ÉTICA NA PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO - core.ac.uk · título de Doutor em Administração, na...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
ANA PATRÍCIA RODRIGUES LEITE
ÉTICA NA PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO
NATAL 2012
ANA PATRÍCIA RODRIGUES LEITE
ÉTICA NA PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Doutor em Administração, na área de Gestão Organizacional.
Orientadora: Maria Arlete Duarte de Araújo, Dra.
Co-Orientador: Mauro Lemuel de Oliveira Alexandre, Dr.
NATAL 2012
Divisão de Serviços Técnicos
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede
Leite, Ana Patrícia Rodrigues Ética na pesquisa em Administração/ Ana Patrícia Rodrigues Leite. – Natal, RN, 2012.
218 p.
Orientadora: Maria Arlete Duarte de Araújo.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-Graduação em Administração.
1. Administração – Pesquisa – Tese. 2. Ética – Tese. 3. Pesquisa
– Tese. 4. Princípios e parâmetros éticos – Tese. 5. Conduta ética – Tese. I. Araújo, Maria Arlete Duarte de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III.Título.
RN/UF/BCZM CDU 65.012.1 (043.2)
ANA PATRÍCIA RODRIGUES LEITE
ÉTICA NA PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Doutor em Administração, na área de Gestão Organizacional.
Natal, 17 de Setembro de 2012.
Professora Dra. Maria Arlete Duarte de Araújo Presidente – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Professor Dr. Mauro Lemuel de Oliveira Alexandre
Membro - Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Professora Dra. Jomária Mata de Lima Alloufa Examinadora interna - Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Professor Dr. Tomás de Aquino Guimarães
Examinador externo – Universidade de Brasília
Professora Dra. Márcia Martins Mendes De Luca Examinadora externa – Universidade Federal do Ceará
Aos meus exemplos de vida
que já não estão entre nós fisicamente: meu pai Eldo de Souza Leite, minha
irmã Ana Cristina R. Leite e minha avó Professora Olívia
Pereira Rodrigues. Estarão para sempre
vivos em meu coração!
AGRADECIMENTOS
A Deus. Agradeço aos meus pais, Eldo (in memoriam) e Irma, que com amor me propiciaram educação, estímulos e exemplos de que com esforço pessoal, honestidade e determinação atingimos nossos objetivos de vida. Agradeço também a toda minha família, em especial meus irmãos Elma, Ana Cristina (in memoriam), Raíssa, Eudo e Ana Carla, que sempre me apoiaram em tudo na minha vida. Em especial, agradeço à minha filha de coração e de criação Fernandinha que suportou todos os meus estresses, me consolou nos momentos difíceis e compreendeu minhas ausências momentâneas. Seu amor me dá ânimo para tentar ser uma pessoa melhor a cada dia. Agradeço também ao meu noivo Ivanilson, que me apoiou e me incentivou com suas palavras de força, de cobrança e também de muito carinho e orgulho por minha conquista. À minha orientadora, Professora Maria Arlete Duarte de Araújo, o meu “muito obrigada” torna-se pequeno, perante a toda imensa gratidão e admiração que guardo por sua ajuda, resgate, compreensão, amizade e grande competência como orientadora. Exemplo de pessoa e de profissional. Sempre disponível e humana, sabendo ser dura quando necessário, mas sem perder a ternura jamais! Aos professores do PPGA da UFRN que, através de cada disciplina que cursei, contribuíram para o meu aprendizado e para a construção do meu trabalho. Às professoras Jomária Mata de Lima Alloufa e Tereza Souza, que participaram da minha qualificação e que com suas colocações pertinentes me ajudaram a construir o presente estudo. Agradeço muito por ter encontrado nas salas de aula pessoas tão especiais - Júlio, Walid, Luana, Jaqueline, Tatiane, Luciana, Thaís, Patrícia, Jefferson, Adriana, Renata e todos os demais colegas das turmas do mestrado e doutorado de 2008, pois com a amizade de vocês foi mais fácil cada dia dessa longa jornada. Agradecimento especial à minha grande amiga, Marli Tacconi, que de colega de doutorado, se transformou em uma grande e especial amiga, além de ser uma pessoa a quem muito admiro. E também ao meu grande amigo João Mendes, parceiro de turma e nos estudos, também meu pilar nessa caminhada árdua. A amizade de vocês dois revelou-se um grande presente do destino. A todas as minhas amigas de infância: Suzete, Cynthia, Danielle, Dolores, Fernanda e Cinthya, que sempre estiveram presentes em todos os momentos, torcendo, apoiando, e incentivando as minhas realizações. A amizade verdadeira e duradoura de todas vocês é um dos sustentáculos da minha felicidade. Ao pessoal querido da Secretaria do PPGA: Elisabete, Tiago, Deusa e Ana Rosa - agradeço a todos pela ajuda e presteza ao longo do curso.
Agradeço muito aos pesquisadores que aceitaram ser entrevistados na primeira fase da minha pesquisa e que contribuíram de maneira relevante com suas colocações. Agradeço aos Coordenadores dos Programas de Pós-Graduação em Administração: Professor Walter Fernando Araújo de Moraes, Professora Tereza Souza e Professor Anielson Barbosa da Silva que concordaram com a formação de grupos focais em seus Programas, como também a todos os pesquisadores que participaram dos grupos e muito ajudaram na reflexão da temática estudada. Agradeço ao grupo de doutorandos do PPGA da UFRN que se colocaram disponíveis em participar da pesquisa de campo e que muito contribuíram com seus relatos. Agradeço a Universidade Federal do Rio Grande do Norte que me concedeu afastamento, de maneira a propiciar condições para minha qualificação profissional. Agradeço também ao DEPAD pelo apoio sempre constante.
“Há um tempo que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. È tempo da travessia e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”. (Fernando Pessoa).
RESUMO
A ética na pesquisa científica é um tema abordado e muito discutido em diversas áreas do conhecimento ligadas à saúde. Na área da Administração, são raros os estudos que abordam o tema da ética na pesquisa. O presente estudo buscou preencher esta lacuna na produção do conhecimento sobre o tema, investigando como os princípios éticos encontrados na literatura e nos códigos de conduta são percebidos e considerados nas atividades de pesquisa em Administração, desenvolvidas por pesquisadores atuantes em Programas de Pós-Graduação em Administração. Teoricamente, o estudo apoiou-se principalmente nas abordagens de Creswell (2007) e Bell e Bryman (2007), que discutem os princípios éticos na pesquisa. Metodologicamente, tratou-se de um estudo de caráter exploratório, com abordagem de pesquisa qualitativa. Na coleta de dados foram feitas entrevistas pessoais e em profundidade e formados grupos focais. Na primeira etapa, foram realizadas entrevistas com quatro pesquisadores experientes, participantes de um evento de ensino e pesquisa e na segunda etapa, foi adotada a técnica de grupo focal. Os grupos focais foram realizados em quatro instituições de ensino superior junto aos Programas de Pós-Graduação em Administração nos Estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Os resultados apontam para a existência de princípios gerais para a pesquisa científica propostos na literatura e em resolução oficial. Porém, na área da Administração existem apenas recomendações de boas práticas no tocante à submissão de artigos para publicações científicas, mas não foram encontradas orientações com princípios éticos que englobem todas as atividades da pesquisa científica e que atendam especificamente às particularidades das pesquisas em Administração. Os principais dilemas éticos, apontados pelos pesquisados se referem às questões éticas que surgem nas fases da coleta dos dados e na divulgação dos resultados. A maioria dos pesquisados não conhecem as diretrizes e as normas sobre ética na pesquisa existentes no país e nem enviam seus projetos aos comitês de ética na pesquisa. Em caso de dilemas, decidem a questão ética com base nos seus valores e senso comum. Estes elementos confirmam a tese de que a conduta do pesquisador nas atividades de pesquisa em Administração é predominantemente balizada por valores pessoais ou pelo senso comum e menos por princípios éticos, seja pelo desconhecimento de instrumentos normativos relacionados à ética, como também pela discordância com quaisquer regras de disciplinamento sobre conduta ética na pesquisa. Palavras-chave: Ética; Pesquisa; Reflexão ética; Princípios éticos; Parâmetros éticos; Conduta ética; Pesquisa em Administração.
ABSTRACT
Ethics on scientific research is approached and often discussed in several areas of knowledge connected to health. In the Administration area there are very few studies which approach the topic of ethics on research. The present paper tried to fill in this gap in the production of knowledge about the topic, investigating how the ethical principles found in the literature and in the codes of conduct are noticed and taken into account in Administration research activities developed by acting researchers in Administration Post Graduation Programs. Theoretically speaking, the study was based mainly on the approaches by Creswell (2007) and Bell and Bryman (2007), which discuss the research ethical principles. Methodologically speaking it was all about an exploratory kind of study, with qualitative research approach. Upon data collection, personal interviews were made aiming at its depth and focus groups were formed. The first stage had interviews with four experienced researchers who took part on a teaching and researching event and on the second stage we used the focus group technique. The focus groups were done in four college institutions along with the post graduation programs in Administration in the states of Rio Grande do Norte, Paraíba and Pernambuco, in Brazil. The results suggest the existence of general principles and parameters for the scientific research recommended in the literature and on official resolution. However, in the Administration area, there are only a few recommendations of good practices when it comes to submitting articles for scientific publications but we found no guidance with ethical principles and parameters which cover all the activities in the scientific research and which specifically meet the research particularities in Administration. The main ethical dilemma pointed by the researchers refers to ethical questions which arise at the time of data collection and on disclosing the results. Most researchers do not know the guidelines and the ethical norms on ethics about research that we have in our country neither do they send in their projects to the research ethics committee. When dilemma arises, they decide the ethical question based on their values and common sense. These elements confirm the thesis that the researcher’s procedure in the research activities in Administration is predominantly signed by personal values or by common sense and less by ethical principles, whether by not knowing the normative instruments related to ethics or by disagreeing with any disciplining rules on ethical behavior in the research. Key words: Ethics; Research; Ethical reflection; Ethical principles; Ethical behavior; Administration research.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – O ponto de vista moral e quatro abordagens possíveis de análise ética ........... 40
Figura 2 - Os três domínios da ação humana .................................................................... 54
Figura 3 – Desvios de conduta na pesquisa social ............................................................ 58
Figura 4 – O profissional e as pressões externas pela ética ............................................... 62
Figura 5 – Caminhos da regulamentação e da orientação ética em pesquisa
científica no Brasil ............................................................................................ 74
Figura 6 – Quatro princípios do modelo normativo da ética na pesquisa –
Resolução n. 196/96-CNS ................................................................................ 76
Figura 7 – Questões éticas e o processo de pesquisa......................................................... 94
Figura 8 – Categorias de princípios éticos identificados em códigos de ética na pesquisa
social ................................................................................................................. 96
Figura 9 – Dilemas éticos na pesquisa, enfrentados pelos entrevistados ........................ 126
Figura 10 – Possibilidade de tomada de decisão na pesquisa por parte dos
pesquisadores ................................................................................................ 130
Figura 11 – Tomada de decisão na pesquisa por parte dos pesquisadores entrevistados.132
Figura 12 – Espaços sugeridos pelos entrevistados para ações educativas e reflexões
sobre a ética na pesquisa em Administração ............................................... 135
Figura 13 – Percepção dos grupos focais quanto à conduta ética na pesquisa científica.142
Figura 14 – Dilemas éticos apontados na discussão dos grupos focais ........................... 148
Figura 15 – Visão dos grupos focais quanto à conduta ética do pesquisador em
Administração ............................................................................................... 153
Gráfico 1 – Perfil dos CEPs no Brasil ............................................................................... 75
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Doutrinas éticas fundamentais ................................................................... 30-31
Quadro 2 – Resumo das abordagens sobre teorias éticas .................................................. 38
Quadro 3 – Classificação dos principais tipos de pesquisa ............................................... 44
Quadro 4 – Questões éticas a serem observadas no processo de pesquisa ....................... 64
Quadro 5 – Áreas de preocupação ética em pesquisas ...................................................... 66
Quadro 6 – Resumo dos princípios éticos abordados na literatura .............................. 98-99
Quadro 7 – Grupos focais ................................................................................................ 107
Quadro 8 – Características dos documentos orientadores da conduta ética do
pesquisador ............................................................................................ 118-119
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANPAD Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEP Comitê de Ética em Pesquisa
CGEE Centro de Gestão de Estudos Estratégicos
CNS Conselho Nacional de Saúde
CONEP Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
EnANPAD Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração
EnEC Encontro de Editores Científicos de Administração e Contabilidade
EnEPQ Encontro Nacional de Ensino e Pesquisa em Administração e Contabilidade
EPQ Ensino e Pesquisa em Administração e Contabilidade
MCTI Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
MS Ministério da Saúde
SISNEP Sistema Nacional de Informação sobre Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UFPB Universidade Federal da Paraíba
UFPE Universidade Federal de Pernambuco
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UnP Universidade Potiguar
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 15
2 ÉTICA NA PESQUISA CIENTÍFICA EM ADMINISTRAÇÃO ............................. 27
2.1 Ética ............................................................................................................................. 27
2.1.1 Evolução e definições da ética e da moral ............................................................. 27
2.1.2 Teorias éticas .......................................................................................................... 35
2.2 Ética na pesquisa científica.......................................................................................... 41
2.2.1 Produção do conhecimento e ética ......................................................................... 41
2.2.2 Conduta ética e má conduta ética na pesquisa científica ....................................... 51
2.2.3 Princípios éticos na pesquisa .................................................................................. 64
2.2.4 Normas e diretrizes institucionais sobre ética na pesquisa científica .................... 67
2.3 Ética na pesquisa em Administração ........................................................................... 85
2.3.1 Pesquisa em Administração ................................................................................... 85
2.3.2 Ética na pesquisa em Administração ..................................................................... 88
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................ 100
3.1 Tipo de estudo ........................................................................................................... 100
3.2 Abrangência do estudo .............................................................................................. 102
3.3 Participantes da pesquisa ........................................................................................... 104
3.4 Coleta dos dados e instrumentos de coleta ................................................................ 104
3.5 Análise dos dados ...................................................................................................... 108
3.6 Limitações do estudo ................................................................................................. 111
4 REFLEXÕES E DISCUSSÕES SOBRE ÉTICA NA PESQUISA EM
ADMINISTRAÇÃO ........................................................................................................ 113
4.1Análise de documentos norteadores da ética na pesquisa científica ............................ 113
4.2 Análise das entrevistas ............................................................................................... 120
4.2.1 Percepção dos pesquisadores sobre boa conduta ética e má conduta na
pesquisa científica ........................................................................................................ 121
4.2.2 Dilemas éticos enfrentados pelos pesquisadores no desenvolvimento das
atividades de pesquisa .................................................................................................. 125
4.2.3 Conhecimento dos pesquisadores em Administração acerca dos princípios
sobre ética na pesquisa existente no Brasil .................................................................. 127
4.2.4 Tomada de decisão ética por parte dos pesquisadores ........................................ 129
4.2.5 Visão dos pesquisadores quanto à necessidade de orientação e/ou
normatização ética na atividade de pesquisa em Administração ................................ 133
4.3 Ética na pesquisa à luz dos grupos focais ................................................................ 136
4.3.1 Percepção dos grupos focais quanto à conduta ética e responsável do pesquisador e
quanto à má conduta na pesquisa científica .............................................................. 138
4.3.2 Dilemas éticos enfrentados pelos grupos focais no desenvolvimento das atividades
de pesquisa em Administração .................................................................................... 146
4.3.3 Conhecimento dos grupos focais acerca dos princípios sobre ética na
pesquisa existentes no Brasil ....................................................................................... 149
4.3.4 Aspectos considerados na tomada de decisão sobre questões e dilemas éticos
nas atividades de pesquisa ............................................................................................ 152
4.3.5 Visão dos grupos focais quanto à necessidade de orientação e/ou normatização
ética na atividade de pesquisa em Administração ........................................................ 155
5 CONCLUSÃO ............................................................................................................... 157
REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 163
APÊNDICES .................................................................................................................... 171
APÊNDICE A – Instrumento de pesquisa 1 - Roteiro de entrevista ................................ 172
APÊNDICE B – Instrumento de pesquisa 2 - Guia de questões para grupo focal ............ 173
APÊNDICE C – Termo de consentimento livre e esclarecido .......................................... 174
ANEXOS ........................................................................................................................... 175
ANEXO A – Resolução n. 196/96-CNS ............................................................................ 176
ANEXO B – Relatório da comissão de integridade de pesquisa do CNPq ...................... 188
ANEXO C – Código de boas práticas científicas - FAPESP ............................................ 193
ANEXO D – Boas práticas da publicação científica - ANPAD ........................................ 203
15
1. INTRODUÇÃO
A ética é um tema que suscita debates, dilemas e diferentes abordagens teóricas.
Constitui-se em uma remota preocupação humana. Desde o surgimento da filosofia, a ética
vem sendo abordada e discutida em diversas áreas do conhecimento.
Na pesquisa científica, a ética também é atualmente um tema que gera muitas
discussões. Porém, nem sempre foi assim. Campos e Costa (2007) colocam que por muito
tempo a atividade de pesquisa foi considerada isenta de considerações de ordem ética. A
neutralidade do pesquisador era exigência inexorável e a confiabilidade dos resultados
depreendia da capacidade de se descolar de seus valores para se ater exclusivamente ao rigor
do método. Assim, da pesquisa se cobrava tão somente a observância rigorosa dos métodos e
dos procedimentos, abstraídas as consequências da aplicação de seus resultados. Desde que
"científico", o conhecimento gerado legitimava-se e o pesquisador poderia ter certeza de
servir à causa nobre do progresso da ciência.
Mais recentemente, os próprios cientistas passaram a reduzir essa distância. Há um
fundamento ético na busca do conhecimento e na necessidade de aproximação da verdade.
Atualmente, a ética está no centro dos debates sobre os limites da ciência. E esses debates
envolvem pesquisadores, instituições, cidadãos em geral, juristas, religiosos, profissionais de
diversas áreas e comunidades científicas (MATHEUS, 2006).
Guilhem e Zicker (2007) reforçam que é crescente o interesse pelo tema da ética em
pesquisa e que esse crescimento está relacionado com o processo de globalização da pesquisa
em saúde, com as questões econômicas envolvidas e com a vulnerabilidade de países em
desenvolvimento como locais de estudo, de produção de conhecimento e de desenvolvimento
de produtos. Além disso, com os novos conhecimentos científicos e as novas tecnologias
surgem novas questões éticas que carecem de reflexão.
Na visão de Paiva (2005), devido à imprevisibilidade das consequências de uma
investigação é imperativo que a ética esteja sempre presente na elaboração de um projeto de
pesquisa, sobretudo, quando esta lida com seres humanos. Na área de saúde, o tema bioética é
bastante abordado em pesquisas que envolvem seres humanos e em eventos da área, porém, a
discussão e a reflexão sobre ética na pesquisa científica não é tão aprofundada em outras áreas
das ciências, tais como as ciências sociais.
16
Hutz (1999) destaca que até o ano de 1988 não havia no Brasil uma preocupação
institucional com os aspectos éticos da pesquisa. O pesquisador era o único árbitro da
adequação ética de sua pesquisa, a sociedade concedia licença total a seus cientistas para
experimentar e pesquisar em seres humanos das formas que julgassem apropriadas ou
necessárias.
A primeira diretriz brasileira com relação à normatização da ética na pesquisa com
seres humanos foi a Resolução n° 1/1988, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão
ligado ao Ministério da Saúde (MS), e representou um importante avanço. (CNS, 1988).
Anos depois, foi aberto um novo debate sobre o tema, envolvendo diferentes
segmentos da sociedade. E esse grupo se dedicou a elaborar a nova resolução que pudesse
abranger as múltiplas questões relativas às pesquisas com sujeitos humanos (CNS, 2008).
Surgiu assim a Resolução n° 196/96 – CNS/MS, que incorpora, sob a ótica do
indivíduo e das coletividades, quatro referenciais ou princípios básicos da ética: autonomia,
não maleficência, beneficência e justiça, e visa assegurar os direitos e deveres que dizem
respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado (CNS, 1996).
Na referida resolução, é ressaltado que cada área temática de investigação e cada
modalidade de pesquisa em qualquer área do conhecimento, além de respeitar os princípios
emanados no texto da resolução, devem cumprir com as exigências setoriais e
regulamentações específicas de cada área de pesquisa.
O item IX.I da Resolução n° 196/96 – CNS/MS (CNS, 1996) destaca que,
Todo e qualquer projeto de pesquisa envolvendo seres humanos deverá obedecer às recomendações desta Resolução e dos documentos endossados em seu preâmbulo. A responsabilidade do pesquisador é indelegável, indeclinável e compreende os aspectos éticos e legais.
A partir da Resolução n° 196/96 – CNS, foram criados, nas universidades brasileiras e
em outras instituições ligadas à pesquisa científica, os Comitês de Ética em Pesquisa (CEP).
Os comitês de ética em pesquisa são, conforme a Resolução n° 196/96 – CNS, item II.14,
(...) colegiados interdisciplinares e independentes, com "munus público", de caráter consultivo, deliberativo e educativo, criados para defender os interesses dos sujeitos da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir no desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos. (CNS, 1996).
17
Francisconi et al. (2009) ressaltam que os CEPs devem ter a participação de
pesquisadores de reconhecida competência, além de membros externos à comunidade
científica e às instituições e devem avaliar especificamente os aspectos éticos das atividades
científicas.
Os Comitês de Ética em Pesquisa no Brasil estão, em grande parte, inseridos nas
universidades brasileiras públicas e privadas, mas existem também comitês ligados às
secretarias de saúde dos Estados e aos institutos de pesquisa.
Além das resoluções federais já existentes, levantou-se que, nos últimos anos, órgãos
de apoio a pesquisa científica passaram a refletir sobre a integridade na pesquisa, e assim
criaram diretrizes e códigos de boa conduta, em alguns casos motivados a partir de denúncias
de fraudes em pesquisas.
A partir do recebimento de denúncias de fraude em publicações científicas envolvendo
pesquisas apoiadas pelo órgão, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) criou, em 2011, uma comissão de integridade de pesquisa para elaborar
algumas diretrizes sobre ética na pesquisa, de forma a nortear a conduta dos pesquisadores
com bolsa de produtividade da instituição. (CNPq, 2011). A referida comissão elaborou um
relatório final no qual abordou que:
A necessidade de boas condutas na pesquisa científica e tecnológica tem sido motivo de preocupação crescente da comunidade internacional e no Brasil não é diferente. A má conduta não é fenômeno recente, haja vista os vários exemplos que a história nos dá de fraudes e falsificação de resultados. (CNPq, 2011).
A comissão do CNPq preconiza que, as más condutas na pesquisa são assunto de
interesse das agências de financiamento e que as mesmas devem zelar pela aplicação correta
dos seus recursos em pesquisadores que sejam capazes de produzir avanços efetivos e
confiáveis do conhecimento, instituindo assim, mecanismos de identificação e desestímulo de
práticas fraudulentas na pesquisa, e dessa forma, estimulando a integridade na produção e na
publicação dos resultados de pesquisas (CNPq, 2011).
Também em 2011, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP) criou o “Código de Boas Práticas Científicas”, onde estabelece diretrizes éticas:
para as atividades científicas dos pesquisadores beneficiários de auxílios e bolsas da FAPESP;
para o exercício da função de avaliador científico pelos assessores da FAPESP; para
18
instituições e organizações de pesquisa e para os periódicos científicos apoiados pela referida
fundação (FAPESP, 2011).
Segundo a FAPESP (2011), as diretrizes estabelecidas no código da fundação
concernem a uma parte da esfera da ética profissional do cientista, parte esta que se refere
apenas à integridade ética da pesquisa científica enquanto tal, ou seja, aos valores e padrões
éticos de conduta que derivam direta e especificamente do compromisso do cientista com a
finalidade de sua profissão: a construção coletiva da ciência como um patrimônio coletivo.
No Brasil, a maioria das pesquisas científicas são realizadas nas universidades.
Bianchetti e Valle (2011) colocam que, no país a pós-graduação teve seu processo de
institucionalização iniciado nos primeiros anos da década de 1950 com a criação da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), mas que só nos
anos de 1970 é que a pós-graduação ganhou forte impulso, principalmente em universidades
públicas e confessionais. Destacam ainda que, a educação formal brasileira como um todo,
expandiu-se de uma maneira sem precedentes a partir da queda do regime ditatorial e da
retomada do processo democrático, o que ocorreu pela institucionalização da chamada Nova
República, em 1985, e da aprovação de uma nova Constituição Federal para o país (1988) e
de uma nova lei para a educação brasileira (a LDBEN n. 9394/96).
A partir da evolução da pós-graduação no país, percebe-se que se por um lado foram
criadas resoluções, comitês de ética na pesquisa, diretrizes e códigos de conduta ética,
observou-se, por outro lado, com relação aos pesquisadores no país, um crescimento no
Brasil do número de pesquisadores doutores, atuando em bases de pesquisa no país. Entre
1996 e 2008, houve um crescimento de 278% no número de doutores titulados no Brasil, o
que corresponde a uma taxa média de 11,9% de crescimento ao ano. Esta é uma das
conclusões do estudo do Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE), ligado ao
Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI), transformado na publicação
“Doutores 2010: estudos da demografia da base técnico-científica brasileira” (CAPES, 2010).
O estudo revela ainda taxas significativas de crescimento em todas as grandes áreas do
conhecimento. Entre as que mais cresceram, destacam-se as ciências sociais aplicadas e as
ciências humanas, que apresentaram crescimento de respectivamente 14,8% e 13,6% em
média ao ano. Entre as áreas que cresceram abaixo da média, 11,9%, estão inclusas as áreas
das ciências exatas e da terra. (CAPES, 2010). Observa-se, assim que há um aumento do
número de pesquisadores nas áreas de ciências sociais aplicadas, o que demanda um olhar
mais aprofundado sobre as questões éticas das pesquisas desenvolvidas nesta área.
19
Especificamente, no campo da Administração, levantou-se que o único documento que
discute práticas éticas, elaborado no Brasil, foi de iniciativa da Associação Nacional dos
Programas de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ANPAD), que em 2010,
elaborou um manual de boas práticas voltado para publicação científica, onde são
apresentadas diretrizes éticas norteadoras para a conduta dos autores, editores, revisores e
integrantes de corpos editorias de periódicos.
A associação coloca que o Manual ANPAD de Boas Práticas da Publicação Científica
(Boas práticas da publicação científica: um manual para autores, revisores, editores e
integrantes de corpos editoriais), é um documento que visa ajudar os periódicos brasileiros a
alcançar elevado desempenho e a ampliar o seu impacto como fonte de pesquisa referencial
nas áreas de Administração e Contabilidade e, que as boas práticas recomendadas representam
um conjunto de critérios e orientações a respeito da publicação científica e dos papéis dos
principais atores envolvidos no processo, tanto sob o ponto de vista ético quanto do
operacional. (ANPAD, 2010).
No Manual da ANPAD (2010) é colocado que o documento em questão não tem
caráter normativo, mas sim de orientação, que foi construído com base na literatura e na
prática de se produzir a publicação científica.
Dessa forma, observa-se o crescente interesse em debater e refletir sobre a ética na
pesquisa no Brasil quer seja pelo aumento do número de pesquisadores e das pesquisas e
publicações por parte dos pesquisadores, quer seja pelo aumento de fraudes e desvios de
conduta denunciados no campo da pesquisa científica, conforme dados da CAPES (2010) e
CNPq (2011).
Segundo Oliveira (1983), nas Ciências Sociais o método científico procura descrever o
comportamento, predizer comportamentos, determinar as causas do comportamento, entender
ou explicar o comportamento dos indivíduos. No entanto, dada a natureza “nebulosa” das
variáveis ligadas à percepção, atitude e comportamento, o processo de aquisição de
conhecimentos nas Ciências Sociais se torna mais complexo do que nas Ciências Exatas, onde
os materiais, os objetos e as coisas são mais facilmente identificáveis, mensuráveis e
observáveis.
Bell e Bryman (2007) discutem que, os pesquisadores de gestão enfrentam questões
éticas de natureza diferente em relação àquelas confrontadas com frequência por outros
20
pesquisadores das ciências sociais, e defendem um reconhecimento mais explícito dos fatores
contextuais envolvidos na pesquisa em Administração
Os autores supracitados colocam também que o aumento na regulamentação ética é
visto por alguns pesquisadores do campo da Administração, no Reino Unido, como evidência
de ataque contra a independência acadêmica e as estruturas éticas são tratadas como
mecanismos reguladores que refletem a falta de profissionalismo dos acadêmicos. Porém, os
autores salientam que a prática de se apoiar em diretrizes científicas sociais gerais não
considera a possibilidade de que os pesquisadores da área de Administração tendem a
enfrentar diferentes tipos de situações éticas de outros pesquisadores sociais.
Creswell (2007) salienta que, as questões éticas devem ser refletidas em todo o
processo de pesquisa e recomenda que princípios éticos sejam considerados em cada etapa do
processo da pesquisa. Esses princípios éticos referem-se a: beneficência; transparência na
comunicação dos objetivos e dos órgãos apoiadores da pesquisa; não exposição dos
participantes da pesquisa ao risco; autonomia e livre consentimento dos participantes; respeito
à privacidade e ao anonimato; disponibilização do resultado final da pesquisa; honestidade
nas práticas da pesquisa; qualidade na análise da pesquisa.
Quanto aos dilemas éticos, Medeiros et al.(2007) afirmam que, estão presentes em
qualquer tipo de pesquisa desenvolvida nas distintas áreas das ciências. E que os principais
aspectos dos dilemas éticos podem estar relacionados tanto aos próprios pesquisadores – no
que tange a concepção inicial da proposta de pesquisa e seu delineamento – como ao processo
de desenvolvimento da pesquisa em todas as suas etapas operacionais, incluindo-se o
momento da comunicação do seu produto final.
Salienta-se assim que, o debate ético deve ser abordado em qualquer tipo de pesquisa,
mas principalmente nas pesquisas científicas que sejam desenvolvidas em toda e qualquer
área das ciências, como é destacado tanto pelas resoluções federais, como também pelos
autores estudados.
Se o processo de aquisição de conhecimentos nas Ciências Sociais é mais complexo,
como colocam os autores citados anteriormente, e se dilemas éticos e questionamentos estão
presentes em qualquer tipo de pesquisa das distintas áreas das ciências, porque dilemas,
reflexões e questionamentos éticos no processo de pesquisa são tão pouco estudados na área
das Ciências Sociais Aplicadas, mais especificamente nas Ciências Administrativas?
21
As Ciências Administrativas, diferentemente, de outras ciências, não carecem de
princípios éticos para nortearem a conduta dos pesquisadores? Como então estimular o debate
e a reflexão ética no campo da pesquisa científica em Administração?
A partir desses questionamentos, é pertinente investigar: Como os princípios éticos
encontrados na literatura e nos códigos de conduta são percebidos nas atividades de
pesquisa em Administração, desenvolvidas por pesquisadores atuantes em Programas de
Pós-Graduação em Administração?
O campo de estudo se circunscreve aos Programas de Pós-Graduação em
Administração, por estes se constituírem lócus de excelência de realização da atividade de
pesquisa. Definido o problema de pesquisa, emergem duas categorias de análise: os princípios
éticos e as atividades de pesquisa.
Japiassú e Marcondes (1996) definem princípios éticos como preceitos morais e
normas de ação que determinam a conduta humana. Pode-se colocar assim que, por princípios
éticos na pesquisa compreendem-se as orientações de boa conduta na pesquisa a serem
seguidas por pesquisadores.
As atividades de pesquisa são todas as ações desenvolvidas em cada etapa do
processo de: definição do problema da pesquisa; definição dos objetivos e indagações;
aplicação da coleta de dados; análise e interpretação dos dados e divulgação, com a redação
do relatório final da pesquisa, como destaca Creswell (2007).
Definidas as categorias foram formulados os seguintes questionamentos:
• O que os pesquisadores em Administração percebem ser conduta ética e má
conduta no processo de pesquisa?
• Que dilemas éticos os pesquisadores em Administração enfrentam no
desenvolvimento das atividades de pesquisa?
• Os pesquisadores que atuam na área da Administração conhecem, consideram e
refletem sobre os princípios, diretrizes e parâmetros éticos existentes?
• Os pesquisadores em Administração consideram seus valores pessoais e morais
e/ou os princípios e parâmetros éticos na tomada de decisão sobre questões e
dilemas éticos nas atividades de pesquisa?
• Os pesquisadores em Administração acreditam que é necessária a orientação ou
normatização sobre ética na pesquisa científica no campo da Administração?
22
O presente estudo tem por objetivo geral: Apreender como os pesquisadores atuantes
nos Programas de Pós-Graduação em Administração percebem e consideram os princípios
éticos da pesquisa científica.
E, como objetivos específicos:
a) Identificar a percepção dos pesquisadores quanto ao que consideram ser boa
conduta ética e má conduta na pesquisa científica;
b) Conhecer os dilemas éticos enfrentados pelos pesquisadores no desenvolvimento
das atividades de pesquisa;
c) Identificar o conhecimento dos pesquisadores em Administração acerca dos
princípios sobre ética na pesquisa existentes no Brasil;
d) Levantar se os pesquisadores em Administração consideram seus valores pessoais
e/ou os princípios éticos na tomada de decisão sobre questões e dilemas éticos nas
atividades de pesquisa.
e) Conhecer a visão dos pesquisadores quanto à necessidade de orientação e/ou
normatização na atividade de pesquisa em Administração;
f) Levantar os documentos existentes, no país, que busquem orientar a conduta ética
dos pesquisadores em Administração.
O presente trabalho propõe-se então a examinar a seguinte tese: A conduta do
pesquisador nas atividades de pesquisa em Administração é predominantemente balizada por
valores pessoais ou pelo senso comum e menos por princípios éticos, seja pelo
desconhecimento de instrumentos normativos relacionados à ética, seja pela discordância com
quaisquer regras de disciplinamento sobre conduta ética na pesquisa.
A escolha do tema “ética na pesquisa em Administração” pode ser justificada de várias
formas. Inicialmente, o interesse pelo tema “ética na pesquisa” surgiu a partir de buscas feitas
nos livros das áreas de teoria da pesquisa e metodologia da pesquisa, quando foi constatado
que muitos livros consultados não tinham nenhuma referência à ética na pesquisa científica.
Os poucos livros que apresentavam capítulos inteiros ou trechos de capítulos que
abordavam o tema eram livros de pesquisa de marketing, voltados para a pesquisa comercial.
E um número ainda menor de livros de métodos de pesquisa abordava as questões éticas no
processo de pesquisa, como encontrado em Creswell (2007).
Com essa lacuna de conhecimento encontrada, despertou-se o interesse em aprofundar
a busca de conhecimento sobre ética na pesquisa científica, na área da Administração, pois
23
observava-se, desde então, que, como em todas as outras áreas das ciências, podem ocorrer
desvios de conduta por parte de pesquisadores em Administração.
A partir da constatação da referida lacuna no conhecimento sobre o tema da ética na
pesquisa científica em Administração nos livros consultados, procurou-se levantar dados
sobre pesquisas realizadas e observou-se que, a maioria dos artigos científicos encontrados e
publicados em periódicos nacionais concentravam-se, no debate sobre a ética na pesquisa na
área da saúde, enfocando a bioética.
Os levantamentos sobre a publicação de teses que abordassem o tema ética na
pesquisa foram feitos no site da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), no banco de teses da Capes. Através do acesso ao portal de periódicos da
Capes, foram feitas, também, buscas e consultas em publicações internacionais e nacionais.
Foram acessadas bases como EBSCO, Proquest, Web of Science, SAGE journals online, entre
outras. Os termos pesquisados envolviam os nomes; “ética”, “ética na pesquisa”, “research
ethics”, “ethics of management research”. As consultas e levantamentos nos locais indicados
foram feitas no período de 2008 a 2011.
Com relação a busca por teses foram encontradas muitas teses da área de medicina e
odontologia que abordaram o tema ética na pesquisa. Nas áreas afins, como Ciências
Contábeis, foi encontrada uma tese (ANDRADE, 2011) que tratou da má conduta na pesquisa
na Contabilidade. E onde o autor afirma que há “[...] diminuto número de estudos realizados
no Brasil sobre má conduta na pesquisa na área de contabilidade.” (ANDRADE, 2011, p.8).
Na área de Administração, especificamente, não foram localizadas teses que abordam
o tema “ética na pesquisa em Administração”, apenas teses com enfoque na “ética dos
negócios”, ou mais especificamente, ética no marketing. Como não foram encontradas teses,
no país sobre ética na pesquisa na área da Administração, observou-se assim, uma grande
lacuna a ser preenchida na produção do conhecimento sobre o tema da presente pesquisa.
Já com relação a artigos internacionais, foram encontrados muitos artigos voltados ao
estudo da bioética, mas poucos artigos que abordavam especificamente a temática da ética na
pesquisa na área da Administração, como o artigo de Bell e Bryman (2007).
Foram encontrados diversos artigos científicos que abordavam, no Brasil, no campo
da Administração, a temática ética, mas com enfoque maior na ética nos negócios, ética nas
organizações e ética no ensino da Administração, porém com a temática voltada à discussão
aprofundada sobre a ética na pesquisa científica, só foram encontrados dois artigos, no
24
formato de ensaio teórico: Mattos (2005b) e Yokomizo (2008), até o período de levantamento
bibliográfico.
Mattos (2005b) abordava a ética do pesquisador, colocando-a como uma dimensão
pouco explorada. Já Yokomizo (2008) abordou os desvios de conduta na pesquisa acadêmico-
científica. Outros artigos ligados a pesquisa científica foram levantados, com enfoque no
produtivismo, como Mattos (2008); Alcadipani (2011); Bianchetti e Valle (2011) e Godoi e
Xavier (2012).
A partir dessas constatações, foi iniciado o estudo sobre o tema e elaboradas pesquisas
preliminares, em 2008 e 2009, em disciplinas do curso de Doutorado em Administração, do
Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN).
A primeira pesquisa desenvolvida pela pesquisadora e colaboradores, abordando o
tema “ética na pesquisa em Administração”, foi aplicada em 2008, junto a pesquisadores do
Departamento de Ciências Administrativas (DEPAD) e do PPGA da UFRN. Esse trabalho
inicial gerou um artigo: “Ética na Pesquisa em Administração - reflexões junto aos
pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte” (LEITE et al., 2009), que foi
publicado e apresentado na sessão temática que abordava o tema ética na pesquisa, no XXXIII
Encontro da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração
(EnANPAD), em 2009. Foi o único trabalho apresentado sobre a temática específica da “Ética
na Pesquisa”. O trabalho se tratou de uma pesquisa exploratória e descritiva, que através de
uma abordagem quantitativa, buscava verificar se as questões éticas estavam sendo
consideradas no processo de pesquisa em Administração.
Vale salientar que, a Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em
Administração (ANPAD), inseriu pela primeira vez o tema de interesse “Ética na pesquisa e
produção do conhecimento em Administração e Contabilidade”, na divisão acadêmica
“Ensino e Pesquisa em Administração e Contabilidade” (EPQ), em 2009, dada a importância
constatada do tema a ser pesquisado e discutido nos programas de pós-gradução do Brasil.
Em 2010, novamente foi elaborada, pela presente pesquisadora, uma pesquisa sobre o
tema ética na pesquisa, sendo que o tema em estudo foi abordado dentro de uma perspectiva
qualitativa, diferentemente da primeira pesquisa, que tratou-se de uma abordagem
quantitativa. A pesquisa gerou um segundo artigo, intitulado de “Percepções e reflexões de
pesquisadores – uma abordagem sobre ética na pesquisa” (LEITE et al., 2010), que buscou,
25
através de uma abordagem inicial, conhecer as percepções dos pesquisadores sobre a ética no
processo de pesquisa. Sendo aceito, apresentado e publicado nos anais do XXXIV
EnANPAD, em 2010, na sessão temática “Ética na pesquisa e produção do conhecimento em
Administração e Contabilidade”, na divisão acadêmica de EPQ.
Ao final do XXXIV EnANPAD, em 2010, foi realizado um fórum de editores
científicos de Administração e Contabilidade, por ocasião do II Encontro de Editores
Científicos de Administração e Contabilidade (II EnEC), onde foi elaborado um manual de
“Boas Práticas da Publicação Científica: um manual para autores, revisores, editores e
integrantes de Corpos Editoriais”, sendo que a versão final (revisada mediante consulta
pública realizada com os editores) foi divulgada em dezembro de 2010. (MANUAL ANPAD,
2010).
O Manual da ANPAD representa a preocupação crescente, na área da Administração,
com os aspectos éticos envolvidos na conduta dos editores, comitês ou conselhos editoriais,
revisores e em particular do pesquisador. O manual está relacionado a um dos pontos finais do
processo de pesquisa, que trata da publicação científica e produção de periódicos científicos.
Mesmo assim, observa-se que a discussão e a elaboração do referido guia orientador reforça a
importância da presente pesquisa, pois nesta, são discutidas as reflexões e considerações dos
pesquisadores com relação a um tema – ética na pesquisa – que envolve a confiabilidade e a
qualidade na condução do processo de pesquisa em Administração.
Diante do exposto, observa-se a relevância do estudo sobre o tema, ética na pesquisa
em Administração, devido ao fato de ser um tema relativamente novo na área da
Administração, relevante para o progresso da ciência na área estudada, original e pouco
estudado até então. Além do fato de não existirem normas ou princípios éticos específicos e
norteadores das pesquisas no campo da Administração, conforme Bell e Bryman (2007), o
que reforça a importância do debate reflexivo sobre a ética na pesquisa em Administração.
Pretende-se dessa forma contribuir para a discussão aprofundada e crítica sobre o
tema, buscando suprir as lacunas do conhecimento e gerar o debate sobre a importância da
ética na pesquisa científica em Administração.
Este trabalho está estruturado em cinco capítulos, incluindo esta Introdução que
apresentou as considerações iniciais sobre o estudo, objetivo geral e objetivos específicos,
justificativa, contribuições do estudo e estrutura dos capítulos.
26
O segundo capítulo trata do quadro teórico relacionado ao tema “ética na pesquisa em
Administração” e para compor este quadro foram abordadas primeiramente, as definições, a
evolução e as teorias sobre ética, enfocando a seguir, a relação entre ética e ciência, como
também as normas e princípios éticos da pesquisa existentes no Brasil. E por fim, foram
abordadas aspectos relacionados à ética na pesquisa científica no campo da Administração.
O terceiro capítulo descreve os procedimentos metodológicos utilizados neste estudo,
o tipo do estudo aplicado, os sujeitos da pesquisa, o processo de coleta dos dados, os
instrumentos de pesquisa utilizados, os procedimentos adotados para a análise da pesquisa,
como também as limitações encontradas neste estudo.
O quarto capítulo abrange toda a análise e discussão dos dados, onde são apresentados
os resultados da pesquisa com os pesquisadores entrevistados e com os grupos focais sobre o
tema da ética.
O quinto e último capítulo apresenta as principais conclusões da pesquisa e as
recomendações para pesquisas futuras. Apresentam-se, a seguir, os pressupostos teóricos que
discorrem sobre a temática da ética na pesquisa e sua vinculação com o campo da
Administração.
27
2. ÉTICA NA PESQUISA CIENTÍFICA EM ADMINISTRAÇÃO
De forma a serem atingidos os objetivos da presente pesquisa, faz-se necessário
incursões teóricas sobre a ética na pesquisa científica e, mais especificamente, sobre ética na
pesquisa em Administração. Assim sendo, no presente capítulo serão abordados os seguintes
temas: ética (conceitos, evolução e teorias éticas); ética na pesquisa científica (produção do
conhecimento e ética, conduta ética e má conduta, normas e diretrizes éticas) e ética na
pesquisa em Administração.
2.1. Ética
Na tentativa de compreender o tema “ética”, serão expostas algumas definições e
conceitos, alicerçados em abordagens de diversos teóricos. Primeiramente, buscar-se-á
apresentar as origens das palavras: ética e moral e, em seguida, discutir-se-á a evolução
histórica do estudo da ética.
2.1.1 Evolução e definições da ética e da moral
Conceituar ética não é uma tarefa simples, considerando-se que este campo de estudo
é bastante complexo. A ética constitui uma preocupação antiga do homem. Desde o
surgimento da filosofia, a ética vem sendo abordada com ênfase. Etimologicamente, a palavra
ética tem sua origem no termo grego ethos, que por sua vez significa modo de ser, caráter.
(KAKABADSE et al., 2002; POLLI; VARES, 2008). Por sua vez, a palavra moral deriva do
latim, mais precisamente do termo mos (singular) e mores (plural), significando costumes
(POLLI; VARES, 2008).
Comparato (2008) destaca que, na língua grega, duas palavras, quase homônimas e
com a mesma etimologia – êthos e ethos – indicam, a primeira, de um lado, o domicílio de
alguém, ou o abrigo dos animais, e de outro, a maneira de ser ou os hábitos de uma pessoa; a
segunda palavra, os usos e costumes vigentes numa sociedade e também, secundariamente, os
hábitos individuais.
28
Já na etimologia, portanto, encontramos as duas vertentes clássicas da reflexão ética: a subjetiva, centrada em torno do comportamento individual, e a objetiva, fundada no modo coletivo de vida. Essas duas vertentes foram compridamente exploradas pelo pensamento grego. Na primeira delas, a individual, a regra de vida proposta foi a virtude (Areté); na segunda, a lei (nómos). (COMPARATO, 2008, p.96).
Segundo Valls (2008), entre os anos 500 e 300 a. C., aproximadamente, encontra-se o
período áureo do pensamento grego. O autor coloca que foi um período onde surgiram muitas
ideias, definições e teorias sobre o agir do homem e destaca os pensadores Sócrates, Platão e
Aristóteles. Conforme Pegoraro (2008, p.36), “a ética e a política de Aristóteles formam o
primeiro grande tratado sobre o comportamento das pessoas e da sociedade”.
Comparato (2008) destaca que, a filosofia, ou teoria racional da ética, principia com
Sócrates, que foi o primeiro que procurou definir as virtudes morais. A partir de Sócrates, o
caminho do conhecimento racional foi aberto e a reflexão ética atingiu uma notável elevação
com mais eminentes seguidores: Platão e Aristóteles. Sócrates procurou fixar o princípio ético
fundamental de que os homens, em geral, e os governantes, em particular, são sempre
pessoalmente responsáveis por seus atos ou omissões intencionais.
Já Aristóteles procurou demonstrar que o bem, como finalidade objetiva de toda ação
humana, é tudo aquilo que apresenta um valor para o homem. Encontra-se aí, em germe, a
ideia de que o bem e o mal são percebidos também pela inteligência afetiva, o que representa
a base de toda teoria axiológica moderna (COMPARATO, 2008).
Aristóteles (2001, p.17) escreveu no Livro I, da sua obra “Ética a Nicômaco”, que o
“bem é aquilo a que todas as coisas visam”. E coloca que, o bem deve ser a finalidade de
todas as ações do homem. Aristóteles (2001) discorre sobre a natureza do “bem”, e que esse
bem, em cada atividade assume diferentes formas.
“Se há, portanto, um fim visado em tudo que fazemos, esse fim é o bem atingível pela
atividade, e se há mais de um, estes são os bens atingíveis pela atividade” (ARISTÓTELES,
2001). Chaui (2006) coloca que, se o pensamento filosófico dos antigos for examinado, será
visto que nele a ética afirma três grandes princípios da vida moral:
• Por natureza, os seres humanos aspiram ao bem e à felicidade, que só podem ser
alcançados pela conduta virtuosa;
• A virtude é uma excelência alcançada pelo caráter, tanto assim que a palavra grega
que a designa é aretê, que quer dizer “excelência”. É a força interior do caráter que
29
consiste na consciência do bem e na conduta definida pela vontade guiada pela razão,
pois cabe a esta última o controle sobre instintos e impulsos irracionais
descontrolados, que existem na natureza de todo ser humano;
• A conduta ética é aquela na qual o agente sabe o que está e o que não está em seu
poder realizar, referindo-se, portanto, ao que é possível e desejável para um ser
humano. Saber o que está em nosso poder significa, principalmente, não se deixar
arrastar pelas circunstâncias nem pelos instintos, nem por uma vontade alheia, mas
afirmar nossa independência e nossa capacidade de autodeterminação.
Na ética antiga, destacavam-se três aspectos principais, como apresenta Chaui (2006):
1. Racionalismo: a vida virtuosa é agir em conformidade com a razão, que conhece o
bem, deseja-o e guia a vontade até ele. A vida virtuosa é aquela em que a vontade se
deixa guiar pela razão;
2. Naturalismo: a vida virtuosa é agir em conformidade com a natureza (o cosmo) e com
a nossa natureza (nosso éthos), que é parte do todo natural. Agir voluntariamente não
é, portanto, agir contra a necessidade natural e sim agir em harmonia com ela, de
forma que nossa vontade realize nossa natureza individual e a coloque em harmonia
com o todo da natureza;
3. Inseparabilidade entre ética e política: relacionada à inseparabilidade entre a conduta
do indivíduo e os valores da sociedade, pois somente na existência compartilhada com
outros encontram-se liberdade, justiça e felicidade.
Assim, Chaui (2006) coloca que a ética era concebida como educação do caráter do
sujeito moral para dominar racionalmente impulsos, apetites e desejos, para orientar a vontade
rumo ao bem e à felicidade, e para formá-lo como membro da coletividade sociopolítica.
Na filosofia grega, o nascedouro da ética é a natureza humana que, por sua vez, se insere no cosmos também regido por leis naturais ou pelas divindades como a justiça. Na idade cristã, a origem natural da ética foi mantida, mas com o acréscimo da criação divina do universo e do homem como obras e criaturas de Deus. Portanto, a última fonte da ética não é a natureza, mas a lei eterna. (PEGORARO, 2008, p. 9-10)
30
Com relação às fases posteriores da evolução da ética, buscou-se agrupar, no quadro a
seguir, as doutrinas éticas fundamentais. Vazquez (2005) discute alguns dos aspectos dessas
doutrinas éticas e apresenta os principais filósofos e as características de cada doutrina.
Quadro 1 - Doutrinas éticas fundamentais
Doutrinas
Éticas
Visões e
características
Visões e
características
Visões e
características
Visões e
características
Visões e
características
Ética grega
Sofistas – não existem verdade nem erro, e as normas – por serem humanas – são transitórias.
Sócrates – A ética socrática é racionalista. O homem age retamente quando conhece o bem e, conhecendo-o, não pode deixar de praticá-lo.
Platão – a ética de Platão se relaciona intimamente com a sua filosofia política, como para ele e para Aristóteles, a polis é o terreno próprio da vida moral. O homem é bom enquanto bom cidadão.
Aristóteles – A ética de Aristóteles - como a de Platão – está unida à sua filosofia política, a comunidade social, e política é o meio necessário da moral.
Estóicos e Epicuristas – A moral não mais se define em relação à polis, mas ao universo. A física é premissa da ética.
Ética cristã medieval
Ética religiosa – A Igreja exerce poder espiritual. A moral concreta e a ética estão impregnadas de conteúdo religioso. A ética cristã tende a regular o comportamento dos homens com vistas a outro mundo (sobrenatural).
Ética cristã filosófica – Subordinava-se a filosofia à teologia. Ética limitada pela sua índole religiosa e dogmática. Ética de Santo Agostinho e de Santo Tomás de Aquino.
31
Ética moderna
Ética antropocêntrica – a razão separa-se da fé, e a filosofia da teologia. O homem aparece no centro da política, da ciência, da arte e da moral. Ética com centro e fundamento no homem.
Ética de Kant – O que o sujeito conhece é o produto da sua consciência. Homem como sujeito cognoscente ou moral é ativo, e está no centro tanto do conhecimento quanto da moral.Ponto de partida da sua ética é o fato da moralidade. Ética formal e autônoma.
Ética contemporânea
De Kierkegaard ao existencialismo – Kierkegaard considerado pai do existencialismo – o que vale é o homem concreto, a sua subjetividade. 3 estágios na existência individual: estético,ético e religioso. Outros filósofos: Stirner e Sartre.
Pragmatismo – Principais expoentes: S.Pierce; W. James e J. Dewey. Caracterizava-se pela sua identificação da verdade com o útil, no sentido daquilo que melhor ajuda a viver e conviver.Na ética – os valores, princípios e normas variam de acordo com cada situação. Variante utilitarista marcada pelo egoísmo; versão do subjetivismo e do irracionalismo.
Psicanálise e ética – Psicanálise foi fundada por Freud. Pressuposto básico da psicanálise é a afirmação de que existe uma zona da personalidade, na qual o sujeito não tem consciência,que é o inconsciente.O ato moral é aquele no qual o indivíduo age consciente e livremente, a partir de motivação inconsciente.
Marxismo – Para Marx, o homem real é, em unidade indissolúvel, ser espiritual e sensível,natural e humano, teórico e prático, objetivo e subjetivo. É práxis, ser produtor, criador, transformador.Ser social; ser histórico. A moral cumpre função social, com caráter de classe.
Neopositivismo e filosofia analítica – Partiu da necessidade de liberar a ética do domínio da metafísica. Concentra atenção na análise da linguagem moral.Principais autores: Ayer; Stevenson; Hare; Nowell-Smith e Toulmin.
Fonte: Elaborado a partir de Vazquez (2005, p. 265-297).
Sócrates, Platão, Aristóteles e Kant promoveram uma abordagem baseada na virtude,
que enfatizava a vontade, intenções e caráter do indivíduo. A pessoa virtuosa se comportava
de acordo com a convicção e a força interior, independentemente das consequências da ação e
seu impacto em qualquer relacionamento. (KAKABADSE et al., 2002). Furrow (2007)
considera que a teoria de Aristóteles é atraente, porque é uma filosofia prática que leva
seriamente em conta toda personalidade humana.
32
“A ética não se opõe à felicidade humana, como parece ser o caso segundo Kant, ou
oposta à minha felicidade e integridade pessoal, como para os utilitaristas, mas é uma parte
integral da busca de felicidade”, avalia Furrow (2007, p.127).
A partir do exposto, observa-se que a ética tem diversas e distintas abordagens,
observadas e discutidas ao longo da história, e pode-se destacar a relação da conduta virtuosa
como caminho para alcançar o bem e a felicidade.
Com relação a conceitos e definições de ética, Valls (2008), coloca que a ética é
tradicionalmente entendida como um estudo ou uma reflexão, científica ou filosófica, e
eventualmente até teológica, sobre os costumes ou sobre as ações humanas.
“A ética pode ser o estudo das ações ou dos costumes, e pode ser a própria realização
de um tipo de comportamento” (VALLS, 2008, p.7).
Já Vazquez (2005) coloca que a ética é a teoria ou ciência do comportamento moral
dos homens em sociedade, ou seja, é ciência de uma forma específica do comportamento
humano, que se ocupa de um objeto próprio: o setor da realidade humana chamado de moral,
constituído por um tipo peculiar de fatos, visando descobrir-lhes os princípios gerais.
Define-se a ética como ciência ou estudo do comportamento moral, que se constitui a
partir de uma reflexão sobre os fundamentos que norteiam nossas ações, podendo se mostrar
crítica ao desvelar aspectos distorcidos desses fundamentos ou até mesmo legitimar
determinado conjunto moral. (VAZQUEZ, 2005).
Resnik (2010) afirma ainda que a forma mais comum da definição de "ética", é que a
ética engloba normas de conduta que distinguem o comportamento aceitável e o inaceitável.
Observa-se que tanto Valls (2008), Vazquez (2005) e Resnik (2010), focam nas suas
definições a questão do estudo do comportamento moral como elemento central da ética.
Fortes (1998 apud FORTES, 2004) também destaca que, ética é a reflexão crítica
sobre o comportamento humano que interpreta, discute e problematiza os valores, os
princípios e as regras morais a procura da “boa vida” em sociedade e do bom convívio social.
Fortes (1998 apud FORTES, 2004) insere, assim, a reflexão crítica sobre o
comportamento humano como definição de ética, salientando que a partir desta reflexão pode-
se gerar o bom convívio social.
Já Brown (1993) propõe que a ética é um processo, ou seja, em vez de ver a ética
como um conjunto de regras ou punições, ou mesmo um código, com seus princípios,
33
delimitando espaços, o autor define a ética como o processo de decidir o que deve ser feito. O
autor entende que, no lugar de dizer às pessoas o que é certo, deve-se ensiná-las a descobrir o
que é certo, para que encontrem o caminho, sozinhas. Ao defender a ética como um processo
de decisão, acredita que a partir de ensinamentos do que é certo, as pessoas se tornam
autônomas para decidirem que caminhos seguirem.
Srour (2000, p. 19), coloca que “a ética estuda as morais históricas, as relações e as
condutas dos agentes sociais que normas morais pautam”. O referido autor discute então o que
é a moral, ou seja, um conjunto de valores e regras de comportamento, um código de conduta
que coletividades adotam. Chaui (2006) complementa afirmando que, a ética é o estudo dos
valores, e, portanto que a ética é a reflexão sobre a moral.
Observa-se assim, outro aspecto bastante destacado nas definições acima, a questão da
moral. Alguns autores apontam diferenças entre ética e moral, enquanto outros autores
colocam que são sinônimos.
Para Srour (2000) a ética e moral são distintas e aponta as diferenças: enquanto a ética
diz respeito à disciplina teórica, ao estudo sistemático, a moral corresponde às representações
imaginárias que dizem aos agentes sociais o que se espera deles, quais comportamentos são
bem-vindos e quais não. Segundo o referido autor, a ética opera no plano da reflexão ou das
indagações, estuda os costumes das coletividades e as morais que podem conferir-lhes
consistência, visando à sabedoria ou ao conhecimento temperado pelo juízo. A moral, em
contrapartida, corresponde a um feixe de normas que as práticas cotidianas deveriam observar
e que, como discurso, ilumina o entendimento dos usos e dos costumes.
Severino (1994) salienta que, muitas vezes, os termos ética e moral são tomados como
sinônimos, tanto para designar as prescrições vigentes como para designar a disciplina que
estuda os valores implicados na ação, onde só o contexto pode dizer em que sentido os termos
estão sendo usados. O autor então apresenta seus conceitos de moral e ética.
“Moral: é o conjunto de prescrições vigentes numa determinada sociedade e
consideradas como critérios válidos para a orientação do agir de todos os membros dessa
sociedade” (SEVERINO, 1994, p.195).
“Ética: é a área da filosofia que investiga os problemas colocados pelo agir humano
enquanto relacionado com valores morais. Busca assim, discutir e fundamentar os juízos de
valor a que se referem as ações quando neles fundam seus objetivos, critérios e fins”
(SEVERINO, 1994, p. 196).
34
Para Freitas (2006), diferente da moral, a ética tem sido conceituada como uma
reflexão crítica sobre os costumes e valores. A autora considera que a ética é, portanto,
dinâmica e, também diferente do direito, não se assentando sobre normas, leis ou códigos de
permissão ou proibição, mas sobre referenciais que devem ser confrontados com as situações
concretas que se quer imputar como boas, o bem, benéficas, ou não.
Rios (2006, p.81) coloca que, “quando procuramos questionar os valores que
sustentam a moral, quando buscamos seus fundamentos, estamos no terreno da ética. A ética
pode, então, ser definida como uma atitude crítica diante da moralidade, uma investigação
sobre a consistência e o significado dos valores morais”.
A ética consiste exatamente numa atitude crítica, um esforço de reflexão sobre os valores que orientam as ações e as relações dos indivíduos em sociedade. Enquanto a moral é sempre normativa, apontando o que devemos e o que não devemos fazer, a ética tem um caráter reflexivo, isto é, indaga por que devemos ou não agir do modo como nos é imposto. Mais ainda, procura trazer referências mais amplas para esse agir. (RIOS, 2006, p.82).
Diferentemente, La Taille (2006) considera que, moral e ética são conceitos
habitualmente empregados como sinônimos, ambos referindo-se a um conjunto de regras de
conduta considerado como obrigatórias. Na visão do autor, tal sinonímia é perfeitamente
aceitável: “[...] se temos dois vocábulos é porque herdamos um do latim (moral) e outro do
grego (ética), duas culturas antigas que assim nomeavam o campo de reflexão sobre os
‘costumes’ dos homens, sua validade, legitimidade, desejabilidade, exigibilidade.” (LA
TAILLE, 2006, p.25). O autor considera que, tanto a ética, quanto a moral, são campos de
reflexão sobre os costumes humanos, enquanto que, as autoras Freitas (2006) e Rios (2006)
abordam a reflexão e a atitude crítica sobre os valores, ou seja, diante da moralidade, como
conceito central da ética.
Já Fourez (1995) discute que, cada sociedade desenvolve códigos morais, mas o
debate ético é bem mais amplo do que esses códigos, e opta por falar de ética ou de moral,
sempre tratar de discussões que se pode ter a respeito da maneira adequada de agir -
paradigmas éticos - onde colocam em jogo razões, valores, ideologias, representações daquilo
que se quer para os seres humanos.
Chaui (2008) discute ainda que, o campo ético-moral pressupõe:
• Uma subjetividade dotada de consciência, razão, vontade, liberdade e
responsabilidade;
35
• Uma intersubjetividade não violenta, consciente, racional e responsável, capaz
de justificar seus atos e responder por eles;
• Valores ou fins, considerados bons e justos, válidos para todos os sujeitos
ético-morais de uma sociedade historicamente determinada;
• Regras e normas de comportamento definidas pela noção de dever ou de
obrigação para aqueles que interiorizam a moralidade de sua sociedade;
• A diferença entre necessidade natural e histórica, e a possibilidade
transformadora aberta pela ação de sujeitos éticos e políticos;
• A ideia de situação ou determinação histórico cultural dos valores, normas e
ações éticos, isto é, o reconhecimento de seres situados no mundo,
condicionados pelas situações sociais, econômicas, políticas e culturais, mas
capazes de compreendê-las, avaliá-las, superá-las ou transformá-las pela
própria ação, na companhia de outros.
Observa-se que não há consenso entre os autores sobre as definições de ética e moral,
e como já colocado anteriormente, ética é um campo de estudo bastante complexo, porém
pode-se colocar que há em comum, entre os diversos autores citados, a visão de que a ética
está relacionada ao estudo do comportamento moral, sendo considerada a reflexão crítica
sobre a moral e o comportamento humano. Para fins do presente trabalho, será considerada
esta abordagem, que aborda a ética reflexiva e crítica do comportamento moral. A partir das
definições e conceituações da ética e moral, passa-se então para a apresentação de algumas
correntes ou abordagens teóricas sobre ética.
2.1.2 Teorias éticas
Com relação às teorias éticas, Amoêdo (1997) indica que três são as teorias éticas que
precisam ser elucidadas: a teleologia, a deontologia e o utilitarismo.
• teleologia – é a ética da finalidade (telos, em grego, é fim). A finalidade não pertence
ao ato em si, mas sim ao agente. Não considera sempre a qualidade dos atos em si com
a mesma preocupação com que considera a noção de propósito.
36
• deontologia – ou ética de princípio, entra no campo do subjetivismo e nas questões da
moral. A força de uma ética de princípio é certamente seu respeito pelas pessoas como
agentes morais, bem como sua ênfase em uma igualdade básica da dignidade humana.
Mas, não considera as consequências de ações ou políticas.
• utilitarismo – John Stuart Mill e Jeremy Bentham são os principais arquitetos do
utilitarismo. Considerada a ética da conseqüência – analisa os efeitos de um ato ou de
uma política, em seus aspectos positivos ou negativos.
Já Srour (2000) discorre sobre duas correntes teóricas sobre ética: ética da convicção e
ética da responsabilidade. E coloca que, as duas correntes enfocam tipos diferentes de
referenciais morais – prescrição versus propósitos – e configuram dois modos de decisão. Os
agentes guiados pela ética da convicção seguem os imperativos da consciência, já os que se
orientam pela ética da responsabilidade, guiam-se por uma análise de riscos.
O referido autor coloca que, nas duas correntes éticas fazem-se escolhas, porque em
ambas a adesão a um curso de ação depende da concepção de mundo que os agentes têm ou
da sua consciência da necessidade. Na ética da convicção, não há aferição dos efeitos a serem
gerados, há uma obediência a valores, as escolhas derivam de pressupostos e são dedutivas.
Na ética da responsabilidade, os adeptos seguem duas etapas: primeiro refletem sobre os fatos
e as condições presentes e, depois, deliberam. A legitimação das decisões calca-se num
pensamento indutivo. (SROUR, 2000).
Chanlat (2000), também destaca que a ética da responsabilidade, desenvolvida por
Max Weber, remete às consequências das ações de cada pessoa pode ter sobre os outros e à
reflexão que a precede. Ou seja, a ética da convicção obedece-se a valores e a consciência,
sem avaliar-se os efeitos, e na ética da responsabilidade, a reflexão é anterior a tomada de
decisão, e os riscos são analisados e ponderados.
Posto isso, Amoêdo (1997) configura duas abordagens para estudo da ética: uma
normativa e outra descritiva. Resumidas da seguinte forma:
• Ética descritiva – descreve a forma como as pessoas agem e explica sua ação em
termos de julgamentos de valor e pressuposições;
• Ética normativa ou prescritiva – estuda a forma como as pessoas devem agir e
analisa os julgamentos de valor e pressuposições que justificam tais ações; é
encontrada em códigos, muitos deles baseados no princípio de reciprocidade (a
37
ética vai buscar legitimidade na reciprocidade negativa, que estabelece como as
pessoas não devem proceder).
Resnik (2005) também apresenta duas abordagens sobre a ética: a normativa e a
aplicada. O autor coloca que, a ética normativa é o estudo dos padrões morais, princípios,
conceitos, valores e teorias. A ética aplicada é o estudo de dilemas éticos, escolhas e padrões
em várias ocupações, profissões e situações concretas e à aplicação de teorias e conceitos
morais em contextos específicos.
Se para Amoêdo (1997) e Resnik (2005), o estudo da ética tem duas abordagens,
Goodpaster (2003), ao discorrer sobre os modos de investigação da ética, afirma que o estudo
da ética pode ser de três tipos: descritivo, normativo e analítico.
• A ética descritiva pode ser mais bem classificada entre as ciências sociais, já que
seu objetivo é fazer descrição empírica e neutra dos valores dos indivíduos e seus
grupos;
• A ética normativa não tem por objetivo descrever os fatos neutros, mas julgar o
certo e o errado, o bom e o mau, a virtude e o vício. Com relação à dinâmica da
ética normativa, existem dois níveis distintos de raciocínio interagindo dentro da
ética normativa, o primeiro é o raciocínio moral advindo do senso comum. “Na
vida pessoal e profissional, a maioria das pessoas opera com um conjunto de
convicções, regras práticas ou princípios éticos mais ou menos definidos que as
guiam em suas tomadas de decisão”. (GOODPASTER, 2003, p. 637). O autor
salienta que, esses valores ou regras raramente são explicitados ou enumerados,
porém, se assim o fossem, incluiria itens, como: tentar não prejudicar o outro;
respeitar os direitos do outro (ser justo, íntegro); não enganar nem mentir (ser
honesto); cumprir promessas e contratos (ser fidedigno) e obedecer à lei. E que em
geral, esses julgamentos morais advindos do senso comum são suficientes, no
entanto o senso comum suscita problemas, e quando isso ocorre, as pessoas
parecem ser forçadas a outro tipo de pensamento normativo, para além do senso
comum da moral. Assim, o autor apresenta o segundo nível de raciocínio – o
pensamento crítico. E coloca que é a busca por princípios ou critérios que
justificam a inclusão ou exclusão das normas do senso comum, que esclarecem
essas normas e ajudam a resolver os conflitos entre essas normas,onde a interação
38
dinâmica entre o senso comum da moral e as tentativas de pensá-la criticamente
conduzem ao equilíbrio refletido.
• Quanto à ética analítica (também conhecida por metaética) não se presta nem a
descrever os valores morais nem a cogitar os critérios para distinguir o certo do
errado, em vez disso, posta-se atrás e além dessas duas atividades para colocar
questões sobre o significado e a objetividade dos julgamentos éticos. O objetivo da
ética analítica é explorar as diferenças entre os pontos de vista científico, religioso
e ético; a relação entre lei e moralidade, e as implicações que as diferenças
culturais têm sobre o julgamento ético.
Quadro 2 – Resumo das abordagens sobre teorias éticas
Autores Enfoque das abordagens sobre as teorias éticas
Amoêdo (1997)
• Ética descritiva - como as pessoas agem e explica sua ação em termos de julgamentos de valor e pressuposições;
• Ética normativa ou prescritiva - como as pessoas devem agir e analisa os julgamentos de valor e pressuposições que justificam tais ações;
Resnik (2005) • Ética normativa - estudo dos padrões morais, princípios, conceitos, valores e teorias;
• Ética aplicada - estudo de dilemas éticos, escolhas e padrões em várias ocupações, profissões e situações concretas e à aplicação de teorias e conceitos morais em contextos específicos.
Goodpaster (2003) • Ética descritiva - fazer descrição empírica e neutra dos valores dos indivíduos e seus grupos;
• Ética normativa - julgar o certo e o errado, o bom e o mau, a virtude e o vício;
• Ética analítica - colocar questões sobre o significado e a objetividade dos julgamentos éticos.
Fonte: Elaborado a partir de Amoêdo (1997); Goodpaster (2003) e Resnik (2005).
Destaca-se assim, em comum, nas abordagens dos três autores anteriormente citados, o
estudo da ética pelo tipo normativo, que busca a interação e o equilíbrio entre o raciocínio
moral pelo senso comum e o pensamento crítico sobre a moral.
Cabe abordar, dentro da análise ética, a questão dos valores éticos que levam à decisão
e a conduta ética. Conforme Amoêdo (1997), o conceito contemporâneo de ética se baseia na
pressuposição de que não se pode decidir o que se deve fazer a partir do que se faz, mas fazer
39
aquilo acordado entre os seus, baseado nos valores morais vigentes, utilizados à luz do
conhecimento das atividades e dos valores básicos da atividade organizacional.
Porque, como afirma Valls (2008), cabe à ética resolver as contradições entre
necessidade e possibilidade, entre tempo e eternidade, entre o individual e o social, entre o
econômico e o moral, entre o corporal e o psíquico, entre o natural e o cultural e entre a
inteligência e a vontade.
Guerreiro citado por Amoêdo (1997) coloca que, a eticidade só emerge em processos
de interação em que indivíduos humanos interagem em situações relacionadas com valores
éticos. Esses valores emergem juntamente com as diversas formas de convívio e diálogo entre
indivíduos humanos no contexto de um grupo ou de uma comunidade humana.
Goodpaster (2003) salienta que, o ponto de vista moral é uma perspectiva mental e
emocional que considera que todas as pessoas têm certa dignidade e valor, de onde palavras
como “dever”, “obrigação” e “virtude” derivam seus significados. Assim, afirma que dois
aspectos importantes das ações merecem destaque especial, onde qualquer ação ou decisão
possui (GOODPASTER, 2003):
• Um aspecto aretológico (Areté – palavra grega que significa virtude), que realça a
natureza expressiva das escolhas feitas pelas pessoas. A chave para o aspecto
aretológico da ação é seu enfoque nas ações como manifestações de uma postura
interna, uma personalidade, um sistema de valores ou prioridades. Em que, quatro
virtudes são, com frequência, o centro das atenções da análise e reflexão éticas:
prudência, justiça, moderação e coragem. E outras se destacam, tais como:
honestidade, compaixão, fidelidade a promessas e a dedicação à comunidade –
bem comum. Os vícios individuais ou de grupos incluem a avareza, a crueldade, a
indiferença e a covardia;
• Um aspecto deôntico, que realça a natureza eficaz das escolhas feitas pelas pessoas
– o modo como essas ações influenciam os relacionamentos com outras pessoas e
mudam o mundo a sua volta. Os aspectos deônticos das ações estão relacionados
aos efeitos que as ações causam no mundo, particularmente, o efeito que causam
nos seres vivos, cujos interesses podem estar em jogo.
O aspecto aretológico, baseado na virtude, considera os valores, tais como justiça,
prudência, coragem, entre outros, na decisão ética. Já o aspecto deôntico se baseia em três
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vertentes: no interesse (próprio, do grupo e vantagens); no direito (distribuição equitativa e
liberdades básicas) e no dever (fidelidade nas relações e lealdade à comunidade) para a
tomada de decisão.
A figura a seguir ilustra os aspectos importantes das ações e decisões, a partir,
abordados por Goodpaster (2003), considerando os quatro tipos de abordagem da análise
ética.
Figura 1 - O ponto de vista moral e quatro abordagens possíveis de análise ética Fonte: Goodpaster (2003, p. 640).
A busca pelo equilíbrio entre esses dois aspectos (aspecto aretológico e aspecto
deôntico) das ações quer seja o enfoque das ações como manifestações de valores, quer seja
pelo enfoque nos efeitos das ações, vem a englobar uma conduta ética, onde o senso comum e
o pensamento crítico são ou devem ser considerados na tomada de decisão.
- Interesse próprio - Interesse do grupo - Vantagens melhores e em maior número
- prudência - justiça - moderação - coragem
Aretológico
D e ô n t i c o
O ponto de vista moral Tipos de abordagem da
análise ética
Baseado na virtude
Baseado no dever
Baseado nos direitos
- Deveres de fidelidade nas relações - Deveres de lealdade à comunidade - Direito como distribuição
equitativa - Direito como liberdades básicas
Baseado no interesse
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Após a discussão sobre as teorias e abordagens para o estudo da ética, observa-se que
não existem verdades absolutas ou exatas em matéria de ética. O que existe é a reflexão
permanente sobre os modos de investigação da ética e sobre a análise ética.
Consequentemente, destaca-se que surgem novas abordagens teóricas, mas que continuam
enfocando, algumas vezes sob um novo olhar, os valores morais vigentes, levando às escolhas
e às decisões, tomadas a partir das concepções de mundo ou da consciência que cada ser
humano tem, onde pode ou não considerar os riscos e os efeitos de cada ação deliberada.
Antes de abordar os conceitos ligados ao próximo tópico – ética na pesquisa científica,
cabe ressaltar o conceito de Resnik (2005) sobre ética aplicada, conceituado anteriormente, no
qual se coloca que, a ética aplicada envolve a aplicação de teorias em contextos específicos,
destacando-se o estudo dos dilemas éticos, padrões e escolhas em várias profissões e
ocupações. Envolve também a aplicação de teorias e conceitos morais em conceitos
específicos. Observa-se assim, que a ética na pesquisa se constitui um tema da ética aplicada.
Parte-se então, para a discussão teórica da ética na pesquisa científica.
2.2 Ética na pesquisa científica
O presente tópico se propõe a analisar a pesquisa científica à luz da ética, e para isto,
serão apresentadas e discutidas relações entre ciência e ética, na produção do conhecimento.
Serão também abordadas as questões da conduta ética e das más condutas na pesquisa
científica, enfocando a responsabilidade ética do pesquisador, a integridade da pesquisa, os
dilemas éticos e a discussão sobre o produtivismo acadêmico. Ao final do tópico serão vistos
os princípios éticos, como também as normas e diretrizes institucionais sobre ética na
pesquisa científica.
2.2.1 Produção do conhecimento e ética
Na abordagem do tema, ética na pesquisa científica, se faz necessário estabelecer
relações entre a ética e a ciência. A princípio, cabe diferenciar o senso comum do
conhecimento científico.
42
Köche (2005) distingue senso comum da ciência e aponta que senso comum é
resultado de generalização da constatação ou observação de fatos diariamente vividos e que
sustentam opiniões e crenças, é um tipo de conhecimento com grandes limitações,
fragmentado, dotado de baixo poder de crítica, não proporcionando uma visão global e
unitária dos fenômenos, tendo grande utilidade na solução de problemas diários ligados à
sobrevivência humana.
Por outro lado, Köche (2005) destaca que, o conhecimento científico é dotado de alto
poder de crítica, utiliza linguagem mais precisa, delimitada, com conceitos definidos, sendo
construído através de procedimentos que denotem atitude científica, oferecendo maior
segurança e confiabilidade nos seus resultados, além da capacidade de discussão dos
resultados na comunidade científica. Pode-se observar que, o autor refere-se a um processo de
pesquisa científica em que se destacam aspectos, tais como: visão crítica, delimitações,
procedimentos e discussão dos resultados.
Chauí (2006) também discorre sobre as diferenças entre senso comum e ciência, e
coloca que o senso comum está baseado na tradição e nos hábitos, não é necessariamente
coerente, é utilitário e imediatista. São subjetivos, levando a uma avaliação qualitativa das
coisas. São individualizadores, mas também generalizadores. Já a atitude científica, na visão
da autora, em contrapartida, tem as seguintes características: aspectos objetivos; é
quantitativa; homogênea; generalizadora; diferenciadora; só estabelece relações causais
depois de investigar a natureza do fato estudado; procura a renovação e modificação
constante. A ciência baseia-se em pesquisas, exige teorias coerentes e verdadeiras.
A partir da diferenciação entre o senso comum e a ciência, Chaui (2000) apresenta as
concepções de ciência, e discorre que no decorrer da história, três têm sido as principais
concepções de ciência: a racionalista, que era hipotético-dedutiva, ou seja, definia o objeto e
suas leis e disso deduzia propriedades, efeitos e previsões, baseando-se no modelo
matemático; a empirista, que era hipotético-indutiva, ou seja, baseava-se em observações e
experimentos, que permitiam estabelecer induções, onde a experiência tem a função de
produzir conceitos, além de verificá-los e de confirmá-los; e a construtivista, que iniciou no
século XX, combinando aspectos do empirismo (construção experimental do objeto) e do
racionalismo (construção lógico-intelectual do objeto), entende a ciência como uma
construção de modelos explicativos da realidade.
A autora apresenta uma evolução histórica da classificação das ciências, abordando a
classificação a qual se costuma usar até hoje foi resultado de inúmeras classificações
43
anteriores e daquelas propostas por filósofos alemães e franceses do século XIX, que são:
ciências matemáticas, ciências naturais, ciências humanas ou sociais, e ciências aplicadas.
No século XX, com a fenomenologia e o estruturalismo, passou-se a considerar que
cada campo deva ter seu próprio método. Assim, o método dedutivo ou matemático é
apropriado para as ciências exatas, estudando objetos que são construídos inteiramente pelo
nosso pensamento; ao contrário daquele, o método experimental, indutivo ou hipotético, é
próprio das ciências naturais, que observam seus objetos e realizam experimento, partindo de
hipóteses. Já o método compreensivo-interpretativo é próprio das ciências humanas, tendo
como objeto as significações dos comportamentos, das práticas e das instituições produzidas
pelo ser humano. (CHAUI, 2006).
Assim, cabe destacar alguns conceitos do que se trata uma pesquisa científica. “Pode-
se definir pesquisa como o processo formal e sistemático de desenvolvimento do método
científico. O objetivo fundamental da pesquisa é descobrir respostas para problemas, mediante
o emprego de procedimentos científicos”. (GIL, 1987, p.43) .
Outro aspecto a ser destacado na construção do conhecimento é a distinção de
pesquisa pura e pesquisa aplicada. Gil (1987) coloca que, a pesquisa pura ao buscar o
progresso da ciência, procura desenvolver os conhecimentos científicos sem a preocupação
direta com suas aplicações e consequências práticas. A pesquisa aplicada, por sua vez,
apresenta muitos pontos de contato com a pesquisa pura, pois depende de suas descobertas e
se enriquece com o seu desenvolvimento, todavia, tem como característica fundamental o
interesse na aplicação, utilização e consequências práticas dos conhecimentos. É este o tipo de
pesquisa a que mais se dedicam os psicólogos, sociólogos, assistentes sociais e outros
pesquisadores sociais.
Para Chizzotti (1991), as pesquisas são designadas pela denotação especial que se quer
dar:
• teórica ou fundamental (orientada mais para a verificação de uma teoria que para a
aplicação imediata dos conhecimentos);
• aplicada (visa uma utilização imediata dos conhecimentos produzidos);
• descritiva (se restringe à descrição dos fatos);
• analítica (faz análises interpretativas dos dados e extrai conclusões);
• quantitativa (pelo suporte em medidas e cálculos mensurativos que utiliza);
44
• qualitativa (para ressaltar as significações que estão contidas nos atos e práticas);
• nomotéticas (para evidenciar o intuito de extrair leis- nomos- da regularidade e da
recorrência dos fatos observados para generalizar).
Dessa forma, o autor destaca diferentes tipos de pesquisas, que serão adotadas de
acordo com os objetivos de estudo do pesquisador. Já Collins e Hussey (2005) ordenam a
classificação dos tipos de pesquisa de acordo com: o objetivo da pesquisa (os motivos pelos
quais a pesquisa é realizada); o processo de pesquisa (a maneira pela qual serão coleados e
analisados os dados); a lógica da pesquisa (se a pesquisa vai do geral para o específico, ou
vice versa), e o resultado da pesquisa (resolução de determinado problema ou fazer uma
contribuição geral para o conhecimento). E a partir destes critérios, os autores, classificam os
principais tipos de pesquisa, como apresentado na tabela a seguir.
Quadro 3 – Classificação dos principais tipos de pesquisa
Tipo de pesquisa Base da classificação
Pesquisa exploratória, descritiva, analítica Objetivo da pesquisa ou preditiva Pesquisa quantitativa ou qualitativa Processo de pesquisa
Pesquisa dedutiva ou indutiva Lógica da pesquisa
Pesquisa aplicada ou básica Resultado da pesquisa
Fonte: Collins; Hussey (2005, p. 23).
Por pesquisa exploratória, Collins e Hussey (2005), definem como aquela realizada
sobre um problema ou uma questão de pesquisa em que há pouco ou nenhum estudo anterior
em que seja possível buscar informações sobre o problema ou a questão. Já a pesquisa
descritiva é definida pelos autores como a pesquisa que descreve o comportamento dos
fenômenos, usada para identificar e obter informações sobre características de um
determinado problema ou questão. A pesquisa analítica é, na visão dos autores, uma
continuação da pesquisa descritiva, mas que vai além, pois tem como objetivo entender os
fenômenos, descobrindo e mensurando relações causais entre eles. E por fim, a pesquisa
preditiva é conceituada, pelos autores, como aquela que vai além do que se propõe a pesquisa
45
exploratória, objetivando generalizar a partir da análise, prevendo certos fenômenos como
base em relações gerais e hipotéticas.
Collins e Hussey (2005) diferenciam a pesquisa também pelo método adotado pelo
pesquisador, e colocam que a pesquisa quantitativa envolve coletar e analisar dados
numéricos e aplicar testes estatísticos, e a pesquisa qualitativa que é mais subjetiva e envolve
examinar as percepções para obter um entendimento de atividades sociais e humanas.
Já com relação à lógica da pesquisa, Collins e Hussey (2005) apontam que, a pesquisa
dedutiva é um estudo no qual uma estrutura conceitual e teórica é desenvolvida e depois
testada pela observação empírica, ou seja, casos particulares são deduzidos a partir de
inferências gerais. Já a pesquisa indutiva é um estudo pelo qual a teoria se forma a partir da
observação da realidade empírica, onde as inferências gerais são induzidas a partir de casos
particulares, que é o contrário do método dedutivo, pois parte-se de observações individuais e
transformam-se em afirmações de padrões gerais.
Com relação a classificação que divide as pesquisas em aplicadas ou básicas, os
autores afirmam que, a pesquisa aplicada (fundamental ou pura) é projetada para aplicar suas
descobertas a um problema específico existente, e quando o problema da pesquisa é de
natureza menos específica, na qual a pesquisa é conduzida basicamente para aumentar o
entendimento de questões gerais, é classificada como pesquisa básica.
Outro aspecto abordado por diversos autores se refere à questão da neutralidade do
pesquisador. Na visão de Campos e Costa (2007), pesquisar é bem mais do que se envolver
em um processo de produção de conhecimento: é aderir a um processo que (re)constrói o
pesquisador como ser humano. Da mesma forma, o “mundo externo”, mais do que fonte de
insumos sob a forma de “evidências empíricas”, é entendido como um entorno passível de se
transformar à medida que a atividade científica produz novos olhares e saberes. Ou seja, os
autores destacam que a construção do conhecimento é um processo que pode afetar e
transformar tanto o pesquisador como ser humano, quanto o ambiente.
Mas no passado, outros posicionamentos foram defendidos quanto à concepção de
conhecimento e quanto à questão da neutralidade do pesquisador. Popper (1980), assim como
outros pensadores, defendia sua concepção sobre o conhecimento humano - o dedutivismo,
onde as teorias começam na imaginação humana, são submetidas a severos testes para deduzir
delas algumas das regularidades do mundo conhecido da experiência comum e poder explicar
46
essas regularidades, e que essas tentativas de explicar o conhecido pelo desconhecido,
ampliaram muito o âmbito do conhecido.
O autor alega que o trabalho do cientista é o de testar suas teorias, eliminando aquelas
que não resistam aos mais rigorosos testes que ele possa planejar. Em que a refutabilidade de
uma teoria constituiria a própria essência da natureza científica e onde o pesquisador era
distante então do objeto do estudo, sem se envolver e sem alterar. Ou seja, o autor defendia a
questão da objetividade e da neutralidade valorativa do conhecimento científico.
Em outra abordagem teórica encontra-se, a tese central do livro “Conhecimento e
Interesse” de Habermas (1982), relacionada à análise de que todo conhecimento é posto em
movimento por interesses que o orientam, dirigem-no e comandam-no.
E Habermas (1982) coloca que, são nesses “interesses” que a pretensão pela
universalidade do saber deve ser avaliada. Para o autor, o único interesse legítimo é o da
emancipação da espécie. E para isso, o autor propõe a auto-reflexão como um elemento
essencial à construção do conhecimento. e como um caminho metodológico capaz de fazer
fluir o projeto emancipatório do saber, cujas consequências mais relevantes voltam-se para a
liberdade e emancipação do próprio homem.
Também contrário a abordagem de Popper, Adorno (1980), em suas teses defendidas,
rejeita a separação entre sujeito e objeto do conhecimento. Os autores Adorno e Habermas
rejeitam, assim, a questão da separação entre sujeito e objeto no processo da pesquisa,
rejeitando a neutralidade no conhecimento científico.
Chauí (2006) corrobora com a visão de Habermas e Adorno, ao afirmar que é uma
ilusão a neutralidade da ciência, respaldada pela separação e distinção entre o sujeito do
conhecimento e o objeto, e explica que essa imagem da neutralidade científica é ilusória, visto
que o cientista escolhe certa definição de seu objeto, decide usar um determinado método e
espera obter certos resultados. Desse modo, sua atividade não é neutra nem imparcial, mas
feita por escolhas.
Voltando a Campos e Costa (2007), que ao abordarem a pesquisa em estudos
organizacionais, destacam que para uma parcela de pesquisadores desta área observam-se
várias transformações na prática da pesquisa e entre elas está a rejeição da neutralidade do
pesquisador. Os autores colocam o seguinte:
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Ao reconhecer a impossibilidade de o conhecimento ser separado das pessoas e do entorno que o produz, autores como Alvesson e Sköldberg (2000), Morgan (1983a) e Steir (1991) resgatam a reflexividade como essencial ao processo de pesquisa. Isso significa atentar para a natureza interpretativa, política e retórica da ciência; considerar a seletividade do pesquisador, ao invés de eliminá-la; reconhecer a relação notoriamente ambivalente do pesquisador com a realidade que estuda; aceitar como ilusória a ambição de determinar como as coisas são. Em outras palavras, o que faz a boa pesquisa social não é exclusivamente o método, mas, antes, a ontologia e a epistemologia. (CAMPOS; COSTA, 2007, p.38-39).
A partir da visão de que o processo de construção do conhecimento é também
processo de construção e reconstrução do mundo e das pessoas, sem espaço para o observador
destacado e neutro, Campos e Costa (2007) apontam que, é esperado que o pesquisador se
reconheça e se coloque como participante na sociedade; se mostre comprometido em alterar
uma situação que o incomoda e o motiva. Essa posição implica entender a pesquisa não como
problema puramente técnico, restrito ao método. Sem limitar-se à busca pela certeza de estar
encaminhando um conhecimento alinhado a pressupostos, o pesquisador deve também
examinar ativamente a natureza e as possíveis consequências da pesquisa. Ou seja, não se
trata de dispensar considerações técnicas, sempre relevantes, mas de incluir considerações
além do método: redirecionar questões de objetividade e rigor, bem como considerar a
dimensão ética no processo de pesquisa, destacam as autoras.
Essa visão abordada pelos autores citados anteriormente, busca enfatizar a questão da
reflexão crítica como fundamental no processo de pesquisa científica, de forma a serem
avaliadas as prováveis consequências da pesquisa para todos os atores envolvidos e para o
entorno.
Rodrigues (2004, p.193) entende que, “a produção científica de qualidade depende da
integração entre instituições, organizações (universidades) que produzem o conhecimento
científico e o mercado”. A autora coloca que, as instituições desempenham várias funções na
sociedade, ao estabelecerem regras, ao formularem políticas de incentivo e ao criarem
critérios de desempenho.
Se toda pesquisa tem prováveis consequências, quer seja para todos os atores
envolvidos na pesquisa quer seja para o entorno, como colocam Campos e Costa (2007) e
Rodrigues (2004), observa-se, assim, um componente ético na necessidade da reflexão por
parte do pesquisador acerca destas consequências.
A atividade da pesquisa científica está, então, permeada por questões éticas, visando o
avanço da ciência sem causar prejuízos, malefícios ou danos aos pesquisados e a população
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em geral. E permeando todo o processo de pesquisa, também encontra-se a reflexão do
pesquisador acerca das suas responsabilidades e da sua conduta. Estas visões remetem então à
discussão sobre a relação entre ciência e ética.
A verdade da ciência e a ética têm uma origem comum: fazem parte de uma tarefa
milenar que o ser humano assumiu para conhecer a si mesmo como sujeito, isto é, como autor
de seu próprio saber e de suas próprias normas (MATHEUS, 2006).
Matheus (2006) coloca que, nesta convergência originária, reside o motivo pelo qual é
impossível separar a ética da ciência, como também para entender o significado ético da
ciência e o processo cognitivo em que a ética se introduz na vida e na história humanas. E
reforça essa tese ao afirmar que a ética é a reflexão que todo ser racional deve fazer a respeito
de como deve agir, não apenas com relação a si mesmo, mas também em relação aos outros.
Se a ciência é uma reflexão que todo ser racional necessita fazer a respeito do mundo, para
preservar sua existência, todo conhecimento visa a uma determinada ação. O conhecimento é
necessário para orientar a ação porque se refere ao modo de ser da vida e das coisas.
O referido autor enfatiza que seria também possível dizer que a ética é a reflexão
relacionada ao conhecimento de como deve ser a ação, da mesma maneira que a ciência é um
conhecimento relacionado ao que se deve fazer para si e para os outros.
Conforme a ciência avança, observa-se que, as coisas não convergem para um único
ponto, mas que se espalham e se dispersam de forma complexa, tornando-as cada vez mais
complicada, o que faz com que a busca de respostas dicotômicas fique cada vez mais distante
(MORGAN, 2000).
Ainda relacionando a ética com a ciência, vale ressaltar que, se a pesquisa científica
envolve pesquisadores e pesquisados, pesquisadores e participantes, conforme Paiva (2005), e
devido à imprevisibilidade das consequências de uma investigação, é imperativo que a ética
esteja sempre presente na elaboração de um projeto de pesquisa, principalmente, quando esta
lida com seres humanos, ou seja, é importante que a ética conduza as ações de pesquisa, de
modo que a investigação não traga prejuízo para nenhuma das partes envolvidas.
A autora, ao elaborar uma análise em quinze livros de metodologia de pesquisa,
brasileiros e estrangeiros, e de três manuais de orientações sobre pesquisa, publicados por
universidades brasileiras, revelou que apenas um livro, entre os analisados, incluía
considerações sobre a ética na pesquisa. As demais obras analisadas não dedicavam sequer
49
uma seção para discutir o problema e, nos livros que apresentam índices onomásticos, não
havia sido localizada nenhuma ocorrência da palavra “ética” (PAIVA, 2005).
Paiva (2005) discorre que, apesar de ser um estudo preliminar e não generalizável, a
análise parece indicar que a ética está sendo pouco estudada e adotada na prática nas
disciplinas de metodologia e que a reflexão sobre ética na pesquisa é uma preocupação bem
recente em todas as áreas da ciência no país.
Matheus (2006), analisando também a relação entre ética e ciência, discute que, ética e
ciência vivem, no mundo atual, uma fase de profunda exigência de reaproximação. O autor
discorre sobre tempos em que estiveram separadas. Foram épocas nas quais os cientistas
invocavam para si a liberdade de pesquisar sem estarem atados a normas ou limitados por
qualquer tipo de censura que cerceasse sua liberdade para ampliar os horizontes do
conhecimento. Passaram a repelir qualquer critério normativo externo à sua conduta,
atribuindo caráter “aético” ao trabalho científico.
O autor destaca ainda que, a atividade científica no mundo atual tende a atribuir ao
pesquisador uma crescente autonomia. Na medida em que a ciência progride, a partir de
juízos sintéticos a priori, como diz Kant, a observação da realidade se torna o ponto de partida
para a evolução dos conhecimentos humanos. O pesquisador é exatamente aquele que liga
dados dispersos por alguma relação de causalidade, a partir da qual novos conhecimentos são
alcançados. Dada a importância atribuída à observação e também à necessidade de atribuir
objetividade aos conhecimentos, os pesquisadores passaram a se preocupar com o controle da
influência de sua subjetividade no processo investigativo. Em nome dessa objetividade
visada, os pesquisadores pensaram ser possível suprimir totalmente o papel da sua
subjetividade, procurando suprimir ao máximo sua participação ao pesquisar.
Ocorre, porém, que a objetividade depende totalmente da subjetividade: não apenas da
subjetividade do pesquisador, mas também da subjetividade de todos os seres humanos.
Recorrendo ainda a Kant, é importante lembrar que a verdade pode ser definida como um
conhecimento subjetivamente e objetivamente suficiente. Isto significa que, a objetividade
consiste em que só é verdade o que assim puder ser reconhecido por todo e qualquer ser
racional. Em outras palavras, para que um conhecimento seja verdadeiro, é preciso que seja
admitido por toda e qualquer subjetividade. (MATHEUS, 2006).
Araújo (2003) também afirma que houve um tempo em que, muitos pesquisadores
acreditavam que sua firme determinação de fazer o bem, sua integridade de caráter e seu rigor
50
científico eram suficientes para assegurar a eticidade de suas pesquisas, porém nos dias de
hoje essa concepção já não é mais objeto de consenso.
Por muito tempo a atividade de pesquisa foi considerada isenta de considerações de ordem ética. A neutralidade do pesquisador era exigência inexorável e a confiabilidade dos resultados se depreendia da capacidade de se descolar de seus valores para se ater exclusivamente ao rigor do método. Assim, da pesquisa se cobrava tão-somente a observância rigorosa dos métodos e procedimentos, abstraídas as consequências da aplicação de seus resultados. Desde que "científico", o conhecimento gerado legitimava-se, e o pesquisador poderia ter certeza de servir à causa nobre do progresso da ciência. Na linguagem corrente, "pesquisa" tornou-se denominação genérica para a coleta de dados e produção de informações em áreas variadas. A atividade tem sido valorizada mais pela "confiabilidade" das fontes e rigor dos métodos de coleta, tratamento e análise do que pelas consequências e usos possíveis dos resultados produzidos. (CAMPOS; COSTA, 2007, p.38).
Nos tempos atuais, a independência da ciência passou a ser questionada. Mais
recentemente, os próprios cientistas passaram a reduzir essa distância. Não basta notar que há
um fundamento ético na busca do conhecimento e na necessidade de aproximação da verdade.
Surge também a noção de que não se pode ser verdadeiro e injusto, do mesmo modo que não
se pode ser falso, mas justo. (MATHEUS, 2006).
Fourez (1995) discorre sobre a questão de “Como articular ciência e ética?”. Na visão
do autor se pode afirmar que os conceitos científicos ventilados nos debates éticos ou
políticos se ligam sempre a uma racionalidade particular, por pressupostos particulares.
Porém, o autor salienta que, a ciência não pode dar uma resposta às questões éticas, e que a
ciência pode apresentar elementos de interpretação “especializada” que podem testar a
coerência de uma visão particular, permite analisar melhor os efeitos, contribuir para
esclarecer implicações das escolhas, mas não pode fornecer a resposta à questão ética:
“queremos assumir tal decisão?”. Assim, o autor discute que a ciência dará parâmetros,
embasamento, para uma decisão ética seja tomada, não decidindo diretamente, mas,
influenciando através do conhecimento científico.
A partir das discussões sobre a relação entre a ética e ciência, destaca-se então que
ética na pesquisa é a definição e a incorporação de princípios e diretrizes éticas para
fundamentar e nortear o desenvolvimento de pesquisas envolvendo seres humanos.
(GUILHEM, 2008). Tais abordagens remetem à importância da discussão da eticidade na
ciência, através do debate ético e da identificação dos interesses que orientam a pesquisa. Ou
seja, no mundo moderno é crucial entender como as premissas éticas são consideradas na
atividade de pesquisa, afetando ou não a conduta do pesquisador.
51
2.2.2 Conduta ética e má conduta ética na pesquisa científica
As atuais discussões sobre conduta ética na pesquisa enfatizam a questão da
responsabilidade do pesquisador. Morin (1996) destaca que, a responsabilidade é noção
humanista ética que só tem sentido para o sujeito consciente e que o problema da consciência
(responsabilidade) supõe uma reforma das estruturas do próprio conhecimento.
O assunto da responsabilidade ética do cientista e as reflexões sobre o impacto da
ciência e da tecnologia sobre a vida social e sobre o ser humano não é algo moderno.
Contudo, foram os efeitos catastróficos do progresso da técnica e da ciência após a primeira
guerra mundial e no período entre ela e a segunda guerra mundial, que trouxeram à tona a
importância de refletir sobre a responsabilidade do cientista (SANTOS; SILVA NETO,
2000).
Artigo publicado na revista Nature, em 2005, divulga o resultado de uma investigação
efetuada entre cientistas dos Estados Unidos a respeito de práticas questionáveis em pesquisa.
A pesquisa apontou que, em torno de 35% dos entrevistados mencionaram ter adotado, nos
últimos três anos, algum tipo de comportamento considerado questionável em sua atividade.
Entre tais comportamentos, destacavam-se: falsificação, fabricação e ocultação de dados,
plágio, quebra da confidencialidade, desconsideração pelo bem-estar dos participantes,
utilização das ideias de outras pessoas sem solicitar permissão, definição da metodologia e
dos resultados dos estudos em obediência à pressão de financiadores da pesquisa (GUILHEM;
ZICKER, 2007).
A investigação científica é construída sobre uma base de confiança. A sociedade
confia que, os resultados das pesquisas científicas são honestos e reflexos precisos do trabalho
de um pesquisador. Quando essa confiança é quebrada e os padrões profissionais da ciência
são violados, as consequências afetam direta e pessoalmente os pesquisadores, bem como
afeta também a base da profissão de pesquisador, o que pode ter impacto na relação entre
ciência e sociedade. (COMMITTEE ON SCIENCE, ENGINEERING, AND PUBLIC
POLICY et al., 2009).
Na visão de Morin (1996), o conhecimento científico elimina de si mesmo toda a
competência ética, porém a práxis de investigador suscita ou implica uma ética própria, não
se tratando unicamente de uma moral exterior que a instituição impõe as pessoas, mas sim de
52
uma consciência profissional inerente a toda a profissionalização, tratando-se de uma ética
própria do conhecimento.
Resnik (2005) aborda que, não há uma demarcação clara entre má conduta em ciência
e práticas de pesquisa questionáveis e que a linha entre conduta antiética e conduta ética na
pesquisa é muitas vezes nebulosa. Mas o autor salienta que, para uma conduta ética na
ciência, não devem ser violados padrões morais comumente aceitos e deve-se promover o
avanço dos objetivos científicos.
Na visão de Brown (1993), a noção de responsabilidade contém tanto pauta negativa
quanto positiva, ou seja, responsabilidade negativa se refere à obrigação de não fazer o mal, e
responsabilidade positiva, ao contrário, refere-se à responsabilidade em fazer o bem.
O autor parte do entendimento da responsabilidade como a habilidade de responder,
baseada na capacidade das pessoas de pesar os prós e os contras de diferentes cursos de ação,
de examinar as razões que as apoiam e de escolher o curso de ação que tem o maior apoio.
Brown (1993, p.3) coloca que, “esta abordagem vê a ética como um processo de
reflexão acerca das razões para um curso de ação proposto”. E assim, as pessoas podem gerar
os recursos essenciais para tomar as melhores decisões, a partir das ferramentas conceituais e
das estratégias para agir responsavelmente.
Destaca-se assim, que a reflexão sobre a responsabilidade ética do pesquisador e sua
consciência profissional ao ser focada no avanço da ciência, deve considerar os possíveis
impactos destes avanços sobre a vida social e sobre o ser humano, como também os limites
éticos da busca dos objetivos científicos.
Morin (1996) salienta ainda que é imperativo conhecer para conhecer e que esse
imperativo de conhecer deve triunfar, para o conhecimento, sobre todos os interditos, e tabus
que o limitam. A ética do conhecer tende, no investigador sério, a tomar a prioridade, a opor-
se a qualquer outro valor, e este conhecimento "desinteressado" se desinteressa de todos os
interesses político-econômicos que utilizam, de fato, estes conhecimentos.
Para Fromm (1986), as fontes das normas para uma conduta ética hão de encontrar-se
na própria natureza do homem, pois para o autor as normas morais se baseiam nas qualidades
inerentes ao homem e a sua violação origina uma desintegração mental e emocional.
Habermas aborda a ética do discurso, que seria a tentativa de estruturar uma teoria da
racionalidade amparada no que o próprio Habermas chama de razão comunicativa, tratando-se
53
da proposta de uma ética do “viver bem” entre indivíduos capazes de linguagem e ação
(PIZZI, 1994). A racionalidade ético-comunicativa admite o nexo entre os avanços da
racionalidade técnica e o mundo vital social ou a práxis social.
Knapp (2007) afirma que, Habermas propõe o recurso argumentativo em favor de uma
racionalidade comunicativa na perspectiva de seja possível resgatar pretensões de validez,
envolvendo não apenas um mundo objetivo, mas também o mundo social e subjetivo
presentes no contexto vital. A autora analisa que, o método do discurso, apresentado pelo
filósofo em sua ética do discurso, parte de princípios nos quais os participantes têm de sair de
sua posição egocêntrica para o entendimento com o outro, assumindo suas responsabilidades.
A ética ao conduzir as ações da pesquisa, deve ser observada de uma forma que haja o
entendimento coletivo visando o todo, a partir das responsabilidades assumidas. Para Fourez
(1995), é útil adotar um “modelo” da maneira pela qual se processa em geral o
desenvolvimento de um debate ético. A reflexão ética se inicia diante do sofrimento (não
implicando que este seja valor), mas como uma alteridade que desencadeia a reflexão. Muitas
vezes o debate ético tem por trás interesses próprios e não-éticos. Está sempre ligado às lutas
ideológicas em que se cruzam interesses diversos.
O debate ético é uma reflexão racional e comunitária que se situa em meio a
considerações, relatos e tipos de apelos múltiplos (implícitos ou explícitos). Para que possa
ocorrer o debate ético, é necessária uma grade analítica preliminar que envolva: a
identificação dos indivíduos e grupos implicados; as causas e fatores que conduziram ao
ponto do debate; os interesses econômicos, técnicos, de poder, ideológicos, emocionais, que
envolvem os indivíduos e grupos. (FOUREZ, 1995).
Daft (2005) coloca que, uma questão ética está presente em uma situação quando as
ações de uma pessoa ou organização podem prejudicar ou beneficiar os outros. A ética pode
ser mais claramente entendida quando comparada com os comportamentos governados pelas
leis e pela livre escolha. A figura a seguir mostra que o comportamento humano se encaixa
em três categorias.
Figura 2 - Os três domínios da ação humana
Alta
Fonte: Daft (2005, p.101).
A primeira é a lei codificada, que engloba o padrão legal, e onde há uma alta
de controle explícito. A segunda categoria trata do domínio da ética, relacionado com o
padrão social, que se situa
categoria é a do domínio da livre escolha, o padrão pessoal, onde
explícito. Assim, como coloca Daft (2005)
pessoas, trata-se de uma questão ética.
A partir da abordagem sobre a conduta e a responsabilidade ética do pesquisador, vale
salientar a questão da integridade na pesquisa científica, por parte de todos os atores
envolvidos na produção do conhecimento.
Cortella (2006) afirma que,
ética na pesquisa, é a noção de integridade.
do conhecimento hoje, a grande questão é: como está a nossa possibilidade de sustentar a
nossa integridade?
A integridade em pesquisa é essencial para manter a excelência científica e para
manter a confiança do público
quanto para as instituições em que trabalham.
acima de tudo, compromisso
pessoal. Para uma instituição, é um compromisso de criar um ambiente que promov
conduta responsável na pesquisa,
em seguida, avaliar se os pesquisadores e administradores percebem que um ambiente com
altos níveis de integridade foi criado
RESEARCH ENVIRONMENTS
Os três domínios da ação humana
Quantia de
Alta controle explícito Baixa
A primeira é a lei codificada, que engloba o padrão legal, e onde há uma alta
de controle explícito. A segunda categoria trata do domínio da ética, relacionado com o
em um meio termo, em relação ao controle explícito. Já a terceira
categoria é a do domínio da livre escolha, o padrão pessoal, onde há baixa quantia de controle
Assim, como coloca Daft (2005), as ações humanas que possam prejudicar outras
se de uma questão ética.
A partir da abordagem sobre a conduta e a responsabilidade ética do pesquisador, vale
questão da integridade na pesquisa científica, por parte de todos os atores
envolvidos na produção do conhecimento.
) afirma que, se há algo que é fundamental quando se fala em ciência e
, é a noção de integridade. E coloca que quando se pensa em ética e produção
do conhecimento hoje, a grande questão é: como está a nossa possibilidade de sustentar a
ntegridade em pesquisa é essencial para manter a excelência científica e para
público, deve ser inerente tanto para os pesquisadores individuais
as instituições em que trabalham. Para um cientista, a integridade incorpora,
compromisso individual com a honestidade intelectual e responsabilidade
a uma instituição, é um compromisso de criar um ambiente que promov
na pesquisa, ao adotar padrões de excelência, credibilidade, legalidade e,
em seguida, avaliar se os pesquisadores e administradores percebem que um ambiente com
os níveis de integridade foi criado (COMMITTEE ON ASSESSING INTEGRITY IN
RESEARCH ENVIRONMENTS et al., 2002).
Domínio da lei
codificada (Padrão legal)
Domínio da ética (Padrão social)
Domínio da livre escolha (Padrão pessoal)
54
A primeira é a lei codificada, que engloba o padrão legal, e onde há uma alta quantia
de controle explícito. A segunda categoria trata do domínio da ética, relacionado com o
em um meio termo, em relação ao controle explícito. Já a terceira
há baixa quantia de controle
ações humanas que possam prejudicar outras
A partir da abordagem sobre a conduta e a responsabilidade ética do pesquisador, vale
questão da integridade na pesquisa científica, por parte de todos os atores
ental quando se fala em ciência e
uando se pensa em ética e produção
do conhecimento hoje, a grande questão é: como está a nossa possibilidade de sustentar a
ntegridade em pesquisa é essencial para manter a excelência científica e para
para os pesquisadores individuais
Para um cientista, a integridade incorpora,
com a honestidade intelectual e responsabilidade
a uma instituição, é um compromisso de criar um ambiente que promova a
ao adotar padrões de excelência, credibilidade, legalidade e,
em seguida, avaliar se os pesquisadores e administradores percebem que um ambiente com
COMMITTEE ON ASSESSING INTEGRITY IN
55
Conforme Cooper e Schindler (2003), a pesquisa ética exige integridade pessoal do
pesquisador, do coordenador do projeto e do patrocinador da pesquisa, remetendo a questão
ao indivíduo, as pessoas, que são subjetivas. As pessoas que integram uma organização, uma
sociedade, ou uma comunidade científica possuem formações culturais e científicas
diferentes, experiências sociais diversas e opiniões distintas sobre os fatos da vida.
A expressão “integridade da pesquisa” (research integrity) vem sendo utilizada para
demarcar um campo particular no interior da ética profissional do cientista, entendida como a
esfera total dos deveres éticos, a que o cientista está submetido ao realizar suas atividades
propriamente científicas. (SANTOS, 2011).
O referido autor coloca que, no interior dessa esfera, pode-se distinguir dois conjuntos
de deveres do cientista: o conjunto dos deveres derivados de valores éticos mais universais,
tais como: o valor (não especificamente científico) relacionado ao respeito à integridade
física, psicológica e moral dos seres humanos e, por outro lado, o conjunto de deveres
derivados de valores éticos especificamente científicos, ou seja, valores que se impõem ao
cientista em virtude de seu compromisso com a própria finalidade de sua profissão: a
construção coletiva da ciência como um patrimônio coletivo.
Santos (2011) salienta ainda que, o princípio desse campo particular da ética
profissional é que ao exercer suas atividades científicas, um pesquisador deve sempre visar a
contribuir para a construção coletiva da ciência como um patrimônio coletivo, deve abster-se
de agir, intencionalmente ou por negligência, de modo a impedir ou prejudicar o trabalho
coletivo de construção da ciência e a apropriação coletiva de seus resultados. É a essa parte da
ética profissional do cientista que remete a expressão “integridade da pesquisa”.
Na visão de Resnick (2008), existem várias razões que demonstram a importância de
se respeitar as normas éticas em pesquisa, e destaca que, as normas promovem os objetivos da
pesquisa, tais como, o conhecimento e a verdade, de forma a ser evitado o erro. Como
exemplo, o autor cita que as proibições quanto à falsificação ou adulteração de dados da
pesquisa promovem a verdade e evitam o erro ou fraude. O autor destaca ainda que, a
pesquisa envolve, muitas vezes, grande cooperação e coordenação entre diferentes pessoas,
em disciplinas e instituições distintas, e assim os padrões éticos promovem valores que são
essenciais ao trabalho em conjunto, tais como confiança, responsabilidade, respeito mútuo e
justiça.
56
Schminke e Ambrose (2011) também reforçam que, a integridade é a base para a
maioria dos esforços relacionados à pesquisa e à publicação. Autores, revisores e editores
dividem a responsabilidade na criação e na manutenção do sistema no qual são conduzidos e
publicados os trabalhos. Porém, a pesquisa e a publicação são processos complicados. Uma
única tentativa de pesquisa pode envolver múltiplos autores, centenas de participantes e uma
variedade de habilidades e ferramentas que se estendem por meses ou até anos. Os desafios
éticos podem surgir a qualquer ponto do caminho, então não é de surpreender que novos
pesquisadores e também experientes pesquisadores geralmente se esforcem para compreender
e manter os padrões éticos que se esperam deles.
Por outro lado, Kennedy (2006) considera que, a integridade da pesquisa inclui a
incorporação de códigos de ética pessoais e profissionais no projeto de pesquisa, e também
inclui aderir a estes códigos enquanto o estudo é realizado. A autora coloca que a forma como
são interpretadas as questões éticas na pesquisa pode ser intensamente pessoal, ou seja, é uma
área complexa e muitas vezes ambígua.
O uso de códigos de ética tem sido aplicado para defender uma postura íntegra em
diversos setores das organizações, inclusive nas pesquisas, mas segundo Cooper e Schindler
(2003), a prova de que esse esforço tenha melhorado as práticas éticas é questionável.
Restringir o comportamento antiético é de ação limitada, porque sugestiona o senso moral de
cada pessoa, o que é sugestionável.
Cada indivíduo possui percepções diferentes de uma mesma coisa, o que torna
problemática essa questão. Por isso, estes autores defendem que é preciso encontrar um
equilíbrio entre ser completamente governado por códigos e relativismo ético, em que o ponto
de equilíbrio se encontraria através de um consenso sobre os padrões éticos para os
pesquisadores.
A Conferência Mundial da Unesco de 1999, em Budapeste, Hungria, na sua
declaração final, recomenda: "Todos os cientistas devem se comprometer a respeitar elevados
padrões éticos e um código de ética - baseado em normas relevantes espelhadas em
instrumentos internacionais de direitos humanos - estabelecido por profissionais da ciência".
(PESQUISA FAPESP, 2000).
Porém, a ética profissional não pode ser reduzida somente aos códigos de ética, que na
verdade constituem códigos morais, mas deve ser a busca por uma reflexão crítica sobre a
ação do profissional no seu espaço de trabalho, que deve fundamentar seu bem-estar e o dos
57
outros, uma vez que o trabalho se dá por uma relação. A ética, como reflexão crítica, ajuda a
analisar os fundamentos morais que norteiam as ações de cada pesquisador. (POLLI; VARES,
2008).
Schminke e Ambrose (2011) afirmam que, mesmo com fácil acesso à orientação ética
de alta qualidade (os autores destacam as orientações éticas disponíveis por academias no
exterior), as violações da ética em pesquisa, infelizmente, são bastante comuns. Os autores
relatam que fizeram uma pesquisa informal com dezesseis ex-editores de periódicos de gestão
importantes e de várias partes do mundo, em que pediram que relatassem uma ou duas
ocasiões nas quais foram forçados a confrontar uma possível ou aparente violação ética em
seus periódicos. Enquanto metade quase não conseguiu lembrar nem mesmo de um único
acontecimento de comportamento ético questionável, alguns outros não tiveram nenhuma
dificuldade em identificar uma quebra séria de ética.
Os eventos descritos pelos editores refletiram múltiplos temas. O mais comum
envolveu autores que enviaram manuscritos bastante semelhantes para dois periódicos
diferentes, ou autores que reenviaram manuscritos rejeitados para o mesmo periódico. Outro
aspecto que Schminke e Ambrose (2011) destacam, no levantamento feito, são os comentários
dos editores relacionados à regularidade com a qual as violações éticas nas pesquisas são
cometidas por pesquisadores experientes. A maioria das violações éticas não aparece no
trabalho de pesquisadores principiantes que não sabem ou não compreendem as regras. Nem é
resultado de pesquisadores principiantes que avançam ‘o sinal amarelo da ética’ devido às
pressões impostas. Talvez até mais preocupante, os autores constataram que em muitos casos
os autores mais experientes não assumiram a responsabilidade por seus atos. Ao invés disso,
explicaram o problema a partir dos erros por parte dos colegas principiantes.
Observa-se assim, que mesmo com a existência de códigos de ética na pesquisa, em
várias instituições internacionais, e com fácil acesso às orientações para uma conduta ética,
por parte destas instituições, as violações éticas ainda podem continuar ocorrendo. O que
remete à responsabilidade do pesquisador, mas também pode-se questionar caso não
existissem nenhuma norma ou diretriz orientadora de boa conduta, se o quadro apresentado
pelos autores, anteriormente citados, não seria ainda mais preocupante.
A partir das abordagens sobre a conduta ética, a responsabilidade do pesquisador, e a
integridade na pesquisa, enforcar-se-á a má conduta na pesquisa, os dilemas éticos que podem
ocorrer na tomada de decisão no processo de pesquisa e a questão do produtivismo científico.
58
Atores
A má conduta não é fenômeno recente, haja vista os vários exemplos que a história
apresenta de fraudes e falsificação de resultados. A autocorreção por parte da comunidade
científica não é suficiente para impedir os efeitos danosos advindos da fraude, pois o falso
conhecimento atrasa o avanço do conhecimento, além de gerar consequências econômicas e
sociais (CNPq, 2011). Essa observação feita por uma comissão do CNPq remete a crescente
preocupação com as denúncias de fraude, e com as consequências que a má conduta por parte
do pesquisador podem acarretar.
Yokomizo (2008) estudou os desvios de conduta na pesquisa científica, na área da
pesquisa social, e diferencia má conduta de fraude, colocando que na má conduta não existe
premeditação, mas que na fraude a prática antiética é premeditada. E que é possível derivar
que a má conduta e a fraude levam à prática de desvios de conduta por parte de agentes
(autores, revisores e editores). O autor ilustra esses conceitos na figura a seguir.
Figura 3 - Desvios de conduta na pesquisa social
Fonte: Yokomizo (2008, p.11).
Já Andrade (2011, p.16) propõe a seguinte definição para má conduta na pesquisa: “É
o ato intencional de fabricar, falsificar, plagiar dados e informações, enganar indivíduos e
instituições e violar valores intersubjetivos da comunidade científica em qualquer fase do
processo de pesquisa, incluindo suas formalidades”.
Steneck (2007), ao apresentar discussões e definições trabalhados pelo Office of
Research Integrity (ORI), órgão ligado ao Department of Health and Human Services
O que deve ser preservado?
Pesquisa Social
Desvios de conduta
Agentes
Má conduta ou fraude? (premeditação)
Ética
59
(DHHS) do governo dos Estados Unidos, coloca que para uma conduta ser considerada má
conduta, deve representar uma mudança significativa de práticas aceitas, ter sido cometida
intencionalmente, conscientemente ou imprudentemente e ser comprovada por uma
preponderância de provas.
Steneck (2007), a partir das definições do ORI, apresenta o conceito de má conduta
como fabricação, falsificação ou plágio cometidos na proposição, desenvolvimento ou revisão
da pesquisa, ou também no relato dos resultados da investigação científica.
E o autor destaca que a fabricação pode ser de dados ou resultados; a falsificação em
manipular materiais da pesquisa, equipamentos ou processos, alterando ou omitindo dados ou
resultados, de forma que o estudo não é representado com precisão no relatório da pesquisa e
por plágio, entende-se a apropriação de ideias de outra pessoa, processos, resultados ou
palavras, sem dar o crédito apropriado.
A partir das definições de má conduta propostas por Yokomizo (2008), por Andrade
(2011) e por Steneck (2007), verifica-se que Yokomizo (2008) diferencia má conduta de
fraude, em que na má conduta não existiria a premeditação, e na fraude a prática antiética
seria premeditada, mas que tanto a má conduta quanto a fraude seriam consideradas desvios
de conduta. Porém, Andrade (2011) e Steneck (2007) não fazem essa diferenciação e colocam
que a má conduta por parte do pesquisador envolve a intencionalidade do ato em fabricar,
falsificar, plagiar dados e informações, violando valores éticos da comunidade científica.
Considerando as definições de Andrade (2011) e Steneck (2007), parte-se para a
conceituação de algumas práticas e modalidades de má conduta. Em estudo apresentado em
2001, por uma comissão de integridade na pesquisa do CNPq, podem-se identificar as
seguintes modalidades de má conduta (CNPq, 2011):
• Fabricação ou invenção de dados - consiste na apresentação de dados ou resultados
inverídicos;
• Falsificação: consiste na manipulação fraudulenta de resultados obtidos de forma a
alterar-lhes o significado, sua interpretação ou mesmo sua confiabilidade. Cabe
também nessa definição a apresentação de resultados reais como se tivessem sido
obtidos em condições diversas daquelas efetivamente utilizadas;
• Plágio: consiste na apresentação, como se fosse de sua autoria, de resultados ou
conclusões anteriormente obtidos por outro autor, bem como de textos integrais ou de
parte substancial de textos alheios sem os cuidados detalhados nas diretrizes. Comete
60
igualmente plágio quem se utiliza de ideias ou dados obtidos em análises de projetos
ou manuscritos não publicados aos quais teve acesso como consultor, revisor, editor,
ou assemelhado;
• Autoplágio: consiste na apresentação total ou parcial de textos já publicados.
Santos (2011) apresenta um estudo, desenvolvido por Fanelli (2009 apud SANTOS,
2011), que analisou estatisticamente vários levantamentos realizados entre 1987 e 2005, e
concluiu que, dos pesquisadores consultados nesses levantamentos, 2% confessaram já ter
praticado má conduta grave e 33% confessaram já ter praticado conduta ao menos eticamente
questionável; 14% declararam já ter observado a prática de má conduta grave e 72%
declararam já ter observado a prática de conduta eticamente questionável por parte de outros
pesquisadores.
Schminke e Ambrose (2011) destacam que, pela pouca atenção dada ao tema da
conduta ética do pesquisador, o número de mitos prejudiciais e errôneos parece ter crescido na
área da ética em publicação e integridade na pesquisa. Os autores apresentam alguns destes
mitos e a resposta para cada um deles.
• Mito 1: Mas todo mundo faz isso! - Resposta: Não é verdade. Alguns fazem, mas a
maioria dos pesquisadores segue as regras e deixa que sua capacidade em pesquisar
leve-os apenas até onde for possível;
• Mito 2: Mas ninguém nunca se prejudica! - Resposta: Não é verdade. Pegar atalhos na
integridade da pesquisa e na ética é roubo. Os autores que fazem isso estão roubando
crédito que não merecem. Estão roubando o trabalho de alguém que mereceu
honradamente. Estão roubando a verdade, a única moeda verdadeira da qual depende a
profissão do pesquisador;
• Mito 3: Mas ninguém nunca descobre! - Resposta: Às vezes, é verdade. Geralmente,
não. Impossível imaginarmos o desconforto que deve ser para quem toma atalhos
éticos dar de cara com os pesquisadores honrados em vários campos profissionais,
sabendo que outras pessoas sabem de seus hábitos;
• Mito 4: Mas a fraude parece funcionar! - Resposta: Às vezes. Pode funcionar no
sentido de um pesquisador tomar atalhos, não ser pego e seu artigo ser publicado.
Nenhuma pessoa honrada pode prosperar como profissional – ou como indivíduo –
61
vivendo de um sucesso falso, não conquistado. O sucesso alcançado através de fraudes
não é sucesso.
A partir dos mitos apresentados por Schminke e Ambrose (2011), pode-se apontar que,
os autores abordam práticas errôneas relacionados à fase da publicação de pesquisas, não
englobam, assim, a prática de pesquisa em todo o processo. Porém, observa-se que dentro do
estudo da conduta ética, os pesquisadores se deparam ou podem se deparar com muitos
dilemas éticos em todo o processo da pesquisa, e não apenas na divulgação e publicação dos
resultados.
Como é enfocado por Medeiros et al. (2007), que colocam que questionamentos e
dilemas éticos estão presentes em qualquer tipo de pesquisa desenvolvida nas distintas áreas
ciências e que os principais aspectos podem estar relacionados tanto aos próprios
pesquisadores – no que diz respeito à concepção inicial da proposta e ao seu delineamento –
como ao processo de desenvolvimento da pesquisa em todas as suas etapas operacionais,
incluindo-se o momento da comunicação do seu produto final.
Na visão de Chen (2011), a criação e a publicação de conhecimento na Administração
é um processo que envolve muitas pessoas e demora bastante para ser concluído, e que apesar
dos editores e das equipes editoriais terem um papel importante no processo de publicação
dos resultados das pesquisas, uma responsabilidade ainda maior recai sobre os autores.
Afirma também que, neste processo, os pesquisadores podem vir a enfrentar dilemas e
conflitos, tais como: publicar a pesquisa o mais rápido possível, desta forma, comprometendo
a qualidade da pesquisa; em relação à conduta no tratamento e divulgação dos dados da
pesquisa, como também em relatar os resultados de forma completa; na questão de dar os
créditos apropriados a todos os colaboradores, ou seja, possíveis dilemas nas relações com co-
autores; na seleção de revisores amistosos e na conduta do processo de revisão da pesquisa.
Os pesquisadores muitas vezes estão sujeitos a grandes pressões pessoais e
profissionais, e devem tomar decisões difíceis sobre como planejar investigações científicas,
como apresentar os resultados e como interagir com colegas pesquisadores. Não tomar as
decisões certas pode gerar desperdício de tempo e recursos e retardar o avanço do
conhecimento. (COMMITTEE ON SCIENCE, ENGINEERING, AND PUBLIC POLICY,
2009).
Fundamentando-se em outras pesquisas, Santos e Silva Neto (2000) colocam que, os
casos de má conduta ética dos pesquisadores podem ser resultantes das motivações e
62
ambições dos pesquisadores frente ao sistema competitivo no qual se realiza a atividade
científica e frente à ideologia do sucesso, ocasionando a fabricação de dados, fraudes, plágio,
dentre outros, que podem não ser percebidos pelo público em geral, mas que prejudicam a
própria ciência; ou ainda, pela necessidade de originalidade que faz com que o cientista por
puro orgulho gere disputas, rivalidade e até mesmo o roubo de ideias. Na figura 4, são
apresentadas diversas pressões e influências que um profissional pode sofrer em um processo
de tomada de decisão, em um julgamento ético-valorativo das suas ações.
Figura 4 - O profissional e as pressões externas pela ética
Fonte: Arruda e Cardoso (2003).
Como se pode observar, na figura anterior, os profissionais podem sofrer pressões e
influências de diversas fontes, tais como organizações, universidades, códigos de ética,
religião, entre outros. No âmbito da pesquisa científica, alguns autores apontam que existem
cada vez mais pressões sobre os pesquisadores e alegam que as pressões por muita produção
científica pode vir a gerar práticas de pesquisa discutíveis.
Mattos (2008) afirma que, a pressão por publicação, tal como vem atuando sobre os
professores e programas, com o tempo, gera hábitos de trabalho, institucionaliza práticas de
pesquisa peculiares, talvez discutíveis.
O autor então destaca que, o foco das pesquisas passou a ser na instrumentação e
padronização metodológicas, que passaram a ser adotadas como estratégicas ao
empreendimento de pesquisa e a serem pensadas em primeiro plano, no intuito de acelerar o
sucesso em produzir-se cada vez mais. Destaca ainda que, as avaliações, em bancas ou por
pares, baseiam-se na observância do script, na exuberância das citações autor-data e na
sofisticação metodológica da análise qualitativa ou quantitativa. Critica ainda que, ao
Universidades
Profissional
Código de ética
Família
Legislação
Religião
Organizações
Meios de comunicação
63
contrário, conceber de forma apropriada problemas sociais e humanos leva tempo, não
podendo separar observação cuidadosa de criação criteriosa. E que para produzir bem feito,
exige tempo, reflexão, ensaio e diálogo. O triunfo dos indicadores é suficientemente grande
para provocar reflexão. (MATTOS, 2008).
A partir das pressões sofridas pelos pesquisadores, passou-se a cunhar a expressão
produtivismo acadêmico. Sguissardi (2010) afirma que, produtivismo acadêmico é um
fenômeno em geral derivado dos processos oficiais ou não de regulação e controle,
supostamente de avaliação, que se caracteriza pela excessiva valorização da quantidade da
produção científico-acadêmica, tendendo a desconsiderar a sua qualidade. Este fenômeno –
cultura ou ideologia – tem sua origem nos anos 1950, nos EUA.
Tornou-se mundialmente conhecido pela expressão publish or perish, significando que
os professores/pesquisadores universitários que não publicassem de acordo com os
parâmetros postos como ideais pelos órgãos financiadores, pela burocracia universitária ou
pelo mercado, veriam sua carreira definhar e fenecer. (SGUISSARDI, 2010).
Alcapadini (2011) conceitua produtivismo como, “[...] uma ênfase exacerbada na
produção de uma grande quantidade de algo que possui pouca substância, o foco em se fazer o
máximo de uma coisa "enlatada", com pouco conteúdo e consequente valorização da
quantidade como se fosse qualidade”.
Godoi e Xavier (2012) consideram que, a própria definição de produtivismo científico
é dialética, pois já engendra em si a crítica: forma de avaliação centrada na quantidade pura e
simples de produções/publicações, em geral pouco lidas ou que não têm maior importância
científica, e que serve de parâmetro básico para as mais diversas formas de progressão na
carreira acadêmica. Os autores destacam ainda que, a maior parte da crítica é direcionada ao
fato de que o centro desse modelo reside em considerar o quanto docentes, pesquisadores,
programas e instituições publicam em detrimento da qualidade científica ou da relevância
social do que é publicado.
Sguissardi (2010) coloca que, decorrências do produtivismo acadêmico, ou fatos que o
constituem, são, ainda, a multiplicação dos textos oriundos de uma única investigação, assim
como da autoria e da falsa autoria, visando ao aumento da produtividade. São também a
realização de eventos com centenas de exposições de trabalhos ditos científicos para
auditórios vazios ou quase, o que não propicia nem seu debate nem sua efetiva divulgação.
64
O autor acredita que, o produtivismo acadêmico está na raiz da intensificação e
precarização do trabalho dos docentes/pesquisadores e põe-se como um dos grandes desafios
que envolvem a universidade como instituição e a produção do conhecimento necessário ao
desenvolvimento e soberania do país.
2.2.3 Princípios éticos na pesquisa
No campo da literatura, principalmente internacional, sobre pesquisa e metodologia,
alguns autores apontam alguns princípios éticos na pesquisa. Os autores abordam princípios
gerais, que podem ser aplicados a pesquisas científicas ou não.
Creswell (2007) apresenta aspectos éticos gerais e coloca que as questões éticas devem
ser consideradas e refletidas em todo o processo de pesquisa. O quadro a seguir apresenta as
questões éticas a serem observadas em cada etapa do processo de pesquisa, na visão do autor.
Quadro 4 - Questões éticas a serem observadas no processo da pesquisa
Etapa da Pesquisa Princípios éticos
No problema da pesquisa
- Beneficiar ou não prejudicar os participantes
Nos objetivos e nas indagações da pesquisa
- Comunicar os objetivos do estudo aos participantes; - Comunicar quem é o patrocinador ou órgão que apóia a pesquisa.
Na coleta de dados - Respeitar os participantes e o local da pesquisa (deixar intacto); - Não expor participantes e equipe da pesquisa ao risco; - Não coagir o participante a participar da pesquisa; - Obter, por escrito, o livre consentimento do participante, bem como o
consentimento do acesso ao local da pesquisa; - Deixar claro a natureza da pesquisa e o possível impacto da pesquisa
sobre os participantes (gerar entendimento dos riscos resultantes da pesquisa);
- Respeitar a privacidade do participante; Prever as repercussões da condução da pesquisa junto à determinados públicos.
Na interpretação dos dados
- Manter o anonimato das pessoas e/ou empresas pesquisadas; - Armazenar os dados da pesquisa durante tempo determinado e depois
destruir os dados, de forma a evitar a utilização dos mesmos por terceiros;
- Gerar informações precisas e exatas (exatidão). Na divulgação e redação da pesquisa
- Não usar linguagem ou palavras preconceituosas; - Evitar supressão, falsificação ou invenção de resultados, para atender
necessidades do pesquisador ou de um público interessado (evitar práticas fraudulentas na pesquisa);
- Não realizar análises equivocadas por despreparo técnico profissional (como na utilização de softwares);
- Disponibilizar o resultado final da pesquisa (cópia dos resultados) ao pesquisado e órgão de apoio da pesquisa.
Fonte: Adaptado de Creswell (2007).
65
A partir da abordagem teórica de Creswell (2007), resumida no quadro apresentado
anteriormente, podem-se agrupar alguns princípios éticos discutidos pelo autor: beneficência;
transparência na comunicação dos objetivos e dos órgãos apoiadores da pesquisa; não
exposição dos participantes da pesquisa ao risco; autonomia e livre consentimento dos
participantes; respeito à privacidade e ao anonimato; disponibilização do resultado final da
pesquisa; honestidade nas práticas em processo e qualidade na análise dos dados. Princípios
esses que podem ser observados em todo tipo de pesquisa e em cada fase da atividade de
pesquisa, que o autor divide em: problema de pesquisa; objetivos e indagações da pesquisa;
coleta de dados; interpretação dos dados; divulgação e redação da pesquisa.
Tacsan (2003) destaca também, alguns princípios gerais da ética na pesquisa:
• O princípio de beneficência - tange a obrigação de reunir os esforços de modo a
garantir o bem-estar ao sujeito da investigação, além do dever de maximização dos
benefícios prováveis, e minimização no caso de possíveis danos;
• O princípio de justiça - evoca o amparo a grupos culturais e sociais, raciais e
étnicos;
• O princípio de segurança - visa à garantia de que o trabalho não causará qualquer
dano aos envolvidos; e
• O princípio do consentimento informado - visa a garantir que o sujeito da pesquisa
esteja consciente de cada uma das etapas do trabalho investigativo e que poderá ser
interrompido sob controle e, se isso ocorrer, estará o sujeito da pesquisa
devidamente apto a desvincular-se livremente do processo investigativo.
Tanto Creswell (2007) quanto Tacsan (2003) destacam o princípio da beneficência,
que envolve o bem-estar e os benefícios prováveis aos sujeitos da investigação. Outro aspecto
destacado pelos dois autores, em comum, relaciona-se ao princípio do consentimento
informado, em que deve ser obtido o livre consentimento do participante (de preferência por
escrito), como também informado o objetivo do estudo e que o sujeito investigado pode
desistir de participar da pesquisa a qualquer momento.
Churchill e Peter (2005) definem algumas áreas de preocupação ética em pesquisa,
que estão resumidas no quadro a seguir, e que indicam, mesmo indiretamente, alguns
princípios éticos na pesquisa.
66
Quadro 5 - Áreas de preocupação ética em pesquisas
Orientações e princípios da ética em pesquisas
Preservar o anonimato do participante
Não expor os participantes a tensão mental
Não fazer aos participantes perguntas contra o seu próprio interesse.
Não envolver os participantes em pesquisas sem o seu consentimento – Ou observar secretamente os participantes, a observação disfarçada.
Não trapacear - Adulteração dos dados
Não usar coerção.
Evitar privar os participantes de seu direito à autodeterminação.
Evitar despreparo técnico profissional na utilização de relatórios informatizados – Não utilização adequada das técnicas, refletindo em análises equivocadas.
Não explorar os sentimentos nobres do ser humano - apoiando-se na solidariedade
e piedade dos indivíduos para obter o que deseja.
Fazer treinamento e supervisão dos entrevistadores.
Evitar utilização de subornos diretos ou indiretos - Para alcançar vantagens pessoais.
Garantir a segurança dos entrevistadores examinadores e outros – Não colocando suas vidas em risco na aplicação de instrumentos de pesquisa em
áreas não seguras.
Entrevistas não devem ocorrer em horários impróprios ou inconvenientes.
Entrevistas não devem ser longas.
Entrevistas não devem conter perguntas censuráveis ou constrangedoras.
Os pesquisados não devem sofrer nenhum dano físico, desconforto ou dor.
Evitar ser tendencioso na interpretação.
Não gerar perda de privacidade ao pesquisado.
Prestar esclarecimento aos respondentes sobre os objetivos de pesquisa.
Informar consequências adversas por causa das atividades de investigação.
Evitar mentir estatisticamente ou na análise dos dados - Apresentando conclusões falsas ou forçando resultados que agradam ao pesquisador ou ao patrocinador.
Fonte: Elaborado a partir de Churchill e Peter (2005, p. 138).
67
Os autores Churchill e Peter (2005), assim como Tacsan (2003) e Creswell (2007),
também abordam orientações éticas voltadas às questões do anonimato, da preservação do
sujeito da pesquisa, sem causar nenhum tipo de dano, do anonimato, do consentimento livre.
Outro aspecto abordado pelos autores Creswell (2007) como também por Churchill e
Peter (2005), que merece destaque, se refere ao preparo na análise dos resultados. Os autores
enfatizam que o pesquisador deve evitar supressão, falsificação ou invenção de resultados, ou
seja, que deve evitar mentir estatisticamente ou na análise dos dados - apresentando
conclusões falsas. Deve evitar também realizar análises equivocadas por despreparo técnico
profissional ou pela não utilização adequada das técnicas. Essas questões abordadas pelos
autores refletem preocupações éticas com a questão das práticas fraudulentas na pesquisa.
No tópico seguinte será apresentado um marco regulatório, abordando o surgimento e
a evolução das normas institucionais da ética na pesquisa no âmbito internacional e no Brasil.
Serão também apresentadas as atuais diretrizes que norteiam a conduta ética na pesquisa, em
vigência no Brasil.
2.2.4 Normas e diretrizes institucionais sobre ética na pesquisa científica
As primeiras normas éticas formais no mundo surgiram com o Código de Nuremberg,
em 1947, em resposta às atrocidades da experimentação médica dos nazistas. Foi o primeiro
documento ético internacional contendo preceitos disciplinadores às atividades científicas, e
que passou a requerer dos pesquisadores: o consentimento livre do sujeito na pesquisa,
redução de riscos e incômodos, possibilidade de revogação de autorização pelo sujeito,
proporcionalidade entre riscos e benefícios, obrigatoriedade de pesquisa prévia em animais,
entre outros. Assim, tais preceitos buscaram resgatar alguns referenciais mínimos para um
agir ético, marcando, portanto, o nascimento da primeira norma de ética aplicada (HUTZ,
1999).
Em 1964, a Associação Médica Mundial elaborou e promulgou a “Declaração de
Helsinque”, como resposta às atrocidades cometidas por médicos durante o regime nazista,
que propunha a criação e implantação de Comitês de Ética em Pesquisa, o que foi incluído na
quase totalidade dos Códigos e Normas de Pesquisa em Saúde. A partir da referida
declaração, vários órgãos oficiais dos principais centros envolvidos em pesquisas redigiram
68
normas e diretrizes próprias. (GRECO; MOTA, 1998; GUILHEM; DINIZ, 2005; DINIZ;
SUGAI, 2008).
A Declaração de Helsinque foi aperfeiçoada sucessivamente, passando por várias
revisões, mas apenas em sua segunda versão, aprovada na 29ª Assembleia Médica Mundial,
em Tóquio, em 1975, a Declaração de Helsinque determinou que o projeto e a execução da
experimentação em seres humanos seguissem um protocolo aprovado por uma comissão de
ética independente. A partir de Helsinque – e de suas revisões ocorridas em: Tóquio (1975);
Veneza (1983); Hong Kong (1989); Somerset West (1996); Edinburgh (2000); Washington
(2002); Helsinque (2004) - e baseados nela (Declaração de Helsinque), vários órgãos oficiais
dos principais centros envolvidos em pesquisas redigiram normas e diretrizes próprias
(GRECO; MOTA, 1998; GUILHEM; DINIZ, 2005).
Guilhem e Diniz (2005) colocam que, embora esta declaração tenha sido elaborada,
inicialmente para servir como direcionamento no processo de condução de pesquisas clínicas
na área médica, ela pode ser considerada, hoje, como um patrimônio da humanidade no
contexto das pesquisas biomédicas e comportamentais.
Nas décadas de 1960 e 1970, surgiram e se consolidaram vários códigos e normas
legais para pesquisa com seres humanos nos Estados Unidos, Canadá e Europa (HUTZ,
1999). Inicialmente, a preocupação ética recaía sobre as práticas de pesquisa de
experimentação com seres humanos e só depois do final dos anos sessenta e durante os anos
setenta é que surgiram novas preocupações e contestações da sociedade, quanto aos efeitos
das pesquisas sobre toda a humanidade (SANTOS; SILVA NETO, 2000).
Nos Estados Unidos, no período de 1974 a 1978, a partir de muitas denúncias de
abusos em pesquisas envolvendo seres humanos, foram criados grupos de trabalho que
elaboraram e divulgaram um relatório, o “Relatório Belmont”, considerado um marco para a
prática de pesquisa e que deu origem a primeira teoria no campo da bioética, a teoria dos
princípios proposta por Tom Beauchamp e James Childress. O documento apontou os
seguintes princípios como referência fundamental para a ética na pesquisa: respeito pelas
pessoas (que na prática resultou na formulação e obtenção do termo de consentimento
informado); beneficência (que pressupõe segurança e bem-estar aos participantes através de
avaliação criteriosa da relação custo-benefício por sua inserção na pesquisa) e justiça
(equidade e possibilidade de igualdade de acesso à participação nos estudos e distribuição dos
resultados) (GUILHEM; DINIZ, 2005).
69
Além do Relatório Belmont, outros textos éticos foram propostos, tais como, as
Diretrizes do Conselho de Organizações Internacionais de Ciências Médicas (CIOMS).
(DINIZ; SUGAI, 2008). A partir de então, destacam as supracitadas autoras, outros
documentos, que passaram a funcionar como guias de ação, foram elaborados e divulgados
para subsidiar o processo de elaboração, avaliação, condução e divulgação de pesquisas e têm
como público-alvo, instituições públicas e privadas, universidades, patrocinadores,
pesquisadores, sujeitos de pesquisas e a sociedade em geral.
Diniz e Sugai (2008, p.12) se referem à ética na pesquisa no mundo como: “[...] um
campo onde não há verdades definitivas, mas uma efervescência de boas perguntas, cujas
respostas estão sendo ensaiadas a cada dia.”
No Brasil, a primeira diretriz específica sobre pesquisas em seres humanos foi a
Resolução n° 1 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão ligado ao Ministério da Saúde,
de 13/6/1988. Essa diretriz imputa ao Ministério da Saúde a responsabilidade de emissão das
normas técnicas para a realização de pesquisas para a saúde e determinar a periodicidade e as
características da informação sobre a pesquisa, seguindo em linhas gerais as diretrizes
internacionais já estabelecidas. (GRECO; MOTA, 1998).
Essa primeira regulamentação brasileira com relação à ética na pesquisa com seres
humanos representou um importante avanço, embora seu alcance aparentemente tenha se
limitado a alguns hospitais, especialmente os ligados às universidades, que estabeleceram
comissões de ética para avaliar projetos de pesquisa. (HUTZ, 1999). Ainda conforme a
referida autora, até muito recentemente, não havia, no Brasil, uma preocupação institucional
com os aspectos éticos da pesquisa. O pesquisador era o único árbitro da adequação ética de
sua pesquisa. A sociedade concedia licença total a seus cientistas para experimentar e
pesquisar, em seres humanos da forma que julgassem apropriadas ou necessárias.
A Resolução n° 1/1988, do CNS, após amplos debates com as comunidades científicas
e a sociedade civil - foi reformulada em 1996, tornando-se a Resolução n° 196/96, do
Conselho Nacional de Saúde - Ministério da Saúde (CNS/MS), que prevê que toda pesquisa
envolvendo seres humanos tem que ser submetida à apreciação de um comitê de ética em
pesquisa. (CNS, 2008).
Guilhem e Diniz (2005) relatam que, durante o período de um ano, um grupo
multidisciplinar, constituído por representantes de diferentes segmentos da sociedade –
cientistas, professores, gestores, dirigentes institucionais, pessoas leigas – dedicou-se a
70
elaborar a nova resolução que pudesse abranger as múltiplas questões relativas a pesquisas
com sujeitos humanos. Após a finalização da proposta efetuada pela comissão, a minuta da
Resolução n°. 196/96 passou por um amplo processo de consulta pública, onde diferentes
perspectivas a respeito da proposta foram discutidas, permitindo-se assim, o debate reflexivo
sobre a ética na pesquisa e o envolvimento de todas as partes interessadas.
Foram mantidos os mesmos princípios da precedente (Resolução n° 1/1988),
fundamentando-se nos principais documentos internacionais sobre pesquisas envolvendo
seres humanos e na legislação brasileira a respeito. (GRECO; MOTA, 1998).
Guilhem e Diniz (2005) consideram que, este documento, a Resolução n° 196/96,
pode ser considerado um marco para o cenário das pesquisas no Brasil, onde as normas e
diretrizes propostas contemplam os avanços técnico-científicos contemporâneos e têm um
forte alinhamento com os princípios bioéticos de autonomia, beneficência, não-maleficência e
justiça, que têm sido amplamente utilizados no contexto da prática de pesquisa
internacionalmente.
A Resolução n°. 196/96, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão ligado ao
Ministério da Saúde (MS), fundamenta-se nos principais documentos internacionais que
emanaram declarações e diretrizes sobre pesquisas que envolvem seres humanos: o Código de
Nuremberg (1947), a Declaração dos Direitos do Homem (1948), a Declaração de Helsinque
(1964 e suas versões posteriores de 1975, 1983 e 1989), o Acordo Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos (ONU, 1966, aprovado pelo Congresso Nacional Brasileiro em
1992); Propostas de Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo
Seres Humanos (1982 e 1993) e as Diretrizes Internacionais para Revisão Ética de Estudos
Epidemiológicos (1991). (CNS, 2008).
A Resolução n°. 196/96 (CNS/MS) também cumpre as disposições da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 e da legislação brasileira correlata: Código de
Direitos do Consumidor; Código Civil e Código Penal; Estatuto da Criança e do Adolescente;
Lei Orgânica da Saúde 8.080, de 19/09/90 (dispõe sobre as condições de atenção à saúde, a
organização e o funcionamento dos serviços correspondentes); Lei 8.142, de 28/12/90
(participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde); Decreto 99.438, de
07/08/90 (organização e atribuições do Conselho Nacional de Saúde); Decreto 98.830, de
15/01/90 (coleta por estrangeiros de dados e materiais científicos no Brasil); Lei 8.489, de
18/11/92, e Decreto 879, de 22/07/93 (dispõem sobre retirada de tecidos, órgãos e outras
partes do corpo humano com fins humanitários e científicos); Lei 8.501, de 30/11/92
71
(utilização de cadáver); Lei 8.974, de 05/01/95 (uso das técnicas de engenharia genética e
liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados); Lei 9.279, de
14/05/96 (regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial), e outras. (CNS,
2008).
Na visão de Guilhem e Diniz (2005), a formulação da Resolução 196/96-CNS
representa um processo pioneiro no que se refere à legislação específica para esta área.
Demonstra que é possível introduzir uma análise crítica e cuidadosa sobre as implicações
sociais, políticas e filosóficas que envolvem o processo de realização das pesquisas. Um dos
pontos-chave do documento é a ênfase no controle social, uma prerrogativa que ultrapassa as
esferas técnica e científica, contribuindo para a efetivação do controle social no âmbito da
ciência.
Para as referidas autoras, a Resolução 196/96 tem como característica fundamental o
fato de não poder ser considerada um código moral e que assume um papel de direcionamento
para análise e juízo crítico sobre valores, priorizando o pluralismo e o respeito pela
diversidade e proteção à vulnerabilidade. (GUILHEM; DINIZ, 2005).
A partir da Resolução n° 196/96, foi criada a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
(CONEP), que é uma comissão do Conselho Nacional de Saúde (CNS), com constituição
designada pela Resolução nº 246/97, com a função de implementar as normas e diretrizes
regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.
Conforme Schramm (2004), na maioria dos países democráticos contemporâneos
existe uma percepção, cada vez mais aceita socialmente, mas também com algumas
reticências, segundo a qual toda pesquisa, conduzida em qualquer área do conhecimento e que
envolva seres humanos como objetos da investigação, deve necessariamente ser revisada, em
seus aspectos científicos e éticos, por uma instância que tenha competência adequada e
reconhecida em âmbito epistemológico, metodológico e ético por seus pares e a sociedade
como um todo.
Schramm (2004) salienta que, quase sempre, este papel cabe a comitês ou comissões
de ética surgidos, na maioria, no século 20. No Brasil, este papel cabe ao conjunto formado
pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e os Comitês de Ética em Pesquisa
(CEPs), cuja tarefa consiste em analisar, de maneira crítica e imparcial, as ferramentas
científicas (conceitos, teorias, paradigmas); os materiais e métodos; os valores e as crenças
72
sobre o correto e incorreto, o justo e o errado, diretamente envolvidos pela pesquisa, seja ela
pertencente ao âmbito das ciências naturais ou àquele das ciências sociais.
A constituição de uma comissão ética é um importante suporte para o programa de
implantação de uma cultura ética. Trata-se de um organismo normatizador das posturas
individuais e coletivas. As comissões de ética terão papel mais eminentemente preventivo do
que curativo, exercem a função de consultoria permanente, respondendo dúvidas suscitadas
no exercício profissional dos empregados da organização. A importância das comissões de
ética como um ente regulador das relações. Há uma imperiosa necessidade de que os
programas de ética disponham de um canal institucionalizado para o envio de denúncias ou
dúvidas. (AMOÊDO, 1997).
Atualmente a ética na pesquisa é trabalhada nas universidades, hospitais e centros de
pesquisa brasileiros através da implantação e atuação de Comitês de Ética em Pesquisa
(CEPs), que são criados em cada organização de pesquisa, através do acompanhamento da
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), que orienta e regulamenta a atuação de
todos os CEP, com base em normas voltadas às pesquisas que envolvam seres humanos. Cabe
então descrever, a seguir, cada um dos órgãos ou setores envolvidos com a ética na pesquisa
científica no Brasil.
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) - órgão do Ministério da Saúde, é formado por
conselheiros titulares com seus respectivos suplentes, representantes de entidades e
instituições dos segmentos governo, prestadores de serviços privados de saúde, profissionais
de saúde e usuários. Tem como objetivo atuar na formulação e controle da execução da
política nacional de saúde, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, nas estratégias e
na promoção do processo de controle social em toda a sua amplitude, no âmbito dos setores
público e privado. (CNS, 2008).
A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) - é uma comissão do Conselho
Nacional de Saúde (CNS), criada através da Resolução 196/96 e com constituição designada
pela Resolução 246/97, com a função de implementar as normas e diretrizes regulamentadoras
de pesquisas, envolvendo seres humanos, aprovadas pelo Conselho. Tem função consultiva,
deliberativa, normativa e educativa, atuando conjuntamente com uma rede de Comitês de
Ética em Pesquisa (CEP), organizados nas instituições onde as pesquisas se realizam.
A CONEP é incumbida de examinar os aspectos éticos de pesquisas envolvendo
seres humanos em áreas temáticas especiais, encaminhadas pelos CEP das instituições, e
73
trabalha principalmente na elaboração de normas específicas para essas áreas, dentre elas,
genética humana, reprodução humana, novos dispositivos para a saúde, pesquisas em
populações indígenas, pesquisas conduzidas do exterior e aquelas que envolvam aspectos de
biossegurança. (CONEP, 2008).
Funciona também como instância de recursos e assessoria ao Ministério da Saúde e
do CNS, bem como ao governo e à sociedade, sobre questões relativas à pesquisa em seres
humanos. Pode, portanto ser contatada por instituições, pesquisadores, pessoas participantes
das pesquisas e outros envolvidos ou interessados. (CONEP, 2008).
O Sistema Nacional de Informação sobre Ética em Pesquisa, envolvendo Seres
Humanos (SISNEP), é um sistema virtual de informações ligado ao CNS e CONEP. Os
usuários desta ferramenta são: pesquisadores; Comitês de Ética em Pesquisas (CEPs);
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e a população em geral. (SISNEP,
2008).
Segundo dados do próprio SISNEP, o sistema torna possível uma série de objetivos
que beneficiarão a todos: facilitar o registro das pesquisas envolvendo seres humanos e
orientar a tramitação de cada projeto para que todos sejam submetidos à apreciação ética antes
de seu início; integrar o sistema de avaliação ética das pesquisas no Brasil (CEPs e CONEP) e
propiciar a formação de um banco de dados nacional; agilizar a tramitação e facilitar aos
pesquisadores o acompanhamento da situação de seus projetos; oferecer dados para a
melhoria do sistema de apreciação ética das pesquisas e para o desenvolvimento de políticas
públicas na área; permitir o acompanhamento dos projetos já aprovados pela população em
geral e, especialmente, pelos participantes nas pesquisas. (SISNEP, 2008).
O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) é um colegiado interdisciplinar e independente
que deve existir nas instituições que realizam pesquisas envolvendo seres humanos no Brasil,
criado para defender os interesses dos sujeitos da pesquisa em sua integridade e dignidade e
para contribuir no desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos (Normas e Diretrizes
Regulamentadoras da pesquisa envolvendo Seres Humanos – Resolução n°. 196/96). É
responsável pela avaliação e acompanhamento dos aspectos éticos de todas as pesquisas que
envolvam seres humanos. (CNS, 2008).
A partir das descrições dos órgãos que orientam e regulamentam a ética na pesquisa
científica no Brasil, na figura a seguir são ilustrados os caminhos e as ligações entre os órgãos
74
oficiais envolvidos com a ética na pesquisa científica, os pesquisadores e a população em
geral.
Figura 5 – Caminhos da regulamentação e da orientação da ética em pesquisa científica no Brasil
Fonte: Elaboração própria, com base nas informações do SISNEP (2008).
Pode-se observar na figura anterior que, tanto o pesquisador quanto a população em
geral pode ter acesso ao SISNEP, que armazena informações sobre todos os projetos de
pesquisa em análise ou já analisados pelos comitês de ética. O SISNEP, ligado ao Ministério
da Saúde, disponibiliza informações e também é alimentado por informações oriundas do
CONEP, dos CEPs e dos próprios pesquisadores. Os comitês de ética são formados por
profissionais das mais diversas áreas, mas também contam com a participação da população,
que representam os interesses da sociedade.
O CEP, além de salvaguardar os direitos e a dignidade dos sujeitos da pesquisa,
contribui para a qualidade das pesquisas e para a discussão do papel da pesquisa no
desenvolvimento institucional e no social da comunidade e ainda para a valorização do
Ministério da Saúde - MS /
Conselho Naciona l de Saúde - CNS
Comissão Nacional de
Ética em Pesquisa -CONEP
Sistema Nacional de Informação sobre Ética
em Pesquisa
envolvendo Seres
Humanos
SISNEP
Pesquisador
Comitê de Ética em Pesquisa – CEP
(Universidades, hospitais, instituições de pesquisa, 3o. setor)
População em geral
75
pesquisador que recebe o reconhecimento de que sua proposta é eticamente adequada. (CNS,
2008).
No Brasil, a maioria dos Comitês de ética em pesquisa (CEPs) está implantada em
universidades públicas, mas existem CEPs atuando também em universidades privadas,
hospitais, clínicas, secretarias de saúde e centros de pesquisa, conforme é apresentado no
gráfico 1.
Gráfico 1 - Perfil dos CEPs no Brasil
Fonte: CONEP (2008).
Existem, atualmente no Brasil, em torno de, 600 comitês de ética em pesquisa,
distribuídos em praticamente todo o país. (CNS, 2010). Para o Conselho Nacional de Saúde,
cada instituição de pesquisa deve criar um ou mais comitês, conforme a necessidade e
inscrever esses comitês na CONEP.
Os comitês de ética devem ter a participação de pesquisadores de reconhecida
competência, além de membros externos à comunidade científica e às instituições. Devem
avaliar especificamente os aspectos éticos das atividades científicas, visando, acima de tudo, a
proteção das pessoas envolvidas (FRANCISCONI et al., 2009).
Com relação às normas éticas, a Resolução n°. 196/96 (vide Anexo A) incorpora, sob
a ótica do indivíduo e das coletividades, quatro referenciais ou princípios básicos da ética:
autonomia, não maleficência, beneficência e justiça, e visa assegurar os direitos e deveres que
dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado (CNS, 2008).
Na resolução que trata dos aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos, é
colocado que a eticidade da pesquisa implica em:
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
70,00%Públicas
Privadas
Universidades eFaculdades
Hospitais e Santa Casas
Clínicas
Secretarias de Saúde
Outros
76
a) Consentimento livre e esclarecido dos indivíduos-alvo e a proteção a grupos
vulneráveis e aos legalmente incapazes (autonomia). Neste sentido, a pesquisa
envolvendo seres humanos deverá sempre tratá-los em sua dignidade, respeitá-los em
sua autonomia e defendê-los em sua vulnerabilidade;
b) Ponderação entre riscos e benefícios, tanto atuais como potenciais, individuais ou
coletivos (beneficência), comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo
de danos e riscos;
c) Garantia de que danos previsíveis serão evitados (não maleficência);
d) Relevância social da pesquisa com vantagens significativas para os sujeitos
pesquisados e minimização do ônus para os sujeitos vulneráveis; o que garante a igual
consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação
sócio-humanitária (justiça e equidade). (CNS, 2008).
A figura a seguir ilustra os quatro princípios do modelo normativo da ética na
pesquisa, apresentados anteriormente e abordados na Resolução n°. 196/96-CNS.
Figura 6 - Quatro princípios do modelo normativo da ética na pesquisa – Resolução n°. 196/96-CNS
Fonte: Elaboração própria, com base em informações da Resolução n°. 196/96-CNS (2011).
Modelo normativo da
ética na pesquisa
Beneficência
não maleficência
Justiça
Autonomia
77
Freitas (2006) destaca que, a autonomia está relacionada ao respeito às escolhas e
decisões pessoais dos sujeitos de pesquisa; a beneficência se refere ao dever de ajudar e fazer
o bem; não maleficência, se refere a não fazer mal ao sujeito da pesquisa, não trazendo riscos
e malefícios com a pesquisa. E por fim, justiça é o requisito de agir com equidade, de forma a
balancear a distribuição de ônus e benefícios da pesquisa de forma justa.
A Resolução caracteriza uma pesquisa como ética, também pela sua relevância social,
preservando o sentido de sua destinação sócio humanitária. A resolução ainda determina que,
as pesquisas em comunidades, sempre que possível, deverão traduzir-se em benefícios cujos
efeitos continuem a se fazer sentir após sua conclusão e assegurar aos sujeitos da pesquisa os
benefícios resultantes do projeto, seja em termos de retorno social, acesso aos procedimentos,
produtos ou agentes da pesquisa. (CNS, 2008).
Na Resolução n°. 196/96-CNS, item III.3, é colocado que a pesquisa em qualquer área
do conhecimento, envolvendo seres humanos, deverá seguir exigências. Apresentam-se, a
seguir, algumas dessas exigências (CNS, 2008):
• Ser adequada aos princípios científicos que a justifiquem e com possibilidades
concretas de responder a incertezas;
• Ser realizada somente quando o conhecimento que se pretende obter não possa ser
obtido por outro meio;
• Prevalecer sempre as probabilidades dos benefícios esperados sobre os riscos
previsíveis;
• Obedecer a metodologia adequada;
• Contar com o consentimento livre e esclarecido do sujeito da pesquisa e/ou seu
representante legal;
• Contar com os recursos humanos e materiais necessários que garantam o bem-estar
dos sujeitos da pesquisa em grupos experimentais e de controle, devendo ainda
haver adequação entre a competência do pesquisador e o projeto proposto;
• Prever procedimentos que assegurem a confidencialidade e a privacidade, a
proteção da imagem e a não estigmatização, garantindo a não utilização das
informações em prejuízo das pessoas e/ou das comunidades, inclusive em termos
de auto-estima, de prestígio e/ou econômico - financeiro;
78
• Ser desenvolvida, preferencialmente, em indivíduos com autonomia plena.
Indivíduos ou grupos vulneráveis não devem ser sujeitos de pesquisa quando a
informação desejada possa ser obtida através de sujeitos com plena autonomia, a
menos que a investigação possa trazer benefícios diretos aos vulneráveis. Nestes
casos, o direito dos indivíduos ou grupos que queiram participar da pesquisa deve
ser assegurado, desde que seja garantida a proteção à sua vulnerabilidade e
incapacidade legalmente definida;
• Respeitar sempre os valores culturais, sociais, morais, religiosos e éticos, bem
como os hábitos e costumes, quando as pesquisas envolverem comunidades;
• Garantir que as pesquisas em comunidades, sempre que possível, traduzir-se-ão em
benefícios cujos efeitos continuem a se fazer sentir após sua conclusão. O projeto
deve analisar as necessidades de cada um dos membros da comunidade e analisar
as diferenças presentes entre eles, explicitando como será assegurado o respeito às
mesmas;
• Garantir o retorno dos benefícios obtidos através das pesquisas para as pessoas e as
comunidades onde as mesmas forem realizadas. Quando, no interesse da
comunidade, houver benefício real em incentivar ou estimular mudanças de
costumes ou comportamentos, o protocolo de pesquisa deve incluir, sempre que
possíveis disposições para comunicar tal benefício às pessoas e/ou comunidades;
• Comunicar às autoridades sanitárias os resultados da pesquisa, sempre que os
mesmos puderem contribuir para a melhoria das condições de saúde da
coletividade, preservando, porém, a imagem e assegurando que os sujeitos da
pesquisa não sejam estigmatizados ou percam a auto-estima;
• Assegurar aos sujeitos da pesquisa os benefícios resultantes do projeto, seja em
termos de retorno social, acesso aos procedimentos, produtos ou agentes da
pesquisa;
• Assegurar aos sujeitos da pesquisa as condições de acompanhamento, tratamento
ou de orientação, conforme o caso, nas pesquisas de rastreamento; demonstrar a
preponderância de benefícios sobre riscos e custos;
• Assegurar a inexistência de conflito de interesses entre o pesquisador e os sujeitos
da pesquisa ou patrocinador do projeto;
79
• Utilizar os dados obtidos na pesquisa exclusivamente para a finalidade prevista no
seu protocolo;
• Propiciar, nos estudos multicêntricos, a participação dos pesquisadores que
desenvolverão a pesquisa na elaboração do delineamento geral do projeto; e
• Descontinuar o estudo somente após análise das razões da descontinuidade pelo
CEP que a aprovou.
O pesquisador deve enviar para o CEP de sua instituição um documento denominado
pela Resolução 196/96, como “protocolo de pesquisa”, que se trata de um documento
contemplando a descrição da pesquisa em seus aspectos fundamentais, informações relativas
ao sujeito da pesquisa, à qualificação dos pesquisadores e a todas as instâncias responsáveis.
(ARAÚJO, 2003).
Guilhem e Diniz (2005) colocam que, os protocolos de pesquisa estão divididos em
três grupos e recebem tratamento diferenciado de acordo com esta classificação. São os
seguintes grupos:
• Grupo I - abarca os projetos considerados de áreas temáticas especiais e, neste
grupo, estão incluídas as seguintes áreas: genética humana; reprodução humana;
populações indígenas; pesquisas com cooperação estrangeira; novos
equipamentos; insumos e dispositivos; biossegurança e a critério dos CEP;
• Grupo II – novos fármacos, vacinas e testes diagnósticos;
• Grupo III – incluem todos os demais projetos.
Castilho e Kalil (2005) apresentam que após a Resolução nº 196/96, foram criadas e
regulamentadas resoluções complementares, que são: a Resolução nº 251/97, que normatiza
as pesquisas com novos fármacos, medicamentos, vacinas e testes diagnósticos; a Resolução
nº 292/99 referente à pesquisa com cooperação estrangeira; para as pesquisas conduzidas na
área de reprodução humana, tem-se a Resolução nº 303/00; a Resolução nº 304/00 se refere às
pesquisas com povos indígenas e a Resolução Complementar nº 340/04 diz respeito à área de
genética humana. Porém, salienta-se que, apesar do surgimento das resoluções
complementares citadas, a Resolução nº 196/96 continua sendo a principal norma
regulamentadora de pesquisa, envolvendo seres humanos, no país.
Guilhem e Diniz (2005) reforçam que, de acordo com a Resolução 196/96, todos os
projetos de pesquisa que utilizem seres humanos como sujeitos, independente da área do
80
conhecimento a que pertençam, deveriam obrigatoriamente ser avaliados por um Comitê de
Ética em Pesquisa (CEP), antes de seu início e implementação. Desse modo, o comitê passaria
a compartilhar com o pesquisador a responsabilidade pela realização da pesquisa, seu
monitoramento e acompanhamento ético.
Greco e Mota (1998) apresentam alguns benefícios com a implantação dos Comitês de
Ética em Pesquisa (CEPs): reforço de procedimentos éticos em toda e qualquer pesquisa
envolvendo seres humanos; papel educativo para toda a comunidade; aprendizado constante
dos membros do Comitê; visões diferentes dos membros de diversas origens do Comitê.
Os autores supracitados apresentam também algumas dificuldades: adaptação da
equipe multidisciplinar; enfrentamento da autonomia do pesquisador; deficiências na
definição de direitos do voluntário e obrigação do patrocinador (especialmente pesquisas
multicêntricas); falta de reconhecimento do papel e da importância do comitê de ética.
(GRECO; MOTA, 1998).
Hutz (1999) faz críticas e aponta algumas limitações dos comitês de ética, ao afirmar
que, comissões de ética devem, não apenas examinar protocolos e autorizar a pesquisa, mas
também, cobrar relatórios e exigir explicações sobre a não publicação dos resultados.
Idealmente, pesquisadores deveriam informar, no seu projeto, como pretendem divulgar os
resultados. A Resolução n°.196 requer a publicação dos resultados, mas segundo o autor, não
discute essa questão em profundidade.
O referido autor discute também a questão da autoria, co-autoria e ordem em que os
nomes dos autores aparecem em publicações e apresentações de trabalhos em congressos e
encontros, que para o mesmo consiste em um problema ético e merece consideração especial
na discussão e elaboração de projetos de pesquisa. Hutz (1999) coloca ainda que, o princípio
básico na definição de autoria é o princípio da justiça. Todos aqueles que derem uma
contribuição significativa para o trabalho devem ser listados como autores e a ordem de
autoria deve refletir a importância e a relevância da contribuição dada.
Fortes (1998) salienta que, não é somente porque existe uma norma legal que as
pesquisas irão se adaptar inteiramente aos princípios éticos. Na visão do autor, para que haja
eficácia do conteúdo da resolução, é preciso se ampliar a consciência dos pesquisadores e da
sociedade como um todo sobre o respeito à dignidade da pessoa. Assim, Fortes (1998) reforça
que, as normas expressas devem ser observadas como importante instrumento pedagógico e
não como mecanismo coercitivo para os pesquisadores.
81
Habermas (2003, p.147) afirma que, “toda norma válida tem que preencher a
condição de que as consequências e efeitos colaterais que previsivelmente resultem de sua
observância universal, para a satisfação dos interesses de todo indivíduo possam ser aceitas
sem coação por todos os concernidos”. Ou seja, a teoria deve prestar contas à práxis.
Schramm et al. (2008) colocam que, ao longo do século XX, delineia-se o que se pode
chamar de pluralização e complexificação tanto do campo do saber-fazer científico como do
campo da ética aplicada à pesquisa científica.
A situação atual é tal que – quando comparada com as antigas certezas tanto científicas como éticas e anteriores à crise dos paradigmas – o pesquisador se encontrará na inconfortável situação de ter que lidar, no plano normativo, com uma contestação permanente dos paradigmas científicos e éticos que serviam para fundamentar e legitimar suas práticas de pesquisa envolvendo seres humanos. No campo específico da ética aplicada, as práticas em pesquisa envolvendo seres humanos deverão lidar – pelo menos em sociedades democráticas seculares e pluralistas – com o fato de ter que ser orientadas, também, por outros princípios éticos ou até com concepções éticas estranhas ao modelo dos princípios. (SCHRAMM et al., 2008, p.363).
Apesar de todas as resoluções e declarações relacionadas ao tema, existe longo
caminho a percorrer para que os preceitos éticos sejam cumpridos. A Resolução n° 196/96
certamente contribui para a discussão da ética e ciência, melhorando o nível da pesquisa no
país, em um primeiro e importante passo para grandes modificações sobre os limites éticos
das ações dos pesquisadores. (GRECO; MOTA, 1998).
Rodrigues (2004, p.193) entende que, “a produção científica de qualidade depende da
integração entre instituições, organizações (universidades) que produzem o conhecimento
científico e o mercado”. A autora coloca que, as instituições desempenham várias funções na
sociedade, ao estabelecerem regras, ao formularem políticas de incentivo e ao criarem
critérios de desempenho.
Hutz (1999) acredita que, nas universidades brasileiras, a área de Ciências humanas e
sociais aparentemente não tomou conhecimento da Resolução n° 196/96, embora essa
resolução tenha força de lei.
Diniz e Guerriero (2008, p.290-291) analisaram o distanciamento do campo das
ciências sociais em relação ao sistema de revisão ética vigente no Brasil, e colocam que “[...]
o modelo de revisão ética por comitês sediados em instituições não surgiu como resultado de
uma ampla discussão entre os campos disciplinares nas universidades ou centros de pesquisa”.
82
As autoras salientam que ocorreu o contrário, “[...] foi um movimento político que
impôs aos pesquisadores de todas as áreas de conhecimento novas regras de como devia fazer
pesquisa com ética”. (DINIZ; GUERRIERO, 2008, p.291). Afirmam que, as atuais
regulamentações sobre ética na pesquisa pouco consideram as particularidades metodológicas
e éticas da pesquisa social, e que as áreas da ciência que utilizam técnicas qualitativas
raramente participam das deliberações normativas. O que pode explicar a falta de
conhecimento da Resolução n° 196/96, por parte das ciências humanas e sociais, como é
colocado por Hutz (1999).
Segundo Diniz e Guerriero (2008, p.292), existe a “[...] possibilidade de o atual
modelo de revisão ética incorporar as técnicas qualitativas, não sendo necessária a criação de
um sistema alternativo”. E isto ocorreria através da ampliação de debates sobre as
peculiaridades das técnicas qualitativas e as diretrizes específicas para a revisão ética da
pesquisa social, sendo então preciso que os comitês de ética em pesquisa estabelecessem
novas práticas de revisão ética, como colocam as autoras supracitadas.
Além das resoluções elaboradas por órgãos ligados ao Ministério da Saúde, foram
criadas novas diretrizes gerais que podem nortear a conduta ética do pesquisador, no Brasil,
por alguns órgãos ligados a agências de fomento federais e estaduais.
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agência
do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação), passou a se preocupar com o
aumento no caso de fraudes em pesquisas científicas, em 2011, no Brasil, e definiu a criação
de uma comissão que analisasse a questão da integridade na pesquisa científica. (CNPq,
2011).
Assim, em maio de 2011, foi criada a Comissão de Integridade de Pesquisa do CNPq,
formada por quatro pesquisadores e um coordenador, cujo relatório, divulgado em outubro do
mesmo ano, destaca em seus primeiros parágrafos que a necessidade de boas condutas na
pesquisa científica tem sido motivo de preocupação crescente da comunidade internacional e
também no Brasil.
No relatório, intitulado “Relatório da Comissão de Integridade de Pesquisa do CNPq”
(Vide Anexo B), são apontados casos de más condutas em pesquisas ocorridos
internacionalmente, que atrasaram o avanço da ciência e assim justificam que por isso, as
agências de financiamento em pesquisa passaram a se interessar em criar mecanismos que
coíbam práticas fraudulentas na pesquisa e que estimulem a integridade da pesquisa realizada
83
ou publicada por pesquisadores do CNPq - detentores de bolsa de produtividade ou auxilio a
pesquisa. (CNPq, 2011).
A primeira ação da comissão foi criar e divulgar vinte e uma diretrizes orientadoras
das boas práticas nas publicações científicas, que englobam aspectos relacionados
principalmente: a metodologia (discorrem sobre questões de divulgação clara das limitações
do método utilizado, diretrizes recomendando ações que evitem manipulação de dados e
informações, entre outros pontos); a autoria (recomendando colocar como autores apenas
quem realmente contribuiu significativamente ao trabalho); ao plágio (enfocando diretrizes
voltadas à citação das fontes) e ao autoplágio (recomendando a informação de trabalhos
anteriores do autor com referências e citações, quando utilizados em novo trabalho). (CNPq,
2011).
Como primeira ação da Comissão, as diretrizes são relevantes, enquanto preceitos
gerais, mas carecem de melhor ordenamento e especificação, além de definições mais claras
do que consideram ser padrões éticos na condução da pesquisa, em todo o processo.
Em 2011, outra agência de fomento à pesquisa apresentou uma versão de um
documento ético orientador no campo da pesquisa científica. A Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP, apresentou um código de conduta ética na
pesquisa, intitulado “Código de boas práticas científicas” (Vide Anexo C), que estabelece
diretrizes éticas para as atividades científicas dos pesquisadores beneficiários de auxílios e
bolsas da FAPESP e para o exercício da função de avaliador científico pelos assessores do
órgão. (FAPESP, 2011).
No código da FAPESP é definido que as diretrizes concernem a uma parte da esfera da
ética profissional do cientista, relacionadas apenas à integridade ética da pesquisa científica,
ou seja, aos valores e padrões éticos de conduta que derivem direta e especificamente do
compromisso do cientista com a finalidade mesma de sua profissão: a construção coletiva da
ciência como um patrimônio coletivo. (FAPESP, 2011).
Estas diretrizes repousam sobre o princípio geral de que todo cientista é eticamente responsável pelo avanço da ciência. Na concepção, proposição e realização de pesquisas, na comunicação de seus resultados e nas relações de cooperação e tutoria com outros pesquisadores, o cientista deve conduzir-se com honestidade intelectual, objetividade e imparcialidade, veracidade, justiça e responsabilidade. A presunção de que esses valores prevalecem na atividade de pesquisa é inseparável da presunção da fidedignidade dos resultados dessa atividade, sendo, por isso, condição de possibilidade da construção, apropriação e usufruto coletivos da ciência. (FAPESP, 2011. p. 15).
84
A FAPESP (2011) aponta como más condutas graves mais típicas e freqüentes
cometidas por pesquisadores: a fabricação (afirmação de que foram obtidos ou conduzidos
dados, procedimentos ou resultados que realmente não o foram); a falsificação (apresentação
de dados, procedimentos ou resultados de pesquisa de maneira relevantemente modificada,
imprecisa ou incompleta, a ponto de poder interferir na avaliação do peso científico) e o
plágio (utilização de ideias ou formulações verbais, orais ou escritas, de outros sem dar,
expressa e claramente, o devido crédito, de modo a gerar razoavelmente a percepção de que
sejam ideias ou formulações de autoria própria).
As diretrizes éticas propostas pela FAPESP (2011), de modo a coibir más condutas,
são direcionadas, em linhas gerais, para:
• A concepção, a proposição e a realização da pesquisa (onde devem ser observados os grau
de originalidade, relevância e viabilidade do projeto, a capacidade técnica do pesquisador,
os procedimentos cientificamente apropriados e a manutenção do sigilo dos dados e
informações coletados);
• A comunicação dos resultados da pesquisa e a autoria (exposição precisa dos dados,
informações e procedimentos; informar existência de qualquer conflito potencial de
interesses; informar autoria das fontes; informar se um mesmo trabalho está sendo
submetido a dois periódicos ao mesmo tempo; só colocar como autores os que tenham
dado contribuições intelectuais diretas e substanciais para a concepção ou realização da
pesquisa e que todos os autores se responsabilizem pela qualidade científica do trabalho);
• Registro, conservação e acessibilidade de dados e informações (que devem ser registrados,
conservados e serem acessíveis - de maneira precisa e completa);
• Conflito potencial de interesses (os pesquisadores devem evitar a ocorrência de conflitos
de interesse que possam prejudicar a objetividade e a imparcialidade das decisões
científicas, e caso ocorra, devem comunicar a existência do conflito);
• Avaliação pelos pares (todo pesquisador credenciado a solicitar auxílios e bolsas à
FAPESP deve dispor-se a emitir pareceres de mérito científico sobre assuntos de sua área,
ou área correlata, sempre que por ela isso lhe seja requerido);
• Tutoria (pesquisadores que assumam a tutoria devem ter competência científica, tempo,
interesse prioritário em proporcionar ao tutelado a melhor formação científica, sendo
corresponsáveis pela qualidade científica e ética das atividades de pesquisa dos tutelados).
85
Os documentos que abordam diretrizes ou normas éticas para a pesquisa científica no
Brasil estão então no âmbito governamental. O Ministério da Saúde criou a resolução que
orienta as avaliações acerca da eticidade nos projetos de pesquisa, feitas pelos comitês de
ética em pesquisa, em todo o país, mas sendo direcionado com maior ênfase às pesquisas na
área de saúde. O CNPq direciona a preocupação com a conduta ética para os pesquisadores
bolsistas do órgão, de forma a evitar fraudes que gerem atrasos no avanço da ciência, além de
prejuízos econômicos, com o mau uso dos recursos.
Por fim, o código da FAPESP também tenta orientar a conduta ética dos pesquisadores
financiados pela fundação, e se destaca pela abrangência do documento, pois apresentam
diretrizes éticas que abordam desde a concepção da pesquisa, a realização da pesquisa, a
divulgação dos resultados, até a questão do registro, conservação e acessibilidade de dados e
informações, etapas posteriores ao término da pesquisa e da comunicação dos resultados. Ou
seja, definem princípios éticos para todo o processo de pesquisa, como preconiza Creswell
(2007).
A partir da abordagem teórica sobre ética na pesquisa científica, em uma visão geral,
enfocar-se-á no tópico a seguir referenciais sobre a ética na pesquisa, especificamente no
campo da Administração.
2.3 Ética na pesquisa em Administração
A partir das discussões teóricas anteriores faz-se necessário enfocar a ética na pesquisa
científica em Administração. E para abordar este tema, inicia-se com a abordagem sobre
pesquisa em Administração, como pesquisa social e características, para então se abordar a
ética na pesquisa na área da Administração.
2.3.1 Pesquisa em Administração
Antes de serem abordados aspectos específicos da pesquisa em Administração, é
importante discutir a pesquisa social, em que se insere a pesquisa em Administração. A
expressão “ciências sociais” costuma ser usada para indicar as diferentes áreas do
conhecimento que se preocupam com os fenômenos sociais, econômicos, políticos, culturais,
86
educacionais, ou seja, aqueles que englobam relações de caráter humano e social. (GODOY,
1995).
A ciência social surgiu há duzentos anos, mas a ciência social moderna é um
fenômeno do século XX, com menos de cem anos de experiência. As pesquisas em gestão e
negócios são ainda mais recentes, e foram os estudos de Hawthorne em 1920 e 1930 que,
provavelmente, deram início aos estudos estruturados nas pesquisas de gestão e negócios.
(REMENYI et al.,1998).
“Com o crescimento do domínio das ciências sociais, a predição de fatos cede espaço
para a interpretação de sentidos, e os critérios e formas de validação sofrem alteração”.
(OLIVEIRA; PICCININI, 2009, p.90).
Kababadse et al. (2002) destacam que a maioria das conclusões da pesquisa social
continua a ser provisória, assim como, os pesquisadores raramente alcançam resultados
definitivos, devido ao fato de abordarem valores humanos, normas e instituições, trabalho e as
tradições, linguagem, pensamento e comunicação - todos contextuais.
Já Oliveira e Piccinini (2009) salientam que, em termos de validade, não apenas o que
o pesquisador produz se torna importante, mas também suas próprias ações, com destaque
para sua integridade ética na coleta, análise e resultados apresentados em seus estudos e as
possíveis consequências para os sujeitos envolvidos na pesquisa. O pesquisador se torna
crítico do seu modo de interagir com a comunidade e da qualidade do conhecimento científico
produzido. Essa afirmação remete para a questão da integridade na pesquisa.
Além da validade, os autores anteriormente citados, também destacam a reflexividade
como outro conceito importante e salientam que as pesquisas em ciências sociais são,
primeiramente, empreendimentos de construção de conhecimento. Nesse sentido, é
fundamental que dentro da própria ciência haja um espaço de reflexão onde se questione e
analise os rumos que esta tem tomado, os procedimentos empregados e a forma como os
pesquisadores têm se relacionado com os sujeitos da pesquisa.
Tanto o pesquisador quanto os sujeitos estão engajados em produzir conhecimento,
constituindo um processo ativo que requer exame minucioso, reflexão e interrogação dos
dados do próprio pesquisador, dos participantes e do contexto em que eles habitam. Assim,
colocam os autores, um dos conceitos que se torna central no desenvolvimento de estudos em
ciências sociais é a reflexividade. (OLIVEIRA; PICCININI, 2009).
87
Observa-se assim que, Oliveira e Piccini (2009) salientam a importância da
reflexividade na pesquisa social, ou seja, a capacidade de refletir e pensar criticamente sobre
os fenômenos sociais estudados na construção do conhecimento, sem esquecer a questão da
ética na pesquisa.
Diniz e Guerriero (2008) discorrem sobre alguns aspectos relacionados ao campo da
ética na pesquisa social, e colocam que poucos estudos sociais apresentaram controvérsias
éticas durante a fase de coleta de dados, pois a maioria dos casos, o dilema ético surgiu após a
divulgação dos resultados, o que vem a indicar uma das particularidades éticas da pesquisa
social, pois diferentemente da pesquisa biomédica, grande parcela das pesquisas sociais
envolvem risco mínimo aos participantes na coleta dos dados.
As autoras supracitadas apontam que é na fase da divulgação dos resultados que estão
os maiores desafios éticos, tais como garantia de anonimato e sigilo, ideias sobre
representação justa, compartilhamento dos benefícios, devolução dos resultados, entre outros.
As autoras afirmam ainda que, a pesquisa social tem risco mínimo, mas o risco existe,
o que deve ser considerado pelos pesquisadores e avaliadores, só que em proporções distintas
da pesquisa biomédica.
A partir da pesquisa social, cabe então apresentar alguns conceitos e características da
pesquisa em Administração. Cooper e Schindler (2003) colocam que, cada vez mais se faz
necessário estudar pesquisa em administração, em uma abordagem científica, face à
necessidade de mais e melhores informações para tomada de decisões gerenciais, como
também pela disponibilidade de técnicas e ferramentas mais avançadas para atender a essa
necessidade, e também pela sobrecarga de informações resultantes, caso não se empregue
disciplina no processo.
A elaboração de pesquisas científicas em organizações deve ser algo que adicione
valor ao corpo do conhecimento. Uma pesquisa acadêmica em Administração é um assunto
filosófico, que inclui a questão de “como pesquisar”, requerendo dos pesquisadores, um
entendimento da natureza dos processos necessários para a criação do conhecimento, com a
utilização de uma abordagem de pesquisa que seja sólida. O problema é que o processo de
condução de uma pesquisa é altamente subjetivo. (REMENYI et al., 1998).
Cooper e Schindler (2003) afirmam que, pesquisa é qualquer investigação organizada
executada para fornecer informações para solução de problemas. Em Administração, pesquisa
consiste em investigação sistemática que fornece informações para orientar a tomada de
88
decisões na área de gestão, o que inclui estudos informativos, que exigem conhecimento e
habilidade com as fontes de informação e com os controladores de tais fontes; descritivos, em
que o pesquisador tenta descrever ou definir um fato, sem explicar por que este ocorreu ou por
que as variáveis interagem de uma determinada maneira; explanatórios, baseados em teoria,
que é criada para responder às perguntas – “por que” e “como”, indo além da descrição,
tentando explicar as razões para o fenômeno estudado; ou preditivos, que busca prever um
fenômeno.
Os referidos autores reforçam que, a pesquisa em Administração não é normalmente
conduzida sob condições controladas em laboratório, como as pesquisas de outras áreas, como
medicina entre outras, e que lida com atitudes humanas, comportamento e desempenho.
Os autores destacam ainda que, a boa pesquisa científica no campo da Administração
deve ser derivada de práticas conduzidas de forma confiável, para ser usada com segurança na
decisão gerencial, e ressaltam nove características: propósito claramente definido, processo de
pesquisa detalhado, planejamento de pesquisa completo, altos padrões éticos aplicados,
limitações reveladas francamente, análise adequada, resultados apresentados de forma não-
ambígua, conclusões justificadas, e experiência refletida do pesquisador.
O campo da pesquisa em Administração é muito abrangente, envolve: pesquisas na
área de gestão social, gestão pública, gestão organizacional, com subáreas definidas como,
por exemplo: gestão da produção, gestão financeira, gestão de marketing, gestão da
informação, gestão de pessoas, logística, entre outras. Independentemente da área que o
pesquisador atue, observa-se que as questões éticas devem ser abordadas em cada etapa da
pesquisa, e enfocando as nove características apresentadas pelos autores anteriormente
citados.
A partir da discussão sobre a pesquisa social e pesquisa em Administração, procurar-
se-á apresentar conceitos e abordagens sobre a ética na pesquisa em Administração, campo
conceitual pouco explorado pela literatura nacional, mas já trabalhado internacionalmente.
2.3.2 Ética na pesquisa em Administração
Cooper e Schindler (2003) discorrem sobre a importância da ética na pesquisa em
Administração, que tem por objetivo assegurar que ninguém seja prejudicado ou sofra
89
consequências adversas das atividades de pesquisa, ressaltando que ética é diferente das
restrições legais, em que padrões geralmente aceitos têm penalidades definidas, usadas
universalmente.
E reforçam que,
Cada vez mais se faz necessário estudar pesquisa em administração, em uma abordagem científica, face à necessidade de mais e melhores informações para tomada de decisões gerenciais; à disponibilidade de técnicas e ferramentas mais avançadas para atender a essa necessidade; e à sobrecarga de informações resultante, caso não se empregue disciplina no processo. (COOPER; SCHINDLER, 2003, p. 26).
Os referidos autores salientam que a pesquisa demanda um comportamento ético de
seus participantes, e que a pesquisa ética exige integridade pessoal do pesquisador. Como
também, colocam que muitos problemas éticos do projeto podem ser eliminados com
planejamento cuidadoso e vigilância constante.
Churchill e Peter (2005) também apresentam visão similar quanto a relação entre a
ética na pesquisa e o planejamento de pesquisa bem elaborado. Os autores afirmam que, o ato
de planejar uma atividade de pesquisa é imprescindível para a manutenção da integridade
moral. Uma pesquisa responsável é a que se antecipa aos possíveis problemas éticos e não
aquela que se justifica posteriormente a realização da investigação.
Para Bell e Bryman (2007), a preocupação com a ética também pode ser estimulada
por pressões junto aos pesquisadores acadêmicos, que são levados pela necessidade de
maiores contribuições e produtividade e isso pode incentivar práticas antiéticas de pesquisa,
como a publicação de vários artigos praticamente idênticos em periódicos diferentes. E
colocam que a ética deve ser parte integrante de todos os aspectos da pesquisa em
Administração.
Conforme Remenyi et al. (1998), como a pesquisa em gestão e negócios se
desenvolveu recentemente, muita atenção tem sido dada aos métodos empregados para
justificar as reivindicações de que alguns materiais e artigos de valor tenham sido
acrescentados ao corpo de conhecimento acumulado. Com o resultado, a metodologia de
pesquisa é ensinada explicitamente para aqueles que desejam estudar a administração e os
negócios.
90
Segundo Kakabadse et al. (2002), a pesquisa em gestão é inevitavelmente influenciada
pelo posicionamento ontológico do pesquisador ou suas visões da realidade social. O
pesquisador precisa se precaver contra o próprio preconceito, muitas vezes, em benefício da
investigação. A pesquisa exige explicitamente que os pesquisadores compreendam os seus
próprios valores e atitudes, de forma a atentarem para a conduta ética
na investigação. Assim a ética, teoria dos valores, representa um dos pilares da filosofia de
pesquisa, que guia a conduta do pesquisador durante o processo de investigação.
Easterby-Smith et al. (1999) também corroboram com a visão de Kakabadse et al.
(2002), de que o pesquisador deve estar preparado para as questões éticas na pesquisa, e
também compreender seus próprios valores.
[...] a pesquisa pode ser vista como uma forma para acelerar o processo de compreensão; portanto, ela deve conduzir não só a uma compreensão melhor da gerência, mas também a uma compreensão melhor, para os gerentes, a respeito de como realizar melhor o seu trabalho. [...] Embora as questões filosóficas possam parecer ocultas nos métodos de pesquisa, é difícil escapar aos fatores políticos e éticos na pesquisa gerencial [...] Portanto, nesse processo, o pesquisador deve estar preparado para confrontar questões de ordem ética e estar conscientes dos seus próprios valores. (EASTERBY-SMITH et al., 1999, p.1-2).
Remenyi et al. (1998) destacam que os pesquisadores da área de gestão trabalham
extensivamente no campo em vez de trabalharem em laboratórios, e estarem em campo
significa terem uma ampla gama de contato com pessoas de todas as esferas, classes, raças,
sexos, entre outras fronteiras. E isto exige confiança, alto grau de maturidade e integridade
por parte do pesquisador acadêmico nesta área, de forma a não gerar impactos negativos junto
às pessoas e entorno.
As preocupações éticas permeiam todos os aspectos do processo de pesquisa em
gestão, e de alguma maneira, eles permeiam também todas as ações humanas e suas
interações. (KAKABADSE et al., 2002).
Os referidos autores colocam ainda que, sempre que há uma escolha a ser feita,
quando existem várias formas de fazer alguma coisa, ou quando um problema é considerado,
há um julgamento ético envolvido. Na pesquisa em gestão, em um sentido amplo, são
questões éticas: as decisões e as escolhas sobre os objetivos do estudo.
Bell e Bryman (2007) questionam se os pesquisadores em Administração podem
continuar a adotarem as técnicas e as práticas estabelecidas em outras ciências sociais, em um
contexto onde há uma maior regulamentação na pesquisa social. Os autores também colocam
91
que existem algumas questões éticas a serem afetadas pelo contexto específico da pesquisa em
Administração.
[...] a pesquisa demanda um comportamento ético de seus participantes. Ética são normas ou padrões de comportamento que guiam as escolhas morais referentes a nosso comportamento e nossa relação com as outras pessoas. [...] atividades antiéticas existem e incluem violação de acordos de não-revelação, quebra de confidencialidade, má interpretação dos resultados, logro de pessoas, irregularidades de orçamento, fuga de responsabilidade jurídica e mais. (COOPER; SCHINDLER, 2003, p. 110).
Na visão de Hair Jr. et al. (2005), os pesquisadores em Administração são
confrontados por considerações éticas e possíveis dilemas no decorrer de todo o projeto de
pesquisa, que podem estar relacionados aos participantes estudados e com a própria
integridade profissional.
Os autores supracitados colocam que, antes do projeto da pesquisa é talvez a parte
mais crítica em todo o processo de pesquisa, onde o pesquisador deve traduzir uma situação
para uma proposição de pesquisa viável, o que envolve avaliar honestamente a capacidade e
habilidades próprias, como também os recursos necessários. Durante a pesquisa, o
pesquisador tem a obrigação moral de ter completo conhecimento dos instrumentos analíticos
e estatísticos necessários para a execução da pesquisa.
Os referidos autores também destacam que, na pesquisa em Administração os sujeitos
pesquisados podem ser expostos a prejuízo potencial, onde há a possibilidade deste prejuízo
ocorrer, caso um pesquisador coloque o sujeito estudado em condições indevidas de estresse,
ao estudar o efeito do estresse sobre o desempenho no trabalho, provavelmente através de
experimentos, onde pode manipular o tempo necessário de uma tarefa e observar os resultados
no desempenho, gerando assim, danos psicológicos. Muitas vezes, na pesquisa em
Administração, o dano não é físico.
Churchill e Peter (2005) salientam que, se faz imprescindível o esclarecimento aos
respondentes sobre os objetivos de pesquisa, dando lhes o direito a privacidade e garantia de
que essa confiabilidade não será burlada. Cabe ao pesquisador restringir o acesso de
informações como nome, telefone, endereço ou outras formas de identificação, inclusive para
pequenos grupos onde a identificação pode ser facilitada por respostas específicas. As
pesquisas em Administração possuem diversas áreas que podem sofrer oportunismos
eliminando a questão ética de suas investigações e que devem ser estudadas.
92
Na visão de Bell e Bryman (2007), a pesquisa deve ser projetada de forma que o
respondente não sofra dano físico, desconforto, dor, embaraço ou perda de privacidade.
Para se proteger disso, o pesquisador deve seguir três diretrizes:
(1) Explicar os benefícios do estudo;
(2) Explicar os direitos e as defesas do respondente; e
(3) Obter consentimento expresso. (COOPER; SCHINDLER, 2003).
Churchill e Peter (2005) também acreditam que a relação entre pesquisador em
Administração e participantes deve ser mantido dentro de limites éticos e que para
desenvolver, de forma ética, uma investigação é necessário que o respondente não possa
sofrer nenhum dano.
Os referidos autores apontam alguns princípios éticos que devem ser observados em
toda pesquisa, incluindo a pesquisa em Administração: preservação da privacidade dos
participantes, não utilização de questionamentos que sejam contrários aos interesses dos
participantes, não expô-los a tensão mental, não colocar sua segurança ou privacidade em
risco, não coagi-los, ou enganá-los. (CHURCHILL; PETER, 2005).
Na visão de Cooper e Schindler (2003), é importante ressaltar a necessidade de
planejamento adequado da pesquisa, observando-se a relação ética entre pesquisador, equipe
de pesquisa, patrocinador e respondentes, sendo questionável o uso de estratagemas que,
quando usados, deve-se esclarecer aos respondentes assim que possível.
Os autores Cooper e Schindler (2003) abordam algumas questões e princípios éticos a
serem considerados no processo de pesquisa, da seguinte forma:
• Na definição do problema (preservar o anonimato do patrocinador da pesquisa);
• Na proposta da pesquisa (enfatizam a necessidade da qualidade da pesquisa; a não
revelação dos objetivos do patrocinador e a necessidade de ausência de coerção por
parte do patrocinador);
• No planejamento da pesquisa (qualidade da pesquisa; consentimento informado pelo
sujeito da pesquisa; privacidade; ausência de coerção);
• Na coleta de dados e preparação (privacidade do pesquisado e do patrocinador da
pesquisa, segurança do pesquisado e pesquisador);
• Na análise, interpretação dos dados e relatório da pesquisa (confidencialidade;
qualidade da pesquisa e ausência de coerção do patrocinador).
93
Porém, observa-se que os referidos autores não enfocam, particularmente, a pesquisa
científica, mas a pesquisa comercial, ao enfatizarem que o anonimato do patrocinador deve
ser preservado, quando na pesquisa científica a identificação dos patrocinadores da pesquisa é
questão fundamental, de forma a evitar conflito de interesses. E outro aspecto conflitante com
a pesquisa científica, é a recomendação dos autores com a não revelação dos objetivos do
patrocinador, o que não é recomendado nas pesquisas científicas.
Cooper e Schindler (2003) salientam também, que o pesquisador ético sempre segue
regras e condições analíticas para que os resultados sejam válidos. Ocasionalmente, os
patrocinadores podem solicitar aos especialistas em pesquisa a prática de um comportamento
antiético. Se o pesquisador concordar, estará quebrando os padrões éticos. Outra
responsabilidade ética dos pesquisadores é a segurança – sua própria e de sua equipe.
A figura a seguir ilustra os pontos abordados por Cooper e Schindler (2003),
apresentando as questões éticas a serem abordadas em cada etapa do processo de pesquisa
comercial. Destaca-se a figura como forma de apresentar as etapas do processo de pesquisa, e
algumas questões éticas em comum com a pesquisa científica.
94
Fonte: Cooper e Schindler (2003, p. 111).
Figura 7 - Questões éticas e o processo de pesquisa
• Uso de estratagema; • Direito do patrocinador à
qualidade da pesquisa.
Proposta de pesquisa
• Direito do patrocinador à qualidade da pesquisa;
• Direito do patrocinador à não-revelação de objetivo;
• Direito do pesquisador à ausência de coerção do patrocinador.
Planejamento de pesquisa
Estratégia do planejamento
Exploração Exploração
Descobrir o problema de administração
Definir o problema de administração
Definir a(s) questão(ões) de pesquisa
Refinar a(s) questão (ões) de pesquisa
Não revelação do
patrocinador
Coleta de dados Amostragem
Questões e instrumento de teste-piloto
• Direito da pessoa ao consentimento informado;
• Direito da pessoa à privacidade (recusa);
• Direito do patrocinador à qualidade da pesquisa;
• Direito do pesquisador à ausência de coerção do patrocinador.
Revisão do instrumento
Coleta de dados e preparação
Análise e interpretação de dados
Relatório de pesquisa
Decisão de administração
• Direito da pessoa à privacidade;
• Uso de estratagema; • Direito do patrocinador à
não-revelação do patrocinador;
• Direito do pesquisador à segurança.
• Direito do patrocinador à não-revelação dos resultados;
• Direito da pessoa à confidencialidade;
• Direito do patrocinador à qualidade da pesquisa;
• Direito do pesquisador à ausência de coerção do patrocinador.
95
Bell e Bryman (2007) realizaram um estudo que analisou o conteúdo de nove códigos
de ética adotados por associações acadêmicas de pesquisa social, no Reino Unido e nos
Estados Unidos. A partir dessa análise do tom ético geral dos códigos, os autores
identificaram onze categorias de princípios éticos: dano aos participantes, consentimento
informado, anonimato, dignidade, privacidade, confidência, afiliação, honestidade e
transparência, decepção, má representação e reciprocidade. As onze categorias são detalhadas
a seguir, com breve descrição de cada uma:
• Dano aos participantes – trata-se do potencial de causar dano através do processo de
pesquisa e a necessidade de assegurar o bem-estar físico e psicológico tanto dos
participantes da pesquisa quanto dos pesquisadores;
• Dignidade – a necessidade de se respeitar a dignidade dos participantes da pesquisa,
dos pesquisadores ou outros, evitando-se desconforto ou ansiedade;
• Consentimento informado – a necessidade de assegurar o consentimento informado
completo dos participantes da pesquisa;
• Privacidade – a necessidade de proteger a privacidade dos sujeitos da pesquisa ou de
evitar invasões de privacidade;
• Confidência – a exigência para assegurar confidência aos dados da pesquisa, seja em
relação a indivíduos, grupos ou organizações;
• Anonimato – proteção do anonimato de indivíduos ou organizações;
• Decepção – o potencial para decepção através do processo da pesquisa, seja através de
mentiras ou comportamento duvidoso;
• Afiliação – a necessidade de declarar qualquer afiliação profissional ou pessoal que
possa ter influenciado a pesquisa, incluindo conflitos de interesse e patrocínio ou
informação sobre a origem do financiamento da pesquisa;
• Honestidade e transparência – a necessidade de abertura e honestidade ao transmitir
informação sobre a pesquisa a todas as partes interessadas, incluindo a necessidade de
confiança;
• Reciprocidade – a ideia de que a pesquisa deve ser um benefício mútuo para o
pesquisador e participantes ou que alguma forma de colaboração ou participação ativa
deva ser envolvida;
96
• Má representação – a necessidade de se evitar enganos, maus entendimentos, má
representação ou falso relatório das descobertas da pesquisa.
A figura a seguir ilustra as categorias dos princípios éticos, abordadas por Bell e
Bryman (2007).
Figura 8 – Categorias de princípios éticos identificados em códigos de ética na pesquisa social
Fonte: Elaboração própria, com base na análise de Bell e Bryman (2007).
A abordagem dos autores apresentada anteriormente é a que mais se aproxima dos
aspectos peculiares da ética na pesquisa em Administração, pois os autores chegaram as onze
categorias a partir de análises de códigos de ética na pesquisa social, em que a pesquisa em
Administração está inserida.
Bell e Bryman (2007) observam, também, que a posição atual da comunidade de
pesquisa em Administração sobre as normas éticas e os códigos de ética engloba uma série de
questões complexas sobre as quais há pouco consenso. Na qual constatam que alguns autores
são contrários a atuação de comitês de ética em pesquisa, vendo-os como um aparelho
burocrático que ameaça a liberdade do acadêmico em prosseguir com uma pesquisa.
Com relação aos códigos de ética, os autores colocam que a regulação ética é vista,
por alguns, como evidência de ataque a independência acadêmica e são considerados
Dano aos participantes
Princípios éticos na pesquisa social
Dignidade Consentimento
informado
Má representação
Privacidade
Reciprocidade
Honestidade e transparência
Afiliação Decepção
Anonimato
Confidência
97
mecanismos de regulação que refletem a ideia de falta de profissionalização dos acadêmicos e
a falta de confiança no trabalho do pesquisador.
Porém, os autores salientam que a ideia de que as questões éticas podem ser tratadas
pelo pesquisador individualmente, sem recorrer a orientações, pode ser problemática, porque
se assume que os pesquisadores estão cientes do que constitui uma questão ética e que eles
estão preparados para regularem os seus próprios comportamentos na condução de uma
pesquisa, pressupondo um alto grau de responsabilidade. O que para os autores é difícil
ocorrer dada a ênfase limitada no tocante às questões éticas na pesquisa abordadas nos cursos
de pós-graduação.
Leite et al. (2010) apresentaram resultados de uma pesquisa com pesquisadores que
atuavam na área de Administração, e os resultados apontaram que entre os pesquisados, havia
uma grande preocupação quanto à conduta ética no que tange as questões de plágio nas
pesquisas científicas e quanto ao anonimato dos respondentes. Os entrevistados tinham
dúvidas quanto em como proceder em relação a esses dilemas, já que não conheciam
diretrizes ou princípios norteadores para uma conduta ética na área, decidindo com base no
compromisso pessoal com a moralidade.
Na análise de Collins e Hussey (2005) não existe um código de ética escrito e
específico para a área de pesquisa em Administração, dependendo do pesquisador, determinar
o que é ético ou não.
Bell e Bryman (2007) apontam que há problemas em se continuar a contar com
diretrizes éticas de outras áreas da ciência, sendo incompatível apoiar uma posição que seja
contra códigos de ética na pesquisa em Administração, mas ao mesmo tempo advoga que os
pesquisadores em Administração devem ser guiados por códigos de ética das suas
universidades ou de disciplinas relacionadas.
Além disso, a prática de confiar em orientações científicas gerais, não considera a
possibilidade de que os pesquisadores em gestão tendem a enfrentar diferentes tipos de
situações éticas, em relação a outros pesquisadores sociais.
Na área de Administração, no Brasil, os debates e discussões sobre o tema ética na
pesquisa, passou a ter um instrumento consultivo e orientador voltado à publicação científica.
Levantou-se que, em 2010, a Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação e
Pesquisa em Administração (ANPAD) elaborou e divulgou um manual de boas práticas na
publicação científica, a ser discutido e analisado no capítulo 4, do presente trabalho.
98
Rodrigues (2004) coloca que, instituições como Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES) e CNPq têm o papel de criar regras sobre o volume e a
qualidade da produção científica, e as regras criadas são reafirmadas por instituições como a
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ANPAD), que tem,
entre outros tem o papel de acreditar trabalhos científicos e seus autores. Na visão da autora,
tanto a ANPAD quanto a CAPES e CNPq, entre outras, são instituições que elaboram
esquemas de referência para a produção científica em Administração no país.
Relacionando o que foi colocado pela autora citada anteriormente, com as orientações
sobre ética na pesquisa, observa-se que tanto o CNPq quanto a ANPAD já iniciaram a
elaboração de diretrizes que buscam guiar a conduta ética dos pesquisadores, através da
criação de manuais e comissões que discutem a integridade na pesquisa. De forma a melhorar
a qualidade na produção científica no país, porém o documento da ANPAD focaliza com
maior ênfase a questão da publicação da pesquisa científica e o CNPq direciona suas
diretrizes para os pesquisadores ligados ao órgão.
Na literatura foram, então, encontrados princípios gerais da ética na pesquisa, como os
apresentados por Creswell (2007), Churchill e Peter (2005) e Tacsan (2003). E princípios
éticos voltados à pesquisa social, como os apresentados por Bell e Bryman (2007). Não foram
encontrados princípios éticos específicos para a pesquisa científica em Administração.
Apresenta-se a seguir um quadro resumo das abordagens sobre os princípios éticos discutidos
por Creswell (2007), Bell e Bryman (2007), Churchill e Peter (2005) e Tacsan (2003).
Quadro 6 - Resumo dos princípios éticos abordados na literatura
Autores Princípios éticos abordados
Bell e Bryman (2007)
- Evitar dano aos participantes; - Consentimento informado; - Anonimato; - Dignidade; - Privacidade; - Confidência; - Afiliação; - Honestidade e transparência; - Decepção; - Má representação; - Reciprocidade.
99
Creswell (2007)
- Beneficência; - Transparência na comunicação dos objetivos e dos
órgãos apoiadores da pesquisa; - Não exposição dos participantes da pesquisa ao risco; - Autonomia e livre consentimento dos participantes; - Respeito a privacidade e ao anonimato; - Disponibilização do resultado final da pesquisa; - Honestidade nas práticas da pesquisa; - Qualidade na análise da pesquisa.
Churchill e Peter (2005)
- Preservação da privacidade dos participantes; - Livre consentimento; - Não utilização de questionamentos que sejam
contrários aos interesses dos participantes; - Não exposição dos participantes a tensão mental, risco,
desconforto, dor ou embaraço; - Não colocar a segurança ou privacidade do
participante em risco; - Não usar de coerção; - Não adulterar dados.
Tacsan (2003)
- Beneficência; - Justiça; - Segurança, e - Consentimento informado.
Fonte: Adaptado de Creswell (2007); Bell e Bryman (2007); Churchill e Peter (2005); Tacsan (2003).
Tomando com base as abordagens apresentadas, anteriormente, de Bell e Bryman
(2007), de Creswell (2007), de Churchill e Peter (2005) e de Tacsan (2003) foram agrupados
os princípios e parâmetros da ética na pesquisa considerados relevantes para a presente
pesquisa, que são os seguintes: Autonomia - consentimento livre e informado dos
participantes; Beneficência – reciprocidade – dignidade – respeito ao participante; Não
maleficência - Não exposição dos participantes e da equipe da pesquisa ao risco e a danos;
Justiça – relevância social da pesquisa; Anonimato; Privacidade - confidencialidade; Afiliação
- comunicação dos órgãos apoiadores da pesquisa; Honestidade e transparência - nas práticas
da pesquisa, na comunicação dos objetivos da pesquisa; Má representação - evitar práticas
fraudulentas nas atividades de pesquisa; Disponibilização do resultado final da pesquisa.
A seguir, então, serão apresentados os procedimentos metodológicos a serem adotados
no presente estudo.
100
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
No presente capítulo, serão abordados os procedimentos metodológicos adotados no
estudo, envolvendo o tipo do estudo, sua abrangência, os participantes da pesquisa, o processo
da coleta dos dados e como foram definidos os instrumentos utilizados na coleta dos dados.
Ao final do capítulo, são apresentados os métodos da análise dos dados coletados, bem como
as limitações do estudo.
3.1 Tipo de estudo
Esta pesquisa se caracteriza como exploratória na medida em que é uma primeira
aproximação e abordagem do tema “ética na pesquisa científica” na área da Administração,
no Brasil, onde pouco se tem efetivamente estudado sobre a temática na área em questão.
Selltiz e Cook (1976) reforçam que a modalidade exploratória tem a finalidade de
aprofundar aspectos relacionados à pesquisa e enfatizam que os principais objetivos da
pesquisa exploratória, são: esclarecer problemas para pesquisas subseqüentes, aumentar o
conhecimento sobre assuntos não devidamente tratados na literatura e clarificar conceitos
ainda não devidamente claros.
Assim sendo, como se trata de uma investigação inicial, na Administração, sobre o
tema ética na pesquisa, pretendeu-se conhecer mais sobre o tema, relacionando-o ao campo da
Administração, de forma que, a partir deste primeiro passo sejam realizadas, posteriormente,
futuras pesquisas, aprofundando cada vez mais o conhecimento sobre o tema em questão.
A abordagem é qualitativa, uma vez que se busca o aprofundamento da compreensão
do fenômeno em estudo, seu significado ou significação, natureza e implicações, a partir de
levantamentos feitos com pesquisadores atuantes na área de Administração. Dessa forma,
caracteriza-se como um estudo fenomenológico, na medida em que buscou levantar as
percepções (visão, opiniões) e a consciência (reflexão crítica sobre ética) dos sujeitos da
pesquisa. A percepção e a consciência do pesquisador sobre ética na pesquisa científica
podem gerar a reflexão crítica e aprofundada sobre a responsabilidade do pesquisador na
condução do processo de pesquisa.
101
Dencker (2002) destaca que a metodologia dos estudos qualitativos implica a
observação dos fenômenos sociais com a participação do pesquisador no universo de
ocorrência desses fenômenos. A pesquisa qualitativa tem caráter descritivo ou exploratório,
propondo-se a preencher lacunas no conhecimento, sendo especialmente indicada para
situações em que a teoria não é suficiente para solucionar o problema, e quando o pesquisador
precisa buscar em campo as questões que serão consideradas na análise. A presente pesquisa
busca colaborar na lacuna de discussão e conhecimento sobre ética na pesquisa em
Administração.
Para atender melhor os objetivos da pesquisa, o presente estudo adotou os seguintes
passos:
a) Pesquisa documental – levantamento e análise das normas, diretrizes e princípios
relacionados à ética na pesquisa existentes no Brasil;
b) Aplicação da pesquisa de campo junto a pesquisadores buscando compreender as
reflexões e percepções dos mesmos em relação ao tema “ética na pesquisa em
Administração”.
Com relação à aplicação da pesquisa de campo, em um primeiro momento, optou-se
por entrevistar pesquisadores experientes ligados à Divisão acadêmica de Ensino e Pesquisa
em Administração da ANPAD, que estavam participando de evento da área, realizado em
novembro de 2011, pois os mesmos atuam com atividades de pesquisa ligadas ao tema ensino
e pesquisa em Administração.
No entanto, a partir das entrevistas realizadas com os sujeitos acima assinalados,
constatou-se a necessidade da realização de outros dados para aprofundar o conhecimento
sobre o tema. Assim, considerou-se necessário redirecionar a coleta sobre os princípios éticos
na pesquisa, sob um novo olhar coletivo. E assim, decidiu-se pela realização de grupos focais
e pela mudança de lócus da pesquisa, agora, os Programas de Pós-Graduação em
Administração.
Como as categorias do presente estudo foram as atividades de pesquisa e os princípios
éticos, cabe definir para fins do presente estudo as etapas das atividades de pesquisa
(CRESWELL, 2007), que envolve as definições de: problema de pesquisa; objetivos e
indagações da pesquisa; coleta de dados; análise e interpretação dos dados; divulgação e
redação do relatório final da pesquisa.
102
Faz-se necessário, também, apontar os princípios éticos considerados nesta pesquisa.
Com base na Resolução n. 196/96 (CNS/MS), identificaram-se os princípios éticos da
autonomia, não maleficência, beneficência e justiça. Na literatura, foram encontrados
princípios gerais da ética na pesquisa, como os apresentados por Creswell (2007), Churchill e
Peter (2005) e Tacsan (2003). Como também, princípios éticos voltados à pesquisa social,
como os apresentados por Bell e Bryman (2007). Assim, foram agrupados os princípios da
ética na pesquisa considerados relevantes para a presente pesquisa, que são os seguintes:
- Autonomia – consentimento livre e informado dos participantes;
- Beneficência – reciprocidade – dignidade – respeito ao participante;
- Não maleficência - Não exposição dos participantes e da equipe da pesquisa ao risco e
a danos;
- Justiça – relevância social da pesquisa;
- Anonimato;
- Privacidade - confidencialidade;
- Afiliação - comunicação dos órgãos apoiadores da pesquisa;
- Honestidade e transparência - nas práticas da pesquisa, na comunicação dos objetivos
da pesquisa;
- Má representação - evitar práticas fraudulentas nas atividades de pesquisa;
- Disponibilização do resultado final da pesquisa.
3.2 Abrangência da pesquisa
O presente estudo buscou conhecer a visão e reflexão dos pesquisadores quanto aos
princípios éticos nas atividades de pesquisa científica na área da Administração. Assim, para
viabilizar a pesquisa enfocou-se, na primeira fase da pesquisa, pesquisadores com ampla
experiência atuantes na Divisão acadêmica de Ensino e Pesquisa em Administração da
ANPAD.
Na segunda fase da pesquisa de campo, foi considerado como lócus ideal os
Programas de Pós-Graduação em Administração (PPGA), uma vez que, a maioria das
pesquisas científicas realizadas ocorre nas universidades. Dado o número muito grande de
programas nesta área, 116 (cento e dezesseis) (CAPES, 2012), a diversidade de conceitos e de
níveis de formação e de modalidades e, considerando que a acessibilidade é um critério
103
importante em qualquer pesquisa, a decisão sobre a área de abrangência da pesquisa recaiu
sobre os Programas de Pós-Graduação localizados em três estados da região Nordeste: Rio
Grande do Norte, Pernambuco e Paraíba, com conceitos diferentes e por modalidades
distintas.
Dessa forma, foram selecionados, por conveniência, quatro Programas de Pós-
Graduação em Administração com as seguintes características: três programas de pós-
graduação acadêmicos e um profissional (modalidade); sendo dois programas com conceito 4
(porém, foram pesquisados públicos distintos nestes programas com igual conceito – alunos
de doutorado em um e professores-pesquisadores em outro), um programa com conceito 5 e
um programa com conceito 3 (Conceito CAPES); dois programas localizados no Rio Grande
do Norte, um no Estado de Pernambuco e um no Estado da Paraíba (Localização).
E quanto à propriedade foram selecionados programas em instituições de ensino
superior - públicas e particulares, onde um programa está inserido em uma universidade
particular e os outros três programas, de universidades públicas. Dois dos programas
selecionados têm entre 30-40 anos de existência, um tem em torno de 17 anos e um tem 06
anos de existência.
Foram escolhidos os seguintes programas: Programa de Pós-Graduação em
Administração da Universidade Federal de Pernambuco (PROPAD-UFPE); Programa de Pós-
Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGA-
UFRN); Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal da Paraíba
(PPGA-UFPB) e Mestrado profissional em Administração da Universidade Potiguar (MPA-
UnP).
O tempo de existência dos programas e a natureza das atividades realizadas nos
programas selecionados criam a ambiência adequada para realização da pesquisa. A
diversidade de níveis e de modalidades cria também condições favoráveis para que se discuta
a forma como o tema da ética está presente no cotidiano dos pesquisadores que constituem
estes programas da área de Administração. Acredita-se assim que, para efeito de um estudo
exploratório, esta delimitação de área foi pertinente para o desenvolvimento da pesquisa.
104
3.3 Participantes da pesquisa
Os participantes da pesquisa foram:
• Pesquisadores atuantes em Programas de Pós-Graduação em Administração de
universidades distintas (pesquisadores entrevistados na primeira etapa da pesquisa -
ligados à Divisão acadêmica de Ensino e Pesquisa em Administração da ANPAD e
pesquisadores com atividades de pesquisa nos Programas de Pós-Graduação em
Administração da UFPE, UFPB e UnP);
• Doutorandos do PPGA - UFRN.
Assim, nos programas selecionados foram formados quatro grupos focais, sendo três
com pesquisadores-professores ligados aos respectivos programas e um grupo focal de alunos
de doutorado em Administração, de forma a conhecer a visão dos grupos, pois a unidade de
análise é o próprio grupo e suas interações.
3.4 Coleta de dados e instrumentos de coleta
A coleta de dados, na pesquisa qualitativa, não é um processo acumulativo e linear,
mas interativo, nas diversas etapas da pesquisa e entre seus sujeitos (CHIZZOTTI, 1998).
Os dados secundários foram coletados através das seguintes fontes: aprofundado
levantamento bibliográfico em livros, artigos, periódicos nacionais e internacionais; sites da
internet relacionados ao tema ética na pesquisa; sistemas de informação em ética na pesquisa
(SISNEP) e levantamento e análises das normas, diretrizes e códigos relacionados à ética na
pesquisa científica, tais como: Resolução n. 196/96 – CNS; Diretrizes Éticas do CNPq;
Código de Boas Práticas Éticas da FAPESP; Manual de Boas Práticas da ANPAD.
De forma a melhor compreender o objeto de estudo, a coleta dos dados primários foi
realizada em duas etapas. A primeira etapa coletou dados com pesquisadores experientes e
com vasta produção científica na área da Administração através de entrevistas pessoais e
aprofundadas. E, na segunda etapa, foram formados grupos focais com pesquisadores
experientes e doutorandos da área de Administração.
Flick (2009) coloca que, os grupos focais são usados como método autônomo ou em
combinação com outros (neste caso, com entrevistas individuais). É o que o autor denomina
de triangulação entre métodos qualitativos, objetivando ampliar o conhecimento de um tema
ou para avaliar resultados de forma mútua.
105
Flick (2009) afirma ainda que, a triangulação de diferentes métodos deve começar de
diferentes perspectivas ou em níveis diferentes, e salienta que os grupos focais usam um
contexto interativo ampliado para coletar dados e, assim, são métodos que operam em nível
distinto das entrevistas individuais. Assim sendo, foi adotada, na presente pesquisa, a
triangulação entre métodos qualitativos, adotando-se, primeiramente as entrevistas individuais
e posteriormente, os grupos focais, sempre com base nas questões teóricas que emergiram da
literatura.
O autor salienta que, os resultados selecionados de entrevistas individuais podem ser
discutidos em grupos focais, de forma a obter as interpretações dos participantes sobre
resultados de estudos anteriores. No presente estudo, foram levados aos grupos focais as
questões discutidas nas entrevistas individuais, bem como novas questões que surgiram a
partir das entrevistas, de forma a ampliar o conhecimento sobre o tema ética na pesquisa.
Dessa forma, e a partir das definições de Flick (2009), na etapa inicial da coleta de
dados do estudo em questão, foram realizadas entrevistas pessoais, junto aos pesquisadores
experientes e com larga prática de pesquisa, abordados no Encontro de Ensino e Pesquisa em
Administração e Contabilidade – EnEPQ, evento promovido pela ANPAD e de
responsabilidade da Divisão Acadêmica de Ensino e Pesquisa em Administração e
Contabilidade – EPQ, realizado de 20 a 22 de novembro de 2011, na cidade de João Pessoa,
PB. O evento foi dividido por temas de interesse e cada tema de interesse tinha um líder,
sendo um total de nove líderes de tema.
Os líderes de tema foram abordados durante o evento e quatro pesquisadores
consentiram em participar da pesquisa de campo. Após o consentimento de cada pesquisador
abordado, foram agendadas as entrevistas pessoais e individuais, durante o período do evento.
As entrevistas duraram, em média, 45 minutos cada, e foram realizadas no local do evento, ao
final das sessões temáticas. A partir das entrevistas aplicadas, verificou-se a necessidade de
maior aprofundamento no tema, e de forma em grupo focal.
A segunda etapa da coleta de dados foi feita através da realização de grupos focais
com pesquisadores experientes e alunos de doutorado em Administração, vinculados a
Programas de Pós-Graduação em Administração, recomendados e reconhecidos pela CAPES.
Em um primeiro momento, foram feitos contatos preliminares com os coordenadores
dos Programas de Pós-Graduação em Administração de cada instituição, através de envio de
e-mail solicitando autorização para a realização dos grupos focais. A partir da aceitação por
106
parte do coordenador de cada programa, foram solicitados os contatos dos possíveis
participantes (professores pesquisadores e, em um caso, doutorandos ligados ao programa
selecionado).
Em seguida, foi elaborada uma carta convite para ser enviada por correio eletrônico
para todos os possíveis participantes de cada programa de pós-graduação selecionado. Em
seguida, foram encaminhados e-mails a todos os pesquisadores dos programas selecionados,
bem como a todos os doutorandos ativos no programa selecionado, solicitando participação
nos grupos focais. Foi informado o objetivo do estudo e o tema a ser abordado - ética na
pesquisa em Administração.
A partir da aceitação dos sujeitos contatados, buscava-se agendar os grupos nas
respectivas instituições, em data e horário de acordo com a disponibilidade dos participantes.
Alguns grupos foram agendados, adiados e posteriormente remarcados, devido à falta de
tempo dos sujeitos da pesquisa, como também pela dificuldade de agendar horário e dia
compatível para todos os pesquisadores que confirmavam.
Quando a data, o horário e o local estavam definidos, eram então enviados novos e-
mails para lembrar e reconfirmar o grupo focal junto aos possíveis participantes. Os locais
para formação dos grupos focais foram organizados de forma a favorecer a discussão em
grupo, sendo aplicados em salas com mesas em formato de reunião para melhor participação
de todos.
A gravação dos grupos focais se deu através de colocação de gravador ao centro da
mesa da reunião do grupo. Cada ambiente foi propício para as discussões ocorridas. A autora
do presente estudo atuou como pesquisadora e moderadora nos grupos focais.
Por fim, foram então formados quatro grupos focais, em momentos distintos, e
realizados em três Estados distintos da Região Nordeste e em quatro instituições diferentes.
Os grupos focais foram formados entre os meses de Março e Maio de 2012 (sendo um grupo
focal em março, dois grupos em abril e um grupo em maio), com duração em média de uma
hora e quarenta minutos.
Antes do início de cada grupo focal, foi entregue, a cada participante, um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE (Vide Apêndice C), em que foi apresentado o
objetivo do estudo, informado a garantia do anonimato do participante, bem como foi
solicitado o consentimento livre do sujeito da pesquisa. Assim era solicitada a assinatura do
107
participante, e o mesmo recebia uma das vias do referido termo com a sua assinatura, como
também com a assinatura da pesquisadora.
Os quatro grupos focais foram compostos da seguinte maneira:
1. Grupo focal formado por cinco pesquisadores atuantes no Mestrado Profissional em
Administração de uma instituição particular de ensino superior do Rio Grande do
Norte – Universidade Potiguar (MPA/UnP);
2. Grupo focal com quatro alunos de Doutorado de uma instituição pública de ensino
superior do Rio Grande do Norte – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(PPGA/UFRN);
3. Grupo focal formado por cinco pesquisadores atuantes na pós-graduação em
Administração, em uma instituição pública de ensino superior em Pernambuco –
Universidade Federal de Pernambuco (PROPAD/UFPE);
4. Grupo focal formado por seis pesquisadores atuantes na pós-graduação em
Administração, em uma instituição pública de ensino superior na Paraíba –
Universidade Federal da Paraíba (PPGA/UFPB).
O quadro a seguir resume a formação dos grupos focais, que totalizam a participação
de vinte pesquisadores e que discutiram a ética na pesquisa em Administração.
Quadro 7 – Grupos focais
GRUPO FOCAL No. PARTICIPANTES UNIDADES DE ANÁLISE
ESTADO
1.
05 Pesquisadores em Administração de IES particular - MPA/UnP
RN
2.
04 Doutorandos em Administração de IES
pública - PPGA/UFRN
RN
3.
05 Pesquisadores em Administração de IES
pública - PROPAD/UFPE
PE
4.
06 Pesquisadores em Administração de IES pública - PPGA/UFPB
PB
Total
20
Fonte: Dados da pesquisa, 2012.
108
Foram adotados dois instrumentos de pesquisa distintos (Vide Apêndices A e B). Para
a aplicação das entrevistas pessoais e aprofundadas, foi utilizado um roteiro de entrevistas,
com seis questões abertas, um dos instrumentos de pesquisa mais freqüentemente empregado,
de acordo com Rudio (1986). O instrumento foi elaborado a partir dos objetivos do estudo.
Foi aplicado um teste piloto com dois pesquisadores, e o instrumento não necessitou de
ajustes.
O roteiro de entrevista foi semi estruturado e não disfarçado. As entrevistas foram
gravadas com autorização dos pesquisados e o consentimento para a participação na presente
pesquisa foi dado de maneira verbal, gravado no início de cada entrevista.
Na segunda etapa, adotou-se um roteiro com questões guia de forma a orientar o
processo de discussão sobre o tema, visando atender aos objetivos do estudo. O referido
roteiro foi composto por oito questões-chave, que foram elaboradas a partir das entrevistas
aplicadas e dos objetivos propostos, na presente pesquisa.
Para a abordagem das questões junto aos grupos focais foi feito, preliminarmente, um
teste piloto de grupo focal com quatro pesquisadores doutorandos da UFRN, onde foram
analisadas as questões guia para conduzir as discussões nos grupos focais. A partir do teste
piloto, foram feitos ajustes no guia das questões a serem abordadas.
3.5 Análise dos dados
A análise dos dados levantados junto aos pesquisadores, nas entrevistas e nos grupos
focais foi qualitativa, de forma a subsidiar e classificar as informações levantadas, buscando
aprofundar o conhecimento sobre o tema da ética na pesquisa em Administração.
Preliminarmente, foi feita uma análise documental da resolução, diretrizes, código de
conduta e manual de boas práticas relacionados à ética na pesquisa científica, elaboradas no
Brasil, de forma a destacar pontos considerados relevantes nas normas e diretrizes, como
também analisar os princípios abordados por cada instrumento orientador da conduta ética do
pesquisador.
As entrevistas e os grupos focais foram gravados em áudio, posteriormente foram
feitas as transcrições das informações coletadas nas entrevistas pessoais, bem como nas
109
discussões dos grupos focais. Em seguida as transcrições foram analisadas, através de
diversas leituras e releituras.
A análise das entrevistas foi feita sob a perspectiva da análise pragmática da
linguagem (MATTOS, 2005a; MATTOS, 2007), com a inserção do conceito de conversação,
ligado à pragmática da linguagem e à análise linguística do discurso, na qual se buscou o
significado interpretativo das falas dos entrevistados.
Quanto ao método de análise pragmática da linguagem, Mattos (2007, p.365) salienta
que “não há formas bem previsíveis nem uma melhor forma de executá-lo”. Buscou-se assim,
através da prática tentativa e reflexiva, como o autor sugere seguir o modelo de referência
sobre procedimentos e análise de entrevistas, através das fases propostas. (MATTOS, 2007).
Que são:
a) Fase 1: Recuperação – procurou-se recuperar os momentos das entrevistas, através
das transcrições das gravações e da análise das anotações complementares. Foram
considerados aspectos como: as entrevistas foram feitas no local do evento em curso, onde
alguns temas debatidos tinham relação com o conteúdo das questões levantadas, o que gerou
maior aprofundamento em alguns tópicos e fez surgir discussões de temas não previstos
anteriormente, tais como a abordagem sobre o tema do produtivismo.
b) Fase 2: Análise do significado pragmático da conversação – em que, primeiramente,
procurou-se analisar o que ocorreu durante a entrevista, entre pesquisadora e entrevistado,
como os assuntos foram se desenvolvendo e que momentos foram relevantes no tocante ao
conhecimento ou desconhecimento dos aspectos discutidos. Nessa fase, buscou-se os
significados das respostas e também os significados incidentes. Percebeu-se assim que,
quando abordada a questão do conhecimento acerca dos princípios éticos abordados na
literatura e nos manuais ou códigos de conduta já existentes, no país, gerou-se momentos de
“ausência”, como Mattos (2007) coloca. Foram então feitas anotações sobre desconhecimento
de temas a serem abordados, e foi necessária a reformulação de questões durante a aplicação
das entrevistas.
c) Fase 3: Validação – durante as entrevistas a pesquisadora buscou validar o
significado nuclear das respostas de cada pergunta junto aos entrevistados, e os mesmos
reforçavam suas opiniões colocadas.
110
d) Fase 4: Montagem da consolidação das falas - procurou-se aproximar relatos,
opiniões e atitudes dos entrevistados, de forma a agregar relatos semelhantes e relevantes
sobre as questões estudadas.
e) Fase 5: Análise de conjuntos – Mattos (2007) coloca que, esta é a fase mais
importante para produção de resultados gerais de análise. Nesta fase, foram analisados os
conjuntos das entrevistas, consolidados na fase anterior, e foram feitas marcações de destaque
de relatos individuais e relatos agrupados, de forma a verificar os significados e os sentidos
das falas. Foram selecionadas determinadas falas, a serem apresentadas nos resultados, que
espelhavam bem o significado da visão dos entrevistados sobre determinado tema abordado.
A partir das análises dos relatos, partiu-se para as observações conclusivas sobre a temática da
ética na pesquisa, na percepção dos pesquisadores em Administração.
Na análise das discussões dos grupos focais, foi utilizada a análise de conteúdo, de
forma a descrever os conteúdos das mensagens (BARDIN, 1977). Triviños (1987) destaca
que, o método de análise de conteúdo, tem como etapas básicas: pré-análise, que se refere à
organização do material; descrição analítica, que começa já na fase anterior, submissão do
material a um estudo aprofundado e orientado pelos referenciais teóricos, usando
procedimentos como a codificação, classificação e categorização, que diz respeito ao
aprofundamento da análise, tratando de desvendar o conteúdo latente, além do conteúdo
manifesto dos documentos.
A análise de conteúdo foi iniciada com uma leitura preliminar de todas as colocações
de cada um dos participantes dos grupos focais. A partir da leitura, foi possível separar as
principais frases de cada questão discutida e separar em grupos relacionados aos objetivos da
pesquisa.
As categorizações das análises feitas foram elaboradas com base na extração de
palavras ou conjunto de palavras consideradas mais significativas em categoria inicial, e
posteriormente foram sintetizadas em categorias intermediárias, chegando-se a categoria final,
que correlacionou as diversas classes encontradas, criando um conceito unificado. Na análise
do conteúdo das discussões dos grupos focais se buscou, também, desvendar o conteúdo
latente dos debates e interações nos grupos.
A validação do conteúdo dos grupos focais foi realizada durante o processo de coleta,
com ênfase ao final de cada debate nos grupos focais (onde o fechamento de cada questão
reforçava e confirmava as opiniões emitidas), e realizadas diretamente com os próprios
111
pesquisados, que não exigiram envio posterior das transcrições das discussões dos grupos
focais.
Vale salientar que, as análises das discussões dos grupos focais em relação aos
objetivos estudados foram também realizadas no processo de coleta, através de observações
registradas. Assim, além das transcrições, foram feitas anotações durante os grupos focais que
complementaram o conteúdo analisado das transcrições.
Pretendeu-se assim, a partir da pesquisa aplicada, procurar aprofundar a discussão
sobre as reflexões e considerações dos pesquisadores quanto à atividade de pesquisa e os
princípios éticos observados no processo de pesquisa, de forma a representar contribuição
teórica relevante no conhecimento sobre a ética na pesquisa científica em Administração.
3.6 Limitações do estudo
Sendo um tema pouco explorado na área de Administração no país, houve certa
dificuldade em encontrar literatura sobre o tema, além de existirem poucas pesquisas sobre o
assunto. A maioria dos estudos encontrados se referia à ética na área de saúde, focalizando o
estudo da bioética.
Importa ressaltar que, também foi difícil constituir grupos focais com um maior
número de participantes em função dos seguintes aspectos: resistência à participação por parte
de pesquisadores quando tomavam conhecimento do tema a ser discutido; dificuldade em
conciliar as atividades de um número maior de pesquisadores em um mesmo dia e horário.
Foram feitos inúmeros convites e por diversas vezes foram remarcados os grupos focais,
adiando assim o processo de coleta de dados.
Outro aspecto que pode ser considerado limitação, foi a não submissão do presente
estudo a um comitê de ética em pesquisa. Surgiu um dilema com relação a esta questão, pois
foram levantadas as exigências e as recomendações propostas pelos comitês, bem como
consultados os procedimentos para submissão junto ao SISNEP e constatou-se a não
aplicabilidade da submissão do presente estudo a um comitê de ética em pesquisa, devido à
exigência de informar, preliminarmente, as características da população a ser estudada
(informações quanto ao tamanho da população, faixa etária e classe entre outros dados),
112
conforme descrito na Resolução n.196/96 (CNS/MS) e de submissão do protocolo de pesquisa
para revisão ética no CEP, com todos os documentos exigidos.
Esta impossibilidade se deu devido ao fato de que a coleta de dados estava prevista,
inicialmente, com pesquisadores atuantes em Administração que participassem do evento
selecionado (III Encontro de Ensino e Pesquisa em Administração e Contabilidade – EnEPQ),
realizado no ano de 2011. Nessa situação, não havia possibilidade de descrever, com as
características exigidas pela Resolução n.196/ 96 (CNS/MS), a população ou unidades de
análise da presente pesquisa, como também conseguir o consentimento prévio (anterior ao
evento) dos sujeitos a serem pesquisados.
O consentimento foi obtido no momento da aplicação da pesquisa de campo, nas
entrevistas de forma oral (registrado nas gravações) e nos grupos focais, através da assinatura
do Termo de Consentimento Livre, onde uma via assinada (pelo participante e pela
pesquisadora) foi entregue ao participante do grupo focal.
Buscou-se atender assim, o princípio ético da autonomia, descrito na Resolução
196/96, como “o respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe
após consentimento livre e esclarecido dos sujeitos, indivíduos ou grupos que por si e/ou por
seus representantes legais manifestem a sua anuência à participação na pesquisa”. (CNS,
2008).
Porém, observou-se que o presente estudo não guardou adequação total à norma
(Resolução n. 196/96), já que a mesma foi elaborada e direcionada para a área de saúde, não
atendendo as especificidades das pesquisas sociais, e particularmente pesquisa qualitativa,
desenvolvida no campo da Administração.
A seguir serão apresentados e discutidos os resultados da análise documental, da
análise das entrevistas e dos grupos focais.
113
4. REFLEXÕES E DISCUSSÕES SOBRE ÉTICA NA PESQUISA EM
ADMINISTRAÇÃO
Neste capítulo, serão apresentadas as informações obtidas nas duas etapas da pesquisa
de campo, além da análise de documentos que versam sobre a ética na pesquisa científica, no
Brasil. Inicialmente, serão discutidos alguns pontos destacados nos documentos levantados e
a seguir serão abordados os resultados e discussões das entrevistas aplicadas, e
posteriormente, analisados os resultados obtidos a partir das discussões realizadas com os
grupos focais.
4.1 Análise de documentos norteadores da ética na pesquisa científica
Os documentos analisados na presente seção são os documentos apresentados,
anteriormente no corpo teórico: a Resolução n. 196/96 (CNS/MS); o Relatório da Comissão
de Integridade na Pesquisa que contém as diretrizes éticas propostas pelo CNPq em 2011; o
Código de Boas Práticas da FAPESP de 2011 e o Manual de Boas Práticas para Publicação
Científica elaborado pela ANPAD em 2010.
A análise dos documentos tem o objetivo de discutir e relacionar características dos
documentos norteadores da ética na pesquisa no Brasil com a pesquisa social e, mais
especificamente, com a pesquisa em Administração. Optou-se por analisar documentos
elaborados e revisados por instituições nacionais, pela aplicabilidade à realidade do
pesquisador brasileiro, mesmo que os documentos existentes tenham como base,
regulamentações, códigos de conduta e/ou recomendações éticas elaboradas no âmbito
internacional.
A Resolução n.196/96 (CNS/MS) se apresenta como um instrumento normativo que se
propõe a orientar pesquisas em qualquer área das ciências, porém, os protocolos de pesquisa
estão divididos em três grupos: Grupo I - abarca os projetos considerados de áreas temáticas
especiais (áreas: genética humana; reprodução humana; populações indígenas; pesquisas com
cooperação estrangeira; novos equipamentos; insumos e dispositivos; biossegurança e a
critério dos CEP); Grupo II – novos fármacos, vacinas e testes diagnósticos e Grupo III –
incluem todos os demais projetos. Como pode ser percebido, os grupos 1 e 2 são voltados
114
para a área de saúde e apenas o grupo 3 engloba todos os demais projetos de pesquisa de todas
as demais áreas das ciências sem especificação.
Com relação às normas éticas, a Resolução n°. 196/96 (vide Anexo A) incorpora, sob
a ótica do indivíduo e das coletividades, quatro referenciais ou princípios básicos da ética:
autonomia, não maleficência, beneficência e justiça e visa assegurar os direitos e deveres que
dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado (CNS, 2008). Os
princípios básicos que norteiam a referida resolução são relacionados aos princípios da
bioética, que trata dos princípios éticos para as ciências da saúde.
Outros aspectos destacados na referida resolução tratam da generalização dos
resultados e do consentimento prévio por parte dos sujeitos da pesquisa. Exigências difíceis
de serem feitas e obtidas em vários tipos de pesquisas de cunho qualitativo.
Diniz e Guerreiro (2008) destacam que, as atuais regulamentações pouco consideram
as particularidades metodológicas e éticas da pesquisa social, além de que os campos
disciplinares que utilizam técnicas qualitativas raramente participam das deliberações
normativas. As autoras também colocam que, o modelo de regulação e revisão ética vigente
no Brasil se inspirou nas particularidades metodológicas e epistemológicas dos saberes
biomédicos, o que traz vários questionamentos sobre a pertinência das regras de avaliação
para as pesquisas qualitativas.
Apesar das limitações apontadas, as autoras consideram que os comitês de ética em
pesquisa (CEP) podem se adaptar com relação a projetos de pesquisas qualitativas
estabelecendo novas práticas de revisão ética da pesquisa científica.
A partir de denúncias de casos de desvios de conduta, foi formada em 2011 uma
comissão formada por pesquisadores no CNPq e um documento foi elaborado sobre o
assunto. Trata-se do “Relatório da Comissão de Integridade de Pesquisa do CNPq” (Vide
Anexo B) que propõe duas linhas de ação para lidar com as denúncias de fraudes nas
pesquisas científicas:
1) ações preventivas e pedagógicas e
2) ações de desestímulo a más condutas, inclusive de natureza punitiva.
115
Com relação às ações preventivas, é destacado no Relatório da Comissão de
Integridade de Pesquisa do CNPQ, que:
[...] é importante atuar pedagogicamente para orientar, principalmente os jovens, nas boas práticas. É também importante definir as práticas que não são consideradas aceitáveis pelo ponto de vista do CNPq. Como parte das ações preventivas, o CNPq deve estimular que disciplinas com conteúdo ético e de integridade de pesquisa sejam oferecidas nos cursos de pós-graduação e de graduação. Também a produção de material com esses conteúdos em língua portuguesa deve ser estimulada e disponibilizada nas páginas do CNPq. Como ponto de partida, algumas diretrizes orientadoras das boas práticas nas publicações científicas, inclusive nos seus aspectos metodológicos, devem ser imediatamente publicadas, podendo ser aperfeiçoadas com contribuições subsequentes. Há que se salientar nessa direção a importância dos orientadores acadêmicos. (CNPq, 2011).
Assim, no próprio relatório são apresentadas algumas diretrizes gerais orientadoras das
boas práticas nas publicações científicas. Observa-se que, as diretrizes éticas propostas pelo
relatório do CNPq se encontram em fase incipiente no tocante à discussão mais abrangente
dos princípios éticos a serem sugeridos como norteadores da conduta dos pesquisadores. São
vinte e uma diretrizes que englobam orientações voltadas às questões do plágio, autoplágio,
autoria e esclarecimentos quanto às alterações nos dados, de forma a evitar falsificação ou
fabricação de resultados. Como colocado no próprio relatório, as diretrizes podem ser
aperfeiçoadas de forma a atenderem princípios que englobem todo o processo de pesquisa
científica.
Com relação às atitudes corretivas e punitivas, recomenda-se que seja criada uma
comissão permanente pelo Conselho Deliberativo do CNPq que será responsável por
examinar situações em que surjam dúvidas fundamentadas quanto à integridade da pesquisa
realizada ou publicada por pesquisadores do CNPq - detentores de bolsa de produtividade ou
auxilio à pesquisa. Destaca-se assim que, as ações propostas pelo CNPq são direcionadas para
pesquisadores do CNPq e que a divulgação do relatório proposto fica assim restrita ao público
a qual as diretrizes são destinadas.
O código da FAPESP (Vide Anexo C) é um documento orientador mais abrangente,
no que se refere ao campo de aplicação e que segue alguns princípios éticos, tais como:
honestidade intelectual, objetividade e imparcialidade, veracidade, justiça e responsabilidade.
O documento se propõe a apresentar um conjunto mínimo de preceitos gerais no tocante à
integridade da pesquisa científica. Salienta-se que, o código de boas práticas da FAPESP
116
envolve diretrizes voltadas para todo o processo da pesquisa, como proposto por Creswell
(2007), englobando desde a concepção, proposição e realização de pesquisas até a
comunicação dos resultados. Além disso, estabelece práticas éticas para as relações de
cooperação e de tutoria com outros pesquisadores. Porém, também é um documento voltado
aos pesquisadores auxiliados pela FAPESP, e restrito ao Estado de São Paulo.
Já o Manual de Boas Práticas elaborado pela ANPAD, “Boas Práticas da Publicação
Científica: um manual para autores, revisores, editores e integrantes de Corpos Editoriais”, é
muito relevante por ser o primeiro instrumento orientador para a conduta de pesquisadores em
Administração no Brasil, mas restringe-se às questões éticas voltadas à publicação da
pesquisa científica em periódicos, e não a todas as etapas e âmbitos que compõem a atividade
de pesquisa.
O documento trata-se, segundo a ANPAD (2010), de um instrumento que visa a ajudar
os periódicos brasileiros a alcançar elevado desempenho e a ampliar o seu impacto como
fonte de pesquisa referencial nas áreas de Administração e Contabilidade, sendo composto por
um conjunto de critérios e orientações a respeito da publicação científica e dos papéis dos
principais atores envolvidos no processo, tanto sob o ponto de vista ético quanto do
operacional.
É direcionado para vários atores envolvidos na publicação e produção de periódicos
científicos, tais como: o editor; o Comitê de Política Editorial, ou Conselho Editorial, e o
Corpo Editorial Científico; o revisor de artigos do periódico científico, e o autor.
No capítulo dedicado às boas práticas direcionadas para autores, observa-se que várias
práticas são de ordem operacional. Enfocar-se-á, então, algumas orientações éticas voltadas
aos autores, recomendadas no manual da ANPAD (2010):
• É uma infração ética grave submeter um mesmo manuscrito a mais de um periódico
ou enviá-lo a um novo periódico, sem retirá-lo formalmente de algum outro em que o
texto esteja sendo avaliado;
• Submeter artigos que tenham uma sobreposição considerável será somente cabível
caso os textos se destinem a públicos diferentes (por exemplo, profissional e
acadêmico), mas será inaceitável (comportamento ético inadequado) se as audiências
forem as mesmas;
• É abusivo e inaceitável, sob ponto de vista ético, efetuar a submissão de um
manuscrito com limitações conhecidas pelos autores, que poderiam perfeitamente ser
117
por eles corrigidas, na expectativa de que seja aceito apesar dessas limitações ou com
o propósito de transferir a editores e revisores a função de melhorá-lo;
• Igualmente grave é se beneficiar das recomendações de um bom parecer de um
periódico, efetuar os aperfeiçoamentos solicitados e aí enviar o manuscrito para outro,
que julgar mais qualificado;
• Referenciar devidamente a eventual réplica de métodos de outros pesquisadores e
todas as afirmativas que não estiverem amparadas pela pesquisa descrita no artigo;
• Constitui grave infração ética citar trabalhos de pertinência discutível, visando a
ampliar o respectivo impacto. Por outro lado, é igualmente conduta ética inadequada
deixar de fazê-lo por antipatia ou preconceito de qualquer ordem;
• Para não incorrer em falta ética, somente incluir como coautores aqueles que tenham
contribuído efetiva e significativamente para a pesquisa;
No Manual da ANPAD (2010), é colocado que o documento em questão não tem
caráter normativo, mas sim de orientação, que foi construído com base na literatura e na
prática de se produzir a publicação científica. Porém, na seção introdutória afirma que,
“discutem-se, adiante, aspectos operacionais e éticos envolvidos nos respectivos papéis de
cada um destes agentes e propõe-se um código de conduta a ser por eles observado na
produção de periódicos científicos” (ANPAD, 2010). Um código de conduta está relacionado
a regras, normas ou preceitos éticos que visam orientar o comportamento de indivíduos.
Com relação ao papel do autor, o documento destina uma seção em que são listados
pontos considerados relevantes para publicação em periódicos. As recomendações ou
orientações dadas aos autores são direcionadas para terem mais sucesso em suas iniciativas de
publicação de manuscritos.
Destaca-se ainda que, em vários pontos listados como orientadores para a conduta dos
autores foram utilizados termos, como: “infração ética grave”, “inaceitável (comportamento
ético inadequado)”, “abusivo e inaceitável, sob ponto de vista ético”. Salienta-se o uso do
termo “infração ética grave”, pois subtende-se que para uma ação ser considerada infração
grave, pressupõe-se que uma norma pré-existente foi desafiada, apesar de não serem
observadas no Manual da ANPAD normas que disciplinem as condutas citadas.
As questões da relevância social da pesquisa (recomendada na Resolução n.196/96),
dos princípios do anonimato, da confidencialidade dos dados, da reciprocidade, entre outras
118
questões relacionadas aos princípios éticos encontrados em códigos de ética para a pesquisa
social, estudados por Bell e Bryman (2007), não foram considerados no documento da
ANPAD, assim como outros aspectos éticos relacionados a cada etapa da atividade de
pesquisa. O documento enfoca somente as questões éticas e operacionais relativas à fase da
publicação da pesquisa em periódicos.
Verifica-se assim, que a área da Administração tem algumas recomendações de boas
práticas no tocante à submissão de artigos para publicações científicas, mas não se encontram
orientações com princípios éticos norteadores que englobem todas as atividades da pesquisa
científica, desde o delineamento do problema até a divulgação dos resultados finais e que
atendam as particularidades das pesquisas em Administração.
Importa registrar que os documentos sobre ética na pesquisa científica, como a
Resolução n. 196/96 (CNS) e as diretrizes do CNPq são instrumentos elaborados por
comissões ou conselhos ligados ao Ministério da Saúde e Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação. Não foram encontrados documentos norteadores da conduta ética dos pesquisadores
ligados às universidades no âmbito do Ministério da Educação.
Os comitês de ética em pesquisa, apesar de inseridos em sua maioria nas instituições
de ensino superior, são regidos e regulamentados por resoluções elaboradas no âmbito do
Ministério da Saúde.
A seguir são condensadas no quadro 8 as características e os princípios éticos que
embasam os instrumentos analisados, que visam orientar a conduta ética dos pesquisadores
brasileiros.
Quadro 8 - Características dos documentos orientadores da conduta ética do pesquisador
Características Documento
Ano de divulgação à comunidade
científica
Público-Alvo Diretrizes/orientações éticas e/ou
princípios éticos
Resolução n. 196/96 (CNS/MS)
1996
Todos os pesquisadores de todas as áreas das Ciências, mas com foco na área de saúde.
Normas recomendadas com base nos princípios básicos da ética: autonomia (consentimento livre e esclarecido), beneficência, não-maleficência e justiça (equidade, relevância social)
119
Relatório da Comissão de integridade na pesquisa CNPq
2011
Pesquisadores do CNPq - detentores de bolsa de produtividade ou auxilio a pesquisa
Diretrizes éticas voltadas para casos de má conduta: autoria; plágio; autoplágio; fabricação e falsificação de dados na pesquisa científica. Focaliza também questões referentes a metodologia da pesquisa. Recomendações de ações educativas e punitivas.
Código de Boas Práticas da FAPESP
2011
Pesquisadores beneficiários de auxílios e bolsas da FAPESP e avaliadores científicos do órgão
Diretrizes éticas recomendadas para todo o processo de pesquisa: concepção, proposição e realização de pesquisas, comunicação de seus resultados e nas relações de cooperação e tutoria com outros pesquisadores. Princípios éticos: honestidade intelectual, objetividade e imparcialidade, veracidade, justiça e responsabilidade.
Manual da ANPAD - “Boas Práticas da Publicação Científica: um manual para autores, revisores, editores e integrantes de Corpos Editoriais”,
2010
Autores, revisores, editores e integrantes de Corpos Editoriais
Conjunto de critérios e orientações a respeito da publicação científica e dos papéis dos principais atores envolvidos no processo, tanto sob o ponto de vista ético quanto do operacional.
Fonte: Elaboração própria, a partir das informações dos documentos selecionados, 2012.
A partir do quadro resumo, apresentado acima, verifica-se que, com exceção da
Resolução n.196/96 (CNS/MS), os documentos analisados propiciam diretrizes e/ou
princípios éticos que podem nortear e orientar a conduta ética dos pesquisadores no país, que
sejam ligados aos órgãos citados.
Tratam-se de documentos direcionados, onde as diretrizes do CNPq são recomendadas
para pesquisadores ligados ao órgão; as práticas recomendadas no código da FAPESP são
voltadas para os pesquisadores beneficiários de auxílios e bolsas da fundação, e o Manual da
ANPAD enfoca os atores envolvidos com a publicação científica no campo da Administração.
Mas, independentemente do público alvo dos documentos em questão, as orientações éticas
120
propostas e publicamente divulgadas podem ser consultadas por pesquisadores de quaisquer
áreas de conhecimento e vínculo.
Observa-se também que, apenas a Resolução n.196/96 e o Código de Boas Práticas da
FAPESP (2011), abordam princípios éticos além de recomendações de boa conduta na
pesquisa. Os princípios éticos abordados pelos dois documentos citados se referem a:
autonomia (consentimento livre e esclarecido), beneficência (máximo de benefícios e o
mínimo de danos e riscos); não-maleficência (garantia de que danos previsíveis serão
evitados) e justiça (equidade, relevância social); honestidade intelectual; objetividade e
imparcialidade; veracidade; justiça e responsabilidade. Em comum, o princípio da justiça, que
trata da relevância social da pesquisa, da minimização do ônus para os sujeitos vulneráveis e
igual consideração dos interesses envolvidos.
4.2 Análise das entrevistas
A análise das entrevistas foi dividida em cinco partes, de forma a atender aos objetivos
propostos. A primeira parte tratou de abordar a percepção dos pesquisadores sobre a conduta
ética e a má conduta na pesquisa. A segunda parte buscou levantar os dilemas éticos que
acometem ou acometeram os pesquisadores durante um processo de pesquisa. A terceira parte
busca levantar se os pesquisadores conhecem e que opinião eles têm sobre as orientações e as
normas éticas já existentes no país, compostas por princípios éticos norteadores para conduta
ética na pesquisa. A quarta parte visa conhecer como os pesquisadores tomam decisões
relacionadas às questões éticas no processo de pesquisa - se baseadas em valores e/ou
princípios éticos. E a quinta e última parte, discute a visão dos pesquisadores quanto à
necessidade de princípios éticos específicos para a pesquisa em Administração.
Os sujeitos da presente etapa do estudo foram pesquisadores experientes e atuantes na
Divisão de Ensino e Pesquisa da ANPAD. Apesar da dificuldade em conseguir pesquisadores
que consentissem em participar da pesquisa, foram realizadas quatro entrevistas. As
entrevistas foram gravadas e o consentimento em participar foi oral e registrado nas
gravações. A pesquisa foi realizada durante evento da área de EPQ da ANPAD, ocorrido em
novembro de 2011. De forma a preservar o anonimato dos participantes, foram definidos
aleatoriamente números identificadores para cada pesquisador entrevistado (de 1 a 4).
121
Com relação à primeira fase da pesquisa de campo, pode-se afirmar que quando
abordados, individualmente, para as entrevistas sobre o tema ética na pesquisa em
Administração, os pesquisadores tiveram uma postura mais comedida e foram mais
ponderados em suas falas, apesar de exporem fatos relevantes em suas condutas em pesquisa.
Nos grupos focais se verificou uma postura mais relaxada por parte dos integrantes,
evidenciando-se a adequação do uso de grupos focais em um estudo sobre ética na pesquisa
para viabilizar maior reflexão e aprofundamento sobre o tema.
Como já destacado anteriormente, o presente estudo se revela pioneiro em instigar a
reflexão sobre a ética por parte de pesquisadores que atuam no campo da Administração no
Brasil, considerando que poucos estudos foram desenvolvidos na temática da ética na
pesquisa em Administração.
4.2.1 Percepção dos pesquisadores sobre boa conduta ética e má conduta na pesquisa
científica
Ao serem questionados quanto ao que consideram ser conduta ética, percebeu-se que
no tocante à conduta ética na pesquisa não houve uma linha de opinião semelhante nas
narrativas dos entrevistados, pois cada entrevistado enveredou em enfoques particulares. No
entanto, em diversos momentos fizeram reflexões em direções similares, gerando uma riqueza
de novas abordagens relevantes e pertinentes. Como afirma Mattos (2007, p. 360), “[...] cada
entrevista é singular e pode trazer surpresas para o interesse maior da pesquisa”.
O pesquisador 1 relacionou a boa conduta ética na pesquisa com a questão da
transparência afirmando que: “a ciência só faz sentido, só existe a partir do momento que
existe a transparência, ou seja, aquilo que é feito na ciência seja do conhecimento de todos”.
E destaca que essa transparência deve ser observada em todos os procedimentos da pesquisa,
trabalhando os dados da maneira mais transparente possível, de forma que todo o processo de
pesquisa fique claro para a comunidade científica, que terá assim condições de avaliar e
criticar a pesquisa. Algumas falas do pesquisador 1 apontam seu posicionamento.
“[...] conduta ética está associada a você trabalhar os dados da pesquisa da melhor maneira possível, da maneira mais transparente possível”. “A base da conduta ética na pesquisa – a ciência ser transparente.”
122
Observa-se que, o pesquisador 1, ao enfatizar a questão da transparência, relaciona a
conduta ética na pesquisa com um dos princípios éticos destacados por Bell e Bryman (2007)
- honestidade e transparência, que os autores definem como a necessidade de abertura e
honestidade ao transmitir informação sobre a pesquisa a todas as partes interessadas,
incluindo a necessidade de confiança.
Já o pesquisador 2, ao ser perguntado sobre conduta ética e má conduta na pesquisa
científica, optou inicialmente em questionar que o comportamento ético não pode ser restrito
às concepções de conduta e má conduta, pois essas condutas são atos de repercussão exterior.
Em sua percepção, devem ser enfocados também os valores morais que balizam as condutas.
A partir deste ponto, o entrevistado apontou o respeito como um valor a ser considerado e
exemplificou o respeito à autoria como boa conduta ética. Destaca-se a seguir, alguns relatos
do pesquisador 2, que salienta sua percepção sobre o tema levantado.
“Quando você fala em comportamento ético e má conduta ou conduta antiética, aborda atos de repercussão exterior”. “É preciso entrar na questão do valor.” “A questão do respeito, como por exemplo, o respeito à autoria”.
As colocações do pesquisador 2 estão relacionadas ao posicionamento de Kakabadse
et al. (2002), colocando-se que a pesquisa exige explicitamente que os pesquisadores
compreendam os seus próprios valores e atitudes, de forma a atentarem para a conduta ética
na investigação. Assim a ética representa um dos pilares da filosofia de pesquisa que guia a
conduta do pesquisador durante o processo de investigação.
O pesquisador 3 percebe a ética como um critério da conduta humana e coloca que o
pesquisador tem princípios éticos e a sua prática de pesquisa científica deve estar relacionada
a gerar conhecimento para o bem da sociedade. Esta visão remete a concepção de Aristóteles
(2001), na qual coloca que o bem deve ser a finalidade de todas as ações do homem. Como
pode ser observado em falas do pesquisador 3, apresentadas a seguir.
“Eu consigo perceber a ética, como um critério da conduta humana, o pesquisador, antes de tudo, tem os seus princípios éticos.” “A pesquisa acadêmica enquanto uma prática científica, ou seja, é uma profissão de conhecimento para o bem estar da sociedade.”
123
Já o pesquisador 4 direcionou inicialmente a discussão sobre conduta ética para a
questão da relação sujeito-objeto da pesquisa, em que, observou-se uma preocupação por
parte do entrevistado voltada para a postura do pesquisador e como esta relação pode definir
um comportamento ético ou não.
Outro aspecto destacado pelo entrevistado se referiu à conduta humana, destacando
que se a pessoa tem padrões morais e éticos e se é um pesquisador científico, então
automaticamente, os padrões éticos e morais são transferidos para a conduta ética do
pesquisador. Como pode ser observado em alguns relatos destacados a seguir.
“Eu tenho a impressão que o ponto mais original dessa discussão está na relação que o pesquisador estabelece entre sujeito e objeto.” “[...] se eu tenho padrões morais e éticos, e sou um investigador, automaticamente isso é transferido.”
Verifica-se assim que, os pesquisadores entrevistados refletem a conduta ética do
pesquisador como algo intrinsecamente relacionado com a conduta humana, na qual devem
ser considerados os valores morais, de maneira a produzir conhecimento, de forma
transparente e visando o bem da sociedade.
Com relação ao que consideram má conduta na pesquisa, os entrevistados optaram por
relacionar vários exemplos de conduta antiética, tais como: falsificação e fabricação de dados
que podem gerar vieses nas interpretações dos resultados.
Outro aspecto citado pelos quatro pesquisadores entrevistados se refere à questão do
plágio, em não citar as fontes corretas das ideias, das teorias, dos pensamentos dos
verdadeiros autores citados nas pesquisas. Também abordaram a questão do autoplágio, que
remete à discussão da citação dos próprios artigos por parte do pesquisador.
Os pesquisadores externaram preocupação também com a má conduta em relação a
autoria e a prática crescente dos autores colocarem como co-autores pessoas que não
participaram da pesquisa.
As questões de má conduta relatadas pelos entrevistados remetem às questões éticas
abordadas nas diretrizes de integridade na pesquisa do CNPq (2011), que identificam e
descrevem, o plágio, o autoplágio, a falsificação e a fabricação de dados como modalidades
de fraude ou má conduta.
124
Com relação à publicação das pesquisas, a questão do envio de um mesmo artigo
produzido pelo pesquisador para dois ou mais periódicos, ao mesmo tempo, foi apontada
como caso de conduta reprovável. Exemplo de má conduta abordado por diversos autores
(BELL; BRYMAN, 2007; SCHMINKE; AMBROSE, 2011) também, de associações como a
ANPAD, que aborda essa prática como inaceitável.
Alguns depoimentos demonstram a preocupação dos entrevistados com algumas
condutas consideradas antiéticas na prática do pesquisador.
Por exemplo, você não ter participação num trabalho, mas você força seu nome a aparecer, para mim isso é ferir a uma conduta ética, você não é autor, vamos definir o que é autor, se você não é autor ou co-autor, o seu nome não deveria estar ali e não deveria estar autorizado, ou de você fazer um pacto entre os colegas do seu programa e a gente faz um acordo de cavalheiros, mas de fato você nem sequer tem condições de apresentar o trabalho, pelo pouco ou nenhum domínio daquilo que foi feito. (PESQUISADOR 4). No momento que o pesquisador falsifica ou fabrica dados, enviesando a interpretação, fazendo isto conscientemente e deliberadamente, então é má conduta. (PESQUISADOR 1).
A partir das abordagens sobre má conduta, constatou-se que todos os entrevistados
passaram a abordar um tema, inicialmente não previsto nas entrevistas, mas que se revelou
pertinente em ser discutido, que foi o tema do produtivismo.
O fato pode ter sido influenciado pela ocorrência durante o evento (onde foram
aplicadas as entrevistas) de um painel que abordou, entre outros temas, a supervalorização da
produtividade e o descaso com a qualidade.
Os entrevistados falaram da questão do produtivismo e sua relação com a má conduta
na pesquisa, ou seja, a pressão por produção pode estar relacionada ao aumento dos desvios
de conduta na pesquisa científica. O produtivismo foi apontado como fator influenciador ou
desencadeador de casos de má conduta cometidos no âmbito da pesquisa em Administração.
Esta percepção dos entrevistados – relacionando produtivismo com má conduta – é
compartilhada por Sguissardi (2010), que aponta fatos como: multiplicação dos textos
oriundos de uma única investigação, autoria e falsa autoria, como decorrências do
produtivismo acadêmico.
É importante registrar que até bem pouco tempo este tema não era objeto de
preocupações pela comunidade acadêmica que somente passa a conviver com a questão
depois de sucessivas mudanças promovidas pela CAPES para avaliar os programas de pós-
graduação. É claro que o aumento da produção por si só não pode ser vista como algo ruim
125
por natureza e muito menos debitado apenas à pressão exercida pela CAPES. O que se
questiona aqui é a exacerbação da produção pela produção, o que pode levar aos
pesquisadores a nortearem a sua ação acadêmica apenas pela lógica quantitativa e, por vezes,
a adoção de práticas consideradas inadequadas e antiéticas.
Observou-se que, ao discorrerem sobre o tema má conduta na pesquisa, os
respondentes destacaram, com ênfase, as questões da manipulação dos dados, do plágio, do
autoplágio e da autoria. Estes são exemplos de má conduta destacados em documentos
norteadores da conduta ética do pesquisador, como as Diretrizes éticas do CNPq (2011), o
Código de Boas Práticas da FAPESP (2011) e o Manual de Boas Práticas da ANPAD (2010),
que abordam casos de fraudes e desvios de conduta.
4.2.2 Dilemas éticos enfrentados pelos pesquisadores no desenvolvimento das atividades
de pesquisa
Nesta seção, serão discutidos os dilemas éticos que os pesquisadores em
Administração enfrentam ou enfrentaram no desenvolvimento das atividades de pesquisa.
Com relação aos dilemas éticos, os pesquisadores que relataram já terem enfrentado
dilemas éticos na atividade de pesquisa, descreveram situações que exemplificam os dilemas
éticos. As situações não serão apresentadas, pois poderiam revelar a identidade dos
pesquisadores, pois são casos particulares de pesquisas.
Porém, pode-se constatar que um dos dilemas éticos que os entrevistados relataram se
referem aos conflitos de valores que surgiram durante a fase de coleta dos dados - como os
dados foram coletados, que métodos adotaram e como tiveram acesso a estes dados.
Um dos entrevistados relatou a questão dos conflitos que podem surgir na busca em
gerar conhecimento e as práticas de pesquisa que podem ter implicações éticas. E levanta a
questão de o problema é “como” chegar ao conhecimento.
Dilemas éticos também foram enfrentados durante a fase de divulgação dos resultados,
por parte de um dos entrevistados, com relação ao que foi permitido divulgar dos dados
(geralmente pesquisas feitas em empresas que não permitiam divulgação de certos resultados)
e que poderia afetar o resultado final da pesquisa.
Os relatos dos entrevistados apresentados a seguir, destacam dilemas éticos
relacionados ao acesso aos dados.
126
Eu acho que um grande dilema na área de administração é o problema da acessibilidade, ou seja, a realidade organizacional é uma realidade de difícil acesso, primeiro porque existe aquela coisa do medo por parte da direção, daquela coisa do segredo industrial dos dados gerenciais [...] para você conseguir este acesso, os meios... (PESQUISADOR 3). No nosso meio, uma das dificuldades que a gente mais tem, é o acesso, o nosso problema em Administração, é o acesso. (PESQUISADOR 4)
Os entrevistados que não relataram dilemas éticos enfrentados ao longo das
experiências, como pesquisadores, alegaram que não enfrentaram ou não lembram que
enfrentaram dúvidas em relação a valores conflitantes antes, durante ou após a realização de
pesquisas.
A figura a seguir ilustra os dilemas éticos apontados pelos pesquisadores
entrevistados, com relação às duas fases da atividade de pesquisa destacadas pelos
entrevistados.
Figura 9 – Dilemas éticos na pesquisa, enfrentados pelos entrevistados
Fonte: Dados da pesquisa, 2011.
Considerando todas as fases da pesquisa, os entrevistados relatam dilemas
basicamente em duas fases - na coleta dos dados e na divulgação dos resultados da pesquisa.
Este fato também foi percebido por Chen (2011), ao afirmar que muitos dilemas éticos na
pesquisa ocorrem em relação à conduta na divulgação dos dados e no relato dos resultados de
forma completa.
Já Medeiros et al.(2007) afirmam que os dilemas éticos estão presentes em qualquer
tipo de pesquisa desenvolvida nas distintas áreas das ciências. E que os principais aspectos
Dilemas éticos na pesquisa em
Administração
Na fase de coleta dos dados - conflitos na forma de coleta dos dados, métodos adotados e o acesso aos dados.
Divulgação dos resultados - Elaboração do Relatório final – dilemas com relação à divulgação dos resultados da pesquisa.
127
dos dilemas éticos podem estar relacionados tanto aos próprios pesquisadores – no que tange
a concepção inicial da proposta de pesquisa e seu delineamento – como ao processo de
desenvolvimento da pesquisa em todas as suas etapas operacionais, incluindo-se o momento
da comunicação do seu produto final. Porém, os entrevistados só relataram dilemas éticos em
duas etapas das atividades de pesquisa. O que pode indicar que são etapas mais críticas no
tocante às decisões éticas no processo de pesquisa em Administração.
4.2.3 Conhecimento dos pesquisadores em Administração acerca dos princípios da ética
na pesquisa existente no Brasil
No presente tópico, objetivou-se saber se os pesquisadores que atuam na área da
Administração conhecem, consideram e refletem sobre os princípios e diretrizes éticas
existentes na pesquisa científica e, a partir desta abordagem, conhecer a opinião dos
pesquisadores quanto ao papel dos comitês de ética em pesquisa.
A análise dos relatos dos entrevistados apontou para desconhecimento, por parte de
três dos pesquisadores entrevistados, de regulamentação sobre ética na pesquisa no Brasil,
pois apesar de saberem da existência dos comitês de ética em pesquisa não conhecem a
Resolução n°. 196/96 (CNS), nem seus princípios éticos.
Apenas um pesquisador conhecia, em parte, a regulamentação sobre ética na pesquisa,
existente no Brasil. E seu relato aponta uma crítica quanto à inadequação da referida
resolução nas Ciências Sociais.
[...] hoje eu acho que esta discussão foi deixada um pouco de lado na área de ciências sociais, esta parte da questão da ética, fomos atropelados pela regulamentação da pesquisa com o ser humano. A regulamentação saiu do Ministério da Saúde, então ela tem um foco muito específico da pesquisa com ser humano na área da saúde. [...] A resolução deixa em aberto algumas questões, que se você interpretá-las dentro da ótica, da perspectiva da saúde, por exemplo, não funciona em ciências sociais, quando você pede o termo de consentimento, que tem que explicar toda a pesquisa, você não consegue aplicar isso quando você vai coletar dados de um questionário, por exemplo, vou lá na rua coletar dados do que as pessoas pensam sobre um determinado assunto, você demora cinco minutos para aplicar o questionário, você não vai conseguir mais dez minutos para pessoa ler o termo, assinar ... Outro aspecto, você tem que fazer isso antes da realização da pesquisa, porque isso tem que ser feito antes do projeto ser aprovado, você vai tentar buscar uma abordagem aleatória [...] O pesquisador nas ciências sociais tem que ter consciência até onde vai, se o que ele está fazendo não tem ou não precisa ser enquadrado nesse tipo de questão. (PESQUISADOR 1).
128
Já com relação às orientações e boas práticas para a publicação científica, sugeridas
pela ANPAD em 2010, os entrevistados relataram conhecer. E afirmaram que consideram o
documento da ANPAD muito relevante, por ser o primeiro instrumento orientador para
publicação em periódicos na área de Administração. Ainda destacam que, o documento carece
de conhecimento mais amplo por parte dos pesquisadores em Administração, apontando que a
divulgação deveria ser maior, inclusive nos eventos da associação.
Apenas um entrevistado já conhecia, na época da pesquisa de campo, as diretrizes
éticas para a integridade na pesquisa recomendadas pelo CNPq criadas em 2011. Mas não
conhecia, em profundidade, as diretrizes éticas propostas no documento em questão, não
podendo analisar a aplicabilidade das mesmas no campo da Administração.
Com relação ao papel dos comitês de ética em pesquisa (CEP), os relatos dos
entrevistados demonstraram que relacionam os CEPs à área de saúde. Um dos entrevistados,
o pesquisador 2, colocou que sabe da existência dos comitês de ética em pesquisa, mas nunca
submeteu trabalhos e nem estimula seus alunos a submeterem. E afirma que os comitês de
ética não consideram as peculiaridades da pesquisa social, por isso não considera a existência
de comitês de ética relevante para a Administração.
Para dois entrevistados é relevante o papel dos comitês de ética, pois:
Considerando que a gente vive num mundo em que os temas da administração variam dos mais técnicos aos mais subjetivos, que as metodologias vão das mais prescritivas para as mais interpretativas, eu ainda acredito que o comitê de ética é uma instância necessária e eu acho que quando eventualmente a proposta de pesquisa negada, é argumentar, é recorrer, é justificar melhor, então eu acho que essa atitude ainda é um pouco mais interessante do que você não ter limite algum, porque quando você depende realmente dos interesses mais variados de uma área, os interesses são muitos diversos, a gente está muito afeito a coisas muito solúveis. (PESQUISADOR 4).
Eu acho que é relevante o papel dos comitês de ética em pesquisa, mas eu acho que a maneira como está sendo colocada, para os pesquisadores sociais, a questão da submissão de projetos de pesquisa nos comitês de ética é muito complicada. Eu acho que falta na área de Administração, especificamente, ter essa discussão sobre as normas éticas recomendadas e levar depois essa discussão para estes comitês de ética. Qualquer projeto de pesquisa hoje no Departamento de Administração que precise passar pelo comitê de ética da maneira como está sendo colocado na universidade em que eu trabalho, seria quase impossível de você conseguir aprovação. (PESQUISADOR 1).
O pesquisador 1 traz à tona a discussão sobre a adequação dos princípios éticos
sugeridos na Resolução n. 196/96, que rege a atuação dos CEPs, para as pesquisas sociais, ou
especificamente, as pesquisas em Administração.
129
Como já colocado na análise da referida resolução, observou-se que, a norma
preconiza generalização dos resultados e consentimento prévio por parte dos sujeitos da
pesquisa. Exigências difíceis de serem colocadas em prática, nos mais diversos tipos de
pesquisa social, e também em vários tipos de pesquisas de cunho qualitativo.
Diniz e Guerriero (2008) destacam também que, as atuais regulamentações pouco
consideram as particularidades metodológicas e éticas da pesquisa social, além de que, os
campos disciplinares que utilizam técnicas qualitativas raramente participaram das
deliberações normativas, corroborando com a compreensão do Pesquisador 1.
Bell e Bryman (2007) também observaram que a posição atual da comunidade de
pesquisa em Administração, sobre as normas éticas e os códigos de ética, engloba uma série
de questões complexas sobre as quais há pouco consenso. Alguns autores são contrários à
atuação de comitês de ética em pesquisa, vendo-os como um aparelho burocrático que ameaça
a liberdade do acadêmico em prosseguir com uma pesquisa.
Os entrevistados, apesar de afirmarem não conhecer a maioria dos documentos ou
orientações sobre a ética na pesquisa no país, citam alguns princípios éticos, mesmo que
indiretamente, quando abordaram as questões da conduta ética, da má conduta e dos dilemas
éticos, tais como: a transparência na comunicação da pesquisa; disponibilização do resultado
final da pesquisa; honestidade nas práticas da pesquisa e qualidade na análise da pesquisa -
questões e princípios éticos abordados por Creswell (2007). O que pode indicar que, mesmo
afirmando não conhecerem o que já existe definido como princípios éticos na pesquisa, os
entrevistados demonstram preocupações éticas quanto aos princípios destacados.
4.2.4 Tomada de decisão ética por parte dos pesquisadores
No presente tópico, buscou-se levantar se os pesquisadores em Administração, no
tocante a sua conduta ética, consideram seus valores pessoais e senso comum e/ou os
princípios éticos na tomada de decisão nas atividades de pesquisa, quando ocorrem dilemas
éticos ou questões éticas. A figura 10 ilustra o que se pretendeu descobrir, nesta seção.
130
Figura 10 – Possibilidade de tomada de decisão ética por parte dos pesquisadores
Fonte: Elaborado a partir de Bell e Bryman (2007) e Leite et al. (2010).
A figura acima foi elaborada a partir das abordagens de autores, tais como Bell e
Bryman (2007), que discutem sobre a crença dos pesquisadores em estarem preparados para
regular seu próprio comportamento de acordo com o que consideram ser correto, baseando-se
em valores pessoais e senso comum. Os autores colocam que, isto demostraria um alto grau
de responsabilidade individual por parte dos pesquisadores, e acreditam ser difícil ocorrer na
prática, dada a ênfase limitada em solucionar os problemas éticos. Leite et al. (2010)
apresentaram estudo em que os pesquisadores que atuam na área de pesquisa em
Administração, relacionam a ética na pesquisa como um compromisso moral, que envolvem
os valores morais, e por outro lado com o respeito às normas de conduta ética, que abrange os
princípios éticos.
A partir destas abordagens, colocou-se que os pesquisadores em Administração podem
decidir questões éticas tomando por base os valores pessoais e o senso comum, aliandos-os às
orientações dos princípios éticos norteadores. Mas para isso, é ideal o conhecimento de alguns
destes princípios ou diretrizes éticas. Os pesquisadores podem, também, decidir com base
apenas nos valores pessoais e senso comum, no caso de não concordarem com princípios
éticos norteadores da conduta do pesquisador ou quando não conhecerem tais princípios.
Na presente pesquisa, constatou-se que os pesquisadores entrevistados relataram que
quando se deparam com dilemas ou questões éticas em uma pesquisa decidem com base nos
seus valores pessoais e bom senso, como também no senso comum.
Tomada de decisão baseada em:
Conduta ética do pesquisador em
Administração
Valores pessoais e senso comum
Princípios éticos
e/ou
131
O pesquisador 4 alega que muitas vezes o pesquisador decide baseado no senso
comum, porque as discussões sobre princípios éticos não ocorrem na área de Administração
no Brasil. Já o pesquisador 3 enfatiza que “sempre se baseia em seus valores”.
Outro pesquisador destacou que além dos seus valores pessoais, considera que as
discussões sobre o que era certo ou errado na ciência, com professores e alunos, ajudaram-no
a tomar decisões.
Eu acho que a minha formação, e em certo sentido eu tive bastante sorte nisso, ela sempre envolveu esse tipo de discussão, o que é fazer boa ciência, então essa discussão sempre foi do meu interesse e sempre tive discussões com professores, com outros alunos, o que é fazer boa ciência, e a partir dessa discussões eu fui balizando aquilo que eu achava o que era certo ou não. (PESQUISADOR 1).
Assim sendo, pode-se observar que entre os pesquisadores em Administração
entrevistados, as decisões acerca das questões e dilemas éticos enfrentados nas atividades de
pesquisa são tomadas com base nos valores pessoais e no senso comum. Este fato coloca um
alto grau de ambiguidade na avaliação do que é uma conduta ética adequada e o que é uma
má conduta, pois tudo se passa como se o pesquisador não tivesse que prestar contas das
opções que faz em relação à pesquisa empreendida.
Nesta direção, Kakabadse et al. (2002) colocam que, a pesquisa exige explicitamente
que os pesquisadores compreendam os seus próprios valores e atitudes, de forma a atentarem
para a conduta ética na investigação. Assim, para os autores, a ética representa um dos pilares
da filosofia de pesquisa, e é a ética que guia a conduta do pesquisador durante o processo de
investigação. Ou seja, os valores e as atitudes dos pesquisadores estão associados ao
questionamento ético na pesquisa. Em que, a partir da compreensão dos próprios valores, os
pesquisadores atentarão para a conduta ética na investigação, que seria assim guiada pelos
princípios éticos.
O relatório da comissão de integridade na pesquisa do CNPq (2011) destaca que, a
autocorreção por parte da comunidade científica não é suficiente para impedir os efeitos
danosos advindos da fraude, pois o falso conhecimento atrasa o avanço do conhecimento,
além de gerar consequências econômicas e sociais.
Cabe destacar também a visão de Churchill e Peter (2005) que acreditam que a relação
entre pesquisador em Administração e participantes deve ser mantido dentro de limites éticos
132
e que para desenvolver, de forma ética, uma investigação é necessário que o respondente não
possa sofrer nenhum dano.
Os referidos autores apontam alguns princípios éticos que devem ser observados em
toda pesquisa, incluindo a pesquisa em Administração: preservação da privacidade dos
participantes, não utilização de questionamentos que sejam contrários aos interesses dos
participantes, não expô-los a tensão mental, não colocar sua segurança ou privacidade em
risco, não coagi-los, ou enganá-los.
Observa-se assim, que os autores acreditam que a decisão ética relaciona os valores
pessoais do pesquisador com o questionamento e com a orientação ética.
A figura a seguir ilustra a posição dos entrevistados com relação às decisões tomadas
no processo de pesquisa, na ocorrência de dilemas e questionamentos éticos.
Figura 11 – Tomada de decisão na pesquisa por parte dos pesquisadores entrevistados
Fonte: Dados da pesquisa, 2011.
Os relatos dos entrevistados sobre o conhecimento de normas, diretrizes, princípios
éticos para a pesquisa, abordados na seção anterior, apontaram para o desconhecimento no
que se refere a regulamentação e as orientações sobre ética na pesquisa no Brasil, o que pode
estar relacionado diretamente ao posicionamento dos entrevistados quanto à tomada de
decisão e dilemas éticos.
Tomada de decisão baseada em:
Valores pessoais e senso comum
Conduta ética do pesquisador em
Administração
133
4.2.5 Visão dos pesquisadores quanto à necessidade de orientação e/ou normatização
ética na atividade de pesquisa em Administração
Os entrevistados foram questionados sobre a visão de cada um quanto à necessidade
de orientação e/ou normatização ética na atividade de pesquisa em Administração. Com
relação à normatização formal ou regulamentação ética na pesquisa, os entrevistados se
colocaram contrários a que isto ocorra na área de pesquisa em Administração. Ao serem
analisados os relatos dos entrevistados e seus significados, percebeu-se resistência à ideia de
um código de ética na pesquisa em Administração, bem como a criação de normas
regulamentadoras por parte de órgãos governamentais ou associações de classe.
Eu confesso a você que a gente é muito afeito, talvez a Administração particularmente a regulamentações, eu considero que sempre as intenções são boas, eu não estou aqui questionando as intenções, mas por outro lado, quando a gente tem uma sociedade de acadêmicos, e tem uma sociedade altamente regulamentada, isso pressupõe de alguma maneira que as pessoas são irresponsáveis por natureza ou você de alguma forma está injetando uma ação de tutela, ou seja, o sujeito só faz isso porque existe uma norma, e não porque aquilo de fato seja algo da nossa educação, da nossa formação, dos nossos valores mais genuínos, então eu acredito que quanto mais a gente cria regulamentações, mais você cria os mecanismos de burlar, de criar os nossos famosos jeitinhos. (PESQUISADOR 4). Eu acho que isso, a questão de orientações éticas na pesquisa em Administração, precisava ser discutido em primeiro momento, eu não acho que adiante ou resolva o problema. Essa tomada de postura é muito comum em nós, brasileiros, em criar regras, normas para tudo, lei para qualquer coisa, isso acaba sendo complicado, porque isso te engessa muito. Primeiro, as discussões poderiam ser mais claras, estarem dentro da formação do próprio pesquisador, isso desde a graduação, então, discutir na metodologia a questão da ética na pesquisa. (PESQUISADOR 1).
Os autores Bell e Bryman (2007) também estudaram a questão dos códigos de ética na
pesquisa e apontam que a regulação ética é vista por alguns como, evidência de ataque á
independência acadêmica e que os códigos são considerados mecanismos de regulação que
refletem a ideia de falta de profissionalização dos acadêmicos e a falta de confiança no
trabalho do pesquisador.
Os entrevistados ao não concordarem com regulamentações e normas éticas na
pesquisa em Administração, sugeriram ações educativas e outras ações para estimular o
debate sobre o tema: ética na pesquisa em Administração. Os relatos a seguir espelham as
visões dos entrevistados quanto à questão de normas éticas na pesquisa em Administração.
134
Talvez a gente precise primeiro criar um ambiente onde haja uma discussão educativa, principalmente junto aos jovens pesquisadores, para que eles internalizem essas práticas e isso portanto, não seja necessário você criar mil regulamentações, porque essas regulamentações, eu até te pergunto e não quero a resposta, simplesmente como uma reflexão, quantos mestrandos ou doutorandos conhecem essas normas? Até que ponto estas normas chegam a eles de uma forma problematizada? (PESQUISADOR 4). Eu acho que é muito mais inteligente por o assunto em discussão, pegar os casos de fraude e esses casos serem tratados, se tornarem públicos, discutidos em revistas da área, em um programa de pós-graduação. É muito mais inteligente do que querer normatizar, eu acho que discutir, estudar, pesquisar, divulgar, criar uma consciência sobre a ética na pesquisa, isso é muito mais importante. (PESQUISADOR 2).
O pesquisador 2 ainda destaca que podem ser organizados “fóruns, seminários,
eventos que discutam a ética na pesquisa científica, no campo da Administração”, e alega
que assim as pessoas participarão de forma voluntária, gerando maior reflexão por parte dos
pesquisadores.
Observa-se assim, um direcionamento para a questão da criação de espaços para a
“discussão” ética como foco central em ações educativas e de estímulo à reflexão e à
consciência ética, que podem envolver:
- Revistas da área (pode ser através da criação de edições especiais, focadas na temática
da ética na pesquisa em Administração);
- Ações nos programas de pós-graduação em Administração – PPGAs (debates com
alunos de mestrado e doutorado e inclusão da temática na disciplina de Metodologia
da pesquisa);
- Realização de seminários e fóruns que abordem o tema em questão.
Na figura a seguir, estão agrupados alguns espaços, sugeridos pelos entrevistados, para
que as ações educativas e as reflexões sobre a ética na pesquisa em Administração ocorram.
135
Figura 12 - Espaços sugeridos pelos entrevistados, para ações educativas e reflexões sobre a ética na pesquisa em Administração
Fonte: Dados da pesquisa, 2011.
Por outro lado, com relação à existência de diretrizes e princípios éticos, que não
sejam regulamentações, mas que orientem ou norteiem a conduta do pesquisador, os
pesquisadores demonstraram interesse. Os relatos a seguir comprovam este interesse:
Parece-me importante, é que de fato na área de administração, o que não há é uma espécie de recomendação aos orientadores de dissertação e aos avaliadores de artigo, poderia ser uma coisa simples. Aos avaliadores de artigo sobre a questão da autoria e aos orientadores sobre a coisa da conduta na pesquisa, então essas pessoas no campo da administração, não recebem recomendações éticas. (PESQUISADOR 2).
Eu acho que qualquer iniciativa nesse sentido é muito importante, eu acho que o fato da gente trazer esta discussão pro meio acadêmico é extremamente importante, mas nós precisávamos trazer esta discussão e orientação ética para formação do aluno, do mestrando, do doutor e antes até, na iniciação científica a gente precisaria ter esse tipo de informação. (PESQUISADOR 1).
Pode-se verificar então, que entre os entrevistados, alguns acreditam que os
pesquisadores em Administração podem e devem ter diretrizes e princípios éticos norteadores
Espaços para discussões sobre a ética na pesquisa em Administração
Revistas da área
programa
PPGAs
Fóruns sobre ética na pesquisa
Seminários sobre ética na pesquisa
136
para consulta em caso de dúvidas, com caráter orientador, mas que não podem ser
instrumentos impostos, mas sim discutidos e debatidos entre os pesquisadores.
A partir das entrevistas realizadas, percebeu-se, então, que os pesquisadores
entrevistados atentam para a importância a reflexão ética, e que apesar de não conhecerem em
profundidade os documentos norteadores sobre ética na pesquisa, existentes no Brasil,
demonstram indiretamente preocupações éticas acerca de determinados princípios destacados
na literatura e em diretrizes orientadoras de boas práticas na pesquisa.
A partir das entrevistas realizadas, constatou-se a necessidade da realização de novas
abordagens para aprofundar o conhecimento sobre o tema, através de um redirecionamento da
abordagem sobre os princípios éticos na pesquisa, partindo de olhares individuais para um
novo olhar coletivo. E assim, decidiu-se pela realização de grupos focais e pela mudança de
lócus da pesquisa, agora, os Programas de Pós-Graduação em Administração. O que será
apresentado no tópico a seguir.
4.3 Ética na pesquisa à luz dos grupos focais
A unidade de análise da segunda etapa da pesquisa foram os quatro grupos focais
formados por pesquisadores de quatro programas de pós-graduação em Administração, em
universidades distintas. Os relatos e depoimentos ocorridos durante o desenvolvimento dos
grupos focais foram gravados com a concordância de todos os componentes dos grupos.
Os participantes dos grupos assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido,
e cada participante ficou com uma via do referido termo. Os grupos foram formados entre os
meses de março e maio de 2012, nos programas de pós-graduação em Administração das
seguintes universidades: UFRN, UNP, UFPE e UFPB.
Não foram levantados dados pessoais e profissionais de cada participante, pois a
unidade de análise foram os grupos focais e não os indivíduos. Mas, pode-se afirmar que os
quatro grupos focais formados foram compostos por pesquisadores que atuam na área de
Administração, sendo três grupos formados por pesquisadores mais experientes, com
doutorado e muitos com pós-doutorado, e um grupo foi formado por pesquisadores menos
experientes, composto por alunos de um Doutorado em Administração. Dos quatro grupos,
137
três estavam ligados a programas de pós-graduação em universidades públicas e um a pós-
graduação de universidade particular.
Porém, em uma análise geral, não foram observadas diferenças significativas de
posicionamento em função do perfil dos participantes, como também não se observaram
distintos graus de preocupações éticas entre os quatro grupos estudados. Todos os
pesquisadores se revelaram envolvidos com a temática, alguns se aprofundando mais em
aspectos filosóficos, outros com enfoque em aspectos metodológicos. Constatou-se também,
que os grupos focais refletiram sobre a ética na pesquisa científica em Administração com
igual interesse durante as discussões ocorridas.
Assim sendo, optou-se por não identificar os grupos focais e não houve necessidade de
comparar os grupos a partir da formação dos participantes ou por tipo da pós-graduação. Para
preservar o anonimato dos grupos focais, foram definidos aleatoriamente letras identificadoras
para cada grupo focal formado (A, B, C e D) e a abreviação “GF” para grupo focal, ficando
definidos os seguintes grupos: GF/A; GF/B; GF/C e GF/D.
Os participantes dos grupos focais formados foram convidados por correio eletrônico,
primeiramente pelos Coordenadores dos programas de pós-graduação e posteriormente foram
enviadas mensagens pela pesquisadora de forma a reforçar os convites. No texto das
mensagens foi explicitado o objetivo do presente estudo.
No início de cada grupo focal foi feita uma abertura, novamente explicando o objetivo
do estudo e como seriam abordadas as questões orientadoras das discussões e então solicitada
autorização para gravação dos debates e depoimentos de cada grupo. Após abertura, era
repassado a cada pessoa o termo de consentimento livre e esclarecido. Os registros das
discussões em cada grupo foram feitos a partir das transcrições das gravações, bem como a
partir das anotações efetuadas pela pesquisadora/moderadora.
A discussão dos resultados dos grupos focais foi dividida, assim como na análise das
entrevistas, em cinco partes de forma a atender aos objetivos propostos. A primeira parte foi
dividida em dois tópicos, em que primeiramente foram abordadas as percepções dos grupos
focais sobre a conduta ética e responsável na pesquisa científica e, no segundo tópico,
apresenta-se a visão dos grupos quanto a questão da má conduta na pesquisa e o
produtivismo. O tema produtivismo foi inserido, a partir dos resultados das entrevistas,
levando à necessidade de conhecer a visão dos grupos quanto a relação da má conduta com o
produtivismo.
138
A segunda parte buscou levantar os dilemas éticos que acometem ou acometeram os
grupos durante as atividades de pesquisa. A terceira parte busca levantar se os grupos
conhecem e refletem sobre as orientações e as normas éticas já existentes no país, assim como
qual o conhecimento e opinião no tocante a atuação dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP).
A quarta parte busca apresentar como os grupos tomam decisões relacionadas às
questões e dilemas éticos nas atividades de pesquisa - se baseados em valores e senso comum
e/ou princípios éticos da pesquisa. Na quinta, e última parte, discute-se a visão dos
pesquisadores quanto à necessidade de princípios éticos específicos para a pesquisa em
Administração.
4.3.1 Percepção dos grupos focais quanto a conduta ética e responsável do pesquisador e
quanto a má conduta na pesquisa científica
Esta seção está dividida em dois tópicos, que serão discutidas as percepções dos
grupos focais com relação ao que consideram ser conduta ética e responsável por parte dos
pesquisadores, e no segundo momento, analisar-se-á a percepção dos grupos quanto à má
conduta na pesquisa científica e quanto a influência do produtivismo nos desvios de conduta.
• Conduta ética e responsável na pesquisa científica
O tema da conduta ética e responsável na pesquisa científica foi o primeiro assunto
discutido e debatido em cada grupo focal. A questão foi lançada e aguardou-se que os
pesquisadores participantes de cada grupo focal se manifestassem.
Observou-se que os participantes de cada grupo focal direcionaram as discussões para
a questão que a conduta do pesquisador é uma vertente da conduta humana. Os grupos
salientaram que o pesquisador é antes de tudo uma pessoa com valores e crenças, e que esses
valores somados à formação, ao preparo profissional e a postura profissional do pesquisador,
refletirão na sua conduta como pesquisador. Destacam-se alguns relatos, feitos nos grupos que
afirmam o seguinte:
A percepção da realidade do pesquisador depende de seus valores e crenças. O pesquisador não é isento, e coloca seus valores na análise ética da pesquisa. (GF/A).
139
O que você é como pessoa interfere na conduta do seu papel como pesquisador. (GF/B). A pessoa tem uma formação profissional que leva a uma postura de respeitar sempre os princípios, provavelmente isso vai para a atividade de pesquisa. (GF/A). Se o pesquisador busca ter uma conduta ética na pesquisa, vai firmar seu compromisso com a verdade, objetivando trazer à tona os fenômenos sociais e contradições, gerando resultados relevantes para a sociedade. (GF/B). Eu acho que o comportamento ético é muito associado também às suas experiências sociais, de vida, acho que meu comportamento ético reflete muito o que eu sou também como pessoa, não só como pesquisador, não posso separar, o comportamento ético está presente, não só nessa dimensão profissional, eu acho que ele está presente na minha essência enquanto ser humano. (GF/A). Acho que o compromisso ético da ciência tem que ser acima de todo esse reconstruir de reflexões, trazer a tona a realidade e contradições de uma realidade que negam inclusive esses princípios de valorização de ser humano e esse deve ser sim o compromisso de um pesquisador, que precisa sim de uma certa preparação, mas a própria formação e preparação acontece no processo, acontece na vivência, na experiência, este é um marco da ética que nós não podemos abrir mão absolutamente, nós temos um compromisso, nos deveríamos ter um compromisso de denúncia em certas realidades que vão contra valores éticos e morais estabelecidos na sociedade.(GF/B).
A conduta ética também foi associada à questão do respeito, por todos os grupos
estudados. O respeito aos sujeitos da pesquisa, aos alunos e orientandos e aos pesquisadores
reflete uma conduta ética na pesquisa, a partir de comportamentos que não afrontem as
pessoas envolvidas nas atividades de pesquisa e que tenham compromisso com a verdade.
Além disso, o respeito pelo rigor acadêmico, no qual se espera domínio por parte do
pesquisador, no tocante ao aporte teórico e execução metodológica.
Respeito é abordado como princípio ético pelos autores Creswell (2007) e por Bell e
Bryman (2007). Os autores colocam que se deve respeitar a privacidade e ao anonimato dos
sujeitos da pesquisa, bem como deve-se respeitar a dignidade dos participantes da pesquisa,
dos pesquisadores ou outros, evitando-se desconforto ou ansiedade.
Os grupos focais, também, relacionaram a conduta ética à honestidade e transparência
nos procedimentos da pesquisa. Verifica-se que honestidade e transparência são princípios
éticos da pesquisa, recomendados e abordados por Creswell (2007), como também por Bell e
Bryman (2007).
Creswell (2007) se refere aos princípios da honestidade nas práticas da pesquisa e a
transparência na comunicação dos objetivos e dos órgãos apoiadores da pesquisa;
140
Já Bell e Bryman (2007) destacam que, os princípios éticos da honestidade e
transparência, tratam da necessidade de abertura e honestidade ao transmitir informação sobre
a pesquisa a todas as partes interessadas, incluindo a necessidade de confiança.
Com relação às atividades de pesquisa, verificou-se que os grupos acreditam que uma
boa conduta está relacionada a comportamentos éticos na concepção da pesquisa, no
planejamento da pesquisa, na coleta dos dados e na divulgação dos resultados finais. Logo,
em todas as etapas da pesquisa. Este fato aponta para a necessidade de coerência por parte do
pesquisador na condução da pesquisa e remete à ideia de que não se pode ter uma visão
fragmentadora da atividade de pesquisa, o que levaria à possibilidade de condutas éticas
apenas em partes do processo de pesquisa.
Em outra discussão foi levantada a temática da relação entre a conduta ética e
responsável do pesquisador com a reflexão permanente sobre os limites da ciência. Um dos
grupos que abordou essa temática, dos limites éticos da ciência, enveredou por exemplos de
pesquisas na área de marketing que são feitas com crianças, de forma a venderem mais
produtos às mesmas. Como também foram abordados os casos de pesquisa que envolvem a
neurociência no estudo do comportamento dos consumidores.
A partir deste ponto, surgiram diversos questionamentos sobre até que ponto é ético
pesquisar crianças, consideradas seres vulneráveis, para estimular o consumo infantil. Alguns
participantes questionaram que esses casos levam o pesquisador a refletir: “Afinal o que é
ética?”, “O que é ético pesquisar?”, “Qual é a ética de um pesquisador?”.
Porém, observou-se, a partir das colocações feitas nos grupos, que essa reflexão sobre
os limites éticos da ciência e do pesquisador não é feita corriqueiramente. Os grupos em foco
acreditam na importância desta reflexão, porém afirmam que não param para pensar nisso no
dia a dia, quer por falta de tempo, quer por que não tinham parado ainda para pensar nisto,
pelo menos conscientemente.
Destaca-se assim, que a reflexão sobre a responsabilidade ética do pesquisador e sua
consciência profissional ao ser focada no avanço da ciência, deve considerar os possíveis
impactos destes avanços sobre a vida social e sobre o ser humano, como também os limites
éticos da busca dos objetivos científicos.
Apenas um dos grupos focais abordou a preocupação com o dano e associaram a
conduta ética a não causar dano às pessoas envolvidas na atividade da pesquisa, às
organizações pesquisadas e ao ambiente. Um dos participantes do GF/C avaliou que: “Há
uma miopia, uma cegueira por parte do pesquisador em Administração, que acha que não
141
pode vir a prejudicar ninguém com sua prática de pesquisa [...] mas há o dano social e o
dano psicológico”.
Hair Jr. et al.(2005) compartilham desta visão de que na pesquisa em Administração
os sujeitos da pesquisa podem ser expostos a prejuízo potencial, que podem vir a gerar danos
psicológicos. Muitas vezes, na pesquisa em Administração, o dano não é físico.
As percepções dos grupos focais no que refere ao ideal de conduta ética e responsável
do pesquisador, indicam que os pesquisadores acreditam que a partir dos valores e crenças
inerentes à condição humana e da formação do pesquisador será definida a conduta ética do
pesquisador, com seus comportamentos éticos nas atividades de pesquisa, e que serão
balizadas pelo respeito aos envolvidos nas atividades de pesquisa, honestidade, transparência,
compromisso com a verdade, bem como pelas reflexões sobre os limites éticos da ciência.
Esta visão dos grupos focais relaciona a conduta ética do pesquisador com a formação
do pesquisador, e esta relação de dependência apontada indica que, se o pesquisador tem boa
formação profissional terá uma boa conduta ética na pesquisa, então, o inverso também
ocorreria se não tem uma boa formação, o pesquisador tenderá a ser antiético. Prevalece
assim, uma lógica de que não se faz necessária nenhuma orientação ou normatização ética.
A figura 13 aponta a percepção dos grupos focais quanto à conduta ética na pesquisa
científica.
142
Figura 13 – Percepção dos grupos focais quanto à conduta ética na pesquisa científica
Fonte: Dados da pesquisa, 2012.
A discussão sobre a percepção dos grupos focais, com relação à conduta ética, remete
à discussão sobre a integridade na pesquisa. Para um cientista, a integridade incorpora, acima
de tudo, compromisso individual com a honestidade intelectual e responsabilidade pessoal
(COMMITTEE ON ASSESSING INTEGRITY IN RESEARCH ENVIRONMENTS, 2002).
Porém, a questão da ética na pesquisa científica é bem mais ampla que a questão individual do
pesquisador, no que tange a integridade e a responsabilidade do pesquisador.
• Má conduta na pesquisa científica e o produtivismo
Quando lançada a questão que abordava a percepção dos grupos sobre a má conduta
na pesquisa, foram apontados vários exemplos de desvio de conduta, sendo os mais citados o
Com sujeitos da pesquisa; Com alunos e orientandos e Com demais pesquisadores; Com o sigilo das informações Com o rigor acadêmico.
Conduta ética na pesquisa
Conduta humana
Valores e crenças
Comportamento ético do pesquisador
Respeito
Reflexões sobre limites éticos da
ciência
Formação do pesquisador
Compromisso com a verdade
Transparência
Honestidade
143
plágio e autoplágio. Outros casos de má conduta na pesquisa, na visão dos grupos focais, são
apresentados a seguir:
- Falsificação e manipulação de dados da pesquisa;
- Fabricação de dados;
- Alteração de resultados da pesquisa;
- Questões de autoria e co-autoria, indicando como co-autores pessoas que nada
contribuíram com a pesquisa, o que chamam de “troca de favores” na autoria;
- Criação de hierarquia fictícia na autoria do artigo, colocando o pesquisador
mais conhecido, como primeiro autor, sem ser verdade;
- Aplicação de pesquisas com procedimentos que possam vir a causar dano
psicológico às pessoas envolvidas;
- Envio de um mesmo artigo científico para revistas distintas;
- Formação deficiente como pesquisador, que pode gerar má conduta;
- Falta de respeito com alunos e orientandos, no tocante a participação dos
mesmos nas atividades de pesquisa desenvolvidas conjuntamente.
Percebe-se que foram apontados alguns desvios de conduta relacionados ao princípio
ético da não maleficência - apontado na Resolução n. 196 - que preconiza que os possíveis
danos aos sujeitos da pesquisa devem ser previstos e eliminados e na literatura por Bell e
Bryman (2007), e ao princípio da transparência e honestidade nas práticas de pesquisa,
destacados por Bell e Bryman (2007), Creswell (2007), Churchill e Peter (2005) e Tacsan
(2003).
Dentre os aspectos de má conduta apontados, os grupos focais estudados destacam
como má conduta na pesquisa científica as questões de adulteração dos dados da pesquisa,
através das práticas de falsificação e fabricação, o que é considerado inaceitável nas diretrizes
éticas do CNPq (2011).
A questão da autoria e co-autoria, destacadas pelos grupos, também é um ponto
abordado nos documentos da FAPESP (2011) e CNPq (2011). Alguns desvios de conduta
colocados pelos grupos focais não estão contemplados nos documentos formais analisados,
mas são muito relevantes, pois tratam da questão da falta do respeito aos alunos e
orientadores, bem como a formação deficiente do pesquisador, como geradora de condutas
reprováveis por parte dos pesquisadores.
144
Foi discutido também que a falta de conhecimento pode gerar o erro por imperícia,
mas que em muitos casos os erros são cometidos por negligência, em que o pesquisador sabe
que está errado e mesmo assim faz. E ainda afirma “Mas todo mundo faz!”.
Nos debates sobre como ocorrem os casos de má conduta, foram apontados algumas
deficiências que podem acarretar em desvios de conduta:
- Formação técnica (falta de rigor acadêmico);
- Inexperiência (nível de experiência com pesquisa, pode levar um pesquisador
a erros), e
- Falta de orientações éticas (perspectiva mais ampla).
A partir da discussão sobre o que os grupos consideram ser má conduta na pesquisa,
buscou-se saber se os pesquisadores acreditavam que o produtivismo (pressão por produzir
muito) afetava a conduta do pesquisador. As discussões ocorridas no âmbito dos grupos focais
se direcionaram para a crítica pela atual conjuntura de estímulo à quantidade elevada de
produção de artigos, a serem aprovados de qualquer maneira, em detrimento da qualidade e
relevância da pesquisa acadêmica. Alguns relatos das discussões apontam este
direcionamento.
[...] nós estamos inteirados nessa ótica de competição, de produtivismo e a ciência não se faz por essa ética de buscar o saber que melhore seu número, por produtivismo, por mostrar muito mais no aspecto extremamente positivista dos números, às vezes bastante distante de realidades concretas dos seres humanos, então essa lógica atinge todos nós, por conta de um sistema que a utiliza em produzir o saber, não pelo saber e pelo crescimento humano, mas produzir o saber por que eu preciso ter meu nome lá, porque eu preciso ter mais publicações, então gera um tipo de competição que detona essa problemática da ética. (GF/B). Acredito que quando o pesquisador não tem um ambiente institucional favorável, isso pode afetar e gerar uma conduta não ética. (GF/B). O produtivismo gera a competição por números, pontos [...] Mas onde fica a relevância social da pesquisa? (GF/A). Fico em conflito [...] pesquiso o que quero? O que gosto de pesquisar? Ou pesquiso o que é mais publicável? (GF/C).
As percepções dos grupos voltadas para a visão que o produtivismo, afetam a conduta
do pesquisador, são corroboradas pelas visões de Bell e Bryman (2007), Mattos (2008) e
Sguissardi (2010).
145
Mattos (2008) destaca que a pressão por publicação, tal como vem atuando sobre os
professores e, em especial, professores dos programas de pós-graduação, com o tempo, gera
hábitos de trabalho, institucionaliza práticas de pesquisa peculiares, talvez discutíveis.
Sguissardi (2010) também acredita que o produtivismo acadêmico está na raiz da
intensificação e precarização do trabalho dos docentes/pesquisadores, constituindo um dos
grandes desafios que envolvem a universidade como instituição e a produção do
conhecimento necessário ao desenvolvimento e soberania do país.
Bell e Bryman (2007) destacam que, as pressões junto aos pesquisadores acadêmicos
podem levá-los à necessidade de maior produtividade e isso pode incentivar práticas antiéticas
de pesquisa, como a publicação de vários artigos praticamente idênticos em periódicos
diferentes.
Constatou-se que, entre os grupos focais realizados, não houve consenso em relação ao
tema do produtivismo, pois alguns participantes dos grupos focais acreditam que o
produtivismo não afeta a conduta ética dos pesquisadores.
Eu acho o produtivismo um sistema perverso, mas particularmente meu comportamento ético não será abalado pelo produtivismo. (GF/D). Eu não vou deixar de ser ético porque eu vou ter que produzir mais ou produzir menos. (GF/D).
A partir desses posicionamentos, emergem duas questões: a primeira, refere-se à
discussão de que a má conduta do pesquisador é causada, em grande parte, pelo produtivismo,
o que leva alguns pesquisadores a tentarem justificar suas práticas discutíveis, alegando a
cobrança excessiva por publicações; a segunda questão, direciona-se à postura do
pesquisador, que mesmo com o produtivismo deve pautar seu comportamento nas práticas
éticas e aceitáveis nas atividades de pesquisa. Algumas falas de participantes dos grupos são
destacadas a seguir, de forma a ilustrar esta discussão por outro ângulo.
A partir do momento que você tem consciência de seus valores e seus atos são balizados por eles, independentemente do meio, você acaba agindo de forma muito mais consciente (GF/A). Eu não concordo com a negação do sistema, se eu ingressei numa profissão ou qualquer atividade, eu conheço as regras, não sou obrigado, especialmente na pós-
146
graduação [...] os professores mais capacitados talvez se encontrem numa situação de obrigação para produzir [...] nas universidades federais ninguém é obrigado a entrar na pós-graduação, está na pós quem conhece as regras. (GF/B).
Porém, acredita-se que, apesar de não se poder justificar que o produtivismo é o
causador dos casos de má conduta, há um ambiente competitivo, com grandes pressões e com
valorização da quantidade, ao invés da qualidade do conhecimento produzido, que
indiretamente pode influenciar e ocasionar algumas práticas antiéticas por parte dos
pesquisadores. Considera-se, para fins da presente pesquisa, que cabe ao pesquisador,
consciente dos seus valores e dos limites éticos, decidir a sua conduta com base na sua
responsabilidade e na sua integridade, sem permitir desvios de conduta devido às pressões
externas.
4.3.2 Dilemas éticos enfrentados pelos grupos focais no desenvolvimento das atividades
de pesquisa em Administração
Os dilemas éticos estão presentes em qualquer tipo de pesquisa e podem estar
relacionados com todo o processo de desenvolvimento da pesquisa. Nas discussões junto aos
grupos focais percebeu-se que o dilema ético que mais suscitou o debate inicial foi quanto à
divulgação dos resultados da pesquisa. Os grupos explanaram suas preocupações no tocante
às questões de conflito de interesses que podem afetar e alterar a divulgação dos resultados
inviabilizando a proposta da pesquisa.
Os debates dos grupos focais estão em consonância com Diniz e Guerriero (2008),
apontando que é na fase da divulgação dos resultados que estão os maiores desafios éticos,
tais como: garantia de anonimato e sigilo, ideias sobre representação justa, compartilhamento
dos benefícios, devolução dos resultados, entre outros.
Creswell (2007) também aponta a disponibilização do resultado final da pesquisa
como um princípio ético a ser seguido pelos pesquisadores.
Ainda dentro da discussão sobre a divulgação dos resultados da pesquisa, debateu-se o
caso de quando o pesquisador fica em dúvida quanto à supressão dos dados, quando os
resultados encontrados não forem satisfatórios.
Apesar de a maioria considerar uma prática condenável, alguns pesquisadores
confessaram que, em algum momento, já decidiram pela supressão de dados, o que remete ao
princípio ético defendido por Bell e Bryman (2007), que trata da má representação, ou seja, a
147
necessidade de se evitar enganos, maus entendimentos, má representação ou falso relatório
das descobertas da pesquisa. Este princípio ético apresentado por Bell e Bryman (2007) exclui
qualquer manipulação ou fabricação de dados, também apontados como desvios de conduta,
no relatório da comissão de integridade na pesquisa, do CNPq (2011).
Outro dilema ético relatado se refere à questão do acesso, na fase de coleta de dados,
devido às dificuldades que existem no campo da Administração, apontadas pelos grupos.
Essas dificuldades levam a questionamentos éticos, tais como:
- Como coletar os dados?
- Como obter autorização para ter acesso aos dados?
- Como garantir o sigilo dos dados?
A impossibilidade de acesso aos dados de uma empresa pode se tornar um empecilho
para a condução da pesquisa, gerando conflitos, dilemas, além de possível redução na
qualidade da pesquisa ou validade da pesquisa. A fala a seguir demonstra como uma
dificuldade na coleta dos dados pode vir a gerar desvios de conduta, com a não observância
do princípio ético da qualidade da análise da pesquisa, proposto Creswell (2007).
Eu fui fazer um estudo e não consegui ter acesso a todos os dados e ao que eu tinha me proposto fazer, o estudo ficou bem fragilizado com as informações que tive acesso, e até da forma como eu tive acesso. Para mim, o dilema foi ter que defender naquela ocasião que iria trabalhar com um estudo de caso único, quando na verdade o que eu me propunha, para ter riqueza exatamente nas informações, eu precisaria de no mínimo mais uns quatro casos, mas em virtude das circunstâncias, eu tive que trabalhar exclusivamente com estudo de caso, mesmo sabendo que aquilo ali não tinha a riqueza de informações que uma dissertação deveria ter.
O sigilo é, muitas vezes, considerado condição para a permissão do acesso do
pesquisador aos dados de uma organização. Bell e Bryman (2007) destacam como o princípio
da confidência – que trata da exigência para assegurar confidência aos dados da pesquisa, seja
em relação aos indivíduos, aos grupos ou às organizações.
Na figura 14, são ilustrados que dilemas éticos foram apontados nas discussões dos
grupos focais.
Figura 14 – Dilemas éticos apontados nas discussões dos grupos focais
Fonte: Dados da pesquisa, 2012.
Verifica-se assim, que não foram relatados dilemas éticos em outras fases das
atividades de pesquisa científica, o que não significa que não ocorram, mas que podem não ter
sido considerados relevantes. Observa
pesquisa, quanto os grupos focais afirmaram que já enfrentaram dilemas éticos nestas duas
fases da pesquisa.
Porém, diferentemente das entrevistas, os participantes dos grupos focais
vontade para relatarem muitos casos de dilemas ét
como pesquisadores. Pode
participantes dos grupos focais, englobam as dificuldades inerentes à coleta dos dados em
organizações públicas e privadas, no toca
autorização para divulgação do nome da empresa e das informações levantadas, muitas vezes
não concedidas após a coleta dos dados, o que gerava atrasos ou até a necessidade de retirar a
empresa pesquisada da amostra; discursos divergentes por parte dos entrevistados (em alguns
casos, quando as entrevistas eram gravadas os discursos apresentavam um posicionamento, e
quando não eram gravadas, mudavam
dados não espelhavam a verdade, ou então expor apenas o que foi autorizado divulgar) e
identificação durante o processo de coleta de indícios de corrupção (o que também remetia ao
dilema ético de revelar ou não tais práticas ilícitas por parte das empresas ou órgãos
Dilemas éticos apontados nas discussões dos grupos focais
se assim, que não foram relatados dilemas éticos em outras fases das
atividades de pesquisa científica, o que não significa que não ocorram, mas que podem não ter
sido considerados relevantes. Observa-se que, tanto os entrevistados na primeira eta
pesquisa, quanto os grupos focais afirmaram que já enfrentaram dilemas éticos nestas duas
Porém, diferentemente das entrevistas, os participantes dos grupos focais
vontade para relatarem muitos casos de dilemas éticos ocorridos ao longo das ex
Pode-se colocar que, tais relatos de experiências vividas pelos
participantes dos grupos focais, englobam as dificuldades inerentes à coleta dos dados em
organizações públicas e privadas, no tocante a questões que geravam conflitos, tais como:
autorização para divulgação do nome da empresa e das informações levantadas, muitas vezes
não concedidas após a coleta dos dados, o que gerava atrasos ou até a necessidade de retirar a
amostra; discursos divergentes por parte dos entrevistados (em alguns
quando as entrevistas eram gravadas os discursos apresentavam um posicionamento, e
quando não eram gravadas, mudavam-se os relatos – gerando o dilema de revelar que os
spelhavam a verdade, ou então expor apenas o que foi autorizado divulgar) e
identificação durante o processo de coleta de indícios de corrupção (o que também remetia ao
dilema ético de revelar ou não tais práticas ilícitas por parte das empresas ou órgãos
148
se assim, que não foram relatados dilemas éticos em outras fases das
atividades de pesquisa científica, o que não significa que não ocorram, mas que podem não ter
tanto os entrevistados na primeira etapa desta
pesquisa, quanto os grupos focais afirmaram que já enfrentaram dilemas éticos nestas duas
Porém, diferentemente das entrevistas, os participantes dos grupos focais se sentiram à
icos ocorridos ao longo das experiências
se colocar que, tais relatos de experiências vividas pelos
participantes dos grupos focais, englobam as dificuldades inerentes à coleta dos dados em
nte a questões que geravam conflitos, tais como:
autorização para divulgação do nome da empresa e das informações levantadas, muitas vezes
não concedidas após a coleta dos dados, o que gerava atrasos ou até a necessidade de retirar a
amostra; discursos divergentes por parte dos entrevistados (em alguns
quando as entrevistas eram gravadas os discursos apresentavam um posicionamento, e
gerando o dilema de revelar que os
spelhavam a verdade, ou então expor apenas o que foi autorizado divulgar) e
identificação durante o processo de coleta de indícios de corrupção (o que também remetia ao
dilema ético de revelar ou não tais práticas ilícitas por parte das empresas ou órgãos públicos
149
pesquisados). Esses aspectos remetem aos princípios do anonimato e da má representação,
apresentados por Bell e Bryman (2007) e Creswell (2007).
Apesar de alguns dos princípios éticos consagrados pela literatura serem comentados
nos relatos dos grupos, observa-se que a atividade de pesquisa se faz sem observância clara ou
refletida de tais preocupações éticas. Outrossim, os pesquisadores não sabiam que tratavam de
princípios éticos da pesquisa científica no decorrer das discussões, o que reforça o argumento
de que a decisão segue os valores pessoais ou o senso comum.
Assim como nas entrevistas, os grupos focais apontam dilemas éticos em apenas duas
etapas da atividade de pesquisa, porém, Medeiros et al. (2007) colocam que questionamentos
e dilemas éticos estão presentes em qualquer tipo de pesquisa e no processo de
desenvolvimento da pesquisa, em todas as suas etapas operacionais, incluindo-se o momento
da comunicação do seu produto final.
O fato dos grupos relatarem dilemas nas etapas da coleta dos dados e na divulgação do
relatório final pode apontar para particularidades das pesquisas em Administração, no que
concerne, mesmo que indiretamente às questões éticas no desenvolvimento das pesquisas em
Administração. As etapas das atividades da pesquisa em Administração que carecem de
orientações éticas quer seja pela falta de limites claros, quer seja pelas dificuldades inerentes
ao tipo particular de pesquisa, são as etapas da coleta dos dados e da divulgação dos
resultados.
Collins e Hussey (2005) destacam que não existe um código de conduta ética escrito e
específico para a área de pesquisa em Administração, e que depende do pesquisador
determinar o que é ético ou não. Fica claro, assim, que esta situação pode gerar muitos
desvios de conduta, pois na ausência de orientações prevalece unicamente a decisão pessoal.
A partir da discussão dos dilemas éticos, será enfocado se os pesquisadores, que
compõem os grupos estudados, conhecem e refletem sobre os princípios éticos, existentes no
país.
4.3.3 Conhecimento dos grupos focais acerca dos princípios da ética na pesquisa
existentes no Brasil
No presente tópico se buscou levantar se os grupos focais, formados por pesquisadores
que atuam na área da Administração, conhecem os princípios éticos abordados na literatura e
as diretrizes éticas existentes no Brasil. Assim como, se conhecem os comitês de ética em
150
pesquisa (CEP) e qual a compreensão que têm sobre o papel dos comitês de ética em pesquisa
existentes nas universidades.
Pretendia-se, inicialmente, levantar como os pesquisadores em Administração
refletiam sobre cada um dos princípios éticos nas atividades de pesquisa, porém, na primeira
fase da pesquisa de campo, nas entrevistas, foi percebido que os entrevistados não conheciam
cada princípio ético e não tinham como opinar sobre questões não conhecidas e nem refletidas
anteriormente. Assim sendo, nas entrevistas e nos grupos focais, foram reformuladas as
questões sobre os princípios éticos, de forma a levantar então, se os pesquisadores conheciam
os princípios, normas e diretrizes éticas existentes na literatura e nos códigos de conduta no
Brasil.
Dessa forma, nos grupos focais não foi debatido cada princípio ético diretamente, mas
nas discussões foram citados, pelos participantes, alguns princípios, mesmo que sem o
conhecimento tácito que se tratavam de princípios éticos já estabelecidos e recomendados.
Apesar de se ter observado que entre os participantes dos grupos focais existiam
pessoas que já tinham atuado em comitês de ética em pesquisa, e consequentemente,
conheciam alguns princípios éticos recomendados na Resolução n.196/96.
Porém, na maior parte dos grupos, surgiram depoimentos sobre o desconhecimento do
documento norteador das decisões dos CEPs, no caso a Resolução n. 196/96. Em um dos
grupos foi relatado o conhecimento superficial das boas práticas do manual da ANPAD.
Nenhum depoimento abordou o conhecimento das diretrizes do CNPq e nem da FAPESP.
O que eu conheço é esse documento da ANPAD que tem um objetivo específico, desconheço os demais por ignorância. (GF/A).
E quando faziam referência ao conhecimento de normas, percebeu-se que os
participantes dos grupos relacionavam a questão levantada às normas das publicações
científicas, como revistas e jornais. Como pode ser observado no relato a seguir.
[...] vou mandar um artigo para a revista, eu vou olhar as diretrizes da revista, se a revista utiliza o manual de boas práticas da ANPAD, eu tenho que muitas vezes me ajustar. (GF/A).
Verifica-se pelas discussões nos grupos focais e pela concentração das atenções no
meio acadêmico voltadas à publicação em periódicos que os pesquisadores, muitas vezes, só
levantam questões éticas ou só refletem eticamente sobre algum aspecto da sua conduta,
151
quando chega a fase de publicação de suas pesquisas. Porém, a pesquisa já foi realizada, e os
pesquisadores procuram então se ajustar às exigências dos periódicos, o que remete ao fato de
que a preocupação ética não foi posta em prática desde o delineamento da pesquisa.
Dessa forma, como o conhecimento dos princípios e diretrizes éticas orientadoras da
pesquisa constantes nos documentos existentes no país, revelou-se escasso, por parte dos
pesquisadores estudados, não foi possível debater então sobre a consideração e reflexão dos
pesquisadores em Administração no que dizia respeito a cada princípio e diretriz sugerida nos
documentos.
Este fato levou à pesquisadora a não abordar os princípios éticos, tais como: Dano aos
participantes; Dignidade; Consentimento informado; Privacidade; Confidência; Anonimato;
Decepção; Afiliação; Honestidade e transparência; Reciprocidade; Má representação, e
abordados por Bell e Bryman (2007), Creswell (2007), Churchill e Peter (2005) e Tacsan
(2003). Tal decisão se deveu ao fato de que induzir a discussão sobre cada princípio ou
parâmetro de forma direta poderia provocar um viés da pesquisa, pois o que interessava não
era saber a opinião sobre cada princípio ou parâmetro, mas saber se havia um conhecimento
prévio sobre eles e como eles influenciavam a prática de pesquisa de cada pesquisador.
Deve-se registrar, no entanto, que em outros momentos da discussão, os pesquisadores
se referiam a um ou outro princípio ou parâmetro de forma indireta, revelando claramente que
não reconhecem os princípios que balizam as decisões sobre a ética na pesquisa e que não há
uma reflexão sobre os mesmos como balizadores de sua prática de pesquisa.
Assim, nos depoimentos foram mencionadas preocupações com transparência, dano
aos participantes, anonimato, entre outras, mas sem que estas referências fossem vistas como
algo sempre presente a orientar a prática de pesquisa. Outrossim, não deixa de ser importante
que estes temas tenham surgido, pois mostra que há espaço para o avanço da discussão e o
encaminhamento sobre como a área de Administração pode se posicionar.
Quanto ao papel dos comitês de ética em pesquisa não houve consenso sobre a atuação
dos comitês no tocante às pesquisas do campo da Administração. A discussão remete à
aplicabilidade da Resolução n.196/96 na pesquisa social e especificamente, em
Administração.
Os poucos pesquisadores que já haviam submetido suas pesquisas a um CEP,
relataram que falta aos comitês de ética em pesquisa a estrutura adequada e aproximada com
os centros de pesquisa social.
152
Acreditam que, o fato de que a maioria dos CEPs estarem inseridos em hospitais
universitários distancia ainda mais o pesquisador em Administração da submissão de projetos
junto aos comitês. Sugerem que cada área de conhecimento, tal como área de humanas, ou
área de exatas, e assim sucessivamente, tenha um CEP para analisar os projetos de pesquisa
de cada área, considerando suas particularidades. Os relatos seguintes narram algumas visões
dos grupos.
Na área de Administração as publicações não exigem que o artigo tenha sido submetido a um CEP [...] Isso poderia estar sendo discutido por lá, será que a atuação do CEP não deveria ser debatida em conjunto com todas as áreas da ciência?(GF/D). Submeti um projeto, tempos atrás, ao comitê de ética na pesquisa, e o CEP na época era composto por pessoas da área da saúde. Não tinha nenhum representante das ciências sociais. Hoje então não submeto mais, nem os meus projetos e nem dos meus alunos, porque demora demais. Só utilizo o termo de consentimento. (GF/C).
Porém, alguns relatos indicaram que gostariam que os CEPs envolvessem
representantes da área de Administração, em torno de discussões e debates que
contemplassem as questões éticas particulares à pesquisa neste campo de conhecimento.
Pelos depoimentos e abordagens feitas nos grupos focais, verificou-se que o CEP é
visto, por parte dos grupos, como órgão ligado à área de saúde, sem competência e interesse
em avaliar as particularidades das pesquisas sociais, em especial, as pesquisas em
Administração, bem como sua atuação é vista como burocrática e limitadora no tocante a
conduta do pesquisador. Em todos os grupos focais não houve consenso quanto à atuação dos
comitês de ética em pesquisa.
Bell e Bryman (2007) observam também que a posição atual da comunidade de
pesquisa em Administração sobre as normas éticas e os códigos de ética engloba uma série de
questões complexas sobre as quais há pouco consenso.
4.3.4 Aspectos considerados na tomada de decisão sobre questões e dilemas éticos nas
atividades de pesquisa
Nesta seção buscou-se conhecer se os grupos focais, ao tomarem decisões referentes
às questões éticas e aos dilemas éticos na pesquisa, consideram seus valores pessoais morais e
senso comum e/ou os princípios, normas ou diretrizes éticas da pesquisa científica.
153
Nas discussões ocorridas em cada grupo, percebeu-se que os participantes relataram
que decidem com base nos seus valores pessoais e senso comum. Acreditam que os valores
pessoais não podem estar dissociados das decisões éticas. O outro aspecto considerado na
tomada de decisão se refere à observação da prática do grupo, que decide a partir do senso
comum do que é certo ou errado no tocante à reflexão ética no processo de pesquisa.
Como foi colocado no tópico anterior, os grupos relataram que pouco conhecem as
normas vigentes no país, bem como desconhecem os documentos orientadores da ética na
pesquisa científica, como as diretrizes do CNPq e o Manual da ANPAD. Igualmente, não
conhecem os princípios que regulam a atividade de pesquisa.
Assim, percebe-se a relação entre a falta de conhecimento ou de interesse em conhecer
tais documentos, com o embasamento adotado para as decisões nas questões éticas nas
atividades de pesquisa quando o senso comum e os valores pessoais são os balizadores da
conduta dos pesquisadores em estudo. A figura a seguir apresenta o posicionamento dos
grupos focais, no que se refere aos aspectos balizadores na tomada de decisão nas questões
éticas da pesquisa científica.
Figura 15 – Visão dos grupos focais quanto a conduta ética do pesquisador em Administração
Fonte: Dados da pesquisa, 2012.
Conduta ética do pesquisador em Administração
baseada em:
Valores pessoais
Senso comum
154
O relato a seguir representa um posicionamento similar aos grupos estudados, qual
seja, cada pesquisador tem a sua visão de mundo e dela depende sua conduta ética na
pesquisa.
A questão da minha visão ontológica, epistemológica, ela vai orientar a minha conduta, então, se eu vou seguir uma visão de mundo muito mais subjetiva da realidade, se eu for conversar com um professor que tem uma visão mais objetiva da realidade, ele vai me dizer que aquele não é o caminho, porque a visão de mundo dele é incoerente com aquela que eu estou tentando seguir, então eu acho que tem muitas vezes a ver com a formação, toda uma visão de mundo, que está intimamente associado a como eu enxergo aquela realidade e eu vou entender o fenômeno a partir de múltiplos olhares e em cada um desses olhares tem um caminho, tem procedimentos. (GF/B)
Este posicionamento confirma a análise de Bell e Bryman (2007), ao afirmarem que a
regulação ética é vista, por alguns, como evidência de ataque à independência acadêmica e
que mecanismos de regulação refletem a ideia de falta de profissionalização dos acadêmicos e
a falta de confiança no trabalho do pesquisador.
Porém, como destacado pelos autores, há riscos de repassar toda responsabilidade da
reflexão e decisão ética para os pesquisadores, pois, subtende-se assim que os pesquisadores
saberão tratar das questões éticas e dos dilemas éticos sem recorrerem a orientações éticas e
que estão preparados para regularem os seus próprios comportamentos na condução das
pesquisas.
Outro aspecto que é abordado na Resolução n. 196/96 coloca que o pesquisador, o
financiador da pesquisa e a instituição devem assumir juntos a responsabilidade de reparar
complicações ou possíveis danos decorrentes dos riscos previstos na pesquisa. Percebe-se
assim, que as questões éticas são bem mais amplas e complexas, pois envolvem
responsabilidades também com a reparação de danos aos outros envolvidos no processo de
pesquisa. E os riscos podem estar na decisão de conduta de cada etapa da atividade de
pesquisa.
Santos (2011) destaca que na esfera dos deveres do cientista, pode-se distinguir dois
conjuntos de deveres: o conjunto de deveres derivados de valores éticos mais universais, tais
como: o valor (não especificamente científico) relacionado ao respeito à integridade física,
psicológica e moral dos seres humanos e, por outro lado, o conjunto de deveres derivados de
valores éticos especificamente científicos, ou seja, valores que se impõem ao cientista em
virtude de seu compromisso com a própria finalidade de sua profissão: a construção coletiva
da ciência como um patrimônio coletivo.
155
A visão do autor remete a discussão de que a ética ao conduzir as ações da pesquisa,
deve ser observada de uma forma que haja o entendimento coletivo visando o todo, a partir
das responsabilidades assumidas, o que vai além da consideração de tão somente os valores
pessoais e individuais nas decisões éticas.
4.3.5 Visão dos grupos focais quanto à necessidade de orientação e/ou normatização
ética na atividade de pesquisa em Administração
No último objetivo específico, buscou-se conhecer se os grupos focais estudados
achavam pertinente a existência de normas ou orientações (princípios) éticas mais específicas
para nortearem a conduta dos pesquisadores em Administração, ou se acreditavam que
deveriam ser criadas tais normas ou orientações éticas para o campo de estudo em questão.
Verificou-se que os grupos focais direcionaram inicialmente as discussões e as
análises com certa resistência quanto ao aspecto normativo de um código de conduta ética na
pesquisa.
Que não seja criado um manual, mas um guia para orientar a conduta ética na pesquisa, e que passe antes por discussões em várias instâncias, inclusive nas disciplinas de pós-graduação, entre elas, a disciplina de “Metodologia da pesquisa”. (GF/C). Se vier a existir alguma orientação ética que seja divulgada. Porque o que existe em outras áreas, não conhecemos. (GF/D). [...] O meu maior interesse em conhecer princípios, vamos dizer assim, é justamente para avaliar se a minha prática da pesquisa, está alinhada ou não com o que os outros acham. Não que isso vá orientar ou definir a minha prática, porque eu posso ver e discordar, eu acho que a relevância disso a meu ver é no sentido principalmente de publicizar uma visão ou várias percepções das pessoas e orientações para que eu possa avaliar, se a minha práxis ela é ou não coerente, eu vou usar porque acho que é fundamental, mas eu sempre acho que o bom senso também é fortalecido quando a gente começa a perceber que o meu bom senso é o seu bom senso, então assim, eu tenho uma visão talvez um pouco intermediária em relação a isso, não se pode desprezar totalmente, nem ter uma coisa muito hermeticamente fechada, porque eu acredito também que existem visões de mundo que podem prevalecer determinados princípios e outra visão de mundo que podem prevalecer outros parâmetros . (GF/B)
Em seguida, foi questionado se os grupos não acreditavam ser necessária a existência
de orientações éticas (compostas por princípios éticos) que auxiliem os pesquisadores no
156
tocante aos seus dilemas na condução de uma pesquisa. Percebeu-se que quando se abordava
o termo “norma” ética, havia certa negação exposta na expressão dos participantes, mas
quando se adotava o termo “orientação” ética, havia uma aceitação também mais explícita nas
expressões. Relacionando, assim, a expressão “norma” a algo imposto e sem reflexão crítica.
Eu acho útil, desde que legítimo, não somente componente normativo legal. (GF/A). Eu entendo o seguinte: princípios gerais poderiam existir, mas preocupa-me muito mais as práticas, minha adesão é muito mais imediata, as práticas são mais interessantes de ver, a administração é muito ampla, funcionalizada. (GF/A).
Bell e Bryman (2007) salientam que, a prática de se apoiar em diretrizes científicas
sociais gerais não considera a possibilidade de que os pesquisadores da área de Administração
tendem a enfrentar tipos de situações éticas diferentes de outros pesquisadores sociais.
Porém, observou-se que os grupos focais se posicionam contrários a elaboração de
normas éticas formais e específicas para a pesquisa em Administração, mas se colocam
favoráveis a criação de diretrizes orientadoras que auxiliem os pesquisadores em
Administração no tocante aos dilemas e as questões complexas de pesquisa.
Outro aspecto apontado se refere à participação dos pesquisadores na elaboração,
discussão e debates dos possíveis instrumentos norteadores e orientadores da boa conduta na
pesquisa científica. Os grupos direcionaram a discussão para a importância da participação
direta dos pesquisadores em todo e qualquer debate ou decisões que abordem a questão dos
limites éticos na pesquisa em Administração. E rejeitam qualquer decisão imposta e não
dialogada sobre o que pesquisar, como pesquisar e como disseminar o conhecimento
adquirido.
Vale salientar que diretrizes orientadoras, princípios éticos, códigos de conduta, entre
outros instrumentos, não isentam o pesquisador de ter que tomar decisões e fazer reflexões
éticas, como colocado por Flick (2009) que afirma que a tensão e o dilema na pesquisa estão
situados entre a formulação de princípios gerais da ética e as práticas cotidianas no campo, e
como levar em conta essas orientações éticas nessas práticas.
157
5. CONCLUSÃO
A ética na pesquisa científica tem sido estudada em diversas áreas do conhecimento,
principalmente nas ciências da saúde. Porém, nas ciências sociais, e mais especificamente, na
área de Administração há carência de estudos que abordem toda a complexidade, amplitude e
profundidade do tema. O presente estudo contribui para a produção de conhecimento nesta
temática no campo da Administração.
Antes de partir-se para as conclusões da pesquisa de campo, cabe relatar pontos
relevantes no delineamento e condução da presente pesquisa. Estudar ética na pesquisa, numa
área carente de estudos desta natureza, revelou-se um desafio ético e metodológico. Surgiram
dilemas éticos em várias etapas das atividades da pesquisa.
Um dos dilemas da presente pesquisa foi ‘como abordar’ os pesquisadores para
questionar sobre um tema tão pouco estudado em Administração. Como falar de ética na
pesquisa sem inibir ou constranger os pesquisados? Como direcionar a pesquisa de forma a
obter o comportamento espontâneo dos pesquisados?
Optou-se, inicialmente, pela aplicação de entrevistas individuais e em profundidade,
com pesquisadores experientes ligados à Divisão de Ensino e Pesquisa da ANPAD, o que
permitiu, de maneira exploratória, conhecer a visão dos pesquisadores da área sobre a
temática, além de terem surgido no processo de coleta, novos aspectos a serem estudados,
como por exemplo, a questão do produtivismo. No entanto, surgiram também, dificuldades
para investigar as percepções dos entrevistados sobre os princípios éticos selecionados para
fins do presente estudo. Verificou-se durante o processo de coleta, que a maioria dos
entrevistados não conhecia, suficientemente, os princípios éticos abordados na resolução
oficial e na literatura, o que gerou redirecionamento na abordagem das entrevistas, bem como
suscitou a necessidade de definir uma segunda etapa de coleta dos dados, de maneira a
aprofundar o tema, numa perspectiva coletiva.
A partir desta etapa, optou-se pela realização de uma segunda fase da pesquisa, através
de grupos focais formados por pesquisadores atuantes em Programas de Pós-Graduação em
Administração, de universidades distintas, de forma a abordar o tema da ética na pesquisa, sob
uma nova ótica - a percepção coletiva dos grupos sobre o tema em questão com o objetivo de
gerar reflexões críticas e questionamentos a respeito de como conduzem e participam de
158
pesquisas no campo da Administração, além de estimular os depoimentos, através de técnica
coletiva, sobre um tema tão complexo quanto o tema ética na pesquisa.
Os dilemas éticos colocados desde o início para a condução da pesquisa já apontavam
para a dificuldade em examinar até que ponto os princípios éticos são incorporados nas
atividades de pesquisa em Administração desenvolvidas por pesquisadores atuantes em
programas de pós-graduação em Administração. Dificuldades derivadas da própria natureza
do tema, das formas de abordagem e da resistência dos sujeitos em participarem de uma
discussão cujo foco central tratava de conduta, valores morais e postura ética.
O exame dessa questão, à luz de muitas perguntas norteadoras, permitiu concluir que,
entre os pesquisadores entrevistados, os princípios éticos estão sendo pouco incorporados às
práticas das atividades de pesquisa em Administração, pelo menos de forma consciente e
declarada, pois os pesquisadores relataram que decidem no tocante às questões e dilemas
éticos em uma pesquisa, com base nos seus valores morais e também no senso comum.
Alguns poucos princípios éticos que vêem sendo incorporados, de forma muito tênue e
incipiente à atividade de pesquisa em Administração, estão concentrados na atividade de
pesquisa que envolve elaborar artigos científicos das pesquisas para publicação em periódicos
e revistas científicas.
Esta conduta pode ser explicada, entre outras coisas, pelo fato de que os
pesquisadores que atuam na área da Administração pouco conhecem sobre os documentos
norteadores da ética na pesquisa existentes no país, quer seja pela falta de divulgação ou pela
falta de interesse, conhecem apenas os comitês de ética de pesquisa, mas que são pouco
acionados pelos mesmos nas suas atividades de pesquisa. Os pesquisadores estudados
rejeitam a normatização ética, e entendem que a ética na pesquisa está relacionada à formação
pessoal do pesquisador e a sua condição humana.
Assim, os pesquisadores em Administração, consideram seus valores pessoais e
individuais, e o senso comum na tomada de decisão sobre questões e dilemas éticos nas
atividades de pesquisa, não refletindo diretamente sobre os princípios éticos em cada etapa
das atividades de pesquisa.
Em decorrência, os princípios da ética na pesquisa – autonomia, beneficência, não
maleficência, justiça, anonimato, privacidade, afiliação, honestidade, transparência, má
representação e disponibilização do resultado final da pesquisa - não foram objeto de
manifestação direta pelos pesquisadores, levando a um redirecionamento do estudo de forma a
159
analisar se eles consideravam pertinente a existência de normas, diretrizes e princípios éticos
norteadores para pesquisas científicas.
É importante registrar que, mesmo não trabalhando os princípios éticos de forma
direta, entende-se que os objetivos da tese foram plenamente alcançados, pois a reflexão
conjunta de pesquisadores de diferentes programas de pós-graduação com larga experiência
de pesquisa e de jovens pesquisadores, apesar de não formularem uma opinião sobre cada um
dos princípios, não deixaram de manifestar preocupações com a temática da ética e até fazer
referência a alguns dos princípios de forma indireta. Princípios éticos relacionados aos valores
morais que balizam a conduta de cada um.
Os pesquisadores entrevistados acreditam que a conduta ética do pesquisador é uma
vertente da conduta humana, em que os valores morais e as crenças são considerados nos
comportamentos éticos, nas atividades de pesquisa que, por sua vez, são afetados pela
formação do pesquisador e balizados pelo respeito aos envolvidos nas atividades de pesquisa,
compromisso com a verdade, bem como pelas reflexões sobre os limites éticos da ciência.
Com relação à má conduta, relacionam suas preocupações éticas para os casos de
fraude e desvios de conduta, mais recorrentes no contexto atual, como o plágio, autoplágio,
co-autoria e manipulação de dados. Como colocado anteriormente, não há um conhecimento
dos princípios éticos, em profundidade, assim percebe-se que má conduta para os
pesquisadores estudados está relacionada às práticas de pesquisa mais operacionais e menos
reflexivas.
Ou seja, anteriormente às questões operacionais relacionadas aos desvios de conduta,
cabe uma reflexão crítica no delineamento da pesquisa científica que envolva a preocupação
com a relevância social, princípio ético primordial no delineamento de uma pesquisa
científica e abordado na Resolução n. 196/96-CNS, que caracteriza uma pesquisa como ética
também pela sua relevância social, preservando o sentido de sua destinação sócio
humanitária. Ou seja, em uma pesquisa pode não ter sido constatado nenhum caso de fraude
ou desvios de conduta (como os citados plágio, autoplágio, co-autoria e manipulação de
dados), mas tal pesquisa não necessariamente é considerada ética, pois pode não ter nenhuma
relevância social.
A pesquisa também revelou que os dilemas éticos ocorrem em várias etapas das
atividades de pesquisa, sendo que aqueles que mais acometem ou acometeram os
pesquisadores estudados ocorrem basicamente nas etapas da coleta dos dados e na divulgação
160
dos resultados da pesquisa, o que pode apontar que a pesquisa em Administração tem
particularidades no tocante a estas etapas, tais como: dificuldade de acesso às empresas ou
instituições para coleta dos dados e dificuldade na divulgação dos resultados no que se refere
às questões do sigilo e do anonimato.
Os resultados da presente pesquisa demonstram também que os pesquisadores em
Administração, além de não refletirem, conscientemente, sobre os princípios éticos
relacionados às suas práticas de pesquisa, se colocam receosos de processos normativos
impostos, apesar de se manifestarem abertos a diretrizes éticas orientadoras.
Os resultados apontam para a tese de que a conduta do pesquisador nas atividades de
pesquisa em Administração é, de forma característica, balizada por valores pessoais ou pelo
senso comum e menos por princípios éticos, seja pelo desconhecimento de instrumentos
normativos relacionados à ética, como também pela discordância com quaisquer regras de
disciplinamento sobre conduta ética na pesquisa.
Na conduta ética balizada apenas pelos padrões pessoais se observa um baixo controle
das consequências dos erros ou fraudes na pesquisa, ou seja, falta de limites éticos definidos e
explícitos, o que não ocorre na conduta balizada por orientações éticas, onde há um equilíbrio
entre os valores pessoais e as recomendações éticas para condução de investigações
científicas. Como destacado anteriormente, o CNPq (2011) recomenda que a autocorreção por
parte da comunidade científica não é suficiente para impedir os efeitos danosos advindos da
fraude. E apontam que, o falso conhecimento pode atrasar o avanço do conhecimento, além de
gerar consequências econômicas e sociais.
Santos (2011) também salienta que um pesquisador deve sempre visar a contribuir
para a construção da ciência como um patrimônio coletivo, deve se abster de agir,
intencionalmente ou por negligência, de modo a impedir ou prejudicar o trabalho coletivo de
construção da ciência e a apropriação coletiva de seus resultados.
A falta de conhecimento dos princípios éticos e de debates reflexivos sobre ética na
pesquisa, por parte dos pesquisadores em Administração, pode acarretar atrasos e prejuízos na
produção do conhecimento na área, a partir da ocorrência de fraudes e desvios de conduta.
Não que a existência de códigos de ética ou de diretrizes éticas orientadoras impeçam ou
eliminem a má conduta, porém, poderão gerar a reflexão e trazer respostas aos dilemas éticos
mais recorrentes.
161
Estabelecer o pensar e o repensar crítico sobre a conduta e os procedimentos
relacionados às mais diversas áreas de abrangência do conhecimento e, em particular na
Administração, no que se refere aos princípios e reflexões relacionadas à ética na pesquisa é,
pois uma necessidade no processo de produção e socialização do conhecimento.
Esta constatação sugere a necessidade de criação de espaços para o debate ético, com
enfoque nas ações educativas e ações de estímulo à reflexão permanente e a conscientização
sobre os limites éticos das pesquisas em Administração.
Sugere-se a criação de comitês de ética multidisciplinares que considerem as
metodologias distintas adotadas pelas diferentes áreas de conhecimento da pesquisa social, de
forma a analisar os projetos de pesquisa de cada área, considerando suas peculiaridades, em
especial, que sejam abordadas as questões particulares das pesquisas na área de gestão.
Outro ponto relevante para o debate ético se iniciar desde a formação do pesquisador,
recomenda-se inserir o tema ética na pesquisa científica nas disciplinas dos Programas de Pós-
Graduação em Administração, possivelmente, nos conteúdos das disciplinas Metodologia da
Pesquisa e Teoria da Pesquisa, sendo abordadas as questões éticas e dilemas éticos que
porventura surjam no decorrer das atividades de pesquisa, sob um olhar coletivo e reflexivo.
Mas, também, focalizando a responsabilidade individual e a integridade do pesquisador em
todo o processo de pesquisa, envolvendo todas as atividades de pesquisa.
Considera-se que não cabe no contexto atual, a elaboração de um código de ética na
pesquisa específico para o campo da Administração, pois os pesquisadores em Administração
ainda não conhecem bem os documentos já existentes, e nem conhecem bem as abordagens
dos teóricos que já estudam o tema, que poderia servir de base para iniciar-se um debate
reflexivo a partir do conhecimento e aprofundamento sobre o tema da ética na pesquisa no
campo da Administração.
Faz-se necessário iniciar debates sobre conduta ética, focando a interlocução dos
pesquisadores atuantes nos Programas de Pós-Graduação em Administração em todo país.
Envolvendo, assim, a análise das relações entre as normas já existentes, as diretrizes éticas
propostas e os princípios da ética na pesquisa recomendados, com as particularidades éticas
da pesquisa em Administração, de forma a conhecer a aplicabilidade dos princípios éticos
gerais já existentes da pesquisa científica com a prática do pesquisador em Administração.
Novos olhares, novos espaços e novas formas participativas de debate sobre a ética na
pesquisa científica se fazem necessários.
162
E a partir do estudo e da discussão por parte da comunidade científica da
Administração seria indicado que associações, comissões ou comitês, tais como a ANPAD,
estimulassem a criação ou mesmo elaborassem, com a participação direta dos pesquisadores,
orientações éticas que envolvessem todas as fases da pesquisa, desde o delineamento até a
divulgação dos resultados, como também contemplassem todos os tipos de pesquisa em
Administração. Observa-se que, se há uma busca por aumento da relevância das publicações
na Administração, deve ser precedido de maior atenção no que se refere às questões éticas e
suas consequências na construção do conhecimento no campo da Administração.
Como se trata de uma pesquisa qualitativa, que tem no seu âmago conceitual a
mudança social e a preocupação de transformar conhecimento em ações, acredita-se que o
desenrolar da presente pesquisa, principalmente na etapa da coleta de dados, já contribuiu
para que os pesquisadores envolvidos passem a se questionar a respeito de como estão
conduzindo ou participando de pesquisas no campo da Administração. A partir da divulgação
dos resultados, espera-se que seja ampliado o escopo dos questionamentos e reflexões éticas
na pesquisa científica na área em questão, aprofundando as discussões acerca da temática em
estudo.
Espera-se dessa forma que, o presente estudo impulsione novas pesquisas na área da
ética na pesquisa científica em Administração, tais como: estudos que visem discutir os
limites éticos das pesquisas em Administração, com enfoque nas pesquisas de marketing e de
gestão de pessoas; estudos que analisem as particularidades das pesquisas em Administração
e a relação com as diretrizes éticas existentes; estudos comparativos da conduta ética de
pesquisadores experientes e pesquisadores iniciantes na área da Administração; análises
aprofundadas dos dilemas éticos na coleta de dados no tocante ao acesso às informações em
organizações; estudos que visem discutir os possíveis impactos das pesquisas em
Administração junto aos sujeitos da pesquisa.
Além de suscitar a emergência de novas temáticas, esta tese cobre uma lacuna
existente de estudos sobre a temática em questão e pode gerar debates, discussões e
proposições que estimulem a reflexão crítica sobre a ética na pesquisa científica por parte dos
pesquisadores em Administração.
163
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172
Apêndice A - INSTRUMENTO DE PESQUISA 1 - ROTEIRO DE ENTREVISTA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PPGA – PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
Ética na pesquisa em Administração
Prezado (a) pesquisador (a), a presente pesquisa aborda o tema ética na pesquisa em Administração, Gostaria que consentisse em participar da presente pesquisa e que respondesse livremente as questões abaixo, e garantimos que será mantido o anonimato dos respondentes. Muito obrigada, Ana Patrícia R.Leite (PPGA / UFRN).
Questões:
1. O que considera ser conduta ética e responsável do pesquisador? E má conduta na pesquisa científica?
2. Que dilemas éticos o acomete ou já o acometeu em todo o processo de pesquisa em
Administração?
3. A sua conduta ética no processo de pesquisa é balizada por valores morais pessoais e/ou por orientações/normas éticas da pesquisa?
4. Você conhece as normas e as orientações para conduta ética do pesquisador, já
existentes no Brasil? Quais? Caso afirmativo, qual sua opinião sobre estes instrumentos orientadores?
5. Qual a sua compreensão sobre o papel dos comitês de ética em pesquisa existentes nas
universidades? Já submeteu alguma pesquisa a um comitê de ética em pesquisa?
6. Você acredita que deveriam ser criadas normas ou orientações éticas mais específicas para nortearem a conduta dos pesquisadores nas pesquisas em Administração?
173
Apêndice B - INSTRUMENTO DE PESQUISA 2 – GUIA DE QUESTÕES PARA GRUPO FOCAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PPGA – PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
Ética na pesquisa em Administração
Guia orientador para discussões - GRUPOS FOCAIS
1. O que consideram ser “conduta ética e responsável do pesquisador”?
2. E o que, na percepção de vocês, é má conduta na pesquisa? Que desvios de conduta apontam?
3. Até que ponto vocês acreditam que o produtivismo (pressão por produzir muito) afeta a
conduta do pesquisador?
4. Que dilemas éticos os acometem ou já os acometeram nas atividades de pesquisa em Administração?
a) na concepção inicial da proposta de pesquisa e no seu delineamento? b) no processo de desenvolvimento da pesquisa em todas as etapas operacionais? c) na comunicação do resultado final?
5. Conhecem normas/orientações éticas existentes no Brasil? Quais? Caso conheçam, como avaliam as orientações e normas já existentes com relação a conduta responsável e ética do pesquisador?
6. Conhecem os comitês de ética em pesquisa? Qual a compreensão que vocês têm sobre o papel dos comitês de ética em pesquisa existentes nas universidades? Já recorreram a algum CEP? E seus alunos/orientandos?
7. As decisões referentes as questões de cunho ético e aos dilemas éticos, nas atividades de
pesquisa que desenvolvem, são balizadas por valores morais pessoais e senso comum e/ou por orientações/normas éticas da pesquisa científica?
8. Vocês acham pertinente que existam normas ou orientações (princípios) éticas ou que deveriam ser criadas normas ou orientações éticas mais específicas para nortearem a conduta dos pesquisadores em Administração?
174
Apêndice C - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Declaro, por meio deste termo, que concordei em participar da pesquisa de campo referente à
pesquisa “Ética na pesquisa em Administração”, desenvolvida por Ana Patrícia Rodrigues
Leite, aluna do Doutorado em Administração - PPGA/UFRN. Fui informado (a), ainda, de
que a pesquisa é orientada pela Professora Maria Arlete Duarte de Araújo, a quem poderei
consultar a qualquer momento que julgar necessário através do e-mail:
[email protected] e também através do e-mail da pesquisadora:
Afirmo que aceitei participar por minha própria vontade, voluntariamente, sem receber
qualquer incentivo financeiro ou ter qualquer ônus e com a finalidade exclusiva de colaborar
para o sucesso da pesquisa. Fui informado (a) dos objetivos estritamente acadêmicos do
estudo, que, em linhas gerais é compreender até que ponto, os princípios éticos estão
incorporados nas atividades de pesquisa em Administração.
Minha colaboração se fará de forma anônima, por meio de grupo focal, onde serão gravadas
as falas dos participantes, para posterior transcrição, a partir da assinatura das autorizações de
cada participante. Minhas respostas serão tratadas de forma confidencial, isto é, em nenhum
momento será divulgado o meu nome em qualquer fase do estudo. Quando for necessário
exemplificar determinada situação, a minha privacidade será assegurada uma vez que os
participantes não serão nominados. Os dados coletados serão utilizados apenas nesta pesquisa
e os resultados divulgados na tese de doutorado e posteriormente em eventos e/ou revistas
científicas. O acesso e a análise dos dados coletados se farão apenas pela pesquisadora e sua
orientadora. Fui ainda informado (a) de que posso me retirar dessa pesquisa a qualquer
momento, sem sofrer qualquer punição ou constrangimento.
Declaro estar ciente do inteiro teor deste Termo de Consentimento e estou de acordo em
participar do estudo proposto. Atesto recebimento de uma cópia assinada deste Termo.
____________________, _____ de _________________ de 2012.
Assinatura do (a) participante: ____________________________________
Assinatura da pesquisadora: ____________________________________
176
ANEXO A - RESOLUÇÃO 196/96
CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE
RESOLUÇÃO Nº 196, DE 10 DE OUTUBRO DE 1996
O Plenário do Conselho Nacional de Saúde em sua Quinquagésima Nona Reunião Ordinária, realizada nos dias 09 e 10 de outubro de 1996, no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, RESOLVE:
Aprovar as seguintes diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres
humanos: I – PREÂMBULO A presente Resolução fundamenta-se nos principais documentos internacionais que
emanaram declarações e diretrizes sobre pesquisas que envolvem seres humanos: o Código de Nuremberg (1947), a Declaração dos Direitos do Homem (1948), a Declaração de Helsinque (1964 e suas versões posteriores de 1975, 1983 e 1989), o Acordo Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ONU, 1966, aprovado pelo Congresso Nacional Brasileiro em 1992), as Propostas de Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos (CIOMS/OMS 1982 e 1993) e as Diretrizes Internacionais para Revisão Ética de Estudos Epidemiológicos (CIOMS, 1991). Cumpre as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da legislação brasileira correlata: Código de Direitos do Consumidor, Código Civil e Código Penal, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Orgânica da Saúde 8.080, de 19/09/90 (dispõe sobre as condições de atenção à saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes), Lei 8.142, de 28/12/90 (participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde), Decreto 99.438, de 07/08/90 (organização e atribuições do Conselho Nacional de Saúde), Decreto 98.830, de 15/01/90 (coleta por estrangeiros de dados e materiais científicos no Brasil), Lei 8.489, de 18/11/92, e Decreto 879, de 22/07/93 (dispõem sobre retirada de tecidos, órgãos e outras partes do corpo humano com fins humanitários e científicos), Lei 8.501, de 30/11/92 (utilização de cadáver), Lei 8.974, de 05/01/95 (uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados), Lei 9.279, de 14/05/96 (regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial), e outras.
Esta Resolução incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, os quatro referenciais básicos da bioética: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça, entre outros, e visa assegurar os direitos e deveres que dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado.
O caráter contextual das considerações aqui desenvolvidas implica em revisões periódicas desta Resolução, conforme necessidades nas áreas tecnocientífica e ética.
Ressalta-se, ainda, que cada área temática de investigação e cada modalidade de pesquisa, além de respeitar os princípios emanados deste texto, deve cumprir com as exigências setoriais e regulamentações específicas.
II - TERMOS E DEFINIÇÕES A presente Resolução, adota no seu âmbito as seguintes definições: II.1 - Pesquisa - classe de atividades cujo objetivo é desenvolver ou contribuir para o
conhecimento generalizável. O conhecimento generalizável consiste em teorias, relações ou
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princípios ou no acúmulo de informações sobre as quais estão baseados, que possam ser corroborados por métodos científicos aceitos de observação e inferência.
II.2 - Pesquisa envolvendo seres humanos - pesquisa que, individual ou coletivamente, envolva o ser humano, de forma direta ou indireta, em sua totalidade ou partes dele, incluindo o manejo de informações ou materiais.
II.3 - Protocolo de Pesquisa - Documento contemplando a descrição da pesquisa em seus aspectos fundamentais, informações relativas ao sujeito da pesquisa, à qualificação dos pesquisadores e à todas as instâncias responsáveis.
II.4 - Pesquisador responsável - pessoa responsável pela coordenação e realização da pesquisa e pela integridade e bem-estar dos sujeitos da pesquisa.
II.5 - Instituição de pesquisa - organização, pública ou privada, legitimamente constituída e habilitada na qual são realizadas investigações científicas.
II.6 - Promotor - indivíduo ou instituição, responsável pela promoção da pesquisa. II.7 - Patrocinador - pessoa física ou jurídica que apoia financeiramente a pesquisa. II.8 - Risco da pesquisa - possibilidade de danos à dimensão física, psíquica, moral,
intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano, em qualquer fase de uma pesquisa e dela decorrente.
II.9 - Dano associado ou decorrente da pesquisa - agravo imediato ou tardio, ao indivíduo ou à coletividade, com nexo causal comprovado, direto ou indireto, decorrente do estudo científico.
II.10 - Sujeito da pesquisa - é o(a) participante pesquisado(a), individual ou coletivamente, de caráter voluntário, vedada qualquer forma de remuneração.
II.11 - Consentimento livre e esclarecido - anuência do sujeito da pesquisa e/ou de seu representante legal, livre de vícios (simulação, fraude ou erro), dependência, subordinação ou intimidação, após explicação completa e pormenorizada sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, formulada em um termo de consentimento, autorizando sua participação voluntária na pesquisa.
II.12 - Indenização - cobertura material, em reparação a dano imediato ou tardio, causado pela pesquisa ao ser humano a ela submetida.
II.13 - Ressarcimento - cobertura, em compensação, exclusiva de despesas decorrentes da participação do sujeito na pesquisa.
II.14 - Comitês de Ética em Pesquisa-CEP - colegiados interdisciplinares e independentes, com "munus público", de caráter consultivo, deliberativo e educativo, criados para defender os interesses dos sujeitos da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir no desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos.
II.15 - Vulnerabilidade - refere-se a estado de pessoas ou grupos que, por quaisquer razões ou motivos, tenham a sua capacidade de autodeterminação reduzida, sobretudo no que se refere ao consentimento livre e esclarecido.
II.16 - Incapacidade - Refere-se ao possível sujeito da pesquisa que não tenha capacidade civil para dar o seu consentimento livre e esclarecido, devendo ser assistido ou representado, de acordo com a legislação brasileira vigente.
III - ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA ENVOLVENDO SERES HUMANOS As pesquisas envolvendo seres humanos devem atender às exigências éticas e científicas
fundamentais. III.1 - A eticidade da pesquisa implica em: a) consentimento livre e esclarecido dos indivíduos-alvo e a proteção a grupos vulneráveis e
aos legalmente incapazes (autonomia). Neste sentido, a pesquisa envolvendo seres humanos deverá
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sempre tratá-los em sua dignidade, respeitá-los em sua autonomia e defendê-los em sua vulnerabilidade;
b) ponderação entre riscos e benefícios, tanto atuais como potenciais, individuais ou coletivos (beneficência), comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos;
c) garantia de que danos previsíveis serão evitados (não maleficência); d) relevância social da pesquisa com vantagens significativas para os sujeitos da pesquisa e
minimização do ônus para os sujeitos vulneráveis, o que garante a igual consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação sócio-humanitária (justiça e equidade).
III.2- Todo procedimento de qualquer natureza envolvendo o ser humano, cuja aceitação não esteja ainda consagrada na literatura científica, será considerado como pesquisa e, portanto, deverá obedecer às diretrizes da presente Resolução. Os procedimentos referidos incluem entre outros, os de natureza instrumental, ambiental, nutricional, educacional, sociológica, econômica, física, psíquica ou biológica, sejam eles farmacológicos, clínicos ou cirúrgicos e de finalidade preventiva, diagnóstica ou terapêutica.
III.3 - A pesquisa em qualquer área do conhecimento, envolvendo seres humanos deverá observar as seguintes exigências:
a) ser adequada aos princípios científicos que a justifiquem e com possibilidades concretas de responder a incertezas;
b) estar fundamentada na experimentação prévia realizada em laboratórios, animais ou em outros fatos científicos;
c) ser realizada somente quando o conhecimento que se pretende obter não possa ser obtido por outro meio;
d) prevalecer sempre as probabilidades dos benefícios esperados sobre os riscos previsíveis; e) obedecer a metodologia adequada. Se houver necessidade de distribuição aleatória dos
sujeitos da pesquisa em grupos experimentais e de controle, assegurar que, a priori, não seja possível estabelecer as vantagens de um procedimento sobre outro através de revisão de literatura, métodos observacionais ou métodos que não envolvam seres humanos;
f) ter plenamente justificada, quando for o caso, a utilização de placebo, em termos de não maleficência e de necessidade metodológica;
g) contar com o consentimento livre e esclarecido do sujeito da pesquisa e/ou seu representante legal;
h) contar com os recursos humanos e materiais necessários que garantam o bem-estar do sujeito da pesquisa, devendo ainda haver adequação entre a competência do pesquisador e o projeto proposto;
i) prever procedimentos que assegurem a confidencialidade e a privacidade, a proteção da imagem e a não estigmatização, garantindo a não utilização das informações em prejuízo das pessoas e/ou das comunidades, inclusive em termos de auto-estima, de prestígio e/ou econômico - financeiro;
j) ser desenvolvida preferencialmente em indivíduos com autonomia plena. Indivíduos ou grupos vulneráveis não devem ser sujeitos de pesquisa quando a informação desejada possa ser obtida através de sujeitos com plena autonomia, a menos que a investigação possa trazer benefícios diretos aos vulneráveis. Nestes casos, o direito dos indivíduos ou grupos que queiram participar da pesquisa deve ser assegurado, desde que seja garantida a proteção à sua vulnerabilidade e incapacidade legalmente definida;
l) respeitar sempre os valores culturais, sociais, morais, religiosos e éticos, bem como os hábitos e costumes quando as pesquisas envolverem comunidades;
m) garantir que as pesquisas em comunidades, sempre que possível, traduzir-se-ão em benefícios cujos efeitos continuem a se fazer sentir após sua conclusão. O projeto deve analisar as necessidades de cada um dos membros da comunidade e analisar as diferenças presentes entre eles, explicitando como será assegurado o respeito às mesmas;
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n) garantir o retorno dos benefícios obtidos através das pesquisas para as pessoas e as comunidades onde as mesmas forem realizadas. Quando, no interesse da comunidade, houver benefício real em incentivar ou estimular mudanças de costumes ou comportamentos, o protocolo de pesquisa deve incluir, sempre que possível, disposições para comunicar tal benefício às pessoas e/ou comunidades;
o) comunicar às autoridades sanitárias os resultados da pesquisa, sempre que os mesmos puderem contribuir para a melhoria das condições de saúde da coletividade, preservando, porém, a imagem e assegurando que os sujeitos da pesquisa não sejam estigmatizados ou percam a auto-estima;
p) assegurar aos sujeitos da pesquisa os benefícios resultantes do projeto, seja em termos de retorno social, acesso aos procedimentos, produtos ou agentes da pesquisa;
q)assegurar aos sujeitos da pesquisa as condições de acompanhamento, tratamento ou de orientação, conforme o caso, nas pesquisas de rastreamento; demonstrar a preponderância de benefícios sobre riscos e custos;
r) assegurar a inexistência de conflito de interesses entre o pesquisador e os sujeitos da pesquisa ou patrocinador do projeto;
s) comprovar, nas pesquisas conduzidas do exterior ou com cooperação estrangeira, os compromissos e as vantagens, para os sujeitos das pesquisas e para o Brasil, decorrentes de sua realização. Nestes casos deve ser identificado o pesquisador e a instituição nacionais co-responsáveis pela pesquisa. O protocolo deverá observar as exigências da Declaração de Helsinque e incluir documento de aprovação, no país de origem, entre os apresentados para avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição brasileira, que exigirá o cumprimento de seus próprios referenciais éticos. Os estudos patrocinados do exterior também devem responder às necessidades de treinamento de pessoal no Brasil, para que o país possa desenvolver projetos similares de forma independente;
t) utilizar o material biológico e os dados obtidos na pesquisa exclusivamente para a finalidade prevista no seu protocolo;
u) levar em conta, nas pesquisas realizadas em mulheres em idade fértil ou em mulheres grávidas, a avaliação de riscos e benefícios e as eventuais interferências sobre a fertilidade, a gravidez, o embrião ou o feto, o trabalho de parto, o puerpério, a lactação e o recém-nascido;
v) considerar que as pesquisas em mulheres grávidas devem, ser precedidas de pesquisas em mulheres fora do período gestacional, exceto quando a gravidez for o objetivo fundamental da pesquisa;
x) propiciar, nos estudos multicêntricos, a participação dos pesquisadores que desenvolverão a pesquisa na elaboração do delineamento geral do projeto; e
z) descontinuar o estudo somente após análise das razões da descontinuidade pelo CEP que a aprovou.
IV - CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLAREIDO O respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe após
consentimento livre e esclarecido dos sujeitos, indivíduos ou grupos que por si e/ou por seus representantes legais manifestem a sua anuência à participação na pesquisa.
IV.1 - Exige-se que o esclarecimento dos sujeitos se faça em linguagem acessível e que inclua necessariamente os seguintes aspectos:
a) a justificativa, os objetivos e os procedimentos que serão utilizados na pesquisa; b) os desconfortos e riscos possíveis e os benefícios esperados; c) os métodos alternativos existentes; d) a forma de acompanhamento e assistência, assim como seus responsáveis; e) a garantia de esclarecimentos, antes e durante o curso da pesquisa, sobre a metodologia,
informando a possibilidade de inclusão em grupo controle ou placebo;
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f) a liberdade do sujeito se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma e sem prejuízo ao seu cuidado;
g) a garantia do sigilo que assegure a privacidade dos sujeitos quanto aos dados confidenciais envolvidos na pesquisa;
h) as formas de ressarcimento das despesas decorrentes da participação na pesquisa; e i) as formas de indenização diante de eventuais danos decorrentes da pesquisa. IV.2 - O termo de consentimento livre e esclarecido obedecerá aos seguintes requisitos: a) ser elaborado pelo pesquisador responsável, expressando o cumprimento de cada uma das
exigências acima; b) ser aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa que referenda a investigação; c) ser assinado ou identificado por impressão dactiloscópica, por todos e cada um dos
sujeitos da pesquisa ou por seus representantes legais; e d) ser elaborado em duas vias, sendo uma retida pelo sujeito da pesquisa ou por seu
representante legal e uma arquivada pelo pesquisador. IV.3 - Nos casos em que haja qualquer restrição à liberdade ou ao esclarecimento
necessários para o adequado consentimento, deve-se ainda observar: a) em pesquisas envolvendo crianças e adolescentes, portadores de perturbação ou doença
mental e sujeitos em situação de substancial diminuição em suas capacidades de consentimento, deverá haver justificação clara da escolha dos sujeitos da pesquisa, especificada no protocolo, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, e cumprir as exigências do consentimento livre e esclarecido, através dos representantes legais dos referidos sujeitos, sem suspensão do direito de informação do indivíduo, no limite de sua capacidade;
b) a liberdade do consentimento deverá ser particularmente garantida para aqueles sujeitos que, embora adultos e capazes, estejam expostos a condicionamentos específicos ou à influência de autoridade, especialmente estudantes, militares, empregados, presidiários, internos em centros de readaptação, casas-abrigo, asilos, associações religiosas e semelhantes, assegurando-lhes a inteira liberdade de participar ou não da pesquisa, sem quaisquer represálias;
c) nos casos em que seja impossível registrar o consentimento livre e esclarecido, tal fato deve ser devidamente documentado, com explicação das causas da impossibilidade, e parecer do Comitê de Ética em Pesquisa;
d) as pesquisas em pessoas com o diagnóstico de morte encefálica só podem ser realizadas desde que estejam preenchidas as seguintes condições:
- documento comprobatório da morte encefálica (atestado de óbito); - consentimento explícito dos familiares e/ou do responsável legal, ou manifestação prévia
da vontade da pessoa; - respeito total à dignidade do ser humano sem mutilação ou violação do corpo; - sem ônus econômico financeiro adicional à família; - sem prejuízo para outros pacientes aguardando internação ou tratamento; - possibilidade de obter conhecimento científico relevante, novo e que não possa ser obtido
de outra maneira; e) em comunidades culturalmente diferenciadas, inclusive indígenas, deve-se contar com a
anuência antecipada da comunidade através dos seus próprios líderes, não se dispensando, porém, esforços no sentido de obtenção do consentimento individual;
f) quando o mérito da pesquisa depender de alguma restrição de informações aos sujeitos, tal fato deve ser devidamente explicitado e justificado pelo pesquisador e submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa. Os dados obtidos a partir dos sujeitos da pesquisa não poderão ser usados para outros fins que os não previstos no protocolo e/ou no consentimento.
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V - RISCOS E BENEFÍCIOS Considera-se que toda pesquisa envolvendo seres humanos envolve risco. O dano eventual
poderá ser imediato ou tardio, comprometendo o indivíduo ou a coletividade. V.1 - Não obstante os riscos potenciais, as pesquisas envolvendo seres humanos serão
admissíveis quando: a) oferecerem elevada possibilidade de gerar conhecimento para entender, prevenir ou
aliviar um problema que afete o bem-estar dos sujeitos da pesquisa e de outros indivíduos; b) o risco se justifique pela importância do benefício esperado; c) o benefício seja maior, ou no mínimo igual, a outras alternativas já estabelecidas para a
prevenção, o diagnóstico e o tratamento. V.2 - As pesquisas sem benefício direto ao indivíduo, devem prever condições de serem
bem suportadas pelos sujeitos da pesquisa, considerando sua situação física, psicológica, social e educacional.
V.3 - O pesquisador responsável é obrigado a suspender a pesquisa imediatamente ao perceber algum risco ou dano à saúde do sujeito participante da pesquisa, conseqüente à mesma, não previsto no termo de consentimento. Do mesmo modo, tão logo constatada a superioridade de um método em estudo sobre outro, o projeto deverá ser suspenso, oferecendo-se a todos os sujeitos os benefícios do melhor regime.
V.4 - O Comitê de Ética em Pesquisa da instituição deverá ser informado de todos os efeitos adversos ou fatos relevantes que alterem o curso normal do estudo.
V.5 - O pesquisador, o patrocinador e a instituição devem assumir a responsabilidade de dar assistência integral às complicações e danos decorrentes dos riscos previstos.
V.6 - Os sujeitos da pesquisa que vierem a sofrer qualquer tipo de dano previsto ou não no termo de consentimento e resultante de sua participação, além do direito à assistência integral, têm direito à indenização.
V.7 - Jamais poderá ser exigido do sujeito da pesquisa, sob qualquer argumento, renúncia ao direito à indenização por dano. O formulário do consentimento livre e esclarecido não deve conter nenhuma ressalva que afaste essa responsabilidade ou que implique ao sujeito da pesquisa abrir mão de seus direitos legais, incluindo o direito de procurar obter indenização por danos eventuais.
VI - PROTOCOLO DE PESQUISA O protocolo a ser submetido à revisão ética somente poderá ser apreciado se estiver
instruído com os seguintes documentos, em português: VI.1 - folha de rosto: título do projeto, nome, número da carteira de identidade, CPF,
telefone e endereço para correspondência do pesquisador responsável e do patrocinador, nome e assinaturas dos dirigentes da instituição e/ou organização;
VI.2 - descrição da pesquisa, compreendendo os seguintes itens: a) descrição dos propósitos e das hipóteses a serem testadas; b) antecedentes científicos e dados que justifiquem a pesquisa. Se o propósito for testar um
novo produto ou dispositivo para a saúde, de procedência estrangeira ou não, deverá ser indicada a situação atual de registro junto a agências regulatórias do país de origem;
c) descrição detalhada e ordenada do projeto de pesquisa (material e métodos, casuística, resultados esperados e bibliografia);
d) análise crítica de riscos e benefícios; e) duração total da pesquisa, a partir da aprovação;
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f) explicitaçao das responsabilidades do pesquisador, da instituição, do promotor e do patrocinador;
g) explicitação de critérios para suspender ou encerrar a pesquisa; h) local da pesquisa: detalhar as instalações dos serviços, centros, comunidades e
instituições nas quais se processarão as várias etapas da pesquisa; i) demonstrativo da existência de infra-estrutura necessária ao desenvolvimento da pesquisa
e para atender eventuais problemas dela resultantes, com a concordância documentada da instituição; j) orçamento financeiro detalhado da pesquisa: recursos, fontes e destinação, bem como a
forma e o valor da remuneração do pesquisador; l) explicitação de acordo preexistente quanto à propriedade das informações geradas,
demonstrando a inexistência de qualquer cláusula restritiva quanto à divulgação pública dos resultados, a menos que se trate de caso de obtenção de patenteamento; neste caso, os resultados devem se tornar públicos, tão logo se encerre a etapa de patenteamento;
m) declaração de que os resultados da pesquisa serão tornados públicos, sejam eles favoráveis ou não; e
n) declaração sobre o uso e destinação do material e/ou dados coletados. VI.3 - informações relativas ao sujeito da pesquisa: a) descrever as características da população a estudar: tamanho, faixa etária, sexo, cor
(classificação do IBGE), estado geral de saúde, classes e grupos sociais, etc. Expor as razões para a utilização de grupos vulneráveis;
b) descrever os métodos que afetem diretamente os sujeitos da pesquisa; c) identificar as fontes de material de pesquisa, tais como espécimens, registros e dados a
serem obtidos de seres humanos. Indicar se esse material será obtido especificamente para os propósitos da pesquisa ou se será usado para outros fins;
d) descrever os planos para o recrutamento de indivíduos e os procedimentos a serem seguidos. Fornecer critérios de inclusão e exclusão;
e) apresentar o formulário ou termo de consentimento, específico para a pesquisa, para a apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa, incluindo informações sobre as circunstâncias sob as quais o consentimento será obtido, quem irá tratar de obtê-lo e a natureza da informação a ser fornecida aos sujeitos da pesquisa;
f) descrever qualquer risco, avaliando sua possibilidade e gravidade; g) descrever as medidas para proteção ou minimização de qualquer risco eventual. Quando
apropriado, descrever as medidas para assegurar os necessários cuidados à saúde, no caso de danos aos indivíduos. Descrever também os procedimentos para monitoramento da coleta de dados para prover a segurança dos indivíduos, incluindo as medidas de proteção à confidencialidade; e
h) apresentar previsão de ressarcimento de gastos aos sujeitos da pesquisa. A importância referente não poderá ser de tal monta que possa interferir na autonomia da decisão do indivíduo ou responsável de participar ou não da pesquisa.
VI.4 - qualificação dos pesquisadores: "Curriculum vitae" do pesquisador responsável e dos
demais participantes. VI.5 - termo de compromisso do pesquisador responsável e da instituição de cumprir os
termos desta Resolução. VII - COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA-CEP Toda pesquisa envolvendo seres humanos deverá ser submetida à apreciação de um Comitê
de Ética em Pesquisa.
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VII.1 - As instituições nas quais se realizem pesquisas envolvendo seres humanos deverão constituir um ou mais de um Comitê de Ética em Pesquisa- CEP, conforme suas necessidades.
VII.2 - Na impossibilidade de se constituir CEP, a instituição ou o pesquisador responsável deverá submeter o projeto à apreciação do CEP de outra instituição, preferencialmente dentre os indicados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP/MS).
VII.3 - Organização - A organização e criação do CEP será da competência da instituição, respeitadas as normas desta Resolução, assim como o provimento de condições adequadas para o seu funcionamento.
VII.4 - Composição - O CEP deverá ser constituído por colegiado com número não inferior a 7 (sete) membros. Sua constituição deverá incluir a participação de profissionais da área de saúde, das ciências exatas, sociais e humanas, incluindo, por exemplo, juristas, teólogos, sociólogos, filósofos, bioeticistas e, pelo menos, um membro da sociedade representando os usuários da instituição. Poderá variar na sua composição, dependendo das especificidades da instituição e das linhas de pesquisa a serem analisadas.
VII.5 - Terá sempre caráter multi e transdisciplinar, não devendo haver mais que metade de seus membros pertencentes à mesma categoria profissional, participando pessoas dos dois sexos. Poderá ainda contar com consultores "ad hoc", pessoas pertencentes ou não à instituição, com a finalidade de fornecer subsídios técnicos.
VII.6 - No caso de pesquisas em grupos vulneráveis, comunidades e coletividades, deverá ser convidado um representante, como membro "ad hoc" do CEP, para participar da análise do projeto específico.
VII.7 - Nas pesquisas em população indígena deverá participar um consultor familiarizado com os costumes e tradições da comunidade.
VII.8 - Os membros do CEP deverão se isentar de tomada de decisão, quando diretamente envolvidos na pesquisa em análise.
VII.9 - Mandato e escolha dos membros - A composição de cada CEP deverá ser definida a critério da instituição, sendo pelo menos metade dos membros com experiência em pesquisa, eleitos pelos seus pares. A escolha da coordenação de cada Comitê deverá ser feita pelos membros que compõem o colegiado, durante a primeira reunião de trabalho. Será de três anos a duração do mandato, sendo permitida recondução.
VII.10 - Remuneração - Os membros do CEP não poderão ser remunerados no desempenho desta tarefa, sendo recomendável, porém, que sejam dispensados nos horários de trabalho do Comitê das outras obrigações nas instituições às quais prestam serviço, podendo receber ressarcimento de despesas efetuadas com transporte, hospedagem e alimentação.
VII.11 - Arquivo - O CEP deverá manter em arquivo o projeto, o protocolo e os relatórios correspondentes, por 5 (cinco) anos após o encerramento do estudo.
VII.12 - Liberdade de trabalho - Os membros dos CEPs deverão ter total independência na tomada das decisões no exercício das suas funções, mantendo sob caráter confidencial as informações recebidas. Deste modo, não podem sofrer qualquer tipo de pressão por parte de superiores hierárquicos ou pelos interessados em determinada pesquisa, devem isentar-se de envolvimento financeiro e não devem estar submetidos a conflito de interesse.
VII.13 - Atribuições do CEP: a) revisar todos os protocolos de pesquisa envolvendo seres humanos, inclusive os
multicêntricos, cabendo-lhe a responsabilidade primária pelas decisões sobre a ética da pesquisa a ser desenvolvida na instituição, de modo a garantir e resguardar a integridade e os direitos dos voluntários participantes nas referidas pesquisas;
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b) emitir parecer consubstanciado por escrito, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, identificando com clareza o ensaio, documentos estudados e data de revisão. A revisão de cada protocolo culminará com seu enquadramento em uma das seguintes categorias:
- aprovado; - com pendência: quando o Comitê considera o protocolo como aceitável, porém identifica
determinados problemas no protocolo, no formulário do consentimento ou em ambos, e recomenda uma revisão específica ou solicita uma modificação ou informação relevante, que deverá ser atendida em 60 (sessenta) dias pelos pesquisadores;
- retirado: quando, transcorrido o prazo, o protocolo permanece pendente; - não aprovado; e - aprovado e encaminhado, com o devido parecer, para apreciação pela Comissão Nacional
de Ética em Pesquisa -CONEP/MS, nos casos previstos no capítulo VIII, item 4.c. c) manter a guarda confidencial de todos os dados obtidos na execução de sua tarefa e
arquivamento do protocolo completo, que ficará à disposição das autoridades sanitárias; d) acompanhar o desenvolvimento dos projetos através de relatórios anuais dos
pesquisadores; e) desempenhar papel consultivo e educativo, fomentando a reflexão em torno da ética na
ciência; f) receber dos sujeitos da pesquisa ou de qualquer outra parte denúncias de abusos ou
notificação sobre fatos adversos que possam alterar o curso normal do estudo, decidindo pela continuidade, modificação ou suspensão da pesquisa, devendo, se necessário, adequar o termo de consentimento. Considera-se como antiética a pesquisa descontinuada sem justificativa aceita pelo CEP que a aprovou;
g) requerer instauração de sindicância à direção da instituição em caso de denúncias de irregularidades de natureza ética nas pesquisas e, em havendo comprovação, comunicar à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa-CONEP/MS e, no que couber, a outras instâncias; e
h) manter comunicação regular e permanente com a CONEP/MS. VII.14 - Atuação do CEP: a) A revisão ética de toda e qualquer proposta de pesquisa envolvendo seres humanos não
poderá ser dissociada da sua análise científica. Pesquisa que não se faça acompanhar do respectivo protocolo não deve ser analisada pelo Comitê.
b) Cada CEP deverá elaborar suas normas de funcionamento, contendo metodologia de trabalho, a exemplo de: elaboração das atas; planejamento anual de suas atividades; periodicidade de reuniões; número mínimo de presentes para início das reuniões; prazos para emissão de pareceres; critérios para solicitação de consultas de experts na área em que se desejam informações técnicas; modelo de tomada de decisão, etc.
VIII - COMISSÃO NACIONAL DE ÉTICA EM PESQUISA (CONEP/MS) A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP/MS é uma instância colegiada, de
natureza consultiva, deliberativa, normativa, educativa, independente, vinculada ao Conselho Nacional de Saúde.
O Ministério da Saúde adotará as medidas necessárias para o funcionamento pleno da Comissão e de sua Secretaria Executiva.
VIII.1 - Composição: A CONEP terá composição multi e transdiciplinar, com pessoas de ambos os sexos e deverá ser composta por 13 (treze) membros titulares e seus respectivos suplentes, sendo 05 (cinco) deles personalidades destacadas no campo da ética na pesquisa e na saúde e 08 (oito) personalidades com destacada atuação nos campos teológico, jurídico e outros, assegurando-se
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que pelo menos um seja da área de gestão da saúde. Os membros serão selecionados, a partir de listas indicativas elaboradas pelas instituições que possuem CEP registrados na CONEP, sendo que 07 (sete) serão escolhidos pelo Conselho Nacional de Saúde e 06 (seis) serão definidos por sorteio. Poderá contar também com consultores e membros "ad hoc", assegurada a representação dos usuários.
VIII.2 - Cada CEP poderá indicar duas personalidades. VIII.3 - O mandato dos membros da CONEP será de quatro anos com renovação alternada a
cada dois anos, de sete ou seis de seus membros. VIII.4 - Atribuições da CONEP - Compete à CONEP o exame dos aspectos éticos da
pesquisa envolvendo seres humanos, bem como a adequação e atualização das normas atinentes. A CONEP consultará a sociedade sempre que julgar necessário, cabendo-lhe, entre outras, as seguintes atribuições:
a) estimular a criação de CEPs institucionais e de outras instâncias; b) registrar os CEPs institucionais e de outras instâncias; c) aprovar, no prazo de 60 dias, e acompanhar os protocolos de pesquisa em áreas temáticas
especiais tais como: 1- genética humana; 2- reprodução humana; 3- fármacos, medicamentos, vacinas e testes diagnósticos novos (fases I, II e III) ou não
registrados no país (ainda que fase IV), ou quando a pesquisa for referente a seu uso com modalidades, indicações, doses ou vias de administração diferentes daquelas estabelecidas, incluindo seu emprego em combinações;
4- equipamentos, insumos e dispositivos para a saúde novos, ou não registrados no país; 5- novos procedimentos ainda não consagrados na literatura; 6- populações indígenas; 7- projetos que envolvam aspectos de biossegurança; 8- pesquisas coordenadas do exterior ou com participação estrangeira e pesquisas que
envolvam remessa de material biológico para o exterior; e 9- projetos que, a critério do CEP, devidamente justificado, sejam julgados merecedores de
análise pela CONEP; d) prover normas específicas no campo da ética em pesquisa, inclusive nas áreas temáticas
especiais, bem como recomendações para aplicação das mesmas; e) funcionar como instância final de recursos, a partir de informações fornecidas
sistematicamente, em caráter ex-ofício ou a partir de denúncias ou de solicitação de partes interessadas, devendo manifestar-se em um prazo não superior a 60 (sessenta) dias;
f) rever responsabilidades, proibir ou interromper pesquisas, definitiva ou temporariamente, podendo requisitar protocolos para revisão ética inclusive, os já aprovados pelo CEP;
g) constituir um sistema de informação e acompanhamento dos aspectos éticos das pesquisas envolvendo seres humanos em todo o território nacional, mantendo atualizados os bancos de dados;
h) informar e assessorar o MS, o CNS e outras instâncias do SUS, bem como do governo e da sociedade, sobre questões éticas relativas à pesquisa em seres humanos;
i) divulgar esta e outras normas relativas à ética em pesquisa envolvendo seres humanos; j) a CONEP juntamente com outros setores do Ministério da Saúde, estabelecerá normas e
critérios para o credenciamento de Centros de Pesquisa. Este credenciamento deverá ser proposto pelos setores do Ministério da Saúde, de acordo com suas necessidades, e aprovado pelo Conselho Nacional de Saúde; e
l) estabelecer suas próprias normas de funcionamento. VIII.5 - A CONEP submeterá ao CNS para sua deliberação: a) propostas de normas gerais a serem aplicadas às pesquisas envolvendo seres humanos,
inclusive modificações desta norma;
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b) plano de trabalho anual; c) relatório anual de suas atividades, incluindo sumário dos CEP estabelecidos e dos projetos
analisados. IX – OPERACIONALIZAÇÃO IX.1 - Todo e qualquer projeto de pesquisa envolvendo seres humanos deverá obedecer às
recomendações desta Resolução e dos documentos endossados em seu preâmbulo. A responsabilidade do pesquisador é indelegável, indeclinável e compreende os aspectos éticos e legais.
IX.2 - Ao pesquisador cabe: a) apresentar o protocolo, devidamente instruído ao CEP, aguardando o pronunciamento
deste, antes de iniciar a pesquisa; b) desenvolver o projeto conforme delineado; c) elaborar e apresentar os relatórios parciais e final; d) apresentar dados solicitados pelo CEP, a qualquer momento; e) manter em arquivo, sob sua guarda, por 5 anos, os dados da pesquisa, contendo fichas
individuais e todos os demais documentos recomendados pelo CEP; f) encaminhar os resultados para publicação, com os devidos créditos aos pesquisadores
associados e ao pessoal técnico participante do projeto; g) justificar, perante o CEP, interrupção do projeto ou a não publicação dos resultados. IX.3 - O Comitê de Ética em Pesquisa institucional deverá estar registrado junto à
CONEP/MS. IX.4 - Uma vez aprovado o projeto, o CEP passa a ser co-responsável no que se refere aos
aspectos éticos da pesquisa. IX.5 - Consideram-se autorizados para execução, os projetos aprovados pelo CEP, exceto os
que se enquadrarem nas áreas temáticas especiais, os quais, após aprovação pelo CEP institucional deverão ser enviados à CONEP/MS, que dará o devido encaminhamento.
IX.6 - Pesquisas com novos medicamentos, vacinas, testes diagnósticos, equipamentos e dispositivos para a saúde deverão ser encaminhados do CEP à CONEP/MS e desta, após parecer, à Secretaria de Vigilância Sanitária.
IX.7 - As agências de fomento à pesquisa e o corpo editorial das revistas científicas deverão exigir documentação comprobatória de aprovação do projeto pelo CEP e/ou CONEP, quando for o caso.
IX.8 - Os CEP institucionais deverão encaminhar trimestralmente à CONEP/MS a relação dos projetos de pesquisa analisados, aprovados e concluídos, bem como dos projetos em andamento e, imediatamente, aqueles suspensos.
X. DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS X.1 - O Grupo Executivo de Trabalho-GET, constituído através da Resolução CNS 170/95,
assumirá as atribuições da CONEP até a sua constituição, responsabilizando-se por: a) tomar as medidas necessárias ao processo de criação da CONEP/MS; b) estabelecer normas para registro dos CEP institucionais; X.2 - O GET terá 180 dias para finalizar as suas tarefas. X.3 - Os CEP das instituições devem proceder, no prazo de 90 (noventa) dias, ao
levantamento e análise, se for o caso, dos projetos de pesquisa em seres humanos já em andamento, devendo encaminhar à CONEP/MS, a relação dos mesmos.
X4 - Fica revogada a Resolução 01/88.
ADIB D. JATENE
187
Presidente do Conselho Nacional de Saúde Homologo a Resolução CNS nº 196, de 10 de outubro de 1996, nos termos do Decreto de
Delegação de Competência de 12 de novembro de 1991.
ADIB D. JATENE Ministro de Estado da Saúde
188
ANEXO B – RELATÓRIO DA COMISSÃO DE INTEGRIDADE
DE PESQUISA DO CNPq
DIRETRIZES ÉTICAS DO CNPq
Brasília, 07 de Outubro de 2011
http://www.cnpq.br/normas/lei_po_085_11.htm
Relatório da Comissão de Integridade de Pesquisa do CNPq
A comissão instituída pela portaria PO-085/2011 de 5 de maio de 2011, constituída pelos
pesquisadores Alaor Silvério Chaves, Gilberto Cardoso Alves Velho, Jaílson Bittencourt de
Andrade, Walter Colli e coordenada pelo Dr. Paulo Sérgio Lacerda Beirão, diretor de
Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde do CNPq, vem apresentar seu relatório final
Introdução
A necessidade de boas condutas na pesquisa científica e tecnológica tem sido motivo de
preocupação crescente da comunidade internacional e no Brasil não é diferente. A má conduta
não é fenômeno recente, haja vista os vários exemplos que a história nos dá de fraudes e
falsificação de resultados. As publicações pressupõem a veracidade e idoneidade daquilo que
os autores registram em seus artigos, uma vez que não há verificação a priori dessa
veracidade. A Ciência tem mecanismos de correção, porque tudo o que é publicado é sujeito à
verificação por outros, independentemente da autoridade de quem publicou.
Como ilustração, podemos citar alguns exemplos emblemáticos, como o chamado “Homem
de Piltdown” - uma montagem de ossos humanos e de orangotango convenientemente
manipulados, que alegadamente seria o “elo perdido” na evolução da humanidade. Embora
adequada para as ideias então vigentes, a farsa foi desmascarada quando foi conferida com
novos métodos de datação com carbono radioativo. Outros exemplos podem ainda ser citados,
como o da criação de uma falsa linhagem de células-tronco embrionárias humanas que deu
origem a duas importantes publicações na revista Science em 2004 e 2005. Por esse feito, o
autor principal foi considerado o mais importante pesquisador de 2004. O que seria um feito
extraordinário mostrou ser uma fraude e resultou na demissão desse pesquisador e na exclusão
desses artigos da revista.
Essa autocorreção, no entanto, não é suficiente para impedir os efeitos danosos advindos da
fraude, seja por atrasar o avanço do conhecimento ou mesmo por consequências econômicas e
sociais resultantes do falso conhecimento. Um caso exemplar das consequências danosas que
podem ser causadas por fraudes científicas foi a rejeição dos princípios da genética, por meio
da manipulação de dados e informações com objetivos ideológicos e políticos, feita pelo então
189
presidente da Academia Soviética de Ciências, Trofim Lysenko. Essa falsificação, mesmo
sendo posteriormente contestada cientificamente, trouxe grande atraso na produção agrícola
da então União Soviética, o que contribuiu sobremaneira para a deterioração econômica e
sustentabilidade do regime soviético.
Esses casos mostram que resultados falsos ou errados podem atrasar acentuadamente o
avanço do conhecimento, sem contar com o custo, financeiro e humano, envolvido na
correção dos desvios. Mais difíceis de serem corrigidos são os problemas advindos de plágios,
onde o verdadeiro autor, seja de descobertas ou de textos, pode ter seu mérito subtraído com
possíveis prejuízos profissionais.
A falsificação de dados pode ser caracterizada quando as manipulações introduzidas alteram o
significado dos resultados obtidos. Por exemplo, introduzir ou apagar imagens em figuras
podem alterar a interpretação dos resultados. Algumas situações são consideradas legítimas,
como, por exemplo, o emprego de software de aumento de contraste usado por astrônomos
pode revelar objetos celestes dificilmente identificáveis de outra maneira. Alterações de
contraste ou brilho para melhorar a qualidade global de uma imagem são consideradas
legítimas se aplicadas a toda a imagem e descritas na publicação. Nesses casos a imagem
original deve ser mantida, e publicada como informação suplementar quando possível.
Além das referidas consequências danosas da falsificação e do plágio, essas práticas podem
favorecer indevidamente seus autores para conseguirem vantagens em suas carreiras e na
obtenção de auxílios financeiros. Em relação a isso, surge também como significativa a
prática crescente de autoplágio. Em um ambiente de competição para a obtenção de auxílios
financeiros, isso pode significar o investimento em pessoas e projetos imerecidos, em
detrimento daqueles que efetivamente são capazes de produzir avanços do conhecimento. A
existência de software capaz de identificar trechos já publicados de manuscritos submetidos
tem facilitado a prevenção de plágio e de autoplágio.
Por todas essas razões as más condutas na pesquisa são assunto de interesse das agências de
financiamento, que devem zelar pela boa aplicação de seus recursos em pessoas que sejam
capazes de produzir avanços efetivos (isto é, confiáveis) do conhecimento. Isso significa
instituir mecanismos que permitam identificar e desestimular as práticas fraudulentas na
pesquisa, e estimular a integridade na produção e publicação dos resultados de pesquisa.
Para lidar com esses problemas, a comissão recomenda que o CNPq tenha duas linhas de
ação: 1) ações preventivas e pedagógicas e 2) ações de desestímulo a más condutas, inclusive
de natureza punitiva.
Com relação às ações preventivas, é importante atuar pedagogicamente para orientar,
principalmente os jovens, nas boas práticas. É também importante definir as práticas que não
são consideradas aceitáveis pelo ponto de vista do CNPq. Como parte das ações preventivas,
o CNPq deve estimular que disciplinas com conteúdo ético e de integridade de pesquisa sejam
oferecidas nos cursos de pós-graduação e de graduação. Também a produção de material com
esses conteúdos em língua portuguesa deve ser estimulada e disponibilizada nas páginas do
190
CNPq. Como ponto de partida, algumas diretrizes orientadoras das boas práticas nas
publicações científicas, inclusive nos seus aspectos metodológicos, devem ser imediatamente
publicadas, podendo ser aperfeiçoadas com contribuições subsequentes. Há que se salientar
nessa direção a importância dos orientadores acadêmicos.
Com relação às atitudes corretivas e punitivas, recomenda-se a instituição de uma comissão
permanente pelo Conselho Deliberativo do CNPq, constituída de membros de alta
respeitabilidade e originados de diferentes áreas do conhecimento. Deverá caber a esta
comissão examinar situações em que surjam dúvidas fundamentadas quanto à integridade da
pesquisa realizada ou publicada por pesquisadores do CNPq - detentores de bolsa de
produtividade ou auxilio a pesquisa. Com relação a denúncias, é de se cuidar para não
estimular denúncias falsas ou infundadas. Caberá a essa comissão examinar os fatos
apresentados e decidir preliminarmente se há fundamentação que justifique uma investigação
específica, a ser realizada por especialistas da área nomeados ad hoc . Caberá também a essa
comissão, a partir dos pareceres dos especialistas, propor à Diretoria Executiva do CNPq os
desdobramentos adequados. Será também incumbência dessa comissão avaliar a qualidade do
material disponível sobre ética e integridade de pesquisa, a ser publicado nas páginas do
CNPq.
Definições
Podem-se identificar as seguintes modalidades de fraude ou má conduta em publicações:
Fabricação ou invenção de dados - consiste na apresentação de dados ou resultados
inverídicos.
Falsificação: consiste na manipulação fraudulenta de resultados obtidos de forma a alterar-
lhes o significado, sua interpretação ou mesmo sua confiabilidade. Cabe também nessa
definição a apresentação de resultados reais como se tivessem sido obtidos em condições
diversas daquelas efetivamente utilizadas.
Plágio: consiste na apresentação, como se fosse de sua autoria, de resultados ou conclusões
anteriormente obtidos por outro autor, bem como de textos integrais ou de parte substancial de
textos alheios sem os cuidados detalhados nas Diretrizes. Comete igualmente plágio quem se
utiliza de ideias ou dados obtidos em análises de projetos ou manuscritos não publicados aos
quais teve acesso como consultor, revisor, editor, ou assemelhado.
Autoplágio: consiste na apresentação total ou parcial de textos já publicados pelo mesmo
autor, sem as devidas referências aos trabalhos anteriores.
Diretrizes
1: O autor deve sempre dar crédito a todas as fontes que fundamentam diretamente seu
trabalho.
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2: Toda citação in verbis de outro autor deve ser colocada entre aspas.
3: Quando se resume um texto alheio, o autor deve procurar reproduzir o significado exato
das ideias ou fatos apresentados pelo autor original, que deve ser citado.
4: Quando em dúvida se um conceito ou fato é de conhecimento comum, não se deve deixar
de fazer as citações adequadas.
5: Quando se submete um manuscrito para publicação contendo informações, conclusões ou
dados que já foram disseminados de forma significativa (p.ex. apresentado em conferência,
divulgado na internet), o autor deve indicar claramente aos editores e leitores a existência da
divulgação prévia da informação.
6: se os resultados de um estudo único complexo podem ser apresentados como um todo
coesivo, não é considerado ético que eles sejam fragmentados em manuscritos individuais.
7: Para evitar qualquer caracterização de autoplágio, o uso de textos e trabalhos anteriores do
próprio autor deve ser assinalado, com as devidas referências e citações.
8: O autor deve assegurar-se da correção de cada citação e que cada citação na bibliografia
corresponda a uma citação no texto do manuscrito. O autor deve dar crédito também aos
autores que primeiro relataram a observação ou ideia que está sendo apresentada.
9: Quando estiver descrevendo o trabalho de outros, o autor não deve confiar em resumo
secundário desse trabalho, o que pode levar a uma descrição falha do trabalho citado. Sempre
que possível consultar a literatura original.
10: Se um autor tiver necessidade de citar uma fonte secundária (p.ex. uma revisão) para
descrever o conteúdo de uma fonte primária (p. ex. um artigo empírico de um periódico), ele
deve certificar-se da sua correção e sempre indicar a fonte original da informação que está
sendo relatada.
11: A inclusão intencional de referências de relevância questionável com a finalidade de
manipular fatores de impacto ou aumentar a probabilidade de aceitação do manuscrito é
prática eticamente inaceitável.
12: Quando for necessário utilizar informações de outra fonte, o autor deve escrever de tal
modo que fique claro aos leitores quais ideias são suas e quais são oriundas das fontes
consultadas.
13: O autor tem a responsabilidade ética de relatar evidências que contrariem seu ponto de
vista, sempre que existirem. Ademais, as evidências usadas em apoio a suas posições devem
ser metodologicamente sólidas. Quando for necessário recorrer a estudos que apresentem
deficiências metodológicas, estatísticas ou outras, tais defeitos devem ser claramente
apontados aos leitores.
14: O autor tem a obrigação ética de relatar todos os aspectos do estudo que possam ser
importantes para a reprodutibilidade independente de sua pesquisa.
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15: Qualquer alteração dos resultados iniciais obtidos, como a eliminação de discrepâncias ou
o uso de métodos estatísticos alternativos, deve ser claramente descrita junto com uma
justificativa racional para o emprego de tais procedimentos.
16: A inclusão de autores no manuscrito deve ser discutida antes de começar a colaboração e
deve se fundamentar em orientações já estabelecidas, tais como as do International
Committee of Medical Journal Editors.
17: Somente as pessoas que emprestaram contribuição significativa ao trabalho merecem
autoria em um manuscrito. Por contribuição significativa entende-se realização de
experimentos, participação na elaboração do planejamento experimental, análise de resultados
ou elaboração do corpo do manuscrito. Empréstimo de equipamentos, obtenção de
financiamento ou supervisão geral, por si só não justificam a inclusão de novos autores, que
devem ser objeto de agradecimento.
18: A colaboração entre docentes e estudantes deve seguir os mesmos critérios. Os
supervisores devem cuidar para que não se incluam na autoria estudantes com pequena ou
nenhuma contribuição nem excluir aqueles que efetivamente participaram do trabalho.
Autoria fantasma em Ciência é eticamente inaceitável.
19: Todos os autores de um trabalho são responsáveis pela veracidade e idoneidade do
trabalho, cabendo ao primeiro autor e ao autor correspondente responsabilidade integral, e aos
demais autores responsabilidade pelas suas contribuições individuais.
20: Os autores devem ser capazes de descrever, quando solicitados, a sua contribuição pessoal
ao trabalho.
21: Todo trabalho de pesquisa deve ser conduzido dentro de padrões éticos na sua execução,
seja com animais ou com seres humanos.
Referências
Roig, M. (2006) Avoiding plagiarism, self-plagiarism, and other questionable writing
practices: A guide to ethical writing. http:// facpub.stjohns.edu/~ roig m/plagiarism/
Angell, M. and A.S. Relman (1989). Redundant publication. New England Journal of
Medicine, 320, 1212-14.
Kassirer, J. P. & Angell, M. (1995). Redundant publication: A reminder. The New England
Journal of Medicine, 333, 449-450. Retrieved, March 7, 2003
from http://content.nejm.org/cgi/content/full/333/7/449 .
International Committee of Medical Journal Editors.
http://www.icmje.org/ethical_1author.html
European Science Foundation (2010) Fostering Research Integrity in Europe
193
ANEXO C - CÓDIGO DE BOAS PRÁTICAS CIENTÍFICAS - FAPESP CÓDIGO DE BOAS PRÁTICAS CIENTÍFICAS - FAPESP (Versão de 05/09/2011) RUA PIO XI, 1500 - CEP 05468-901 - SÃO PAULO - SP - TEL. : (011) 3838.4000 - FAX: 3645-2421. 1. PREÂMBULO Este código estabelece diretrizes éticas para as atividades científicas dos pesquisadores beneficiários de auxílios e bolsas da FAPESP e para o exercício da função de avaliador científico pelos assessores da FAPESP. É também aplicável às instituições e organizações de qualquer natureza, públicas ou privadas, que se apresentem perante a FAPESP como sedes de atividades científicas (aqui chamadas genericamente de instituições de pesquisa) e aos periódicos científicos apoiados pela FAPESP. Entende-se aqui por atividade científica toda atividade que vise diretamente à concepção e realização de pesquisas científicas, à comunicação de seus resultados, à interação científica entre pesquisadores e à orientação ou supervisão de processos de formação de pesquisadores. Entende-se aqui por pesquisa científica toda investigação original que vise a contribuir para a constituição de uma ciência. Entende-se por ciência todo corpo racionalmente sistematizado e justificado de conhecimentos, obtido por meio do emprego metódico da observação, experimentação e raciocínio. Essa definição ampla aplica-se às chamadas Ciências Exatas, Naturais e Humanas, bem como às disciplinas tecnológicas e àquelas ordinariamente incluídas entre as chamadas Humanidades. As diretrizes estabelecidas neste código concernem a uma parte da esfera da ética profissional do cientista. Elas concernem apenas à integridade ética da pesquisa científica enquanto tal, ou seja, aos valores e padrões éticos de conduta que derivam direta e especificamente do compromisso do cientista com a finalidade mesma de sua profissão: a construção coletiva da ciência como um patrimônio coletivo. Partindo-se do princípio de que as questões de integridade ética da pesquisa devem ser objeto de autorregulação e autocontrole por parte da comunidade científica, sua codificação pretende auxiliar os pesquisadores a responderem, em situações particulares, às seguintes questões. Como devo conduzir minhas atividades de pesquisa para que delas resulte a melhor contribuição à ciência? Como devo me conduzir em relação a outros pesquisadores para que a comunidade científica funcione e se reproduza da melhor maneira? Assim, este código não trata de inúmeros aspectos eticamente importantes das atividades científicas, concernentes a valores éticos mais universais que os estritamente científicos e, por isso, já regulados por instrumentos legais específicos, cuja eficácia cumpre às instituições de pesquisa assegurar. Dá-se por evidente que tais aspectos devem ser considerados por todo pesquisador, no curso de suas atividades científicas, e por toda instituição de pesquisa. Em particular, este código não trata de questões relativas à honestidade na gestão de recursos financeiros nem daquelas que constituem a esfera de aplicação da Bioética – relativas, por exemplo, ao respeito à integridade física, psicológica e moral dos sujeitos de experimentos, ao tratamento adequado dos animais necessários para a realização de pesquisas e à preservação do meio ambiente e da saúde pública. Não se pretende que este código seja exaustivo nem passível de aplicação mecânica. Nele, formulam-se definições e diretrizes gerais, cuja aplicação pode requerer interpretação, à luz das circunstâncias particulares em que as pesquisas se realizem, e também a consideração conjunta de valores mais específicos, derivados da singularidade dos diferentes campos e modalidades da pesquisa científica. Trata-se, em suma, de apresentar um conjunto mínimo de
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preceitos gerais, a serem especificados e complementados pelas diferentes pessoas e instituições envolvidas com a pesquisa científica, segundo suas condições e necessidades próprias. A experiência mostra que essa especificação e essa complementação frequentemente requerem um esforço de interpretação dos preceitos que não dispensa recurso a juízos não triviais, científicos e não científicos. Nessa medida, a aplicação deste código pressupõe que pesquisadores e instituições se mantenham em estado de atenção contínua às questões de integridade ética da pesquisa. O estabelecimento deste código valeu-se da experiência internacional no tratamento da questão da integridade ética da pesquisa, acumulada nas últimas décadas. Os resultados dessa experiência encontram expressão nos códigos de conduta e manuais de procedimentos adotados por importantes agências internacionais de fomento. Podem ser mencionados, entre outros, os manuais de procedimentos da National Science Foundation (ver http://www.nsf.gov/oig/resmisreg.pdf) e dos National Institutes of Health (ver http://ori.dhhs.gov/documents/42_cfr_parts_50_and_93_2005.pdf), dos Estados Unidos da América; o código de conduta dos Research Councils UK (ver http://www.rcuk.ac.uk/documents/reviews/grc/goodresearchconductcode.pdf), do Reino Unido; o código de conduta das agências australianas de fomento (ver http://www.nhmrc.gov.au/_files_nhmrc/publications/attachments/r39.pdf); o código de conduta da European Science Foundation (ver http://www.esf.org/publications). 2. DIRETRIZES PARA AS ATIVIDADES CIENTÍFICAS. Estas diretrizes repousam sobre o princípio geral de que todo cientista é eticamente responsável pelo avanço da ciência. Na concepção, proposição e realização de pesquisas, na comunicação de seus resultados e nas relações de cooperação e tutoria com outros pesquisadores, o cientista deve conduzir-se com honestidade intelectual, objetividade e imparcialidade, veracidade, justiça e responsabilidade. A presunção de que esses valores prevalecem na atividade de pesquisa é inseparável da presunção da fidedignidade dos resultados dessa atividade, sendo, por isso, condição de possibilidade da construção, apropriação e usufruto coletivos da ciência. As diretrizes abaixo resultam da aplicação desses valores fundamentais a diferentes dimensões da atividade científica. 2.1. Sobre a concepção, a proposição e a realização da pesquisa. 2.1.1. Ao conceber um projeto de pesquisa e propô-lo à FAPESP para fomento, o pesquisador deve visar a oferecer uma contribuição que julgue ser original e relevante ao avanço da ciência. 2.1.2. Ao conceber um projeto de pesquisa e propô-lo à FAPESP para fomento, o pesquisador deve estar convencido de que dispõe da capacidade científica para bem realizá-lo, assim como dos recursos humanos e institucionais necessários para sua boa realização. 2.1.3. Ao conceber um projeto de pesquisa e propô-lo à FAPESP para fomento, o pesquisador deve expor com precisão e objetividade os fatores positivos e negativos que julgue capazes de influir na determinação do grau de originalidade, relevância e viabilidade do projeto. 2.1.4. Ao conceber um projeto de pesquisa e propô-lo à FAPESP para fomento, o pesquisador deve declarar a existência de qualquer conflito potencial de interesses (ver seção 2.4 abaixo) que possa afetar a fidedignidade científica dos resultados do desenvolvimento do projeto. 2.1.5. Ao conceber e realizar um projeto de pesquisa, o pesquisador deve lançar mão dos procedimentos que julgue serem cientificamente os mais apropriados e deve realizá-los da maneira que julgue ser cientificamente a mais apropriada para a obtenção dos fins científicos visados. 2.1.6. Ao realizar um projeto de pesquisa em colaboração com outros pesquisadores ou como membro de uma equipe, o pesquisador deve, até a publicação dos resultados finais da
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pesquisa, manter em sigilo os dados e informações coletados, os procedimentos realizados e os resultados parciais obtidos, exceto quando sua divulgação for expressamente autorizada por todos os colaboradores ou por todos os coordenadores da equipe. 2.1.7. Ao propor um projeto de pesquisa à FAPESP para fomento, o pesquisador deve informar seus dados curriculares de maneira veraz, completa e precisa. 2.2. Sobre a comunicação dos resultados da pesquisa e a autoria. 2.2.1. Ao comunicar os resultados de sua pesquisa, por meio de um trabalho científico, o pesquisador deve expô-los com precisão, assim como todos os dados, informações e procedimentos que julgue terem sido relevantes para sua obtenção e justificação científicas. Nas situações em que essa exposição seja inviabilizada por razões éticas ou legais, esse fato deve ser expressamente mencionado no trabalho. 2.2.2. Um trabalho científico que exponha resultados de pesquisa realizada em situação de conflito potencial de interesses (ver seção 2.4 abaixo) deve conter, de maneira clara e destacada, a declaração de existência desse conflito. De modo geral, o trabalho deve conter a indicação expressa de todas as fontes de apoio material, direto ou indireto, à realização e divulgação da pesquisa. 2.2.3. Em um trabalho científico, pressupõe-se que toda ideia ou formulação verbal, oral ou escrita, que seja nele utilizada e não seja evidentemente de domínio público na área de pesquisa em questão, seja uma contribuição original dos pesquisadores indicados como autores do trabalho. Se não for esse o caso, a ideia ou formulação deve ser expressamente creditada, no trabalho, a seus autores, independentemente de já ter sido por eles divulgada em trabalho científico. 2.2.4. Todo pesquisador que submeta a um veículo de publicação trabalho científico idêntico, ou substancialmente semelhante, a trabalho também submetido a outro veículo, ou já publicado em outro veículo, deve declarar expressamente o fato ao editor do veículo no momento da submissão. 2.2.5. Todo pesquisador que publicar trabalho científico idêntico, ou substancialmente semelhante, a trabalho já publicado deve mencionar expressa e destacadamente o fato no texto do trabalho. 2.2.6. Em um trabalho científico, devem ser indicados como seus autores todos e apenas os pesquisadores que, tendo concordado expressamente com essa indicação, tenham dado contribuições intelectuais diretas e substanciais para a concepção ou realização da pesquisa cujos resultados são nele apresentados. Em particular, a cessão de recursos infraestruturais ou financeiros para a realização de uma pesquisa (laboratórios, equipamentos, insumos, materiais, recursos humanos, apoio institucional, etc.) não é condição suficiente para uma indicação de autoria de trabalho resultante dessa pesquisa. 2.2.7. Cada um dos autores de um trabalho científico é responsável pela qualidade científica desse trabalho como um todo, a menos que os limites de sua contribuição científica para a obtenção dos resultados expostos no trabalho sejam nele expressa e precisamente definidos. 2.3. Sobre o registro, conservação e acessibilidade de dados e informações. 2.3.1. Dados e informações coletados, procedimentos realizados e resultados parciais obtidos no curso da realização de uma pesquisa devem ser registrados pelos pesquisadores de maneira precisa e completa. 2.3.2. Os registros de uma pesquisa devem ser conservados de maneira segura durante um período considerável após a publicação dos resultados da pesquisa. A extensão desse período pode variar segundo a área e as características próprias da pesquisa, mas não deve ser inferior a cinco anos. Os pesquisadores e suas instituições de pesquisa são corresponsáveis por essa conservação.
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2.3.3. Os registros de uma pesquisa em relação à qual tenham sido levantadas questões de correção científica ou ética devem ser conservados até que essas questões sejam completamente dirimidas. 2.3.4. Os registros de uma pesquisa devem, após a publicação de seus resultados, ser acessíveis a outros pesquisadores, a fim de que possam verificar a correção da pesquisa, replicá-la ou dar-lhe continuidade. Tal acessibilidade apenas pode ser limitada por razões éticas ou legais. 2.4. Sobre o conflito potencial de interesses. 2.4.1. Há conflito potencial de interesses nas situações em que a coexistência entre o interesse que deve ter o pesquisador de fazer avançar a ciência e interesses de outra natureza, ainda que legítimos, possa ser razoavelmente percebida, por ele próprio ou por outrem, como conflituosa e prejudicial à objetividade e imparcialidade de suas decisões científicas, mesmo independentemente de seu conhecimento e vontade. 2.4.2. Nessas situações, o pesquisador deve ponderar, em função da natureza e gravidade do conflito, sua aptidão para tomar essas decisões e, eventualmente, deve abster-se de tomá-las. 2.4.3. Nos casos em que o pesquisador esteja convencido de que um conflito potencial de interesses não prejudicará a objetividade e imparcialidade de suas decisões científicas, a existência do conflito deve ser clara e expressamente declarada a todas as partes interessadas nessas decisões, logo quando tomadas. 2.5. Sobre a avaliação pelos pares. 2.5.1. Todo pesquisador credenciado a solicitar auxílios e bolsas à FAPESP deve dispor-se a emitir pareceres de mérito científico sobre assuntos de sua área, ou área correlata, sempre que por ela isso lhe seja requerido, exceto em razão da existência de conflitos potenciais de interesses ou por razões de força maior. 2.5.2. Todo pesquisador encarregado pela FAPESP de avaliar, como assessor científico, o mérito científico de solicitações de fomento, relatórios ou assuntos de qualquer outra espécie deve fazê-lo com rigor, objetividade, imparcialidade e presteza. 2.5.3. Na emissão de pareceres de mérito científico solicitados pela FAPESP, o interesse em realizar a melhor avaliação científica do documento em questão deve prevalecer sobre interesses de outra natureza, ainda que legítimos. Em particular, divergências de juízos científicos não devem ser tomadas como razões suficientes para a emissão de parecer desfavorável ao mérito científico do documento avaliado. 2.5.4. Todo assessor científico da FAPESP deve, antes de proceder a uma avaliação de mérito científico que lhe tenha sido solicitada, considerar a possibilidade de que realizar essa avaliação o envolva em situação de conflito potencial de interesses. Reconhecido tal envolvimento, o assessor deve abster-se de realizar a avaliação e comunicar imediatamente o fato à FAPESP. Em caso de dúvida, a Diretoria Científica da FAPESP deve ser imediatamente consultada. 2.5.5. A FAPESP considera serem situações inequívocas de conflito potencial de interesses, entre outras, as seguintes. (a) Participar, ter participado ou pretender participar o assessor do desenvolvimento de projeto de pesquisa ou proposta de atividades submetidos à sua avaliação. (b) Manter ou ter mantido o assessor colaboração científica regular, em atividades de pesquisa ou publicações, com algum dos pesquisadores responsáveis pela proposta submetida à sua avaliação. (c) Manter ou ter mantido o assessor relação formal de tutoria (orientação ou supervisão) com algum dos pesquisadores responsáveis pela proposta submetida à sua avaliação. (d) Ter o assessor interesse comercial ou financeiro no desenvolvimento ou não da proposta submetida à sua avaliação.
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(e) Ter o assessor relação familiar com algum dos pesquisadores responsáveis pela proposta submetida à sua avaliação. (f) Existir ou ter existido, entre o assessor e algum dos pesquisadores responsáveis pela proposta submetida à sua avaliação, qualquer espécie de relação que possa ser razoavelmente percebida como prejudicial com respeito à objetividade e imparcialidade dessa avaliação. 2.5.6. A identidade do autor de avaliação de mérito científico solicitada pela FAPESP deve ser mantida sob sigilo, seja pelo próprio autor, seja pela FAPESP, a menos que o contrário seja expressamente acordado entre eles. No caso de seus assessores científicos ad hoc, a FAPESP apenas concordará com a quebra do sigilo em circunstâncias inequivocamente excepcionais. 2.5.7. Os assessores científicos da FAPESP devem tratar como confidenciais quaisquer informações a que tenham tido acesso exclusivamente no exercício de sua função de avaliadores, não fazendo uso delas para fins próprios, científicos ou não científicos, exceto mediante acordo expresso dos autores das propostas ou documentos avaliados. A obtenção desse acordo deve sempre acontecer com a concordância expressa e pela intermediação da FAPESP. 2.5.8. A FAPESP deve ser imediatamente informada da possível ocorrência de má conduta científica, ou qualquer procedimento eticamente condenável, de que um assessor científico tome conhecimento no curso de avaliação que por ela lhe tenha sido solicitada. 2.6. Sobre a tutoria. 2.6.1. Ao aceitar a função de tutor formal (orientador ou supervisor) de um pesquisador em formação, o pesquisador deve estar seguro de que dispõe de competência científica, tempo e quaisquer outras condições que sejam necessárias para o bom desempenho dessa função. Ao desempenhá-la, seu interesse em proporcionar ao tutelado a melhor formação científica deve prevalecer sobre interesses de outra natureza, ainda que legítimos. 2.6.2. Durante o período da tutela, os tutores são corresponsáveis pela qualidade científica e ética das atividades de pesquisa de seus tutelados, bem como dos relatos de seus resultados. 2.6.3. Além de oferecer a seus tutelados orientação e treinamento científicos adequados, todo tutor deve incentivar e facilitar sua participação em atividades de educação, treinamento e orientação sistemáticas e regulares relativamente a questões de integridade ética da pesquisa. Tais atividades, bem como a discussão frequente dessas questões com seus tutelados, devem ser previstas nos planos de atividades dos bolsistas da FAPESP e constituirão item importante na avaliação dos pedidos de bolsa a ela encaminhados. 2.6.4. Tutores devem assegurar-se de que as contribuições científicas resultantes de atividades de pesquisa por eles orientadas ou supervisionadas sempre recebam crédito adequado à sua natureza e importância. 3. SOBRE AS MÁS CONDUTAS CIENTÍFICAS. Entende-se por má conduta científica toda conduta de um pesquisador que, por intenção ou negligência, transgrida os valores e princípios que definem a integridade ética da pesquisa científica e das relações entre pesquisadores, tal como os formulados neste código. A má conduta científica não se confunde com o erro científico cometido de boa fé nem com divergências honestas em matéria científica. A gravidade de uma má conduta científica mede-se por quão seja evidente a intenção de fraudar ou grave a negligência com que tenha sido praticada; por quanto se desvie das práticas consensualmente tidas como eticamente aceitáveis pela comunidade científica; e por quanto maior seja seu potencial deletério em relação à fidedignidade dos pesquisadores e da ciência em geral. As más condutas graves mais típicas e frequentes são as seguintes.
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(a) A fabricação, ou afirmação de que foram obtidos ou conduzidos dados, procedimentos ou resultados que realmente não o foram. (b) A falsificação, ou apresentação de dados, procedimentos ou resultados de pesquisa de maneira relevantemente modificada, imprecisa ou incompleta, a ponto de poder interferir na avaliação do peso científico que realmente conferem às conclusões que deles se extraem. (c) O plágio, ou utilização de ideias ou formulações verbais, orais ou escritas, de outrem sem dar-lhe por elas, expressa e claramente, o devido crédito, de modo a gerar razoavelmente a percepção de que sejam ideias ou formulações de autoria própria. 3.1. Nenhum pesquisador deve facilitar, por ação ou omissão, a ocorrência ou o ocultamento da ocorrência de más condutas científicas. Em caso de dúvida, o pesquisador deve aconselhar-se com o órgão competente de sua instituição de pesquisa ou com a FAPESP. 3.2. Todo pesquisador deve colaborar com a investigação de possíveis casos de má conduta científica conduzida por instituições de pesquisa ou pela FAPESP. 3.3. Nenhum pesquisador deve praticar ou facilitar, por ação ou omissão, qualquer ato que possa ser razoavelmente percebido como retaliatório em relação a quem informe, de boa fé, uma instituição de pesquisa ou a FAPESP acerca da ocorrência de possíveis más condutas científicas ou colabore com sua investigação. 3.4. É considerado ser má conduta científica prestar, de má fé ou por negligência, falsa informação sobre a ocorrência de possíveis más condutas científicas. 4. SOBRE A RESPONSABILIDADE DAS INSTITUIÇÕES DE PESQUISA. As instituições de pesquisa compartilham com os pesquisadores individuais a responsabilidade pela preservação da integridade ética da pesquisa científica. Elas são as responsáveis principais pela promoção de uma cultura de boa conduta científica entre os pesquisadores e estudantes a ela vinculados, assim como pela prevenção, investigação e punição de más condutas científicas que ocorram em seu âmbito. 4.1. Toda instituição de pesquisa deve ter políticas e procedimentos claramente formulados para lidar com a questão da integridade ética da pesquisa. 4.2. Toda instituição que se apresente perante a FAPESP como sede de atividades de pesquisa deve incluir, em seu organograma, um ou mais órgãos especificamente encarregados de: (a) promover a cultura da integridade ética da pesquisa, mediante programas regulares de educação, disseminação, aconselhamento e treinamento acessíveis a todos os pesquisadores a ela vinculados; (b) investigar e, se for o caso, punir a ocorrência de possíveis más condutas científicas e reparar os prejuízos científicos que tenham causado. 4.3. Todo periódico científico deve prever a utilização regular de procedimentos de identificação de más condutas científicas durante os processos de avaliação de trabalhos científicos que lhe sejam submetidos para publicação. Essa utilização regular será considerada pela FAPESP como item importante na avaliação de pedidos de Auxílio à Publicação que lhe sejam encaminhados. Uma vez identificada a ocorrência de má conduta científica relacionada a pesquisa apoiada pela FAPESP, os editores do periódico devem imediatamente informá-la às instituições de pesquisa dos autores do trabalho científico em causa e à FAPESP. 4.4. Quando estabelecida a ocorrência de má conduta científica que possa ter afetado o valor científico de um trabalho já publicado em um periódico, este deve divulgar clara e expressamente o fato em seu número imediatamente seguinte. 5. SOBRE A ALEGAÇÃO, A INVESTIGAÇÃO E A DECLARAÇÃO DE MÁS CONDUTAS CIENTÍFICAS. 5.1. Sendo a integridade ética da pesquisa objeto de autorregulação e autocontrole pela comunidade científica, todo pesquisador que tenha suspeitas fundadas da possível ocorrência de más condutas científicas relacionadas a pesquisa apoiada pela FAPESP deve, em
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circunstâncias ordinárias, informá-las à instituição em que essa pesquisa tenha se realizado – ou, em circunstâncias extraordinárias, diretamente à FAPESP. Entende-se aqui por alegação de má conduta científica toda informação, transmitida por qualquer meio, sobre possíveis evidências da ocorrência de má conduta científica. 5.2. Toda instituição de pesquisa deve definir formalmente procedimentos claros, justos e rigorosos para o recebimento e a investigação de alegações de más condutas científicas. Neste código, formula-se um conjunto mínimo de diretrizes a serem obedecidas no caso de alegações de más condutas científicas relacionadas a pesquisas apoiadas pela FAPESP, sem prejuízo da obediência a outras prescrições eventualmente estabelecidas pela instituição. 5.3. Em toda entidade de pesquisa, deve haver um órgão exclusivamente encarregado de receber alegações de más condutas científicas relacionadas a pesquisas nela realizadas, avaliar seu grau de fidedignidade e especificidade e, se for o caso, iniciar e coordenar a investigação dos fatos alegados. Esse órgão será aqui chamado de órgão encarregado. 5.4. Avaliação Preliminar. Ao receber uma alegação de más condutas científicas relacionadas a pesquisa apoiada pela FAPESP, o órgão encarregado deve iniciar um processo de avaliação preliminar, destinado a determinar: (a) se a definição de má conduta científica se aplica aos fatos alegados; (b) se a alegação é suficientemente fidedigna e específica para, eventualmente em conjunção com outras informações disponíveis ou facilmente acessíveis, tornar plausível a existência de evidências da ocorrência dos fatos alegados e, portanto, justificar o início de um processo de investigação formal. 5.4.1. Ordinariamente, um processo de avaliação preliminar deve ser realizado em prazo não superior a 30 dias, contado a partir do recebimento da alegação. 5.4.2. Um processo de avaliação preliminar deve ser conduzido por uma ou mais pessoas formalmente indicadas para fazê-lo pelo órgão encarregado. Essas pessoas devem ter o conhecimento especializado requerido pela natureza da alegação em causa e não devem ter conflitos potenciais de interesse que possam ser razoavelmente percebidos como prejudiciais à imparcialidade da avaliação. 5.4.3. No caso de alegação de más condutas científicas consideradas graves pelo órgão encarregado, segundo os critérios definidos na seção 3 acima, o processo de avaliação preliminar deve ser conduzido por comissão composta por ao menos três pessoas. Toda alegação de fabricação, falsificação ou plágio (conforme as definições formuladas na seção 3 acima) deve ser considerada como alegação de má conduta científica grave. 5.4.4. No final do processo de avaliação preliminar, quem o tiver conduzido deve expor e justificar as conclusões do processo em relatório circunstanciado. 5.4.5. Se a avaliação preliminar concluir ser plausível a possibilidade de terem ocorrido más condutas científicas, o órgão encarregado deve ordinariamente notificar os acusados pela má conduta e a FAPESP sobre a existência e a natureza da alegação, encaminhando-lhes o relatório com as conclusões da avaliação preliminar. Deve iniciar imediatamente um processo formal de investigação das más condutas alegadas, a menos que os acusados admitam sua ocorrência e assumam por elas inteira responsabilidade. No caso de haver tal admissão, a declaração de sua ocorrência deve ser anexada ao relatório da avaliação preliminar e imediatamente transmitida à FAPESP. Em situações extraordinárias, quando a notificação imediata dos acusados puder claramente prejudicar o processo de investigação dos fatos alegados, ela poderá ser postergada, pelo menor prazo claramente justificável pelas necessidades do processo. 5.4.6. No caso de alegação de más condutas consideradas graves, quaisquer que sejam as conclusões do processo de avaliação preliminar, a existência e a natureza da alegação devem ser informadas à FAPESP e a ela deve ser encaminhado o relatório da comissão que conduziu o processo.
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5.4.7. Tratando-se de alegação de más condutas científicas não consideradas graves, se o processo de avaliação preliminar concluir que ela se refere substancialmente a divergências de pesquisadores entre si ou com quaisquer outras pessoas, físicas ou jurídicas, o órgão encarregado deve esforçar-se para solucionar essas divergências mediante procedimentos de mediação e arbitragem. Solucionadas as divergências, o caso pode ser dado por encerrado, desde que disso não resultem prejuízos potenciais para terceiros. O órgão encarregado deve então informar a FAPESP sobre a existência e a natureza da alegação e a solução encontrada para as divergências. 5.5. Processo Formal de Investigação. Um processo formal de investigação de más condutas científicas destina-se a: (a) coletar e avaliar as evidências e outros elementos de convicção, como depoimentos e pareceres técnicos de consultores ad hoc, que sejam relevantes para o estabelecimento do grau de probabilidade de terem ocorrido as más condutas alegadas; (b) determinar, com base na ponderação das probabilidades, se as evidências e outros elementos de convicção avaliados como favoráveis à conclusão de que tenham ocorrido as más condutas alegadas preponderam sobre os desfavoráveis; (c) caso preponderem, determinar o grau de gravidade dessas más condutas e o grau de responsabilidade que por elas deva ser atribuído aos acusados; (d) sugerir medidas punitivas e corretivas, relativamente aos prejuízos científicos causados pelas más condutas alegadas, a serem tomadas pela instituição de pesquisa. 5.5.1. Ordinariamente, um processo formal de investigação deve ser realizado em prazo não superior a 90 dias, contado a partir do final do processo de avaliação preliminar. 5.5.2. O início de um processo formal de investigação deve ser imediatamente notificado aos acusados e à FAPESP. Essa notificação não se confunde com aquela prevista na seção 5.4.5 acima. 5.5.3. O processo formal de investigação deve ser conduzido por uma ou mais pessoas formalmente indicadas para fazê-lo pelo órgão encarregado. Essas pessoas devem ter o conhecimento especializado requerido pela natureza da alegação em causa e não devem ter conflitos potenciais de interesse que possam ser razoavelmente percebidos como prejudiciais à imparcialidade da avaliação. 5.5.3.1.. No caso de alegação de más condutas científicas consideradas graves, o processo formal de investigação deve ser conduzido por comissão composta por ao menos três pessoas, que não tenham participado da condução do processo de avaliação preliminar. Ao menos um dos membros da comissão deve não ter vínculo formal com a instituição de pesquisa envolvida. 5.5.4. Todo processo formal de investigação deve ser rigoroso, imparcial e justo, sendo garantido aos acusados o direito irrestrito de defesa. Durante o processo, os acusados deverão ser informados e convidados a se manifestar a respeito de todas as evidências e outros elementos de convicção coletados e avaliados como relevantes para as conclusões da investigação. 5.5.5. A quem conduza um processo formal de investigação, a instituição de pesquisa deve assegurar acesso a todos os registros e relatos da pesquisa a que estejam relacionadas as más condutas científicas em causa, exceto àqueles legalmente protegidos por restrições de confidencialidade. 5.5.6. Todas as pessoas que tenham participação ativa em um processo formal de investigação devem declarar expressamente, de antemão, a existência ou inexistência de quaisquer conflitos potenciais de interesses que possam ser razoavelmente percebidos como prejudiciais à imparcialidade de sua participação no processo.
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5.5.7. No curso de um processo formal de investigação, deve-se compatibilizar, da maneira mais equilibrada, o rigor da investigação com o direito dos acusados à presunção de inocência e à preservação de suas reputações. 5.5.8. Exceto por razões de saúde ou segurança públicas, todo processo formal de investigação de más condutas científicas deve transcorrer com o maior grau de confidencialidade compatível com sua condução rigorosa e justa. No curso do processo, todos os que dele participem, com a exceção dos acusados, devem manter sigilo a respeito de todas as informações obtidas em virtude dessa participação; relatos e registros a ele concernentes apenas poderão ser informados à direção da instituição de pesquisa e à FAPESP. O conhecimento da identidade das pessoas de algum modo envolvidas no processo deve ser dado exclusivamente a quem dele tenha necessidade, em vista da condução justa e rigorosa da investigação. 5.5.9. Todos os trâmites de um processo formal de investigação, assim como todas as evidências e outros elementos de convicção coletados e avaliados, devem ser registrados e os registros devem ser conservados por um período não inferior a cinco anos. Cópias desses registros, bem como quaisquer informações sobre o processo, podem ser requisitadas pela FAPESP a qualquer momento. 5.5.10. Uma vez iniciado, um processo formal de investigação apenas pode ser interrompido caso os acusados expressamente admitam a ocorrência das más condutas científicas alegadas e assumam por elas responsabilidade integral. Em particular, a retirada de uma denúncia de más condutas científicas e a dissolução do vínculo entre os acusados e a instituição de pesquisa não interrompem o processo. 5.5.11. No final do processo formal de investigação, quem o tiver conduzido deve, em relatório final circunstanciado, expor as conclusões obtidas e justificá-las, com base nas evidências e outros elementos de convicção examinados. Esse relatório deve ser encaminhado aos acusados, para que, em um prazo não superior a 30 dias, o comentem, se julgarem cabível. Passado esse prazo, o processo formal de investigação é encerrado e seu relatório final, acompanhado dos eventuais comentários dos acusados a seu respeito, deve ser encaminhado à FAPESP. 5.6. Declaração Decisória. Com base no relatório final do processo formal de investigação e nos comentários dos acusados a seu respeito, ou na confissão expressa dos acusados, a instituição de pesquisa deve fazer uma declaração decisória circunstanciada e justificada, que deve conter suas conclusões a respeito dos tópicos (b), (c) e (d) da seção 5.5 acima. Se for o caso, a declaração decisória deve conter também as medidas punitivas e corretivas, relativamente aos prejuízos científicos causados pelas más condutas em questão, a serem tomadas em consequência do reconhecimento da ocorrência dessas más condutas. 5.6.1. Ordinariamente, a emissão da declaração decisória deve ocorrer em um prazo não superior a 60 dias, contado a partir do encerramento do processo formal de investigação. 5.6.2. A gravidade das medidas punitivas e corretivas que sejam tomadas em consequência do reconhecimento da ocorrência das más condutas científicas deve ser proporcional à gravidade dessas más condutas. 5.6.3. Uma vez emitida, a declaração decisória deve ser imediatamente encaminhada à FAPESP. 5.7. A FAPESP e as instituições de pesquisa são corresponsáveis por garantir que toda alegação de má conduta científica relacionada a pesquisa por ela apoiada seja adequadamente avaliada e investigada e, se for o caso, sejam tomadas a seu respeito as medidas punitivas e corretivas cabíveis. 5.7.1. A FAPESP receberá formalmente qualquer alegação de má conduta relacionada a pesquisa por ela apoiada, encaminhada pela instituição em que essa pesquisa se realize ou tenha se realizado ou diretamente, por qualquer pessoa ou outra instituição. Ao receber
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diretamente uma alegação, ou dela tomar conhecimento, por qualquer meio, a FAPESP imediatamente notificará, sobre a existência e natureza da alegação, a instituição em que se realize ou tenha se realizado a pesquisa, para que esta execute os procedimentos previstos neste código. 5.8. Sobre qualquer alegação de más condutas científicas relacionadas a pesquisa por ela apoiada, a FAPESP poderá, a qualquer momento e a seu critério, iniciar e realizar processos independentes de avaliação e investigação. A condução desses processos obedecerá, mutatis mutandis, às diretrizes que compõem as seções 5.4 e 5.5 acima. 5.9. Ao tomar conhecimento de uma alegação de má conduta científica, a FAPESP poderá, levando em conta a gravidade das más condutas alegadas e as evidências disponíveis a seu respeito, suspender temporariamente a vigência de auxílio ou bolsa relacionado a essa alegação, desde que isso se mostre necessário para a proteção dos interesses da ciência ou para a preservação da saúde, da segurança e dos recursos públicos. 5.10. Sobre cada alegação de más condutas científicas que tenha recebido e julgado ser passível de investigação, a FAPESP emitirá sua própria declaração decisória, obedecendo, mutatis mutandis, às diretrizes que compõem a seção 5.6 acima. Para emiti-la, levará em conta: o relatório final do processo formal de investigação que tenha sido conduzido pela instituição de pesquisa envolvida e os comentários dos acusados a seu respeito; a declaração decisória que tenha sido emitida por essa instituição; as conclusões de processo independente de investigação eventualmente realizado pela FAPESP e os comentários dos acusados a seu respeito. 5.10.1. As medidas punitivas que podem ser impostas pela FAPESP aos autores de más condutas científicas incluem, entre outras: o envio aos autores de carta de repreensão; a suspensão temporária da prerrogativa de solicitar auxílios e bolsas à FAPESP; a devolução dos recursos concedidos pela FAPESP aos autores para a realização da pesquisa a que se relacionem as más condutas em causa. 5.10.2. As medidas corretivas, relativamente aos prejuízos científicos causados pelas más condutas em questão, que podem ser tomadas pela FAPESP incluem, entre outras: a exigência de correção dos registros e relatos das pesquisas relacionadas às más condutas; a notificação de pessoas ou instituições potencialmente afetadas pelas más condutas a respeito da declaração decisória emitida pela FAPESP a seu respeito. 5.10.3. A FAPESP poderá também tomar medidas de natureza contratual, como o cancelamento de auxílios e bolsas em vigência de que os autores das más condutas científicas sejam beneficiários ou responsáveis. 5.10.4. A FAPESP garante a quem seja por ela declarado autor de más condutas científicas o direito de recorrer contra essa declaração. 5.11. A Diretoria Científica da FAPESP é o órgão por ela encarregado de: (a) receber formalmente alegações e notificações de alegações de más condutas científicas encaminhadas à FAPESP, assim como todas as informações a elas relacionadas; (b) analisar as conclusões dos processos de avaliação preliminar e investigação realizados por instituições de pesquisa sobre tais alegações; (c) iniciar e coordenar processos independentes de avaliação preliminar e investigação que, a seu critério, a FAPESP deva realizar sobre tais alegações; (d) elaborar e levar à apreciação do CTA da FAPESP proposta de declaração decisória a ser por ela emitida a respeito de tais alegações; (e) levar à apreciação do CTA da FAPESP, se julgar cabível, proposta de que a declaração decisória a ser emitida pela FAPESP seja levada ao conhecimento do Ministério Público.
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ANEXO D – BOAS PRÁTICAS DA PUBLICAÇÃO CIENTÍFICA – ANPAD
Boas Práticas da Publicação Científica: um manual para autores, revisores, editores e integrantes de Corpos Editoriais1 1. Introdução Bem-vindo ao Manual ANPAD de Boas Práticas da Publicação Científica. Este documento é uma iniciativa da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração e visa a ajudar os periódicos brasileiros a alcançar elevado desempenho e a ampliar o seu impacto como fonte de pesquisa referencial nas áreas de Administração e Contabilidade. As Boas Práticas representam um conjunto de critérios e orientações a respeito da publicação científica e dos papéis dos principais atores envolvidos no processo, tanto sob o ponto de vista ético quanto do operacional. A adoção destas Boas Práticas na gestão de periódicos científicos, com certeza, contribuirá fortemente para a consolidação das duas áreas como campos de conhecimento científico. Este documento não tem caráter normativo, mas sim de orientação. Ele foi construído com base na literatura e na prática de se produzir a publicação científica, e segui-lo seguramente significa geri-la bem. Por outro lado, não segui-lo não necessariamente implica geri-la mal. Isto é, as soluções e recomendações aqui contidas levam a um resultado satisfatório, mas se reconhece que este último possa eventualmente ser também alcançado por vias alternativas. A editoria científica é entendida neste documento com uma prestação de serviço, cujos usuários finais são os pesquisadores e profissionais da área e cujo benefício final do processo é o acesso ao conhecimento. Os autores e suas instituições são beneficiários secundários, à medida que as carreiras dos primeiros e a avaliação das últimas são influenciadas pela publicação dos resultados do trabalho do pesquisador. Desta forma, editores e corpos editoriais carregam uma responsabilidade significativa, relacionada ao desenvolvimento da área de conhecimento e às carreiras dos autores. 1 1ª. edição, 2010. Aprovada pelo Fórum de Editores Científicos de Administração e Contabilidade, por ocasião do II Encontro de Editores Científicos de Administração e Contabilidade (II EnEC), realizado no Rio de Janeiro, em 25.09.2010. A versão final, divulgada em dezembro de 2010, foi revisada mediante consulta pública realizada com esses editores.
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Na perspectiva de autores e de suas instituições, a função primária de um periódico acadêmico deveria ser a comunicação dos resultados de pesquisas da forma mais ampla possível. No entanto, na cultura vigente2, autor e instituição dependem da publicação em periódicos para que ambos sejam bem avaliados. Tal cultura acaba modificando o objetivo original, passando a publicação do maior número de artigos a ser mais importante do que divulgar estudos capazes de ter um impacto significativo. Outros interessados nas publicações científicas seriam os gestores de organizações em geral, mas discute-se intensamente se um mesmo periódico poderia ter a função de divulgar tanto resultados de pesquisa, para pesquisadores, como a respectiva aplicação prática, para gestores. O esperado é que existam veículos diferenciados nos quais seja possível publicar um mesmo estudo com focos distintos. Ter-se-iam, então, os periódicos voltados para a publicação acadêmica, representada pelos artigos científicos, e os destinados à difusão tecnológica, privilegiando a aplicação do conhecimento. Este tipo de duplicidade na divulgação de resultados de pesquisa é avaliado positivamente, na medida em que busca atingir diferentes públicos-alvo. Enquanto a primeira espécie de produção, acadêmica, tem como finalidade fundamental expor e disseminar avanços no conhecimento, a segunda, tecnológica, destina-se a divulgar as formas como o conhecimento pode ser aplicado em benefício dos sistemas sociais em geral (empresas, organizações públicas, organizações não governamentais etc.). A reflexão sobre o tipo de público com que se pretende estabelecer diálogo e sobre os objetivos a serem alcançados junto a cada grupo de interesse é elemento essencial a considerar no estabelecimento da missão do periódico. Essa tarefa, da qual decorrem outras definições, como o tipo de linguagem, a extensão dos trabalhos e o nível de detalhe dos estudos publicados, compete à instância máxima do periódico, o Comitê de Política Editorial ou Conselho Editorial, cuja constituição e demais atribuições estão descritas neste documento. A publicação de um estudo não é, portanto, um ato isolado de autores, como poderia parecer. Há uma rede de interlocutores, igualmente pesquisadores, que interagem entre si, como partes de um sistema. Compõem essa rede os editores, os revisores, os integrantes dos Corpos Editoriais Científicos e, finalmente, os leitores. Discutem-se, adiante, aspectos operacionais e éticos envolvidos nos respectivos papéis de cada um destes agentes e propõe-se um código de conduta a ser por eles observado na produção de periódicos científicos. Na próxima seção descrevem-se os padrões e critérios gerais do processo de editoria científica. Nas demais, abordam-se recomendações de Boas Práticas da Publicação Científica no seu sentido mais amplo, tratando da existência e da atuação tanto de órgãos coletivos como de atores individuais – editores revisores e autores. 2 Neste documento, não cabe discutir a avaliação de instituições, cursos e profissionais, mas é indispensável identificá-la como uma dimensão que pressiona o sistema de educação superior e seus atores.
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2. Padrões do processo editorial 2.1. Estrutura gerencial e editorial A primeira e principal preocupação de um periódico científico é levar aos seus leitores o conhecimento novo e relevante dentro de sua área temática. As outras duas, sem precedência de uma sobre outra, são: fazê-lo a tempo e hora e perenizar-se, ou seja, zelar pela sua própria existência para sempre (Trzesniak, 2009). A preocupação primeira e principal e a tempestividade são garantidas pelo processo editorial, uma série de tarefas sequenciais, que devem ser executadas de modo sistemático e eficiente. Esse processo deve, também, ser transparente, ou seja, na medida do possível, oferecer a possibilidade de acompanhamento pelas partes envolvidas. Já a perenidade se configura pela existência de (i) uma sólida retaguarda institucional, (ii) de um Comitê de Política Editorial e (iii) de um regulamento que contempla a sucessão/escolha do editor e a estrutura científica do periódico (Trzesniak, 2009). A sequência de tarefas do processo editorial parece ser conhecida dos acadêmicos em geral, mas não basta conhecer o fluxo para que se alcance o resultado desejado. É preciso saber operacionalizá-lo para alcançar a eficiência. Como se trata de um processo envolvendo vários atores – editores, revisores, autores – e como se está lidando com o mundo das ideias, é natural esperar-se que, apesar de sistemático, esse processo contenha uma alta dose de subjetividade (Kacmar, 2008). Trzesniak (2006) sugere que os periódicos, além do Regulamento Geral mencionado no primeiro parágrafo desta seção, possuam um manual do processo editorial, contendo a descrição detalhada de cada procedimento da rotina operacional. Isso, além de facilitar o trabalho do editor, garante a uniformidade e, especialmente, a continuidade do processo ao longo do tempo, particularmente quando há uma substituição na equipe (inclusive do próprio editor). 2.2. Requisitos mínimos de um periódico científico em Administração e Contabilidade • Ter registro no ISSN (International Standard Serial Number – Número Internacional
Padronizado para Publicações Seriadas). • Informar, no sítio eletrônico e nas edições impressas (se houver), os dados das
organizações responsáveis pela publicação. • Apresentar, no seu sítio eletrônico, a missão do periódico, incluindo seu foco temático e
sua preocupação com a qualidade, e mencionando explicitamente a adoção de avaliação por pares na forma de blind review.
• Informar os nomes completos e as respectivas afiliações institucionais do editor, também denominado editor-geral ou editor-chefe3, dos editores associados4 (se houver), e de todos os integrantes do Comitê de Política Editorial e do Corpo Editorial Científico.
• Pode haver também um editor administrativo, editor assistente ou editor executivo, que não se envolve com o processo editorial dos artigos, mas com a gerência do periódico. Muitas vezes o editor executa as duas funções. O requisito colocado no item diz respeito a quem responde pela condução do processo editorial.
4 Empregaremos a denominação editor associado para designar tanto estes como os adjuntos, os de Área e os de Seção, pois, embora possam ter funções um pouco diferentes, todos atuam no mesmo nível hierárquico do processo editorial dos periódicos (ver diagrama 1).
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• Publicar, anualmente, na página ou portal de internet, e no último número de cada volume, para periódicos impressos, a lista daqueles que atuaram como revisores do periódico no ano, sem, no entanto, estabelecer uma ligação entre revisores e os manuscritos revistos.
• Disponibilizar permanentemente, no sítio eletrônico, as normas de submissão, com menção explícita aos idiomas de submissão e publicação oficiais do periódico, e a política editorial, incluindo a descrição dos procedimentos de tramitação e arbitragem.
• Publicar, no mínimo, dois fascículos por ano, contendo artigos de caráter acadêmico-científico, inéditos e significativos para a área específica do periódico.
• Apresentar, no início de cada artigo: título, resumo e palavras-chave, no(s) idioma(s) em que for oferecido o texto e em inglês; e os nomes dos autores, com a respectiva afiliação institucional;
• Fornecer o endereço físico ou eletrônico de pelo menos um dos autores. 3. Boas Práticas de Publicação Científica aprovadas pela área Além do que estabelecem as seções anteriores, os editores da área concordam em adotar os seguintes preceitos de política de divulgação, de qualidade e de conduta ética: • A Boa Prática Editorial no século XXI implica empregar um sistema de gerenciamento
eletrônico para o processo editorial5, o que assegura sua padronização, uniformidade, agilidade, transparência e rastreabilidade.
• A Boa Prática Editorial implica, também, celeridade do processo de editoração. Nessa linha, os atores principais desse processo – editores, revisores e autores, devem envidar ações visando a atender aos seguintes prazos máximos em relação à data de submissão: a) até 30 dias, para comunicar aos autores o resultado da revisão de admissão (desk review), que define se o manuscrito passará pelo processo de revisão do periódico; e até 120 dias, para o encaminhamento aos autores do primeiro parecer de cada um dos revisores, no caso de manuscritos que tenham sido aceitos no desk review.
• Acesso on-line a todo o conteúdo publicado, irrestrito e livre de quaisquer ônus para o leitor, preferencialmente sob uma licença Creative Commons na modalidade atribuição, uso não comercial e compartilhamento pela mesma licença6;
• Inclusão, na página inicial de cada artigo, da legenda bibliográfica completa, das informações completas acerca de direitos de cópia e do histórico de tramitação editorial (datas de recebimento, reformulação, aceitação e disponibilização no site);
• Inclusão, no rodapé de todas as páginas, da legenda bibliográfica resumida (nome do periódico, volume, paginação do artigo) e do logo adequado da licença creative commons, caso esta seja adotada; e, no topo das páginas, alternadamente, os nomes dos autores e o título do trabalho;
5 Trzesniak (2006) recomenda o SEER/OJS (Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas/Open Journal Systems), desenvolvido pela University of British Columbia e pela Simon Frasier University, do Canadá, e adaptado para o Brasil pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT). O software está disponível gratuitamente em português e é fácil de instalar, manter e utilizar. 6 Para maiores informações sobre esse tipo de licença e a maneira de empregá-la, visite http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/3.0/br/.
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• Processo editorial compartilhado entre pesquisadores e docentes pertencentes a diversas instituições, de modo a evitar o periódico-proprietário, isto é, produzido majoritariamente por pessoas vinculadas a uma instituição específica;
• Não publicar artigos de autoria do editor científico ou editor-geral, também chamado, neste documento, de editor, e de editores associados, mesmo que esta autoria seja compartilhada com outros autores;
• Não publicar, no mesmo ano, mais de um artigo de um autor, independentemente da posição deste na autoria do texto;
• No caso de publicação de artigo de autoria de dirigentes das instituições mantenedoras do periódico ou de quaisquer dos integrantes do Comitê de Política Editorial ou do Corpo Editorial Científico, deve ser especificado claramente, na peça editorial que apresenta o respectivo número do periódico, como ocorreu a avaliação do manuscrito, ressaltando a independência e a isenção do respectivo processo;
• A cada ano, a fração de artigos originários de uma determinada instituição (isto é, com pelo menos um autor, docente ou discente, a ela vinculado) não deve exceder 15% do total de artigos publicados;
• Clara definição dos requisitos e processos de escolha e dos papéis/responsabilidades do editor-geral e dos editores associados (se houver), dos integrantes do Comitê de Política Editorial e do Corpo Editorial Científico, incluindo prazos de mandato e possibilidade de recondução.
4. O papel do editor O editor coordena o processo editorial e também promove o desenvolvimento dos autores e avaliadores da publicação. Seu compromisso é que o periódico ofereça o que houver de melhor em termos de conhecimento novo dentro dá área temática, observando, no processo de seleção dos artigos, os mais elevados padrões éticos. As Boas Práticas preconizam que a escolha do editor de um periódico seja supervisionada pelo Comitê de Política Editorial, e que considere diversos fatores, entre os quais: liderança como pesquisador da área, reconhecimento da comunidade, histórico de atuação como revisor e autor e seu projeto de trabalho para o periódico7 (Trzesniak, 2009). A avaliação do potencial candidato terá em conta, então, por um lado, a sua atuação pregressa, envolvendo seu histórico de publicação em periódicos qualificados e, por outro, o seu comprometimento futuro, relacionado às suas propostas de melhoria do periódico e do processo de seleção de trabalhos para publicação. Debra Shapiro e Jean Bartunek, que presidiram a Academy of Management e também atuaram no Conselho Editorial do Academy of Management Journal, enfatizam a importância da confiabilidade do editor na seleção dos artigos, pois a publicação em periódico está fortemente relacionada ao sucesso da carreira acadêmica dos autores (Shapiro; Bartunek, 2008). Para esses autores, é essencial que os indivíduos que atuam como editores demonstrem:
• Competência para produzir estudos e revisões de manuscritos com alta qualidade; • Cordialidade em relação a novos pesquisadores e outros profissionais da área de
conhecimento; e • Integridade e consistência como geradores, avaliadores e mentores de estudos de alta
qualidade.
7 Algumas diretrizes para o processo de seleção do editor podem ser encontradas em Trzesniak (2004a).
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A competência dos editores reside na sua capacidade de identificar falhas8 em manuscritos e na habilidade de atuar junto aos autores de forma construtiva, para corrigir estas falhas e melhorar os artigos. Isso exige que estejam atualizados relativamente à área de conhecimento e aos métodos de pesquisa nela utilizados. A cordialidade está associada à forma com que as revisões/pareceres são preparadas. É desejável que o editor atenue críticas exageradas eventualmente feitas por revisores, tenha sensibilidade para comunicar as ideias, seja consistente em seus comentários e sugestões com as regras de aceitação declaradas pelo periódico, e seja aberto a novas ideias (teorias, métodos etc.). O editor deve rever os comentários dos revisores para que o autor receba uma avaliação construtiva e encorajadora, mesmo que seu trabalho não permaneça no processo de revisão para publicação. Respeito e dignidade são palavras-chave nesse processo. Finalmente, a integridade está associada à ideia de que princípios éticos são consistentemente seguidos. Na sequência, apresenta-se uma lista de deveres e responsabilidades gerais de editores, a qual se baseia primariamente no código de conduta dos editores do Committee on Publications Ethics (COPE, 2010). • O editor é responsável por tudo que é veiculado em seu periódico. Ao decidir que
provavelmente irá aprovar a publicação de um manuscrito, ele deve examiná-lo integralmente, sendo recomendado que sugira e negocie com os autores a realização de modificações que julgar necessárias, em benefício da clareza na comunicação das ideias e do rigor científico – mas deve fazê-lo sem interferir no estilo dos autores (Tobochnik, 2008; Botsford, 1993). A responsabilidade do editor, não pode, no entanto, abranger consequências indesejadas ou imprevistas que possam decorrer do uso ou da aplicação das informações veiculadas no periódico. Um periódico científico divulga resultados de pesquisa, cuja comprovação é satisfatória em todos os aspectos para a continuidade da investigação em nível acadêmico, mas não é suficiente para um emprego totalmente seguro e previsível em qualquer outro contexto. As consequências de tal emprego são de responsabilidade exclusiva de quem o fizer, o que deve ser explicitamente informado aos leitores.
• O editor deve esforçar-se para melhorar constantemente o periódico, visando ao
atendimento das necessidades de todos os atores envolvidos no processo de publicação, mas deve dedicar atenção prioritária aos leitores, principais beneficiários e clientes preferenciais da revista.
• Cabe ao editor, também, promover a celeridade da divulgação científica. Quando o
periódico tiver um estoque igual ou superior a dois fascículos prontos para divulgação, certamente é chegado o momento de aumentar o número de artigos por fascículo e/ou o número de fascículos anuais.
• O editor deve publicar orientações aos autores sobre tudo o que se espera destes. Estas
orientações devem ser atualizadas sempre que necessário. 8 Entende-se como falha qualquer problema de coerência lógica, acurácia ou clareza teórica ou empírica no conteúdo científico. Editores (e revisores) devem manter-se também atentos às possibilidades de artigos
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fraudulentos. Sugere-se, como leitura inicial a esse respeito, a página da wikipedia em inglês sobre o trote de Sokal (Sokal hoax), http://en.wikipedia.org/wiki/Sokal_affair. • Ao receber um manuscrito, o editor deve providenciar a revisão de admissão (desk
review), a ser realizada diretamente por ele ou solicitada a um membro do Corpo Editorial Científico, certificando-se de que o manuscrito cumpre requisitos básicos para ser acolhido no processo editorial (relevância científica, correção da linguagem, boa apresentação geral e adequabilidade às normas e à política editorial). Caso deixe de atender a qualquer um desses requisitos, o original deve ser recusado de imediato, cortesmente, mas com firmeza suficiente. A rigor, ao dar andamento a um manuscrito obviamente preparado com pouca dedicação, o editor torna-se corresponsável com autores na atitude questionável de transferir a responsabilidade destes últimos para revisores. Para auxiliá-lo no processo, o editor-chefe pode recorrer a seus editores associados ou ainda a membros do Conselho de Política Editorial.
• Outro requisito que justifica a recusa imediata de um original, e que deve igualmente ser
observado na revisão de admissão, é a falta de ineditismo do trabalho. Além de conferir em livros e em outras revistas, o editor precisa verificar casos de ressubmissão ao seu próprio periódico. Existem relatos de trabalhos idênticos apresentados mais de uma vez ao mesmo periódico, sendo uma vez rejeitado, outra vez aceito para publicação, e tendo aspectos de qualidade como justificativa nos dois casos.
• As diretrizes para o processo de avaliação por pares (incluindo orientações sobre tudo o
que se espera dos revisores) devem ser publicadas e atualizadas sempre que necessário. Caso venham a ocorrer desvios significativos dessas diretrizes, o editor deve estar preparado para justificá-los.
• A bem da ética, revisores não podem pertencer à mesma instituição que qualquer dos
autores do manuscrito ou serem destes coautores habituais. Igualmente, não é ético induzir a aceitação (ou a rejeição) do trabalho, encaminhando submissões a revisores cujo rigor seja reconhecidamente abaixo (ou acima) da média, ou cujos paradigmas científicos estejam em acordo (ou em desacordo) com os seguidos pelos autores.
• O editor coordena a avaliação da submissão pelos revisores, embora possa delegar essa
coordenação a um editor associado ou mesmo a um integrante do Corpo Editorial Científico. No entanto, a decisão final quanto a publicar o trabalho será sempre dele, editor e deverá estar baseada na importância, originalidade, clareza e relevância do artigo para a área de atuação do periódico. Tal decisão pode contrariar as recomendações dos revisores, desde que o editor não esteja convencido das justificativas por eles apresentadas ou se ele observar sérias limitações científicas no artigo.
Em outras palavras, o editor não é refém dos pareceres e opiniões que lhe chegam, mas, caso tenha de contrariá-los, deve agir com ética e discernimento muito claro. Neste caso, deveria o editor contatar os revisores e apresentar-lhes as razões de suas divergências. Desta maneira, o editor preservaria o bom relacionamento com os revisores, valorizando o trabalho destes, ao invés de se colocar como um juiz inalcançável. • O editor deve zelar também pelo cumprimento dos prazos de emissão de pareceres. Uma
alternativa de ação é sugerir uma data limite e solicitar a concordância explícita ou uma contraproposta do revisor. Isto quebra a sensação de que o prazo (para o que, afinal, é uma
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tarefa voluntária) esteja sendo imposto ao avaliador e, como ele participa da definição, aumenta seu comprometimento e sua responsabilidade em atendê-lo.
• O editor precisa zelar para que os pareceres analisem: (i) a originalidade do trabalho, isto é, se o manuscrito realmente apresenta uma contribuição para a área de conhecimento, ou se trata meramente de uma reedição de ideias e conceitos; (ii) a solidez do embasamento da pesquisa; e (iii) no caso de artigos empíricos, também o rigor das condições em que ela foi realizada. É ainda indispensável que os pareceres contenham sugestões que possam melhorar o trabalho e um posicionamento claro e fundamentado acerca da sua publicação ou não. Caso não atendam a esses requisitos, devem ser descartados, sendo necessário, então, recorrer a outro revisor.
• O editor deve mediar a relação entre revisores e autores, verificando a pertinência das
alterações solicitadas por aqueles e, quando cabível, aceitando a argumentação dos últimos para não acatá-las. Revisores, às vezes, solicitam modificações exageradas no estudo original, podendo até vir a deturpá-lo, ou propõem mudanças contrárias às normas de submissão ou à política editorial. O natural seria, então, que o autor argumentasse quanto à adequação das alterações demandadas, mas pode se sentir pouco à vontade para fazê-lo. Cabe ao editor promover o diálogo científico construtivo, inibindo o atendimento resignado e acrítico de solicitações de validade discutível.
• A menos que problemas muito graves sejam identificados no manuscrito, o editor não
deve reverter a decisão de aceitá-lo, nem deve fazê-lo um novo editor, relativamente a uma decisão do editor anterior.
• Seguindo os mesmos critérios utilizados para os demais materiais, deve ser dada uma
oportunidade especial de publicação a artigos ou comentários que desafiem ou critiquem trabalho anteriormente veiculado no periódico. Apenas razões muito fortes e convincentes, que devem ser explicitadas aos autores da crítica, podem justificar não fazê-lo. Já aos autores do material criticado deve ser dada a oportunidade de resposta. Preferencialmente, crítica e resposta devem ser publicadas simultaneamente.
• O editor deve estar razoavelmente seguro de que o material de pesquisa que publicar
esteja em conformidade com normas éticas internacionalmente aceitas. Assim, deve solicitar garantias de que toda a investigação envolvendo questões sensíveis (saúde, condições infantis, entre outras possibilidades) tenha sido aprovada por um organismo adequado (por exemplo, Comissão de Ética em Pesquisa, Conselho de Revisão Institucional). Pode, no entanto, reconhecer que tal aprovação não garante que a pesquisa efetivamente siga princípios éticos.
• O editor deve proteger a confidencialidade da informação individual (por exemplo, obtida
na relação consultor-empresário) e empresarial. Por conseguinte, é quase sempre necessário que os autores apresentem o consentimento por escrito dos envolvidos.
• O editor deve tomar todas as medidas razoáveis para garantir a qualidade do material que
publica e nunca permitir que interesses individuais e de instituições que patrocinam o periódico comprometam os respectivos padrões acadêmicos.
• Deve haver procedimentos que garantam a confidencialidade e a integridade de todos os
materiais submetidos ao periódico, especialmente durante a etapa de revisão.
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• O editor deve estar disposto a publicar correções, esclarecimentos, retratações e desculpas, sempre que necessário.
• O editor tem o dever de agir, se suspeitar de má conduta. Esta obrigação se estende a autores e revisores.
• Se, após uma investigação apropriada, um artigo é identificado como fraudulento, este
deve ser recolhido. A exclusão deve ser claramente identificável para leitores e sistemas de indexação. Sempre que o editor reconhecer que um material impreciso, enganoso ou distorcido foi publicado, ele deve corrigir o problema prontamente e com o devido destaque.
• Os editores devem ter sistemas de gestão de conflitos de interesse dos distintos atores
envolvidos no processo editorial: colaboradores administrativos; autores; revisores; integrantes do Comitê de Política Editorial e do Corpo Editorial Científico; editores associados; e os seus próprios.
• O editor deve deixar claro e publicamente disponível, nas páginas e/ou no sítio do
periódico, um mecanismo de encaminhamento de reclamações, através do qual quaisquer insatisfeitos possam se manifestar; e eventuais queixas possam ser prontamente atendidas.
5. Papel do Comitê de Política Editorial, ou Conselho Editorial, e do Corpo Editorial Científico Para estar conforme às Boas Práticas da Publicação Científica, um periódico precisa ter necessariamente duas instâncias coletivas: o Comitê de Política Editorial, ou Conselho Editorial, e o Corpo Editorial Científico9. Combinando as conceituações de Lo Bianco et al. (2002) e de Trzesniak (2001, 2009), o Comitê de Política Editorial é formado pelo Editor e por membros que representem adequada e democraticamente os interesses: (i) da área do conhecimento; (ii) das instituições que asseguram a credibilidade científica do periódico; e (iii) das que o respaldam legalmente. Esse Comitê trata das questões de política editorial da revista e atua em bloco (faz reuniões, presenciais ou não), tomando decisões coletivamente e, eventualmente, votando matérias; não tem envolvimento com o conteúdo de qualquer fascículo ou artigo em particular, mas com a coleção como um todo, estabelecendo as diretrizes gerais que a norteiam. Já o Corpo Editorial Científico é um colegiado necessariamente multi-institucional, integrado por especialistas uniformemente distribuídos em termos tanto científicos, cobrindo todas as áreas de conhecimento a que o periódico se dedicar, como geográficos, isto é, abrangendo regiões distintas do Brasil e de outros países. Diferentemente dos integrantes do Comitê de Política Editorial, os do Corpo Editorial Científico trabalham individualmente e têm envolvimento significativo com o conteúdo dos fascículos do periódico, preocupando-se com a uniformidade, continuidade, qualidade e rigor científico do que é publicado. 9 O periódico pode ter outras instâncias coletivas como um Corpo Representativo (eventualmente Internacional), cujos integrantes atuam apenas na divulgação da revista e na captura de artigos, ou um Conselho Consultivo, a que o editor pode recorrer a seu critério, para a solução de algum problema mais complexo. Essas instâncias, porém, têm atribuições específicas, não editoriais, não se constituindo, portanto, em item obrigatório no nível das Boas Práticas da Publicação Científica.
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O diagrama 1 ilustra a estrutura editorial científica recomendada de um periódico. Notem-se as posições do Comitê de Política Editorial e do Corpo Editorial Científico acima e abaixo, respectivamente, do editor. O nível de editores associados está sombreado porque, diversamente dos demais, ele não é obrigatório dentro das Boas Práticas da Publicação Científica, mas revela-se uma necessidade quando o número anual de submissões admitidas no processo editorial ultrapassa quarenta (e nada impede que exista mesmo antes disso).
É esperado que os integrantes do Corpo Editorial Científico sejam pesquisadores com credibilidade e reconhecimento da comunidade acadêmica, embora possa haver pesquisadores seniores, para dar legitimidade, e membros mais juniores, eventualmente necessários para dar suporte quando novos métodos e teorias sejam empregados nos manuscritos. A diversidade de origem dos membros é um elemento da maior importância para assegurar uma pluralidade de visão com respeito a modelos e teorias, evitando vieses monoculturais; pode, ainda, ajudar a aumentar o número de submissões ao periódico. Os editores associados são colabores muito próximos do editor e, geralmente, membros do Comitê Editorial Científico, com envolvimento significativo no dia a dia do processo editorial. Em termos de atribuições, apenas não tomam a decisão final de publicar ou não um trabalho. Podem ter atuação geral, sendo então associados ou adjuntos, ou envolver-se apenas com as submissões de uma área (editores de área), ou ainda responder exclusivamente por uma seção do periódico, como revisões de livros (editores de seção). São de livre escolha do editor, respeitado o regulamento do periódico. Visando a proporcionar estabilidade ao periódico, é interessante que o processo de renovação dessas instâncias seja sempre parcial, para que o conhecimento tácito e a memória dos acontecimentos sejam preservados. O número de editores associados e o tamanho do Corpo Editorial Científico devem ser o resultado do balanço entre a carga de trabalho aceitável para cada indivíduo e o nível de
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consistência resultante dos trabalhos destes especialistas. Uma quantidade maior de envolvidos reduz a carga individual, mas aumenta as chances de inconsistência interna no trabalho de revisão dos artigos. Por exemplo, para um periódico com cerca de 100 submissões aceitas para o processo editorial por ano, Trzesniak (2009) propõe entre dois e quatro editores associados e um Corpo Editorial com 20 a 35 membros. Numa média geral, isto corresponde a cerca de trinta artigos por editor associado, e aproximadamente três por integrante do Corpo Científico. Coerentemente, Feldman (2008) sugere que um editor deve encarregar-se de não mais do que 50 manuscritos ao ano. De qualquer sorte, o editor-geral, como responsável pela decisão final de aceitar ou rejeitar manuscritos, acaba se envolvendo com todas as submissões. Sugere-se considerar um máximo ideal de 50 artigos tanto para editores associados como para os membros do Corpo Editorial. Essa recomendação deve-se ao fato de que as Boas Práticas da Publicação Científica implicam que, em momentos diferentes, as duas instâncias acabem por envolver-se com os mesmos artigos. O que se propõe como mais indicado (ressalvando que mais indicado não significa a inexistência de boas alternativas) é que os editores associados e membros do Conselho Editorial Científico realizem a revisão de admissão (desk review) e sugiram os revisores ad hoc e, com base nos pareceres destes recomendem ao editor a primeira decisão editorial (rejeitar, reformular/ressubmeter ou reformular/aceitar). No caso da opção reformular/aceitar, o artigo, após a reformulação realizada pelos autores, vai para um integrante do Corpo Editorial Científico, ou para o editor, para verificar o atendimento ou a refutação fundamentada das sugestões dos pareceres e para uma recomendação final de aceitação ou não. Essa divisão de tarefas e responsabilidades tem o duplo mérito de colher diversas opiniões e de evitar a sobrecarga dos envolvidos. O papel que o parágrafo anterior define para os editores associados compete ao editor nos periódicos com poucas submissões anuais (até ~50), o que justifica a não obrigatoriedade da existência daqueles em todos os periódicos. Por outro lado, é necessário e salutar que tal papel seja exercido eventualmente por um integrante do Corpo Editorial Científico. Ilustra-se, aqui, a diferença essencial entre editores e integrantes deste corpo: esta diferença não está na natureza das tarefas, mas na frequência com que são executadas por quem está em uma e outra função. Assim sendo, quando um pesquisador é convidado para integrar o Corpo Científico, o editor deve explicitar claramente qual será a carga de trabalho dele esperada e o padrão das revisões e das cartas aos autores que se espera que sejam elaboradas. Essa atitude fará com que o grupo fique mais motivado para o trabalho, pois apenas os indivíduos realmente comprometidos aceitarão o convite (Feldman, 2008). 6. Papel do revisor de artigos do periódico científico O trabalho de revisão é fundamental para a qualidade do periódico e, mais amplamente, para a literatura científica de uma área. Harrison (2002) argumenta que, ao longo do tempo, elaborar bons pareceres constrói uma reputação positiva e uma rede social de editores e colegas gratos. Além disso, atuar como revisor é uma contrapartida pelo trabalho de revisão de seus manuscritos por outros. Por este lado, seria esperado que os pareceres fossem muito bem elaborados e construtivos e que o tempo de avaliação fosse curto, pois, quando troca de papel, passando a ser autor, o pesquisador anseia que o retorno do periódico sobre o seu manuscrito venha com contribuições pertinentes e também com rapidez. Outro argumento,
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mais ou menos na mesma linha (de dar para receber), é que preparar bons pareceres confere o direito de exigir literatura científica de qualidade na área do conhecimento. Usufruir desta última sem contribuir com a primeira é um comportamento eticamente discutível. A revisão para periódicos difere totalmente daquela preparada para eventos e consome muito mais tempo do revisor. O evento científico tem por objetivo discutir o conhecimento emergente, ainda “em ebulição”, com uma data-limite de submissão o mais próximo possível da sua realização. O foco da avaliação, portanto está em aceitar (ou não) o trabalho para apresentação. Já o periódico, embora ainda muito mais rápido que um livro, pode dar-se mais tempo: o objetivo principal da avaliação é o aperfeiçoamento do manuscrito, e não a definição de publicá-lo (ou não). O revisor deve adotar um tom positivo, cordial e construtivo na avaliação. Se encontrar falhas10, deve usar adjetivos encorajadores, tais como interessante, criativo e ambicioso, seguidos de expressões como: no entanto, ainda existem lacunas tais e tais. Ter em mente que o autor, ao ler o parecer, tem de se sentir motivado a investir seu tempo no aperfeiçoamento do texto, e não em replicar críticas que considere desrespeitosas ou ofensivas. Trzesniak (2009) menciona que é uma missão conjunta de avaliadores, autores e editores, estabelecer uma cumplicidade cordial, rumo à excelência de conteúdo. As recomendações do parágrafo anterior, porém, somente valem para os casos em que esteja claro que autores envidaram seus melhores esforços na preparação do manuscrito. Tem se tornado bastante comum a submissão de trabalhos realizados sem cuidado nem dedicação, em uma tentativa de “delegar para cima”, a revisores e editores, as responsabilidades de autoria. Essa atitude francamente abusiva e eticamente inadequada, uma vez identificada, deve ser firmemente desencorajada no parecer. O revisor deve usar sua posição com muito critério e discernimento, pois esta lhe permite propor a não publicação de um manuscrito, e os editores, embora esteja em suas prerrogativas fazê-lo, em geral, não se opõem às recomendações contundentes de rejeição de revisores. Esse poder de veto pode tornar difícil o florescimento de ideias não convencionais. Não se está cogitando, aqui, que o revisor possa incorrer na gravíssima falha ética de se manifestar contra a publicação de um artigo para proteger seus interesses particulares na área de conhecimento, mas pode ocorrer que ele não esteja “pronto” para apreciar as contribuições de trabalhos que contenham ideias novas: numa avaliação à luz do conhecimento estabelecido na área, pode parecer que manuscritos inovadores sejam teoricamente inconsistentes ou não atendam a padrões rigorosos de pesquisa (Frey, 2003). Seguem-se recomendações pontuais de Boas Práticas para revisores, preparadas com base nas referências listadas. • O revisor não deve aceitar a tarefa de avaliar um manuscrito caso não se sinta profissionalmente qualificado no respectivo tema. 10 Deve-se entender por falha qualquer problema de coerência lógica, acurácia ou clareza teórica, empírica ou metodológica no conteúdo do manuscrito. O revisor também deve apontar os erros gramaticais que eventualmenteidentificar no texto, mas essa não deve ser a sua preocupação principal. • Se o processo de revisão é duplamente cego, o revisor deve informar o editor, caso a identidade do autor lhe seja conhecida. Quanto aos editores associados e aos membros do Corpo Editorial Cientifico, embora não lhes seja explicitamente informado quem são os
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autores, aqueles poderiam eventualmente vir a reconhecê-los a partir do estilo ou do conteúdo do próprio artigo; mas tal identificação não seria um impeditivo para prosseguirem com o processo de revisão de admissão (desk review) e para a indicação de possíveis revisores. • Cada periódico estabelece um prazo para o retorno dos revisores e estes devem explicitamente comprometer-se a atendê-lo ou negociar sua alteração. Cumprir a data de devolução assim acordada é uma questão de ética, respeito e responsabilidade da função de revisor. • O revisor deve ler com cuidado a política editorial e as instruções aos revisores do periódico. Os editores podem ter diretrizes que não lhe sejam familiares ou com as quais o revisor não concorde totalmente, e há o risco de este solicitar alterações incompatíveis com o que o periódico preconiza. • Para obter uma primeira percepção geral do artigo, recomenda-se ao revisor efetuar sua leitura em profundidade em uma única sessão. Eventualmente, pode-se marcar ou anotar alguns pontos nessa leitura, mas a proposta é de apreender o todo, não se detendo em aspectos específicos. É também recomendável retomar o trabalho três ou quatro dias depois, percorrendo o texto minuciosamente e simultaneamente elaborando o parecer. • O revisor deve atentar para o fato de que diferenças de paradigma podem influenciar sua decisão sobre a qualidade do manuscrito e conscientemente evitar que isso ocorra. • O revisor deve apontar as falhas corrigíveis e necessariamente indicar o que pode ser feito para saná-las. Um bom revisor, no entanto, possibilitará aos autores uma flexibilidade que lhes permita continuar escrevendo o artigo que querem escrever. O revisor deve, sempre, avaliar o custo-benefício de cada mudança solicitada em termos da efetiva melhoria na qualidade do manuscrito. Sempre que cientificamente pertinente, deve-se sugerir aos autores referências relevantes para o manuscrito e/ou sua reformulação. • O revisor deve esforçar-se ao máximo para apontar todas as alterações que julgar pertinentes na primeira revisão do manuscrito, de modo a evitar novas recomendações cada vez que este retornar reformulado. • Quando receber um manuscrito, reformulado pelos autores a partir de recomendações suas, de outros revisores e dos editores, atentar para as recomendações dos demais revisores antes de emitir um novo parecer. • Caso o manuscrito apresente falhas incorrigíveis, avaliar a possibilidade de apontá-las como limitações do artigo na seção apropriada. Não sendo viável, recomendar sua rejeição, indicando a razão que torna as falhas insanáveis. • Quando recomendar a rejeição de um manuscrito, o revisor deve apontar as razões com muita objetividade e clareza. 7. O autor Conforme mencionado no início deste documento, autores têm suas respectivas carreiras afetadas pela publicação de artigos em periódicos, o que os leva, frequentemente, à perspectiva de que eles sejam o centro do processo. A isto se adiciona o fato de que muitos pesquisadores iniciantes veem a editoria científica como uma caixa preta.
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A seguir, são listados alguns pontos relevantes, inspirados em Moizer (2009), Konrad (2008), Ryan (2008) e COPE (2010), que podem ser úteis para os autores terem mais sucesso em suas iniciativas de publicação de manuscritos. • Observar atentamente a política editorial e uma amostragem de artigos recentemente publicados para selecionar o periódico para o qual irá enviar seu manuscrito. Uma sintonia nesses aspectos aumenta consideravelmente a probabilidade de aceitação para o processo editorial, enquanto sua falta pode levar à rejeição já na revisão de admissão (desk review). • Somente submeter manuscritos que estejam gramaticalmente revisados e estritamente de acordo com as normas para formatação, citações e referências estabelecidas nas instruções aos autores do periódico. Não atender a esses pontos implica uma rejeição na revisão de admissão. • Apresentar claramente as ideias, incluindo a utilização adequada de ilustrações e referências. Os trabalhos devem seguir o formato do periódico e, em geral, são compostos das seguintes partes: (i) introdução, que estabelece a finalidade da pesquisa (qual o tema do artigo, problematização, e qual o seu objetivo) e trata de sua relevância; (ii) referencial teórico; (iii) metodologia ou métodos e técnicas; (iv) resultados e discussão; (v) conclusões e recomendações; e (vi) referências cuidadosamente revisadas conforme o padrão do periódico. • Brown (2005) mostra a importância de divulgar, apresentar e discutir manuscritos em workshops, prática que aumenta a probabilidade de aceitação por periódicos especializados. Outra recomendação é solicitar a colegas críticos que leiam e comentem o manuscrito antes de submetê-lo. Contribuições efetivamente relevantes podem ser reconhecidas mediante inserção, no texto, de um agradecimento nominal a quem as tenha feito, procedimento que se aplica também a pareceres de revisores especialmente construtivos, que tenham ensejado melhorias significativas no trabalho. • É uma infração ética grave submeter um mesmo manuscrito a mais de um periódico ou enviá-lo a um novo periódico sem retirá-lo formalmente de algum outro em que o texto esteja sendo avaliado. • Submeter artigos que tenham uma sobreposição considerável será somente cabível caso os textos se destinem a públicos diferentes (por exemplo, profissional e acadêmico), mas será inaceitável (comportamento ético inadequado) se as audiências forem as mesmas. Ainda nesta linha, somente se admite gerar vários manuscritos a partir de um mesmo conjunto de dados se: (i) não for possível esgotar as informações contidas nos dados em um único artigo integrador, que seja claro e significativo; e (ii) os vários artigos tenham finalidades distintas (Fine; Kurdek, 1994). • É abusivo e inaceitável, sob ponto de vista ético, efetuar a submissão de um manuscrito com limitações conhecidas pelos autores, que poderiam perfeitamente ser por eles corrigidas, na expectativa de que seja aceito apesar dessas limitações ou com o propósito de transferir a editores e revisores a função de melhorá-lo (talvez “eles” não detectem tudo, e terei de trabalhar menos ou vou deixar alguns pontos inadequados para os revisores apontarem, talvez “eles”, assim, não percebam os erros mais sérios). • Igualmente grave é beneficiar-se das recomendações de um bom parecer de um periódico, efetuar os aperfeiçoamentos solicitados e aí enviar o manuscrito para outro,que julgar mais qualificado. • Referenciar devidamente a eventual réplica de métodos de outros pesquisadores e todas as afirmativas que não estiverem amparadas pela pesquisa descrita no artigo. No entanto, respeita sempre que o que deve ser referenciado são ideias e argumentos, e não frases descontextualizadas, dos autores citados. Considerar, também, que um artigo deve ter uma contribuição de quem o escreve, e não pode, portanto, apresentar referências em número comparável ao de parágrafos.
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• Constitui grave infração ética citar trabalhos de pertinência discutível, visando a ampliar o respectivo impacto. Por outro lado, é igualmente conduta ética inadequada deixar de fazê-lo por antipatia ou preconceito de qualquer ordem. • É preciso saber que todos os autores referenciados são candidatos a avaliadores de seu manuscrito. • Lembrar-se de que o ingresso no processo de revisão não implica aceitação para publicação. • É preciso, também, manter-se consciente de que um manuscrito sempre pode ser aperfeiçoado pelo olhar externo. É bastante comum, ao tomar conhecimento de um comentário ou recomendação de parecer, ser difícil para o autor entender por que o avaliador assinalou ou comentou uma determinada passagem ou construção. Para ele, autor, tudo está perfeito: por conhecer muito bem a pesquisa, sua mente cobre as lacunas e elimina as imperfeições do texto. A recomendação então é nunca descartar levianamente uma ponderação do avaliador: ele pode até não ter apanhado exatamente o espírito da coisa naquele ponto, mas sentiu algo estranho ali. Uma revisão é quase certamente necessária (Trzesniak, 2004b). • Aprender, portanto, a absorver os comentários derivados do processo de revisão e esforçar-se ao máximo para entender e incorporar o maior número possível deles. Porém, se após todo o empenho alguns comentários se mostraram justificadamente inadequados, não incorporá-los: preparar uma nota educada ao revisor, explicando suas razões para não atender à solicitação. Em geral, uma mensagem deve sempre ser enviada ao periódico, explicando como cada ponto levantado pelos revisores foi utilizado para melhorar o manuscrito. • Aprender a aceitar a rejeição e analisar as razões desta. Considerar a possibilidade de um novo documento ser criado a partir do rejeitado ou se uma versão revista do documento poderia ser publicada em outro periódico. Não é uma boa ideia simplesmente enviar o mesmo manuscrito para outra revista. Entre outras coisas, pode ocorrer de o mesmo revisor ser solicitado a avaliar seu manuscrito. •Manter-se motivado. Motivação e crença em seu próprio trabalho são elementos importantes para determinar a aceitação de seus manuscritos. • Trabalhar em rede com outros pesquisadores, pois o processo de colaboração, além de favorecer a motivação e a produtividade, oferece a multiplicidade de visões, identificando e contornando limitações e aperfeiçoando ideias e argumentos. Porém, para não incorrer em falta ética, somente inclua como coautores aqueles que tenham contribuído efetiva e significativamente para a pesquisa (Sherrell; Cabelo; Griffin, 1989). O agradecimento formal, no texto, é uma alternativa saudável (Boa Prática) para envolvimentos relevantes, porém de menor monta, na elaboração do manuscrito. • Estar sempre envolvido com mais de um manuscrito, pois em geral há um lapso de tempo entre a submissão e a publicação em periódicos. • Evitar a submissão demais de dois artigos por ano a uma mesma publicação. • Ficar na expectativa de ser acionado como revisor pelo periódico que tenha publicado o seu manuscrito, principalmente se este tiver sido bem avaliado. Os editores sempre consideram que autores dos artigos que publicam são revisores em potencial, especialmente se os julgam perspicazes e capazes de responder num prazo curto. No caso de atuar como revisor, fazê-lo com dedicação, presteza e máxima seriedade científica. Contribuir para a melhoria do manuscrito com se fosse seu, ambicionando que, após a publicação, os autores e as autoras possam orgulhar-se dele com justiça, e que ele tenha um impacto significativo na área do conhecimento. Referências Botsford, G. (1993). Remembering Mr. Shawn. The New Yorker (dec. 28, 1992/jan. 4, 1993), p. 139. Brown, L. D. (2005). The importance of circulating and presenting manuscripts: Evidence
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