Estudo Caso 2 - Resolução 30-1-2016 (1)

7
8/19/2019 Estudo Caso 2 - Resolução 30-1-2016 (1) http://slidepdf.com/reader/full/estudo-caso-2-resolucao-30-1-2016-1 1/7  Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução Estágio de Solicitadoria 2015/2016 | 1 Estudo de caso 2 “Casamento e Património” Admita que, na qualidade de solicitador(a), foi contactado(a) por Maria, casada no regime da comunhão de adquiridos com Miguel, no sentido de os acompanhar na resolução da seguinte situação: Maria é cientista, tendo sido convidada pelo Estado Português para integrar um projeto de investigação científica classificado como confidencial, o qual implicará a sua deslocação e permanência nos Estados Unidos pelo período consecutivo de 18 meses. Maria e o seu marido Miguel tencionavam, nos próximos meses, proceder à venda de diverso património, de modo a poderem adquirir uma vivenda sita em Cascais destinada à sua habitação própria e permanente. Considerando a sua ausência, Maria tenciona deixar instrumentos jurídicos que permitam a Miguel realizar, sem a sua intervenção pessoal, os negócios necessários àquela finalidade, e que são: 1.º A venda de uma fração autónoma sita em Loures, propriedade que Miguel adquiriu antes do casamento, e cujo preço de venda será de 120.000 €;  2.º A venda de uma casa de férias sita na Ericeira, adquirida pelo casal em 2012 e cujo preço de venda será de 210.000 €;  3.º A compra pelo casal de uma vivenda sita em Cascais pelo preço de 440.000 €, pretendendo ambos que do documento de aquisição fique a constar que, do preço pago, Miguel pagou mais 120.000 € do que Maria, valor este correspondente ao preço obtido com a venda da casa por ele adquirida, ainda em solteiro.

Transcript of Estudo Caso 2 - Resolução 30-1-2016 (1)

Page 1: Estudo Caso 2 - Resolução 30-1-2016 (1)

8/19/2019 Estudo Caso 2 - Resolução 30-1-2016 (1)

http://slidepdf.com/reader/full/estudo-caso-2-resolucao-30-1-2016-1 1/7

 Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Estágio de Solicitadoria 2015/2016 | 1

Estudo de caso 2

“Casamento e Património” 

Admita que, na qualidade de solicitador(a), foi contactado(a) por Maria, casada no

regime da comunhão de adquiridos com Miguel, no sentido de os acompanhar na

resolução da seguinte situação:

Maria é cientista, tendo sido convidada pelo Estado Português para integrar um

projeto de investigação científica classificado como confidencial, o qual implicará a sua

deslocação e permanência nos Estados Unidos pelo período consecutivo de 18 meses.

Maria e o seu marido Miguel tencionavam, nos próximos meses, proceder à venda de

diverso património, de modo a poderem adquirir uma vivenda sita em Cascais

destinada à sua habitação própria e permanente.Considerando a sua ausência, Maria tenciona deixar instrumentos jurídicos que

permitam a Miguel realizar, sem a sua intervenção pessoal, os negócios necessários

àquela finalidade, e que são:

1.º A venda de uma fração autónoma sita em Loures, propriedade que Miguel

adquiriu antes do casamento, e cujo preço de venda será de 120.000 €;  

2.º A venda de uma casa de férias sita na Ericeira, adquirida pelo casal em 2012

e cujo preço de venda será de 210.000 €; 

3.º A compra pelo casal de uma vivenda sita em Cascais pelo preço de 440.000

€, pretendendo ambos que do documento de aquisição fique a constar que, do

preço pago, Miguel pagou mais 120.000 € do que Maria, valor este

correspondente ao preço obtido com a venda da casa por ele adquirida, ainda

em solteiro.

Page 2: Estudo Caso 2 - Resolução 30-1-2016 (1)

8/19/2019 Estudo Caso 2 - Resolução 30-1-2016 (1)

http://slidepdf.com/reader/full/estudo-caso-2-resolucao-30-1-2016-1 2/7

 Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Estágio de Solicitadoria 2015/2016 | 2

4.º Pretendem também que Miguel possa, em nome de ambos, celebrar

contrato de mútuo com hipoteca a favor do Banco X sobre a casa a adquirir, no

valor de 100.000 €. 

 Analise juridicamente a situação apresentada e elabore os documentos necessários às

várias pretensões do casal.

Page 3: Estudo Caso 2 - Resolução 30-1-2016 (1)

8/19/2019 Estudo Caso 2 - Resolução 30-1-2016 (1)

http://slidepdf.com/reader/full/estudo-caso-2-resolucao-30-1-2016-1 3/7

 Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Estágio de Solicitadoria 2015/2016 | 3

Proposta de resolução:

1.ª Etapa

Resposta

Para a resolução do presente Estudo de Caso, é necessário começar por distinguir os

que bens que integram a comunhão conjugal e aqueles que são próprios de cada um

dos cônjuges, pois os instrumentos a elaborar recaem sobre bens de diferente

natureza.

Tendo em conta que Maria e Miguel são casados sob o regime da comunhão de bens

adquiridos, importa analisar o regime resultante dos artigos 1721.º a 1724.º do C.C.

Assim:

1º - A fração autónoma sita em Loures, adquirida por Miguel, antes do

casamento, é bem próprio de Miguel, nos termos do disposto no  artigo 1722.º

n.º 1, alínea a) do C.C.

2.º - A casa de férias sita na Ericeira, adquirida pelo casal, é um bem comum,

nos temos do disposto no artigo 1724.º, alínea b) do C.C.

3.º - Quanto à compra, pelo casal, de uma vivenda sita em Cascais pelo preço

de 440.000 €, pretendendo ambos que do documento de aquisição conste que,

do preço pago, Miguel pagou mais 120.000 € do que Maria, sendo este valor

resultante do preço obtido com a venda da casa por ele adquirida, ainda em

solteiro, há que ter em conta o regime resultante do disposto no artigo 1726.º,

n.º 1 do C.C.

Nos termos daquela disposição legal, os bens adquiridos em parte com dinheiro

ou bens próprios de um dos cônjuges e noutra parte com dinheiro ou bens

comuns revestem a natureza da mais valiosa das duas prestações.

Page 4: Estudo Caso 2 - Resolução 30-1-2016 (1)

8/19/2019 Estudo Caso 2 - Resolução 30-1-2016 (1)

http://slidepdf.com/reader/full/estudo-caso-2-resolucao-30-1-2016-1 4/7

 Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Estágio de Solicitadoria 2015/2016 | 4

Ora, sendo o valor do imóvel a adquirir correspondente a 440.000 €, dos quais

120.000 € resultam do produto da venda do bem próprio do Miguel, o

remanescente é de 320.000 €. Sendo esta última verba a mais valiosa das duas

prestações, o bem reveste a natureza de bem comum.

No entanto, existindo dissolução da comunhão conjugal, por divórcio ou por

sucessão, o cônjuge terá sempre direito à compensação, nos termos do

disposto no n.º 2 do artigo 1726.º do CC.

Em suma, no regime da comunhão de adquiridos, a regra é a de que os bens

adquiridos a título oneroso após a data da celebração do casamento revestem

a natureza de bens comuns, e os bens adquiridos antes do casamento ou após

o mesmo que tenham sido adquiridos a título não oneroso (por doação ou

sucessão), revestem a natureza de bens próprios de cada um dos cônjuges.

Porém, este regime comporta as situações especiais resultantes do disposto

nos artigos 1723.º e 1726.º e ss. do C.C.

2.ª Etapa

Após análise e determinação da natureza dos bens referidos no Estudo de Caso,

importa agora identificar os instrumentos jurídicos a elaborar para cada uma das

situações mencionadas.

Assim:

Quanto à pretensão referida no 1.º ponto:

Resulta do disposto no artigo 1684.º n.º 1 alínea a) do C.C., que carece do

consentimento de ambos os cônjuges, salvo se entre eles vigorar o regime de

separação de bens, a alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros

direitos pessoais de gozo sobre imóveis próprios ou comuns.

Page 5: Estudo Caso 2 - Resolução 30-1-2016 (1)

8/19/2019 Estudo Caso 2 - Resolução 30-1-2016 (1)

http://slidepdf.com/reader/full/estudo-caso-2-resolucao-30-1-2016-1 5/7

 Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Estágio de Solicitadoria 2015/2016 | 5

Pretendendo Miguel alienar o seu bem próprio sito em Loures e encontrando-se Maria

ausente, esta tem de prestar consentimento conjugal a Miguel, para que este possa

celebrar a venda do seu bem próprio, nos termos do disposto no artigo 1682.º-A, n.º 1

alínea a), do C. C.

Quanto à forma através da qual tal consentimento deve ser prestado, resulta do

disposto no artigo 117.º do Código de Notariado (C.N.) que são aplicáveis à forma do

consentimento conjugal as regras estabelecidas para as procurações.

A forma exigida para as procurações resulta do regime constante do artigo 116.º do

C.N., o qual determina que as procurações que exijam intervenção notarial podem ser

lavradas por instrumento público, por documento escrito e assinado pelo

representado com reconhecimento presencial da letra e assinatura ou por documento

autenticado.

Assim, para formalizar o consentimento conjugal, Maria tem três opções:

- Instrumento público1;

- Documento autenticado; e

- Reconhecimento presencial de letra e assinatura.Atendendo à intervenção do solicitador na elaboração deste documento, e

considerando que o consentimento conjugal reveste a mesma forma exigida para a

procuração, o instrumento jurídico seria um de dois:

- um escrito elaborado pelo próprio punho de Maria, com o reconhecimento da

sua letra e assinatura;

- elaboração de termo de autenticação do documento particular apresentado

(opção escolhida para a minuta).

1 Apenas o notário poderá elaborar uma procuração por instrumento público

Page 6: Estudo Caso 2 - Resolução 30-1-2016 (1)

8/19/2019 Estudo Caso 2 - Resolução 30-1-2016 (1)

http://slidepdf.com/reader/full/estudo-caso-2-resolucao-30-1-2016-1 6/7

 Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Estágio de Solicitadoria 2015/2016 | 6

3.ª Etapa 

Quanto à pretensão referida no 2.º ponto:

Nos termos do disposto no artigo 1682.º-A, n.º 1 alínea a) do C.C., carece do

consentimento de ambos os cônjuges, salvo se entre eles vigorar o regime da

separação de bens, a alienação de imóveis próprios ou comuns. Logo, para que Miguel

possa vender o imóvel sito na Ericeira que é bem comum do casal, sem a presença de

Maria, é necessário que esta preste o seu consentimento.

O instrumento jurídico a elaborar será, nos termos do disposto no artigo 116.º do C.N.,

uma procuração.

4.ª Etapa

Quanto à pretensão referida no 3.º ponto:

Miguel e Maria pretendem adquirir um imóvel sito em Cascais.

Porém, esta aquisição será feita com parte de dinheiro que proveio do produto da

venda de imóvel próprio de Miguel, facto que pretendem fazer constar no titulo de

aquisição.

Ora, não estando Maria presente na data da celebração do contrato de compra e

venda, deve a mesma subscrever declaração onde confirme e concorde que, do preço

pago por tal aquisição, parte dele corresponde a capitais próprios do cônjuge marido.

Quanto à pretensão referida no 4.º ponto:

Miguel e Maria pretendem ainda celebrar com o Banco X um contrato de mútuo no

valor de 100.000 €, constituindo como garantia desse empréstimo hipoteca sobre o

imóvel a adquirir em Cascais.

Page 7: Estudo Caso 2 - Resolução 30-1-2016 (1)

8/19/2019 Estudo Caso 2 - Resolução 30-1-2016 (1)

http://slidepdf.com/reader/full/estudo-caso-2-resolucao-30-1-2016-1 7/7

 Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Estágio de Solicitadoria 2015/2016 | 7

Nos termos do disposto no artigo 1682.º-A, n.º 1, alínea a), do C.C., para a

formalização deste ato que é necessário o consentimento de ambos os cônjuges.

É certo que para a aquisição de bens, Miguel não necessita de procuração com

poderes para comprar. No entanto, uma vez que Miguel vai outorgar documento

particular autenticado de compra e venda com mútuo e hipoteca, Maria tem de

prestar o seu consentimento para a constituição da hipoteca e ser representada no

mútuo contratado.

O instrumento necessário para estes efeitos é a subscrição de uma procuração na qual

Maria confere a Miguel os poderes necessários para:

- (Comprar2 e) declarar que parte do preço, no montante de 120.000 € provém

de capitais próprios do cônjuge marido, nos exatos termos que pretendem;

- Poderes para a representar no empréstimo a contratar com o banco X no

valor de 100.000 €;

- Dar de hipoteca o imóvel adquirido.

2  Inclui-se nesta solução os poderes para comprar (apenas) por questões de ordem prática recorrente

(banca), pois assim se evitam eventuais dúvidas quanto aos atos e quanto ao negócio que Miguel vaicelebrar por si, e em representação de sua mulher Maria.