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ESTUDO TERMODINÂMICO, TERMOECONÔMICO E ECONÔMICO DA GASEIFICAÇÃO DA PALHA EM UMA USINA DE ÁLCOOL E AÇÚCAR Rodnei Passolongo 1 , Thiago Pagoto Alves Luz 1 , Lucas Fernando Biazotti Bonan 1 , Ricardo Alan Verdú Ramos 1 1 UNESP, Departamento de Engenharia Mecânica, Ilha Solteira-SP, Brasil, [email protected] Resumo: Este trabalho estuda a gaseificação da palha da cana em uma usina sucroalcooleira. São estudadas duas configurações, sendo uma a planta de vapor convencional, e a outra uma planta para gaseificação em ciclo combinado, a qual permitiu duplicar a geração de eletricidade, exigindo, porém, um maior valor de venda da mesma. Palavras chave: Cogeração, gaseificação, palha da cana. 1. INTRODUÇÃO A análise de dados do Ministério de Minas e Energia (MME) mostra que o consumo de energia elétrica no Brasil experimenta índices de crescimento superiores ao do seu Produto Interno Bruto (PIB), fruto do crescimento populacional concentrado nas zonas urbanas e da modernização da economia. Devido a essa situação, o incentivo ao uso de outras fontes energéticas e a busca pelo aumento da eficiência de produção de energia tem sido crescente nos últimos anos. Nesse contexto, a conversão da biomassa em vetores energéticos (combustíveis líquidos, gasosos e eletricidade), o estímulo à geração independente e descentralizada com participação de capital privado no sistema através da construção de pequenas centrais termelétricas e o aumento da geração de energia elétrica através da cogeração em indústrias, principalmente no setor sucroalcooleiro, têm se demonstrado alternativas interessantes. Estima-se que apenas 50 % da energia solar sintetizada na cana-de-açúcar seja atualmente aproveitada pelas indústrias. Um terço é convertido em açúcar ou álcool, e o bagaço, que é o segundo terço, é utilizado para atender às necessidades térmicas e de acionamentos da própria fábrica, porém com desperdício de 50 % de potencial energético. O último terço são as pontas e palhas da cana, que são queimadas no campo. A queima da palha da cana-de-açúcar sempre foi uma prática generalizada no setor sucroalcooleiro para facilitar a colheita, mas em 2002, no Estado de São Paulo, principal produtor, foi promulgado um decreto para a eliminação gradual dessa prática, despertando o interesse pela sua recuperação para uso como combustível adicional ao bagaço. Mais recentemente, em julho de 2007, foi assinado o Protocolo Verde, o qual determina que a queimada seja totalmente abolida em todas as áreas com declividade de até 12 % para minimizar os efeitos da poluição. A gaseificação da biomassa sólida é o processo químico de conversão da biomassa em um gás combustível de baixo poder calorífico, formado principalmente por monóxido de carbono, hidrogênio, dióxido de carbono e metano. A integração deste sistema às plantas das usinas sucroalcooleiras pode ser feita utilizando a tecnologia BIG/GTCC (Biomass Integrated Gasification Gas Turbine, Combined Cycle), a qual utiliza uma combinação de turbinas a gás e a vapor, integrada a um gaseificador de biomassa para produção do gás combustível. Na literatura são encontrados diversos trabalhos relacionados ao assunto. A literatura [1] avaliou a viabilidade técnica e econômica de projetos de geração de energia elétrica utilizando como combustível o bagaço, a palha e as pontas da cana-de-açúcar. A tecnologia analisada foi de geração termelétrica com ciclo combinado, operando em cogeração, integrado a sistemas de gaseificação de biomassa para a produção de gás combustível, com e sem adição de gás natural. A análise econômica foi feita através da modelagem e construção de curvas de economicidade do projeto, baseadas nos preços da energia elétrica, do gás natural e nos custos da biomassa. A literatura [2] analisou a possibilidade da utilização da palha como combustível suplementar para caldeiras convencionais de alta pressão (para bagaço), possibilitando assim um aumento de geração de energia excedente com a possibilidade de ser exportada para comercialização. Foi verificado que o uso da palha como combustível complementar ao bagaço em caldeiras de alta pressão convencionais é uma boa opção para aumentar a geração de energia na usina, além de ser financeiramente vantajosa para a empresa, aumentando consideravelmente a receita final da usina, além gerar uma energia limpa e renovável. 2. OBJETIVOS Este trabalho analisa, sob o ponto de vista termodinâmico, termoeconômico e econômico, a gaseificação da palha da cana em uma usina sucroalcooleira, considerando o aproveitamento do gás da biomassa em ciclo combinado. 3. METODOLOGIA 3.1. Análise Termodinâmica A resolução do problema envolve os princípios básicos da termodinâmica: conservação da massa, primeira lei da Proceedings of the 9th Brazilian Conference on Dynamics Control and their Applications Serra Negra, SP - ISSN 2178-3667 790

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ESTUDO TERMODINÂMICO, TERMOECONÔMICO E ECONÔMICO DA GASEIFICAÇÃO

DA PALHA EM UMA USINA DE ÁLCOOL E AÇÚCAR

Rodnei Passolongo 1, Thiago Pagoto Alves Luz 1, Lucas Fernando Biazotti Bonan 1, Ricardo Alan Verdú Ramos 1

1 UNESP, Departamento de Engenharia Mecânica, Ilha Solteira-SP, Brasil, [email protected]

Resumo: Este trabalho estuda a gaseificação da palha da cana em uma usina sucroalcooleira. São estudadas duas configurações, sendo uma a planta de vapor convencional, e a outra uma planta para gaseificação em ciclo combinado, a qual permitiu duplicar a geração de eletricidade, exigindo, porém, um maior valor de venda da mesma. Palavras chave: Cogeração, gaseificação, palha da cana.

1. INTRODUÇÃO

A análise de dados do Ministério de Minas e Energia (MME) mostra que o consumo de energia elétrica no Brasil experimenta índices de crescimento superiores ao do seu Produto Interno Bruto (PIB), fruto do crescimento populacional concentrado nas zonas urbanas e da modernização da economia. Devido a essa situação, o incentivo ao uso de outras fontes energéticas e a busca pelo aumento da eficiência de produção de energia tem sido crescente nos últimos anos.

Nesse contexto, a conversão da biomassa em vetores energéticos (combustíveis líquidos, gasosos e eletricidade), o estímulo à geração independente e descentralizada com participação de capital privado no sistema através da construção de pequenas centrais termelétricas e o aumento da geração de energia elétrica através da cogeração em indústrias, principalmente no setor sucroalcooleiro, têm se demonstrado alternativas interessantes.

Estima-se que apenas 50 % da energia solar sintetizada na cana-de-açúcar seja atualmente aproveitada pelas indústrias. Um terço é convertido em açúcar ou álcool, e o bagaço, que é o segundo terço, é utilizado para atender às necessidades térmicas e de acionamentos da própria fábrica, porém com desperdício de 50 % de potencial energético. O último terço são as pontas e palhas da cana, que são queimadas no campo.

A queima da palha da cana-de-açúcar sempre foi uma prática generalizada no setor sucroalcooleiro para facilitar a colheita, mas em 2002, no Estado de São Paulo, principal produtor, foi promulgado um decreto para a eliminação gradual dessa prática, despertando o interesse pela sua recuperação para uso como combustível adicional ao bagaço. Mais recentemente, em julho de 2007, foi assinado o Protocolo Verde, o qual determina que a queimada seja totalmente abolida em todas as áreas com declividade de até 12 % para minimizar os efeitos da poluição.

A gaseificação da biomassa sólida é o processo químico de conversão da biomassa em um gás combustível de baixo poder calorífico, formado principalmente por monóxido de carbono, hidrogênio, dióxido de carbono e metano. A integração deste sistema às plantas das usinas sucroalcooleiras pode ser feita utilizando a tecnologia BIG/GTCC (Biomass Integrated Gasification Gas Turbine, Combined Cycle), a qual utiliza uma combinação de turbinas a gás e a vapor, integrada a um gaseificador de biomassa para produção do gás combustível.

Na literatura são encontrados diversos trabalhos relacionados ao assunto. A literatura [1] avaliou a viabilidade técnica e econômica de projetos de geração de energia elétrica utilizando como combustível o bagaço, a palha e as pontas da cana-de-açúcar. A tecnologia analisada foi de geração termelétrica com ciclo combinado, operando em cogeração, integrado a sistemas de gaseificação de biomassa para a produção de gás combustível, com e sem adição de gás natural. A análise econômica foi feita através da modelagem e construção de curvas de economicidade do projeto, baseadas nos preços da energia elétrica, do gás natural e nos custos da biomassa. A literatura [2] analisou a possibilidade da utilização da palha como combustível suplementar para caldeiras convencionais de alta pressão (para bagaço), possibilitando assim um aumento de geração de energia excedente com a possibilidade de ser exportada para comercialização. Foi verificado que o uso da palha como combustível complementar ao bagaço em caldeiras de alta pressão convencionais é uma boa opção para aumentar a geração de energia na usina, além de ser financeiramente vantajosa para a empresa, aumentando consideravelmente a receita final da usina, além gerar uma energia limpa e renovável.

2. OBJETIVOS

Este trabalho analisa, sob o ponto de vista termodinâmico, termoeconômico e econômico, a gaseificação da palha da cana em uma usina sucroalcooleira, considerando o aproveitamento do gás da biomassa em ciclo combinado.

3. METODOLOGIA

3.1. Análise Termodinâmica A resolução do problema envolve os princípios básicos

da termodinâmica: conservação da massa, primeira lei da

Proceedings of the 9th Brazilian Conference on Dynamics Control and their Applications Serra Negra, SP - ISSN 2178-3667 790

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termodinâmica (conservação da energia) e segunda lei da termodinâmica.

Considerando que o processo ocorra em regime permanente, desprezando-se todas as energias cinéticas e potenciais, a conservação da massa e as leis da termodinâmica para um volume de controle são representadas pelas Eqs. (1) a (3):

0e sm m (1)

. . . . 0v c v c e e s sQ W m h m h (2)

. .,, . . 0v c j

ger v c e e s sj

QS m s m s

T (3)

onde:

,e sm m : Fluxos de massa que entram e saem do volume de controle, respectivamente (kg/s);

m h : Taxas de entalpia que entram e saem com os fluxos de massa no volume de controle (kW);

. .v cQ : Taxa de transferência de calor para o volume de controle (kW);

. .v cW : Potência referente ao volume de controle (kW);

, . .ger v cS : Taxa de entropia gerada no volume de controle (kW/K);

. .v cQ

T:

Taxa de entropia gerada pelos fluxos de calor (kW/K);

m s : Taxas de entropia que entram e saem com os fluxos de massa no volume de controle (kW/K).

A análise energética, ou da primeira lei da

termodinâmica (balanço de energia), não contabiliza a qualidade da energia que se está perdendo e nem onde ocorrem as irreversibilidades dos processos, ou seja, não identifica onde e porque elas aparecem. A combinação da primeira e da segunda lei da termodinâmica permite estabelecer o balanço de exergia, e possibilita calcular as irreversibilidades nos processos. Para um processo em regime permanente, a irreversibilidade gerada em um processo é dada pela Eq. (4):

0. . . .1v c j v c e e s s

j

TI Q W m ex m ex

T (4)

onde:

exe: Exergia específica na entrada do volume de controle (kJ/kg);

exs: Exergia específica na saída do volume de controle (kJ/kg);

Tj: Temperatura superficial do volume de controle (K);

T0: Temperatura do estado morto (K);

. .v cI : Taxa de irreversibilidade no volume de controle

0 , . .ger v cT S (kW).

Neste trabalho, adotou-se para o estado morto

T0 = 298,15 K e P0 = 101,3 kPa. A exergia específica total é composta pela exergia física

e química [3]. Desconsiderando variações de energia cinética e potencial, a exergia física específica de um fluxo é calculada com base num estado de equilíbrio restrito com ambiente (P0, T0), através da Eq. (5):

0 0 0fisex h h T s s (5)

onde:

h0 , s0: Entalpia e entropia da substância a T0 e P0. Para uma solução ideal de substâncias puras, a exergia

química é dada por [4]:

0; lnqui i i iqui kk i

ex x ex R T x x (6)

onde:

ix : Fração molar do componente na mistura;

;qui kex : Exergia química padrão molar de cada componente da mistura (kJ/kmol);

R : Resultante molar dos gases (kJ/kmol K). Para a avaliação do desempenho das plantas, são

definidos alguns índices, que são utilizados para comparação de produtos de diferentes qualidades termodinâmicas, tais como energia térmica e potência produzida [5].

O Fator de Utilização de Energia (FUE) é a relação entre a energia térmica ( utilQ ) e eletromecânica ( totalW ) aproveitada no ciclo com a energia do combustível gasto para na geração do vapor:

total util

com b com b

W QFU E

m PC I (7)

onde:

combm : Vazão de combustível (kg/s);

combPCI : Poder Calorífico Inferior do combustível (KJ/kg).

O Índice de Poupança de Energia (IPE) refere-se à

economia de energia de combustível obtida por sistemas de cogeração em comparação com plantas convencionais que produzem separadamente energia elétrica e térmica e é definido como:

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comb comb

total term _ ref util ref _ cald

m PCIIPE

W / Q / (8)

Quanto menor o índice de poupança de energia do

combustível, melhor será o desempenho do sistema tendo como referência as eficiências adotadas. Logo, a quantidade de energia a economizar, devido à cogeração, é dada pela equação:

1EEC IPE (9)

O IGP é o parâmetro definido para calcular

separadamente a eficiência da geração de potência, descontando no insumo de energia aquela utilizada para fins puramente de aquecimento.

to tal

com b com b util caldeira

WIG P

m PC I Q / (10)

Outro índice importante é a Razão Potência Calor

(RPC), que é a relação entre a potência total produzida e a energia térmica utilizada no processo, ou seja:

to tal

util

WR P C

Q (11)

A eficiência global da planta ( global ) é a relação entre a

energia útil, seja ela térmica ou eletromecânica, e a energia da fornecida ao sistema, proveniente do combustível, sendo:

eletr util compressão bombeamentoglobal

comb comb

W Q W W

m PCI (12)

Outro parâmetro importante é a relação entre a potência

elétrica gerada e a quantidade de cana moída (Rpot,cana), dada em kWh/tc:

eletr

pot ,canacana

WR

m (13)

3.2. Análise Termoeconômica

Após a análise termodinâmica, pode-se realizar a análise termoeconômica das plantas para a determinação dos custos de produção. A análise de custo exergético ou exergoeconômico envolve os balanços de custos para cada um dos componentes de um sistema. Assim, para um dado componente (k) de que recebe calor e gera potência, o balanço de custo deve levar em conta as taxas de custo (R$/s) associadas às exergias de entrada ( iC ) e saída ( oC ),

bem como as taxas de trabalho ( wC ) e de transferência de

calor ( qC ), além da taxa de custo do equipamento ( eC ), considerando o custo do mesmo (Ce) e fatores correspondentes à amortização (fa), despesas fixas (fomf) e variáveis (fomv) com a operação e manutenção, de acordo com o fator de carga (FC) e o número de horas de operação (Toper). Estas taxas de custo estão relacionadas pela Eq. (14) [4]:

i w q o ek k k k kC C C C C (14)

Sendo:

i i i i i iC c Ex c m ex (15)

o o o o o oC c Ex c m ex (16)

w wC c W (17)

q qC c Q (18)

3600

e a om f om v

eoper

C f f FC fC

t (19)

onde:

c: Custo médio por unidade de exergia (R$/kJ);

C: Custo monetário (R$);

C : Taxa de custo exergoeconômico (R$/s);

E x : Taxa de exergia (kJ/s);

Q : Taxa de calor (kJ/s);

W : Potência (kJ/s). O fator de amortização (fa) pode ser calculado em

função da taxa percentual de juros anual (j) e do número de anos de vida útil do equipamento (N), de acordo com a seguinte equação [4]:

1

1 1

N

a N

j jf

j (20)

O custo médio por unidade de exergia do combustível

( combc ) é dado por:

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4

com bcom b

com b

Cc

ex (21)

onde:

combC : Custo médio por unidade de massa do combustível (R$/kg);

combex : Exergia específica do combustível (kJ/kg).

3.3. Análise Econômica

Usualmente, a análise financeira de projetos é baseada em estimativas para o fluxo de caixa futuro, obtidas a partir de previsões para diversas variáveis. A análise inicial do fluxo de caixa é feita através de valores representativos para as variáveis consideradas, permitindo o cálculo de indicadores financeiros determinísticos. Entretanto, estas variáveis não podem ser previstas com precisão, indicando a importância da consideração, em grau maior ou menor, do risco associado ao retorno financeiro esperado para o projeto.

As técnicas mais sofisticadas de análise de investimento de capital, segundo a referência [6], consideram o fator tempo no valor do dinheiro e envolvem os conceitos de fluxos de caixa supostamente conhecidos ao longo da vida útil do projeto.

Técnicas baseadas nos fluxos de caixa são as mais utilizadas para descrever a interação entre as despesas com capital e os benefícios obtidos anualmente com a implantação de um projeto.

Estes benefícios são obtidos através do uso do combustível de uma forma mais racional. O método consiste em atualizar até o ano zero de operação os benefícios obtidos durante a vida útil do projeto a uma taxa de desconto e, depois, esses valores são somados e descontados do capital gasto inicialmente, e o valor resultante é denominado como o Valor Atual Líquido (VAL). O método VAL demonstra explicitamente o lucro real líquido que o investidor deve receber ao longo da vida útil do projeto, sendo definido por:

1 1

N

kk

BENVAL CTI

j (22)

onde:

BEN: Benefício anual obtido;

j: Taxa de desconto adotada;

N: Número de anos analisados;

CTI: Capital total investido no inicio de operação do projeto.

O critério quando o VAL é usado para tomar decisões do

tipo “aceitar” ou “recusar” o projeto é o seguinte: se o VAL for maior ou igual à zero deve-se aceitar o projeto, pois a empresa obterá um retorno igual ou maior que o custo de capital investido e o projeto conservará ou aumentará o seu

patrimônio; caso contrário, se o VAL for menor que zero, deve-se recusar o projeto.

3.4. Casos Estudados

3.4.1. Caso 1

O primeiro caso a ser estudado é uma planta de vapor convencional de uma usina sucroalcooleira, mostrada na Fig. 1. A planta utiliza equipamentos modernos e eficientes, incluindo caldeira que produz 160 t/h de vapor a 68,6 bar e 530 °C, sendo que 125 t/h deste vapor é consumido por uma turbina extração-condensação acoplada a um gerador de 32 MW. É feita uma extração de 97 t/h de vapor a uma pressão de 2,45 bar para o processo de evaporação do caldo, e o restante do vapor continua a expandir até a pressão de 0,07 bar, sendo então condensado.

O restante do vapor (35 t/h) é direcionado a uma turbina de contrapressão, a qual está acoplada a um gerador de 12 MW. O vapor é descarregado a uma pressão de 2,45 bar, também destinado a atender a demanda de vapor do processo industrial.

A Tab. 1 apresenta alguns dados da safra da usina.

Tabela 1. Dados de safra da usina.

Parâmetros Valores Unidades Cana moída total 1.500.000 t Dias de safra 240 dias Moagem horária 286,0 t/h Relação bagaço-vapor 0,47 kg/kg Vazão de bagaço produzido 81,0 t/h Vazão de bagaço na caldeira 75,2 t/h Vazão de bagaço excedente 6,3 t/h Vazão de vapor na caldeira 160,0 t/h Consumo de vapor no processo 130,0 t/h

3.4.2. Caso 2

No Caso 2 é estudada uma configuração hipotética na qual é inserido um sistema de gaseificação da palha da cana junto à planta da usina. O sistema consiste de um gaseificador de palha, de uma turbina a gás acoplada a um gerador elétrico, uma caldeira de recuperação de calor e um sistema de vapor, composto por uma turbina de condensação, um condensador e a bomba de alimentação da caldeira de recuperação, além da planta de vapor da usina.

A literatura [2] afirma que a porcentagem de palha na cana é de aproximadamente 12 %. Considerando uma colhedeira sem ventilação, é possível um aproveitamento de 94 % da palha. Neste trabalho, será considerado que 12 % do total da palha deverão ficar no campo para fins de fertilização, de forma que, para uma vazão de 286 t/h de cana moída, a vazão de palha aproveitada para gaseificação é de 30 t/h.

O esquema da planta é mostrado na Fig. 2. O gaseificador considerado é de leito fluidizado circulante, trabalhando à pressão atmosférica. Como o gás é produzido a uma faixa de temperatura de 700 °C é necessário realizar um resfriamento deste antes de ser comprimido.

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Figura 1. Planta de vapor convencional da usina (Caso 1).

Figura 2. Planta para gaseificação da palha da cana (Caso 2).

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4. RESULTADOS

4.1. Resultados Termodinâmicos

Para a simulação foi adotada a temperatura de 25 ºC e a pressão de 101,325 kPa para o estado morto. O PCI da palha e do bagaço são, respectivamente, 13.151 kJ/kg e 7.736 kJ/kg. As exergias da palha e do bagaço são 15.121 kJ/kg e 10.170 kJ/kg, respectivamente.

A solução do sistema de equações resultante da análise termodinâmica é obtida através do emprego do software IPSEpro [7].

A Tab. 2 apresenta as potências geradas pelos diversos equipamentos da planta, em kW, para cada caso.

Tabela 2. Potência gerada/consumida por cada equipamento, em kW,

para cada caso.

Equipamento Caso 1 Caso 2 Compressores 0 - 10.180 Bombeamento - 504 -637 Turbina a Gás 0 31.046

Turb. Extr. Cond. 26.775 24.852 Turb. Contrapr. 6.527 7.460

Turb. Cond. 0 14.317

Total 32.798 66.858 A Tab. 3 ilustra a potência térmica demandada pelo

processo de evaporação do caldo e a potência térmica na condensação.

Tabela 3. Potência térmica, dada em kW, para cada caso.

Local Caso 1 Caso 2 Evaporação do caldo 79.791 79.791

Condensador 16.760 45.660 A Tab. 4 apresenta os índices de desempenho das plantas

para os casos estudados.

Tabela 4. Índices de desempenho das plantas.

Índice Caso 1 Caso 2 FUE 0,675 0,582 IPE 0,897 0,909 EEC 0,103 0,091 IGP 0,510 0,286 RPC 0,417 0,967

global (%) 67,2 54,2

Rpot,cana (kWh/tc) 114 234 A Tab. 2 mostra que, com a gaseificação da palha da

cana, é possível duplicar a quantidade de eletricidade produzida pela usina. Entretanto, de acordo com a Tab. 4, há uma redução na eficiência global da planta com a gaseificação, uma vez que a quantidade de combustível adicional (palha) é utilizada somente para fins de geração de eletricidade, não sendo aproveitada para calor de processo.

4.2. Resultados Termoeconômicos

A resolução do sistema de equações resultante da análise termoeconômica foi efetuada utilizando-se o programa EES® (Engineering Equation Solver), que possibilita a realização de cálculos de uma maneira simples e eficiente.

O custo anual dos equipamentos, com amortização, foi calculado levando-se em conta um período de amortização de 20 anos. A taxa de juros considerada foi de 12 %. Foi considerado um custo de R$ 15,00/t para o bagaço e R$ 32,00/t para a palha da cana.

A Tab. 5 apresenta os custos de produção de eletricidade para os turbogeradores da planta e o custo do vapor de processo. Observa-se que a gaseificação não altera significativamente os custos de produção de eletricidade e vapor de processo.

Tabela 5. Custo da eletricidade gerada e do vapor de processo.

Parâmetros Caso 1 Caso 2 Turbina a gás (R$/MWh) - 75,02 Turb. ext-cond (R$/MWh) 95,69 97,99 Turb. contrap. (R$/MWh) 89,29 87,82 Turbina cond. (R$/MWh) - 137,50 Custo médio (R$/MWh) 94,44 95,12 Custo do vapor de processo (R$/t) 11,60 11,71

4.3. Resultados da Análise Econômica

Para a análise econômica da planta, foi considerada uma vida útil de 20 anos, e a taxa de juros foi mantida em 12 % ao ano.

As plantas dos Casos 1 e 2 apresentam um consumo interno de eletricidade de 10 MW e 18 MW, respectivamente, de forma que no Caso 1 há um excedente de eletricidade de 22,8 MW e no Caso 2 o excedente é de 48,8 MW. Assim, há um benefício anual de R$ 8.208.000,00 no Caso 1 e R$ 17.354.000,00 no Caso 2.

As Figuras 3 e 4 mostram o fluxo de caixa ao longo da vida útil da planta para vários preços de venda de energia, considerando um período de implantação da planta de dois anos, no qual ocorrem os desembolsos. A intersecção das curvas com o eixo horizontal indica o tempo de retorno dos investimentos, ou seja, o tempo a partir do qual o fluxo de caixa passa a ser positivo.

Figura 3. Fluxo de caixa para o Caso 1.

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Figura 4. Fluxo de caixa para o Caso 2.

O investimento inicial para a implantação dos sistemas

de cogeração é de R$ 54.050.000,00 para o Caso 1 e de R$ 156.150.000,00 para o Caso 2. A Tab. 6 apresenta o valor atual líquido (VAL) e o tempo de retorno de investimento (TRI) para diferentes valores de venda da energia elétrica.

Tabela 6. Valor atual líquido (VAL) e tempo de retono de investimento

(TRI) para os Casos 1 e 2.

Preço de venda

(R$/MWh)

Caso 1 Caso 2 VAL

(Milhões R$) TRI VAL (Milhões R$) TRI

150 14,077 11 anos -12,119 - 160 26,338 9 anos 14,125 16 anos 170 38,600 7 anos 40,370 11 anos 180 50,862 6 anos 66,614 9 anos A Tabela 6 mostra que para um valor de venda da

eletricidade de R$ 150/MWh, o valor atual líquido para o Caso 1 é de apenas R$ 14 Milhões, enquanto que para este valor de venda não há retorno do investimento. Assim, o Caso 2 apresenta viabilidade financeira apenas para valores de venda da eletricidade acima de R$ 155,00/MWh.

5. CONCLUSÕES

Neste trabalho foi analisada a proposta da integração da gaseificação da palha em uma usina de álcool e açúcar. Foram analisados dois casos, sendo um considerando uma planta convencional de vapor de uma usina, e outro caso considerando a gaseificação da palha em ciclo combinado.

A análise termodinâmica das plantas mostra que através da gaseificação da palha é possível duplicar a quantidade de eletricidade produzida pela usina. Entretanto, há uma redução na eficiência global da planta, uma vez que a quantidade de combustível adicional é utilizada somente para geração de eletricidade, de forma que nenhuma parcela desta energia é utilizada como calor útil.

As análises termoeconômica e econômica das plantas mostraram que a tecnologia da gaseificação da palha não alterou significativamente os custos de geração de energia elétrica e de produção de vapor de processo. Além disso, o investimento inicial no sistema de gaseificação da palha é três vezes maior do que para um sistema de cogeração convencional a vapor.

O investimento em um sistema de cogeração se torna mais atrativo quando o tempo de retorno do investimento é inferior à metade da vida útil do investimento. Valores de venda de eletricidade inferiores a R$ 155,00/MWh inviabilizam o projeto de gaseificação, de acordo com a metodologia adotada neste estudo, uma vez que pra este preço de venda não há retorno de investimento.

Assim, a gaseificação da palha se torna um investimento atrativo apenas para valores de venda da eletricidade acima de R$ 180/MWh.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à usina Pioneiros Bioenergia S.A. por disponibilizar dados necessários para este trabalho, em especial ao gerente industrial Marcelo Caldato Fiomari.

Agradecimentos também à FAPESP pelo financiamento do projeto no qual este trabalho está inserido (Processo 2005/01197-6) e pela concessão de bolsa de mestrado para o primeiro autor (Processo 2008/56944-9) e ao CNPq pela concessão de bolsas de iniciação científica para o segundo e terceiro autores.

REFERÊNCIAS

[1] Corrêa Neto, V., “Análise de viabilidade da cogeração de energia elétrica em ciclo combinado com gaseificação de biomassa de cana-de-açúcar e gás natural”, Tese de Doutorado, COPPE-UFRJ, Rio de Janeiro, 194 p., 2001.

[2] Romão Júnior, R.A., “Análise da Viabilidade do Aproveitamento da Palha da Cana de Açúcar para Cogeração de Energia numa Usina Sucroalcooleira”, Dissertação de Mestrado, UNESP, Ilha Solteira, 164 p., 2009.

[3] Szargut J., Morris, D.R. and Steward, F.R., “Exergy Analysis of Thermal, Chemical and Metallurgical Process”, Hemisphere Publishing Corporation, New York, 332 p., 1988.

[4] Bejan, A., Tsatsaronis, G. and Moran, M., “Thermal Design & Optmization”, John Wiley & Sons, N.Y., 542 p., 1996.

[5] Sánchez Prieto, M.G.S., “Alternativas de Cogeração na Indústria Sucro-Alcooleira: Estudo de Caso”, Tese de Doutorado, UNICAMP, Campinas, 255 p., 2003.

[6] Gitman, J.L., “Princípios da Administração Financeira”, Harper & Row, Brasil, 1984.

[7] Simtech IPSEpro, “Process Simulation Environment (PSE)”. Manual version 4.0.001, [S.l.] 1991-2003.

Proceedings of the 9th Brazilian Conference on Dynamics Control and their Applications Serra Negra, SP - ISSN 2178-3667 796