Etnografia da cultura material dos índios Anambé do Alto ... Bruna Calixto...Estes objetos...

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Etnografia da cultura material dos índios Anambé do Alto Rio Cairari Irana Bruna Calixto Lisboa 1 Eneida Corrêa de Assis² Bernardino da Costa Silva Júnior³ Resumo: Este estudo tem como objetivo realizar uma etnografia da cultura material dos índios da etnia Anambé, em especial os adornos buscando compreender mediante a discussão e análise dos materiais com que são confeccionados as condições ambientais da Terra Indígena. A metodologia empregada foi levantamento bibliográfico, levantamento do material etnográfico e da cultura material Anambé alocados na Reserva Técnica do Laboratório de Antropologia “Arthur Napoleão Figueiredo” da Universidade Federal do Pará e entrevistas semiestruturadas. O levantamento etnográfico ocorreu durante sete dias, a primeira etapa do trabalho consistiu em localizar as peças Anambé pelo número do tombo, a localização foi norteada pelo inventário da Reserva Técnica que foi elaborado em 2003. De acordo com o mesmo deveria encontra-se no interior da Reserva 93 peças de origem Anambé, mas a equipe que realizou o inventário de 2003 não localizou duas peças. Após a identificação das peças, estas foram retiradas da embalagem e higienizadas para fazer o registro fotográfico. O trabalho desenvolvido contribuiu para a atualização desse inventário no que diz respeito às peças Anambé. Desta maneira, detectou-se uma peça com dano, itens no interior ou adicionais as peças que não estavam tombados, peças com nó solto, sem placa de tombo. Em resumo, quatro peças não foram localizadas e encontra-se atualmente na Reserva Técnica 87 peças Anambé. A partir das entrevistas evidenciou-se que no ano de 1993, uma índia Anambé e um não índio que morava na aldeia faziam os cestos, depois o grupo começou a fazer colares e capacetes se apoiando no trabalho dos índios de outras etnias. Palavras-chave: Anambé, Cultura Material, Patrimônio Cultural. 1 Graduada em Ciências Sociais, Mestranda em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará. ² Licenciada em História - Universidade Federal do Pará, Mestrado em Antropologia pela Universidade de Brasília e Doutorado em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. (In memorian) ³ Bacharel em Turismo e concluinte do curso Museologia pela Universidade Federal do Pará.

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Etnografia da cultura material dos índios Anambé do Alto Rio Cairari

Irana Bruna Calixto Lisboa1

Eneida Corrêa de Assis²

Bernardino da Costa Silva Júnior³

Resumo: Este estudo tem como objetivo realizar uma etnografia da cultura material dos

índios da etnia Anambé, em especial os adornos buscando compreender mediante a

discussão e análise dos materiais com que são confeccionados as condições ambientais

da Terra Indígena. A metodologia empregada foi levantamento bibliográfico,

levantamento do material etnográfico e da cultura material Anambé alocados na

Reserva Técnica do Laboratório de Antropologia “Arthur Napoleão Figueiredo” da

Universidade Federal do Pará e entrevistas semiestruturadas. O levantamento

etnográfico ocorreu durante sete dias, a primeira etapa do trabalho consistiu em

localizar as peças Anambé pelo número do tombo, a localização foi norteada pelo

inventário da Reserva Técnica que foi elaborado em 2003. De acordo com o mesmo

deveria encontra-se no interior da Reserva 93 peças de origem Anambé, mas a equipe

que realizou o inventário de 2003 não localizou duas peças. Após a identificação das

peças, estas foram retiradas da embalagem e higienizadas para fazer o registro

fotográfico. O trabalho desenvolvido contribuiu para a atualização desse inventário no

que diz respeito às peças Anambé. Desta maneira, detectou-se uma peça com dano, itens

no interior ou adicionais as peças que não estavam tombados, peças com nó solto, sem

placa de tombo. Em resumo, quatro peças não foram localizadas e encontra-se

atualmente na Reserva Técnica 87 peças Anambé. A partir das entrevistas evidenciou-se

que no ano de 1993, uma índia Anambé e um não índio que morava na aldeia faziam os

cestos, depois o grupo começou a fazer colares e capacetes se apoiando no trabalho dos

índios de outras etnias.

Palavras-chave: Anambé, Cultura Material, Patrimônio Cultural.

1 Graduada em Ciências Sociais, Mestranda em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em

Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará.

² Licenciada em História - Universidade Federal do Pará, Mestrado em Antropologia pela Universidade

de Brasília e Doutorado em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro.

(In memorian)

³ Bacharel em Turismo e concluinte do curso Museologia pela Universidade Federal do Pará.

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Introdução

Este artigo ilustra os dados iniciais da minha pesquisa de mestrado na qual produzirei

uma etnografia da cultura material dos índios da etnia Anambé, em especial os adornos

buscando compreender mediante a discussão e análise dos materiais com que são

confeccionados as condições ambientais da Terra Indígena.

E para discutir esta temática utilizo como aporte teórico as seguintes referências em

cultura material indígena: Berta Ribeiro (1983),(1985), (1988); Darcy Ribeiro (1986);

Dominique Gallois (2007), Lúcia Hussak Van Velthem (2003),(2007) e Lux Vidal

(2005) e Cristina Fargetti (2010).

Esta pesquisa torna-se relevante porque vem preencher uma lacuna, pois não existe

nenhum estudo referente à cultura material dos Anambé. Além disso, este povo faz

parte dos “índios esquecidos” e foram dados como extintos (Nimuendaju,1948),por isso

este estudo surge no sentido de lembrar a existência desta etnia , evidenciar a

visibilidade ao grupo e demonstrar que este ainda persiste nos dias de hoje.

Quem são os Anambé?

Os Anambé anteriormente eram denominados de Turiwara ou Amanayé por

antropólogos, funcionários do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e da Fundação

Nacional do Índio (FUNAI). Eles são falantes na língua anambé do tronco linguístico

Tupi – Guarani.

Figueiredo (1983) afirma que os Anambé representam um caso típico do índio brasileiro

integrado a sociedade nacional, tendo perdido todos os seus elementos culturais, exceto

a língua.

Ribeiro (1970) diz que índios integrados são os grupos que experimentaram várias

compulsões e mesmo assim conseguiram sobreviver, chegando a nossos dias ilhados em

meio à população nacional, cuja vida econômica vão se incorporando como reserva de

mão-de-obra ou como produtores especializados em certos artigos para o comércio.

A subsistência do grupo é mantida através da agricultura, caça, pesca e coleta. Plantam

mandioca, milho, macaxeira, batata doce, cará, bananas e ananás. Na pesca usam linha

de algodão e nylon com anzóis de aço e ainda o arco e flecha. (Arnaud & Galvão, 1969)

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Antes do grupo Anambé ter a demarcação e homologação de suas terras,por

determinação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), eles foram remanejados para a

Área Indígena do Alto Rio Guamá e passaram um tempo morando com os índios

Tembé, porém não conseguiram se adaptar e somado a isso ocorreu um conflito entre os

colonos da região, e um colono veio a óbito. Por isso, retornaram para sua aldeia, e

pressionaram a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para a demarcação e

homologação da mesma.

Os índios da etnia Anambé vivem atualmente nas margens do Alto Rio Cairari, afluente

do Rio Moju, que tem seu curso no município de Moju localizado no Estado do Pará. A

área indígena Anambé faz parte da Meso-Região do Baixo Tocantins e mede

aproximadamente oito mil e cento e cinqüenta hectares (8.150 ha). Ela foi demarcada no

ano de 1984 pela 2ª DR/FUNAI e homologada em 29 de outubro de 1991 pelo Decreto

nº 304, publicado no Diário Oficial da União de 26 de dezembro do mesmo ano.

Mapa 1 : Aréa indígena Anambé

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Os Anambé vieram habitar o Rio Cairari em decorrência de uma briga com os índios da

etnia Gavião, eles foram expulsos das cabeceiras do Rio Moju. Consequentemente, eles

foram impulsionados a desceram o Rio Moju, sempre perseguidos pelos indígenas

rivais. Desta maneira, os Anambé encontraram-se com a população interiorana que

residiam nas proximidades desse rio, na altura do Rio Igarapé cachoeira, nas

proximidades do Igarapé Água – Clara, cruzaram o divisor de águas entre os Rios Moju

e Cairari e construíram uma aldeia no Cipoteua. Posteriormente construíram aldeias na

foz do igarapé do Marinheiro próximo ao lago grande (Aldeia Velha) e na localização

atual. (FIGUEREIDO, 1983).

O senhor Bernardino Inácio dos Santos que morou no Cairari ,foi quem encontrou os

Anambé no lugar Cipoteua no Alto Cairari,eles eram aproximadamente 60 índios

.Bernardino fez contato com os Anambé e os convenceu a se instalarem ao Lago Grande

do Cairari,onde eles se fixaram, e após um tempo mudaram-se para mais quatro lugares

próximos ao Lago.(SILVA,1990)

Mapa 2: Deslocamento realizado pelos Anambé

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Silva (1990) afirma que a aldeia onde os Anambé residem não tem nome, a autora

questiona aos indígenas se ela poderia dar um nome ao local onde a aldeia estava

instalada,eles responderam de forma positiva.Deste modo,o local foi denominado Jacy-

ta-tã (estrela da lua),pois Vênus aparece enorme por sobre a mata ao cair da tarde.Os

índios a chamam de Jacy-ta-tã,a população cabocla a denomina de Estrela dos viajantes

e ao amanhecer de Estrela D’alva.

Atualmente o trajeto percorrido para chegar à aldeia Anambé ocorre da seguinte

maneira: no terminal Rodoviário de Belém pega – se o ônibus com o destino de Belém

para o município de Baião ,mas o desembarque acontece no município de Mocajuba. A

viagem de Belém Mocajuba dura em média 5 horas, chegando a Mocajuba é necessário

se deslocar para feira local que está situada as margens do Rio Tocantins, com o

objetivo de pegar o ônibus que vai para a Vila Elim.

O ônibus que sai de Mocajuba com o destino para a Vila Elim parte em um único

horário às 10 horas da manhã. A viagem de Mocajuba para a Vila Elim dura em média

duas horas, em uma estrada de terra batida cheia de buracos e inundações imersa em

paisagens verdes. Chegando à Vila Elim que fica localizada nas margens do Rio Cairari,

pega- se uma rabeta- pequena embarcação com motor - durante 50 minutos então,

chega-se a Aldeia indígena Anambé.

Os anambé passaram por um processo de depopulação durante o período de 1940 a

1984 por causa de uma epidemia de sarampo que os acometeu, saída dos índios para a

cidade mais próxima, principalmente as mulheres que casavam com os regionais. A

tabela abaixo, elaborada por Ricardo (1985), mostra esse processo:

Tabela 1: Evolução da população Anambé no Rio Cairari

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De acordo com levantamento populacional realizado em campo (NEVES, 2012) a

população de índios Anambé aldeados são 178 pessoas, totalizando 60 crianças: 36

meninas e 24 meninos.

Cultura material Anambé

No ano de 1948, Expedito Arnaud foi designado pela 2ª Inspetoria Regional do Serviço

de Proteção aos Índios para investigar a situação índios que habitavam o Rio

Cairari,deste modo contatou os índios Anambé . Em 1968 Arnaud voltou lá

acompanhado de Eduardo Galvão e Roger Arlé com o intuito de reunir dados

etnográficos e avaliar a situação de contato desses remanescentes com a sociedade

regional.

No interior de suas malocas o único utensílio mobiliário é a rede do tipo “cearense”

obtida no comércio porque a elaboração de redes de forma tradicional não ocorre na

sociedade Anambé. A cerâmica há muito tempo deixou de ser fabricada, sendo a

alimentação preparadas em fogões de terra, fogueiras ou moquéns com o emprego de

panelas de metal, nas refeições era utilizado facas, colheres, pratos e tigelas. (Arnaud &

Galvão, 1969)

Eles ainda confeccionam cestos para condução de carga, abanos e peneiras de trançado

sobreposto, bem como pequenos cestos para guardar miudezas de trançado em espiral.

Os tipitis para prensar a massa da mandioca, cuja confecção reputam de forma

extremamente laboriosa, são obtidos por compra. (Arnaud & Galvão, 1969)

Estes objetos relatados por (Arnaud & Galvão, 1969) configuram-se como cultura

material,de acordo com a definição de Fargetti (2010) que define cultura material como

um conjunto de itens que podem ser pensados como arte, objeto utilitário, artesanato.

Na verdade, são a um só tempo, todas essas coisas.

Berta Ribeiro em seu Dicionário do artesanato indígena (1988) aborda um caminho

para a sistematização da cultura material indígena e oferece informações práticas de

como realizar o manejo e estudo de objetos recolhidos aos museus e encontrados nas

aldeias. O dicionário contém ilustrações e informações técnicas e cientificas sobre os

processos de manufatura e as matérias-primas neles empregadas.

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Velthem (2007) afirma que nas aldeias a cultura material das sociedades indígenas

participa decisivamente da produção e reprodução social, definindo relações individuais

e coletivas, confirmando papéis sociais e reforçando valores fundamentais. Sua

apreensão, portanto, não pode sofrer um estreitamento que vá contemplar apenas alguns

aspectos de uma complexa rede de referentes.

Ribeiro (1985) faz uma contribuição relevante para o registro e o resgate de uma arte

ameaçada de descaracterização e extinção, e também afirma que a cultura material deve

ter um tratamento mais compreensivo e integrado na cultura como um todo.

Ribeiro (1983) diz que a cultura material dos povos indígenas pode ser dividida em duas

categorias: artefatos profanos e artefatos sagrados, os últimos indicam a condição social

do individuo e pejados de simbolismo, de fé e de emoção, assumindo o caráter de

código de comunicação.

Velthem (2003) assevera que os objetos transmitem conhecimentos a cerca da imagem

que seus produtores fazem de si mesmos e referendam as diferentes formas de veicular

essa imagem. Em outras palavras, trata- se de uma experiência que se legitima através

da incorporação das características formais e estilísticas de uma filiação cultural que

afirma e confirma um ser humano assim como um artefato, quer seja ele de argila, de

penas, de fibras vegetais, quer seja usado por homens ou por mulheres, em momentos

da vida cotidiana ou nas complexas práticas ritualísticas.

Gallois (2007) discorre que a materialização de saberes imateriais expressam os

esforços empreendidos por comunidades indígenas para produzir objetos culturais

destinados ou não ao mercado e através dos quais elas se afirmam como sujeitos de

direitos especiais. A materialização não engajando apenas coisas, mas também, e

sobretudo, pessoas.

Nesse sentido, Neves (2014) afirma que as matérias-primas utilizadas pela artesã na

elaboração dos artesanatos são: sementes, ossos de jibóia e as cartilagens, peças de

casco de jabuti.

Conforme Assis e Neves (2014) as artesãs estão sempre cercadas por crianças que vão

aprendendo a conhecer as sementes, fibras e outros materiais para a confecção de

colares, braceletes e cestaria que deve ser produzida, e uma das artesãs afirma que o

artesanato deve ser “sem miçangas, pois não são coisas de índios”.

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Em linhas gerais, cada comunidade humana desenvolve módulos que orientam a

concepção de forma e função expressa no artefato. Esses atributos contêm indícios

sobre os modos de fazer e usar as manufaturas, bem como aspectos ideológicos que

singularizam a identidade étnica do artesão. Nessa perspectiva, a cultura material, em

seu conjunto e em sua operatividade, reflete a ecologia ,a tecnoeconomia, a ideologia e ,

em função disso, o estilo de vida dos povos indígenas. Sem o estudo das expressões

materiais da cultura é difícil delinear o perfil da sociedade ou juntar os elementos

necessários à reconstrução histórica dos povos sem escrita. Eles também contribuem

para estabelecer áreas e configurações culturais, calcadas, em grande parte, nos estilos

artesanais e modos de confeccionar objetos. (RIBEIRO, 1986)

Metodologia

A metodologia empregada foi levantamento bibliográfico, levantamento do material

etnográfico e da cultura material Anambé colhido por Arthur Napoleão Figueiredo e

Anaiza Vergulino no ano de 1969 e atualmente alocados na Reserva Técnica do

Laboratório de Antropologia “Arthur Napoleão Figueiredo” da Universidade Federal do

Pará e entrevistas semiestruturadas.

O levantamento etnográfico realizado na Reserva Técnica ocorreu durante sete dias. A

primeira etapa do trabalho consistiu em localizar as peças Anambé no interior da

Reserva Técnica pelo número do tombo, a localização foi norteada pelo inventário que

foi elaborado em 2003, baseado no catálogo organizado por Arthur Napoleão

Figueiredo.

Foto 1:Bernardino da Costa

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De acordo o catálogo deveria encontra-se na Reserva Técnica 93 peças de origem

Anambé, mas a equipe que realizou o inventário de 2003 não localizou duas peças.

Após a identificação das peças, estas foram retiradas da embalagem e higienizadas para

fazer o registro fotográfico.

O registro fotográfico ocorreu da seguinte maneira: Como plano de fundo das peças foi

colocado cartolinas branca sobre a mesa, a peça foi fotografada por inteiro sem régua e

depois com régua para se ter uma noção da dimensão das peças, foto no número do

tombo e dos diversos ângulos das peças. Quando as peças eram de grandes dimensões

as fotos eram tiradas próximo a parede para se ter um fundo branco e a “régua” seria a

altura da pesquisadora .

Foto2:Bernardino da Costa

Após essa etapa da pesquisa, elaborei um banco de dados através do Microsoft Acess

2007, aonde foi inserido as fotografias das peças, número do tombo, nome das peças,

localização no interior da Reserva Técnica, dimensões, grupo indígena, área, subárea,

município, ano de coleta e coletor e descrição da peça que foi um item inserido pela

pesquisadora e está sendo desenvolvido. A elaboração de um banco de dados através do

Microsoft Acess 2007, é uma maneira de sistematizar as informações obtidas da coleção

Anambé.

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Nesse sentido quando se fala de cultura material é recorrente pensar em exposições de

museus. Lux Vidal (2005) relata a construção de um museu para os povos indígenas do

Oiapoque e em um determinado ponto do seu artigo diz que:

“É importante, por fim, notar a mudança da percepção indígena

sobre a própria produção, quando exposta em suportes, vitrines

ou na reserva técnica de um museu. De objetos de uso,

comercializáveis ou descartáveis, as peças transformam – se em

objetos-documento, com outra identidade e significado. Este

novo posicionamento da produção cultural permite um olhar

diferente, distanciado e crítico sobre a mesma. Ao mesmo

tempo, torna a gestão da produção cultural mais interessante e

integrada ao mundo moderno”. (p.5)

Silveira e Lima Filho (2005) abordam a relação entre os objetos de cultura e a memória

coletiva do grupo social:

[...] “o objeto (re) situa o sujeito no mundo vivido mediante o

trabalho da memoria ou ainda, é da força e dinâmica da

memoria coletiva que o objeto, enquanto expressão da

materialidade da cultura de um grupo social,remete à

elasticidade da memória como forma de fortalecer os vínculos

com o lugar, considerando as tensões próprias do esquecimento.

Daí as imagens dos objetos também circulam nos meandros das

memorias dos sujeitos, carreando lembranças de situações

vividas outrora, permeadas por certas sutilezas e emoções

próprias do ato de lutar contra o esquecimento e a finitude do

ser, bem como seus vínculos com o seu lugar de

pertença”.(p.39)

Seguindo os aportes antropológicos utilizo o método etnográfico para a construção deste

estudo. De acordo com Clifford (1991) a etnografia é uma verdade parcial e que esta

deve ser convincente e dotada de um corpus textual resultante da interpretação e escrita

do antropólogo.

Clifford (1998) aborda a necessidade de transformar a experiência etnográfica em algo

objetivo na escrita. Ele acredita que a etnografia é uma forma de representação cultural

de um grupo, Clifford adota o modelo de polifonia no qual várias vozes são inseridas no

texto (heteroglossia).

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Na entrevista realizado com James Clifford em 1994, o autor comenta que os

antropólogos não são missionários, pois não convertem os nativos, os antropólogos

apenas observam e compreendem o modo de vida nativa.

A etnografia como método surgiu quando se percebeu que o pesquisador precisava

efetuar no campo sua pesquisa através da observação direta/observação participante

para compor sua escrita etnográfica. Desta maneira, o trabalho de campo constitui-se

como a fonte da pesquisa.

Lage (2009) elucida que a etnografia mostra uma forma especifica de construção de

uma narrativa sobre um grupo social pesquisado e o seu texto reflete um esforço

intelectual do antropólogo em conceder significação as representações e práticas

nativas.

Clifford (1998) fala sobre a etnografia e a autoridade etnográfica do pesquisador:

“(...) a etnografia está, do começo ao fim, imersa na escrita. Esta

escrita inclui, no mínimo, uma tradução da experiência para a

forma textual. O processo é complicado pela ação de múltiplas

subjetividades e constrangimentos políticos que estão acima do

controle do escritor. Em resposta a estas forças, a escrita

etnográfica encena uma estratégia especifica de autoridade. Essa

estratégia tem classicamente envolvido uma afirmação, não

questionada, no sentido de aparecer como uma provedora da

verdade no texto”. (CLIFFORD, 1998, p.21)

Marisa Peirano (1995) responde ao artigo de Nicholas Thomas intitulado Against

Etnography e ressalta que alguns autores posicionaram-se contra a etnografia porque

esta é vista com pouca credibilidade científica no compromisso teórico das ciências

sociais. A autora discorda e se mostra a favor da etnografia, pois na antropologia a

pesquisa etnográfica é a maneira pela qual a teoria antropológica se desenvolve e se

sofistica.

Marcel Mauss (1979) acentua o descrédito do método etnográfico por parte do público e

dos meios científicos e defende que isto não tem fundamento, pois os etnógrafos

descrevem e analisam os fenômenos com precisão, segurança e riqueza de detalhes.

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François Laplatine (2003) destaca dois autores importantes na construção do método

etnográfico: Boas (1858-1942) e Malinowski (1884-1942).

O alemão Franz Boas afirma que tudo deve ser anotado, pois é essencial ter todos os

detalhes, tudo deve ser descrito minuciosamente da forma mais fiel possível e

demonstrar com precisão os fatos observados.

Bronislaw Malinowski foi um dos primeiros pesquisadores a viver com as populações

que estudava e recolher materiais em campo e discorre sobre isto em sua obra Os

Argonautas do Pacifico Ocidental publicada em 1922 que descreve os métodos que ele

utilizou para obter seu material etnográfico.

O autor polonês (1976) assevera que o etnógrafo é ao mesmo tempo seu próprio

cronista e historiador, embora suas fontes sejam acessíveis são também dúbias e

complexas e não estão expostas em documentos, mas sim no comportamento e na

memória dos homens vivos.

Conforme Geertz (2009) a etnografia é uma espécie de escrita, um colocar as coisas no

papel e para isto é necessário que o etnógrafo vá a lugares e volte de lá com

informações sobre como as pessoas vivem e tornar essas informações disponíveis.

Oliveira (1998) indica que, para se construir uma etnografia é essencial que o

antropólogo passe por três etapas para apreender os fenômenos sociais: olhar, ouvir e

escrever que são tão familiares e comuns, sendo assim muitas vezes deixamos de

problematizá-los. Todavia nas ciências sociais são esses atos cognitivos que constroem

o saber. Então, o olhar e o ouvir devem ser disciplinados, pois ao se escrever será

retratada toda a percepção detectada pelos olhos e os ouvidos.

Chizzotti (2003) diz que através da etnografia “O pesquisador observa o caos dos fatos

observados, estabelece os fundamentos da análise, os critérios de comprovação para

extrair interpretações generalizantes fidedignas”. (p.226)

De acordo com Geertz (2008) a etnografia é uma descrição densa, ou seja, uma

descrição minuciosa sobre a realidade pesquisada. O etnógrafo escreve um discurso

social, ao fazê-lo transforma-o de acontecimento passado em um relato em sua inscrição

que pode ser examinado novamente. O autor aponta que,

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“Fazer etnografia é como tentar ler um manuscrito estranho, desbotado, cheio

de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos,

escrito não com sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios

de comportamento modelado” (pág. 20).

Nader (2011) aponta que a etnografia não é uma mera descrição, mas sim um tipo de

teoria que deve ser renovada, pois cada autor reinventa a etnografia de acordo com o seu

campo de pesquisa.

Resultados

A partir do estudo realizado na Reserva Técnica, detectou-se uma peça com dano, itens

no interior ou adicionais as peças que não estavam tombados, peças com nó solto, sem

placa de tombo.

Por fim, quatro peças não foram localizadas: três cestas e um balaio. Em resumo,

encontra-se atualmente na Reserva Técnica 87 peças Anambé.

.A partir das entrevistas evidenciou-se que no ano de 1993, uma índia Anambé e um não

índio que morava na aldeia faziam os cestos, depois o grupo começou a fazer colares e

capacetes se apoiando no trabalho dos índios de outras etnias.

A matéria prima utilizada na elaboração dos elementos de cultura material são retirados

do meio ambiente no interior da aldeia. Em suma, os Anambé vivem em harmonia com

a natureza e retiram dela as matérias- primas necessárias para a feitura de seus adornos e

objetos de sua cultura.Entretanto ,a escassez das matérias primas impedem a elaboração

desses objetos .

Considerações finais

Os Anambé configuram-se como um grupo indígena pouco estudado pela área

antropológica, esta pesquisa debruça-se sobre os objetos de cultura material alocados

em uma Reserva Técnica, na qual a coleção Anambé anteriormente não foi utilizada

como fonte de estudo .

Esta pesquisa está sendo aprofundada para que seja possível dizer quais objetos ainda

hoje estão sendo utilizados no cotidiano da aldeia, aqueles que estão em desuso, como

estão sendo produzidos e quem produz, ou seja, o estudo está sendo desenvolvido para

se obter um comparativo dos objetos de cultura material da Reserva Técnica e os atuais.

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