Ethos Na Argumentação

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O ETHOS NA ARGUMENTAÇÃO Elisa Guimarães 1 RESUMO: A proposta fundamental deste estudo é explorar, de uma perspectiva lingüística, que é a da análise do discurso, a maneira como se coloca a questão do ethos oratório como componente da eficácia na persuasão. Articulando o campo lingüístico da análise do discurso com o âmbito da retórica e da teoria da argumentação, explora-se a diversificação do ethos em razão dos tipos e gêneros de discursos. Para isso, analisam-se excertos de dois tipos de discurso – didático e político – evidenciando laços de maior ou menor comprometimento mantidos por esses tipos de discurso com a função do ethos, ou seja, com os traços que visam a engendrar no público uma disposição em relação ao orador. Conclui-se em torno da idéia de que a credibilidade do orador, o seu poder de persuasão seja “o efeito de seus ethos manifestado no discurso” (Aristóteles) PALAVRAS-CHAVE: ethos; discurso; retórica; argumentação. RÉSUMÉ: Cette étude a pour but, dans une perspective linguistique, qui est celle de l’analyse du discours, examiner la position de l’ethos oratoire dans le domaine de l’argumentation. Tout en articulant le champ linguistique de l’analyse du discours avec celui de la rhétorique, on étudie la diversité de l’ethos par rapport aux types et aux genres de discours. Deux types de discours sont analysés – le discourse didactique et le discours politique. L’analyse met en relief les traits de l’ethos dans la fonction d’argument, tout en permettant conclure sur la crédibilité de l’orateur – effet de son ethos manifesté dans le discours. MOTS-CLÉ: ethos; discours; rhétorique; argumentation. As considerações aqui apresentadas alicerçam-se no arcabouço teórico presente nos seguintes autores e obras: Aristóteles, na Retórica; Chaim Perelman e Olbrechts-Tyteca, no Tratado de Argumentação; Dominique Maingueneau, em Genèses du Discours; Oswald Ducrot, em Le dire et le dit. Nessas reflexões, fugindo ao perigo de uma possível dispersão, terão como pauta os seguintes itens: 1 Universidade de São Paulo e Universidade Presbiteriana Mackenzie

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Grande texto sobre o tema, de um dos autores mais respeitados no assunto.

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  • O ETHOS NA ARGUMENTAO

    Elisa Guimares 1 RESUMO: A proposta fundamental deste estudo explorar, de uma perspectiva lingstica, que a da anlise do discurso, a maneira como se coloca a questo do ethos oratrio como componente da eficcia na persuaso. Articulando o campo lingstico da anlise do discurso com o mbito da retrica e da teoria da argumentao, explora-se a diversificao do ethos em razo dos tipos e gneros de discursos. Para isso, analisam-se excertos de dois tipos de discurso didtico e poltico evidenciando laos de maior ou menor comprometimento mantidos por esses tipos de discurso com a funo do ethos, ou seja, com os traos que visam a engendrar no pblico uma disposio em relao ao orador. Conclui-se em torno da idia de que a credibilidade do orador, o seu poder de persuaso seja o efeito de seus ethos manifestado no discurso (Aristteles) PALAVRAS-CHAVE: ethos; discurso; retrica; argumentao. RSUM: Cette tude a pour but, dans une perspective linguistique, qui est celle de lanalyse du discours, examiner la position de lethos oratoire dans le domaine de largumentation. Tout en articulant le champ linguistique de lanalyse du discours avec celui de la rhtorique, on tudie la diversit de lethos par rapport aux types et aux genres de discours. Deux types de discours sont analyss le discourse didactique et le discours politique. Lanalyse met en relief les traits de lethos dans la fonction dargument, tout en permettant conclure sur la crdibilit de lorateur effet de son ethos manifest dans le discours. MOTS-CL: ethos; discours; rhtorique; argumentation.

    As consideraes aqui apresentadas aliceram-se no arcabouo terico presente nos

    seguintes autores e obras: Aristteles, na Retrica; Chaim Perelman e Olbrechts-Tyteca, no

    Tratado de Argumentao; Dominique Maingueneau, em Genses du Discours; Oswald

    Ducrot, em Le dire et le dit.

    Nessas reflexes, fugindo ao perigo de uma possvel disperso, tero como pauta os

    seguintes itens:

    1 Universidade de So Paulo e Universidade Presbiteriana Mackenzie

  • 1) definio e desdobramento do ethos;

    2) o ethos na concepo de Aristteles e de seu sqito;

    3) ethos: uma construo puramente linguageira ou uma posio institucional?;

    4) o ethos visto como componente da eficcia da persuaso, no discurso didtico e no

    discurso poltico.

    Iniciemos, ento, apresentando a definio e os desdobramentos do ethos.

    Parte integrante do discurso, o ethos prope-se como condio mesma da menor ou maior

    eficcia dos efeitos decorrentes do pronunciamento discursivo. Firma-se bem como um dos

    recursos mais poderosos para a obteno da adeso do ouvinte.

    Lembra-nos Ducrot (1984, p. 201), quando define: o ethos est ligado ao locutor

    como tal; como origem da enunciao que ele se v investido de certos caracteres que, em

    contrapartida, tornam essa enunciao aceitvel ou recusvel.

    Demonstrativo da autoridade de que goza o locutor, sob a fora da competncia que

    o ethos se faz canal da sintonizao entre orador e ouvinte.

    Dessa sintonizao decorre a constituio do discurso visto sob duas perspectivas, ou

    seja, uma perspectiva interacional garantia da eficcia do discurso como resultante de uma

    troca entre os participantes.

    Salienta-se ainda outra perspectiva esta harmonizada como instituio representada

    pelo orador.

    No se pode divorciar a figura do falante dos liames institucionais aos quais ele est

    ligado. No se distancia o sujeito do discurso do seu campo de atuao profissional. Assim,

    no se pode conceber o esprito dos discursos didtico e poltico, por exemplo, fora das

    propostas das instituies por eles representadas.

    A posio institucional do orador marca sua vinculao com o saber, com uma dada

    filosofia vinculao que se ajusta tambm maneira como o orador passa a se comunicar

    com seu auditrio.

    Assim, tanto na perspectiva interacional quanto na perspectiva institucional,

    manifesta-se o ethos que, segundo Maingueneau, traduz ainda no tom, e se apia em uma

    dupla figura do enunciador aquele de um carter e de uma corporalidade (1984, p. 100).

  • da concepo pragmtica o princpio que confere ao peso do discurso, a sua

    completude, a poderosa influncia dos gestos, da maneira de olhar, do tom da voz. So

    recursos no-discursivos que, no entanto, propem-se como canais eficazes do perfil do

    orador, da captao de traos definidores de seus ethos.

    Lembra, pois, a Pragmtica que esses recursos so marcas significativas da atividade

    discursiva.

    Do exposto at aqui, faz-se plausvel aliar a noo de ethos noo de apresentao

    de si, emprestada de Goffman a expresso, em La Mise em scne de la vie quotidienne

    (1973).

    Passemos segunda parte do item 1, ou seja, aos desdobramentos do ethos.

    Lembremos o fato desse desdobramento, primeiro no registro do mostrado e,

    eventualmente, do dito.

    Maingueneau insiste no princpio de que o ethos no dito explicitamente, mas

    mostrado.

    Diz o autor:

    O que o autor pretende ser, ele o d a entender e mostra; no diz que simples ou

    honesto, mostra-o por sua maneira de se exprimir. O ethos est, dessa maneira,

    vinculado ao exerccio da palavra, ao papel que corresponde a seu discurso, e no

    ao indivduo real (apreendido) independentemente de seu desempenho oratrio:

    , portanto, sujeito da enunciao (1993: 138).

    No processo de desdobramento do ethos, salienta-se a importncia do papel dos

    esteretipos modelos pr-construdos que imprimem figura do orador um pr-

    conhecimento que permite ao ouvinte o traado de uma impresso antecipada do ethos a ser

    manifestado na atividade oratria. Trata-se de um esquema coletivo cristalizado, forjador de

    imagens pr-concebidas que condicionam a postura do ouvinte/leitor em relao aos possveis

    efeitos do discurso. o que ocorre, por exemplo, nos discursos didticos, cujo auditrio

    dispe previamente de dados que lhe permitem alimentar impresses prvias a respeito da

    figura do professor.

  • momento de lembrar ainda o fator da diversificao do ethos em razo dos tipos e

    dos gneros de discursos aos quais se ajusta. Assim, por exemplo, o discurso publicitrio

    atribui a priori um papel maior ao ethos do que o discurso filosfico.

    O segundo item dos princpios que pautam estas consideraes diz respeito ao ethos

    segundo a concepo de Aristteles e a dos autores que nele se inspiram.

    No captulo 8 da Retrica, Aristteles explora a questo das diferentes formas de

    governo ligadas s finalidades a que se destina cada uma. Empresta, por exemplo,

    democracia o trao de carter da liberdade; oligarquia o da riqueza, bem como a educao e

    as leis aristrocracia.

    So as finalidades de cada forma de governo que determinam o carter que lhes

    apropriado, ou o ethos do administrador.

    A imagem desse dirigente desenha-se na mente do auditrio, muitas vezes

    inconscientemente, por fora da maneira como interpretado o discurso e analisada a postura

    do orador.

    Desse fato decorre a convenincia da sintonizao entre o orador e o auditrio o

    orador empenhado em transmitir uma imagem positiva, digna de confiana, de apreo.

    Perelman, em seu Tratado de Argumentao (1977), salienta a importncia dessa

    sintonizao, confere particular estatuto ao auditrio a cuja reao fica condicionado o menor

    ou maior sucesso do discurso.

    Sob a denominao do ethos oratrio, Aristteles explora cada um dos trs

    componentes de eficcia na argumentao, ou seja, o logos, o ethos e o pathos fatores que

    tanto afetam a razo quanto a sensibilidade, as paixes.

    do saber aristotlico a definio do ethos como imagem de si construda no

    discurso. Para ele, a ponderao, a simplicidade, a sinceridade so predicados capazes de tecer

    a confiana no exerccio oratrio.

    Os romanos, entre Ccero e Quintiliano, vem o ethos como um dado preexistente que

    se apia na autoridade individual e institucional do orador.

    Maingueneau insiste no princpio de que o ethos do orador vincula-se com a cena da

    enunciao o que lhe facilita uma escolha mais livre de sua cenografia.

  • No discurso poltico, por exemplo, o candidato de um partido pode apresentar-se como

    homem honesto, dinmico, experiente, conhecedor das necessidades da regio donde se

    pode deduzir a dimenso tanto moral quanto estratgica do ethos.

    Como j foi comentado, independentemente das inferncias que possam ser fruto do

    discurso, ou seja, do ethos discursivo, que est ligado ao ato de enunciao, h possibilidade

    de representaes prvias do ethos do enunciador, construdas pelo auditrio.

    Ocorre at mesmo que o simples fato de que a pea oratria se enquadra num

    determinado gnero de discurso o que implica uma cosmoviso acarreta expectativas,

    julgamentos prvios a respeito do ethos.

    O lugar que engendra o ethos , por conseguinte, o discurso; o logos do discurso

    condiciona-se aos tipos de escolhas feitas pelo orador.

    De fato, no dizer de Aristteles, toda forma de expresso resulta de uma escolha entre

    vrias possibilidades lingsticas e estilsticas. O verdadeiro corpo de persuaso so os

    argumentos (Retrica).

    Conforme anunciado, o terceiro item de nossa exposio visa a responder pergunta:

    o ethos uma construo puramente linguageira ou uma posio institucional?

    Lembremos, numa primeira considerao, as ponderaes de Maingueneau (1993, p.

    138) o ethos segundo o autor no dito explicitamente, mas mostrado, ou seja, manifesta-

    se na maneira como o orador faz uso da palavra, dando a entender, suscitando inferncias,

    convidando o ouvinte a um exerccio de dedues, a uma anlise interpretativa dos dados

    decorrentes da maneira como a palavra est sendo empregada.

    Sabe-se que a eficcia da palavra no resulta nem puramente exterior institucional

    nem puramente interna linguageira donde a impossibilidade da dissociao do ethos

    discursivo, seja no que se relaciona com a posio institucional do locutor, seja no que diz

    respeito interao social.

    Segundo Bourdieu (1982), a especificidade do discurso da autoridade reside no fato

    de que essa compreenso no suficiente e de que a efetivao de seu efeito depende de ele

    ser reconhecido como tal. Esse reconhecimento acompanhado ou no de compreenso s

    acontece sob certas condies as que definem o uso legtimo. (1982, p. 107).

    Tem-se em conta o fato de haver uma srie de mediaes na passagem do sujeito

    falante como ser no mundo para o locutor como instncia do discurso.

  • Ao trabalhar com esteretipos, isto , com esquemas coletivos, como vimos, assim

    como com representaes sociais, o ethos se torna scio-histrico fato do qual se pode

    deduzir da sua constituio uma sintonia harmoniosa entre uma construo linguageira e uma

    posio institucional.

    O quarto e ultimo item de nossas reflexes prope-se a explorar o ethos enquanto

    componente da eficcia da persuaso.

    As idias ventiladas at aqui voltadas para os eixos definio e desdobramentos do

    ethos, concepo constitutiva do ethos oferecem creio subsdios para a pertinncia de

    encar-lo como valioso instrumental de natureza argumentativa.

    Aristteles, na Retrica, concebe o ethos representado em atitudes e virtudes, tais

    como a benevolncia, a eqidade, bem como em maneira de ser, em hbitos costumeiros.

    Da associao dessas duas ordens de fatores resultam os efeitos positivos da atividade

    argumentativa.

    Assim diz Aristteles: Persuade-se pelo carter, pelo ethos, quando o discurso de tal

    natureza que torna o orador digno de f, porque as pessoas honestas nos inspiram uma

    confiana maior. (Ret. II, p. 135b)

    A eficcia do discurso , pois, tributria da autoridade de que goza o locutor, ou seja,

    da idia que seus alocutrios fazem de sua pessoa.

    Tenhamos em mente a maneira como se manifestam os discursos de natureza didtica

    e de natureza poltica, com vistas projeo do ethos como componente do convencimento,

    da persuaso.

    Quanto ao discurso pedaggico/didtico, torna-se relevante um exame de textos que

    apontam, nesse tipo de discurso, marcas forjadoras do ethos do professor marcas que se vm

    tornando, ao longo do tempo, esteretipos j consensualmente aceitos pela sociedade, criando

    um ethos cultural bastante significativo.

    Circulam na sociedade textos e discursos que permitem perceber os caminhos

    constitutivos do ethos cultural do professor. Esses documentos contm caractersticas

    identitrias prprias da atividade docente, articulando com o saber o fazer do professor.

    Preceitos consolidados na prtica pedaggica solidificam o ethos do professor.

  • Lembre-se de que o professor atua em sala de aula, por conseguinte, diante de um

    auditrio donde se pode inferir uma situao perene de testagem da sua competncia

    retrica. Dessa competncia depende o menor ou maior sucesso do professor em relao a seu

    objetivo fundamental, ou seja, persuadir o seu auditrio, visto ser a argumentatividade

    inerente ao discurso.

    Alcanar esse objetivo parte da luta pelo processo no s de instruo, mas de

    formao do aluno.

    Sabe-se que a sociedade em geral espera do mestre um tipo especial de

    comportamento, dele traando um ethos de carter exemplar, emprestando-lhe a autoridade

    capaz de convencer ou persuadir.

    Constata-se o imaginrio popular situando a figura que do professor no domnio do

    herosmo, at mesmo da santidade ao lhe conferir foros de missionrios junto escola.

    Para exemplificar esses princpios, leiam-se os seguintes textos:

    Educador, ao contrrio, no profisso; vocao. E toda vocao nasce de um

    grande amor, de uma grande esperana. Profisses e vocaes so como plantas.

    Vicejam e florescem em nichos ecolgicos, naquele conjunto precrio de

    situaes que as tornam possveis e quem sabe? necessrias. Destrudo esse

    habitat, a vida vai se encolhendo, murchando, fica triste, mirra, entra para o fundo

    da terra, at sumir. (ALVES, Rubem, 2002). Conversas com quem gosta de

    ensinar. Campinas: Papirus, p. 27).

    Um professor passou pela minha vida de maneira diferente: Alexeu, meu

    professor de fsica. Da classe dele eu no corria. Ningum conseguia dar uma aula

    mais alegre, mais forte e mais clara do que a dele. Ele tinha uma forma prtica de

    ensinar. (...) Graas ao contato que tive com ele, j no final da minha vida escolar,

    eu saberei orientar os meus dois filhos. Se todos os professores fossem iguais a

    ele, eu no teria passado em branco pela escola. Certamente eu teria sido, sem

    vergonha nenhuma, um bomaluno. (MARQUES, B. (1994). A lio que s foi

    entendida depois que a aula acabou. In: Nova Escola. So Paulo: Editora Abril,

    agosto.)

  • emocionante analisarmos o contexto socioeducacional e percebermos a grande

    importncia do educador na formao e reconstruo da sociedade. Ele tem em

    suas mos a oportunidade de mudar, criar, disciplinar e reconstruir a vida de um

    ser humano. (SOARES, A. R. (2004). Educador. Ser ou no ser? Disponvel em:

    http://gabpsicopedagogia.com/artigo_alessandro.

    Consolida-se a idia de paixo na constituio do ethos cultural do professor este

    consubstanciado no processo de trocas comunicativas, ao mesmo tempo que na construo

    das respectivas identidades, professor/aluno.

    Assim, paralelamente ao logos base da trade retrica salienta-se um jogo de

    reciprocidade, ethos e pathos sintonia da qual decorre o ethos coletivo do educador.

    Quanto ao discurso poltico o outro tipo selecionado para ilustrar os princpios

    norteadores destas reflexes -, intenta-se mostr-lo como um ato de fala pragmtico,

    interativo, movido pelo af do poder. Um discurso que aproveita, portanto, ao mximo a fora

    da linguagem e as circunstncias que se do no ato da fala, tanto as lingsticas quanto as

    paralingsticas e as extralingsticas.

    No processo de construo do discurso poltico, um dos modos de constituio do

    circuito comunicativo corresponde construo, por um lado, de sua imagem pessoal e

    institucional como governante e, portanto, de sua imagem como enunciador coletivo.

    dentro desse modo de constituio, que Landowski (1985) encara o sujeito revestido

    de duas vidas distintas uma individual, outra coletiva; uma privada, outra pblica.

    Nesse sentido, pondera o autor, todo sujeito exerce papis que exigem lugares de exposio e

    esforos de retiro, momentos de apario ou apagamento perante uma testemunha exterior o

    pblico.

    O autor toma como referncia os discursos sociais, entre os quais ele distingue, na classe do

    discurso individual, privado, o dirio ntimo da interioridade do eu e o discurso

    individual pblico do eu socializado.

    No discurso que ele classifica como coletivo, distinguem-se, no nvel privado, o da

    intimidade do ns; no nvel pblico, o ns objeto a imagem institucional.

  • Pode-se deduzir do pensamento de Landowski que se subentende no discurso de

    natureza coletiva a presena do outro ou de outros sujeitos ento revestidos de uma espcie

    de mscara social.

    Enforma-se, pois, a forma lingstica ns como a soma de eu + ns.

    Exemplos extrados de um discurso poltico como passaremos a demonstrar

    patenteiam a diversidade de valores e funes do ns enquanto desmembrado em eu +

    outros ou eu + tu + ele.

    Os exemplos forma extrados de um discurso de Jos Serra, no lanamento de sua pr-

    candidatura Presidncia. Discurso publicado na ntegra pelo Jornal Folha de So Paulo

    18/01/2002.

    1. o tema de nosso governo ser: nada contra a estabilidade, tudo contra a

    desigualdade. Tudo a favor do progresso para todos.

    2. (...) quando saneamos as finanas e recolocamos o Estado no rumo do

    desenvolvimento econmico e social.

    3. No hesitaremos em buscar o dilogo com outros partidos.

    4. Podemos dizer que foram muitos os brasileiros que tiveram a esperana de acabar

    com a inflao.

    Nos trs primeiros exemplos, o ns mais restrito, correspondente a uma 1 pessoa

    do singular ampliada.

    No quarto exemplo, o verbo dicendi dizer referencia uma fuso entre locutor e

    enunciador, ou seja, o pronome ns representa-se na atividade de enunciar distino

    emprestada de Ducrot (1987).

    As passagens a seguir ressaltam a inteno do sujeito-enunciador de atribuir a ns o

    sentido de uma coletividade. Assim:

    1. Agora, temos de ir mais longe, temos de avanar.

    2. Este sonho est ao nosso alcance, j vencemos vrias batalhas.

  • Tem-se nesses exemplos, nos quais se nota o uso do possessivo nosso, um sujeito

    universal o que aponta a forma ns num grau mais alto da escala, ou seja, o ns em

    dimenses mais amplas, abarcando, por isso, muitos outros interlocutores.

    curioso observar a variao do emprego da forma eu completada por ns, num

    mesmo segmento, como se o autor se propusesse a uma insero em todo um grupo com

    quem mantm comunho de idias e de ideais. Veja-se a seguinte passagem:

    a este povo que vou pedir o voto e o apoio, para fazermos desta grande nao uma

    terra de todos.

    O poltico, candidato presidncia da Repblica, se assume enquanto sujeito e tenta

    mostrar ao seu interlocutor leitor a capacidade de convencimento e persuaso num discurso

    racionalmente aceitvel. Expresso de capacidade na qual tambm se inclui a forma como o

    poltico se anuncia enquanto sujeito: eu / ns / 3 pessoa.

    Conhece-se o peso da inteno de impressionar e comover o interlocutor, pela

    explorao do ethos, no tecido prprio do discurso poltico, tendente, por natureza,

    valorizao desse interlocutor na medida de sua participao como sujeito-eleitor. Interpe-se,

    ento, a forma lingstica ele integrada ao ns deslocado o sujeito para o mbito social,

    como quer Bakhtin.

    Referncias

    ALVES, R. Conversas com quem gosta de ensinar. Campinas: Papirus, 2002.

    ARISTOTE. Rhtorique I III. Ed. E trad. de M.Dufour, Paris: Les Belles Lettres.

    BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. So Paulo: Hucitec,2004.

    BOURDIEU, P. Ce que parler veut dire.Leconomie des echanges linguistiques.

    Paris:Fayard,1982.

    DUCROT.O. Le dire et le dit. Paris : Minuit,1984

    GOFFMAN,L. La mise en scne de la vie quotidienne. Paris : Minuit,1983.

    LANDOWSKI, E. Ele, ns e eu: regimes de visibilidade. (trad.port.) Revista de

    Comunicao e Linguagem, n.2, p.145-150.

    MAINGUENEAU, D.Genses du discours. Lige: Mardaga, 1984.

  • -------------------------Le contexte de loeuvre littraire. Paris: Dunod, 1993.

    MARQUES, B. A lio que s foi entendida depois que a aula acabou. IN: Nova Escola, So

    Paulo, Editora Abril, 1996.

    PERELMAN, C. e OLBRECHTS-TYTECA, L.Trait de largumentation, la nouvelle

    rhtorique.Bruxelles:ditions de lUniversit de Bruxelles,1977.

    SOARES, A..R. Educador ; ser ou no ser? Disponvel em gabpsicopedagogia.com/artigo

    alessandro,2004