Estrutura e desenvolvimento de comunidades (1)

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Estrutura das comunidades O estudo das comunidades engloba um nível de organização acima das populações e organismos. Porém, existe muita discussão acerca da definição de uma comunidade ecológica, e sua delimitação. Historicamente, essa discussão se iniciou no começo do século XX, com idéias conflitantes defendidas pelo ecólogo vegetal Frederic Clements e pelo botânico Henry Gleason. Clements encarava a comunidade como uma entidade discreta, com fronteiras reconhecíveis e uma organização de espécies singular, em que as interações entre espécies determinam a estrutura e funcionamento da comunidade. A visão de Clements passa pela idéia de que as espécies estão conectadas como parte de um organismo, de maneira que a comunidade seria um superorganismo. Por outro lado, Gleason defendia uma visão individualista da comunidade, em que a assembléia de espécies era determinada apenas pelas tolerâncias de cada espécie ao ambiente físico. Nesse sentido, para Gleason a comunidade não era uma unidade distinta e discreta, e sim uma associação fortuita de espécies cujas adaptações e requisitos as capacitam para viver juntas. Atualmente, uma comunidade biológica pode ser definida como um conjunto de populações de espécies e interações, sendo que estas governam a estrutura e funcionamento da comunidade. Tanto a tolerância das espécies ás condições ambientais, quanto as interações entre espécies e a capacidade de dispersão de cada espécie são responsáveis pela montagem da assembléia na comunidade. Porém, com relação a discussão da delimitação da comunidade biológica, atualmente a idéia individualista é mais aceita. Isso porque os trabalhos de Whittaker, analisando os padrões de distribuição das espécies ao longo de gradientes de condições ambientais, demonstraram que há sobreposição na distribuição das espécies. Essa sobreposição está de acordo com a idéia de uma comunidade aberta, em que não há fronteiras definidas e sim um continuum de condições; bem diferente da idéia de uma fronteira abrupta e bem demarcada entre dois habitats (um ecotono), de maneira que não haja nenhuma sobreposição entre as espécies que ocorrem entre

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Estrutura das comunidades

O estudo das comunidades engloba um nível de organização acima das populações e organismos. Porém, existe muita discussão acerca da definição de uma comunidade ecológica, e sua delimitação. Historicamente, essa discussão se iniciou no começo do século XX, com idéias conflitantes defendidas pelo ecólogo vegetal Frederic Clements e pelo botânico Henry Gleason. Clements encarava a comunidade como uma entidade discreta, com fronteiras reconhecíveis e uma organização de espécies singular, em que as interações entre espécies determinam a estrutura e funcionamento da comunidade. A visão de Clements passa pela idéia de que as espécies estão conectadas como parte de um organismo, de maneira que a comunidade seria um superorganismo. Por outro lado, Gleason defendia uma visão individualista da comunidade, em que a assembléia de espécies era determinada apenas pelas tolerâncias de cada espécie ao ambiente físico. Nesse sentido, para Gleason a comunidade não era uma unidade distinta e discreta, e sim uma associação fortuita de espécies cujas adaptações e requisitos as capacitam para viver juntas.

Atualmente, uma comunidade biológica pode ser definida como um conjunto de populações de espécies e interações, sendo que estas governam a estrutura e funcionamento da comunidade. Tanto a tolerância das espécies ás condições ambientais, quanto as interações entre espécies e a capacidade de dispersão de cada espécie são responsáveis pela montagem da assembléia na comunidade. Porém, com relação a discussão da delimitação da comunidade biológica, atualmente a idéia individualista é mais aceita. Isso porque os trabalhos de Whittaker, analisando os padrões de distribuição das espécies ao longo de gradientes de condições ambientais, demonstraram que há sobreposição na distribuição das espécies. Essa sobreposição está de acordo com a idéia de uma comunidade aberta, em que não há fronteiras definidas e sim um continuum de condições; bem diferente da idéia de uma fronteira abrupta e bem demarcada entre dois habitats (um ecotono), de maneira que não haja nenhuma sobreposição entre as espécies que ocorrem entre as áreas. Apesar dessa discussão ser válida, no fim das contas a comunidade é um nível de organização (independente de ser aberta ou fechada), e os estudos estão preocupados em entender a estrutura e o desenvolvimento das assembléias de espécies em um ponto no espaço e no tempo. Dessa maneira, essa questão de delimitação se torna arbitrária, de acordo com a pergunta e a escala escolhida para o estudo.

Antes de discutir o funcionamento e o desenvolvimento da comunidade é importante descrever sua estrutura. Entre os parâmetros que definem a estrutura da comunidade estão riqueza, diversidade, composição de espécies, abundância e biomassa das espécies. A riqueza é a medida mais simples da comunidade, e nada mais é do que o número de espécies diferentes do táxon estudado ou da área em questão que foi delimitada arbitrariamente. Valores de riqueza podem ser comparados entre diferentes comunidades, porém para tal é necessário que ambas as comunidades sejam igualmente amostradas (mesmos métodos, mesmo esforço e mesmo tempo), uma vez que o número de espécies amostrado está diretamente relacionado com o número de amostras e o volume de habitat avaliado. De fato, uma

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propriedade das comunidades é que geralmente elas são formadas por muitas espécies raras e poucas espécies comuns, dominantes. Sendo assim, quanto maior o esforço amostral empregado, maior a chance de coletar as espécies raras também, enquanto que estudos com pequeno esforço amostral coletam apenas as espécies comuns. Curvas de suficiência amostral ou curvas de rarefação são métodos utilizados para avaliar quando o número de espécies amostradas atinge o platô, demonstrando que houve amostragens suficientes para representar a assembléia de espécies presentes.

Obviamente há uma variação na quantidade de espécies comuns e de espécies raras entre as comunidades. Os valores de abundância das espécies combinados a riqueza de espécies em uma comunidade refletem a diversidade da mesma. Uma comunidade com 10 espécies que contribuem igualmente em termos de abundância é mais diversa que uma comunidade com 10 espécies sendo que apenas uma espécie contribui com mais de 70% da abundância total. Essa diferença na contribuição das espécies em termos de abundância é denominada equitabilidade; sendo assim a comunidade 1 possui maior equitabilidade que a comunidade 2. A diversidade leva em conta ambas as medidas (riqueza e equitabilidade). Por último, a estrutura das comunidades pode ser avaliada em termos da composição e identidade das espécies presentes. Duas comunidades podem conter diversidade semelhante, porém a identidade das espécies presentes em cada pode ser completamente diferente. A composição de espécies pode ser comparada entre comunidades através de índices de similaridade (que levam em conta tanto presença e ausência quanto abundância das espécies) e análises de classificação (agrupamento de comunidades através de suas semelhanças, produzindo grupos discretos).

A estrutura das comunidades é diretamente afetada pelas interações entre as espécies que compõem a comunidade e pelos efeitos de determinadas espécies nas condições físicas do local estudado. Interações competitivas organizam a comunidade ao determinar padrões de coexistência das espécies. De acordo com o principio da exclusão competitiva, espécies que competem pelo mesmo recurso limitante não podem coexistir, de maneira que a competição age reduzindo a riqueza da comunidade. O efeito da competição na estruturação da comunidade pode ser refletido através de resultados que demonstram 1) diferenciação de nicho entre espécies que exploram o recurso da mesma maneira 2) complementariedade de nicho (diferenciação de nicho envolvendo várias dimensões), 3) diferenciação morfológica entre espécies da mesma guilda (especialmente diferenciação em tamanho do corpo e de estruturas alimentares), e 4) distribuição negativamente associada. Esses padrões que são usados para apoiar o efeito estruturador da competição também podem ser decorrentes de explicações alternativas, como a simples diferenciação de nicho ao acaso (as espécies são diferentes porque evoluíram como especialistas independentemente). É importante ressaltar que o papel da competição e sua força como agente organizador varia de comunidade para comunidade. Por exemplo, comunidades que estão sujeitas a perturbações repetidas sofrem menos efeito da competição, dado que a perturbação funciona como um mecanismo que impede que a competição remova espécies do sistema, enquanto que em comunidades mais homogêneas e estáveis, o efeito da competição parece ser mais forte. A predação e o parasitismo também agem como forças organizadoras da comunidade, geralmente promovendo a coexistência de espécies através de um mecanismo denominado coexistência mediada por exploração. A presença de predadores impede a exclusão competitiva através da redução na densidade das espécies dominantes. Os efeitos do parasitismo são similares, uma vez que os parasitas também reduzem a

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densidade de determinados hospedeiros, permitindo assim a coexistência das espécies. Além de predação, parasitismo e competição, interações positivas entre espécies também podem estruturar e determinar a composição de espécies das comunidades. Nesse caso, determinadas espécies podem ter efeitos facilitadores ou podem funcionar como engenheiros do ecossistema (sensu Jones et al. 1994, 1997). Engenheiros do ecossistema são aquelas espécies que modificam o habitat, muitas vezes criando maior heterogeneidade ambiental ou aumentando a quantidade de nutrientes através de suas ações, e assim promovendo maior riqueza de espécies na comunidade. É importante ressaltar que cada comunidade não é estruturada por um único mecanismo biológico, e sim por um balanço entre as várias interações. Além disso, a importância de cada interação geralmente varia de acordo com as características da comunidade, como freqüência de perturbações e severidade das condições abióticas.

Sucessão ecologica

A ocorrência das diferentes espécies em uma comunidade depende de sua capacidade de dispersão e colonização, interações com outras espécies e a presença de condições adequadas para seu funcionamento. Porém, tais fatores podem variar tanto no espaço (veja discussão sobre análise de gradientes e abundância de espécies) quanto no tempo, de maneira que deve haver uma sequência temporal de aparecimento e desaparecimento de espécies na comunidade, que pode ser iniciada após uma perturbação. Dessa maneira, perturbações ambientais (como surgimento de clareiras, tornados, aparecimento de ilhas após explosões vulcânicas e etc) podem ser consideradas eventos que removem organismos e permitem o desenvolvimento de uma nova assembléia de espécies. Nesse aspecto, as comunidades podem ser agrupadas em dois extremos de um contínuo: 1) comunidades onde a maioria das espécies possuem habilidades competitivas e de colonização semelhantes, de forma que a sequência de substituição e a composição final de espécies é uma loteria, determinada pelas espécies que chegam, por acaso, primeiro ao espaço livre (chamadas de comunidades controladas por fundadores), e 2) comunidades onde determinadas espécies são competidores dominantes, de maneira que há uma sequencia previsível de substituição e de composição final de espécies (comunidades controladas por dominantes). Esse último caso também pode ser chamado de sucessão ecológica, que pode ser definida como o padrão de colonização e extinção direcional e contínuo de espécies em um local. A sucessão ecológica pode ser dividida em dois grupos também: sucessão primária, quando a sequencia de substituição de espécies ocorre em uma área que não é influenciada por comunidades anteriores, e sucessão secundária, quando ainda encontramos vestígios de espécies que viveram na área antes. Exemplos de locais onde ocorre sucessão primária são ilhas formadas após erupções vulcânicas, crateras expostas pelo impacto de meteoros. Por outro lado, a sucessão secundária ocorre quando há formação de clareiras em florestas, mas ainda há presença de banco de sementes no solo. A sucessão primária leva muito mais tempo para chegar ao final do que a secundária, e muitas vezes em uma escala que os pesquisadores não conseguem capturar (sucessão após os eventos de glaciação no passado ainda estão seguindo seu curso e não chegaram ao final).

Diversos processos biológicos parecem ser responsáveis pelos padrões previsíveis de substituição de espécies que vemos na natureza. Esses padrões geralmente mostram que espécies iniciais e finais da sucessão possuem características distintas, que determinam o momento de sua entrada e estabelecimento na comunidade. Espécies iniciais geralmente são boas colonizadoras e possuem alta

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fecundidade e taxa de crescimento rápida em condições ideais (seleção r), enquanto espécies finais geralmente apresentam baixa capacidade de colonização, porém são competidoras dominantes devido a sua capacidade de crescer e reproduzir mesmo em condições de escassez de recursos (seleção k). Baseado nesse padrão de sequencia temporal, um mecanismo de balanço entre competição e colonização foi proposto. De acordo com essa hipótese, determinadas espécies se estabelecem primeiro porque possuem maior capacidade de colonização e maior taxa de crescimento em condições de alta disponibilidade de recursos. Porém, posteriormente essas espécies são removidas por espécies k selecionadas, através do mecanismo de competição. Apesar da ubiqüidade do mecanismo de balanço entre competição-colonização, já foi demonstrado que em algumas comunidades as espécies iniciais são capazes de alterar o ambiente (através do aumento de nitrogênio ou outros nutrientes), favorecendo o estabelecimento de outras espécies. Esse mecanismo de facilitação parece ocorrer conjuntamente com mecanismos de competição-colonização, porém o primeiro parece ter maior importância em ambientes onde há stress abiótico muito forte. Por último, Connell & Slatyer (1977) propuseram que três mecanismos podem ser responsáveis pelos padrões de sucessão: 1) facilitação (espécies pioneiras modificam o ambiente permitindo o estabelecimento de outras espécies), 2) inibição (qualquer espécie pode se estabelecer e a que consegue inibe o estabelecimento de outras até um evento de perturbação) e 3) tolerância (o estabelecimento de cada espécie independe das outras, é dado apenas por atributos de histórias de vida de cada espécie). Esses atributos lembram um pouco a dicotomia de seleção r e seleção k, sugerindo que espécies iniciais possuem atributos da seleção r e espécies finais atributos da seleção k.

Existe muita discussão sobre se a sucessão atinge um final, que pode ser também chamado de clímax. Historicamente, o conceito de clímax vem sendo discutido desde a época de Clements, que sugeriu que em um único clímax deve dominar uma determinada região climática, de maneira que todas as comunidades nessa área convergem para o mesmo padrão final de composição de espécies (monoclimax). Em oposição, o botânico Tansley propôs o conceito de policlimax em 1939, ou seja, diferentes clímaxes podem ocorrer na mesma região climática, sendo que o climax local é governado por fatores como clima, solo, topografia, fogo e etc. Por fim, Whittaker em 1953 sugere que deve haver uma continuidade de tipos climaxicos que não são discretos, variando de acordo com o gradiente ambiental. Esse conceito é chamado de clímax padrão. De fato, é muito complicado estabelecer o clímax em uma comunidade. Em geral, estabelecemos que uma comunidade climaxica estável é aquela em que a taxa de substituição de espécies diminui muito, sendo quase imperceptível ao olho humano. O problema é que na natureza as comunidades climaxicas demoram muito para se estabelecer, ou a sucessão é comumente interrompida por perturbações no ambiente. Essas perturbações podem ser encaradas como um mecanismo de “reset” da sucessão, de maneira que a mesma demora mais para se completar ou nunca atinge o clímax. Dessa maneira, a sucessão é dinâmica tanto no espaço quanto no tempo, de forma que a observação em uma determinada escala pode nos permitir enxergar várias manchas em diferentes estágios de sucessão (mosaico sucessional). As perturbações não sincronizadas e repetidas podem gerar maior riqueza na comunidade, já que a quantidade de espécies aumenta no início da sucessão, atinge um máximo e depois é reduzida devido a exclusão competitiva (hipótese da perturbação intermediaria). Além da frequencia da formação das clareiras, o tamanho e forma das clareiras também são importantes na determinação da dinâmica das comunidades.