Estudo estratigráfico do perfil nordeste do Sambaqui ... fileA partir do estudo do perfil que...

24
1 Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 19: 000-000, 2009. Estudo estratigráfico do perfil nordeste do Sambaqui Cubatão I, Joinville/SC* Dione da Rocha Bandeira** Eloy Labatut de Oliveira*** Adriana Maria Pereira dos Santos**** BANDEIRA, D.R.; OLIVEIRA, E.L.; SANTOS, A.M.P. Estudo estratigráfico do perfil nordeste do Sambaqui Cubatão I, Joinville/SC. Revista do Museu de Arqueolo- gia e Etnologia, São Paulo, 19: 000-000, 2009. Resumo: O presente artigo apresenta o resultado do projeto Culturas e Meio Ambiente Pré-coloniais da Baía da Babitonga: I Etapa: O Conjunto de Sambaquis da Foz do Rio Cubatão, Joinville realizado pelo Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville/MASJ com financiamento do CNPq e Fundação Cultural de Joinville. A partir do estudo do perfil que aflora devido à erosão da porção nordeste do Sambaqui Cubatão I, analisa-se sua estratigrafia, sua composição e busca-se contribuir para o entendimento do processo de formação do sítio arqueológico. Palavras-chave: Sambaqui – Pescadores-coletores-caçadores – Interpretação arqueo-estratigráfica – Processo de formação de sítio arqueológico. região do estuário da Babitonga é a mais importante formação de águas marinhas interiores do litoral norte de Santa Catarina, que abrange os municípios de Joinville, Araquari, Balneário Barra do Sul, Itapoá, Garuva e São Francisco do Sul, sendo A este último constituído por uma extensa ilha, além de várias ilhas menores e também uma porção continental. A região possui como cobertura vegetal a floresta ombrófila densa, na qual estão presentes manguezais, restingas e a floresta ombrófila densa aluvial, mata associada aos rios, que encerram patrimônio biológico riquíssimo (Knie 2002). Certamente, pela variedade e abundância de recursos naturais que esses ambientes proporcionam, populações humanas têm vivido nessa região há muito tempo: a datação mais antiga disponível até o momento é a do Sambaqui Palmital, no município de Garuva, com uma idade de 5.240 anos AP. Os diversos sítios arqueológicos pré-coloniais, entre os quais estão oficinas líticas, abrigo-sob-rocha com conchas, sambaquis com cerâmica, sambaqui fluvial, sítio guarani, estruturas (*) Projeto realizado a partir da autorização do IPHAN – processo administrativo nº. 01.510.000.135/2006-81, Portaria nº. 264 de 30 de agosto de 2006, publicada no DOU nº. 169 de 31 de agosto de 2006 e contou com a participação da historiadora do MASJ, Maria Cristina Alves, além de estagiários. (**) Arqueóloga do Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville/MASJ. [email protected] (***) Geógrafo do Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville/MASJ. [email protected] (****) Historiadora, Especialista Cultural – conservação e restauro do Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville/MASJ. [email protected]

Transcript of Estudo estratigráfico do perfil nordeste do Sambaqui ... fileA partir do estudo do perfil que...

1

Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 19: 000-000, 2009.

Estudo estratigráfico do perfil nordeste do Sambaqui Cubatão I,Joinville/SC*

Dione da Rocha Bandeira**Eloy Labatut de Oliveira***

Adriana Maria Pereira dos Santos****

BANDEIRA, D.R.; OLIVEIRA, E.L.; SANTOS, A.M.P. Estudo estratigráfico doperfil nordeste do Sambaqui Cubatão I, Joinville/SC. Revista do Museu de Arqueolo-gia e Etnologia, São Paulo, 19: 000-000, 2009.

Resumo: O presente artigo apresenta o resultado do projeto Culturas e MeioAmbiente Pré-coloniais da Baía da Babitonga: I Etapa: O Conjunto de Sambaquis daFoz do Rio Cubatão, Joinville realizado pelo Museu Arqueológico de Sambaqui deJoinville/MASJ com financiamento do CNPq e Fundação Cultural de Joinville.A partir do estudo do perfil que aflora devido à erosão da porção nordeste doSambaqui Cubatão I, analisa-se sua estratigrafia, sua composição e busca-secontribuir para o entendimento do processo de formação do sítio arqueológico.

Palavras-chave: Sambaqui – Pescadores-coletores-caçadores – Interpretaçãoarqueo-estratigráfica – Processo de formação de sítio arqueológico.

região do estuário da Babitonga é amais importante formação de águas

marinhas interiores do litoral norte de SantaCatarina, que abrange os municípios deJoinville, Araquari, Balneário Barra do Sul,Itapoá, Garuva e São Francisco do Sul, sendo

A este último constituído por uma extensa ilha,além de várias ilhas menores e também umaporção continental. A região possui comocobertura vegetal a floresta ombrófila densa, naqual estão presentes manguezais, restingas e afloresta ombrófila densa aluvial, mata associadaaos rios, que encerram patrimônio biológicoriquíssimo (Knie 2002).

Certamente, pela variedade e abundânciade recursos naturais que esses ambientesproporcionam, populações humanas têm vividonessa região há muito tempo: a datação maisantiga disponível até o momento é a doSambaqui Palmital, no município de Garuva,com uma idade de 5.240 anos AP. Os diversossítios arqueológicos pré-coloniais, entre osquais estão oficinas líticas, abrigo-sob-rochacom conchas, sambaquis com cerâmica,sambaqui fluvial, sítio guarani, estruturas

(*) Projeto realizado a partir da autorização do IPHAN –processo administrativo nº. 01.510.000.135/2006-81,Portaria nº. 264 de 30 de agosto de 2006, publicada noDOU nº. 169 de 31 de agosto de 2006 e contou com aparticipação da historiadora do MASJ, Maria CristinaAlves, além de estagiários.(**) Arqueóloga do Museu Arqueológico de Sambaqui deJoinville/MASJ. [email protected](***) Geógrafo do Museu Arqueológico de Sambaqui deJoinville/MASJ. [email protected](****) Historiadora, Especialista Cultural – conservação erestauro do Museu Arqueológico de Sambaqui deJoinville/MASJ. [email protected]

2

Estudo estratigráfico do perfil nordeste do Sambaqui Cubatão I, Joinville/SC.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 19: 000-000, 2009.

subterrâneas e enorme quantidade de sambaquissão indicativos da intensa e diversificadaocupação humana. O Museu Arqueológico deSambaqui de Joinville/MASJ possui registrocom localização de 161 sítios arqueológicos pré-coloniais na região da Baía da Babitonga.Ainda existem, mencionados na literatura,outros 24 sambaquis com localização atualmen-te desconhecida.

Considerando que esses sítios estão todosinseridos numa mesma região e que essaspopulações constituíram sociedades que muitoprovavelmente estabeleceram relações sociaisentre si, entende-se que para estudá-los deve-setrabalhar em uma perspectiva regional ampla,abrangendo toda a região. No entanto, conside-rando suas dimensões, as variações ambientaise os agrupamentos de sítios, nos propusemos aestudá-los a partir de sub-regiões. É dessa formaque o projeto que desenvolvemos constituiuuma abordagem micro regional.

O projeto voltou-se para a região da foz doRio Cubatão, afluente do Canal do Palmital,braço norte da Baía da Babitonga no nordestede Joinville, onde há os sambaquis Cubatão I,Cubatão II, Cubatão III, Cubatão IV, Ribeirãodo Cubatão, Cubatãozinho e Ponta das Palmas(Fig. 1)1.

O Rio Cubatão

[...] pode ser descrito como umestuário de planície costeira, cujaextensão é 472 km², apresentando-semeandrante no seu trecho terminal.Próximo à desembocadura ocorre umavasta vegetação de manguezal, indicandoregiões que são periodicamente alagadasdurante os períodos de maré alta(Schettini & Carvalho 1999: 88).

As águas são de características salobras e

[...] o canal natural do estuárioapresenta profundidades oscilando em

torno de 4m, chegando a 7m próximoda desembocadura. [...] As marésastronômicas oceânicas regionaisapresentam regime de micro maré, comuma altura média de aproximadamente0,8m, variando entre 0,5m até 1,2mdurante períodos de quadratura esizígia, respectivamente (idem).

Há quase dez anos, a equipe do MASJ,instituição responsável pela conservação dopatrimônio arqueológico de Joinville, segundoa Lei Orgânica do Município, observa oacelerado processo erosivo (Fotos 1 e 2),decorrente de ação flúvio-marinha intensificadapor atividades antrópicas (trânsito de embarca-ções, retificação do rio, entre outros), que aface nordeste do sambaqui Cubatão I (Coord.UTM 7099808 N. – 722575 E) vem sofrendo.Esse sambaqui2 situa-se na margem direita doRio Cubatão, a 490m de sua foz atual (Fig. 1).

Devido à erosão porções do sítio desmoro-nam em forma de blocos resultando em umperfil que, atualmente, tem cerca de 8m dealtura máxima por 110m de comprimento(Fotos 1 e 2). Nele aparece a sequência estratigráficado sítio com uma camada escura próxima àporção mais baixa observável, em meio a qualse identificam ecofatos, estruturas e artefatosencharcados, às vezes queimados, de materialvegetal – estacas, fibras, cordas, trançados esementes. Essa camada é diariamente encharcadapela maré alta estando permanentementeúmida. A primeira referência feita a essesvestígios de origem vegetal nesse sítio é de 1999(ITACONSULT 1999).

Esse tipo de vestígio somente havia sidoidentificado no Sambaqui Espinheiros II,também em Joinville, em pesquisa realizada nosanos de 1991 e 1992, por equipe de profissio-nais do MASJ e do Museu de Arqueologia eEtnologia/MAE da USP com o apoio daPrefeitura Municipal de Joinville. Segundo os

(1) Todas as fotos, figuras, quadros e gráficos, com exceção daFigura 6, foram produzidos pela equipe durante o desenvolvi-mento do Projeto e fazem parte do acervo do MASJ.

(2) O Sambaqui Cubatão I está a 940m do SambaquiCubatão III, 1.260m do Sambaqui Cubatão IV, 2.275m doSambaqui Cubatãozinho, 3.390m do Sambaqui Ribeirãodo Cubatão e 1.090m do Sambaqui Ponta das Palmas,sendo que o último está na margem esquerda do rio.

3

Dione da Rocha BandeiraEloy Labatut de Oliveira

Adriana Maria Pereira dos Santos

Fig. 1

4

Estudo estratigráfico do perfil nordeste do Sambaqui Cubatão I, Joinville/SC.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 19: 000-000, 2009.

arqueólogos responsáveis pela pesquisa, omaterial em questão encontrava-se na base:

Esta camada encontra-se diretamentesobre o mangue e o contato dela com osedimento fino e escuro que caracterizaos manguezais é suave, as conchas vão

desaparecendo paulatinamente, e nessafaixa encontra-se bastante carvão, ossosde peixes e outros animais marinhos, e,ainda, restos vegetais não carbonizados,como fibras trançadas e possíveis estacas(Afonso & De Blasis 1994: 26).

Foto 1

Foto 2

5

Dione da Rocha BandeiraEloy Labatut de Oliveira

Adriana Maria Pereira dos Santos

No mesmo artigo, os autores vinculam aconservação dos vestígios vegetais ao possívelaterramento imediato que teria impedido suadeterioração. A datação para o início dainstalação do assentamento do SambaquiEspinheiros II é 2.970 anos AP.

No sambaqui Cubatão I, devido à presençadessas estruturas vegetais em camada desedimentos mais argilosos, o desmoronamentoda base do sítio se dá de forma irregularformando pequenas plataformas que permitemque sejam observadas na horizontal (Fotos 1,2). Esses vestígios sugerem a presença de umaarmação que deve ter servido para ampliar ousustentar o espaço ocupado e permitemabordar importantes questões sobre a constru-ção do sítio arqueológico (Gaspar 1998; Gasparet al. 1999; Gaspar et al. 2002).

No início do projeto não havia outraspesquisas arqueológicas específicas sobre sítiosda Foz do Cubatão. Além de referências feitaspor Piazza (1966) em listagem e mapa, Oliveira& Hoenicke (1994) e Oliveira (2001) fizeram acaracterização física de sambaquis de Joinvilleentre eles os da foz do Rio Cubatão e dosubstrato geológico em que se inserem. Dada aproximidade entre esses sítios e aspectosgeomorfológicos, Oliveira (2001) os reuniu noque denominou Complexo Cubatão. Voss (2005)analisou elementos geológicos e geomorfológicosassociados a um destes sítios, o SambaquiRibeirão do Cubatão.

Em 2006, estudo nesse sítio tratou daidentificação taxonômica, a partir da anatomiade fragmentos de alguns artefatos feitos defibras vegetais coletados pelo MASJ no perfilexposto. Esse trabalho identificou a utilizaçãoda estrutura da raiz aérea de Philodendron sp,Família Araceae, conhecidas como cipós, naconfecção dos artefatos estudados (Peixe 2006;Peixe; Melo Jr. & Bandeira 2007).

O conjunto de sítios da foz do Rio Cubatãoe outros do Canal do Palmital encontra-se no“Eixo São João”, rota assim denominada porOliveira (2001), que ligaria a Baía da Babitongaà Baía de Guaratuba, e que teria sido percorri-da, no sentido norte/sul, pelos primeirossambaquianos quando chegaram à região. Essahipótese baseia-se em dados paleoambientais e

no fato de haver sambaquis mais antigos aonorte da Baía da Babitonga (Sambaqui Palmital,5.420 anos AP, Martin et al. 1988) e no Paraná(6.540 anos AP – Sambaquis Ramal, entreoutros, Oliveira 2001). Estudos paleogenéticosindicaram proximidade entre populações daBaía da Babitonga e do litoral sul do Paraná(Neves 1988).

Outro aspecto interessante em relação àregião do Rio Cubatão é a possibilidade deligação entre litoral/serra/planalto que oferece,permitindo estabelecimento de rota sentidoleste-oeste.

Por tudo isso, a região da foz do RioCubatão e o Sambaqui Cubatão I, em especial,apresentaram-se como ideais para pesquisaarqueológica que foi desenvolvida pelo MASJ.E o presente projeto justificou-se dada anecessidade de se garantir informações míni-mas sobre sítio e materiais arqueológicosraríssimos em acelerado processo de desapareci-mento, além do conhecimento sobre o compor-tamento das sociedades humanas pré-históricasda Baía da Babitonga que poderá ser gerado.Sua contribuição maior está no registro daestratigrafia e materiais da porção do sítio queestá erodindo.

As questões em aberto sobre o conheci-mento do conjunto de sambaquis da foz do rioCubatão não podem ser respondidas deimediato com base nos estudos que foramrealizados no Sambaqui Cubatão I pelo projetodesenvolvido, uma vez que abordou unicamen-te uma das faces do sítio. Entretanto, nesteprimeiro momento, foram gerados dados quesomados aos que serão produzidos nas próxi-mas etapas e/ou por outros projetos3 permiti-rão tratar dos seguintes problemas, entreoutros: o que significa o agrupamento de sítiosda foz do Cubatão – assentamentos contempo-

(3) Atualmente o Sambaqui Cubatão I é objeto dosprojetos: Cultura e Meio Ambiente Pré-colonais na Baíada Babitonga: Os Sambaquis da Foz do Rio Cubatão, Joinville:Etapa 2 (Bandeira et al. 2006); Escavação do SambaquiCubatão I, Joinville, SC para fins de análise paleodemográfica,paleopatológica e bioarqueológicas, (Figuti et al. 2007) e AConservação de Material Vegetal Encharcado nos Sambaquis deJoinville/SC (Santos 2008).

6

Estudo estratigráfico do perfil nordeste do Sambaqui Cubatão I, Joinville/SC.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 19: 000-000, 2009.

râneos? Qual o período de ocupação daquelaárea pelos sambaquianos? Suas datas corrobo-ram a hipótese “Eixo São João”? Quais as inter-relações que havia entre os ocupantes dosdiferentes sítios? De que forma ocorriam?Como foram construídos? Como era o ambien-te no período inicial da ocupação? Que recur-sos faunísticos eram aproveitados? Eramsociedades sedentárias?

Metodologia

A metodologia empregada teve comopremissa produzir dados com o menor número deintervenções no sítio. Considerando as questõesde custos e o tempo disponível para pesquisa decampo e processamento em laboratório, optou-sepelo estudo e descrição detalhada de perfil dosítio, amostragens da matriz arqueológica paraavaliação de seu conteúdo, nos moldes do que foirealizado no Sambaqui Espinheiros II (Afonso &De Blasis 1994), e evidenciação do nível com aestrutura de madeiras. Além do que, devido àinstabilidade do terreno na porção junto ao rioque está desmoronando, não seria possível escavar

do modo tradicional – a partir de quadriculamentohorizontal, o que reforçou a necessidade de oestudo ser focado na estratigrafia do perfilexposto.

Devido à instabilidade dessa parte dosambaqui Cubatão I, sempre esteve claro quenão haveria condições de se realizar o registrodo perfil por meio de medições, descrições edesenho, pois não havia distância suficienteentre o sítio e o rio nem um substrato firme noqual se pudesse instalar escada ou andaime.Sendo assim optou-se por trabalhar comfotografias digitais de alta resolução.

Levando-se em conta que, por ser captura-da através de uma projeção cônica, todafotografia apresenta distorções, foram feitos, porengenheira cartógrafa, estudos de ortorretificação,utilizando-se métodos e técnicas da Fotogrametriaa Curta Distância.

A partir de três fotografias do perfil, quenesse caso foram feitas de um barco (Foto 3),tiradas em ângulos de 45° com o objeto, busca-se determinar, através de métodos estatísticos,os parâmetros da câmera fotográfica, reconstru-indo assim, toda a geometria da imagem. Paraortorretificar uma imagem um dos aspectos

Foto 3

7

Dione da Rocha BandeiraEloy Labatut de Oliveira

Adriana Maria Pereira dos Santos

fundamentais é conhecer os parâmetros dacâmera e da imagem no instante de sua forma-ção, relacionar os dados e estabelecer a escala eo referencial em que a fotografia será colocada,isto foi feito através do software PhotoModeller.

A determinação da escala e referencial dafotografia deve ter como base uma configuraçãode alvos (instalados por equipe de rapel) cujascoordenadas foram extraídas através do levanta-mento topográfico utilizando Estação Total(Foto 4).

Como o perfil exposto do SambaquiCubatão I é extremamente irregular devido aointemperismo e recoberto por material desmo-ronado das camadas superiores, foi necessária asua limpeza e regularização. Devido à elevadaaltura e a instabilidade do terreno, para essetrabalho contratou-se pessoal técnico emserviços utilizando rapel, da empresa Alpiville(Fotos 5). Foi realizada raspagem em toda aaltura, numa faixa de aproximadamente 2m delargura, usando pá cortadeira e colher depedreiro; os materiais arqueológicos artefatuais eósseos humanos encontrados foram coletados.

Pretendia-se inicialmente fazer uma coletapara cada camada natural visível no perfil,entretanto, tendo em vista sua extensão e agrande quantidade de finas lentes isto não foipossível. A intenção inicial era utilizar colherde pedreiro e um recipiente de tamanhopadrão para as amostragens. Entretanto,conforme Figuti4 (com. pess. 2006), paracoletar o material com a mesma densidade quese encontrava depositado no sítio optou-se porenterrar no perfil tubos de PVC e retirá-los semremexer o material. Utilizaram-se tubos de trêsdiâmetros diferentes para permitir que camadasmais finas fossem amostradas individualmente.Nas camadas grossas foi utilizado um tubo de0,20m de diâmetro, nas intermediárias, quatrotubos de 0,05m e nas finas, dez tubos de

0,025m; em todos os casos completando ovolume de um litro (Foto 6).

As coletas foram realizadas também pelostécnicos em rapel orientados pela equipe dearqueologia, baseando-se na fotografia do perfilfeita de barco. Todos os pontos de amostragenstiveram suas coordenadas estabelecidas atravésde Estação Total (controle de procedência).

As análises granulométricas visaram determi-nar o tamanho do grão do sedimento – se areia,silte, argila. Estas auxiliam na identificação dosprocessos deposicionais e os locais de origem dosedimento. Também se fizeram análises químicase do sedimento ou matriz arqueológica quepodem auxiliar na interpretação dos eventosocorridos em cada uma das camadas em diferen-tes momentos de ocupação do sítio.

A análise arqueológica das amostras foifeita da seguinte forma: primeiro as amostras, jásecas, foram pesadas, depois peneiradas emmalha de 2 mm. O material retido na peneirafoi separado pela sua natureza (rocha, osso,vegetal). Cada categoria foi pesada e o sedimen-to restante também. Nenhum artefato foiencontrado nas amostragens.

A identificação das rochas foi realizadapelo professor Tarcísio Possamai, da Univille.

Os restos faunísticos foram identificadostendo por base a metodologia da Zooarqueologia(Reitz & Wing 2001). Essa abordagem se baseiano pressuposto de “que cada cultura desenvolve ummodo peculiar de se apropriar, interagir e se integrarcom o meio e, por conseguinte, com os animais” (Lima1989:175). O objetivo da análise é identificar aestrutura esqueletal e o nível mais específicopossível de cada peça coletada com base emliteratura pertinente e coleção osteológica dereferência. Essas informações servem de subsídiospara inferências sobre hábitos alimentares,ambiente antigo e percebido pelos gruposhumanos que construíram os sambaquis.

Inicialmente separaram-se esses vestígiosconforme a classe a que pertenciam (mamífero,peixes – cartilaginosos e ósseos, molusco etc.).Depois se fez a identificação da estruturaesqueletal e taxonômica de cada peça. Para issovaleu-se de literatura especializada e coleçãoosteológica e conchífera de referência. Naquantificação fez-se somente pesagem tendo em

(4) Arqueólogo do Museu de Arqueologia e Etnologia/MAE da USP, parceiro em pesquisas arqueológicas doMuseu Arqueológico de Sambaqui de Joinville/MASJdesde a década de 1990. Colaborou nos aspectosmetodológicos da tese de doutorado Atualmente estepesquisador coordena projeto de pesquisa desenvolvidoneste mesmo sítio em parceria com o MASJ e FIOCRUZ.

8

Estudo estratigráfico do perfil nordeste do Sambaqui Cubatão I, Joinville/SC.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 19: 000-000, 2009.

vista a impossibilidade de identificar diversoselementos esqueletais bem como o elevado graude fragmentação de alguns deles, especialmenteas conchas de algumas espécies de moluscos.

Para a evidenciação da camada arqueológicacom os elementos vegetais aproveitou-se porção doperfil no qual as camadas superiores já haviamcaído e os elementos vegetais já estavam parcial-

Foto 5

Foto 4

9

Dione da Rocha BandeiraEloy Labatut de Oliveira

Adriana Maria Pereira dos Santos

mente expostos em uma espécie de plataformacomposta de sedimentos mais resistentes. Foidelimitada uma pequena área e utilizada a própriaágua do rio com balde, regador, espátulas demadeira e pincéis (Fotos 7 e 8). Em todo o processoforam feitos registros fotográficos e topográficos.

Utilizaram-se como referenciais teóricos parao estudo da estratigrafia do sítio, a partir doperfil exposto da porção nordeste do sambaqui,principalmente, os trabalhos de Lucena (1992),Stein (1992 e 1996) e Villagran (2008).

A estratigrafia, na Arqueologia, é o estudodos estratos ou camadas arqueológicas dossítios. Sua realização ocorre através da descri-ção, divisão e interpretação dos estratos,usando critérios baseados em três categorias:litologia (camadas litoestratigráficas), artefatual(camadas etno-estratigráficas) e tempo (deacordo com sua idade – unidades de tempo).Segundo Villagran (2008: 28) existem

[...] duas maneiras possíveis de considerara estratigrafia dos sedimentos arqueológicos,a partir da sua interpretação [próprio daarqueologia] ou de sua descrição [próprio dageoarquelogia], [isto] não implica que ambosos sistemas sejam excludentes, mas que se

trata meramente de diferentes enfoques quepodem ser igualmente aplicados ao mesmoelemento empírico.

As análises são complexas, pois envolvem tantoa descrição física/morfológica de cada camadaarqueológica (tamanho, forma, coloração, textura,entre outros) como a análise da matriz arqueológicacom vista a determinar sua composição. Para tanto énecessária a realização de amostragens e análises(granulométrias e químicas, entre outras), tanto dosmateriais arqueológicos de diferentes categorias,quanto dos sedimentos que compõem cada camada.As análises arqueológicas foram realizadas pelaequipe do MASJ, e as sedimentológicas na Universi-dade Federal de Lavras.5

(5) Foram feitas análises de pH (em água, KCL e CaC2l –relação 1: 2,5), de matéria orgânica (MO) (oxidação: Na2Cr207 4N + H2S04 10N) e dos seguintes elementos:fósforo (P) (Extrator Mehlich), potássio (K) (ExtratorMehlich), cálcio (Ca) (Extrato: KCL – 1 mol/L), magnésio(Mg) (Extrato: KCL – 1 mol/L), alumínio (Al) (Extrato:KCL – 1 mol/L), zinco (Zn) (Extrator Mehlich), ferro (Fe)(Extrator Mehlich), manganês (Mn) (Extrator Mehlich), noLaboratório de Análises de Solo do Departamento deCiências do Solo da Universidade Federal de Lavras, sobresponsabilidade do Prof. Mozart Martins Ferreira.

Foto 6

10

Estudo estratigráfico do perfil nordeste do Sambaqui Cubatão I, Joinville/SC.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 19: 000-000, 2009.

As análises químicas, realizadas nessamesma Universidade sob responsabilidade doProf. Mozart Martins Ferreira, foram: pH (emágua, KCL e CaC2l – relação 1: 2,5), de

matéria orgânica (MO) (oxidação: Na2 Cr2074N + H2S04 10N) e dos seguintes elementos:fósforo (P) (Extrator Mehlich), potássio (K)(Extrator Mehlich), cálcio (Ca) (Extrato: KCL –

Foto 7

Foto 8

11

Dione da Rocha BandeiraEloy Labatut de Oliveira

Adriana Maria Pereira dos Santos

1 mol/L), magnésio (Mg) (Extrato: KCL – 1mol/L), alumínio (Al) (Extrato: KCL – 1 mol/L), zinco (Zn) (Extrator Mehlich), ferro (Fe)(Extrator Mehlich) e manganês (Mn) (ExtratorMehlich). Sua interpretação pautou-se princi-palmente na dissertação de Rebellato (2007)que embora tenha tratado de contexto arqueo-lógico diferenciado do nosso – sítio cerâmicoda Amazônia – dá ênfase a esse tipo de análise.

De acordo com Lucena (1992: 75), osestudos estratigráficos a partir da análise desedimentos permitem avaliar os processos deconstituição do registro arqueológico, identificara amplitude de interferência antrópica e da açãonatural e identificar camadas de desocupação.

Resultados e discussão

O estudo do perfil nordeste do SambaquiCubatão I, desenvolvido neste projeto, emboraparcial, permitiu produzir alguns dados sobreele e fazer algumas inferências (Bandeira et al.2008). A sua observação, juntamente com aimagem gerada por fotografia digital, indicaramuma sequência estratigráfica peculiar de sítiosdessa natureza. (Fig. 2).

Foram identificadas 20 camadas, numera-das da base para o topo, algumas compostaspela sobreposição de finas lentes, das quais sefizeram 26 coletas. Informações básicas sobre ascamadas e coletas estão no Quadro 1.

Não foi possível chegar à camada estéril oudo substrato sobre o qual o sítio se situa,devido ao afloramento do lençol freático. Tendoem vista o que ocorre em outros sítios da região,por exemplo, Espinheiros II (Afonso & DeBlasis 1994), é possível que abaixo da superfícieainda ocorram camadas arqueológicas.

As camadas apresentam-se em sua maioriainclinadas ou plano-convexas. Na porçãoinferior do perfil, as camadas de 1 a 4 são maisplanas, espessas e homogêneas, talvez pelacompactação do sítio ou ação das marés,enquanto na superior, camadas estratificadas,com finas lentes claras e bolsões de conchassoltas, como na camada 8, e inclinadas são maisfrequentes. A inclinação identificada podeindicar a presença de pequenos mounds, como

foi citado para o sambaqui Jaboticabeira, sul deSC (Fish et al. 2000).

Não foi possível estabelecer medidas exataspara camadas identificadas. Não obstante,pretende-se testar futuramente esta técnica comalternativas aos problemas verificados. Conformerelatório da responsável pela ortorretificação daimagem do perfil:

Durante o processo inicial [...]observou-se que as três fotografias foramtomadas com distâncias focais diferen-tes, fato este causado principalmentepela oscilação da embarcação, o queresultou em uma inconsistência nautilização do método.

Como solução, foi executada aretificação da fotografia central. Esteprocesso consiste em aplicar umatransformação de escala e a rotação dafotografia, minimizando os efeitos daprojeção central [...]. No entanto, ainclinação do perfil apresentada nafotografia, devido à pequena distânciacâmera-objeto não permitiu o ajusteentre o modelo matemático e a imagem,resultando em uma fotografia retificada,porém sem precisão.

Desta forma, a medição dos elemen-tos sobre a fotografia digital não possuiprecisão, no entanto a identificação doselementos e o traçado das camadas doperfil puderam ser efetuados semcomplicações (Pedro 2007).

A análise granulométrica (Gráfico 1)indicou que o sedimento das amostras épredominantemente arenoso. Entretanto,observa-se elevada presença de silte e argila, nasamostras 5 e 24, nesta última provavelmentedevido à atuação de processos pedogenéticos,visto que essa amostra estava na camada maispróxima à superfície do sítio. As camadas 2, 3 e4 que estão mais próximas da linha de preamarapresentam maior concentração de areia ebaixa concentração de silte, provavelmentedevido ao transporte deste pela ação fluvio-marinha.

As análises químicas indicam presença decálcio (Ca) (Gráfico 2) em todas as amostras

12

Estudo estratigráfico do perfil nordeste do Sambaqui Cubatão I, Joinville/SC.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 19: 000-000, 2009.

Fig. 2

13

Dione da Rocha BandeiraEloy Labatut de Oliveira

Adriana Maria Pereira dos Santos

Quadro 1

Camada DescriçãoAmostra

Arqueológica/tubo

1 2

3 4

5 6 7 8

91011

12

1314

151617181920

Rugoso, Cinza médioRugosa, Escura, com marcas deestacas horizontaisCinza médioCompacta, Clara com lentesamareladaCinza médio com lentes mais clarasCinza escuro, compactaCinza médio, compactaCinza médio com fina lente nocentro, compactaCinza claro mesclado com escuroCinza médio rugosoVárias lentes, claras e escuras eamarelaraVárias lentes, claras e escuras,bolsão de conchas soltasRugosa, escura,Várias lentes, clara, bolsão deconchas soltasCom conchas, cinza claraHomogênea, cinza escuroClaraAcinzentada clara com begeEscuraCamada do topo, mais clara

C-a01/grandeC-b02/grande

C-c03/grandeC-d04/médio

C-e05/grandeC-f06 e C-g07/grandesC-25 (C01)/ grandeC-26/ grande

C-h08/médioC-i09/ grandeC-j10/pequeno, C-11/grande,C-12/pequeno e C-13/grandeC-14/ grande e C-15/médio

C-16 e C-17/grandesC-18/grande

C-19/médioC-20médioC-21/grandeC-22/médioC-23/grandeC-24/grande

NãoSim

SimSim

SimSimSimSim

SimSimSim

Sim

SimSim

SimSimSimSimSimSim

AmostraSedimentológica

(predominando aquela associada à camada 2),onde são identificados os artefatos vegetais emuito material calcinado. Magnésio (Mg)(Gráfico 2) foi identificado em proporções

ínfimas em todas as amostras estando em maiorquantidade somente nas de número 2 e 3referentes às camadas 2 e 3 respectivamente. Ofósforo (P) (Gráfico 3) presente em todas as

14

Estudo estratigráfico do perfil nordeste do Sambaqui Cubatão I, Joinville/SC.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 19: 000-000, 2009.

amostras, também aparece em maior quantida-de na amostra de número 2. Esses três elemen-tos, segundo Rebellato (2007), podem indicar apresença de fragmentos de cerâmica, ossos,peles, pelos, penas e, principalmente, de cascasde vegetais, folhas e raízes. Como no sítio emquestão a cerâmica está ausente, exceto nacamada superficial na qual foram coletadosalguns fragmentos de cerâmica histórica,acreditamos que esses elementos estão associa-dos a maiores concentrações de material vegetalcalcinado e encharcado e ossos da camada 2(Gráfico 7).

Conforme pode ser observado no Gráfico3, o potássio (K) ocorre em maior concentraçãona amostra 2, associada à camada 2. Seuaumento pode ser indicativo de presença decinzas de madeira (idem).

O zinco (Zn) se apresenta com concentra-ções similares em todas as amostras. Talvez pelapresença das ostras que têm altíssimos níveisdesse mineral. O ferro (Fe) apresenta-se comconcentrações zeradas nas amostras de números2 a 6 e com 0,4; 0,5 e 0,6 mg/dm³ nas demais.O manganês (Mn) ocorre em todas as amostrasde modo similar, estando presente em quanti-

15

Dione da Rocha BandeiraEloy Labatut de Oliveira

Adriana Maria Pereira dos Santos

dades muito maiores na de número 2. Aidentificação desses elementos pode estarassociada à presença de sangue ou de corantesvegetais ou minerais (Gráfico 4), ainda confor-me Rebellato (idem).

O pH mantém-se entre os valores de 8,6 e8,3, ou seja, básico em todas as amostras,exceto na amostra 2 cujo valor é 7,6 – menosbásico (Gráfico 5). Como alterações do pHpodem afetar a preservação de resíduos orgâni-cos o fato de a amostra 2 ter pH mais próximo

do neutro pode ter favorecido a preservação deossos e vegetais encontrados em maior quanti-dade nessa amostra.

Em termos de matéria orgânica o que seobserva é uma maior concentração na amostra24 (Gráfico 6), que corresponde à camada maisalta, ou seja, a superfície atual do sítio. Esta éconstituída de um solo escuro, húmico, commais argila em comparação com as demaisconforme indica o Gráfico 1. A segundaamostra com maior quantidade de matéria

16

Estudo estratigráfico do perfil nordeste do Sambaqui Cubatão I, Joinville/SC.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 19: 000-000, 2009.

orgânica é a de número 2 que corresponde àcamada 2 com material vegetal, conforme jámencionado.

Há que se levar em conta que as cama-das onde ocorrem os valores maiores emrelação a muitos elementos são justamenteaquelas que são atingidas pelas águas do riodevido à ação da maré. Isso tanto pode estarcausando uma deposição diferenciada desseselementos, como pode provocar umaconservação diferenciada de materiais,dando uma idéia equivocada quanto aoseventos realizados nesses níveis. Novaspesquisas no sítio devem provocar avançosnas análises e discussões sobre diversospontos que ainda se mostram confusos.

As análises arqueológicas identificaram quatrograndes categorias de materiais, todos ecofatos:osso de fauna, carvão/coquinho, lítico e concha(bivalve e gastrópode), conforme o Gráfico 7.

Predominam entre o material analisado osfragmentos de conchas de bivalves. Entre essesforam identificadas conchas de mariscos demais de uma espécie (mangue e/ou baía/mar?),de berbigão (Anomalocardia brasiliana) e deostras (mangue e/ou rocha?) (Ostrea sp e/ouCrassostrea rhizophorea), estando a maiorconcentração na amostra 24 associada àcamada 20, do topo do sítio. Não foi possívelidentificar, nesse momento, qual dessesmoluscos é o mais frequente. As conchas demoluscos são predominantes na composição de

17

Dione da Rocha BandeiraEloy Labatut de Oliveira

Adriana Maria Pereira dos Santos

todas as camadas, exceto na denúmero 2.

Entre o material ósseofaunístico, na maioria quaseabsoluta, estavam os de peixes.Bagre (espécie não determina-da), miraguaia (Pogonias chromis)e corvina (Micropogonias furnieri)foram os identificados, predo-minando o primeiro. Os ossosnão aparecem em todas asamostras. Estão ausentes nas denúmero 1, 7, 14, 15, 16, 18, 19,20, 21, 22, 23 e 26. Sua maiorconcentração está na amostra 2,camada 2, nas amostras 5, 10 e13 que correspondem àscamadas 5 e 11. Nessas duas hálentes mais claras e amareladaspossivelmente decorrentes dapresença desse material.

A camada com maiorquantidade de material rochoso,pela análise arqueológica, é a 5, asegunda com mais material dessetipo é a 2 que coincide com acamada de fragmentos angulosos,observada no perfil bem abaixoda camada com estruturasvegetais. Essa camada, por suascaracterísticas, foi intencional-mente construída, estando entrecamadas com materiais arqueoló-gicos. Entre as rochas, o quartzo éo mais abundante. Háafloramento dessa rocha a1.000m aproximadamente dosítio, que pode ser um dospossíveis locais de origem.6

O material vegetal coletadoque aparece na camada 2divide-se em dois tipos: frag-mentos de artefatos de trança-dos, de cordas e fibras com nós(Fotos 9, 10 e 11), e uma

(6) Conforme informação oral do Prof.Dr. Tarcísio Possamai, do Departamen-to de Geografia da Univille.

Foto 9

Foto 10

Foto 11

18

Estudo estratigráfico do perfil nordeste do Sambaqui Cubatão I, Joinville/SC.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 19: 000-000, 2009.

estrutura/armação de madeiras amarradas, queé descrita mais abaixo.

Inicialmente pensava-se que os trançados e ascordas consistiam em pedaços de diferentesartefatos, no entanto, um fragmento coletado nofinal do ano de 2006 apresentava trançado defibras e corda com nós numa mesma peça circular,sugerindo a formação de uma espécie de cesto(saco) (Fig. 3). Após, foram encontrados outrosartefatos com as mesmas caracterís-ticas (Fig. 4).

A estrutura disposta nahorizontal confeccionada demadeiras cruzadas e amarradascom fibras vegetais também estána camada de número 2 (Foto12, 13 e 14). Nas camadassuperiores não se identificounada que leve a inferir que essaestrutura estivesse presente, nemmesmo marcas como manchasescuras alongadas e sedimentosdiferenciados. Ao longo doperfil exposto do sítio, na alturada camada 2, a estrutura podeser identificada continuamente(Fotos 2 e 3), e durante operíodo em que o MASJ acom-panha a erosão dessa face dosítio, pelo menos nos últimos 10anos, ela sempre esteve presente.

Ou seja, porções do sítiodesmoronam e se desman-cham nas águas do rio, mas aestrutura de madeiras aindapode ser observada, indicandoque ela se estende, seminterrupção, ao longo dessacamada “por baixo” do sítio.Diversos fragmentos soltos oucaídos dela são periodicamen-te coletados por técnicos doMASJ, inclusive durante odesenvolvimento deste proje-to. Em vários pontos tambémse podem observar madeirasna vertical, como estacas, porentre a matriz arqueológicaabaixo da camada 2 (Foto 15)

como se servissem de suporte à estruturahorizontal, constituindo uma armação. Àsvezes as estacas não estão mais presentes,mas se observa a marca em negativo delas(Foto 16).

Peças semelhantes também são identificadasna beira do rio enterradas em frente a esseperfil do sítio que parecem ser estacas queestavam em meio à matriz arqueológica em

Fig. 3

Fig. 4

19

Dione da Rocha BandeiraEloy Labatut de Oliveira

Adriana Maria Pereira dos Santos

porções do sítio que desmoro-naram. Seu mapeamento (Fig.5, Fotos 17 e 18) indicoudirecionamento Noroeste –Sudeste e alinhamentos, comose pode ver na Figura 3.Entretanto, como estes coinci-dem com a margem atual dorio, pode ser que a disposiçãooriginal seja outra, o que sópoderá ser avaliado com acontinuidade da pesquisa naárea de ocorrência dessesvestígios.

A escavação de porção dacamada 2 (Foto 7) onde aestrutura acima mencionadaestá, indica que realmente éconstituída de madeirascruzadas e amarradas, como sepode ver na Foto 8.

Entre as populaçõesindígenas brasileiras sãocomuns as construções queutilizam madeiras presas entresi por amarrações de cipós,como se pode ver nos desenhosobtidos na Suma EtnológicaBrasileira (Ribeiro 1986) (Fig.6). Interpretações nesse sentidotambém foram propostas porPeixe (2006).

Também se conseguiuverificar com detalhes a presen-ça de galhos, coquinhos naturaise calcinados e muito carvão naevidenciação da Camada 2.Durante este trabalho foramrecolhidas 17 amostras devegetais, sendo: dez de madeira(tronco), três de fibras comvestígios de trabalho, duas fibrascom nó, uma corda com fibraentrelaçada com trançado e umasemente. Também, duasamostras de sedimento comcoquinhos e carvões. Todas asamostras estão acondicionadasno MASJ, em formaldeído 4%.

Foto 12

Foto 13

Foto 14

20

Estudo estratigráfico do perfil nordeste do Sambaqui Cubatão I, Joinville/SC.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 19: 000-000, 2009.

No tocante à salvaguarda e conservaçãodesses materiais arqueológicos encharcados,como resultado do projeto, podemos conside-rar a localização precisa do local de procedên-cia, a ampliação da coleção e a experimentaçãono acondicionamento. Também, este material éobjeto de análise em um projeto de mestrado(Santos 2008) que trata especificamente de suaconservação.

A constatação de uma camada de fragmen-tos de rochas angulosas, aparentemente semtrabalho de lascamento ou polimento, junto aessa estrutura vegetal, conforme já menciona-do, reforça a hipótese de construção de uma

base para a edificação do montede conchas, entretanto, somentecom mais pesquisas é quepoderá ser, ou não, corroboradaessa hipótese.

As análises até aqui realiza-das permitem levantar a hipóte-se de que o processo de constru-ção do sítio Cubatão I se deupor meio de, pelo menos, duastécnicas distintas que formam,atualmente, dois estratos/blocos:

1) Um, composto pelascamadas 1 e 2 (que não são,necessariamente, as camadasda base do sítio) com oemprego de materialmineral (fragmentos derochas angulosas) e vegetal:estacas e amarrações(madeiras e fibras);

2) Outro, composto peloacréscimo de diferentescamadas, com predominân-cia de material faunístico(restos de moluscos) esedimentos.

Embora as análises tenhamapresentado dados das camadase nos permitam identificar commais propriedade a composiçãodos dois blocos distintos, asrazões para essa particularidadesão difíceis de ser inferidas, no

momento. Qual a função da estrutura inferior?Trapiche? Se fosse, não haveria necessidade deser tão extensa e nem de haver base de rochas.Também se deve considerar que no período deocupação, o rio possivelmente não estava nessaposição. Seria um jirau? Mesma situação dotrapiche.

Seria um estrado? Plataforma? Aterro?Palafita? Talvez, tendo em vista a possibilidadede o terreno ser úmido e lodoso, devido à açãoda maré, no momento da ocupação.

Essas possíveis funções da armação vegetalobservada nos levam a questionar as razõespara a necessidade de uma estrutura que se

Foto 15

Foto 16

21

Dione da Rocha BandeiraEloy Labatut de Oliveira

Adriana Maria Pereira dos Santos

Fig. 5

22

Estudo estratigráfico do perfil nordeste do Sambaqui Cubatão I, Joinville/SC.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 19: 000-000, 2009.

mantivesse acima da linha demaré. Por que construir umespaço de ocupação nesse locale desse tipo? Ponto de controlede acesso à rota para terrasaltas (eixo leste-oeste)?

A despeito das análisesagora produzidas e da retomadade pesquisas em sambaquis porequipes no sul de Santa Catarinae litoral fluminense, a compreen-são da complexidade dassociedades sambaquianas estáem fase inicial. Estudos dopaleoambiente, onde ocorremconjuntos de sítios, são funda-mentais para analisar aintencionalidade dos locais e dosmateriais empregados. Somadosàs datações e às leituras daespacialidade de estruturas, tantointersítios como intrasítios,sobretudo as confeccionadascom materiais vegetais, devemproduzir novos dados quepermitam o reconhecimento deuma identidade social quedominou a Baía da Babitongapor mais de 4.000 anos.

Fig. 6

Foto 18

Foto 17

23

Dione da Rocha BandeiraEloy Labatut de Oliveira

Adriana Maria Pereira dos Santos

AFONSO, M.C.; DE BLASIS, P.A.D.1994 Aspectos da Formação de um grande

Sambaqui: Alguns indicadores emEspinheiros II, Joinville. Revista do Museude Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 4:21-30.

BANDEIRA, D.R., ALVES, M.C., OLIVEIRA, E.L.;SANTOS, A.M.P.

2008 Cultura e Meio Ambiente Pré-colonaisna Baía da Babitonga: Os Sambaquis daFoz do Rio Cubatão, Joinville: Etapa 2.Relatório Final. Joinville: CNPq/FCJ/MASJ.

FIGUTI, L.; SOUZA, S.M.; BANDEIRA, D.R.;BOCQUET-APPEL, J.P. (COORDS.)

2007 Escavação do sambaqui Cubatão I,Joinville, SC para fins de análisepaleodemográfica, paleopatológica ebioarqueológica. Projeto de Pesquisa,MAE/USP, ENSP/Fiocruz, MASJ,CNRS-França.

FISH, S.; DE BLASIS, P.A.; GASPAR, M.D.; FISH, P.R.2000 Eventos incrementais na construção de

sambaquis, litoral sul do estado de SantaCatarina. Revista do Museu de Arqueologiae Etnologia, São Paulo, 10: 69-98.

GASPAR, M.D.1998 Considerations of the sambaquis of the

Brazilian coast. In: Kipnis, R.; Wüst, I.;Dillehay, T.; Chippindale, C. Special

section Issues in Brazilian archaeology.Antiquity, 72: 592-615.

GASPAR, M.D.; AFONSO, M.C.; DE BLASIS, P.A.;EGGERS, S.; FISH, P.; FISH, S.K.; KLOKLER, D.M.;LARH, M.M.; MORLEY, E.

1999 Uma breve história de projeto depesquisa “Padrão de assentamento eformação de sambaquis: arqueologia epreservação em Santa Catarina”. Revista doCepa. Santa Cruz do Sul, 23(29): 108-117.

GASPAR, M.D.; FISH, P.; AFONSO, M.C.; SCHEEL-YBERT, R.; FIGUTI, L.; KLOKLER, D.M.; KNEIP,A.; RIBEIRO, L.B.; FARIAS, D.S.E. DE; RICKY, J.K.;EGGERS, S.; FISH, S. K.; DE BLASIS, P.A.

2002 Padrão de assentamento e formação desambaquis: arqueologia e preservação emSanta Catarina. Revista de Arqueologia doIPHAN. Florianópolis, IPHAN: 57-62.

ITACONSULT1999 Levantamento do Patrimônio Arqueológico na

Área de Influência do Projeto Marina Tropical.Relatório de Pesquisa, Florianópolis.

JOINVILLELei Orgânica do Município de Joinville,2 de abril de 1990. Disponível em: http://www.cvj.sc.gov.br/leis/ http://www.cvj.sc.gov.br/leis/. Acesso em 24 abr2009.

KNIE, J.L.W. (Coord.)2002 Atlas Ambiental da Região de Joinville –

BANDEIRA, D.R.; OLIVEIRA, E.L.; SANTOS, A.M.P. Stratificaphyc study of thenortheast face of Shell Mound Cubatão I, Joinville/SC. Revista do Museu deArqueologia e Etnologia, São Paulo, 19: 000-000, 2009.

Abstract: The present article presents the results of the project Pre-colonialCultures and Environment of the Bay of the Babitonga: I Stage: The Set of ShellMounds of the Estuary of Cubatão River, Joinville made by Museu Arqueológico deSambaqui de Joinville/MASJ financed by CNPq and Fundação Cultural deJoinville. From the study of the profile that arises due to erosion of the northeastportion of the Shell Mound Cubatão I, is analyzed its stratificaphy and itscomposition. This aims to contribute to understand the process of formationof the archaeological sites.

Keywords: Shell mounds – Fisher-gatherers-hunters – Archaeostratifigraphycinterpretation – Archaeological site formation processes.

Referências bibliográficas

24

Estudo estratigráfico do perfil nordeste do Sambaqui Cubatão I, Joinville/SC.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 19: 000-000, 2009.

Complexo Hídrico da Baía da Babitonga.Florianópolis, FATMA/GTZ: 13-14.

LIMA, T.A.1989 Zooarqueologia: Considerações Teórico-

Metodológicas. Dédalo. Pub. Avulsas, SãoPaulo,1: 175-89.

LUCENA, V.1992 Estratigrafia arqueológica: processo de

constituição e interpretação. Clio,Recife,1 (8): 69-88.

MARTIN, L.; SUGUIO, K.; FLEXOR, J.; AZEVEDO,A.E.G.

1988 Mapa Geológico do Quaternário Costeiro dosEstados do Paraná e Santa Catarina. SérieGeologia n.28, Secção Geologia Básica,n.18. Brasília: DNPM.

NEVES, W.A.1988 Paleogenética dos Grupos Pré-históricos

do Litoral Sul do Brasil (Paraná e SantaCatarina). Pesquisas Série Antropologia n43. São Leopoldo: IAP.

OLIVEIRA, M.S.C.; HOENICKE, N.F.1994 Sítios Arqueológicos em Joinville -SC:

Inventário Descritivo Básico. Joinville:MASJ/IPPUJ.

OLIVEIRA, M.S.C.2001 Os sambaquis da planície costeira de

Joinville, litoral norte de Santa Catarina:Geologia, Paleografia e conservação insitu. Dissertação de Mestrado emGeografia. Florianópolis, UFSC.

PEDRO, P.C.2007 Retificação de fotos do perfil do Sambaqui

Cubatão I. Relatório Técnico. Joinville:CNPq/FCJ/MASJ.

PEIXE, S.2006 Estudo da anatomia vegetal e paleobotânica

dos trançados de fibras vegetais encontra-dos no sambaqui Cubatão I, Joinville.Monografia de conclusão do curso deBiologia, Joinville: Univille.

PEIXE, S.; MELO JR, J. C.; BANDEIRA, D.R.2007 Paleobotânica dos macrorestos vegetais

do tipo trançados de fibras encontradosno Sambaqui Cubatão I, Joinville – SC.Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia,São Pamulo, 17: 211-222.

PIAZZA, W.F.1966 Nomenclatura dos Sítios Arqueológicos

Catarinenses. Datilografado.RIBEIRO, B.G.

1986 Suma Etnológica Brasileira. Petrópolis/RJ,Vozes: 45.

REBELLATO, L.2007 Interpretando a variabilidade cerâmica e

as assinaturas química e física do solo dosítio arqueológico Hatatara - AM.Dissertação de Mestrado em Arqueolo-gia. São Paulo: USP: 57-98.

REITZ, E.; WING, E.S.2001 Zooarchaeology. New York: Cambridge

University Press.SANTOS, A.M.P.

2008 A Conservação de material vegetalencharcado nos sambaquis de Joinville/SC. Projeto de Pesquisa, Mestrado emPatrimônio Cultural de Sociedade,Joinville: Univille.

SCHETTINI, C.A.F.; CARVALHO, J.L.B.1999 Caracterização hidrodinâmica do

estuário do rio Cubatão, Joinville. NotasTécnicas - Facimar, 3: 87-97.

STEIN, J.K.1992 Interpreting Stratification of a Shell Midden.

In: Stein, J. (Org.) Deciphering a Shell Midden.Califórnia, Academic Press: 71-94.

1996 Geoarchaeology and ArchaeostratigraphyView from a Northwest coast schellmidden. In: Reitz, E.; Newsom, L.;Scudder, S. (Orgs.) Case Studies inEnvironmental Archaeology. London,Plenum Press: 34-54.

VILLAGRAN, X.S.2008 Processos de formação de depósitos

arqueológicos. In: Análises de arqueofáciesna camada preta do sambaqui Jabutica-beira II. Dissertação de Mestrado. SãoPaulo, USP: 25-30.

VOSS, C.V.2005 Paleogeografia do sambaqui do Ribeirão

do Cubatão durante o holoceno:subsídios para uma análise geoarqueológica.Trabalho de Conclusão de Curso.Joinville: Univille.

Recebido para publicação em 2 de setembro de 2009.