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Rev Bras Ortop _ Vol. 31, Nº 12 – Dezembro, 1996 969 Estudo clínico, diagnóstico e tratamento das lesões totais do tendão de Aquiles * ARNALDO SANTHIAGO LOPES 1 , ROBERTO KATTAN 2 , SERAFIM COSTA 2 , CARLOS E. MOURA 2 , RODRIGO SANTHIAGO LOPES 3 * Trab. realiz. no Hosp. da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência – Serv. de Ortop. e Traumatol.; clínica privada; Dep. Médico do Flumi- nense Football Club. 1. Chefe do Serv. de Ortop. e Traumatol., Hosp. da Ordem 3ª de São Fran- cisco da Penitência; Diretor do Centro Médico Esportivo São Francisco da Penitência; Prof. Livre-Docente da Univ. Gama Filho; Mestre em Or- top. e Traumatol. pela UFRJ; Chefe-médico do Comitê Olímpico Brasi- leiro. 2. Méd. Assist. do Serv. de Ortop. e Traumatol. do Hosp. da Ordem 3ª de São Francisco da Penitência; Centro Médico São Francisco da Penitên- cia. 3. Residente do Serv. de Ortop. e Traumatol. do Hosp. Miguel Couto. RESUMO No período de 15 anos (1977 a 1992), 18.095 pacientes foram cadastrados na clínica privada, Centro Médico Es- portivo São Francisco da Penitência e no Serviço Médico do Fluminense Football Clube. Observamos, que entre os 18.095 pacientes tratados, 10.719 (59,23%) foram diag- nosticados com lesões esportivas e 2.670 (24%), portado- res de lesões musculares, sendo 66 pacientes com lesões totais do tendão de Aquiles. Apresentamos os meios de diagnóstico, que são baseados na observação clínica evo- lutiva de atletas de alto nível, com minucioso registro diá- rio e na escolha de exames complementares para orienta- ção do tratamento conservador ou cirúrgico. SUMMARY Classification and clinical study of muscular injuries During 15 years working in private practice, in the medi- cal department of Fluminense Football Club, and in the Sport Medical Center of the Hospital São Francisco da Penitência the authors treated 18,095 patients. 10,719 (59.23%) of them had the diagnose of sports injuries, of which 2,670 (24%) were muscular injuries – 66 patients had the diagnosis of total rupture of the Achilles tendon. The authors present in this paper a diagnostic approach based on evolutive clinical observation of high performance athletes, consisting of de- tailed diary notes and cost-benefit reasoning concerning the use of complementary diagnostic methods aiming to achieve a consistent database, to decide between the conservative or surgical treatment. INTRODUÇÃO Este é o último de uma série de quatro estudos clínicos, que foram publicados a partir de 1983 na seção do Comitê de Trauma Esportivo e que correspondem ao tema desenvol- vido na tese do concurso de habilitação a Prof. Livre-Docen- te da Universidade Gama Filho em 1992 – Lesões muscula- res do atleta. As lesões musculares dos esportistas continuam sendo tema atualizado e apaixonante para os especialistas que têm a gran- de responsabilidade de manter em excelentes condições a estrutura osteomioarticular dos atletas, possibilitando assim melhor rendimento físico, técnico e tático. O aperfeiçoamento dos meios de diagnóstico e a evolução das pesquisas de laboratório possibilitaram a análise das al- terações bioquímicas celulares, permitindo melhor conheci- mento das modificações anatomofisiopatológicas que acon- tecem nas lesões do aparelho locomotor. Nossas observações são experiências vividas, inicialmen- te, ao longo de uma vida ativa como atleta de competição e, posteriormente, nos poucos mais de 25 anos de atividades profissionais, especializadas em cuidar de atletas. O diagnóstico precoce correto e o prognóstico de tempo para voltar às atividades são as primeiras informações que devem chegar ao departamento técnico, para avaliação das interferências no desempenho da equipe e, muitas vezes, no resultado financeiro da competição. Devemos fazer sempre estudo clínico minucioso de cada lesão, com observações práticas anotadas na evolução diá-

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ESTUDO CLÍNICO, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DAS LESÕES TOTAIS DO TENDÃO DE AQUILES

Estudo clínico, diagnóstico e tratamentodas lesões totais do tendão de Aquiles*

ARNALDO SANTHIAGO LOPES1, ROBERTO KATTAN2, SERAFIM COSTA2,CARLOS E. MOURA2, RODRIGO SANTHIAGO LOPES3

* Trab. realiz. no Hosp. da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência– Serv. de Ortop. e Traumatol.; clínica privada; Dep. Médico do Flumi-nense Football Club.

1. Chefe do Serv. de Ortop. e Traumatol., Hosp. da Ordem 3ª de São Fran-cisco da Penitência; Diretor do Centro Médico Esportivo São Franciscoda Penitência; Prof. Livre-Docente da Univ. Gama Filho; Mestre em Or-top. e Traumatol. pela UFRJ; Chefe-médico do Comitê Olímpico Brasi-leiro.

2. Méd. Assist. do Serv. de Ortop. e Traumatol. do Hosp. da Ordem 3ª deSão Francisco da Penitência; Centro Médico São Francisco da Penitên-cia.

3. Residente do Serv. de Ortop. e Traumatol. do Hosp. Miguel Couto.

RESUMO

No período de 15 anos (1977 a 1992), 18.095 pacientesforam cadastrados na clínica privada, Centro Médico Es-portivo São Francisco da Penitência e no Serviço Médicodo Fluminense Football Clube. Observamos, que entre os18.095 pacientes tratados, 10.719 (59,23%) foram diag-nosticados com lesões esportivas e 2.670 (24%), portado-res de lesões musculares, sendo 66 pacientes com lesõestotais do tendão de Aquiles. Apresentamos os meios dediagnóstico, que são baseados na observação clínica evo-lutiva de atletas de alto nível, com minucioso registro diá-rio e na escolha de exames complementares para orienta-ção do tratamento conservador ou cirúrgico.

SUMMARY

Classification and clinical study of muscular injuries

During 15 years working in private practice, in the medi-cal department of Fluminense Football Club, and in the SportMedical Center of the Hospital São Francisco da Penitênciathe authors treated 18,095 patients. 10,719 (59.23%) of themhad the diagnose of sports injuries, of which 2,670 (24%)were muscular injuries – 66 patients had the diagnosis of

total rupture of the Achilles tendon. The authors present inthis paper a diagnostic approach based on evolutive clinicalobservation of high performance athletes, consisting of de-tailed diary notes and cost-benefit reasoning concerning theuse of complementary diagnostic methods aiming to achievea consistent database, to decide between the conservative orsurgical treatment.

INTRODUÇÃO

Este é o último de uma série de quatro estudos clínicos,que foram publicados a partir de 1983 na seção do Comitêde Trauma Esportivo e que correspondem ao tema desenvol-vido na tese do concurso de habilitação a Prof. Livre-Docen-te da Universidade Gama Filho em 1992 – Lesões muscula-res do atleta.

As lesões musculares dos esportistas continuam sendo temaatualizado e apaixonante para os especialistas que têm a gran-de responsabilidade de manter em excelentes condições aestrutura osteomioarticular dos atletas, possibilitando assimmelhor rendimento físico, técnico e tático.

O aperfeiçoamento dos meios de diagnóstico e a evoluçãodas pesquisas de laboratório possibilitaram a análise das al-terações bioquímicas celulares, permitindo melhor conheci-mento das modificações anatomofisiopatológicas que acon-tecem nas lesões do aparelho locomotor.

Nossas observações são experiências vividas, inicialmen-te, ao longo de uma vida ativa como atleta de competição e,posteriormente, nos poucos mais de 25 anos de atividadesprofissionais, especializadas em cuidar de atletas.

O diagnóstico precoce correto e o prognóstico de tempopara voltar às atividades são as primeiras informações quedevem chegar ao departamento técnico, para avaliação dasinterferências no desempenho da equipe e, muitas vezes, noresultado financeiro da competição.

Devemos fazer sempre estudo clínico minucioso de cadalesão, com observações práticas anotadas na evolução diá-

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A.S. LOPES, R. KATTAN, S. COSTA, C.E. MOURA & R.S. LOPES

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ria, interpretando e valorizando os meios de pesquisa clíni-co-laboratoriais que nos ofereceram as melhores condiçõespara um diagnóstico e que possibilitaram uma classificação(31):

A) Lesões musculares produzidas por fatores causais ex-trínsecos – Contusão muscular: a) leve; b) moderada; c) grave.

B) Lesões musculares produzidas por fatores causais in-trínsecos – a) Sem roturas de fibras: 1) cãimbras; 2) contra-tura muscular; 3) estiramento; b) Com roturas de fibras: 1)lesões parciais; 2) lesões totais.

Após o diagnóstico, iniciamos imediatamente o tratamen-to, seja conservador ou cirúrgico, com planejamento ade-quado.

ETIOPATOGENIA E ESTUDO CLÍNICO

As lesões totais do tendão de Aquiles causadas por fatoresintrínsecos são observadas no início da prática esportiva,quando o alongamento e o aquecimento não são realizadosde forma adequada; durante a prática esportiva, quando hácondicionamento físico deficiente, e no final do exercíciofísico, quando, apesar de um bom rendimento atlético, hou-ve excesso de atividade, ocorrendo exaustão.

Os fatores causais mais freqüentes, já estudados na etio-patogenia das lesões musculares, são relatados por diversosautores na literatura internacional.

O alongamento e o aquecimento (Safran)(6,9,11,25,26,29) aumen-tam a temperatura, a eficiência da contração muscular e aamplitude do movimento das articulações pela redução darigidez muscular.

Garret desenvolveu estudos de fisiopatologia e biomecâ-nica(14) que permitiram grande avanço nos cuidados profilá-ticos, diagnóstico e no tratamento das lesões musculares.Comprovaram o grande consumo de energia nas contraçõestetânicas, quando comparadas com as contrações sinérgicas,e que as roturas musculares resultam de contrações violen-tas(13), durante um alongamento forçado e excessivo.

Além disso, é essencial a escolha de calçados adequados,fabricados com reforço de solado e contra-sola, específicospara cada modalidade esportiva, confeccionados com mate-riais de última geração como o acetato de etilenovinil e o gelde poliuretano, que são configurados para se adaptarem àsexigências cinéticas e mecânicas de determinado esporte,principalmente no que tange à absorção de impacto(26). Tam-bém os problemas biomecânicos gerados por alterações es-truturais (pé cavo, pé plano e suas associações ao calcâneopronado e supinado, etc.) têm que ser analisados e corrigidosatravés da utilização de palmilhas compensatórias.

É lícito salientar que a utilização de roupas adequadas aoclima e ao tipo de exercício a ser praticado, como também oestado de conservação e o tipo de relevo do terreno ondeocorrerá o treinamento, merecem atenção, pois a correçãode irregularidades evitará que os mesmos se tornem causasativas das lesões musculares.

Deve-se ter em mente que a fadiga é um fator predispo-nente na determinação da lesão muscular. Condições climá-ticas desfavoráveis, como por exemplo temperaturas eleva-das, que aumentam a perda de líquidos e eletrólitos atravésda transpiração, concentração no músculo de produtos meta-bólicos, que podem levar a distúrbios de coordenação entreagonistas e antagonistas, participam também da gênese dasroturas musculares.

O alongamento e o aquecimento dos membros superiores,inferiores e da coluna vertebral, com a obediência das regrasbásicas, propiciarão melhor flexibilidade e permitirão arran-ques e alternâncias de ritmo sem risco de lesões.

No repouso, somente 5% dos capilares estão abertos à cir-culação sanguínea no músculo; à medida que a atividademuscular aumenta, abrem-se, paralela e proporcionalmente,os capilares que fornecerem ao músculo o sangue de queeste vai necessitando para seu trabalho. Porém estão contra-indicadas as manobras passivas, abruptas para o alongamen-to muscular, produzindo micro-hemorragias(10), e posterior-mente lesões localizadas sobretudo na área das inserções mus-culares. O alongamento deverá ser sempre constituído de mo-vimentos ativos, utilizando-se, às vezes passivamente, o pesodo próprio corpo, como para alongar a musculatura posteriorda coxa e da perna.

Os raios de movimento, que eram inicialmente limitados,gradualmente vão-se ampliando e o sinergismo muscular éatingido, ao mesmo tempo em que há o início da transpira-ção.

Nos esportes de precisão, verifica-se, a partir deste está-gio, uma melhora qualitativa na execução técnica dos movi-mentos, havendo implementação da resposta muscular aocomplexo estímulo-sensorial do sistema nervoso, decorrentedas exigências solicitadas pelo desporto em questão.

Após o encerramento dos exercícios técnicos e táticos, oplanejamento será complementado com outra sessão de alon-gamento, para prevenção das dores musculares, produzidaspelo encurtamento das fibras durante a execução de movi-mentos velozes, saltos e utilização de alavancas com grandepotência articular.

O exame clínico minucioso identificará os indivíduos deflexibilidade diminuída, ao medirmos o grau de amplitude

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de movimento das suas articulações, principalmente a abdu-ção, rotação interna e externa do quadril e flexão do tronco,quando ordenamos tocar os pés com as extremidades dosquirodáctilos.

Durante o exame físico, serão observadas as medidas an-tropométricas e, às vezes, encontramos discrepâncias no de-senvolvimento do tronco e membros inferiores, que alteramo teste da flexibilidade.

A convivência diária na preparação física facilita uma iden-tificação perfeita no relacionamento instrutor-atleta, possi-bilitando a exploração das valências positivas e negativas,na adequação do bom rendimento técnico.

O condicionamento atlético (somatório do estado físico,técnico e tático) deficiente é um fator determinante das le-sões esportivas do aparelho osteomioarticular.

Inicialmente planejamos a estratégia de treinamento bási-co, para atingirmos o mais rápido possível o condicionamentoatlético ideal, e finalmente o que é mais complexo: sua ma-nutenção durante a temporada de competição.

A carga de exercícios deverá ser programada, dividindo ogrupo em subgrupos e, dentro de cada subgrupo, devemosrespeitar a individualidade biológica, considerando o bióti-po, peso, característica da massa muscular, faixa etária, ca-racterísticas do esporte que pratica e posicionamento na equi-pe de esporte coletivo.

O uso da biópsia muscular(16) no treinamento é de grandeinteresse na determinação de fatores como tamanho, tipo,bioquímica da fibra muscular e respostas de adaptação a de-terminados tipos de treinamentos específicos.

As fibras vermelhas são lentas e as fibras brancas são rápi-das. O padrão de pigmentação varia de acordo com a con-centração de proteínas contendo ferro, constituindo a mio-globina e as mitocôndrias das fibras, que estão relacionadascom o potencial de consumo de oxigênio.

As fibras vermelhas possuem concentração menor de gli-cogênio do que as fibras brancas. Isso quer dizer que as fi-bras vermelhas são lentas e altamente oxidativas e as fibrasbrancas são rápidas e lançam mão da degradação do glicogê-nio para lactato, como fonte primária na produção do ATP.

Biópsias de quadríceps atrofiados(2), em atletas portadoresde instabilidades do joelho, comparadas com as de joelhoscom lesões agudas, porém não portadores de instabilidades,comprovaram uma diminuição de tamanho das fibras rápi-das (tipo II, branca). Isso explica as observações na práticaesportiva, na deficiência do arranque nos atletas portadoresde instabilidade do joelho.

Garrett et al., em 1984(13), estudando a composição histo-química dos músculos posteriores da coxa, observaram umaproporção elevada de fibras tipo II, que são responsáveis porexercícios de grande força e intensidade; está comprovadoque estes músculos produzem forças intrínsecas de grandemagnitude.

A metodologia do condicionamento físico tem sofrido evo-lução constante, com aprimoramento das condições aeróbi-cas e anaeróbicas, e qualidades de propriocepção, do treina-mento com circuito em estações para o desenvolvimento daforça, flexibilidade e velocidade e da estruturação muscular,com máquinas isocinéticas que propiciam um músculo maisforte, mais rápido, mais flexível, mais resistente e menosexposto a lesão.

A prática do exercício através dos anos ensina o atleta ex-perimentado a conhecer o funcionamento detalhado do seucorpo diante do esforço físico e a dosar a carga básica e amáxima diária para conseguir determinado rendimento. Estaparticularidade caracteriza uma diferenciação entre o atletade elite e o principiante. O processo torna-se ainda mais com-plexo quando intervêm os fenômenos da área de equilíbrioemocional, gerando estresse, que são proporcionais à quali-dade da competição.

Para a prática de uma corrida saudável, sugerimos os se-guintes requisitos essenciais: usar equipamento de qualida-de, calçado adequado e roupas leves. Escolher com cuidadoo local de treinamento e o horário que ofereça as melhorescondições climáticas. É prejudicial a preocupação constantecom a marcação do tempo e a distância percorrida.

Nas corridas solitárias, é recomendável a utilização de umwalkman jogging, o exercício é sempre mais descontraídocom um fundo musical.

As preocupações constantes em nossos afazeres diáriosproduzem hipertonicidade na musculatura eretora da espi-nha e na da cintura escapular.

Em trabalho detalhado, Brody (1980)(4) caracterizou as le-sões dos corredores de acordo com o nível e tipo de treina-mento. Ele enfatiza que a intensidade não pode ser aumenta-da de forma abrupta e indica as alternativas do treinamento,para evitarmos as lesões osteomioarticulares.

Corredores nível I-Esporte recreação – Praticam corridasde 5-32km por semana, ritmo de 5 a 8min/km. Vinte e cincopor cento apresentam lesões como: dores no tríceps sural,síndrome de estresse patelofemoral(8,17), contraturas muscu-lares, dores nos músculos posteriores da coxa, dores lomba-res, tendinite do tibial posterior, fascite plantar e tendinitedo Aquiles.

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Corredores nível II-Esporte competição – Praticam corri-das de 32-64km por semana, ritmo de 5-6min/km. Trinta porcento apresentam lesões como: tendinite do Aquiles, fasciteplantar e fraturas de estresse(24) (fadiga).

Corredores nível III-Longa distância – Praticam corridasde 64-112km por semana, ritmo de 4-6min/km. Trinta e cin-co por cento apresentam lesões musculares e ciatalgias.

Corredores nível IV-Maratonistas – São atletas de altonível, praticam corridas de 112-280km por semana, ritmo de3,5-4min/km. Cinco por cento dos atletas apresentam lesões.

Triatletas nível V – Praticam exercícios combinados decorrida, bicicleta e natação, 160 a 480km por semana.

Observamos neste nível de atletas uma incidência muitogrande de lesões por overuse(3), produzidas pelas múltiplasatividades, falhas de preparo com aquecimento insuficiente,aumento exagerado da intensidade da corrida, dentro da pro-gramação, abuso dos treinamentos de corridas intervaladas,isto é, alternância de corridas rápidas e lentas. Na escolha dolocal, devemos evitar superfícies com grandes elevações ourevestidas de concreto e asfalto.

Em cada passada o impacto na superfície é transmitidopara o pé, tornozelo, perna, joelho, quadril e coluna verte-bral(15). Nas corridas subindo a ladeira, as estruturas mais atin-gidas são: o tendão de Aquiles e músculos eretores da colunavertebral lombar. Nas corridas descendo a ladeira, aumentao impacto ao nível dos calcanhares.

Os fatores biomecânicos causam maiores problemas e commais freqüência nos corredores de níveis I e II; isso é com-preensível, porque qualquer anormalidade impedirá o corre-dor de atingir os níveis de alto rendimento.

Durante a corrida(18), observamos que o pé entra em conta-to com o solo de 500 a 1.300 vezes por km, o que correspon-de a 50-70 vezes por minuto para cada pé, com uma força deduas a quatro vezes o peso corporal, na dependência da su-perfície do terreno.

O impacto tem que ser absorvido por um calçado especifi-camente desenhado, ou será transmitido diretamente para aperna e coluna. Alterações estruturais anatômicas que nãoproduzem qualquer tipo de problema na marcha podem pro-duzir lesões durante a corrida.

Os corredores de longa distância, usualmente, tocam o chãolevemente na fase de apoio, com o calcanhar-antepé, enquantoque o maratonista de elite toca inicialmente com o antepé ecalcanhar levemente, antes da fase final de impulsão, produ-zida pela flexão do primeiro pododáctilo.

Como os corredores de níveis I e II expõem ao impacto aregião lateral do calcanhar, as modificações estruturais diag-

nosticadas no exame clínico deverão ser corrigidas, para quenão haja produção de lesões do sistema osteomioarticular.

Nas arcadas plantares hiperdesenvolvidas (pé cavo), as al-terações de apoio são específicas, o mesmo acontecendo coma deficiência do arco plantar medial (pé plano).

As modificações de pronação e supinação do pé não en-volvem somente a articulação subtalar; os movimentos sãocomplexos e atingem o membro inferior envolvido.

A supinação participa da estabilização durante o apoio docalcanhar e a fase de propulsão, enquanto a pronação ofere-ce uma melhor capacidade de adaptação à superfície e ab-sorção de choque.

No impacto do calcanhar, o pé está levemente supinado ea tíbia em rotação externa; após o impacto do calcanhar, o péprona e permanece nesta posição, durante a fase de suporte.Durante a pronação, a tíbia sofre uma rotação sobre o tálus,proporcional ao nível de pronação.

O ângulo Q formado pela linha do músculo quadricipital eo tendão patelar se altera com a pronação e a supinação. Noimpacto do calcanhar, a tíbia está em rotação externa e otendão patelar é angulado lateralmente. A pronação determi-na um grau considerável de rotação interna, reduzindo o ân-gulo Q.

Qualquer interferência no mecanismo da pronação-supi-nação produzirá sobrecargas anormais no membro inferiorcorrespondente.

Se a pronação é excessiva, o tornozelo se desloca medial-mente e aumenta a rotação interna da tíbia, com repercus-sões nas estruturas do joelho e pé(22).

A hiperpronação é um mecanismo compensador para ogenuvaro, tíbia vara, encurtamento do tendão de Aquiles,gastrocnêmio e sóleo.

O joelho usualmente flete em 30º a 40º, dependendo dotamanho da passada durante a corrida; passadas curtas pro-piciam angulações de 15º a 20º; a extensão máxima é atingi-da logo após a fase da impulsão motora, com flexão do pri-meiro pododáctilo e passagem para a fase aérea.

A posição rotacional do pé é determinada pelo grau derotação externa ou interna do quadril, torção da tíbia, fêmure anteversão do colo do fêmur.

A bacia gira sobre o eixo longitudinal do corpo, propor-cionalmente à intensidade do balanço dos braços, o qual, atra-vés da linha média do corpo, aumenta a rotação da bacia etronco, podendo causar dores nas inserções dos músculostoracolombares, na crista ilíaca.

No plano frontal a bacia se desloca para cima e para bai-xo, o lado não apoiado permanece mais baixo, produzindo,

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nos movimentos de apoio alternado, força de cisalhamentosobre a articulação sacroilíaca e a sínfise púbica. Nas corri-das em aclive, tem-se flexão excessiva e permanente da co-luna lombar, que determina grande estresse nos músculoseretores da espinha em seu segmento lombar.

Nas corridas em declive, a coluna lombar está hiperesten-dida, podendo causar dores lombares, especialmente nos es-portistas portadores de hiperlordoses lombares.

A postura deve ser estabelecida com relaxamento total, otronco perpendicular à superfície do terreno, parte superiordo corpo, pescoço e membros superiores relaxados, cotove-los fletidos com angulações de 90-100º e as mãos posiciona-das de maneira casual.

Os cotovelos fletidos a 45-50º, membros superiores con-traturados colocados no corpo e músculos da face contraídosproduzem dores nos ombros, trapézios e músculos peitorais,diminuindo o rendimento e o prazer do exercício.

A prática de exercícios físicos exclusivamente em finaisde semana deve ser desaconselhada, pois não permite umcondicionamento adequado, sendo as lesões musculares muitomais freqüentes, como, por exemplo, nas atividades esporti-vas de feriados longos.

As lesões são produzidas quando a preparação é insufi-ciente, mas também ocorrem quando o planejamento é ina-dequado ou se observa exagero na execução, que leva à exaus-tão, com sérias conseqüências, como desequilíbrio metabólicoe eletrolítico.

A excelência do preparo atlético é freqüentemente acom-panhada de estados eufóricos, durante o treinamento esporti-vo. Este efeito secundário do exercício físico é atribuído àexacerbação momentânea da secreção de certos neuropeptí-deos endógenos como a endorfina, que participam dos siste-mas de controle fisiológicos da dor, como por exemplo ogate control medular, fenômeno de grande valia na análisede certos casos de excesso de execução. Assim, quando fordetectado um desvio prejudicial das diretrizes de planeja-mento de um atleta, no sentido de uma prática exagerada,ele terá de ser sanado de pronto ou correr-se-ão graves riscosde lesão do complexo osteomioarticular.

Embora o treinamento intensivo(23) propicie efeitos bené-ficos para a criança, pode causar lesões musculares graves,lesões cardiovasculares e sérias perturbações psicológicas,como desequilíbrios emocionais.

O microtrauma de repetição e excessos de carga(28) podemcausar síndromes compartimentais, dores e contraturas mus-culares e uma variedade de processos degenerativos e infla-matórios nos tendões.

Os fatores extrínsecos, como erros de planejamento, téc-nicas ineficientes e superfícies inapropriadas, e fatores in-trínsecos, incluindo mau alinhamento e desequilíbrio mus-cular, são os responsáveis.

Em animais (ratos) submetidos a esforços e exercícios ex-tenuantes(30) (oito horas de corridas a uma velocidade de 17metros/minuto), observaram-se necrose de fibras e uma res-posta de atividade proteolítica seletiva na musculatura.

A capacidade proteolítica ácida estava aumentada no 4ºdia, após os exercícios, e parcialmente diminuída após dezdias.

A capacidade proteolítica alcalina não foi afetada na mio-patia causada pelo exercício extenuante. Acredita-se que aresposta proteolítica nas lesões agudas, assim como nas atro-fias crônicas, é altamente seletiva nas fibras musculares.

As alterações produzidas pelo excesso de calor(27) são muitocomuns na prática do futebol americano, com registro de mor-tes por intermação, segundo relatos de Murphy (1984).

Recomenda-se o uso de roupas apropriadas, com o máxi-mo de pele exposta ao ar, avaliação das condições do campode jogo e provisões de água e eletrólitos. Após a competição,o uso de soluções eletrolíticas e dieta rica em cloreto de só-dio.

Kretsch et al.(21) fizeram um levantamento de todos os pro-blemas médicos que aconteceram na maratona de Melbour-ne (1980), com 5.423 participantes, cuja maioria não eramatletas de alto nível. Observaram que no treinamento as le-sões músculo-esqueléticas eram as de maior incidência (30%).Antes da competição, somente 4% dos participantes possuíamum sistema adequado de reidratação; 33% eram portadoresde problemas principalmente mioarticulares, outros apresen-tavam doenças viróticas ou gastrintestinais (41%). Estes par-ticipantes teriam suas chances diminuídas em 60% de termi-nar a corrida.

Durante a prova foram registradas queixas diversas, namaioria sem grande importância, em 92% dos participantes.Somente 6% não terminaram a maratona.

Finalmente, devemos abordar o excesso de peso, que, alémde ser extremamente prejudicial ao rendimento técnico doesportista, é também fator predisponente para as lesões mus-culares. Devemos recomendar dieta alimentar hipocalóricae, como atividades físicas para auxiliar a perda de peso, aprescrição de exercícios: natação e exercícios aeróbicos comobicicleta ergométrica, para evitar sobrecargas nas articula-ções dos membros inferiores, coluna vertebral e estruturamuscular.

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DIAGNÓSTICO

A literatura relata inúmeras tentativas na utilização de exa-mes diversificados para auxílio do diagnóstico diferencialdos diversos tipos de lesões musculares, que facilitassem aprogramação do tratamento imediato e colocassem o atletaem condições ideais de competição, o mais rápido possível.

Nas roturas totais do tendão de Aquiles, o exame clínicominucioso permite o diagnóstico. Na inspeção, observamosaumento de volume localizado causado pelo edema e hema-toma, as alterações grosseiras em relação à morfologia topo-gráfica muscular típica, uma depressão e dores à palpaçãodo tendão ao nível da rotura. A mobilização ativa em flexãoplantar é determinada pela ação do músculo plantar delgadoe às vezes confunde os menos experientes no diagnósticodiferencial da rotura completa e incompleta. O diagnóstico éconfirmado quando colocamos o paciente em postura ortos-tática com apoio do antepé do membro inferior lesado e ob-servamos a incapacidade funcional de sustentação do pesodo corpo.

As dosagens das atividades enzimáticas (transaminases,CPK, aldolase, etc.), a eletromiografia, o exame radiográfi-co e a termografia em nada favoreceram o diagnóstico dife-rencial das lesões musculares.

A radiografia será usada(1) para diagnóstico diferencial comlesões ósseas e arrancamentos das inserções tendinosas.

Giannini (1987) enfatizou a importância do exame com-plementar da ultra-sonografia no diagnóstico e na escolha dotratamento(7,12,15).

A ressonância magnética é um método de investigação degrande utilidade(1): não invasivo, confirma, localiza e avalia

a lesão muscular traumática, permitindo uma decisão segurana indicação do tratamento cirúrgico.

A ressonância magnética é o exame complementar essen-cial para caracterizar as lesões das fibras musculares e pla-nejar a indicação de intervenção cirúrgica precoce, para evi-tar sérias complicações e seqüelas mioarticulares.

TRATAMENTO

As lesões totais do tendão de Aquiles são produzidas porfatores causais intrínsecos que determinam as roturas das fi-bras musculares e o tratamento será sempre cirúrgico.

A cirurgia reparadora do músculo ou tendão deverá serrealizada obedecendo as regras básicas, que permitam umtecido cicatricial com ausência de aderências musculares nopós-operatório.

O prognóstico de retorno para as atividades de campo, apósa regeneração total, foi de oito a dez semanas. O retornoprecoce sem uma programação de reabilitação adequada pro-duzirá lesões recidivantes graves.

DESCRIÇÃO TÉCNICA

Descrição da técnica cirúrgica para reparação da lesão to-tal do tendão de Aquiles (Peres Teuffer)(32): O paciente sobanestesia geral ou peridural é colocado em decúbito ventral;fazemos a limpeza mecânica, com água e sabão, do membroinferior correspondente ao tendão de Aquiles lesionado. Emseguida, procedemos da seguinte forma: 1) instalação do tor-niquete (Zimmer 2000); 2) anti-sepsia de todo o membro in-ferior, com três banhos alternados de solução de álcool ioda-do e éter; 3) os campos cirúrgicos são tecnicamente coloca-

Fig. 1b – Lesão total – tendão de AquilesFig. 1a – Lesão total – tendão de Aquiles

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dos, deixando a descoberto o terço médio e inferior da per-na, tornozelo e pé (figs. 1a, 1b, 1c, 1d); 4) a via de acesso sefaz por uma incisão longitudinal lateral ao tendão de Aqui-les, extensão média de 6cm, tendo como limite inferior ainserção no calcâneo, interessando pele, tecido celular sub-cutâneo e bainha de tendão, evitando dissecções excessivasque causem complicações operatórias relacionadas com a nu-trição vascular da pele. O traçado da incisão em baioneta éusado em casos específicos; 5) identificação do nível da le-são completa do tendão de Aquiles; 6) eliminação do tecidodegenerado das extremidades rotas do tendão (fig. 1e); 7)

Fig. 1c – Traçado da incisão em baioneta

Fig. 1e – Lesãototal – tendão de

Aquiles –extremidades dos

cotos

Fig. 1d – Traçadoda incisão nainserção do fibularcurto

abertura da loja lateral dos músculos fibulares, com identifi-cação do fibular curto (fig. 1f). Incisão transversa de 1,5cmao nível da base do 5º metatarsiano e identificação da inser-ção do fibular curto, que é tenotomizado (fig. 1g); 8) as ex-tremidades rotas do tendão de Aquiles são aproximadas. Aber-tura da aponeurose com liberação do músculo fibular curto

Fig. 1f – Lesãototal do tendão deAquiles –individualização dofibular curto

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Fig. 1g – Trajetodo fibular curto

Fig. 1h – Sutura reparadora das extremidades dos cotos

em toda sua extensão, desde a inserção até 3cm acima doponto de lesão total do tendão de Aquiles, permitindo boamobilização e evitando uma torção; 9) o cabo distal do ten-dão de Aquiles roto é transfixado transversalmente por umapinça hemostática, 1cm acima de sua inserção no calcâneo,criando um espaço para passagem da extremidade distal dotendão do músculo fibular curto, que fará um arco de apoioem torno da lesão total do tendão, estendendo até a extremi-dade distal do coto proximal do tendão de Aquiles; 10) asutura das extremidades dos cabos proximal e distal do ten-dão de Aquiles será reforçada com a sutura do arco de refor-

Fig. 1j – Sutura do arco de reforço – individualização do plantar delgado

ço do tendão do músculo fibular curto – fio mononáilon 3zeros (figs. 1h, 1i, 1j); 11) após a retirada do torniquete, faze-mos uma hemostasia com instalação de drenagem de sucçãoa vácuo; 12) fechamento da ferida operatória em três planos,subcutâneo e bainha do tendão com categute 3 zeros e pelecom fios mononáilon 3 zeros; 13) curativo compressivo eacolchoado; 14) tala gessada (goteira) – pé em posição neu-tra (angulação de 90º em relação ao eixo da perna); 15) reti-rada do dreno de sucção após 24 horas e curativo de revisão.

Os pontos são retirados com 10-12 dias de pós-operatórioe trocamos a goteira gessada por uma bota gessada; marchacom auxílio de muletas canadenses, sem apoio do membroinferior operado. A bota gessada será retirada com 30 dias depós-operatório; iniciamos o tratamento de reabilitação fun-cional do tornozelo e pé, estruturação muscular com mano-

Fig. 1i – Arco de reforço do fibular curto

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bras passivas de contra-resistência para os flexores dorsais,plantares, inversores e eversores, massagens e mobilizaçõespassivas da médio társica e articulações interfalangianas dospododáctilos.

Numa fase mais avançada, iniciam-se exercícios aeróbi-cos com bicicleta ergométrica e corridas de ritmo moderado,intensifica-se a estruturação muscular com o uso de apare-lhos: mesa flexoextensora e legg-press.

Fazemos um planejamento de exercícios para quadríceps,músculos posteriores da coxa, estabilizadores mediais e la-terais do joelho, tríceps sural, flexores dorsais, inversores eeversores do pé, seguindo sempre a mesma rotina de acom-panhamento com a fisioterapeuta e professor de educaçãofísica.

Os aparelhos isocinéticos(20) permitem uma avaliação ereabilitação com detalhes de precisão; infelizmente, o custoelevado impede sua utilização em larga escala no nosso país.

Fig. 1l – Resultado final – 15 meses pós-operatório – T.A. esquerdo – roturabilateral.

O período de retorno às atividades normais de competiçãooscila em torno de 12 semanas (figs. 1k, 1l).

MATERIAL E MÉTODO

Período de observação: maio/1977 a maio/1992

Nº de pacientes Pacientes Pacientes

observados com lesões com lesões

esportivas musculares

Total % Total % Total %

18.095 100 10.719 59,23 2.670 24,90

No período de 15 anos, 18.095 pacientes foram cadastra-dos na clínica privada, Centro Médico Esportivo São Fran-cisco da Penitência e no Serviço Médico do Fluminense Foot-ball Club.

Observamos que 10.719 (59,23%) pacientes eram porta-dores de lesões esportivas, das quais 2.670 (24,9%) corres-pondiam a lesões musculares.

Sexo – Lesões musculares

Nº de pacientes Masculino Feminino

observados

Total % Total % Total %

2.670 100 2.136 75 534 25

Fig. 1k – Resultado final – três meses de pós-operatório – T.A. direito, rotu-ra bilateral.

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Na nossa amostragem, as lesões musculares predominamno sexo masculino (75%).

Faixa etária

12 a 17 anos 236 (8,83%)18 a 28 anos 2.241 (83,93%)acima de 28 anos 193 (7,24%)

As lesões musculares foram mais freqüentes na faixa etá-ria de 18 a 28 anos, período ativo de atletas de competição.

São mais raras na faixa etária abaixo de 18 anos, pela jo-vialidade da fibra muscular, e acima dos 28 anos, quandodiminui a intensidade da atividade esportiva competitiva.

Lesões musculares – Total de pacientes: 2.670

Tratamento conservador 2.514 (94,16%)Tratamento cirúrgico 156 (5,84%)

O tratamento conservador apresentou incidência de 94,16%dos pacientes atendidos.

O tratamento cirúrgico ficou reservado para 5,84% dos pa-cientes, o que corresponde aos índices da literatura interna-cional.

Lesões musculares 2.670Tratamento cirúrgico 156 (5,84%)

Tipo da lesão Total %

Contusões graves 42 26,92Lesões parciais 28 17,35Lesões totais 86 55,13Total geral 156 100,00

Lesões musculares 2.670Tratamento cirúrgico 156Contusões graves 42 (26,92%)

Região da lesão Total %

Coxa 35 83,34Região posterior da perna 3 7,14Região glútea 2 4,76Região anterior do antebraço 2 4,76Total geral 42 100,00

Lesões musculares 2.670Tratamento cirúrgico 156Lesões parciais 28 (17,94%)

Região da lesão Total %

Coxa 23 82,14Região posterior da perna 5 17,86Total geral 28 100,00

Lesões musculares 2.670Tratamento cirúrgico 156Lesões totais 86 (55,12%)

Região da lesão Total %

Tendão de Aquiles 66 76,74Manguito rotador 5 5,81Longa porção do bíceps 4 4,65Inserção distal do bíceps

(tuberosidade do rádio) 1 1,16Tendão quadricipital 3 3,49Tendão patelar 2 2,33Tibial anterior 2 2,33Tibial posterior 2 2,33Fibular curto 1 1,16

Total geral 86 100,00

Modalidades esportivas Nº pacientes %

Futebol 34 51,51Jogging 11 16,66Voleibol 9 13,63Basquete 7 10,6Tênis 2 3,03Squash 2 3,03Handebol 1 1,54

Total de pacientes 66 100,00

Complicações

Hematoma pós-operatório 6 casosNecrose avascular das bordas de ferida operatória 3 casosInfecção superficial 3 casos

Os hematomas pós-cirúrgicos foram drenados com boacicatrização da ferida operatória; em um caso, houve a ne-cessidade de complementação cirúrgica com enxerto livreda pele. As infecções superficiais foram tratadas com anti-bioticoterapia e não houve seqüelas.

RESULTADOS

Todos os atletas portadores de lesões que se submeteramao tratamento conservador ou cirúrgico voltaram às suas ati-vidades esportivas habituais, após um período de reabilita-ção funcional articular, força e resistência muscular.

Período médio de afastamento do treinamento após lesãomuscular foi de 8-10 semanas.

CONCLUSÃO

1) Os cuidados profiláticos das lesões musculares deve-rão ser a preocupação permanente do médico, responsávelpelo cumprimento do programa de treinamento e da manuten-

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ção do estado físico-técnico do atleta de alto nível, durantetoda a temporada.

2) Consideramos medidas profiláticas essenciais das le-sões musculares esportivas: a) o exame físico criterioso nafase preparatória de iniciação de jovens esportistas, ou noinício da temporada dos atletas consagrados; b) o estudominucioso do planejamento de condicionamento físico deum grupo de atletas, que serão divididos em subgrupos e emdeterminados momentos terão sua programação individuali-zada; c) estudo de possíveis correções osteomioarticulares;d) a pesagem antes da iniciação das atividades diárias, a ve-rificação de excessos, assim como as deficiências na recupe-ração do peso perdido, serão anotadas e as causas investi-gadas; e) a manutenção diária do campo de treinamento, evi-tando irregularidades e dureza da superfície do terreno; f) oestudo das condições climáticas: observaremos o equilíbriohidroeletrolítico, principalmente nos países de clima tropi-cal ou no verão dos países de estações bem definidas. Cha-mamos ainda a atenção para a participação de competiçõesno exterior, quando teremos, às vezes, que fazer adaptaçõespara os rigores de um clima frio, visto que o desgaste au-menta extraordinariamente, pois o tempo de alongamento eaquecimento tem que ser prolongado. A altitude exige umperíodo de adaptação ao ar rarefeito; um regime de treina-mento especializado é adotado e a musculatura do atleta rea-ge de forma diversificada e individualizada.

3) É muito importante a presença do médico especializadono local da competição, para definir a possibilidade de o atletacontinuar competindo, ou seu afastamento imediato, paraevitar que a lesão muscular se agrave, iniciando o tratamento.

4) Nos acidentes esportivos, o diagnóstico precoce corre-to e o prognóstico de tempo para voltar às atividades são aprimeira informação que deve chegar ao departamento téc-nico, para uma avaliação imediata da performance da equipee as interferências no setor econômico.

5) A evolução e aperfeiçoamento dos recursos comple-mentares e meios de diagnóstico, assim como os resultadosdas pesquisas laboratoriais que estudam os fenômenos fisiopa-tológicos, para se conhecer as alterações bioquímicas celu-lares, permitiram o aprimoramento do estudo clínico das le-sões musculares, para se chegar ao diagnóstico conclusivo etraçar seu planejamento terapêutico.

6) A utilização da ultra-sonografia e da ressonância magné-tica contribuiu para a criação de uma classificação e ava-liação segura do quadro clínico e orientação do diagnósticoe tratamento. São métodos de investigação de grande utili-dade, não invasivos; confirmam, localizam e avaliam a le-

são muscular traumática, permitindo uma decisão segura naindicação do tratamento e evitando complicações e seqüelasmioarticulares.

7) Na história clínica, é obrigatória a investigação paradefinir os fatores causais, que serão eliminados após o trata-mento do atleta, antes que sejam liberados para os treina-mentos.

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