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Objevos Específicos • Refler sobre o direito à diferença e à diversidade cultural. Temas Introdução 1 O que é diversidade 2 O que é cultura para a ciência da antropologia e por que ela inclui a ideia de diversidade 3 Cultura controlada pelo Estado-nação 4 Estado-nação e mundo globalizado 5 Diversidade e cultura Considerações finais Referências Mônica Rodrigues da Costa Éca, Cidadania e Sustentabilidade Aula 09 Professor Diferença e diversidade I

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Objetivos Específicos• Refletirsobreodireitoàdiferençaeàdiversidadecultural.

Temas

Introdução

1Oqueédiversidade

2Oqueéculturaparaaciênciadaantropologiaeporqueelaincluiaideiade

diversidade

3CulturacontroladapeloEstado-nação

4Estado-naçãoemundoglobalizado

5Diversidadeecultura

Consideraçõesfinais

Referências

Mônica Rodrigues da Costa

Ética, Cidadania e Sustentabilidade

Aula 09

Professor

Diferença e diversidade I

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Introdução

Paraentenderoqueédiversidadeéprecisopartirdealgunsconceitosentrelaçadosaesse termo.Autopiadeumplanetasustentável,comempresasbem-sucedidasegerandolucro, inclui: a ideiadediversidadedaspessoas,doambiente,das sociedades,bemcomoo comportamento individual ético, o governo adequado do espaço social, a população, aeducação,osfabricantesdosobjetosealimentosquedãosobrevivênciaaessacomunidade–quecrêemdivindadesdeumareligião,partedesuacultura.Pressupõetambémumidealdevida,commoralevalores,eumdesejodefuturo,portanto,umautopiaeumafilosofia,frutosdaprópriacultura.

Masafilosofiaétambémumdosinstrumentosquepermitemaanálisedaprópriacultura,aoladodeoutrasciênciascomosociologia,psicologia,psicanálise,antropologia,linguística,semiótica,política,economia,ecologia,geografia,química,física,etodasasoutras.

Nesta aula examinamos o conceito de diversidade relacionado às noções de cultura,globalizaçãoeEstado-nação.

1 O que é diversidade

OcientistasocialMarioSergioMichaliszyn,nolivroEducação e diversidade,apresentaoconceitodediversidadeque,segundooautor,estárelacionadaaodiverso,diferente,variadoetambémdizrespeitoàvariedade.

Fazendo uso da definição da palavra diversidade contida no dicionário Houaiss etambémlevandotaldefiniçãoaoâmbitodaecologia,querelacionaapalavraàabundânciaeequitabilidade,oautorrevelaoaspectoplural,abrangenteericocarregadoporessetermo.

No campo das ciências sociais, conforme fala Michaliszyn, as palavras “alteridade”,“diferença”e“dessemelhança”correspondemàdiversidade:

Por alteridade, um conceito mais restrito que o de diversidade, entendemos osentimentodeum indivíduoemseroutro,colocar-seouseconstituircomooutro.Épormeiodessesentimentoqueconseguimosperceberooutro,odiferente,semdiscriminá-lopelascaracterísticasquenosdistinguem.A diferença é, por assim dizer, a determinação da alteridade. Essa não implicanecessariamente uma determinação; a diferença, por sua vez, traz consigo adeterminação. Por um lado, podemos dizer, por exemplo, que João e Pedro sãoindivíduospertencentesàespéciehumanae,umavezquepassarampelosmesmosprocessosqueosinseriramnogruposocial,sãoagoradenominadossereshumanos.ComoJoãoePedrovivemnoBrasil,sãobrasileiroseessacaracterísticaosassemelha,osidentifica.Poroutrolado,Joãoédedescendênciaalemã,ePedro,dedescendênciaafricana. Assim, embora João e Pedro sejam indivíduos da espécie humana, seres

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humanos que adquiriram valores culturais próprios de seus grupos, e cidadãosbrasileiros, ambos representametnias diferentes, cujas características – diferenças–seexpressamnãosomentenocampodosvaloresculturais,masemtraçosfísicosprópriosdesuasdescendências.(MICHALISZYN,2006,p.16-17).

2 O que é cultura para a ciência da antropologia e por que ela inclui a ideia de diversidade

O antropólogo norte-americano Clifford Geertz explica no livro A interpretação das culturas,queaculturasemprefuncionoucomoummecanismodecontroledoserhumanoecontrolesocialdaspessoasemumgrupo.Parachegaraessesentidodecultura,Geertz,no primeiro capítulo, formula seu próprio conceito de cultura, seguindo os princípios dasemiótica,tambémconhecidacomosemiologia,ciênciaqueestudaossignos.EmboraGeertznãoafirmequetodasasdefiniçõescanônicas,ouconsagradas,comoadeClydeKluckhohn,porexemplo,sejamcompletamenteequivocadas.

Geertz(1989,p.14)afirmaqueaculturaéumateiadesignificadosqueoprópriohomemtece.Foiemtornodoconceitodaculturaquesurgiuaciênciadaantropologia.Escreveuoantropólogo:

Acreditando, comoMaxWeber, que o homem é um animal amarrado a teias designificadosqueelemesmoteceu,assumoaculturacomosendoessasteiaseasuaanálise;portantonãocomoumaciênciaexperimentalembuscadeleis.Mascomoumaciênciainterpretativa,àprocuradosignificado.Éjustamenteumaexplicaçãoqueeuprocuro,aoconstruirexpressõessociaisenigmáticasnasuasuperfície.(GEERTZ,1989,p.15).

ParaGeertz,aanáliseantropológicaéumaformadeconhecimentoeaomesmotempoumestarnomundo.Eledáoexemplodediferentessignificadosparacadapiscadeladeolhoscitandooutroestudioso,Ryle.Emcadacultura,aaçãodepiscartemdiferentessignificadose a tarefa do antropólogo é interpretar como é o sistema, ou teia, em que as piscadelasfuncionamcomosinaisdecomunicação.Cadacontextodeumaculturadeterminaoucriasignificadosdiferentes.

Geertz(1989,p.14)citaas26noçõesdeculturalistadasporKluckhohn,entreelas,“olegadosocialqueo indivíduoadquiredoseugrupo”. Issoporqueaspessoasnumaculturaconstroemsignificaçõeseestabelecemcódigos,quesãoentrelaçados.Écomoseaculturafosseumamensagemnagarrafaeprecisasseserdecifradaeinterpretada.Paraele(1989,p.20)aculturaépúblicaporqueosignificadoépúblico,comoaspiscadelasreferidas:“Emborauma ideação, não existe na cabeça de alguém; embora não física, não é uma identidadeoculta”.Geertz(1989,p.20)acreditaqueaculturaéumaaçãoquesignificaeésimbólica,“comoafonaçãonafala,opigmentonapintura,alinhanaescritaouaressonâncianamúsica”.

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Nãoimportaseaculturaé“umacondutapadronizadaouumestadodamenteoumesmoasduascoisasjuntas”.

Aindasobaideiadesseautor(1989,p.21):“Oquedeveindagaréqualéasuaimportância:oqueestá sendo transmitidocoma suaocorrênciaeatravésda suaagência, sejaelaumridículoouumdesafio,umaironiaouumazanga,umdebocheouumorgulho”.

Paranãocorreroriscodereduziraideiadecultura,Geertz(1989,p.21-23)argumentanadireçãodequeaculturaésubjetivaetambémésocial,formalista,repletadesignificação,paradigmas, genealogias. A partir das ideias do antropólogo, podemos perguntar: umasinfoniadeBeethovenéumaamostradacultura?Ela transcendesuaexistênciamaterial?Paraele,precisamos,paraentendercultura,saberqueaculturaconsisteemestruturasdesignificadosocialmenteestabelecidas,nostermosdasquaisaspessoasfazemcertascoisascomosinaisdeconspiraçãoesealiamoupercebemosinsultoserespondemaeles,nãoémaisdoquedizerqueesseéumfenômenopsicológico,ouumaoperaçãomentalouumadeterminada classificação. Para entender cultura é preciso “situar-nos”, interagirmos comas outras culturas com as quais convivemos e entender seu discurso. Assim, a cultura éentendidacomoumanarrativadesignificadosentrelaçadosondemoraamultiplicidadedesentidosquemudamquandoentrameminteração.Nessesentidoaideiadediversidadeficabemclara.DizGeertz:

Deve-se se atentar para o comportamento e, com exatidão, pois é através dofluxodocomportamento–ou,maisprecisamente,daaçãosocial–queas formasculturais encontram sua articulação. Elas encontram-na também, certamente, emváriasespéciesdeartefatose váriosestadosde consciência. Todavia, nestes casososignificadoemergedopapelquedesempenham(Wittgensteindiriaseu ‘uso’)nopadrãodevidadecorrente,nãodequaisquerrelações intrínsecasquemantenhamumascomasoutras.(GEERTZ,1989,p.27).

Entender adiversidadedas culturas é respeitaro fatodequeexistemvárias culturasequemuitasvezesaspessoasdeumaculturanãoconseguemcompreenderasdeoutras.Porisso,dizGeertzexplicasobreumaculturaquenãotemdesepautarnacoerênciacomoprimeiroinstrumentodeestudodeumdiscursoculturalesocialnabuscaporcompreenderseussignificados.Poressarazãoédifícilfazergeneralizaçõesoubuscarelementosculturaisuniversais,ouseja,comumatodasasculturas,pelomenosnocampodaantropologia.

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Figura 1 – Diversidade de culturas

Como veremos abaixo com o pesquisador Teixeira Coelho, a diversidade pressupõeconsiderar que cada cultura possui uma identidade e o conceito de diversidade prevê essa ideia.Pensandosobreaquestãodadiversidadecultural,eleafirma:

Mesmoquando aparecenosdocumentosmais esclarecidosproduzidospor ramosesclarecidos da sociedade política por vezes mais avançada, sob algum aspecto,como a UNESCO, costuma-se implicitamente (e muita coisa fica estrategicamenteimplícitaquandose falade cultura...) entenderqueadiversidadedeque falamascartaseconvocaçõesquehojesedifundemportodaaparteéumadiversidadedegrupos,decoletivosedegrandescoletivosquenolimiteidentificam-seoutravezàs...nações, quandonãoaosEstados.De tal formaquegarantir adiversidade cultural,nesseentendimento,seriaumaoperaçãodosEstados,cuidandooutravezcadaumdoseu,doseupróprio,doseuquelheésupostamenteespecífico.Emoutraspalavras,oquesefazéentenderqueprotegeradiversidadeéprotegera identidadeeuma identidade,estaidentidadedesteterritório,quandoaquiloquedefatosetrataédaproteçãoedaestimulaçãodetodaadiversidade,detodaela.Adiversidadedaculturanestaépocadeveserentendidaemseusentidomaisradical,porquediversidadenãoapenasdeumterritórioemrelaçãoaoutro territórioexteriorcomono interiordopróprioterritório,dapróprianação,dopróprioEstado–eestanãoéumadiversidadedos grandes grupos, mas das singularidades. Singularidades que podem formarum conjunto e se reforçar nesse conjunto mas que nem por isso deixam de sersingularidades.(COELHO,2008,79-80).

Adiversidade,segundoCoelho,pressupõeumasomadesingularidades.Issoporqueasaçõeshumanas,quetêmsignificadosocialeconcreto,ocorremno“mundopúblicodavidacomum”,econformeGeertz (1989,p.40),emumdeterminadotempoeumdeterminadolugar.Decertomodoissoéconceberculturaapartirdoterritório,deumlugarespecífico,oEstado-nação,quetemumpapelespecíficonacultura,conformeexplicaTeixeiraCoelho.

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Concluindo:ohomemnãoéuniforme,eleédiversoevivenumaculturadiversa,misturadapelaglobalização,enãoépossíveluniformizarouuniversalizarpadrões reconhecíveisnosdiferentessistemasculturais.

No capítulo segundo do livroA interpretação das culturas, “O Impacto do ConceitodeCulturasobreoConceitodeHomem”,Geertzafirmaqueasciênciassociaissedividemerroneamente ao perceber as culturas, ou da perspectiva do relativismo cultural, comoveremosnaaulaseguinte,oucomoohomemtendoumaorigemcomum,uniformeeuniversal:

Tivemos, e de algumamaneira ainda temos, ambas essas aberrações nas ciênciassociais–umamarchandosobabandeiradorelativismocultural,aoutrasobabandeiradaevoluçãocultural.Mastivemostambém,emaiscomumente,tentativasdeevitaraambasnosprocurandoprópriospadrõesculturaisoselementosdefinidoresdeumaexistênciahumanaaqual,emboranãoconstantenaexpressão,éaindadiferenteno

caráter.(GEERTZ,1989,49).

OqueGeertzquedizeréquequalquercaracterísticauniversaldaexistênciahumanatemdesercombinadacomasespecificidadesdaspessoasdentrodesuacultura,poisohomeméuniversaleparticularaomesmo tempoevários fatoresestãoenvolvidosnessa ideiadouniversal/particular.Geertzpropõeumavisãodesínteseedeintegraçãodeconceitosparaexplicarohomemdentrodaculturaenessepontooantropólogoentendeaculturacomoummecanismodecontrole:

Na tentativa de lançar tal integração do lado antropológico e alcançar, assim, umaimagemmais exatadohomem,queroproporduas ideias.Aprimeiradelas équeaculturaémaisbemvistanãocomocomplexosdepadrõesconcretosdecomportamento–costumes,usos,tradições,feixesdehábitos–,comotemsidoocasoatéagora,mascomoumconjuntodemecanismosdecontrole–planos, receitas, regras, instruções(o que os engenheiros de computação chamam de ‘programas’) – para governaro comportamento. A segunda ideia é que o homemé precisamente o animalmaisdesesperadamentedependentedetaismecanismosdecontrole,extragenéticos,foradapele,detaisprogramasculturais,paraordenarseucomportamento.(GEERTZ,idem).

Paraoautor(1989,p.57),essaideiadeculturacomotalmecanismodecontroleadvémdofatodeopensamentohumanosersocialepúblico,de“[...]queseuambientenaturaléopátiofamiliar,omercadoeapraçadacidade”.Trata-sedeumtrânsitodesimbolismos–palavras,gestos,música–significadoscoletivos,quecompletamohomemdentrodecadaculturaeordenamseucomportamento.

Comoexplicaressefuncionamentodocontrolesocialdocomportamentonassociedadescontemporâneasemsuarelaçãocomaideiadediversidade?Caberiaaogoverno,ouEstado-nação, o poder de controlar a sociedade e sua forma de pensar, como ocorre, conformeexplicaCoelhono livroA cultura e seu contrário.OEstado-nação teriadepreservarumaidentidadedecomportamentosociale,aomesmotempo,relacionar-secomapropostadecomportamentoadvindadaideiadeglobalização.

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3 Cultura controlada pelo Estado-nação

Teixeira Coelho fala da relação da cultura com o controle da sociedade pelo Estado-maçãonolivroA cultura e seu contrário,nocapítulo“PorumaCulturaemTudoLeiga”.OautorchegaàconclusãodequeoEstado-nação ignorao simbolismodaculturaoriginaleimpõeoutrosimbolismoparaexerceropoderefetivamentesobreasociedade:

Atentativadecontroledoculturaltorna-seentãoritualsocialdesprovidodequalquermito(nemmanifestaçãodeumeventualpensamentomágicoouselvagemé)quenãosejaodatentativaimediatistaeoportunistadecontroledopensamentoedaexpressãoeodaafirmaçãodeumpoder.Nessa lógicaobscura,eobscurantista,encaixam-setantoorecenteprojetodeleidodeputadofederalbrasileiroAldoRebeloproibindoorecursoapalavrasdeorigem‘estrangeira’(querdizer,deorigemestranha,semlevaremcontaqueparaoserhumanodoséculo21nãoapenasnadaéestranhocomonadaéestrangeiro)quantoacriação,noMinistériodaCultura,deumaSecretariadaIdentidade(edaDiversidadeCultural,emsubstituiçãoaumaanterior,destamesmaatualgestão,intituladaSecretariadeApoioàPreservaçãodaIdentidadeCultural).Umtítuloqueprovocacalafrios.Aculturacontemporânea,maisdoquehíbrida (oquepressupõealgumaculturaqueeventualmentenãooé,umaculturapura inicial),éflutuante,etantoumaprovidênciaquantooutracarecemhojedesentido.MesmoumdocumentocomoaAgenda21daCulturacujaorigem,apesardedistantesaparênciasemcontrário,estáaindasuficientementevinculadaàsociedadepolíticaedecorredatentativade implementaçãodeoutrosdocumentosquesãotambémdasociedadepolítica, comoaCartadosDireitosHumanose aDeclaraçãoUniversal daUNESCOsobreadiversidadecultural reconheceu,em8demaiode2004,noseuartigo13,algoqueaantropologiaculturalmaisabertajásabeháalgumtempo,istoé,que‘aidentidadeculturalde todo indivíduoédinâmica’.Sea identidadeculturalde todoindivíduoédinâmica,oqueincluiseusvetoresmaisimateriaistantoquantoaquelebemmaterial (apesar denão ser assim chamado) que é a língua, não se entendecomopoderiaserpossível,emenosaindadesejável,umasecretariadeEstadoquebusquepreservaressaidentidade.Aideiadepreservaçãoeanoçãodedinâmicasãoantitéticas.(COELHO,2008,p.76-77).

Paradoxos como esse acima explicado por Coelho estão incluídos na maioria dassociedades contemporâneas. Apesar da globalização cultural do mundo contemporâneo,associedadesaindaprocuramrepresentar-sedeformasingular,porumconjuntosesignosfacilmente identificáveis, como uma bandeira, um ritmo musical, como o samba, ou areligião,comoacatólica.Diz-sequeobrasileirodosanos1930doséculopassadocultivavao estereótipodamalandragem, identificada como gingadodo samba e a cormulata dosmorrosefavelasbrasileiras,berçodosamba,criadoetrazidodaÁfricapelosnossosbisavósetataravósnegros.

Perderessetipodeidentificaçãoéumpoucoperdernossaidentidade.Jápensououvirapenasamúsicapopularnorte-americana,pormaisincríveisquetenhamsidoTheBeatles,sóporqueasemissorassóexecutamcançõesglobalizadas?Oujápensousomenteemouviraxé

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epagode,quevieramdosamba,mesmocommisturasinternacionais,comasquaistambémnosidentificamos,sóporqueogovernoquepreservarnossaculturabrasileira?

Aidentidadedagente,misturada,chamadadehíbridapelospesquisadoresdasciênciassociais,estáemtodososmomentose lugaresdaexistênciadecadaumdenósdevidoaofenômenodaglobalização,naeconomiaenamoda,napolíticaenaculinária.Éporissoquesedizqueaculturaédinâmica,istoé,mudaconformemudaahistóriadahumanidade.Mas,afinal,comopreservarcertasmaneirasdeseroudesealimentareviversimultaneamentenomundoglobalizado,usufruindodeseusbenefíciosecombatendooufazendomelhoriasemseusdefeitos?Coelhodiscuteoparadoxoqueeleapontanacultura:

No limite, o único modo de preservar algo que é dinâmico e que, portanto, nãose sabe para onde vai e do qual, por conseguinte, não se sabe o que se poderápreservar, seria apoiar e preservar ao acaso todas as formas da diversidade comoúnica probabilidade de favorecer aquele dinamismo. Apoiar a diversidade, porém,alémdenãoseroqueessasprovidênciasdefatobuscam,tornou-serigorosamenteimpossível,materialmente, fisicamente impossível (para nãomencionar o aspectoideológicorelativoaoconteúdo)dopontodevistadeumapolítica cultural de Estado,dadoo leque imensodeopções.Eseporpreservara identidadeculturaloqueseentender for o apoio às tradições culturais firmadas e tabelionadas (pois se tratanessecasodeumaculturadetabelião,aculturanotarial,nomeverdadeirodemuitodoqueseapresentasoborótulodepatrimôniohistóricoeculturalequeéaquelaqueexpede‘certificadosdeorigem’e‘devalidade’doprodutocultural),valeapenamaisumavezouvirdiretamenteaAntonioNegri,sobmaisdeumaspectoinsuspeito.Éradicalsuaaversãoàculturaarcaica,querissoserefiraaomodoetempodevidadotrabalhotradicional,agrícolaouartesanal,queràrepresentaçãomaisestritamentecultural,umaeoutra‘encarnadasemmitosnãoefetivos’,querdizer,emmitosquenãomais têmascendênciasobreo real.Suaposiçãoa respeitonãoadmitemeias-medidas nemmeias-verdades: não hámais espaço para a nostalgia da defesa doEstado-Nação, ‘daquela barbárie absoluta de quederamprova definitivaVerdun eobombardeiodeDresden,HiroshimaeAuschwitz’, listaàqualeuacrescentariaosatos,emcatadupa,daURSS,daChinamaoísta,doEstadopinochetistaedoEstadodosditadoresbrasileiroscunhadoresdaqueleBrasildo‘Ame-ooudeixe-o’queumaredenacionaldetelevisãotransformouemgritoprimaldeafirmaçãopatrioteiraquecontinuaemvigorhoje, 30 anos apósomomentode sua criação, 20 anosdepoisdofimdoperíodoemcujoseionasceu.OEstado-nação,continuaNegri,nadamaiséqueumaideologiafalsaedanosa,àqualseopõemasredesdemovimentosque,‘comotudoaquiloqueacontecelivrementenomundo’,sãomúltiplasediferenciadas.Toda tentativa de impedir o desdobramento dessesmovimentos, esses realmentelibertários,éreacionáriaeexpressaoperaçõessectárias.(NEGRI,2008,p.77-78).

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4 Estado-nação e mundo globalizado

AideiadeEstado-naçãoganhouforçaapósofenômenodaglobalizaçãoterseexpandidonadécadade1980doséculopassado.Seomundopassaasergeridodeescritóriosglobaisinstaladosemcidadeslocaisaelesligadas,taisescritóriosinfluenciamdesdeomododevidadaspessoasatéaeconomiaepolíticadospaísesondeessascidadesse localizam.Muitoscientistassociais,comoosaquicitados,acreditamqueaglobalizaçãoenfraqueceanoçãodeEstado-naçãoeaidentidadedecadapaísesuapopulação,jáquetodaaçãolocalpressupõeconsequênciasglobaisouvice-versa,comovimosemaulasanteriores.Aidentidadeparaserumconceitodinâmico,mutáveleintercambiável.

A consequência desse enunciado político relativo ao Estado-nação no campoestritamenteculturaloudaculturaestritaéclara.Porcerto,seriaumdespropósitopromover a erradicação daquilo a que, sem que isso seja jamais assim definido eanunciado,sechamadeculturaarcaicaeéentendidotradicionalmentecomovetorda identidade cultural. Toda tentativa, porém, de ancorar aí a identidade culturalque, como até a Agenda 21 reconhece, é dinâmica, não passa de manifestaçãoprofundamente anacrônica ou, como diz Negri, reacionária e sectária. (COELHO,2008,p.78).

Nestepontocomeçamosproblemasdeambivalência.Porum lado,osEstado-naçõesglobalizados desejam assim permanecer e trocar simbolismos culturais, difundidos, emespecialpelaTVeoutrasmídiasglobalizadas.Poroutro,desejammantersuas identidadesespecíficas.AfirmaCoelho:

OEstadonãopodeacreditarqueaidentidadedetodoindivíduosejadinâmica.EsseEstadonãoquerquea identidadede seus súditos sejadinâmica. ParaoEstado, aunidadeéanorma.ComodizClastres,oEstadonãopodeacreditarqueaidentidadede todo indivíduo seja dinâmica. Esse Estado não quer que a identidade de seussúditossejadinâmica.ParaoEstado,aunidadeéanorma.ComodizClastres,oEstadoéoUm,oEstadoéoUno,oEstadoéumtriunfodoUnoaopassoqueasociedadecivilécadavezmaismúltipla,cadavezmaisdiversa–comoreconhece,aliás,ummembrodaprópriasociedadepolíticacomoaUNESCO,vozculturaldaONU.(COELHO,idem).

5 Diversidade e cultura

Asoluçãoaindaestáporserpensadapelospaíses,masoscientistassociaispropõemqueosgovernosrespeitemasubjetividade,queéomotor,ouvetor,dadiversidadecultural,que,por suavez, formaa identidadedeuma sociedade,mesmodentrodoparadigmadaglobalização.EscreveCoelho:

Os movimentos da sociedade civil, como a rede de celulares espanhóis que emmarçode2004acaboudederrotarumgovernojábatido,aoladodasflutuações,dasmigrações,donomadismodoqualMichelMaffesolifazoelogio,damestiçagemedo

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hibridismodeNestorG.Canclini,sãoforçasdelibertaçãoeflorescimentonãomaisapenasdoindivíduomasdosujeitoedasubjetividade–nodizerradicaldeNegri,sãomesmoaforçaaserusadacontraasubordinaçãoaideologiasreacionáriascomoanação,aetnia,opovoearaça.EsseEstadoquequerumaculturaunajásedissolveu,semqueoadmita,norio-correntedahistória.(COELHO,2008,p.78).

Considerações finais

Acompanhamosodebatedoscientistassociaisepercebemosaimportânciadepreservaradiversidadedasculturasedassubjetividades,semasquaisnãohádiversidadecultural,oque é negativopara a longevidadeda espécie humana, já que se alimentadediferenças.Assim,apropostadeCoelhoéqueosEstados-naçõescriempolíticasculturaisqueincluamorespeitoàdiversidade.Sóassimconstruiremosumplanetasustentável.ApesardopessimismodafirmaçãoabaixodeCoelho,oscidadãostêmdemanteraesperançaqueconseguiremosmanteradiversidadehumana.

Apolíticaculturaldacontemporaneidademarcadapelapluriemergênciadasociedadeciviltementãode levaremcontaessamultiplicidadedesubjetividades.Podefazê-lo?Éviávelumapolíticaculturalparaassingularidades,desdeaperspectivaemquesecolocaoEstado?Dopontodevistaquantitativo,nasatuaiscircunstâncias,esobo ângulodo conteúdo, a resposta énão.As singularidades são legião, os recursosmostram-se ínfimose critérios justosparadecidir quais singularidades contemplarinexistemenãopodemserformulados.Diantedessaimpossibilidade,aopçãopelapolítica do coletivo, do geral, não apenas é conservadora, reacionária ou sectária,porcontrariartodaatendênciacontemporânea,comoirrelevantee,aofinal,inútil.(COELHO,2008,p.81).

Referências

COELHO,T. A cultura e seu contrário.SãoPaulo:Iluminuras,2008.(ItaúCultural.)

GEERTZ,C.A interpretação das culturas.RiodeJaneiro:LivrosTécnicoseCientíficosEditora,1989.

MICHALISZYN,M.S.Educação e diversidade.Curitiba:Ibpex,2011.

NEGRI,A.5liçõessobreoimpério.RiodeJaneiro:DP&A,2003.p.35,apudCOELHO,T.A cultura e seu contrário.SãoPaulo:Iluminuras,2008.(ItaúCultural)