problemas complicados, gralhas usam gravetos como ferramentas para retirar larvas dos ocos das árvores, pombos conseguem reconhecer e distinguir pinturas de Picasso e de Monet, insetos formam sociedades complexas e bem organizadas, bandos de macacos criam intrincadas redes de interação social, cães fazem truques espantosos, golfinhos mostram-se sensíveis e comunicam-se com humanos por linguagem de sinais. E assim, muitas outras proezas que os documentários sobre a vida animal não se cansam de exibir pela televisão.

Ante essas demonstrações das potencialidades do comportamento animal, não deixa de ser tentador compara-los aos humanos e ver neles, pelo menos nas espécies mais evoluídas, alguns sinais de uma inteligência tipicamente humana. Alguns tendem a ver entre nós e os animais apenas uma diferença quantitativa, de grau ou alcance na inteligência.

Entretanto, uma observação mais atenta revela que a realidade não é bem assim. As realizações humanas nos campos da civilização, da arte, da cultura e da ciência e tecnologia parecem dizer bem alto e claro que a inteligência humana é de uma natureza totalmente distinta da observada no resto do reino animal. É, na verdade, uma diferença qualitativa, baseada em duas características exclusivamente humanas: o pensamento abstrato e a linguagem simbólica.

Há experimentos que indicam que algumas espécies mais evoluídas são capazes de fazer contas e realizar raciocínios simples. Mas nenhuma delas executa um único pensamento abstrato. Esta faculdade intelectual consiste na capacidade de gerar idéias universais e imateriais de realidades que não podem ser vivenciadas diretamente pelos sentidos e que não tem existência material. Tais são os casos dos conceitos de bem, justiça, lealdade e mesmo triangularidade, pelo qual reconhecemos triângulos como triângulos, independentemente de sua cor ou tamanho ou material do qual seja feito. Os animais “inteligentes” identificam cada triângulo que encontram na sua singularidade, como um ser distinto, sem nenhuma propriedade em comum, a não ser uma vaga semelhança.

Graças ao pensamento abstrato podemos exercer um ato reflexivo sobre nossas próprias experiências, o que a psicologia denomina ego e que é uma das manifestações da consciência. Ela faz de nós seres criadores e sujeitos de uma moral, de regras de conduta que extrapolam as leis biológicas da natureza (o impulso sexual e o instinto de autopreservação, por exemplo)

Em sua comunicação, os animais usam apenas sinais materiais concretos (cantos, gestos, pios), como os sinais de trânsito, onde cada um é imutável e tem apenas um significado. Além de usarem sinais, os humanos empregam uma linguagem simbólica, realizada mediante símbolos convencionais (letras que se combinam formando palavras) que exprimem conceitos, além de coisas.

Considerando estas duas características do intelecto humano e aceitando a forma como são definidas, fica claro que os animais – definitivamente – não são inteligentes como nós o somos. Entretanto, há pensadores e cientistas que adotam definições menos restritivas e mais flexíveis para o termo inteligência, de modo que possam ser aplicados aos animais. Dessa forma, essa polêmica ainda está longe de acabar...

IV. Grandes Homens da Ciência EtológicaO ponto tão avançado em que já chegamos na Ciência do Comportamento é, sem sombra de dúvida, o resultado da

contribuição de muitos pesquisadores e pensadores, ao longo de algumas gerações.Entretanto, alguns deles merecem um destaque especial, seja pelas idéias inovadoras, seja por sua liderança no

encaminhamento das discussões e pesquisas, seja pela sua vida e realizações que servem de modelo aos jovens cientistas.

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Agora são apresentados breves perfis biográficos de quatro deles: Konrad Lorenz, Niko Tinbergen, Ivan Pavlov e B. F. Skinner.

Mesmo para uma curta compilação, parecem faltar alguns nomes, cuja inclusão nessa lista seria plenamente justificável. No entanto, por pura falta de tempo, não pude ainda fazê-lo. Mas espero corrigir essa falha em breve ...

1. Konrad Lorenz

Konrad Zacharias Lorenz nasceu em Viena (Áustria) em 1903 e desde muito a mais tenra idade já manifestava um grande interesse e amor pelos animais. Não era raro que voltasse de suas excursões com mais um “amiguinho” adotado para sua criação, que chegou a incluir – além dos convencionais gatos e cachorros – coelhos, macacos, pássaros e peixes de várias espécies. Quando adolescente, colaborou no zoológico local cuidando dos animais doentes. Também desde cedo exerceu uma atividade científica, colecionando registros detalhados do comportamento de aves, na forma de diários.

Toda essa vivência inicial, pré-universitária, preparou-o para ser o cientista pioneiro que foi, fundador de uma nova ciência e merecedor de um Prêmio Nobel.

Ainda que tenha iniciado seus estudos em Medicina, para satisfazer os desejos de seu pai, Lorenz doutorou-se em Zoologia, em 1933. Já nessa altura era um pesquisador respeitado dentro da comunidade científica internacional, graças aos vários trabalhos sobre comportamento de gralhas que publicou durante seus anos de estudante.

Apenas dois anos depois do doutorado já realizou a primeira de suas grandes contribuições a Etologia. Em 1935 publicou os primeiros trabalhos sobre a estampagem. Entretanto, sua produção científica não ficou limitada apenas a isso. Suas idéias e intuições ajudaram a estruturar a ciência etológica, ao delinear a natureza do comportamento instintivo e sua relevância e ao determinar a fonte das motivações que geram os comportamentos, criando um modelo para descrever o processo de controle dos comportamentos. Ele é o autor de diversos conceitos etológicos que se constituem hoje no cerne da linguagem científica e que são obrigatoriamente estudados por todos os jovens cientistas e psicólogos.

Nas últimas duas décadas de sua vida, terminada em 1989, Lorenz dirigiu sua atenção e experiência ao estudo do comportamento humano, principalmente a questão da violência e da inteligência humana. Seus últimos livros, que retratavam essas reflexões e eram principalmente dirigidos ao grande público, criaram muitas polêmicas e o tornou mundialmente conhecido como um pensador humanista.

2. Nikolaas Tinbergen

Nikolaas Tinbergen, também muito conhecido pelo diminutivo de seu primeiro nome, Niko. Nasceu na Holanda em 1907 e lá se formou em Zoologia.

Junto com Lorenz, revitalizou o estudo do comportamento animal, sempre insistindo na importância do observação dos animais em seu ambiente natural, de forma a poder compreender seu papel ecológico.

Sua contribuição mais notável para a Etologia, entre tantas que fez, foi a de formular os métodos básicos de estudo dessa ciência, tornando-a muito vinculada a Ecologia e a Teoria da Evolução.

Deve-se à genial intuição de Tinbergen a listagem dos quatro componentes básicos que explicam o comportamento animal e a partir dos quais os cientistas elaboram suas hipóteses e questões. São eles:· Causação – As causas imediatas do comportamento, como os hormônios, genes, impulsos nervosos, estímulos.· Desenvolvimento – Processo de formação do comportamento ao longo da vida do indivíduo, envolvendo fenômenos como estampagem e aprendizagem.· Evolução – Processo de formação de comportamento ao longo da história de vida da espécie, como um meio a mais de adaptação frente a seleção natural.· Função – O papel e valor adaptativo do comportamento como meio de aumentar o sucesso reprodutivo.

Depois de muitos anos pesquisando e ministrando aulas na Universidade de Oxford (Inglaterra), Tinbergen dedicou os últimos anos de sua vida ao estudo do autismo em crianças, vindo a falecer em 1988.

3. Ivan Pavlov

Ivan Petrovich Pavlov não foi o primeiro cientista a estudar a aprendizagem nos animais, mas foi o pioneiro no estudo sistemático desse tema, desenvolvendo novas técnicas e uma terminologia específica para descrever os experimentos e seus resultados.

Nascido em Ryazan, no centro da Rússia, em 1849, iniciou seus estudos em Teologia, mas logo a abandonou para formar-se em Química e Fisiologia pela Universidade de São Petersburgo. Em 1890 tornou-se professor da Academia Imperial de Medicina, onde realizou pesquisas por muitos anos.

Como fisiologista, seu interesse estava inicialmente voltado ao processo digestivo nos cães. Mas logo se surpreendeu com o fato dos animais começarem a salivar tão logo iniciava os preparativos para a alimentação deles, relevando que, de alguma forma, eles percebiam antecipadamente quando seriam alimentados. Inicialmente, essa salivação precoce representava uma incomoda interferência nas pesquisas que queria realizar, mas logo se deu conta de que tinha uma material mais fascinante para estudar: como os animais aprendiam. E desde 1898 até 1930 dedicou-se à pesquisa desse novo tema.

Pavlov criou a primeira teoria sobre aprendizagem, que precedeu e inspirou a Pedagogia Tecnicista, que muitos professores conhecem bem e aplicam em suas aulas. Suas pesquisas lhe renderam um Prêmio Nobel, recebido em 1904.

Nos últimos seis anos da sua vida, Pavlov tentou aplicar suas descobertas com os cães na explicação das psicoses humanas presumindo que a excessiva inibição, característica da pessoa psicótica, era um mecanismo protetor que a

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desconectaria do mundo exterior e dos estímulos prejudiciais que anteriormente teriam causado a psicose. Essas idéias tornaram-se na Rússia a base para o tratamento psiquiátrico, mantendo os pacientes em ambientes sossegados e com reduzida estimulação.

Pavlov faleceu em São Petersburgo em 1936.

4. Skinner

O psicólogo norte-americano Burrhus Friederich Skinner nasceu em 1904 na cidade de Susquehanna (Pensilvânia - EUA) e concluiu seus estudos universitários em 1931 na prestigiosa Universidade de Harvard, para onde voltou como professor em 1948, quando já era reconhecido como um dos grandes expoentes da corrente behaviorista do estudo do comportamento animal e humano.

Desenvolveu um extenso trabalho na psicologia da aprendizagem estabelecendo os fundamentos teóricos do condicionamento operante e desenvolvendo até os seus limites a técnica de modificação do comportamento animal. O exemplo mais impressionante disso é o de um pombo que ele ensinou a jogar tênis de mesa.

As idéias de Skinner influenciaram toda uma geração de psicólogos e educadores, o que fez dele um dos grandes baluartes da corrente behaviorista, sabendo defender suas posições com especial ardor, veemência e brilhantismo durante o período de debates contra os etologistas, liderados por Konrad Lorenz.

O trabalho de Skinner não ficou limitado aos experimentos e a teorização em comportamento animal. Também exerceu uma intensa atividade como escritor e filósofo, defendendo em suas obras o condicionamento das massas como meio para o controle social e a instalação de uma sociedade perfeita, regida pelos princípios da Engenharia Comportamental, uma disciplina que aplica as regras de condicionamento para “construir” nas pessoas os comportamentos desejáveis. Para ele a personalidade é uma coleção de comportamentos objetivamente analisáveis e as idéias de liberdade, autonomia, dignidade e criatividade são ficções sobre comportamento sem valor explicativo e científico, na medida em que apenas expressam tipos variados de condicionamento.

Sua carreira literária começou em 1938 com a publicação de um livro técnico, O Comportamento dos Organismos, onde expunha suas descobertas sobre o condicionamento operante. Mas tornou-se conhecido fora dos círculos científicos apenas a partir de 1948, quando lançou Walden II, romance sobre uma sociedade utópica e perfeita, organizada segundo os postulados behavioristas e as regras estabelecidas pela Engenharia Comportamental.

As idéias sociais e políticas de Skinner foram sintetizadas mais claramente no livro Além da Liberdade e da Dignidade (1971) e suas sugestões para a educação são apresentadas no A Tecnologia no Ensino (1968).

No final de sua vida, Skinner dedicou-se a escrever três obras de evidente caráter biográfico, a última delas concluída um ano antes de sua morte, ocorrida em 1990.

Fonte:www.terra.com.brProf. José Carlos Lopes Sariego