Estudo Sergio Menin Barragens Velhas

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SUMÁRIO 1. CONTEXTUALIZAÇÃO DA NOTA TÉCNICA 2. CARACTERIZAÇÃO DAS INTERVENÇÕES COGITADAS 3. INCONGRUÊNCIAS CONCEITUAIS NA CONCEPÇÃO 4. ORIGEM DAS ALTERNATIVAS SELECIONADAS 5. APRECIAÇÕES ANTERIORES SOBRE AS INTERVENÇÕES 6. CRONOLOGIA POLÍTICA DA JUSTIFICATIVA 7. RESUMO CONCLUSIVO

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Estudo realizado por Sérgio Menin sobre a questão dos barramentos de regularização nas bacias dos Rios Paracatu, Urucuia e Rio das Velhas.

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SUMÁRIO

1. CONTEXTUALIZAÇÃO DA NOTA TÉCNICA

2. CARACTERIZAÇÃO DAS INTERVENÇÕES COGITADAS

3. INCONGRUÊNCIAS CONCEITUAIS NA CONCEPÇÃO

4. ORIGEM DAS ALTERNATIVAS SELECIONADAS

5. APRECIAÇÕES ANTERIORES SOBRE AS INTERVENÇÕES

6. CRONOLOGIA POLÍTICA DA JUSTIFICATIVA

7. RESUMO CONCLUSIVO

1. CONTEXTUALIZAÇÃO DA NOTA TÉCNICA

A SEMAD – Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de

Minas Gerais encaminhou para conhecimento, apreciação e manifestação do IGAM –

Instituto Mineiro de Gestão das Águas, o documento identificado a seguir, emitido em

junho de 2005 pela CODEVASF – Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São

Francisco e do Parnaíba, empresa pública subordinada ao Ministério da Integração Na-

cional – MI.

“ESTUDOS DE AVALIAÇÃO DA VIABILIDADE TÉCNICO-ECONÔMICA E

AMBIENTAL DE UM SISTEMA DE BARRAGENS NAS BACIAS DOS RIOS

DAS VELHAS, PARACATU E URUCUIA COM VISTAS À REVITALIZAÇÃO

DO RIO SÃO FRANCISCO

Etapa 01: Estudos de Inventários de Barramentos / Planejamento das Bacias dos

Rios das Velhas, Paracatu e Urucuia (MG, GO e DF)

Síntese dos Estudos”

O IGAM, no exercício das atribuições que lhe são cometidas pela Lei 12.584, de

17.07.1997, e na função de Órgão Gestor do SEGRH-MG – Sistema Estadual de Ge-

renciamento de Recursos Hídricos de que tratam a Lei 13.199, de 29.01.1999, e o De-

creto n° 41.578, de 08.03.2001, teria que apreciar o documento enviado pela SEMAD,

examinando-o à luz dos interesses estaduais e das diretrizes de planejamento fixadas

na Política Estadual de Recursos Hídricos – PERH e emitir, formalmente, um parecer

conclusivo. De acordo com os procedimentos de padronização adotados no Instituto, o

referido parecer conclusivo teria que ser elaborado na forma de uma “Nota Técnica”,

redigida em linguagem gerencial para que pudesse ser examinada com comodidade

pela Direção Superior do SEGRH-MG e pelas demais instâncias políticas, mas com to-

dos os elementos essenciais para subsidiar a tomada de decisões e possibilitar a exata

compreensão do assunto. Para essa tarefa, tendo em vista a abrangência e a comple-

xidade dos temas a serem examinados e considerada também a urgência com que a

“Nota Técnica” deveria ser elaborada, o IGAM decidiu buscar o apoio executivo do

consultor especializado, responsável pela preparação da versão preliminar do presente

documento.

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Cumpre registrar nesta contextualização introdutória que, ao estabelecer para o traba-

lho encomendado ao consultor o título de “Exame da Conveniência e dos Efeitos do

Sistema de Barragens Cogitado pelo Ministério da Integração Nacional para Implanta-

ção nas Bacias dos Rios das Velhas, Paracatu e Urucuia, no Estado de Minas Gerais”,

o Instituto pretendia que o programa de intervenções fosse analisado sob a ótica dos

interesses do Estado de Minas Gerais, observando, de forma especial, a sua compati-

bilidade com as diretrizes da Política Estadual de Recursos Hídricos. Para esse propó-

sito, o IGAM determinou que a presente “Nota Técnica” considerasse, não apenas o

documento principal encaminhado pela SEMAD, mas que buscasse fundamento no e-

xame de outras fontes de informação, notadamente nas notas taquigráf icas da “4a

Reunião Extraordinária da Comissão de Política Agropecuária e Agroindustrial da As-

sembléia Legislativa de Minas Gerais, realizada a 30.05.2007”, assim como em qual-

quer outra peça bibliográfica que pudesse representar subsídio fácil, imediato e cômo-

do para a melhor compreensão desse complexo assunto.

Em decorrência das razões mencionadas no parágrafo antecedente, o trabalho

materializado na presente “Nota Técnica” foi antecedido por uma cuidadosa e

detalhada compilação de fontes primárias e secundárias de informação, incluindo

outros registros disponibilizados pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais,

relatórios técnicos que integram acervos públicos acessáveis com facilidade, material

jornalístico pertinente e dados exibidos em sites mantidos na web por agências oficiais

ou por instituições diversas, destacando-se aqueles operados diretamente pelo

Ministério da Integração Nacional, pela ANA - Agência Nacional de Águas e pela

CODEVASF - Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do

Parnaíba. Evidentemente, tendo em vista os limites de prazo estabelecidos para a elaboração do

presente documento e considerada, principalmente, a sua finalidade básica de balizar

a tomada de decisões iniciais sobre a questão, muitos dos aspectos considerados tive-

ram que ser abordados conceitualmente, por analogia com outras situações ou com a

utilização de indicações dimensionais preliminares já que, muitas vezes, as próprias

fontes oficiais apresentam diferentes valores numéricos para um mesmo tipo de dado

ou informação. No entanto, todas essas limitações não prejudicaram o registro de ob-

servações conclusivas e relativamente seguras, no que concerne àqueles pontos julga-

dos de maior relevância ou interesse nesse estágio inicial.

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2. CARACTERIZAÇÃO DAS INTERVENÇÕES COGITADAS

As intervenções de que trata o documento principal objeto da presente análise corres-

pondem a cinco diferentes barramentos cogitados para implantação nas bacias do Rio

da Velhas (1), do Rio Paracatu (3) e do Rio Urucuia (1), todos localizados no território

do Estado de Minas Gerais. O referido documento não inclui indicações precisas de

localização desses barramentos (não existe menção às coordenadas geográficas dos

eixos ou aos municípios em que seriam implantadas as obras), limitando-se a situá-los

graficamente, em um pequeno mapa regional elaborado na escala 1:3.250.000. Por

outro lado, esse mesmo mapa se faz acompanhar por uma tabela com algumas infor-

mações importantes, que incluem, desde a denominação com que cada barramento é

oficialmente identificado, até a distribuição simplificada dos custos de implantação,

passando pelas principais características dimensionais das obras. Assim, para permitir

uma primeira caracterização das intervenções, foi feita a opção pela reprodução inte-

gral da aludida tabulação, conforme apresentada a seguir:

Volume Altura Comprimento Custo Total Distribuição dos Custos Bacia Barragem

(hm3) (m) (m) (106 R$) Obras Ambiental O & M

Velhas Santo Hipólito 4.402 46 2.200 438,79 49% 46% 5%

Paracatu 1 1.556 11 2.100 143,33 44% 52% 4%

Paracatu Caatinga 2.555 45 2.100 100,91 42% 54% 4%

Sono 2 2.067 57 1.700 219,11 63% 32% 5%

Urucuia Urucuia 3.203 50 520 241,27 53% 43% 5%

TOTAL 1.143,41 55% 40% 5%

De outras fontes pesquisadas, puderam ser obtidas informações adicionais, necessá-

rias para complementar a caracterização expedita das intervenções cogitadas, nota-

damente as concernentes à localização geográfica e político-territorial. Essas informa-

ções complementares estão sintetizadas na tabulação subseqüente.

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Coordenadas Geográficas Barragem Curso d’Água Município

Latitude Longitude

Santo Hipólito Rio das Velhas Santo Hipólito / Corinto 18° 19’ 48” 44° 17’ 30”

Paracatu 1 Rio Paracatu Paracatu / J. Pinheiro 17° 24’ 41” 46° 29’ 20”

Caatinga Rio Paracatu J. Pinheiro / Brasilândia 17° 09’ 00” 45° 54’ 21”

Sono 2 Rio do Sono João Pinheiro 17° 28’ 08” 45° 36’ 01”

Urucuia Rio Urucuia Arinos 15° 41’ 40” 46° 06’ 41”

Outra tabulação incluída no documento objeto da presente análise acrescenta informa-

ções relativas ao posicionamento altimétrico das barragens, indicando-lhes as eleva-

ções de fundo e coroamento, conforme o seguinte resumo:

Barragem: Santo Hipólito ; Cota de Fundo: 509,0m ; Cota da Crista: 555,0m

Barragem: Paracatu 1 ; Cota de Fundo: 517,4m ; Cota da Crista: 528,4m

Barragem: Caatinga ; Cota de Fundo: 482,5m ; Cota da Crista: 527,5m

Barragem: Sono 2 ; Cota de Fundo: 587,0m ; Cota da Crista: 643,5m

Barragem: Urucuia ; Cota de Fundo: 500,0m ; Cota da Crista: 550,0m

No propósito de melhor caracterizar as intervenções cogitadas, há que se registrar,

também, o objetivo a elas atribuído no próprio documento principal objeto da presente

análise. Para tanto, merece ser transcrito o seguinte excerto, ressaltada a circunstân-

cia de que a “Etapa 01” nele mencionada tem o título de “Estudos de Inventário de Bar-

ramentos / Planejamento de Bacias visando Selecionar o melhor Arranjo de Barragens

para Otimizar a Regularização de Vazões”:

“O objetivo precípuo desta Etapa 01 dos estudos foi definir, conceber, dimensionar e

selecionar o melhor arranjo de barragens nas bacias, com base em estudos e levan-

tamentos multidisciplinares, de modo a identificar um conjunto otimizado de inter-

venções (barragens), que permita regularizar e incrementar as vazões nas próprias

bacias e no Rio São Francisco.”

Para melhor compreensão do objetivo atribuído às intervenções em tela, merece ser

transcrito da mesma fonte, o seguinte excerto adicional:

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“Na verdade, a implementação do conjunto de reservatórios selecionados de forma

otimizada através dos procedimentos a seguir descritos, constitui-se em uma das

principais medidas estruturais que permitirá a materialização do Programa de

Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, visto que os barramentos

assegurarão a disponibilidade hídrica para usos múltiplos na bacia.”

Em resumo, os cinco barramentos cogitados para implantação em afluentes de primeira

ordem do Rio São Francisco, situados no Estado de Minas Gerais, teriam sido selecio-

nados a agrupados como parte das ações de revitalização da bacia, visando atender

demandas distintas que incluiriam “geração de energia, navegação, irrigação, controle

de cheias, recuperação hidroambiental, contenção de sedimentos, dessedentação ani-

mal, etc.” Com efeito, o documento em análise explicita esses propósitos e menciona

tratarem-se de ações situadas no âmbito do “trabalho promovido pelo Ministério da In-

tegração Nacional – MI e CODEVASF, denominado Estudos de Avaliação da Viabilida-

de Técnico-Econômica e Ambiental de um Sistema de Barragens nas Bacias dos Rios

das Velhas, Paracatu e Urucuia com vistas à revitalização do Rio São Francisco”.

Na prática, o principal objeto colimado com o projeto das intervenções pode ser resu-

mido no propósito de garantir uma vazão firme de 1.200 m3/s no Rio São Francisco, na

seção situada na cidade homônima, pouco à jusante da foz do Rio Urucuia. Segundo

os estudos, esse aumento na vazão garantida do Rio São Francisco poderia produzir

um acréscimo significativo na energia gerada nas Usinas operadas pela CHESF - Com-

panhia Hidro Elétrica do São Francisco, compensando eventuais perdas por derivações

situadas a montante do Reservatório de Sobradinho. No entanto, o documento em e-

xame sugere um escalonamento dessa meta, desdobrando a implantação dos barra-

mentos em duas etapas, conforme se depreende do seguinte excerto:

“Esta solução pode ser adotada de forma escalonada, no caso da contribuição da

bacia do Rio Paracatu, dando-se prioridade para o reservatório Caatinga nessa ba-

cia, o qual juntamente com Urucuia e Santo Hipólito, já garantiriam em torno de

1.000 m3/s como vazão garantida. Os reservatórios Paracatu 1 e Sono 2 poderiam

entrar numa segunda fase de implementação, assegurando a vazão de 1.200 m3/s

em São Francisco.”

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3. INCONGRUÊNCIAS CONCEITUAIS NA CONCEPÇÃO

Em que pese o caráter sintético do documento objeto da presente análise, os textos

que o compõem deixam a descoberto algumas incongruências conceituais importantes,

seja no que concerne ao real objetivo das intervenções, seja no que diz respeito ao

atendimento das expectativas estabelecidas para os seus múltiplos efeitos. Assim, an-

tes de qualquer outra análise, pareceu importante o exame dessas incongruências

conceituais, para que todas as abordagens subseqüentes possam ser melhor compre-

endidas e situadas.

De plano, há que se enfocar, de forma mais detalhada, o objetivo principal considerado

para a seleção dos eixos barráveis, para a configuração dos empreendimentos e para o

dimensionamento preliminar das obras. Com efeito, como já ficou mencionado nos ca-

pítulos antecedentes, o real objetivo do estudo encomendado pela CODEVASF é o in-

cremento da vazão regularizada a jusante do trecho fluvial considerado, ou seja, o au-

mento das descargas garantidas no Rio São Francisco a partir da foz do Rio Urucuia

ou, mais precisamente, para baixo da Cidade de São Francisco. Além dos excertos já

reproduzidos anteriormente, esse objetivo pode ser percebido com maior clareza e ni-

tidez, no trecho transcrito a seguir:

“O que se pretende com a implantação das barragens, nos afluentes mineiros do rio

São Francisco, é o incremento da vazão regularizada a jusante, visando ao atendi-

mento dos objetivos do Programa de Revitalização da Bacia Hidrográfica do rio São

Francisco (MMA, MI, Codevasf, Ibama, etc.).”

Nesse ponto, é particularmente importante o registro das considerações seguintes, re-

lacionadas com a utilização do volume de armazenamento dos reservatórios cogitados

e com as respectivas regras operativas.

De forma simplificada pode ser assumido que o volume de armazenamento funciona,

na prática, como um mecanismo de compensação capaz de reservar ou reter, durante

os períodos de excedentes hídricos (épocas de vazões elevadas), parte das vazões em

curso no trecho fluvial de sua implantação, para ser util izada nos períodos de estiagem

(épocas de vazões baixas) de modo a completar as descargas naturais, produzindo

um efeito de regularização, ou seja, diminuindo a amplitude de variação dos fluxos –

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que ficam concentrados ao redor da vazão média ou tendência central – com o conse-

qüente abrandamento dos extremos (máximos e mínimos).

Assim, se o volume de armazenamento com que teriam sido dimensionados os cinco

reservatórios destina-se, efetivamente, a incrementar a vazão regularizada no Rio São

Francisco no trecho situado a jusante da cidade homônima, esse mesmo volume não

poderia ser objeto de uma utilização concorrente sem prejuízo do objetivo principal.

Essa premissa incontornável impede que sejam considerados outros usos consuntivos

da mesma água, mesmo aqueles que teriam sido originalmente elencados como justifi-

cativa para a construção dos reservatórios, entre os quais destaca-se a assim chama-

da “disponibilidade hídrica para usos múltiplos na bacia”, ou seja, a irrigação de cultu-

ras, a dessedentação animal, o abastecimento humano e todas as demais formas con-

correntes de uso situadas na porção da bacia onde se pretende incrementar a vazão

regularizada. Evidentemente, ficariam mantidas outras util izações importantes, que não

seriam concorrentes com o objetivo de incremento da garantia de regularização, entre

as quais merecem destaque, o aumento do tirante hidroviário, a melhoria das condi-

ções de qualidade das águas durante as estiagens e a amenização do regime hidroló-

gico. Algum controle de cheias sempre é possível em barramentos desse tipo pela sim-

ples existência da estrutura, mas essa capacidade será sempre limitada para que não

venha a concorrer com a destinação principal. De fato, o efetivo controle de cheias

pressupõe que o reservatório de contenção esteja sempre o mais vazio possível, de

modo a apresentar um volume de espera significativo durante o período úmido, ao pas-

so que a regularização de descargas impõe um procedimento relativamente oposto,

com a manutenção do reservatório o mais cheio possível, ao no início do período seco.

Interessante observar, em relação a essa questão das incompatibilidades entre os usos

inicialmente elencados como justificativa para o desenvolvimento dos projetos, que o

documento em exame inclui, nas suas recomendações finais, um registro importante.

Trata-se da recomendação para que, na continuidade das atividades de estudos e pro-

jetos, esses usos prejudicados pelo objetivo principal da regularização sejam nova-

mente examinados com a possibilidade eventual de aumento na dimensão atual dos

empreendimentos. Isso equivale a dizer que, na configuração atual, os reservatórios

continuariam integralmente destinados ao incremento da garantia de regularização no

Rio São Francisco, mas que acréscimos de volume poderiam ser adicionados para a-

tender outras necessidades locais, através do aumento das barragens e da capacidade

de armazenamento. Independentemente da inelasticidade que existe na função de ar-

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mazenamento e regularização, inexoravelmente presa aos limites das disponibilidades

médias de cada bacia, há que se observar que seriam deixados para exame dos inte-

resses locais, justamente as possibilidades potencialmente mais impactantes ao meio

ambiente. Para maior clareza, está sendo reproduzida, a seguir, a mencionada reco-

mendação final:

“Avaliar os benefícios do uso local da água, nas bacias em que forem construídos

reservatórios. Estes benefícios serão gerados pelos melhores usos, sob a ótica eco-

nômica, social e ambiental, justificando eventuais incrementos nas dimensões dos

reservatórios selecionados. Esses usos podem englobar o abastecimento público, a

irrigação e a melhoria da qualidade de água, preponderantemente;”

As regras operativas dos reservatórios trazem outros conflitos importantes entre os

diversos tipos de utilização da água armazenada. Os aproveitamentos hidrelétricos,

notadamente os independentes e distantes do sistema interligado, são operados de

modo que as defluências ou descargas acompanhem, o mais aderentemente possível,

a assim chamada “curva de carga do sistema”, com suas variações sazonais, sema-

nais, diárias e até mesmo horárias. É um regime de operação bastante distinto daquele

adotado nos reservatórios que têm o propósito exclusivo de regularização de descar-

gas, como é o caso do objetivo principal do conjunto de barragens em exame. Ade-

mais, os aproveitamentos hidrelétricos costumam ser concebidos de forma a aprovei-

tar, simultaneamente, as duas variáveis que tem efeito direto na produção energética,

quais sejam, a vazão turbinada ou defluente e a altura de queda sobre as turbinas. Em

vista disso e para garantirem performance eficiente, os aproveitamentos hidrelétricos

não costumam comportar grandes variações linimétricas ou, em outros termos, o volu-

me do reservatório não deve esgotar-se pronunciadamente, como exigem as condições

impostas à operação dos reservatórios de contenção de cheias e os de regularização

de vazões. Esse último aspecto acabou sendo reconhecido no estudo objeto do pre-

sente exame, conquanto tivessem sido mantidas as expectativas iniciais de usos múlti-

plos já mencionadas, conforme resume o seguinte excerto:

“O modelo indicou também que a implantação conjunta de hidrelétricas no sistema

de barragens de regularização não é eficiente do ponto de vista econômico. Este re-

sultado deve-se principalmente aos seguintes aspectos: o ônus, para o reservatório,

de um armazenamento útil menor, devido a restrições de deplecionamento, função

da amplitude limitada de quedas hidráulicas com que opera uma hidrelétrica; o custo

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da hidrelétrica; e o ônus proveniente da operação permanente do reservatório des-

carregando uma vazão suficiente para gerar a energia firme, comprometendo o a-

tendimento da garantia das vazões em São Francisco em futuros períodos de estia-

gem”.

Todas as observações registradas até então apontam para a circunstância inequívoca

que a seleção, concepção e dimensionamento preliminar dos cinco reservatórios em

tela tiveram o propósito principal e excludente de incrementar a vazão garantida do Rio

São Francisco nos trechos que se estendem para jusante das bacias onde se cogita

sejam implantadas as respectivas barragens. Evidentemente, o simples incremento da

vazão mínima natural ao longo do Rio São Francisco produziria algumas conseqüên-

cias secundárias que costumam ser apontadas como extremamente desejáveis, inde-

pendentemente da efetiva destinação dada às águas adicionais que materializariam o

aumento do fluxo hidráulico nas épocas de estiagem. Dois desses efeitos secundários

são de maior importância e merecem ser destacados: o aumento do tirante hidroviário

– com a conseqüente melhoria das condições de navegabilidade entre a foz do Rio das

Velhas e o Lago de Sobradinho (na presunção que o incremento de vazão produzido

não seria desviado ou utilizado consuntivamente antes deste último reservatório) – e o

aumento da capacidade de autodepuração do mesmo trecho fluvial, decorrente da pre-

sença de maiores vazões durante as estiagens. O documento objeto da presente análi-

se enfatiza bastante o primeiro desses efeitos secundários, apontando o ganho de pro-

fundidade no canal de navegação em diversas seções fluviais localizadas entre São

Francisco (MG) e Morpará (BA), conforme pode ser visto nos seguintes excertos:

“Avaliou-se o acréscimo de nível d’água mínimo (tirante navegável), a ser gerado

pelo conjunto de reservatórios otimizado, no trecho do Rio São Francisco em análise

e nos postos ou seções de controle disponíveis. Os postos fluviométricos, apresen-

tados na Figura 4.1, localizados entre a seção São Francisco e o reservatório de

Sobradinho, no rio São Francisco foram utilizados na presente análise.”

“A análise efetivada a partir das curvas-chave dos postos resultou na Figura 4.2,

que indica, para cada vazão analisada, as variações do nível de água esperadas pa-

ra cada posto.”

“Pode-se verificar que para a vazão garantida de 1200 m3/s obtêm-se aumentos da

ordem de 0,7m a 1,1m ao longo dos postos analisados.”

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“Os seguintes benefícios decorrentes da implantação das obras de barramento que

serão criadas nos afluentes Paracatu, Urucuia e das Velhas foram identificados de

forma preliminar:

........

Aumento dos níveis mínimos d’água no rio São Francisco, entre Pirapora e o reser-

vatório de Sobradinho, favorecendo a navegação nesse trecho. A análise expedita

realizada nesse trecho mostra que esses incrementos podem ser significativos para

a navegação, podendo chegar próximo a 1,0m, dependendo da seção de análise e

da vazão que se queira garantir em São Francisco;”

O Relatório síntese dos trabalhos produzidos por encomenda da CODEVASF, conquan-

to tenha sido balizado pelo objetivo de aumentar a vazão garantida no Rio São Fran-

cisco, para jusante da cidade homônima, registra, prudentemente: “Deve ser observado

que o simples aumento das vazões mínimas em qualquer seção do rio São Francisco

não é um propósito em si, mas uma forma de serem gerados benefícios pela manuten-

ção de situações hidrologicamente mais favoráveis no rio. Porém, cabe observar ser

possível e até mesmo necessário, para a quantificação dos benefícios do sistema, a

ligação direta entre o sistema e as demandas que ele visa atender. Estes estudos

complementares recomendados poderão subsidiar as decisões a serem tomadas sobre

o sistema.”

A observação destacada no parágrafo precedente é especialmente importante para a

exata percepção de algumas incongruências conceituais que estiveram presentes na

concepção básica do empreendimento, identificado pela denominação “sistema”, ou

seja, os cinco barramentos propostos com o objetivo principal e excludente de possibi-

litar o incremento da vazão garantida no Rio São Francisco. Com efeito, neste ponto

caberia a indagação: que setor, usuário ou região seria diretamente beneficiada pelo

aumento de vazão mínima obtido com a construção dos reservatórios, já que esse in-

cremento não seria um propósito em si, e quais seriam esses benefícios?

Após reconhecer explicitamente que a configuração proposta para o empreendimento

ou “sistema” não geraria benefícios nas bacias situadas a montante das barragens e

nem atenderia demandas localizadas a jusante dessas que pudessem conflitar com o

propósito principal de regularização de vazões no Rio São Francisco (irrigação, gera-

ção de energia, dessedentação animal, abastecimento público, etc.), o documento em

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exame indica, com clareza, um beneficiário específico: o sistema de geração operado

pela CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco e constituído pelos AHE So-

bradinho, Itaparica, Moxotó, Paulo Afonso e Xingó. Esse ponto em particular merece

uma abordagem mais detalhada, com o auxílio dos seguintes excertos:

“O resultado da avaliação das alterações da regularização possível em Sobradinho de-

vido às garantias de vazão na seção São Francisco está apresentado na Figura 4.3 e

no Quadro 4.2 (solução recomendada), com as vazões regularizadas em Sobradinho

para a situação atual e para as diversas alternativas de vazão garantida na seção São

Francisco. Eles foram obtidos no período crítico utilizado para os estudos de otimiza-

ção, de janeiro de 1985 a dezembro de 2001, considerando-se Sobradinho cheio no iní-

cio e vazio no final. Nota-se um aumento expressivo da regularização em relação ao

valor de 1812 m3/s, que é a estimativa da vazão regularizada atual, que pode atingir a

160 m3/s quando a garantia de vazão na Seção São Francisco for 1300 m3/s.”

“Uma estimativa expedita do valor energético destes incrementos foi realizada, su-

pondo que 1 m3 ao ser turbinado no sistema da Companhia Hidrelétrica do São

Francisco geraria R$ 0,07. Este valor energético foi obtido de análise de Jerson

Kelman, em relatório sem data, com o título “Custo da Água na Agricultura” que con-

cluiu que o custo de oportunidade da água retirada do reservatório de Itaparica seria

de R$ 0,06/m3. Incrementou-se este valor de um centavo para considerar a geração em

Sobradinho. A coluna “valor energético da água” apresenta as estimativas do valor des-

ta regularização incremental, considerando-se o seu uso apenas para gerar energia.

Vazão em SF

Vazões regularizadas

Incrementos nas vazões

regularizadas

Valor energético do incremento

Custo presente do

sistema

Anos para amortizar a 8%

desconto ao ano

(m3/s) (m3/s) (m3/s) (MR$) (MR$)

447 1812,4 0

600 1809,5 -2,93 (6,47) 79,76 Infinito

700 1815,4 2,93 6,48 195,34 infinito

800 1824,1 11,64 25,71 299,67 35

900 1832,6 20,17 44,53 477,87 25

1000 1839,1 26,70 58,93 631,51 25

1100 1847,3 34,91 77,07 860,06 29

1200 1866,2 53,78 118,73 1.143,41 19

1300 1885,0 72,58 160,21 1.578,84 20

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Verifica-se que o número de anos necessários para amortização é reduzido com o

aumento da garantia em São Francisco, sendo mínimo de 19 anos, na vazão 1200

m3/s, na solução recomendada.

Em outras palavras: caso o sistema recomendado fosse util izado para usos não con-

suntivos como navegação, melhoria de qualidade de água, etc. e o incremento da

vazão regularizada em Sobradinho fosse integralmente aproveitado pelo sistema

CHESF, este uso energético o pagaria em 19 anos, caso a garantia na seção São

Francisco fosse de 1200 m3/s, util izando-se o sistema resultante da exclusão dos

reservatórios localizados no baixo-vale.”

“A solução recomendada, em função da análise dos benefícios esperados, situa-se

na faixa de vazão garantida de 1200 m3/s, indicando-se o sistema otimizado a partir

da exclusão dos reservatórios localizados mais a jusante nos rios principais (Velhas,

Paracatu e Urucuia).”

Todas essas observações e registros parciais são sintetizadas, ao final do documento

em exame, no seguinte excerto, que destaca um dos benefícios decorrentes das obras

de barramento propostas:

“Aumento de vazão garantida no AHE Sobradinho, que regula o suprimento de água

na cascata de Hidrelétricas da CHESF, com reflexos positivos nesse sistema de ge-

ração de energia elétrica. Com efeito, uma estimativa expedita do valor energético

gerado por este incremento de vazão, mostrou que apenas este benefício poderia

pagar os investimentos no empreendimento em cerca de 19 anos de operação.”

O parágrafo antecedente pretende enfatizar a viabilidade do empreendimento cogitado,

mostrando que os investimentos seriam totalmente recuperados em um prazo de 19

anos (admitida uma taxa de desconto de 8% ao ano), caso o aumento das vazões obti-

do (que, reconhecidamente, não se constitui em um objetivo em si próprio) fosse inte-

gralmente destinado a incrementar a geração de energia no complexo de usinas ope-

rado pela CHESF.

Todavia, o documento em exame indicou outra possibilidade de utilização do acréscimo

de vazões resultante da regularização obtida com os cinco reservatórios em tela, que

também beneficiaria o setor elétrico, conquanto, neste caso, não tenha sido apresen-

tada uma análise econômica detalhada. Para que essa segunda possibilidade de se

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extrair algum benefício do incremento de vazão garantida (já que este não se constitui

em um objetivo em si mesmo) possa ser adequadamente compreendida, cumpre regis-

trar algumas informações preliminares. O reservatório de Sobradinho, com um volume

de armazenamento superior a 34 x 109m3, foi projetado para garantir uma vazão regula-

rizada mínima de 2.060 m3/s, permitindo a otimização da geração hidrelétrica em toda

a cascata de usinas da CHESF situadas no Rio São Francisco. No entanto, o reserva-

tório de Sobradinho não faz sozinho essa tarefa, já que não recebe a totalidade de suas

afluências em regime natural. Parte delas já chega ao grande reservatório regularizada

pela barragem de Três Marias, localizada em Minas Gerais. De fato, desde a sua im-

plantação, o Reservatório de Três Marias vem sendo aproveitado segundo um com-

promisso operacional que inclui desde a geração de energia, até a o controle de cheias,

passando também pela regularização de vazões com vistas à garantia da navegabili-

dade e a otimização energética da CHESF. Se a CEMIG pudesse operar livremente o

Reservatório de Três Marias, com propósitos exclusivamente energéticos, ou seja, para

maximizar a geração na sua própria Usina, o Reservatório de Sobradinho não mais

conseguiria regularizar a mencionada vazão de 2.060 m3/s, diminuindo, conseqüente-

mente, a capacidade de produção do complexo gerador da CHESF. Registradas essas

informações preliminares, a abordagem alternativa considerada no documento em e-

xame pode ser melhor analisada a partir do excerto transcrito a seguir e que indicaria

um benefício opcional e alternativo para o empreendimento proposto:

“Possibilidade de potencializar a geração de energia no AHE Três Marias, conside-

rando que a garantia de vazões mínimas a jusante será dada pelos reservatórios ora

selecionados”.

Na realidade, o benefício alternativo mencionado já havia sido abordado em trecho an-

terior do mesmo documento, conforme se depreende do seguinte excerto:

“Os reservatórios otimizados ora em estudo podem reforçar esse sistema de geração

de energia. Podem, por exemplo, assumir o papel de garantir as vazões mínimas no

médio São Francisco, liberando o AHE Três Marias para operar na situação ótima de

geração de energia”.

Esse mesmo conceito alternativo aparece novamente na parte final do documento em

exame, quando são feitas as recomendações para o prosseguimento dos estudos e

projetos:

14

“Avaliar os benefícios de uma melhor operação energética da hidrelétrica de Três

Marias. Os resultados do sistema mostram que o AHE Três Marias pode operar sem

as atuais restrições de descarga mínima, sendo compensada pela operação dos re-

servatórios a serem implantados nas bacias dos rios das Velhas, Paracatu e Urucuia.

Um estudo neste sentido, que mostrasse qual seria esta operação energeticamente

otimizada do AHE Três Marias, e os benefícios incrementais alcançados, poderiam

justificar boa parte dos investimentos no sistema em análise;”

Para não induzir falsas expectativas, a destinação alternativa mencionada nos parágra-

fos e excertos antecedentes precisa ser bem compreendida. De fato, a liberação do

regime operacional do AHE Três Marias, além de representar uma opção de difícil ati-

vação dada a natureza dos compromissos existentes, não modificaria, em nada, a ca-

pacidade atual de geração da CHESF, mesmo diante do incremento de vazões mínimas

decorrentes da implantação dos barramentos cogitados para os Rios Paracatu, Urucuia

e das Velhas. Isso porque, esse último aumento de descarga seria compensado, jus-

tamente, pela diminuição equivalente no compromisso de garantia de vazões mínimas

defluentes do Reservatório de Três Marias. Em resumo, embora o setor elétrico como

um todo continuasse a ser o principal beneficiário do incremento de vazões, o aumento

de geração passaria a ocorrer nas instalações da CEMIG e não mais na cascata ope-

rada pela CHESF. O documento em exame não apresenta indicações capazes de evi-

denciar que o aumento de geração nas instalações da CEMIG seria superior àquele

originalmente considerado para as Usinas da CHESF, embora seja quase certo a pre-

valência de uma suposição oposta. De importante mesmo, é ressaltar que essa desti-

nação alternativa teria o grave inconveniente de sujeitar o trecho fluvial situado entre

Pirapora e a foz do Rio Urucuia a um regime de vazões garantidas inferior ao praticado

atualmente na presença dos compromissos de regularização cometidos ao Reservató-

rio de Três Marias. Aliás, o primeiro segmento fluvial, compreendido entre Pirapora e a

foz do Rio das Velhas, ficaria irremediavelmente comprometido nessa hipótese alterna-

tiva, tanto no que concerne à navegabilidade, como no que diz respeito à manutenção

do fluxo residual ou vazão ecológica.

Na busca de outras possibilidades de benefício para a regularização produzida pelo

empreendimento cogitado (já que esta, reconhecidamente, não se constituiria em um

objetivo em si mesma), o documento em exame recomenda o estudo subseqüente de

outras alternativas de destinação. A mais emblemática delas está consubstanciada na

seguinte recomendação:

15

“Avaliar os benefícios do aumento da regularização no AHE Sobradinho. Estes bene-

fícios podem resultar tanto de uma maior geração de energia firme, quanto da possi-

bilidade de compensar o sistema elétrico e os usuários de água da bacia do rio São

Francisco por retiradas de água para o Projeto de Interligação das Águas do Rio São

Francisco com as das Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional”.

A abordagem contida no excerto antecedente merece ser examinada mais detalhada-

mente. Com efeito, após justificar o empreendimento com a demonstração de que to-

dos os investimentos poderiam ser recuperados em 19 anos (admitida uma taxa de

desconto de 8% ao ano), “caso o sistema recomendado fosse util izado para usos não

consuntivos como navegação, melhoria de qualidade de água, etc. e o incremento da

vazão regularizada em Sobradinho fosse integralmente aproveitado pelo sistema

CHESF, o documento encomendado pela CODEVASF passa a admitir que a regulariza-

ção poderia ter uma finalidade distinta. Em outros termos, a possibilidade contida no

excerto antecedente admitiria, não mais o incremento de geração no complexo da

CHESF (aquele que se pagaria em 19 anos), mas a manutenção da capacidade atual

de produção energética no mesmo sistema, eliminando os prejuízos que adviriam das

derivações incluídas no projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco. Es-

sa conjectura equivaleria a supor que o investimento de R$ 1.143.410.000,00 poderia

ser recuperado ou pago adicionalmente pelos beneficiários das águas transpostas (va-

lor a ser acrescido aos investimentos requeridos pelas obras e serviços da própria

transposição) em 19 anos ou em outro horizonte de amortização.

Na realidade, embora a destinação alternativa mencionada nos parágrafos anteceden-

tes tenha sido apresentada com menos ênfase do que aquela que parece demonstrar a

viabilidade econômica do empreendimento, com a sua amortização integral em 19 a-

nos, ela não deixa de ser destacada entre os benefícios do projeto cogitado, conforme

se depreende do seguinte excerto:

“Favorecimento das condições hidrológicas em Sobradinho que determinam a outor-

ga preventiva para o Projeto de Interligação das Águas do Rio São Francisco com as

Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional.”

Aliás, o destaque dessa destinação alternativa parece compatível com toda a estrutura

expositiva do documento em exame, permitindo supor que o real objetivo do empreen-

dimento proposto seja, na realidade, melhorar as condições de viabilidade do projeto

16

de transposição das águas do Rio São Francisco para regiões localizadas fora da bacia

hidrográfica do grande rio. De fato, o investimento adicional de R$ 1.143.410.000,00,

estimado para a construção dos cinco barramentos, produziria um incremento da or-

dem de 53,8 m3/s nas afluências garantidas em Sobradinho (segundo estimativas da

mesma fonte). Esse aumento na vazão mínima representaria um trunfo importante no

enfrentamento às críticas e às oposições mais freqüentes ao projeto de transposição,

centradas, principalmente, na inconveniência de derivações situadas na faixa de 26,4

m3/s a 127 m3/s.

Essa possível mudança na destinação principal do empreendimento proposto aparece

novamente nos parágrafos finais do documento em exame, como sendo uma meta a

perseguir nas etapas subseqüentes dos estudos e projetos. Nesse sentido, merece ser

transcrito o seguinte excerto:

“Para aprofundar as análises anteriores, e viabilizar efetivamente o sistema projeta-

do, ele poderá ser usado não com o propósito de garantir vazões mínimas na seção

São Francisco, mas para maximizar o atendimento de demandas alternativas previ-

amente mencionadas, tais como irrigação, navegação, geração de energia, interliga-

ção de bacias, melhoria da qualidade de água, etc.”

A sugestão final contida no excerto transcrito acima pode ser melhor percebida em to-

do o seu alcance, com o auxílio de outras transcrições do mesmo documento que

apontam para a presença constante da preocupação com os projetos postos em

marcha pela União, especialmente o de transposição das águas do Rio São Francisco,

eufemisticamente rebatizado de “Projeto de Integração do Rio São Francisco com Baci-

as Hidrográficas do Nordeste Setentrional”. Nesse sentido, são apresentadas as

seguintes transcrições adicionais:

“Todos os planejamentos existente em relação à bacia do rio São Francisco (Plano

de Recursos Hídricos, Programa de Revitalização da Bacia Hidrográfica, etc.) apon-

tam, entre seus componentes, a necessidade da realização de estudos e projetos

para implementação de reservatórios em afluentes localizados no Estado de Minas

Gerais, particularmente nos rios das Velhas, Paracatu e Urucuia.”

“Assim, o modelo desenvolvido neste trabalho permite suporte ou apoio à decisão,

em função da vazão mínima que se queira assegurar no Programa de Revitalização

17

do São Francisco, para usos múltiplos, bem como do investimento que se pretenda

efetuar (custos das obras e ambiental).”

“As análises efetuadas neste trabalho, junto com as opiniões colhidas nas diversas

reuniões da Codevasf e do Ministério da Integração, permitiram recomendar ou su-

gerir a solução considerada ótima em termos hídricos, ambientais, financeiros e so-

ciais.”

“Como se pode verificar na análise expedita efetuada, as barragens selecionadas

nas bacias dos rios das Velhas, Paracatu e Urucuia deverão trazer grandes benefí-

cios para as bacias em que estão inseridas, bem como para o curso médio do rio

São Francisco, inserindo-se dentro dos objetivos do Programa de Revitalização des-

sa importante bacia hidrográfica.”

“Como se pode observar, este trabalho se incorpora de forma harmoniosa aos obje-

tivos dos planejamentos existentes no Governo Federal, constituindo-se na materia-

lização de uma de suas principais linhas de ações recomendadas.”

18

4. ORÍGEM DAS ALTERNATIVAS SELECIONADAS

O documento objeto da presente análise, em seu Capítulo 3, descreve o processo ado-

tado na seleção final dos cinco barramentos propostos para implantação nas bacias

dos Rios Paracatu, Urucuia e das Velhas. Segundo a referida fonte, o processo de se-

leção desdobrou-se em quatro fases sucessivas, com a progressiva redução do número

de alternativas, de acordo com procedimentos descritos na forma de um fluxograma.

Na primeira fase, identificada como “Inventário Geral e Identificação de Locais de Inte-

resse” teriam sido inventariados 48 eixos distintos. Na segunda fase, intitulada “Análi-

se Preliminar dos Locais Identificados”, após pesquisa nas agências reguladoras e re-

conhecimento de campo, as alternativas foram reduzidas a 32 eixos de interesse. Na

terceira fase, identificada como “Pré-Seleção dos Barramentos a Serem Considerados”,

e que incluiu estudos hidrológicos, determinações altimétricas e análises ambientais,

as alternativas de barramento foram reduzidas para 18 eixos de interesse. Esses 18

eixos receberam a seguinte denominação oficial:

• Na Bacia do Rio das Velhas:

Jequitibá

Cedro

Quartel

Santo Hipólito

Alívio

• Na Bacia do Rio Paracatu:

Preto

Entre Rios

Paracatu 2

Paracatu 1

Prata 2

Caatinga

Sono 2

Paracatu 3

19

• Na Bacia do Rio Urucuia:

Urucuia

Piratinga

Escaramuça

Arinos

Urucuia 2

Acerca dessas três primeiras fases merecem ser destacados os seguintes excertos do

documento objeto da presente análise:

“Além da cartografia básica, os estudos apoiaram-se nas imagens de satélite Land-

sat e em viagem de inspeção de campo, realizada com o intuito de agregar informa-

ções. Realizaram-se também contatos com órgãos e entidades detentores de infor-

mações de interesse para os estudos. O inventário considerou que, em função das

descargas necessárias para a regularização de vazões no rio São Francisco, deveriam

ser descartados os reservatórios cujas vazões médias de longo termo fossem inferio-

res a 25 m3/s. Foram eliminados ainda eixos que interferiam com áreas de Unidades

de Conservação de Proteção Integral.”

“Os 18 (dezoito) eixos resultantes da etapa de inventário foram detalhados em nível

de anteprojeto e os impactos ambientais na área de formação do lago foram quanti-

ficados e as medidas mitigadoras e compensatórias propostas foram valoradas. Os

resultados dessas análises serviram de base para a aplicação do modelo de progra-

mação linear, cujo foco foi otimizar o conjunto de barragens inventariadas nas bacias

dos rios Paracatu, Urucuia e das Velhas, que por sua vez deverão incrementar um

adicional de vazão regularizada no rio São Francisco.”

Na quarta fase do processo, quando já estariam disponíveis os anteprojetos e as análi-

ses ambientais do 18 eixos resultantes da etapa anterior, após a aplicação de um mo-

delo de otimização descrito como uma ferramenta de programação linear com inteiros,

as alternativas foram finalmente reduzidas para as cinco barragens mencionadas nos

capítulos anteriores da presente Nota Técnica. Acerca dessa quarta fase, merecem ser

considerados os seguintes excertos:

“O modelo de cotejo e seleção otimizada de barramentos, através de técnicas de

Programação Linear com Inteiros, contempla na sua estrutura uma rotina de avalia-

20

ção econômica para seleção das alternativas. Esta avaliação é realizada por meio

dos custos de implantação, operação, manutenção e mitigação dos impactos. A aná-

lise comparativa das alternativas foi feita com base na análise custo-efetividade,

buscando-se a solução que represente o menor custo. Assim sendo, não foram con-

templados os benefícios gerados pelas diferentes garantias de vazão em São Fran-

cisco para permitir a escolha do sistema mais eficiente sobre a ótica econômica glo-

bal. Na análise custo-efetividade, o objetivo é estabelecido por negociação social.

Isto implica em submeter as análises a fóruns colegiados, para definir a vazão a ser

garantida na seção São Francisco.”

“O modelo de otimização executado resultou em diversos sistemas otimizados, ca-

pazes de atender diferentes vazões regularizadas na seção São Francisco. Para ca-

da sistema foram indicados os reservatórios e suas dimensões ótimas, com a defini-

ção dos custos da alternativa.”

“Dentre as situações estudadas, que foram objeto de otimização, sugere-se adotar a

solução otimizada que prevê a adoção de restrições ambientais, com a eliminação

dos reservatórios localizados no baixo vale...”

Há que se ressaltar, no entanto, que grande parte dos eixos e locais de barramento

considerados no estudo que deu origem ao documento em exame já haviam sido objeto

de arrolamento anterior, sendo que alguns deles estão incluídos no inventário sistema-

tizado do setor elétrico, outros foram objeto de seleção por parte do DNOS – Departa-

mento Nacional de Obras de Saneamento e outras agências públicas, incluindo a pró-

pria CODEVASF. Essa mesma questão já foi detalhadamente analisada no “Estudo

Técnico de Apoio ao PBDSF – N° 07: Análise Sobre a Implantação de Sistemas de Bar-

ragens de Regularização”, elaborado em abril de 2004 pela Superintendência de Plane-

jamento de Recursos Hídricos da ANA – Agência Nacional de Águas, no âmbito do

Subprojeto 4.5C – Plano Decenal de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio

São Francisco – PBHSF (2004-2013). Por conta disso, foi feita a opção pela simples

transcrição de alguns elementos extraídos do mencionado documento oficial, já que

eles são suficientes para caracterizar adequadamente a origem das alternativas sele-

cionadas e alguns aspectos relevantes, relacionados com o objeto de interesse da pre-

sente Nota Técnica.

21

“Em outubro de 2001, a CODEVASF apresentou o relatório síntese dos estudos vi-

sando atender às suas necessidades referentes aos Estudos Preliminares dos Sis-

temas de Abastecimento de Água para Usos Múltiplos na Bacia do Rio São Francis-

co.”

“Quanto à regularização dos principais tributários e da calha principal do São Fran-

cisco, foram objeto de avaliação preliminar 35 locais de barramento, conforme o

quadro 2.1. Todos esses reservatórios seriam geradores de energia elétrica, sendo

que boa parte desses já se encontra, atualmente, em fase de inventário final pelo

setor elétrico.”

“Dos 29 aproveitamentos localizados em afluentes, todos aqueles em território baia-

no foram indicados como fora de prioridade por apresentarem capacidades de regu-

larização bem inferior às capacidades dos reservatórios localizados no Estado de

Minas Gerais. Desses 20 barramentos foram selecionados 10 aproveitamentos por

acrescentarem valores importantes de vazão regularizada em regime de operação

em cascata, conforme mostrado no quadro 2.2.”

Dos referidos quadros 2.1. e 2.2. estão sendo reproduzidas a seguir, apenas as infor-

mações de interesse para a presente análise, ou seja, as referentes aos tributários do

Rio São Francisco situados no Estado de Minas Gerais:

- Quadro 2.1.

• Na Bacia do Rio das Velhas:

Alívio

Santo Hipólito

Cedro

Jequitibá

Raul Soares

Quartel

Rodeado

• Na Bacia do Rio Paracatu:

Queimado

Paracatu

Roncador

22

Sono

Bezerra

Unaí

Canabrava

• Na Bacia do Rio Urucuia:

Escaramuça

Urucuia

• Na Bacia do Rio Jequitaí:

Jequitaí

- Quadro 2.2.

• Na Bacia do Rio das Velhas:

Alívio

Santo Hipólito

Cedro

• Na Bacia do Rio Paracatu:

Queimado

Paracatu

Roncador

Sono

• Na Bacia do Rio Urucuia:

Escaramuça

Urucuia

“Em 2003, a CODEVASF apresentou três relatórios técnicos parciais, os quais re-

presentaram as primeiras etapas dos estudos hidráulicos/hidrológicos e ambientais,

as quais fazem parte da Elaboração dos Estudos de Avaliação da Viabilidade Sócio-

Técnico-Econômica e Ambiental da Implantação dos Sistemas de Barragens para as

bacias do rio Urucuia (fev e mar/2003), Paracatu (fev e mar/2003) e Velhas

(mar/2003)”

23

As opções revistas pela CODEVASF nessa segunda oportunidade (2003) podem ser

examinadas, no que interessa a este capítulo da presente Nota Técnica, com auxílio do

quadro 2.3. reproduzido da mesma fonte anterior e que indica a capacidade de regula-

rização de cada um dos oito reservatórios pré-selecionados para implantação nos afluen-

tes do Rio São Francisco situados no Estado de Minas Gerais:

Rio Aproveitamento Vazão mínima (m3/s) Vazão regularizada (m3/s)

Quartel 2,0 19,6

Rodeado 0,4 8,5

Velhas

Alívio 40,0 131,6

Bezerra 12,0 42,6

Entre Rios 9,2 21,3

Paracatu

Paracatu 53,1 157,9

Arinos 33,0 102,6 Urucuia

Urucuia II 63,4 123,3

O exame dessas opções por parte da Agência Reguladora pode ser também acompa-

nhado com o auxílio dos excertos seguintes, igualmente reproduzidos do já menciona-

do “Estudo Técnico de Apoio ao PBDSF – N° 07: Análise Sobre a Implantação de Sis-

temas de Barragens de Regularização”

“A Agência Nacional de Águas (set/2003), por meio da contratação dos serviços do

consultor José Augusto Machado, apresentou um relatório de avaliação dos estudos

da CODEVASF anteriormente mencionados para as bacias do rio Paracatu e rio das

Velhas.

Nesse caso, partiu-se de todos reservatórios listados em ambos os relatórios, refez-

se a análise de seleção preliminar com base em outros critérios e selecionou-se,

dentre outras recomendações, um outro conjunto de reservatórios cujos estudos po-

derão ter continuidade.”

“Apesar de não ter sido selecionado como prioritário pela CODEVASF no estudo an-

teriormente mencionado, realizado em 2001, a empresa elaborou o Documento de

apresentação do Projeto Jequitaí (CODEVASF, set/2003), pois pretende inserir a o-

bra no Projeto de Revitalização da Bacia do Rio São Francisco, do Governo Federal.

24

Trata-se de duas barragens no rio Jequitaí distando 4,2 km uma da outra, cujo obje-

tivo é o controle de cheias e, futuramente, geração de energia elétrica e irrigação

(35.600 ha). Estão prontos o Projeto Executivo das barragens (desde 1990) e o pro-

jeto do perímetro irrigado. A duração da execução de todas as obras é estimada em

4,5 anos.”

“O Plano Plurianual do Governo Federal para o período 2004 a 2007 contempla uma

ação relacionada à construção desse empreendimento. Trata-se da ação 5308,

‘Construção da Barragem Jequitaí no Estado de Minas Gerais’, que faz parte do

Programa Proágua Infra-estrutura do Ministério da Integração Nacional. O PPA assi-

nala que o valor total necessário para a conclusão da ação é de R$ 219 milhões,

sendo que, para o período 2004 a 2007 seriam desembolsados R$ 137,8 milhões.

Segundo Lei Orçamentária de 2004, o recursos previsto para essa ação durante o

ano é de R$ 14 milhões.”

“Como a análise apresentada pelo consultor José Augusto Machado recomendou,

para efeito de consideração em estudos posteriores, um conjunto distinto de reser-

vatórios daquele apresentado pelos estudos da CODEVASF em 2003 e, dado que a

CODEVASF também pretende implantar as barragens do Jequitaí, bem como o Plano

de Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio São Francisco e do Semi-Árido

Nordestino também contempla os aproveitamentos do rio Grande, rio Carinhanha e

rio Corrente, no Estado da Bahia, no presente Estudo Técnico, optou-se por consi-

derar, para efeito de amplitude de análise, todos os aproveitamentos selecionados

por essas fontes. O quadro 2.5 apresenta o conjunto desses reservatórios, por bacia

hidrográfica, de montante para jusante.

Cabe mencionar, por fim, que o Plano Plurianual do Governo Federal apara o perío-

do 2004 a 2007contempla uma ação relacionada a barragens de regularização em

sub-bacias do rio São Francisco. Trata-se da ação 7764, ‘Estudo para Implantação

de Sistemas de Reservatórios para Fins Múltiplos nas Bacias dos Rios das Velhas,

Urucuia e Paracatu no Estado de Minas Gerais’, que faz parte do programa Proágua

Infra-estrutura do Ministério da Integração Nacional. O PPA assinala que o valor to-

tal necessário para a conclusão da ação é de R$ 11 milhões, sendo que, para o pe-

ríodo 2004 a 2007 seriam desembolsados R$ 2,1 milhões. Segundo a Lei Orçamen-

tária de 2004, não há recurso previsto para essa ação durante o ano.”

25

Do quadro 2.5. mencionado no parágrafo transcrito anteriormente, estão sendo repro-

duzidas, a seguir, apenas as informações de interesse para o objeto deste capítulo da

presente Nota Técnica:

Bacia Hidrográfica Rio barrado Aproveitamento

Velhas Raul Soares

Velhas Jequitibá

Paraúna Quartel

Velhas Santo Hipólito

Pardo Grande Rodeado

Velhas

Velhas Alívio

Jequitaí Jequitaí Jequitaí

Paracatu Bezerra

Entre-Ribeiros Entre Rios

Preto Roncador

Preto Canabrava

Paracatu

Paracatu Paracatu

Urucuia Arinos Urucuia Urucuia Urucuia II

Todas essas informações mostram que, pelo menos no período mais recente, em que

pesem as modificações sucessivas na seleção e nas prioridades, os eixos considera-

dos no documento objeto da presente análise já vinham sendo examinados e estuda-

dos no âmbito da CODEVASF e das agências reguladoras.

26

5. APRECIAÇÕES ANTERIORES SOBRE AS INTERVENÇÕES

Conforme pôde ser visto no capítulo precedente, as alternativas selecionadas e justifi-

cadas no documento em exame têm origem mais remota e já integravam o planejamen-

to da CODEVASF há algum tempo. Em vista disso, esse empreendimento, ou pelo me-

nos a maioria de seus componentes, já foi objeto de inúmeras análises e manifesta-

ções, antes mesmo da sua apresentação recente na forma de uma proposição destina-

da a reforçar a viabilidade do projeto de transposição do Rio São Francisco.

Algumas dessas análises e manifestações apresentam maior importância no contexto

da presente Nota Técnica, por representarem iniciativas de instituições públicas do

Estado de Minas Gerais ou pelo seu caráter oficial e normativo dentro do sistema regu-

latório do setor de recursos hídricos. Nesse sentido, pelo menos duas delas serão e-

xaminadas no presente capítulo: a Nota Técnica emitida em Fevereiro de 2004 pela

Diretoria de Instrumentalização e Controle do IGAM e o já mencionado Estudo Técnico

de Apoio ao PBHSF – N° 07, elaborado em Abril de 2004 pela Superintendência de

Planejamento de Recursos Hídricos da ANA.

O primeiro desses documentos, elaborado com o propósito de examinar, justamente, a

“Implantação de reservatórios de regularização nas bacias dos rios Paracatu, Velhas,

Urucuia e Jequitaí” , util izou como subsídios principais as informações contidas no

“Plano Diretor de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio Paracatu –

PLANPAR” e no “Plano Diretor de Recursos Hídricos dos Afluentes do Rio São Fran-

cisco em Minas Gerais – PDSF”. Os dois Planos mencionados foram produzidos, res-

pectivamente, em 1998 e 2002, por encomenda da RURALMINAS – Fundação Rural

Mineira, Colonização e Reforma Agrária e, conquanto tenham sido parcialmente finan-

ciados pela Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, represen-

tavam o posicionamento oficial de uma instituição integrante da Administração do Es-

tado de Minas Gerais. Talvez por essa razão e independentemente da constatação de

que a autoria dos mencionados Planos se confunde com a do documento que agora

vem sendo objeto do exame na presente Nota Técnica, o IGAM tenha endossado impli-

citamente os empreendimentos em tela, na manifestação de Fevereiro de 2004, restrin-

gindo eventuais críticas à redação parcimoniosa exemplificada no seguinte excerto:

27

“Analisando os Planos Diretores de Bacias, chega-se à conclusão de que estes, não

trouxeram informações em um nível de detalhamento, por exemplo, sobre a relação

custo benefício da implantação destas barragens e seus impactos ao meio ambiente.

Portanto, ressalta-se a necessidade da elaboração de um estudo específico que

permita a tomada de decisão sobre a implantação das referidas barragens, conforme

sinalizado no Relatório Programas, Projetos e Ações (módulo 3) – Estudo de Identi-

ficação de áreas críticas para a regularização de vazões.”

O segundo dos documentos mencionados anteriormente, ou seja, o Estudo Técnico de

Apoio ao PBHSF – N° 07, elaborado em Abril de 2004 pela Superintendência de Plane-

jamento de Recursos Hídricos da ANA é muito mais detalhado e abrangente na análise

critica à conveniência de implantação das barragens cogitadas pela CODEVASF. Pela

pertinência e atualidade de algumas importantes observações registradas naquele do-

cumento, foi feita a opção em favor de uma transcrição mais extensiva de seus trechos

de maior interesse.

“Segundo informa a página da CODEVASF na Internet, a vazão regularizada nas ba-

cias do Paracatu, Urucuia, Carinhanha, Corrente e Grande, por meio da construção

de seis novas barragens, permitirá, além do aumento da garantia de água para ge-

ração de energia nas hidrelétricas de Sobradinho, Itaparica e Paulo Afonso, o con-

trole das cheias e a geração de hidroeletricidade, além da melhoria das condições

de navegabilidade na hidrovia São Francisco, antes de ser derivada para os projetos

do Subsistema de Distribuição, concebido para disponibilizar água para a região

semi-árida.

O IGAM preparou uma Nota Técnica intitulada ‘Implantação de Reservatórios de Re-

gularização nas Bacias dos rios Paracatu, Velhas, Urucuia e Jequitaí (IGAM,

fev/2004), Baseada em informações do PDSF – Plano Diretor de Recursos Hídricos

dos Afluentes do Rio São Francisco (2002) e do PLANPAR – Plano Diretor de Re-

cursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio Paracatu (1998). Segundo a Nota, o

PLANPAR recomenda a construção da barragem Paracatu dada a necessidade de

melhoramento do regime hidrológico do rio São Francisco.

Por outro lado, o relatório síntese dos estudos hidrológicos realizados pela

CODEVASF em 2001 apresentou, também, o resultado de simulações hidrológicas

que foram realizadas com o objetivo de verificar o efeito da operação em cascata

28

dos reservatórios que foram selecionados por esse estudo para serem implantados

nas sub-bacias hidrográficas de Minas Gerais, além daqueles localizados na calha

do rio São Francisco, sobre a vazão regularizada do reservatório de Sobradinho. Por

meio do quadro 2.6, verifica-se que, de acordo com esses estudos hidrológicos, es-

se efeito é pouco significativo, isso considerando a operação de dezesseis novos re-

servatórios. Portanto, a análise da necessidade de implantação desses conjuntos de

barragens deve ser feita à luz de eventuais desequilíbrios hídricos nas próprias sub-

bacias onde se localizam os cursos d’água a serem barrados.”

Essa última conclusão contida no documento da ANA é de grande interesse para o e-

xame feito na presente Nota Técnica já que ela aponta em direção contrária à justifica-

tiva apresentada pela CODEVASF na proposição do conjunto dos cinco barramentos

em tela. De fato, enquanto a justificativa da CODEVASF prioriza a regularização de

vazões na calha principal do Rio São Francisco e descarta as util izações locais nas

bacias onde se faria a implantação dos reservatórios, o documento da ANA indica uma

priorização oposta, considerando insignificantes os efeitos da regularização na calha

principal. Os números considerados nas duas fontes não são rigorosamente iguais,

mas, apesar disso, merece ser transcrito o quadro síntese (2.6.) apresentado pela

ANA, com os resultados da simulação da influência da implantação dos reservatórios

sobre as vazões regularizadas em Sobradinho:

Discriminação Vazão efluente em Sobradinho (m3/s)

Variação de vazão (m3/s)

Três Marias + Sobradinho 2.328,8 0,0

Três Marias + Sobradinho + 10 reserva-tórios em afluentes mineiros

2.375,5 46,7

Três Marias + Sobradinho + 10 reserva-tórios em afluentes mineiros + 6 reser-vatórios na calha do rio São Francisco

2.398,0 69,2

Essa abordagem é ampliada no seguinte excerto:

“Por meio da figura 2.3, visualiza-se a localização dos reservatórios analisados nas

bacias do Paracatu, Urucuia, Velhas e Jequitaí, ao lado da localização dos reserva-

tórios já inventariados pelo setor elétrico. Fica clara a necessidade de articulação

efetiva entre os demais órgãos responsáveis pela implantação e operação de barra-

29

gens e este setor. Se uma das justificativas para a construção de barragens na região

é o incremento das disponibilidades hídricas no rio São Francisco, os reservatórios

formados pelas barragens inventariadas pelo setor elétrico poderiam fornecê-lo, na

medida em que fosse necessário implantá-los face às demandas energéticas e face

ao surgimento, ao longo dos anos, de demandas efetivas dos demais setores usuá-

rios na bacia.”

Além da questão relacionada com o aproveitamento energético dos reservatórios pro-

postos pela CODEVASF, o estudo da ANA aborda detalhadamente as possibilidades e

conveniências associadas às diversas classes de uso, fazendo remissões eventuais à

Nota Técnica do IGAM, produzida em fevereiro de 2004 e ao trabalho Programa, Proje-

tos e Ações na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – Minas Gerais (IGAM,

fev/2004), conforme destacado nos seguintes excertos:

“Segundo a Nota Técnica ‘Implantação de Reservatórios de Regularização nas Bacias

dos rios Paracatu, Velhas, Urucuia e Jequitaí’ (IGAM, fev/2004), o PDSF, por sua

vez, informa que: (i) quase 90% das vazões mínimas estão comprometidas com as

demandas na bacia do rio Jequitaí; (ii) 80% das vazões mínimas do rio Urucuia, em

seu trecho alto-médio, estão comprometidas devido à irrigação; (ii i) as demandas no

rio das Velhas, no trecho RMBH, são superiores à disponibilidade, mencionando a

importação do rio Paraopeba; (iv) é certo que haverá déficit hídrico nas quatro bacias.

A Nota ressalta, entretanto, a necessidade de elaboração de um estudo específico

que permita a tomada de decisão sobre a implantação das barragens nessas bacias.

Para efeito do presente Estudo Técnico, a principal fonte de informação considerada

é a Base de Dados Georeferenciados SPR/ANA (versão, fev/2004).....”

“Por meio desta base, foi possível traçar, para cada uma das bacias hidrográficas

consideradas, perfis mostrando a comparação da disponibilidade hídrica e a deman-

da ao longo da calha dos rios a serem barrados, conforme mostrado nos Anexos. ...”

“Segundo o que se pode observar nos perfis traçados, na bacia do rio Paracatu, as

retiradas atingem apenas 15% das disponibilidades hídricas. Havendo disponibilida-

de de terras aptas, pode-se irrigar, com segurança, 40.000 ha sem necessidade de

regularização dos cursos d’água, não havendo a necessidade de implantação das

barragens Bezerra e Paracatu por não haver constatação de desequilíbrios hídricos

30

em nível local. No entanto e conforme já mencionado, segundo o PLANPAR, há a

necessidade de implantação da Barragem Paracatu visando o melhoramento do re-

gime fluvial do São Francisco. Todavia, como já vimos, os estudos mostram que é

pouco significativa a contribuição desses reservatórios para o incremento de vazão

regularizada na bacia do rio São Francisco como um todo. Sabe-se, também, que a

barragem Paracatu resultaria na inundação de áreas irrigadas em projetos de irriga-

ção localizados ao longo do rio Entre Ribeiros.

Para a bacia do rio Preto, afluente do Paracatu, as retiradas superam as disponibili-

dades hídricas somente nas áreas de cabeceiras, no Distrito Federal, mantendo-se

de 15 a 20% daí para jusante. Havendo disponibilidade de terras aptas, pode-se irri-

gar, com segurança, 11.000 ha sem necessidade de regularização dos cursos

d’água. Também não há necessidade de implantação das barragens Canabrava e

Roncador por não haver constatação de desequilíbrios hídricos em nível local.

Na bacia do rio Entre-Ribeiros, outro afluente do Paracatu, as retiradas variam de 20

a 25% em relação às disponibilidades. Havendo disponibilidade de terras aptas, po-

de-se irrigar, com segurança, 3.500 ha sem necessidade de regularização dos cur-

sos d’água. Não há necessidade de implantação da barragem Entre Rios por não

haver constatação de desequilíbrios hídricos em nível local. Sabe-se, no entanto,

que o rio Entre Ribeiros tem secado nos últimos anos devido às retiradas para irri-

gação em projetos locais.

Quanto à bacia do rio Urucuia, as retiradas estão em torno de 10% em relação às

disponibilidades hídricas. Havendo disponibilidade de terras aptas, pode-se irrigar,

com segurança, 13.000 ha sem necessidade de regularização dos cursos d’água.

Não há necessidade de implantação das barragens Arinos e Urucuia II por não haver

constatação de desequilíbrios hídricos em nível local. Há uma discrepância em rela-

ção à informação do PDSF (80% das disponibilidades comprometidas no alto-médio

curso).

Na bacia do rio das Velhas, as retiradas superam 70% das disponibilidades no tre-

cho da RMBH, entre 100 e 190 km a jusante das nascentes, diminuindo até 40% a

470 km e mantém-se em torno de 25% até o encontro com o rio São Francisco. Ha-

vendo disponibilidade de terras aptas, pode-se irrigar, com segurança, 50.000 ha,

31

sem necessidade de regularização dos cursos d’água. Não há necessidade de im-

plantação das barragens Santo Hipólito e Alívio.

Nas bacias do rio Parauninha e Pardo Grande, afluentes do rio das Velhas, havendo

disponibilidade de terras aptas, pode-se irrigar, com segurança, 3.500 ha, sem ne-

cessidade de regularização dos cursos d’água. Não há necessidade de implantação

de barragens de regularização.”

“Segundo a base de dados, havendo disponibilidade de terras aptas, um incremento

de cerca de 100.000 ha de áreas irrigadas pode ocorrer, juntando as bacias do rio

Paracatu, Urucuia, Velhas e Jequitaí. Considerando que (i) dos 314.000 ha

(FAEMG/2003) irrigados no Estado de Minas Gerais, aproximadamente 50.000 ha lo-

calizam-se nessas bacias e (ii) o ritmo de crescimento da irrigação em Minas Gerais

tem sido de 3% a.a. (FAEMG/2003), haveria a necessidade de 37 anos para se che-

gar aos 150.000 ha irrigados.”

“Segundo a Nota Técnica ‘ Implantação de Reservatórios de Regularização nas Ba-

cias dos rios Paracatu, Velhas, Urucuia e Jequitaí’ (IGAM, fev/2004), o PLANPAR

recomenda a construção da barragem Paracatu dada a necessidade de geração de

energia elétrica na região visando o desenvolvimento econômico da bacia (irrigação,

mineração e atividades afins).

Entretanto, segundo o ‘Sumário Executivo do Plano Decenal de Expansão dos sis-

temas elétricos 2003-2012’ (CCPE/MME, dez/2002), plano sujeito a revisões anuais,

as únicas hidrelétricas consideradas no horizonte decenal na bacia são os empreen-

dimentos Sacos e Gatos, no rio Formoso na Bahia, Quartel, no rio Paraúna (Rio das

Velhas) e Retiro, no rio Paraopeba.”

“..... Dessa forma, ao que tudo indica, não há problemas de navegação nas sub-

bacias do rio São Francisco, que possam ser solucionados, num contexto de usos

múltiplos, por meio de regras de operação de novos reservatórios.”

“....as enchentes ribeirinhas localizadas nas sub-bacias do rio São Francisco não

são mencionadas como problemas passíveis de serem solucionados mediante a ope-

ração de reservatórios.”

32

“Após a análise do material disponível, pode-se concluir que a ampliação de áreas

irrigadas, o melhoramento das condições de navegabilidade, o controle de cheias ri-

beirinhas e melhoramento do regime fluvial do rio São Francisco, por enquanto, não

são justificativas para a implantação de barragens de regularização nas bacias dos

rios Paracatu, Velhas, Urucuia, Jequitaí, carinhanha, Corrente e Grande.”

“Pode-se afirmar, com segurança, que a geração de energia elétrica, por enquanto,

também não é justificativa para a implantação de barragens de regularização nessas

bacias, com exceção da barragem Quartel, na bacia do rio das Velhas. Essa barra-

gem está mencionada no Plano decenal de Expansão dos sistemas elétricos como

indicativa de implantação.”

“Conforme observado nos perfis (Anexo I) do rio Preto, conclui-se que pode haver a

necessidade de implantação de reservatórios de regularização de vazões no alto

curso do mesmo, no Distrito Federal.”

“Segundo informações obtidas junto à COPASA MG, a questão do abastecimento da

região metropolitana de Belo Horizonte encontra-se equacionada mediante a opera-

ção das captações nas bacias dos rios Paraopeba e Velhas, não justificando, portan-

to, a realização de estudos aprofundados acerca da implantação de barragens no al-

to rio das Velhas para o referido uso.”

33

6. CRONOLOGIA POLÍTICA DA JUSTIFICATIVA

Independentemente da origem bem mais remota das primeiras cogitações envolvendo

os barramentos de regularização nas bacias dos Rios Paracatu, Urucuia e das Velhas

e do interesse anterior de entidades como o DNOS, a CEMIG e a própria CODEVASF,

o assunto ressurgiu com novo enfoque, mais urgência e diferente ênfase, quando foi

associado às ações políticas desenvolvidas para viabilizar o projeto de transposição

das águas do Rio São Francisco. A CODEVASF, transformada ela própria em instru-

mento institucional para a emulação do projeto ao ter sua tradicional jurisdição territo-

rial ampliada do estrito perímetro da bacia do Rio São Francisco para agregar, tam-

bém, o vale do Rio Parnaíba e, com isso, ajustar-se ao mecanismo político que substi-

tuiu a estigmatizada denominação de “transposição das águas” pelo eufemismo da “In-

tegração com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional”, dentre as quais a do

Parnaíba, vem sendo a agência responsável pelo ressurgimento da iniciativa.

No entanto, na versão atual, a proposta para implantação dos cinco barramentos em

tela assume feições bastante distintas das originalmente consideradas pela mesma

Companhia e vem sendo apresentada como parte fundamental para as ações de revita-

lização da Bacia do Rio São Francisco. Existem elementos suficientes para se supor

que essa estratégia foi concebida e vem sendo implementada para aproveitar a cir-

cunstância de que grande parte da oposição ao projeto de transposição vinha se mate-

rializando na simplista, mas generalizada, exigência de que a derivação das águas do

Rio São Francisco para os Estados do Nordeste Setentrional deveria ser precedida pe-

la revitalização de sua própria bacia. Por tratar-se de um termo impreciso e quase

sempre mal compreendido, a palavra “revitalização” passou a comportar qualquer a-

cepção que se lhe queira dar, até mesmo a de incluir empreendimentos ambientalmen-

te questionáveis, destinados a neutralizar argumentos regionais ou setoriais que se

opunham à redução nas disponibilidades hídricas endógenas da bacia.

A evolução de toda essa questão pode ser melhor avaliada e compreendida com a sim-

ples leitura do material jornalístico reproduzido a seguir, dispensando a elaboração de

texto específico. A opção em favor dessas transcrições resultou, justamente, da consi-

deração de que aspectos de natureza política, geralmente costumam ficar mal confor-

mados e desajustados em um documento técnico, conquanto, no caso presente, a sua

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percepção seja essencial para balizar decisões que também poderão estender-se ao

âmbito político.

Correio da Paraíba – PB (06/10/2003)

Alencar revela em CG que a transposição vai custar R$ 20 bi

Vice-presidente disse que recebeu delegação de Lula para levar água ao semi-árido

Da Redação O vice-presidente da República, empresário José Alencar, disse em Campina Grande que recebeu delegação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para fazer todo o esforço para que a água do Rio São Francisco chegue ao semi-árido setentrional e que os custos para executar o projeto de transpo-sição e revitalização é de cerca de R$ 20 bilhões. Alencar fez no último sábado palestra de apresen-tação do projeto da transposição no auditório da Federação das Indústrias para uma platéia formada por empresários, prefeitos, deputados, secretários estaduais e municipais. O vice-presidente foi designado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para coordenar um grupo de trabalho composto por representantes dos Ministérios da Integração Nacional, Fazenda, Plane-jamento, Meio Ambiente e Casa Civil. Esse grupo tem como objetivo realizar os estudos de revita-lização e transposição de parte das águas do Rio São Francisco para a o semi-árido da Paraíba, Cea-rá e Rio Grande do Norte. Responsável pela tarefa de convencimento das lideranças e populações ribeirinhas de Alagoas, Ser-gipe e Bahia sobre o alcance social do projeto de transposição, o vice-presidente Alencar revelou que teve o cuidado de iniciar um trabalho em busca de apoio político ao importante empreendimen-to. A primeira polêmica levantada em torno do projeto, segundo Alencar, foi do ponto de vista ambien-tal. Mas ele recebeu com serenidade as reações contrárias, por entender que, qualquer obra de enge-nharia agride o meio ambiente. Por isso, optou por fazer um balanço dos benefícios que a transposi-ção trará para as populações do semi-árido. Projeto de revitalização Ciente da importância da revitalização do Rio em toda a sua extensão, para que o projeto da trans-posição possa ser concretizado, o vice-presidente José Alencar revelou que pode constatar o que ocorreu com o São Francisco na cidade alagoana de Penedo, em decorrências da barragem de So-bradinho, destinada à geração de energia elétrica. Ali, houve, segundo o Vice-Presidente, retirada de nutrientes que alimentavam a fauna fluvial e as usinas hidrelétricas modificaram o curso do Rio, interferindo na atividade pesqueira, apesar de esta-rem gerando 10 mil quilowatts/horas de energia elétrica. Alencar explicou que, o que vai acontecer é a execução dos projetos do Eixo Norte, com 99 metros cúbicos de água por segundo; e o Eixo Leste, com 28 metros cúbicos por segundo, que sairão da va-zão de 2.700 metros cúbicos da barragem de Sobradinho. A meta do Governo é a captação de 5% da

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vazão regular da barragem, mas os estudos também contemplam a transposição do Rio Tocantins, à altura do Rio Preto, com uma vazão correspondente a 100 metros de água por segundo. Para detalhamento do projeto, o vice-presidente José Alencar, acompanhado do brigadeiro e enge-nheiro Armando Monteiro e do engenheiro Antônio Vidon, dos quadros do Governo Federal, já par-ticipou de reuniões em Minas Gerais, onde o Rio nasce; Sergipe, Bahia e Alagoas. Antes de sua es-tada em Campina Grande, no último sábado, Alencar esteve em Recife. Para essas reuniões ele convidou os militantes da causa do meio ambiente. O vice-presidente admite que os ambientalistas às vezes esboçam posicionamentos contundentes, mas os respeita e admira, por entender que eles têm razão. Na Bahia, Alencar disse ter acolhido pleitos de obras referentes ao São Francisco, numa reunião da qual participaram membros da bancada federal e prefeitos daquele estado, com duração de cinco horas. Recuperação da calha e margens Alencar deixou claro que o projeto da transposição não contempla só os dois eixos, que estão pron-tos para a licitação. Foi preparado um programa – mostrado para a platéia presente à Federação das Indústrias, através de um audiovisual – destinado à revitalização completa do Rio São Francisco. Tal programa prevê o desassoreamento da calha do Rio e a reposição de toda a mata ciliar que foi derrubada numa área que compreende 500 cidades ao longo da bacia do São Francisco. Apenas 10% dessas cidades têm sistemas de tratamento de esgoto, significando dizer que os dejetos domésticos são lançados brutos no Rio São Francisco. O programa prevê apoio aos municípios localizados na bacia do Rio para que possam tratar seus esgotos. Prevê ainda, algumas barragens de afluentes como os rios das Velhas, Paracatu e Urucuia, para en-riquecimento do São Francisco. Quanto à transposição do Tocantins, o vice-presidente José Alencar informou que, o projeto é do interesse do governo daquele estado. O que se deseja, segundo o industrial José Alencar, é atender às necessidades humanas e o desen-volvimento de uma região, com população de 18 milhões de habitantes. Para ele, o Eixo Leste é o de maior importância para o Estado da Paraíba em particular, já havendo reconhecimento de orga-nismos internacionais, dispostos a financiar a execução das obras, em virtude do seu interesse social. Execução em 3 ou 4 anos Os Estados da Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte já estão sendo preparados para receber as á-guas do São Francisco e do Tocantins e em Campina Grande foi realizada no sábado que passou, a primeira reunião de trabalho num estado receptor. Mas o vice-presidente alertou aos presentes ao auditório da Federação das Indústrias, que, além do aplauso, é preciso a exigência de que a obra seja realizada. Alencar conclamou a união de todos os estados em apoio ao projeto que também traz benefícios pa-ra a toda a bacia do São Francisco, que banha grande parte do Nordeste, região que tem 3% das á-guas do Brasil. Desses 3%, 75% são águas do Rio São Francisco. O projeto de transposição é um amplo programa de obras estruturantes em prol da população da região mais pobre do País.

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As obras de transposição, de acordo com o vice-presidente José Alencar, serão executadas parale-lamente ao projeto de revitalização do Rio São Francisco, que segundo ele, enfrenta sério processo de degradação ambiental. As usinas de geração de energia provocaram mudanças no curso do Rio ao longo de 290 mil km2, que compreende a área do semi-árido, onde será possível desenvolver la-vouras irrigadas num espaço de 250 mil hectares. O Eixo Leste da transposição está orçado em US$ 1,4 bilhão, com possibilidade de construção em dois anos; e o Eixo Norte está orçado em US$ 1,2 bilhão, com estimativa de execução em 3 a 4 anos. Para o vice-presidente da República é tecnica-mente possível iniciar a execução do projeto já em 2004, mas para que isso aconteça, é necessária a licença ambiental.

Folha da Terra – BA (10/09/2004)

Rio São Francisco – Revitalização x Transposição

A Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o Ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, a-presentaram no dia 8 de setembro à diretoria do Comitê da Bacia do Rio São Francisco uma propos-ta de desenvolvimento sustentável para o semi-árido e a Bacia do São Francisco. Durante a reunião foi solicitado ao Comitê a definição de prioridades para a aplicação de R$ 100 milhões destinados à revitalização da bacia no orçamento de 2005. Os ministros anunciaram, ainda, que no Plano Pluria-nual (PPA) estão destinados R$ 1,1 bilhão para a revitalização.

O Comitê, reunido na sua III Plenária, em Juazeiro - Bahia, nos dias 28 a 30 de julho, não tinha to-mado posição em relação ao projeto do Governo Federal sobre a transposição das águas do rio para o Nordeste Setentrional que propõe que 70% da vazão seja destinado para irrigação, com custos e-levados da tarifa que dificultaria o acesso à água pela maioria da população. Foi acordado que o Governo não emitirá nenhuma outorga de água para o projeto, assim como suspenderá a tramitação do pedido de licença ambiental já encaminhada ao Ibama. O Fórum Permanente de Defesa do Rio São Francisco da Bahia, constituído por cerca de 60 entidades, analisou que nas discussões sobre a revitalização do São Francisco, o projeto da transposição perturba um melhor aprofundamento do que é mais fundamental para a bacia e suas comunidades. Para o Fórum, a questão do desenvolvi-mento do semi-árido brasileiro passa por outra lógica, contemplando soluções mais adequadas para a região, a exemplo do projeto de um milhão de cisternas que vem sendo desenvolvido pela Articu-lação do Semi Árido (ASA).

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Comunicação Social do Ministério da Integração Nacional - DF (21/07/2005)

Ciro Gomes apresenta a Aécio Neves estudo de viabilidade para construção de barragens em MG

Brasília - O ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, acompanhado de técnicos e assessores, apresentou nesta quinta-feira (21/07) ao governador de Minas Gerais, Aécio Neves, os estudos de viabilidade técnica para a construção de barragens nos rios Urucuia, Velhas e Paracatu, naquele Es-tado, que entre outros objetivos reforçarão as ações do Programa de Revitalização do Rio São Fran-cisco. Os estudos foram apresentados também para técnicos do governo mineiro. A reunião, que começou ao meio-dia, no Palácio das Mangabeiras, durou duas horas. "Esses barramentos vão a-crescentar à vazão do rio mais 54 metros cúbicos por segundo. É um reforço importante, além de outras ações de revitalização que estão sendo realizadas", afirmou o ministro Ciro Gomes.

No ano passado, os Ministérios da Integração Nacional e do Meio Ambiente investiram R$ 27 mi-lhões na revitalização do Rio São Francisco, parte dos quais repassada para o Governo de Minas Gerais, que implementa ações de despoluição do rio das Velhas, principal afluente mineiro do São Francisco. Neste exercício, os dois ministérios dispõem, no seu orçamento, de R$ 100 milhões para mais ações de revitalização. Por sua vez, o Ministério das Cidades vem, desde o ano passado, inves-tindo R$ 660 milhões em projetos de saneamento básico e de abastecimento de água em 84 cidades localizadas na bacia do São Francisco. Hoje, há cerca de 250 comunidades que lançam esgotos "in natura" diretamente na calha do São Francisco.

Eixos de integração

O Projeto de Integração de Bacias do Rio São Francisco às Bacias Hidrográficas do Nordeste Seten-trional prevê a construção de dois eixos. O canal leste, já denominado Celso Furtado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, levará água a Pernambuco e à Paraíba, e o canal norte atenderá aos mo-radores dos estados do Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco. As captações serão fei-tas em dois pontos: o primeiro em Cabrobó, no oeste de Pernambuco, e o segundo no lago da barra-gem de Itaparica, próximo à divisa entre Pernambuco e Bahia - ambos abaixo da barragem de So-bradinho.

O projeto captará, abaixo da barragem e de modo contínuo, 26 m³/s, ou seja, 1% do que o rio joga no mar. A água abastecerá as bacias dos rios Jaguaribe, no Ceará; Apodi, no Rio Grande do Norte; Piranhas-Açu, na Paraíba e no Rio Grande do Norte; Paraíba, na Paraíba; Moxotó e Brígida, em Pernambuco. Será usada no abastecimento humano e na dessedentação animal. Somente quando a barragem de Sobradinho estiver vertendo, o volume captado poderá ser ampliado até o máximo de 127 m³/s. Quando Sobradinho verte, a vazão do rio chega a picos de até 15 mil m³/s

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Agência Minas – MG (21/07/2005)

Rio São Francisco

Aécio Neves discute revitalização com ministro Ciro Gomes

BELO HORIZONTE (21/07/05) – O governador Aécio Neves recebeu hoje, no Palácio das Manga-

beiras, o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes. Durante o encontro, o ministro apresentou

uma proposta de construção de barragens nas bacias dos rios das Velhas, Paracatu e Urucuia, dentro

do projeto de revitalização do Rio São Francisco no território mineiro.

“O ministro Ciro veio tratar de questões que interessam ao país. Ele traz aqui, com a equipe técnica

do ministério, uma proposta aprofundada sobre a questão da revitalização do São Francisco, algo

que sempre foi colocado pelos mineiros como um pressuposto fundamental e definitivo para que se

possa discutir a questão da revitalização”, afirmou o governador durante entrevista.

A proposta do Ministério da Integração Nacional atende a reivindicação do Governo do Estado, que

exige a revitalização do Rio São Francisco antes de qualquer discussão sobre o projeto de transposi-

ção. Aécio Neves afirmou que a proposta será encaminhada aos órgãos ambientais do Estado para

que inicie uma discussão técnica sobre a viabilidade. Também serão avaliadas as garantias de inves-

timentos para que o projeto de revitalização seja realmente realizado.

“O ministro apresentou um documento muito bem elaborado pela sua profundidade e a nossa equipe

aqui reunida abre, portanto, a partir de hoje, uma discussão técnica para que nós possamos ter inves-

timentos efetivos na revitalização do Rio São Francisco para que, a partir daí, se discutam outras

questões”, disse o governador.

Barragens

De acordo com o projeto do Ministério, as barragens irão permitir um acréscimo de 54 metros cúbi-

cos por segundo ao rio São Francisco, o que significa uma vazão regularizada de 1.200 metros cúbi-

cos por segundo, restaurando a possibilidade de navegação. Os barramentos também irão incorporar

ao território de Minas Gerais 144 mil hectares destinados a projetos de irrigação.

A proposta do Ministério da Integração Nacional foi apresentada ao governador, ao secretário-

adjunto de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Shelley de Souza Carneiro, ao presiden-

39

te da Cemig, Djalma de Morais, e a dirigentes e técnicos dos principais órgãos ambientais do Esta-

do.

Revitalização

O ministro Ciro Gomes afirmou ser justa a exigência do Estado em garantir a revitalização do Rio

São Francisco. O rio percorre cerca de 1135 quilômetros em Minas Gerais. O Estado concentra cer-

ca de 59% da população total da bacia e o principal pólo industrial responsável por, aproximada-

mente, 75% do potencial poluidor.

“Este projeto que nós estamos trazendo, ao regularizar a vazão de 1.200 metros cúbicos por segun-

do depois do Urucuia, das Velhas, Paracatu, restaura a navegação, o que é uma outra agenda. De

maneira que toda agenda de revitalização, que é uma justíssima queixa do povo mineiro, não é só

um compromisso nosso, como já está em processo de atendimento”, disse.

Ciro Gomes afirmou que o governo federal irá garantir recursos para a revitalização do Rio São

Francisco, orçada em R$ 4,5 bilhões, ao longo dos 2,7 mil quilômetros de extensão e corta 250 mu-

nicípios. Ele citou as obras que estão sendo executadas pelo Governo do Estado, em parceria com o

governo federal, como a recuperação do Rio das Velhas, que recebe todo o esgotamento sanitário de

Belo Horizonte e é o mais grave vetor de poluição do São Francisco.

"O programa de revitalização está orçado em R$ 4,5 bilhões e em 21 das 250 cidades já estão con-

tratados os seus recursos para o saneamento básico. Estamos já no processo de revitalização do rio

das Velhas, que recolhe efluentes in natura do esgoto sanitário de Belo Horizonte e um conjunto ar-

ticulado de ações que já são bem impressionantes no Jequitinhonha, Mucuri, no Projeto Jaíba. Em

parceria com o IEF (Instituto Estadual de Florestas), nós estamos produzindo os primeiros canteiros

de mudas para reposição de matas ciliares”, afirmou.

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Correio Brasiliense – DF (02/09/2007)

Setor Elétrico

Presente de grego

Governo federal projeta cinco barragens em Minas Gerais com o objetivo de compensar futuras

perdas no suprimento de água resultantes da transposição do Rio São Francisco. Prejuízos sempre

foram negados Bernardino Furtado Do Estado de Minas Local onde será construída uma barragem

no Rio Urucuia, em Buritis, João Pinheiro e Santo Hipólito (MG) – Depois de superar a duras penas

no Supremo Tribunal Federal (STF) o bloqueio da licença ambiental para a transposição do São

Francisco, o governo federal investe R$ 32 milhões — apenas em estudos — num projeto de forte

impacto sobre o meio ambiente e a economia de três sub-bacias do rio em Minas Gerais. Trata-se de

um conjunto de cinco barragens capazes de inundar mais de 100 mil hectares de terras cultivadas,

assentamentos da reforma agrária, porções significativas de mata, trechos de uma rodovia federal e

até as casas de uma cidade e de um distrito. Na Justiça, no debate político e no próprio Estudo de

Impacto Ambiental (EIA), o governo sustentou que a transposição não causaria prejuízos para o

meio ambiente da Bacia do São Francisco. Isso porque a água seria retirada na porção final do rio,

nos lagos de Sobradinho e de Itapacarica (Bahia e Pernambuco). No entanto, o objetivo prático das

barragens projetadas em Minas é justamente compensar as perdas de água na bacia resultantes da

transposição. A um custo estimado de R$ 1,13 bilhão, os cinco barramentos (três na Bacia do Para-

catu, um no rio Urucuia e outro no Rio das Velhas) foram tratados superficialmente e praticamente

descartados no EIA da Transposição, datado de outubro de 2004. "Entretanto, é possível que novos

reservatórios de grande volume tenham baixa viabilidade ambiental, pela inundação de áreas eco-

nomicamente ocupadas e por efeito sobre ecossistemas fluviais situados a jusante (rio abaixo) e que

atualmente permitem manter um fluxo livre de grande extensão ao longo do Médio São Francisco.",

diz o documento. Sob o título Barragens em Minas Gerais, as obras foram incluídas no Programa de

Aceleração do Crescimento (PAC) lançado pelo governo Lula este ano, com orçamento para estu-

dos, inclusive ambientais, no valor de R$ 18 milhões em 2007. Antes, a partir de 2003, foram gas-

tos R$ 14 milhões em outros levantamentos. A execução é da Companhia de Desenvolvimento dos

Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) que incluiu a futura obra no repertório de ações

de revitalização do São Francisco. Num documento de junho de 2005, a Codevasf e as quatro em-

presas de engenharia contratadas (Ecoplan, JP Meio Ambiente, ACL e Magna) explicam que o con-

junto de barragens servirá para dobrar a vazão mínima no rio, nas proximidades da cidade de São

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Francisco (MG), de 600 metros cúbicos por segundo para 1,2 mil metros cúbicos por segundo. A

lógica é relativamente simples. A água acumulada nas represas durante o período chuvoso será libe-

rada nos meses secos. Rio abaixo, as enchentes terão menor intensidade e haverá uma elevação de

70cm a 1m do nível de água no período de estiagem. O relatório da Codevasf cita uma série de be-

nefícios, como a melhora das condições de navegação e de depuração da água, mas o eixo central

do projeto é econômico e reside no aumento da geração de energia elétrica nas turbinas da estatal

federal Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) instaladas abaixo do lago de Sobradinho.

Do aumento para 1.200 metros cúbicos por segundo da vazão em São Francisco (MG) restará um

acréscimo de aproximadamente 54 metros cúbicos por segundo nas máquinas da Chesf. Essa vazão

é muito próxima da média de 65 metros cúbicos por segundo que serão bombeados para os canais

da Transposição. Também contratado pela Codevasf, um estudo do Centro de Excelência em Re-

cursos Naturais e Energia (Excen) da Universidade Federal de Itajubá atestou que as cinco barra-

gens teriam a capacidade de gerar 280 megawatts médios assegurados na cascata de hidrelétricas da

Chesf. O valor é considerável. A usina de Três Marias, em Minas, tem 239 megawatts médios. A

energia assegurada é aquela que as usinas estão autorizadas a vender no mercado ao longo do ano.

O faturamento adicional da Chesf permitiria pagar a construção das barragens em Minas num prazo

de 19 anos, afirma o relatório da Codevasf. No texto do PAC também está dito que os ‘recebíveis de

geração de energia’ seriam usados para custear os barramentos no Urucuia, no Velhas e na Bacia do

Paracatu. O argumento da geração de energia à distância para justificar um impacto ambiental de

grandes proporções em outra área da Bacia do São Francisco é intrigante quando comparado ao EIA

da Transposição. No documento, admite-se uma perda de geração de pouco mais de 200 megawatts

médios nas usinas da Chesf por causa da retirada de água para o Ceará, o Rio Grande do Norte e a

Paraíba. A título de defender a importância socioeconômica da Transposição, no entanto, o EIA diz

que essa perda é "de magnitude irrelevante" e "que não há medidas a serem recomendadas do ponto

de vista ambiental" para recompor a redução da eletricidade gerada. Do mesmo modo, está atestado

no EIA, com o aval da Agência Nacional de Águas, que há disponibilidade de água no São Francis-

co para alimentar os canais da transposição sem prejudicar atividades econômicas e demandas sociais

atuais e futuras na bacia. No entanto, o documento da Codevasf que recomenda a construção das bar-

ragens cita entre os benefícios "o favorecimento das condições hidrológicas em Sobradinho que deter-

minam a outorga preventiva para o Projeto de Interligação das Águas do Rio São Francisco com as Ba-

cias Hidrográficas do Nordeste Setentrional", nome dado pelo governo Lula à transposição.

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7. RESUMO CONCLUSIVO

Em que pesem a complexidade do assunto e a natureza preliminar da análise consubs-

tanciada na presente Nota Técnica, o material compulsado e as interpretações resumi-

damente apresentadas nos capítulos precedentes permitem o registro de algumas con-

clusões que podem ser de util idade para decisões políticas e gerenciais mais imedia-

tas.

Para facilitar a apresentação de cada um desses registros mais relevantes e a própria

concatenação das conclusões, foi feita a opção em favor da formatação itemizada, na

forma desenvolvida a seguir.

a) Os cinco barramentos objeto da análise consubstanciada na presente Nota Técni-

ca, na forma em que foram apresentados e justificados, teriam como único benefí-

cio o incremento da vazão garantida na calha principal do Rio São Francisco, es-

pecialmente a partir da foz do Rio Urucuia, sem qualquer vantagem efetiva para os

usos locais ou para o desenvolvimento sócio-econômico nas áreas situadas nos a-

fluentes mineiros;

b) Parecem existir dois propósitos distintos para o incremento pretendido na vazão

garantida: o util izado para demonstrar a viabilidade econômica do empreendimento,

que resultaria no ganho energético no sistema de usinas operado pela CHESF, e

outro, alternativo, que não produziria aumento na produção de energia, mas com-

pensaria eventuais perdas de geração decorrentes da transposição das águas do

Rio São Francisco, cuja viabilidade econômica seria indemonstrável;

c) Independentemente da efetiva destinação dada ao incremento na vazão garantida

(segundo um ou outro dos propósitos mencionados na alínea precedente), a im-

plantação dos cinco barramentos propostos produziria benefícios secundários que

não podem ser desconsiderados, entre os quais merecem destaque a melhoria das

condições hidroviárias na calha principal do Rio São Francisco e o aumento da ca-

pacidade de autodepuração e de diluição de matéria poluidora durante o período de

estiagem, no trecho fluvial beneficiado pelo aumento das vazões mínimas;

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d) Na configuração proposta, os cinco barramentos não produziriam qualquer benefí-

cio efetivo no atendimento a usos concorrentes com a destinação principal de regu-

larização de vazões, especialmente no que concerne à irrigação de culturas, à des-

sedentação animal, ao abastecimento público de água, à geração de energia nos

locais de implantação e ao controle pleno de cheias e inundações;

e) Não foram apresentados elementos que demonstrem a execução de uma adequada

avaliação dos impactos ambientais decorrentes das obras de construção e do regi-

me operacional previsto para os reservatórios, o que torna temerária qualquer de-

cisão imediata em favor da implementação dos respectivos projetos;

f) Sob a ótica estrita dos interesses do Estado de Minas Gerais, não parece haver

qualquer vantagem na implementação do conjunto de barragens proposto, embora

fique nesta Unidade da Federação a maior parte dos ônus (ambientais, sociais e

econômicos) decorrentes do empreendimento;

g) Dado o alcance da iniciativa empreendida pela CODEVASF e a forte vontade políti-

ca demonstrada pelo Governo Federal no que concerne à viabilização do projeto de

transposição das águas do Rio São Francisco, parece altamente recomendável que

o próprio Estado de Minas Gerais aprofunde o estudo dessa complexa questão,

gerando subsídios mais concretos para as ações gerenciais subseqüentes e para

suporte às futuras decisões.

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