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ESTUDO DE CASO DAS RELAÇÕES DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL EM SÃO MATEUS - ES Elcielle Bonomo Rocha Machado* Isabella Cotta Lanza Peixoto** RESUMO Estamos em uma sociedade marcada pelo machismo e pelos vestígios antropológicos que corroboram para tal. “Enquanto a educação masculina preparava o homem para assumir atividades ou empregos públicos, a educação feminina preparava a mulher para o casamento.” (NADER, 2014. p. 111). A pesquisa que será apresentada tem por objetivo: mostrar como se dão as relações de gênero na sociedade de São Mateus ES, baseado em um estudo de caso realizado em uma escola de educação infantil municipal e com isso estabelecer quais aspectos históricos foram importantes para esta visão analisando se as crianças têm uma visão estereotipada sobre o seu papel na sociedade. A metodologia aplicada consiste em levantar dados históricos que interferiram no modo como mulheres e homens agem dentro da sociedade e como o sistema patriarcal contribuiu para isto. Para isso, foi aplicado um questionário à alunos de uma turma pré-escolar nível II. Os questionários nos permitem identificar: sexo; idade e profissão que a criança pretende atuar; se pretende ter filhos; seus brinquedos favoritos, entre outros. A partir do resultado da pesquisa e das fontes pesquisadas apresentaremos como se dão as relações de gênero na sociedade de São Mateus. PALAVRAS CHAVE: Patriarcalismo; Gênero, Educação Infantil. *Estudante de Licenciatura, UFES ** Mestranda em Educação, USAL [email protected] [email protected]

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ESTUDO DE CASO DAS RELAÇÕES DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL EM

SÃO MATEUS - ES

Elcielle Bonomo Rocha Machado*

Isabella Cotta Lanza Peixoto**

RESUMO Estamos em uma sociedade marcada pelo machismo e pelos vestígios antropológicos que

corroboram para tal. “Enquanto a educação masculina preparava o homem para assumir

atividades ou empregos públicos, a educação feminina preparava a mulher para o casamento.”

(NADER, 2014. p. 111). A pesquisa que será apresentada tem por objetivo: mostrar como se

dão as relações de gênero na sociedade de São Mateus – ES, baseado em um estudo de caso

realizado em uma escola de educação infantil municipal e com isso estabelecer quais aspectos

históricos foram importantes para esta visão analisando se as crianças têm uma visão

estereotipada sobre o seu papel na sociedade. A metodologia aplicada consiste em levantar

dados históricos que interferiram no modo como mulheres e homens agem dentro da

sociedade e como o sistema patriarcal contribuiu para isto. Para isso, foi aplicado um

questionário à alunos de uma turma pré-escolar nível II. Os questionários nos permitem

identificar: sexo; idade e profissão que a criança pretende atuar; se pretende ter filhos; seus

brinquedos favoritos, entre outros. A partir do resultado da pesquisa e das fontes pesquisadas

apresentaremos como se dão as relações de gênero na sociedade de São Mateus.

PALAVRAS CHAVE: Patriarcalismo; Gênero, Educação Infantil.

*Estudante de Licenciatura, UFES ** Mestranda em Educação, USAL

[email protected] [email protected]

INTRODUÇÃO

Observa-se no decorrer dos anos que a nossa cultura ainda demarca as brincadeiras que são

apropriados para meninos e para meninas justificando a diferença entre os sexos na relação

delas ao brincar e à construção de suas identidades.

Socialmente, culturalmente, politicamente e psicologicamente a construção de gênero ainda se

faz presente em nossa vida, gerando polêmicas, discussões e debates em toda a sociedade

sobre o que é apropriado para o masculino e o feminino.

Até hoje percebemos que a sociedade ainda nos impõe regras, normas e comportamentos

distintos entre homens e mulheres. As crianças crescem com uma ideia embutida de um rótulo

patriarcal que a sociedade lhe impingiu seja na maneira de assentar, de vestir, de falar, de agir

e de brincar.

As brincadeiras fazem parte do universo das crianças, ajudando-as a se autoconhecerem, na

sua relação com o outro e com o meio que ela vive. No momento em que através da nossa

cultura, determinamos as brincadeiras e a forma de brincar, estamos representando ao

universo daquela criança uma definição entre masculino e feminino, atribuindo-lhes valores

sociais dominantes.

Temos por objetivo geral desta pesquisa:

Estabelecer como se dão as relações entre trabalho e brinquedos na infância na

sociedade mateense.

Os objetivos específicos da pesquisa são:

Realizar um estudo de caso em uma escola de educação infantil municipal no

município de São Mateus e aplicar questionários que informem se as crianças têm uma

visão estereotipada sobre o seu papel na sociedade;

Estabelecer quais aspectos históricos foram importantes para esta visão;

Este trabalho se justifica pelo fato de que o brincar é um movimento essencial para a criança,

a brincadeira faz parte do seu universo e é através desta que ela descobre e compreende o

mundo que a cerca, além de internalizar as regras sociais que lhe são impostas. Diante disso, é

importante compreender como as identidades de gênero são construídas na infância e como

ela é influenciada através das brincadeiras infantis.

1. DISCUTINDO GÊNERO, INFÂNCIA E BRINCADEIRAS

1.1. GÊNERO

Para fins desse trabalho, iremos nos atentar às transformações na relação homem e mulher

dentro da perspectiva cultural patriarcal, entendendo que somos frutos da educação que nos é

imposta.

Segundo Chaney (1983) apud Nader (2011), por muito tempo a mulher foi vista como incapaz

de se manter na vida social e em desempenhar algum papel relevante na sociedade, pois era

vista como mais fraca que o homem fisicamente e intelectualmente. A literatura infantil é rica

em exemplos que reforçam essa visão da fraqueza da mulher frente ao homem. Contos de

fadas terminam com a mocinha “Feliz para sempre” ao lado de um “Príncipe amado”.

“Em toda a América Latina, os movimentos filosóficos posteriores que não

simpatizavam com as mulheres reforçavam essa imagem, e a literatura contribui

muito no mito da incapacidade da mulher em desempenhar um papel na vida social e

política (CHANEY, 1983). A literatura tradicional definia o papel da mulher como

não político e os clássicos lidos por várias gerações, criaram imagens das mulheres

desempenhando papéis domésticos, artísticos ou literários, até mesmo

desempenhando alguma outra carreira profissional, mas nunca política, além de

demonstrarem que, apesar de as mulheres terem o controle de seus destinos, as

mesmas só encontravam plenitude nos braços do homem amado.” (NADER, 2014.

p. 114)

Nas sociedades feudais, o patriarca era o responsável pela família e por todos que vivessem

agregados a ele: esposa, filhos, concubinas, parentes. Segundo NADER (2014, p. 104) “Nas

sociedades patriarcais a relação hierárquica e de autoridade se baseia no princípio da

superioridade masculina, que se constitui em um ingrediente fundamental dos mecanismos de

dominação de gênero.” O patriarca era dominador, proprietário de tudo e de todos, inclusive

do sim e do não. Ao patriarca ficavam as funções de abastecer a casa com alimentos, procriar-

se com sua esposa e com as concubinas, a vida de todos girava em torno dele.

Homens, mulheres e crianças tinham papéis distintos e cada um sabia claramente qual papel

desempenhar na sociedade e quais normas deveriam seguir. “Essa questão mostra claramente

as diferenças das normas de comportamento impostas aos homens e às mulheres e que a

mesma serviu de endosso para que fossem criados estereótipos femininos que perduram até os

dias atuais.” (NADER, 2014. p. 108). Mulheres não tinham voz e nem podiam agir por si sós.

As mulheres deveriam seguir a um comportamento pré-definido pela sociedade. O reflexo

deste comportamento recatado e invisível da mulher, adestrada/treinada para as tarefas

domésticas fica implícito nas brincadeiras de menina e de menino. Adestram as meninas com

brinquedos que estimulem a maternidade com bonecas, bebês, utensílios domésticos e outros.

“Além disso [...] os comportamentos eram determinados em função da posição que o

indivíduo tinha dentro da sociedade e definiam as prerrogativas das relações sociais.

Especialmente em relação as mulheres, se livres ou não, o código definia as relações

sociais que se impunham em seu meio.” (NADER, 2014. p. 107-108)

As mulheres, durante a história, foram dominadas fisicamente e tratadas como escravas dos

afazeres domésticos e escravas sexuais. Sua função na sociedade era de servir ao patriarca e o

agradar. “Assim, se impunha a ordem patriarcalista de que ser homem implicava em dominar

mulheres e nunca se parecer com elas, seres inferiores.” (NADER, 2014. p. 106).

Com esta pesquisa pretendemos mostrar se essa visão estereotipada do patriarca vem se

consolidando na figura paterna até os dias atuais na sociedade de São Mateus - ES.

1.2. INFÂNCIA

Crianças e mulheres eram vistos como inferiores, sem capacidades de se manterem. A

infância das meninas era abruptamente encerrada por um casamento precoce e muitas vezes

sem o consentimento da menina. A forma de organização da sociedade atual ainda vê a figura

masculina como superior a feminina, porém essa visão vem se modificando ao longo dos

anos, tornando uma sociedade mais justa e igualitária para ambos os sexos.

“A partir do século VIII, [...] os preceitos [...] de família patriarcal intervieram e

fortaleceram os padrões morais de cada sexo [...]. E essas práticas foram

transformadas para o Novo Mundo por meio de códigos de valores e de

comportamento [...].” (NADER, 2014. p. 107)

Na Idade Média não existia um sentimento de infância que distinguisse a criança do adulto,

sendo a criança considerada um adulto de pequeno tamanho executando também adulto,

estado de transição para a vida adulta. Não se dispensava um tratamento especial para as

crianças, o que tornava sua sobrevivência difícil. As mulheres deviam seguir um padrão de

comportamento conforme com sua condição inferiorizada. A tarefa feminina se resumia a

cuidar da casa, satisfazer sexualmente o marido e gerar filhos.

“A história da subordinação das mulheres está intensamente relacionada ao sistema

patriarcal, que produziu a concepção do papel feminino tradicional, confinando-a ao

ambiente doméstico Eram destinadas, principalmente, a cumprir a missão de

procriar [...].” (VASCONCELOS & LEAL, 2014. p. 35)

No período de transição do feudalismo para o capitalismo ocorreram alterações nas relações

sociais que tiveram reflexos na organização familiar, escolar e no sentimento de infância.

1.3. BRINCADEIRAS

As brincadeiras infantis são atividades que se organizam de maneira individual para cada

criança e satisfazem seus desejos e necessidades intrínsecas, ajudando-as a construir seus

significados e desenvolver a sua linguagem e também as motivando à ação.

Desse modo, pela interação com os seus amigos no brincar, a criança fica mais sociável e

adquire conhecimento de mundo. Além desses aspectos socioculturais inscritos no brincar,

simultaneamente ela também irá criar situações imaginárias (faz-de-conta) e regras; e o

brincar com o passar do tempo vai desenvolver e culminar com a predominância de regras.

Segundo Cravo (2006) há preocupação por parte da sociedade em relação ao brincar e à

construção das identidades de gênero, principalmente quando determinada cultura indica o

que seja apropriado para meninos e meninas, utilizando como justificativa a diferença

anatômica entre os sexos.

“A naturalização da condição feminina submetida à masculina foi utilizada para

justificar as desigualdades sociais observadas entre homens e mulheres,

principalmente com base nas características biológicas distintas, argumentando-se

que a relação entre ambos precisaria considerar essas diferenças e que cada um

deveria cumprir um papel determinado pelo senso comum.” (VASCONCELOS &

LEAL, 2014. p. 15)

As crianças aos poucos vão ajuntando os símbolos de masculinidade ou feminilidade contidos

nas brincadeiras e também em outras atividades do dia-a-dia. Dessa forma, as brincadeiras

podem ser empregadas na infância como intermediárias do processo de assimilação e

constituição das identidades de gênero.

“Enquanto a educação masculina preparava o homem para assumir atividades ou

empregos públicos, a educação feminina preparava a mulher para o casamento. O

nível instrucional feminino era pobre e as ordens religiosas que sustentaram o ensino

no Brasil, desde o período colonial, nada mais ofereciam do que uma educação

ornamental, ou seja voltada apenas para o aprendizado das letras e das quatro

operações.” (NADER, 2014. p. 111)

Essa polêmica vem configurando uma série de dúvidas e gerando discussões na sociedade,

sobretudo quando envolve a distinção entre brincadeiras de meninas e de meninos. As

brincadeiras então, imitam a vida adulta e refletem ações dos pais no brincar.

1.4. INFLUÊNCIAS DAS BRINCADEIRAS INFANTIS NO GÊNERO

A cultura das crianças que ingressam na vida escolar é constituída por experiências vividas no

âmbito da família, da mídia e da sociedade em geral. A partir disso, as crianças recriam

muitas histórias vividas durante as brincadeiras e posicionam-se frente ao mundo por meio

dessa linguagem.

Como as relações de gênero estão imbricadas nas relações que os sujeitos estabelecem na

sociedade, a família e a escola se destacam na introdução de comportamentos adequados ou

esperados sobre ser menino ou menina, homem ou mulher, o que faz com que ela internalize

tais representações em sua infância.

2. DEFINIÇÃO TEÓRICO-METODOLOGICA

Inicialmente foi realizado uma pesquisa bibliográfica a respeito da influência do sistema

patriarcal na sociedade atual. Em seguida foi realizada uma pesquisa de campo que investigou

de que modo as representações de gênero se manifestam culturalmente frente às brincadeiras

de meninos e meninas. Durante a pesquisa de campo foram aplicados questionários de modo a

realizar a pesquisa qualitativa e quantitativa a respeito do tema.

A pesquisa de campo e aplicação de questionários foram feitos na em um Centro de Educação

Infantil Municipal – CEIM, situado no município de São Mateus – ES – Brasil. A escola na

qual realizamos a pesquisa de campo se situa em uma região periférica da cidade conhecida

pela alta criminalidade. A escola atende a aproximadamente 100 crianças em tempo integral

(matutino e vespertino).

Definimos uma turma pré-escolar nível II para estudo e aplicação da pesquisa. A turma possui

entre 15 e 17 alunos matriculados, porém o dia era chuvoso e haviam 12 alunos presentes, 6

meninos e 6 meninas. A pesquisa contemplou os itens:

Sexo;

Idade;

Se gosta de brincar na escola;

Seu brinquedo favorito;

A escolha de um brinquedo para um colega do sexo oposto;

Profissão;

Se pretende ter filhos.

3. EVIDÊNCIAS

A seguir estaremos apresentando as evidências encontradas nos questionários.

3.1. IDADE

A idade das crianças, ilustrada no Gráfico 1, varia entre 5 e 6 anos

Gráfico 1: Idade dos Entrevistados

Fonte: Arquivo Pessoal

3.2. BRINCAR

Foi perguntado se gostavam de brincar e todos foram unânimes na resposta, respondendo que

sim.

3.3. BRINQUEDO PREFERIDO

Na preparação do questionário, inserimos um quadro em branco para que a criança

desenhasse livremente o seu brinquedo preferido para verificarmos se eles tem uma visão

estereotipada com relação ao brincar. Como opção, a criança poderia escolher mais de um

brinquedo preferido, então obtivemos mais do que 12 respostas nessa etapa do questionário.

Segundo Nader, 2014, na antiguidade as crianças eram estimuladas pelos pais desde cedo a se

prepararem para a maternidade: “Nos centros urbanos, mesmo as filhas de famílias abastadas,

que frequentavam escolas particulares, eram estimuladas desde cedo a se prepararem para o

casamento e para a maternidade.” (NADER, 2014. p. 112)

Esses valores perduram até hoje na sociedade que pesquisamos. As respostas, conforme

pudemos comprovar, variavam conforme o gênero da criança e estão ilustradas no Gráfico 2.

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

5 anos 6 anos

Idade

Para uma melhor compreensão das relações entre gênero, as respostas estão tabuladas em um

gráfico divididas entre menino e menina (Gráfico 2). Meninos, na maioria, optaram por

brinquedos que ilustrem profissões masculinizadas. Meninas, em sua maioria, escolheram

brinquedos que ilustram a maternidade (Figura 1) e brincadeiras de mãe/filhinha. Todas as

meninas desenharam uma boneca.

Figura 1: Idade dos Entrevistados

Fonte: Arquivo Pessoal

Apesar de vivermos em uma sociedade altamente tecnológica, apenas uma criança lembrou de

jogos digitais e representou um tablet no seu desenho. Outra curiosidade que registramos foi

que apesar de vivermos no “País do Futebol”, nenhuma criança ilustrou a bola de futebol.

5

01

01

6

100

1 1

0

1

2

3

4

5

6

7

MENINOS MENINAS

CARRO

PALHAÇO

BONECO(A)

TRATOR

FLOR

TABLET

Gráfico 2: Brinquedo Preferido

Fonte: Arquivo Pessoal

3.4. ESCOLHA DO BRINQUEDO PARA UM COLEGA DO SEXO OPOSTO

Nessa pergunta do foi solicitado que indicassem um dos quatro brinquedos ilustrados no

questionário. Os brinquedos ilustrados eram:

Trator;

Jogo de chá;

Barco;

Boneca bebê.

Escolhemos quatro brinquedos que representam a visão estereotipada de quais brinquedos a

sociedade define como feminino e quais brinquedos definem como masculino. As crianças

sentaram-se em quatro mesas organizadas em formato de quadrado e ficaram lado a lado uma

criança de cada sexo, sendo duas meninas e dois meninos de cada vez. Na hora de responder a

essa pergunta, o menino escolhia um brinquedo para a menina que estava à sua esquerda e a

menina escolhia um brinquedo para a criança que estava à sua direita, ou seja um escolhia o

brinquedo para o colega do sexo oposto.

A seguir retratamos quais brinquedos os meninos escolheram para a amiga que sentava ao seu

lado. Mais da metade dos meninos escolheu brinquedos tidos como femininos e remetem a

tarefas domésticas (Gráfico 3).

Gráfico 3: Escolha Meninos para as Meninas

Fonte: Arquivo Pessoal

Todas as meninas escolheram para seu amigo do sexo masculino um brinquedo que remetia a

uma profissão considerada masculina, no caso às profissões de motorista/tratorista (cinco

meninas) e marinheiro (uma menina), ofícios que raramente encontramos mulheres ocupando

esses cargos. As profissões consideradas masculinas exigem mais força física.

3.5. PROFISSÃO

A pergunta para definir a profissão das crianças foi a seguinte:

O que você pretende ser quando crescer? (desenhe ou escreva)

A criança poderia decidir entre escrever o nome da profissão ou desenhar. Um aluno apenas

escreveu como gostaria de atuar no futuro e os outros representaram por meio de desenhos. A

turma está em fase de alfabetização, por isso, preferiram desenhar.

Nem todas as pretensões representam profissões de fato. Essas pretensões são: à “Pirata”,

“Trabalhador”, “Barbie” (Figura 2) e “Princesa”.

1

1

3

1

MENINOS

BONECA

BARCO

JOGO DE CHÁ

TRATOR

Figura 2: Pretensão à Profissão

Fonte: Arquivo Pessoal

Nader, 2014 associa o fato de meninas serem estimuladas a imitarem a vida adulta. Na

antiguidade as meninas casavam-se muito cedo, com 13 a 15 anos em média, no início da

adolescência e já começavam a constituir família, a cuidar da casa e a procriar: “Tal situação

pode ser justificada pelo fato de a mulher, naquele período, ter tido uma infância muito curta,

apresentando-se na adolescência já como uma senhora [...].” (NADER, 2014. p. 112).

Durante a entrevista, notamos que muitos fizeram opção por mais de uma profissão (Figura

3), o que podemos considerar como reflexo da organização da sociedade familiar atual, onde

as famílias precisam fazer bicos em paralelo à sua profissão principal para poder sustentar a

casa com dignidade. Assim encaram uma jornada dupla ou até mesmo tripla.

Figura 3: Escolha de mais de uma Profissão

Fonte: Arquivo Pessoal

Por estarem em uma região de grande criminalidade, muitas crianças veem os policiais como

super-heróis, são muito respeitados pelas famílias e as crianças se espelham neles. Dois

meninos e uma menina escolheram essa profissão.

As profissões escolhidas pelos meninos foram, em sua maioria, profissões ligadas à coragem

e aos estereótipos masculinos:

Policial - 2 crianças;

Trabalhador - 1 criança;

Artista - 1 criança;

Pirata - 1 criança;

Cozinheiro - 1 criança;

Vendedor de pipa - 1 criança.

As profissões escolhidas pelas meninas mostram como a sociedade vem evoluindo e como a

mulher vem construindo seu espaço no mercado de trabalho. As correntes ideológicas de que

as mulheres não tem espaço no mercado de trabalho vem perdendo força na sociedade de São

Mateus e não mais estão presentes com tanta nitidez quanto no passado:

“[...] os deveres da esposa mãe eram tarefas únicas da mulher devido a sua

inferioridade biológica. Esse pensamento interiorizou-se na sociedade [...] ao ponto

de a mulher achar que seu lugar na sociedade era mesmo dentro do espaço

doméstico.” (NADER, 2014. p. 112-113)

Assim como os meninos, algumas crianças também escolheram mais de uma profissão. Os

resultados deste questionamento às meninas foram:

Barbie - 1 criança;

Princesa - 1 criança;

Cabeleireira - 2 crianças;

Médica - 2 crianças;

Policial - 1 criança;

Enfermagem - 1 criança;

Cantora - 1 criança.

3.6. FILHOS

A pergunta com relação a maternidade/ paternidade nos mostrou que no grupo de 6 meninos e

6 meninas, apenas um de cada sexo não pretende ter filhos no futuro.

Perguntando a um menino se pretenderia ter filhos no futuro, um menino respondeu não. Ao

ser interrogado o porquê de não querer ter filhos ele disse: “Não posso ter filhos porque sou

homem e quem tem filhos é mulher.” . Uma menina disse que sim “Mas só depois que casar”,

o que remete à predisposição à maternidade e também ao casamento que algumas crianças

possuem.

CONCLUSÃO

Analisamos um grupo de crianças mateenses e concluímos que apesar da sociedade patriarcal

não existir de fato no nosso meio, a cultura patriarcal ainda está presente na definição das

brincadeiras infantis e na definição de diversos fatores. Porém a sociedade está em fase de

mudanças e encontramos em São Mateus uma nova geração com a quebra de velhos

paradigmas e crianças em busca de sua constituição como ser atuante na sociedade e no

mercado de trabalho com um espaço a ser conquistado. Brincar traz diversas contribuições

para o desenvolvimento das crianças.

Compreendemos as influências das brincadeiras infantis na construção de identidades de

gênero. Dessa forma, analisamos como muito importante a brincadeira para as crianças na

Educação Infantil.

BIBLIOGRAFIA

ARIÈS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: LTC, 2ª ed., 2006.

CRAVO, ACDA, Fagundes TCPC. Brincadeiras infantis e construção das identidades de

gênero [tese]. Salvador (BR): Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia;

2006.

KRAMER, Sônia. A infância e sua singularidade. In: Ensino fundamental de nove anos:

orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade/ organização Jeanete Beauchamp,

Sandra Denise Rangel, Aricélia Ribeiro do Nascimento – Brasília: Ministério da Educação,

Secretaria de Educação Básica, 2007.

NADER, Maria Beatriz. Paradoxos do progresso : a dialética da relação mulher,

casamento e trabalho. Vitória : Edufes, 2013.

______. Poder Violência e Silêncio: uma questão de gênero. In NADER, Maria Beatriz (org).

Gênero e Racismo: Múltiplos olhares. Universidade Federal do Espírito Santo, Núcleo de

Educação Aberta e a Distância – Vitória: EDUFES, 2014. p. 14 a 41.

NOGUEIRA, Conceição. Um novo olhar sobre as relações sociais de gênero: feminismo e

perspectivas críticas na psicologia social. Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

OLIVEIRA, Anay Stela; KNÖNER, Salete Farinon. A construção do conceito de gênero:

uma reflexão sob o prisma da psicologia. Trabalho de Conclusão de Curso. Blumenau:

FURB, 2005.

VASCONCELOS, Maria Celi Chaves & LEAL, Maria José Senra de Carvalho. Dos Traços

de Pecadora aos Modos Recatados: a educação do corpo feminino. In NADER, Maria Beatriz

(org). Gênero e Racismo: Múltiplos olhares. Universidade Federal do Espírito Santo,

Núcleo de Educação Aberta e a Distância – Vitória: EDUFES, 2014. p. 14 a 41.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

ANEXO

UFES – Universidade Federal do Espírito Santo

MODELO DO QUESTIONÁRIO APLICADO

Questionário aplicado na escola _______________________________________________ no dia ______/______/______ pelas pesquisadoras Elcielle Bonomo Rocha Machado discente do campus Ceunes-UFES e Izabella Cotta Lanza tutora presencial do Polo UAB – São Mateus com vistas coletar dados para a pesquisa de campo de estudos em Gênero – História, Trabalho e Família para o 4º Seminário Internacional de Educação e Sexualidade e 2º Encontro Internacional de Estudos de Gênero com o tema “Fundamentalismos e Violências: o que temos feito de nós?”. Os nomes e fotos do rosto das crianças não serão divulgados.

1. NOME _____________________________________________________

2. ( ) MENINO ( ) MENINA

3. QUAL SUA IDADE? ( ) 4 ANOS ( ) 5 ANOS ( ) 6 ANOS

4. VOCÊ GOSTA DE BRINCAR NA ESCOLA? ( ) SIM ( ) NÃO

5. DESENHE SEU BRINQUEDO FAVORITO

6. PINTE UM BRINQUEDO PARA SEU COLEGA ____________ (DO SEXO

OPOSTO)

7. O QUE VOCÊ PRETENDE SER QUANDO CRESCER? (DESENHE OU

ESCREVA)

8. QUANDO VOCÊ CRESCER VOCÊ VAI TER FILHOS?

( ) SIM ( ) NÃO