ESTRATÉGIA E FINANÇAS CORPORATIVAS: UM TESTE...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO MESTRADO PROFISSIONAL EM ADMINISTRAÇÃO MICHEL ALFREDO ABRAS ESTRATÉGIA E FINANÇAS CORPORATIVAS: UM TESTE EMPÍRICO SOBRE ELOS DE LIGAÇÃO ORIENTADOR: Prof. Dr. Luiz Alberto Bertucci BELO HORIZONTE 2002

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    PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

    MESTRADO PROFISSIONAL EM ADMINISTRAÇÃO

    MICHEL ALFREDO ABRAS

    ESTRATÉGIA E FINANÇAS CORPORATIVAS: UM TESTE EMPÍRICO SOBRE ELOS DE LIGAÇÃO

    ORIENTADOR: Prof. Dr. Luiz Alberto Bertucci

    BELO HORIZONTE

    2002

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    PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

    MESTRADO PROFISSIONAL EM ADMINISTRAÇÃO

    MICHEL ALFREDO ABRAS

    ESTRATÉGIA E FINANÇAS CORPORATIVAS: UM TESTE EMPÍRICO SOBRE ELOS DE LIGAÇÃO

    Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Administração da PUC-Minas, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Administração.

    ORIENTADOR: Prof. Dr. Luiz Alberto Bertucci

    BELO HORIZONTE

    2002

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    Dissertação defendida e aprovada, em 19 de dezembro de 2002, pela banca

    examinadora constituída pelos professores:

    _______________________________________________

    Prof. Dr. Luiz Alberto Bertucci - Orientador

    _______________________________________________

    Prof. Dr. Francisco Vidal Barbosa

    _______________________________________________

    Prof. Dr. Paulo Tarso Vilela Resende

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    À Rosa, Letícia e Ana Luísa

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    AGRADECIMENTOS Meus agradecimentos ao Prof. Dr. Luiz Alberto Bertucci, meu orientador, pela

    dedicação técnica ao trabalho, incentivo e motivação ao vasto e, talvez, pretensioso

    caminho por mim escolhido.

    Meus agradecimentos à Economista Ana Luísa Gouvêa Abras, minha filha,

    mestranda em Economia pela USP, pelo suporte técnico ao tratamento estatístico

    dos dados da pesquisa

    Meus agradecimentos a todos os professores e colegas de turma, que, através de

    nossas intensas discussões e digressões, contribuíram para a realização deste

    estudo.

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    RESUMO

    Este estudo buscou verificar o relacionamento entre ambiência de mercado,

    estratégia e finanças quanto à influência que exercem conjuntamente na

    performance de empresas brasileiras, de modo a aferir se por conta disto pode-se

    inferir que modelos comuns de gestão se estabelecem no interior de determinados

    setores da economia brasileira, a saber: têxtil, petroquímico, comércio, papel e

    celulose, telecomunicações e siderúrgico. Ainda dentro deste objetivo maior, buscou-

    se levantar a existência de nexos causais individuais entre cada uma daquelas três

    dimensões e a performance de empresas e dos setores apontados. O pressuposto

    básico era de que as variáveis proxies relativas a cada uma das dimensões

    analisadas apresentam elos de ligação entre si, os quais são passíveis de ser

    identificados e testados por meio de ferramentas estatísticas. Os resultados obtidos

    apresentaram evidências estatísticas da existência de tais elos, delineando e

    confirmando a ocorrência de padrões na condução geral dos negócios, ou seja, que

    modelos de gestão parecem se estabelecer de acordo com as especificidades de

    cada setor. Assim é que, quando consideradas em conjunto, as variáveis relativas ao

    ambiente, à estratégia e à estrutura de capital revelaram força explicativa da

    performance das empresas. Entretanto, observou-se o fato perturbador de que os

    testes de Granger não confirmaram haver relação causal entre cada uma das

    variáveis tomadas isoladamente e a performance. De fato, a consideração conjunta

    destes dois resultados implica na necessidade de ampliação do escopo deste

    estudo, talvez com a consideração de novas variáveis proxies das dimensões

    levantadas.

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    ABSTRACT

    The aim of this work is to present a model of articulation between brazilian business

    environment, strategy and capital structure of the firm in order to verify whether

    commom models of management can be found in brazilian firms. The model was

    specified considering the textile, oil-producing, trade, paper and cellulose,

    telecommunications and steelworks sectors of the economy. In that context, we

    looked for causality relations between three dimensions of the "firm- environment",

    "strategy" and "structure of capital"- and its performance. We admitted that the

    variables related to each dimension analysed have mutual links that can be

    statistically tested.We have seeked formal statistical models that could explain a

    social science fenomena - the firm - instead of using a pure descriptive analysis that

    is usual in this area of research. The empirical results were in favour of the existence

    of this links - we cannot reject their models of management, considering the mains

    features of each sector of the economy. The proxies variables for "enviroment",

    “strategy" and "structure of capital" were highly correlated with the "performance of

    the firm" but we were not able to find evidence of strong relation between them or

    either confirm all the directions of causality expected in theory.

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    SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 13 2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ................................................................................... 15 2.1 Definição do problema .................................................................................................. 16 2.2 Objetivos ........................................................................................................................ 19 2.3 Justificativa .................................................................................................................... 20 2.4 Hipóteses ....................................................................................................................... 21 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ....................................................................................... 22 3.1 Aspectos iniciais ........................................................................................................... 23 3.2 O foco da estratégia ...................................................................................................... 28 3.3 O foco das finanças ....................................................................................................... 39 3.4 As pesquisas empíricas ................................................................................................ 46 4 METODOLOGIA .............................................................................................................. 55 4.1 Aspectos gerais ............................................................................................................ 56 4.2 Métodos e objetivos ...................................................................................................... 57 4.3 Processo de modelagem ............................................................................................... 59 4.4 Variáveis da pesquisa .................................................................................................. 62 4.5 Métodos estatísticos ...................................................................................................... 65 4.5.1 Motivações descritivas – regressões lineares múltiplas ............................................ 66 4.5.2 Motivações exploratórias - teste de causalidade de Granger ................................... 69 4.6 Unidade de análise ........................................................................................................ 72 4.7 Amostra ......................................................................................................................... 72 5 RESULTADOS ................................................................................................................. 75 5.1 Aspectos iniciais ............................................................................................................ 76 5.2 Testes preliminares ....................................................................................................... 77 5.3 Análise descritiva .......................................................................................................... 83 5.4 Análise exploratória ....................................................................................................... 94 5.5 Comentários .................................................................................................................. 99 6 CONCLUSÕES ............................................................................................................... 102 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 107

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    LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 - Primeiro esboço do trabalho ............................................................................ 60

    FIGURA 2 - Esboço do modelo qualitativo .......................................................................... 61

    FIGURA 3 - Variáveis explicativas da variável performance (repetida na p. 84) ................ 62

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    LISTA DE QUADROS QUADRO 1 - Diagrama de métodos e tipos de pesquisa ................................................... 57 QUADRO 2 - Empresas por setores amostrados ................................................................ 73 QUADRO 3 - Participação % dos setores amostrados no faturamento total de setor e das 500 maiores empresas ........................................................................... 74

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    LISTA DE TABELAS TABELA 1 - Modelo de regressão do setor têxtil ................................................................. 79 TABELA 2 - Modelo de regressão do setor petroquímico ................................................... 79 TABELA 3 - Modelo de regressão do setor de comércio .................................................... 80 TABELA 4 - Modelo de regressão do setor de telecomunicações ...................................... 80 TABELA 5 - Modelo de regressão do setor de papel e celulose ......................................... 80 TABELA 6 - Modelo de regressão do setor siderúrgico ...................................................... 80 TABELA 7 - Teste de raiz unitária para os modelos de regressão ..................................... 82 TABELA 8 - Modelo de regressão restrito para o setor têxtil .............................................. 85 TABELA 9 - Modelo de regressão restrito para o setor petroquímico ................................ 87 TABELA 10 - Modelo de regressão restrito para o setor de comércio ................................ 88 TABELA 11 - Modelo de regressão restrito para o setor de telecomunicações ................. 89 TABELA 12 - Modelo de regressão restrito para o setor de papel e celulose .................... 90 TABELA 13 - Modelo de regressão restrito para o setor siderúrgico .................................. 91 TABELA 14 - Resultados do teste de causalidade de Granger ......................................... 95 TABELA 15 - Os p-values da regressão, análise descritiva, e os p-values de Granger ....................................................................................................100

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    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADF Augment Dickey-Fuller

    ALAV Alavancagem

    CAPM Capital Asset Pricing Model

    CPV Custo de Produtos Vendidos

    DCP Dívidas de Curto Prazo

    DEPREC Depreciação

    DLP Dívidas de Longo Prazo

    DW Durbin-Watson

    JB Jarque-Bera

    LAJIRDA Lucros antes dos Juros do Imposto de Renda, da Depreciação e Amortização

    LBO Leverage by out

    PL Patrimônio Líquido

    VPL Valor Presente Líquido

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    1 INTRODUÇÃO

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    O objetivo desta pesquisa é estudar a articulação entre estratégia e finanças

    corporativas, no ambiente brasileiro de negócios. Para tanto, serão mapeadas na

    literatura técnica existente as variáveis que permitam mensurar a turbulência e o

    crescimento desse ambiente de negócios, a estratégia e a estrutura de capital da

    firma, avaliando o impacto conjunto dessas dimensões sobre a performance das

    organizações.

    A importância deste estudo está ligada, pelo lado prático, às suposições, levantadas

    nas constantes afirmações do empresariado nacional, de que a turbulência do

    ambiente de negócios brasileiro é prejudicial às suas organizações. Essas

    afirmações, quase sempre, procuram mostrar ao governo e alertá-lo sobre as

    precárias condições operacionais que esse ambiente de negócios apresenta. A

    ausência de regras claras e estáveis promovidas pelo governo, aliada às constantes

    modificações das políticas macroeconômicas, são exemplos sempre citados da falta

    de parâmetros operacionais que orientem o ambiente de negócios do País. Acresce

    isto o fato da concentração única nas questões monetárias de sua economia.

    Inexistem, por exemplo, iniciativas claras, consistentes e contínuas em prol de uma

    política industrial para o País, e a última data dos planos econômicos tomando como

    base a substituição de importações do final dos anos 80. Os pontos aqui abordados,

    e outros nessa mesma direção, estão apresentados nas críticas que se transformam

    em lugares comuns na imprensa brasileira, e que motivam o lado prático deste

    estudo.

    Pelo lado teórico, além da atualidade do tema nos campos da estratégia e das

    finanças corporativas, principalmente no que tange às questões relativas à

    articulação entre o ambiente, a estratégia, as estruturas de financiamento e a

    performance das organizações, a importância do estudo se dá pela quase ausência

    deste tipo de estudo no País. Acredita-se, portanto, que o estudo dessas questões

    aplicadas sobre os dados empíricos das organizações do Brasil, poderá trazer

    algumas contribuições para seu melhor entendimento e compreensão no País. Além

    disso, avaliar a direção e a amplitude dessa turbulência e desse crescimento, bem

    como seu real impacto sobre as atividades empresariais, é de uma conseqüência

    prática importante para o melhor esclarecimento das práticas de gestão empresarial.

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    2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

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    2.1 Definição do problema

    A avaliação conjunta da influência das três dimensões − ambiente, estratégia e

    finanças corporativas −, com vistas a explicar comportamentos e a avaliar resultados

    empresariais, embora gradativamente ocupe espaço cada vez maior na literatura

    estrangeira, é nova no Brasil. Em termos práticos, a motivação desta pesquisa é

    comprovar que a turbulência e o crescimento do ambiente em que as empresas

    atuam exercem influência definitiva sobre estratégias e estruturas de financiamento

    estabelecidas visando ao sucesso dessas organizações.

    Em termos mais estritos, a dimensão de finanças é assimilada pela consideração da

    estrutura de financiamento das empresas, ao passo que a estratégia é abordada via

    aspectos que se atenham a posicionamentos de custos para as organizações. Por

    último, a análise da dimensão do ambiente de negócios no qual a empresa se insere

    se dá a partir de sua decomposição nas variáveis de turbulência e de crescimento.

    Enfim, essa avaliação do impacto conjunto do ambiente, da estratégia e das

    finanças sobre performances corporativas busca levantar características inerentes a

    diferentes setores da economia nacional quanto a modelos de gestão.

    Uma limitação que se enfrenta no campo do conhecimento teórico é ver, de forma

    bastante ampla, as questões de estratégia e de finanças serem tratadas como

    disciplinas separadas. Quando muito, categorias de análise financeira, como retorno

    sobre capital, são usadas como parâmetros para avaliação de desenhos

    estratégicos formulados. Especificamente sob a perspectiva da estratégia, as teorias

    desse campo de conhecimento não consideram as questões financeiras relevantes o

    suficiente para incluí-las em seu processo de formulação, focando aspectos de

    posicionamento no mercado ou de criação de recursos únicos e exclusivos que

    gerem valor para a empresa.

    Nesse sentido, uma classificação possível das teorias sobre estratégia empresarial é

    dada por Vasconcelos e Cyrino (2000, p. 15), que distinguem dois corpos teóricos

    distintos, a saber: "...teorias que consideram a vantagem competitiva como um

    atributo de posicionamento... derivado da estrutura da indústria ... ", e "...as que

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    consideram a performance superior como um fenômeno decorrente primariamente

    de características internas da organização". Complementarmente, características

    internas da organização têm a ver com o equilíbrio entre demandas dos diferentes

    stakeholders envolvidos com a firma, conforme modelo de racionalidade restrita

    proposto por Simon (1958), em que a busca de otimização da organização como um

    todo se dá à custa de subotimizar parcelas específicas desta.

    Especificamente quanto à segunda corrente teórica citada acima, denominada teoria

    de recursos, constata-se que estudos como os de Wernerfelt (1984) representam um

    padrão de análise em que o capital financeiro, embora reverenciado como

    importante, é abordado de maneira ligeira e superficial. De qualquer forma, uma

    exceção interessante a tal comportamento está presente em Teece, Pisano e Shuen

    (1997), que afirmam que o fluxo de caixa e o grau de endividamento das

    organizações exercem influência marcante sobre os seus investimentos, revestindo-

    se, portanto, de características estratégicas importantes. Nesse aspecto, estratégias

    e finanças, segundo os autores, caminham juntas.

    Por outro lado, a moderna teoria de finanças se alicerça sobre as teorias de portfólio

    de Markowitz, o modelo Capital Asset Pricing Model – CAPM - de Sharpe, Lintner e

    Mossim, as hipóteses de eficiência dos mercados de Fama e French, bem como o

    teorema de Modigliani e Miller acerca da irrelevância de estruturas de capital das

    empresas. Para Miller (1999), o ponto comum a todos eles é o da busca de modelos

    delineados em termos basicamente quantitativos, em que os decisores buscam

    otimizar funções-objetivo precisas, definidas em torno de variáveis como custo de

    capital, retorno de ativos e de geração de valor para o acionista.

    Entretanto, em que pese a importância conferida a modelos que se apegam ao

    paradigma da racionalidade perfeita, justificando atitudes de teóricos da área de

    organizações em desconsiderar a dimensão financeira na formulação de modelos de

    gestão, a síntese de Harris e Raviv (1991), acerca de determinantes da estrutura de

    capital de empresas, aponta a importância crescente de correntes teóricas dentro do

    campo de finanças que se direcionam pelo paradigma da racionalidade restrita. A

    este propósito, a contribuição de Jensen e Meckling (1976) para a formulação da

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    teoria da agência e a de Myers e Majluf (1984) na consideração de posse

    assimétrica de informações entre agentes internos e externos às organizações

    surgem como exemplos definitivos de rejeição do princípio da racionalidade perfeita

    em prol da racionalidade restrita. Ainda a propósito desta atitude, Grinblatt e Titman

    (1998) assinalam que uma confirmação da teoria da agência ocorre exatamente pelo

    fato de que gerentes nas organizações freqüentemente pautam suas atitudes pelos

    interesses dos diversos stakeholders destas e não apenas os de seus acionistas.

    Entretanto, ao procurar estudar o relacionamento conjunto entre dimensões tão

    diversas como ambiência de negócios, estratégia e estrutura de capital de empresas

    no Brasil, constatam-se dificuldades marcantes quando se compara a economia

    daqui à americana, na qual a turbulência é ditada pelo ritmo da modernização, ao

    passo que o ambiente socioeconômico-político brasileiro impõe que a turbulência de

    sua economia se dê em meio à instabilidade institucional, em que a edição

    sucessiva de planos econômicos de estabilização e outras formas de intervenção

    governamental são antes a regra do que a exceção.

    Outras expressões de uma ambiência instável são dadas por níveis ainda

    inquietantes de inflação, de déficit nas contas externas e internas do País, além de

    uma inserção na economia global feita de forma algo inapropriada em termos de

    velocidade. Enfim, o Brasil está no meio do processo de internacionalização de sua

    economia. Buscando definir o papel do governo na regulação do mercado,

    reconstruir e consolidar suas instituições, ao mesmo tempo em que se requer níveis

    superiores de performances das empresas brasileiras.

    Em função dessa instabilidade intrínseca ao ambiente de negócios no Brasil, o

    problema que se coloca é o de buscar entender o seu impacto sobre a performance

    da firma e de como esta reage ao ambiente por meio de decisões estratégicas e de

    escolhas de estruturas de financiamento de capital.

    Tudo isto leva a formular a seguinte pergunta:

    Como se articula no Brasil o ambiente de negócios, tomado em suas

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    dimensões de turbulência e de crescimento, com a estratégia e estrutura de capital, e qual o impacto exercido conjuntamente por essas três variáveis sobre a performance das empresas no Brasil? Uma segunda questão que se procura responder diz respeito ao grau de importância

    atribuído à escolha da estrutura de capital no processo decisório das firmas. De

    forma objetiva, deseja-se saber se a composição entre capitais de terceiros e

    próprios no financiamento das empresas brasileiras envolve questões de natureza

    estratégica, com essas se envolvendo de forma ativa para determinação de níveis

    ótimos ou se, pelo contrário, esta decisão é de natureza passiva, envolvendo tão-

    somente atitudes que mantenham essas composições nos mesmos patamares de

    empresas atuantes nos mesmos setores.

    Enfim, estas preocupações podem se apresentar, mais uma vez sob forma da

    seguinte pergunta:

    O papel atribuído às finanças corporativas nos modelos de gestão adotados por empresas no Brasil é de natureza estratégica ou operacional?

    2.2 Objetivos

    O objetivo global estabelecido para esta pesquisa foi o de compreender a articulação

    existente entre o ambiente, a estratégia e estrutura de financiamento, quanto aos

    impactos sobre as performances de empresas brasileiras. Em termos específicos,

    pretende-se avaliar a real dimensão da turbulência e do crescimento do ambiente

    brasileiro de negócios, sua direção e impacto sobre suas empresas.

    Para consecução deste objetivo, é forçoso que, diante da turbulência e crescimento

    do ambiente, se aprofunde em questões relativas às estratégias, buscando revelar

    sua importância na formulação de modelos de gestão. Além disso, insere-se a

    dimensão financeira na análise, procurando confirmar se ela é importante no

    processo de, conjuntamente com as outras duas dimensões, influenciar as

    performances de empresas brasileiras.

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    2.3 Justificativa

    A importância desta investigação prende-se, pelo lado teórico, à sua proposição de

    abrangência em relação às duas áreas de estudos envolvidas: estratégia e finanças

    corporativas. No decorrer do desenvolvimento de suas extensas literaturas, essas

    disciplinas sempre se tangenciaram por meio de várias colocações de diferentes

    autores, mas nunca foram abordadas, prioritariamente, em conjunto, a não ser nas

    iniciativas que ora vêm surgindo, mapeadas e sintetizadas, por exemplo, no trabalho

    de Harris e Haviv (1991) dentre outros. Seguindo esta linha de pesquisa, este estudo

    apresenta, portanto, proposições que se julgam importantes, nesse sentido, para o

    melhor conhecimento dessas organizações.

    Do ponto de vista prático, ele se propõe aprofundar sobre a natureza e os

    mecanismos de funcionamento da turbulência do ambiente brasileiro de negócios,

    podendo trazer à luz contribuições importantes para o empresariado nacional, no

    que diz respeito ao seu melhor entendimento e compreensão.

    Além disso, como essa pesquisa visa estudar e determinar os pontos de articulação

    entre o ambiente de negócios e as estratégias e estruturas de capital das firmas no

    Brasil, ela poderá contribuir ainda mais para solucionar as questões relativas à

    gestão empresarial, como as de crescimento, por exemplo. De fato, a recente e cada

    vez mais consolidada integração do País à economia mundial coloca essas

    empresas em uma situação de fragilidade diante dos novos concorrentes que se

    apresentam. A expansão do parque empresarial brasileiro torna-se, portanto, uma

    necessidade premente, pondo as questões de investimento e financiamento no topo

    das prioridades das empresas e do país. Investimento e financiamento ou estratégia

    e finanças são o ponto central deste estudo, levando-o, portanto, a contribuir para o

    melhor entendimento desses assuntos.

    Assim que essas contribuições forem validadas e bem formuladas, estender-se-ão

    muito além, colaborando para as mais diferentes ações em nosso ambiente de

    negócios, ligadas aos mais diferentes interlocutores, tais como governo, bancos

    comerciais, bancos de desenvolvimento, agências de fomento, instituições de ensino

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    e pesquisa, sindicatos e instituições empresariais e de empregados, entre outros.

    Sob essa perspectiva, este estudo pode ser considerado na linha de pesquisa útil,

    conforme diversas manifestações correntes no meio acadêmico.

    2.4 Hipóteses

    1a Hipótese: Turbulência e crescimento do ambiente, estratégias voltadas para

    custos e estrutura de financiamento guardam relação com as performances das

    empresas brasileiras, até mesmo, delineando modelos de gestão.

    2a Hipótese: Cada uma das dimensões a serem analisadas, a saber, ambiente,

    estratégia e alavancagem financeiras relaciona-se isoladamente com as

    performances das empresas brasileiras.

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    3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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    3.1 Aspectos iniciais

    Diversos autores têm tratado dos aspectos relativos à interdependência entre

    estratégia e finanças. Em seu modelo acerca de forças competitivas, Porter (1986)

    estabelece uma relação entre as duas disciplinas no horizonte de longo prazo,

    afirmando que diferenças de rentabilidade observadas entre as indústrias ocorrem "à

    medida que o conjunto das forças difere" (PORTER, 1986, p. 22), e que tendem a se

    reduzir a longo prazo.

    Da mesma forma, Donaldson (1998) estabelece uma relação dinâmica entre a

    rentabilidade da firma e o amadurecimento do mercado, pontuando que em um mercado de novos produtos, as empresas com uma posição proprietária quando de sua entrada no mercado podem demandar maiores retornos como condição de investimento. À medida que a competição destrói essa posição, contudo, as empresas conseguem obter sucesso apenas se continuam a poder arcar com os investimentos necessários para manter uma participação saudável no mercado, mesmo quando isso for acompanhado de ROI em declínio (DONALDSON, 1998, p. 124).

    As proposições desse autor apóiam-se sobre a lógica da alavancagem financeira e

    das diferenças entre a rentabilidade dos ativos e os custos para financiá-los,

    propondo a busca de equilíbrio entre as diferentes metas estabelecidas no processo

    de planejamento de uma firma, com o objetivo de crescimento e o de endividamento,

    claramente concorrentes entre si, precisando ser contidos em um processo de

    tradeoffs contínuos.

    Já no aspecto do envolvimento entre finanças e estratégia, Rappaport (1998, p. 397)

    acrescenta a restrição de que "um dos objetivos principais do planejamento

    estratégico corporativo é criar valor para o acionista". Ademais, a maneira pela qual

    as empresas devem buscar esse objetivo começa pelo abandono de relações

    contábeis do tipo lucro/ação, retorno/investimento, retorno/patrimônio líquido, dentre

    outras, em favor de análises sobre fluxos de caixa descontados, pois "o valor

    econômico de qualquer investimento é simplesmente o fluxo de caixa previsto

    descontado pelo custo de capital" (RAPPAPORT, 1998, p. 398). Outra afirmação

    elucidativa do autor é que estratégias de negócios podem ser vistas como conjunto

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    de produtos ou investimentos ligados ao mercado, sendo a própria empresa vista

    como um conjunto dessas estratégias.

    Mudanças radicais na forma de financiamento de organizações que operam em

    ambientes com baixas taxas de crescimento a longo prazo e com geração de fluxos

    de caixa livre maiores que suas oportunidades de novos investimentos é o tema de

    Jensen (1998). Para esse tipo de firma, sua proposição é de que elas não mais se

    financiem como empresas de capital aberto, negociadas em bolsas de valores, mas

    como organizações do tipo Leverage by out – LBO -, com uma superalavancagem.

    Dessa forma, os fundos gerados em suas operações não mais se destinarão a

    ampliar o caixa das corporações, gerando conflitos de agência entre acionistas e

    administradores. Pelo contrário, os recursos serão destinados ao pagamento de

    encargos aos financiadores da LBO, que decidirão quais devem ser suas aplicações.

    O endividamento nesse tipo de firma, para ele, é benéfico na medida em que "a

    superalavancagem cria a atmosfera de crise que os gerentes precisam para cortar

    programas de investimentos ruins, para enxugar custos indiretos, e dispor de ativos

    que sejam mais valiosos se fora da empresa" (JENSEN, 1998, p. 481).

    Partindo de sua clássica visão do processo estratégico empresarial, que se expressa

    pela proposição de que "a inovação e o aprimoramento decorrem de investimentos

    constantes em ativos fixos e intangíveis", Porter (1998, p. 451) aborda o lado do

    financiamento da firma, analisando todo o sistema americano de alocação de

    capitais, o qual considera como fonte de instabilidade nas relações entre acionistas,

    corporações e gerentes, impedindo a alocação dos recursos nos melhores projetos e

    não os alinhando com os interesses do país. Para ele, é forçoso que se reformule o

    sistema, atuando sobre os determinantes dos investimentos, os quais podem ser

    agrupados em três categorias distintas: ambiente macroeconômico, mercado de

    capitais externos e mercado de capitais internos.

    O ambiente macroeconômico é o contexto no qual operam as empresas como um

    todo, ao passo que o segundo envolve os mecanismos de alocação de capital aos

    projetos, enquanto o terceiro diz respeito aos mecanismos de análise e de decisão.

    Os mecanismos de alocação de recursos aos projetos englobam os acionistas e

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    seus agentes, os financiadores de capitais de empréstimos e as próprias diretorias

    corporativas, funcionando em um processo conjunto, obedecendo aos ditames

    clássicos de análise e decisão de investimentos de capital.

    Segundo o autor, a ampla reformulação do sistema se faz necessária na medida em

    que agentes extremamente importantes como os investidores institucionais visam ao

    curto prazo em suas aplicações, concentrando-se sobre atributos mais fáceis de

    mensurar, em substituição à análise do valor da empresa. As técnicas de orçamento

    de capital utilizadas pelas empresas em seus processos internos de alocação de

    recursos, via análises de projetos de investimentos, por sua vez, consistem

    basicamente em exercícios numéricos, que tão-somente os justificam.

    Vimos, portanto, por meio dos textos citados, que tanto nas escolhas de fontes de

    financiamento quanto nas estratégias de investimentos, a dinâmica do mercado é

    sempre considerada como um processo mediador entre elas e a performance da

    firma e que um alinhamento entre estratégia e finanças ocorre naturalmente. Em

    outros termos, investimento, financiamento e mercado caminham juntos ao longo do

    processo decisório da firma.

    Em um sentido mais amplo, essa questão já tinha sido suscitada por Coase (1937, p.

    388), quando de sua clássica indagação: "Por que existem empresas?", questão

    esta que confrontava a teoria econômica neoclássica que então defendia o

    mecanismo de preços como único ordenador do processo de alocação de recursos

    na economia. A seu ver, a firma exercia um papel importante nesse processo de

    alocação de recursos, e sua simples existência funciona como indicador dessa

    importância, até porque elas proliferam devido a ambientes propícios ao seu

    surgimento. Indo mais além, a empresa se distinguia por sua capacidade de

    substituir o mecanismo de preços, por promover com vantagens a redução de seus

    custos relativamente à situação na qual tivesse de transacionar com todos os

    fornecedores de fatores de produção por um lado, e com todos os compradores dos

    produtos ou serviços, por outro. A este propósito, seu resumo da situação se dá

    conforme citação a seguir:

  • 26

    Do lado da empresa, os movimentos de preços direcionam a produção, a qual é coordenada através de uma série de transações de troca com o mercado. Dentro da empresa, estas transações do mercado são eliminadas e no lugar da estrutura complicada do mercado com transações de troca aparece o empreendedor coordenador, o qual dirige a produção (COASE, 1937, p. 387).

    A firma surge, portanto, sempre que o custo de se organizar um determinado

    número de transações sob coordenação única é menor que o custo de se

    transacionar diretamente no mercado. Nesses casos, a organização do processo de

    produção via mecanismo de preços é substituída pela firma sob o comando de um

    empreendedor a quem cabe trazer para dentro dela aquelas transações cujos custos

    de realização sob seu comando sejam menores que o custo de realizá-las sob o

    mecanismo de preços do mercado. A firma cresce e se desenvolve, segundo Coase

    (1937), via esse mecanismo e tendo em conta que a questão é, sempre, "se vale a

    pena trazer uma operação externa para o comando de uma autoridade

    organizadora". Esta última questão, por sua vez, coloca todo o problema estratégico

    da firma, na medida em que as decisões de crescimento se colocam no centro da

    discussão para formulação da estratégia, que, segundo Porter (1986), se expressa

    por questões sobre até quanto crescer e como crescer.

    Assim é que, para Coase (1937), o empreendedor decide com o olhar sobre o

    mecanismo de preços do mercado, escolhendo o que trazer para dentro da firma e o

    que deixar por conta do próprio mercado. Portanto, tem sentido afirmar que decisões

    estratégicas são tomadas nessa fronteira entre o interno e o externo à firma, tendo

    em conta o mecanismo de preços do mercado.

    A questão de Coase (1937) − por que existem empresas? − abriu e definiu o campo

    da chamada economia institucional. Até então, o ponto de vista hegemônico da

    teoria neoclássica considerava a firma como um dado, submetida à mão invisível do

    mercado. Para Rumelt, Schendel e Teece (1994), ao questionar esse saber

    estabelecido, Coase (1937) abriu toda uma perspectiva de pesquisa da firma

    enquanto sujeito ou ator econômico e não apenas como um ente submetido às

    forças do mercado.

  • 27

    O argumento de Coase (1937), que acabamos de desenvolver, deixa pistas

    importantes para os propósitos de alinhamento entre estratégia e finanças desta

    pesquisa. Afinal, se no processo de decisão sobre estrutura de capital da firma, o

    empreendedor deve optar pela absorção de recursos de capital via mecanismo de

    preços, este fato poderá caracterizá-la como decisão estratégica, o que alinha

    automaticamente os campos de estratégia e de finanças. Entretanto, cabe a

    advertência de Bromiley (1990) sobre a dificuldade efetiva de integração entre esses

    dois campos do conhecimento, visto que cada um se sustenta sobre paradigmas

    diferentes.

    Nesse sentido, a área de finanças admite que a firma age racionalmente com o claro

    objetivo de maximizar o valor para o acionista. Para a obra Strategor (1993, p. 297),

    nessa visão do mundo a organização confunde-se com um ator único, homogêneo,

    racional, consciente de si próprio e do seu contexto, e dotado de objetivos e/ou de

    preferências relativamente estáveis. A ação deriva dos objetivos formulados ou das

    preferências manifestas, claramente definidas, confrontados contra um dado

    contexto. No entanto, sua ação é executada como se fosse um só homem em busca

    de seus objetivos, com a tomada de decisão seguindo um processo já definido,

    cujos passos são a definição do problema, o levantamento de alternativas de ação,

    a avaliação de cada uma delas e a escolha daquela que maximiza o resultado,

    segundo critérios de preferências do tomador de decisão.

    Por outro lado, a área de estratégia admite que a firma dispõe de vários

    constituintes, com objetivos diferentes e, às vezes, conflitantes, sendo impossível

    maximizá-los em conjunto. A conseqüência desse estado de coisas para Bromiley

    (1990) é a adoção de um modelo da firma diferente e mais complexo daquele de

    finanças .

    O campo da estratégia, ao desenhar um modelo mais complexo, fruto de sua visão

    multifacetada do macroambiente e dos múltiplos constituintes da firma, aproxima-se

    mais do modelo proposto por Simon (1958), o qual implicava em um reconhecimento

    dos limites da cognição humana na busca de soluções maximizadoras, sob os

    critérios da racionalidade limitada (STRATEGOR, 1993).

  • 28

    No modelo de Simon (1958), a firma é vista como uma organização coordenada por

    uma diretoria única, que dirige um conjunto de subunidades responsáveis por partes

    da decisão total. O objetivo global da decisão é dividido por ela em subobjetivos

    atribuídos que são a cada uma das partes da organização. Esta, em seus processos

    normais de trabalho, busca suas soluções parciais atendendo suas práticas de

    decisão e critérios de preferência, que são aceitos pela direção se entendidos como

    motivadores de desempenhos corporativos satisfatórios (STRATEGOR, 1993).

    Voltando à área de finanças, esta adota um modelo simplificado, concedendo ênfase

    maior às questões de eficiência do mercado, o qual, naturalmente, deriva de seu

    viés microeconômico no qual está implícita a presunção da racionalidade perfeita.

    Entretanto, unificar os campos de conhecimentos de finanças e de estratégia

    conforme crença de Simerly e Li (2000), é uma questão de método, já indicado pela

    prática das organizações. Para eles, a escolha de uma estrutura de capital para a

    firma é mais a expressão de uma busca de alternativas em um macroambiente

    complexo e incerto do que o cálculo de alternativas pré-definidas segundo um dado

    modelo.

    3.2 O foco da estratégia

    Do lado da estratégia, acredita-se que a integração entre as duas disciplinas

    encontra campo fértil e vários pontos a partir dos quais é possível iniciar este

    processo, até porque a articulação com as demais áreas da firma tem sido um

    objetivo perseguido por diferentes autores. Por exemplo, quando Chandler (1986)

    lança sua máxima de que a estrutura segue a estratégia, isto representou um

    rompimento com a tradição clássica de se buscar a máxima eficiência da

    organização olhando só para os seus elementos internos de uma maneira estática.

    Pelo contrário, o autor buscava nova maneira de se olhar a organização, em que a

    análise da interdependência entre ela e outras variáveis do ambiente passa a ser o

    ponto central.

  • 29

    De fato, o desenvolvimento do campo de estudos da estratégia pode ser mapeado

    desde os textos de economia da década de 30 do século passado. As dificuldades

    econômicas do mundo naquela época fizeram surgir teorias de concorrência

    imperfeita, assim Joseph Alois Schumpeter lançava sua concepção de

    empreendedor e de destruição criativa, que marca importantes contribuições

    contrárias à concepção estática da eficiência competitiva dos demais economistas.

    Mas a linha principal de argumento da teoria econômica sempre ignorou a atividade

    executiva intra-organizacional, com ênfase mínima sobre a atividade de gestão da

    firma, e como pontuam Rumelt, Schendel e Teece (1994, p. 14), na concepção

    tradicional da economia, "todas as empresas são essencialmente parecidas, tendo o

    mesmo acesso a informações e tecnologia, e suas decisões são essencialmente

    racionais e previsíveis, virtualmente compelidas por condições de custos e

    demanda".

    De qualquer forma, já houve estudos nos anos 30 sobre o trabalho e a eficiência,

    que forneceram bases para a concepção do papel do gerente e de suas escolhas

    estratégicas. Por exemplo, Barnard (1938) foca seu estudo nas funções do

    executivo, estabelecendo a diferença entre eficiência e efetividade da firma,

    fundamental para o conceito de estratégia, elevando o estudo do trabalho das

    atividades operacionais para aquelas próprias do gestor.

    Diversos estudos elaborados na década de 60 sobre o campo da teoria

    organizacional delinearam o conceito de contingência, o qual, por sua vez, propiciou

    o surgimento do conceito de estratégia. Dentre eles, sobressaem os estudos de

    March e Simon (1958), caracterizando a cibernética como metáfora para o trabalho

    do gestor; Cyert e March (1963) e o comportamento da firma; Burns e Stalker (1961)

    contrastando organizações mecânicas e orgânicas; Woodward (1965) assinalando a

    influência da tecnologia sobre a organização; Lawrence e Lorsch (1967) propondo

    que a organização era contingente à incerteza do ambiente. Além destes, Chandler

    (1962), Ansoff (1977) e Andrews (1965) estabeleceram com seus trabalhos a linha

    do campo de estudo da estratégia (RUMELT, SCHENDEL e TEECE, 1994, p. 14).

  • 30

    De fato, Chandler (1986, p. 385) delimita o campo de trabalho do

    administrador/gestor, que "inclui ação executiva e ordens, bem como decisões

    tomadas por meio de coordenação, análise e planejamento do trabalho da empresa

    e alocação de seus recursos". Além disso, o autor se ocupou em separar as ações

    desse agente em dois componentes, sendo o primeiro denominado de estratégia, o

    qual é definido como "a determinação das metas e objetivos de longo prazo da

    empresa, e a adoção de cursos de ação e alocação de recursos...", enquanto que o

    segundo é direcionado à estrutura da firma, definida como o "desenho da

    organização, através do qual a empresa é administrada" (CHANDLER, 1986, p. 8).

    Ainda segundo Chandler (1986), as estruturas administrativas das firmas analisadas

    seguiam uma trajetória de conseqüência na seguinte ordem: primeiro, o

    entendimento da nova forma alcançada pela organização remetia a sua estrutura

    anterior e a toda a sua história administrativa; segundo, as mudanças das estruturas

    de organização estavam intimamente relacionadas às diferentes maneiras que elas

    utilizaram para se expandir; terceiro, os padrões de crescimento refletiam todas as

    mudanças por que passava a economia americana, notadamente aquelas

    relacionadas aos mercados dos produtos das empresas; quarto, a reorganização era

    influenciada pelo estado da arte da administração no país.

    A dinâmica do processo descrito pelo autor mostrava-lhe que à medida que a

    gerência de topo tomava decisões quanto à fixação dos objetivos e metas a serem

    perseguidos pela organização – o que denominou estratégia –, seguia-se a

    necessidade de rearranjos em todo o processo administrativo essencial ao

    cumprimento do fixado – o que chamou estrutura. Mais especificamente, a

    concatenação das diferentes estratégias de crescimento adotadas pelas

    organizações – expansão do volume, dispersão geográfica, novas linhas de

    produtos – e suas diferentes combinações geravam diferentes arranjos

    organizacionais ou diferentes estruturas. Essa nova forma de analisar a organização,

    que hoje é denominada raciocínio estratégico, passou a conduzir os estudos da

    disciplina, e o fundamental que ficou de Chandler (1986) é que as diferentes formas

    organizacionais das firmas derivam das diferentes estratégias de crescimento que

    elas adotaram, em um processo que culmina em sua conhecida proposição de que

  • 31

    "a estrutura segue a estratégia e o tipo mais complexo de estrutura é o resultado da

    concatenação de diversas estratégias básicas" (CHANDLER, 1986, p. 14).

    Ansoff (1977) articulou o conceito de estratégia em torno da proposição de "elos

    comuns", no lugar de conceitos vindos da economia, como "setor de transporte" ou

    "setor energético", os quais ele considerava pobres e deficientes para definir o

    campo de atuação e a orientação de crescimento da firma.

    Para Ansoff (1977), o que especificava o elo comum de uma dada organização

    podia ser enquadrado em um conjunto de quatro componentes: 1. o escopo de

    atuação da firma, ou o seu "conjunto de produtos e mercados"; 2. o "vetor de

    crescimento" escolhido para o seu conjunto de "produtos e mercados"; 3. a

    "vantagem competitiva" da firma, ou as "propriedades específicas e combinações

    individuais de produtos e mercados que dão à empresa uma forte posição

    concorrencial"; 4. a "sinergia", ou a "medida da capacidade da empresa para tirar

    proveito de sua entrada numa nova área de produtos e mercados" (ANSOFF, 1977,

    p. 88).

    Por sua vez, Andrews (1965) define estratégia como "o padrão de objetivos,

    propósitos ou metas bem como as mais importantes políticas e planos para se

    alcançarem tais metas – tudo isso enunciado de forma tal a definir o negócio atual

    ou futuro da empresa e o tipo de empresa que ela é ou almeja ser" (Andrews, 1965,

    p. 3). Esssa definição implica que a firma deverá ser capaz de identificar os quatro componentes da estratégia, a saber: (1) a oportunidade mercadológica, (2) a competência e os recursos corporativos, (3) os valores e aspirações pessoais, e (4) o reconhecimento de obrigações para com outros segmentos da sociedade que não os acionistas (ANDREWS, 1965, p. 5).

    Além disso, havia a considerar que todo esse processo envolve dois aspectos da

    estratégia da firma, a formulação e a sua implementação.

    Chandler (1986), Ansoff (1977) e Andrews (1965) deram forma ao conceito de

    estratégia no campo teórico, ao passo que a dimensão prática empresarial se

  • 32

    estabeleceu com firmas de consultoria, dentre as quais a Boston Consulting Group,

    com seus instrumentos e conceitos como a growth-share matrix e a curva de

    experiência.

    Enquanto esses três primeiros autores adotaram uma linha mais descritiva das

    proposições sobre estratégia, os estudos a partir da década de 70 buscaram colocar

    à prova este conjunto de construtos e proposições sobre como as estratégias eram

    formuladas e como elas afetavam a performance dos negócios. De um enfoque com

    ênfase descritiva sobre como a estratégia era formada e implementada, ou seja, o

    seu processo, eles evoluíram para uma observação sistemática, análise dedutiva e

    modelagem, buscando compreender o eixo estratégia – performance, ou seja, o seu

    conteúdo.

    Esses estudos de cunho mais sistemático e científico tomaram três diferentes

    ramificações. A primeira, seguindo a linha de Chandler (1986), buscou testar as

    proposições acerca de crescimento e estratégias de diversificação. A segunda foi à

    cata de relacionamentos entre estratégias e performances, ao passo que a terceira,

    usando a perspectiva da economia industrial, culminou nos trabalhos de Michael

    Porter, com suas análises sobre estratégia e vantagem competitiva.

    Os trabalhos empíricos dos seguidores de Chandler (1986) culminaram em

    demonstrações da inter-relação entre a estratégia de crescimento, forma da

    organização e expectativa de performance da firma. Rumelt (1974) contribuiu nessa

    linha de pesquisa apontando medidas de diversificação e testando o seu impacto

    sobre a estrutura de organização e a performance (RUMELT, SCHENDEL e TEECE,

    1994, p. 16)

    O Strategor (1993) segue também essa linha de pesquisa, integrando à estratégia,

    além da estrutura, mais dois elementos determinantes da política da empresa, a

    decisão e a identidade, propugnando que a articulação entre eles se dá por

    influência recíproca, ou seja, não apenas a estratégia determina a estrutura como é

    também por ela influenciada. Nesse sentido, a integração entre todos os elementos

    do modelo pode-se dar por meio da figura do tetraedro, onde cada uma de suas

  • 33

    faces, correspondentes a cada um dos elementos propostos (estratégia, estrutura,

    decisão e identidade), apresenta uma interface contígua com os outros três,

    influenciando-se reciprocamente.

    Retornando a Michael Porter, Rumelt, Schendel e Teece (1994) assinalam que o

    modelo de interação das forças competitivas, que tem como base os conceitos da

    economia industrial, deu forma e conteúdo ao amplo e vago constructo denominado

    ambiente econômico competitivo. Em seguida a isso, Michael Porter propõe a cadeia

    de valores em complementação às questões centrais em estratégia relacionadas à

    atratividade da indústria e à posição competitiva da firma. Com este modelo, ele se

    propõe a criar uma ponte entre a formulação e implementação da estratégia da

    firma, indo além do tratamento destas enquanto questões separadas. De fato, Porter

    (1989), com a descrição das atividades da firma, alcança explicar o processo de

    formulação e implementação de sua metodologia.

    Por outro lado, as diferenças entre as firmas, quando olhadas pelo lado do mercado,

    são explicadas por outros fatores, tais como os grupos estratégicos que seriam

    agrupamentos de empresas produzindo as mesmas linhas de produtos e que foram

    constituídos a partir das barreiras de entrada geradas pelas próprias firmas

    competidoras, que, inclusive, geram barreiras à mobilidade entre os grupos de

    empresas. Ainda mais, essas mesmas barreiras à mobilidade criam as condições

    para surgir diferenças entre as constituintes desses grupos estratégicos em face de

    possíveis candidatos. A sustentabilidade dessas diferenças, por sua vez, depende

    das barreiras à imitação que são geradas mediante investimentos contínuos para

    melhorar posições e mantê-las a salvo de concorrentes (PORTER,1986 e 1989).

    Ainda segundo Michael Porter, evidências empíricas sugerem que as diferenças de

    rentabilidade encontradas entre as firmas dependem da indústria. Em uma amostra

    de 38 indústrias, em 15 delas as firmas com estratégias consideradas seguidoras

    apresentaram taxas de retorno maiores que as líderes da indústria, naqueles casos

    em que elas não apresentavam economias de escala significativas ou que eram

    altamente segmentadas. Nas indústrias em que o líder de mercado apresentava as

    mais altas taxas de retorno, as economias de escala estavam presentes, assim

  • 34

    como maiores gastos em publicidade e pesquisa. Em outros termos, essas indústrias

    revelam barreiras atuantes e efetivas à mobilidade.

    Ghemawat (1998) relata que os investimentos irreversíveis e duráveis em economias

    de escala e de escopo, assim como os efeitos da experiência, tornam as vantagens

    do tamanho em elementos de convencimento sobre pequenos concorrentes para

    que assim se mantenham. O acesso superior aos mercados de insumos, clientes e

    know-how proporciona aos detentores uma assimetria de investimentos que mantém

    os concorrentes afastados. E, finalmente, as opções dos concorrentes podem estar

    afetadas em sua livre concorrência ou por investimentos passados, ou mesmo pela

    falta de agilidade de realizar novos movimentos estratégicos.

    Outra afirmação do autor é que o conceito de economia de escopo abriu novas

    perspectivas para a utilização da tradicional visão de recursos da microeconomia,

    onde as análises são conduzidas por meio de categorias muito amplas como terra,

    trabalho e capital. Na teoria de recursos, por sua vez, eles são melhor analisados e

    detalhados, ampliando seu entendimento e possibilidades de aplicação prática, via

    utilização em múltiplos produtos, mesmo quando não compartilham os custos

    comuns.

    A questão relativa ao posicionamento competitivo da firma, uma outra perspectiva

    para a formulação de sua estratégia, foi também analisada por Ghemawat (1998),

    com vista a responder ao difícil desafio de criar e sustentar suas vantagens

    competitivas. Em seu estudo, ele defende que uma vantagem sustentável decorre

    do porte no mercado-alvo, do acesso superior a recursos e/ou de restrições

    impostas às opções do concorrente. Para ele, esse conjunto de fatores afeta a

    sustentação da vantagem competitiva, mas a distância entre uma situação

    sustentável e outra contestável é uma questão de grau. Além disso, "nem todos os

    setores oferecem oportunidades iguais para sustentar uma vantagem competitiva", e

    a firma deverá buscar um equilíbrio entre o "comprometimento para competir de uma

    certa maneira e reter flexibilidade para competir com eficácia de outras maneiras"

    (GHEMAWAT, 1998, p. 40).

  • 35

    Os trabalhos de Porter abriram, também, um importante caminho além do paradigma

    da "structure-conduct-performance" e cabe a observação de RUMELT, SCHENDEL

    e TEECE (1994) de que a crítica de Chicago sobre a teoria tradicional de barreiras à entrada, a qual sustenta a visão alternativa de que altos lucros são retornos para capacidades ou recursos especializados de alta qualidade, tornou-se uma inspiração importante para a teoria da firma baseada em recursos. (RUMELT, SCHENDEL e TEECE, 1994, p. 18).

    Por sua vez, a teoria de recursos, tomando eco na questão de Coase (1937, p. 388)

    "Por que existem em empresas?", coloca de forma ampla a indagação "Por que as

    empresas são diferentes?" como o questionamento básico em sua perspectiva de

    estudos. De fato, esse questionamento chama a atenção para as características

    intrínsecas das firmas frente ao conceito de mercado, tão caro à teoria econômica

    clássica, e coloca foco nos fenômenos que produzem e sustentam a

    heterogeneidade entre as firmas.

    Observações empíricas mostram que às vezes as firmas se diferenciam umas das

    outras, mesmo quando atuantes na mesma indústria. Rumelt (1994) demonstra que

    as variâncias nos retornos sobre o capital das firmas em uma mesma linha de

    negócios podem ser distribuídas nas seguintes parcelas: 0,8% devido aos efeitos

    derivados da corporação, 8,3%, à estabilidade da indústria e 46,4%, à unidade de

    negócios, revelando que os maiores fatores de heterogeneidade derivam das

    próprias firmas, a despeito da intensa imitação entre elas, fruto do ambiente

    competitivo em que operam. Por sinal, este é entendido como homogeneizador

    delas, reforçando a indagação acerca do que sustenta a heterogeneidade em

    recursos e performances entre empresas competidoras a despeito de tentativas de

    competição e de imitação (RUMELT, SCHENDEL e TEECE, 1994, p. 16).

    Na teoria de recursos, estes são vistos como quaisquer fatores que impliquem força

    ou fraqueza de uma dada firma, podendo conferir vantagens competitivas

    duradouras a esta face sua concorrência. De fato, Wernerfelt (1984), tomando o

    modelo das forças competitivas como base para suas análises, propõe uma nova

    visão da firma baseada em recursos a qual revitaliza a tradicional análise

  • 36

    microeconômica dos fatores de produção ao agregar o conceito de economia de

    escopo. Sua afirmação de que "para a empresa, recursos e produtos são dois lados

    da mesma moeda" (WERNERFELT, 1984, p. 171), pode levar ao entendimento de

    que o posicionamento da firma pode ser visto tanto do ponto de vista do mercado,

    da forma como tradicionalmente o assunto é tratado nas abordagens de estratégia,

    como pelo lado dos recursos.

    Com a perspectiva aberta pelo conceito de economia de escopo ou de recursos

    compartilhados em mercados distintos, novas questões se abrem para a formulação

    de estratégias de diversificação, como: 1. em quais recursos se basear a

    diversificação; 2. como desenvolvê-los mediante a diversificação; 3. qual a

    seqüência de entrada em novos mercados; 4. qual o tipo de negócio a adquirir.

    Essas questões colocadas por Wernerfelt (1984) suscitam novas proposições para

    as firmas, como a existência de barreiras de recursos análogas às barreiras de

    entrada, com as quais elas podem construir o seu posicionamento. Em

    conseqüência, seu desenvolvimento passa a ser uma questão de equilíbrio entre

    recursos existentes e outros a desenvolver, podendo-se ainda pensar em termos de

    uma matriz de produtos/recursos à semelhança daqueles de produtos/mercados.

    Esse conjunto de proposições de Wernerfelt (1984), em conseqüência, motiva a

    entender o gestor como alguém que olha a empresa como um portfólio de recursos e

    não apenas como um de produtos. Outrossim, a gestão de recursos passa a ser a

    escolha de caminhos de desenvolvimento desses mesmos recursos, tendo em vista

    a seqüência de entradas em novos mercados definida pela estratégia de

    diversificação buscada pela firma. Em síntese, tem-se a migração do conceito de

    gestão estratégica da firma a partir de um foco em mercados para outro baseado em

    recursos.

    Entretanto, cabe a observação de Barney (1991) de que os recursos que criam e

    sustentam vantagens competitivas devem apresentar certas especificidades como

    barreiras à mobilidade, visto que eles são distribuídos de forma heterogênea entre

    as firmas. Outro ponto importante é que os recursos não são homogêneos entre

  • 37

    empresas diferentes, pois se o fossem, nenhuma vantagem seria obtida pela

    primeira ao exibir determinada característica, já que rapidamente outras firmas a

    imitariam. Enfim, para serem fontes de criação e sustentação de vantagens

    competitivas da firma, os recursos sob o controle desta devem apresentar

    características que sejam entendidas como valiosas, únicas, inimitáveis e

    insubstituíveis.

    De acordo com Collins e Montgomery (1995), recursos são valiosos para as

    empresas quando considerados em seu contexto de mercado, tanto setorial como

    temporalmente. Um recurso inimitável, ou único, difícil de copiar, durável e

    reconhecido pelo cliente, confere uma vantagem sustentável à firma que o detém.

    Hamel e Prahalad (1995) reforçam as exigências, apontando que os recursos devem

    ser competitivamente únicos e proporcionar capacidade de expansão, ou seja,

    "podendo ser aplicados em novas arenas de produtos". Em suma, os recursos da

    firma, quer como ativos tangíveis, quer como ativos intangíveis ou como

    capacidades, estão no âmago da questão de criar e sustentar sua vantagem

    competitiva.

    Quanto à forma, Collins e Montgomery (1995) apontam que os recursos podem assumir uma variedade de formas... Às vezes ... são tangíveis, como a fiação da casa... também são intangíveis, como nomes de marcas ou know how tecnológico ... também é possível que os recursos valiosos sejam capacidades organizacionais, impregnadas nas rotinas, processos e cultura da empresa (COLLINS e MONTGOMERY, 2001, p. 40).

    Mas, qualquer que seja a forma, eles devem ser avaliados em sua interação com o

    mercado, nunca de forma isolada, pois, "ao ignorar o mercado, os gerentes correm o

    rico de efetuar investimentos vultosos em recursos que não gerarão retornos"

    (COLLINS E MONTGOMERY, 2001, p. 41).

    Embora já esteja alinhada entre os paradigmas da teoria da estratégia, como

    posicionamento, teoria dos jogos, capacidades dinâmicas, a teoria de recursos deita

    suas raízes nos primeiros textos da área. O modelo SWOT, proposto por Andrews

    (1965), sugeria a criação da estratégia da firma por meio da exploração das forças

  • 38

    internas da organização, do aproveitamento das oportunidades de mercado,

    superação das fraquezas internas e em evitar as ameaças do ambiente de negócios.

    Pode-se dizer que, sob a perspectiva interna da organização, o modelo SWOT já

    propunha uma abordagem de recursos para a firma, ao passo que externamente à

    firma, ele antecipava modelos orientados para o mercado.

    Teece, Pisano e Shuen (1997) notam que o modelo de forças competitivas seguiu

    exatamente essa linha de pensamento de Andrews (1965), tratando a estratégia em

    termos da estrutura da indústria e do posicionamento da firma. Complementarmente,

    o modelo que desenvolvem, de capacidades dinâmicas, está em linha com estas

    análises na medida em que se propõe a integrar essas duas perspectivas, por meio

    da "capacidade de renovar competências", no front interno, e de "atender as

    exigências de um ambiente em mutação" no externo (TEECE, PISANO e SHUEN,

    1997, p. 515).

    Ainda segundo os autores, essa proposição encontra-se em linha com a visão de

    Coase (1937), de que a essência da firma é que ela substitui algumas funções

    externas e organizativas próprias do mercado, dentro da própria organização. Esta

    característica a distingue, portanto, pois ela modela domínios internos de atividades

    com seus recursos, competências e capacidades, em uma lógica própria e diferente

    do mercado. Dessa maneira, os processos organizacionais modelados pelo

    posicionamento de ativos da firma e desenvolvidos em sua trajetória de evolução

    configuram e definem suas capacidades dinâmicas e a sua vantagem competitiva.

    Aliás, esses processos organizacionais são as diferentes maneiras que a empresa

    assume na execução de suas atividades, ou seja, suas rotinas, práticas correntes e

    de aprendizagem. Por sua vez, posicionamentos são os seus ativos específicos,

    como tecnologias, patentes, ativos complementares, sua base de clientes e suas

    relações externas com os fornecedores e firmas complementares. Sua trajetória

    repousa sobre o grau de dependência a seus padrões de evolução, que resultaram

    em suas alternativas de estratégias disponíveis e nos retornos alcançados.

    No que interessa mais de perto ao campo das finanças, Teece, Pisano e Shuen

  • 39

    (1997) afirmam que os ativos financeiros alinham-se entre aqueles que definem

    posicionamento, e o fluxo de caixa e o grau de alavancagem da empresa

    apresentam importantes implicações estratégicas, pois levantar fundos

    externamente implica difundir e disseminar informações internas importantes a seus

    investidores. No longo prazo, portanto, o fluxo de caixa e a alavancagem da firma

    podem ser determinantes em suas escolhas estratégicas.

    3.3 O foco de finanças

    Muito embora a pesquisa em finanças nos últimos 40 anos possa ser enquadrada

    em duas grandes linhas, com sua tradicional divisão em asset pricing e corporate

    financing, há de se atentar para a afirmação de Miller (1999) de que as abordagens

    originadas das escolas de negócios acerca das funções e objetivos das empresas

    são, por excelência, micronormativas, entendendo que estas buscam melhores

    decisões. Dessa forma, seus modelos de decisão se estabelecem visando à

    maximização de uma função-objetivo qualquer, seja o retorno esperado ou o valor

    para acionista, tendo-se os preços dos títulos no mercado como um dado que

    referenda desempenhos.

    Ainda quanto a isso, é interessante notar que as abordagens das escolas de

    economia seguem a máxima de Marshall, de que "não é da conta dos economistas

    ensinar o mestre cervejeiro a fazer cerveja", sendo, portanto, macronormativas. As

    empresas são vistas como unidades microotimizadoras e participantes de algo maior

    chamado mercado, que é dirigido via mecanismo geral de preços.

    Exemplos da natureza macronormativa de finanças podem ainda ser buscados na

    teoria de portfólio de Markowitz, com seu modelo baseado na média e variância dos

    dados, o qual vê o investidor como um decisor que se baseia em dados e

    estatísticas passadas de médias e variâncias de retornos de ativos, assim como de

    covariâncias entre estes. Na mesma linha macronormativa, o modelo Capital Asset

    Pricing Model – CAPM - mensura riscos de ativos como função de sua covariância

    com os retornos do portfólio de mercado.

  • 40

    A hipótese de eficiência dos mercados, conforme enunciada por Fama (1970),

    estipula que "nenhuma regra simples baseada em dados e informações já

    publicados e disponibilizados pode gerar taxas de retornos acima do normal", o que

    implica a afirmação de nova abordagem de natureza macronormativa de finanças

    (MILLER, 1999).

    Entretanto, as proposições de Modigliani e Miller (1958 e 1961) ilustram a tensão

    entre as abordagens macro e micronormativas no campo das finanças, embutindo-

    as, pelo lado micro, com sua busca do custo de capital, que sirva como taxa de

    retorno para análise dos projetos de investimentos da firma; pelo lado macro, com a

    expressão da demanda por investimentos se estabelecendo em função do custo de

    capital das firmas no lugar da taxa dos títulos de longo prazo do governo. Em

    especial, a abordagem micronormativa de que o custo de capital da empresa

    depende apenas da classe de risco dos projetos sob análise, portanto independendo

    de seus instrumentos de financiamento, colocou uma enorme dificuldade para o

    entendimento das teorias de finanças corporativas, o que é apontado pelo próprio

    Miller (1999). Aliás, um trabalho seminal desse autor (Miller, 1977), deixa clara a

    posição de que o equilíbrio no mercado de capitais se dá em nível agregado,

    embora cada empresa tenha sua preferência acerca da estrutura de financiamento

    que agrada a seu público investidor-alvo. Para tanto, o autor se expressa

    exatamente na última linha desse texto, dizendo: "... afinal, cada clientela é tão boa

    quanto outra qualquer" (MILLER, 1977).

    O trabalho de Jensen e Meckling (1984) expressa muito bem a tensão entre as

    abordagens micro e macronormativas, com sua argumentação de que o

    balanceamento tradeoff entre custos de falência e subsídios tributários invalida a

    proposição de irrelevância de estrutura de capital de MM, na medida em que

    probabilidades de ocorrência de falência guardam relação direta com índices de

    alavancagem financeira (capital de terceiros/capital próprio), o que afeta a

    distribuição futura dos prováveis fluxos de caixa da firma.

    Na proposição dos autores, os custos de agência fundam-se no mesmo pressuposto

    de maximização de uma função utilidade das finanças, amplo senso: "De nossa

  • 41

    parte, mantemos a noção de um comportamento maximizador por parte de todos os

    indivíduos na análise a seguir" e que "se ambas as partes na relação são

    maximizadores de utilidade, há boa razão para acreditar que o agente (gerentes)

    nem sempre agirá nos melhores interesses do principal (acionistas)" (JENSEN e

    MECKLING, 1984, p. 191).

    Esse conflito de caráter permanente no processo decisório da firma, no qual os

    protagonistas são os acionistas (os principais) e seus agentes (os gerentes), leva à

    questão básica: a quem os gestores realmente servem? Naturalmente que essa

    pergunta sintetiza uma negativa definitiva à pretensão de se ater exclusivamente ao

    caráter micronormativo das finanças, até porque as respostas vão desde posições

    críticas que apontam os próprios gerentes como beneficiários a outras que colocam

    os gerentes como protagonistas de processos que atendem aos interesses de

    diversos stakeholders como acionistas, clientes, fornecedores e empregados

    (GRINBLATT e TITMAN, 1998).

    Por certo a importância da abordagem normativa emerge na análise e a raiz desse

    comportamento dos gestores encontra explicação no trabalho clássico de Berle e

    Means (1932), os quais tratam do fenômeno da separação entre propriedade e

    controle nas grandes corporações americanas. Por sua vez, Donaldson e Lorsch

    (1983) sugerem que os gestores entendem a si próprios como representantes dos

    mesmos stakeholders citados no parágrafo acima (acionistas, credores, clientes,

    fornecedores e os próprios empregados).

    Do ponto de vista do acionista, a grande questão posta é como exercer controle

    sobre os atos dos gestores da firma, e uma influência direta pode ser exercida

    quando seu bloco de ações é proporcionalmente grande o suficiente para se fazer

    ouvido e obedecido. Entretanto, nas grandes corporações americanas, o controle é

    essencialmente exercido por gestores que possuem uma parcela mínima das ações

    da firma. Além disso, seus interesses não estão sempre e necessariamente

    alinhados aos dos acionistas.

    Do lado da escolha dos novos projetos da firma, os gestores preferem investimentos

  • 42

    ligados a sua expertise pessoal e que aumentem seu poder e influência na firma e

    diminuam o risco futuro de serem descartados. Ademais, eles revelam preferências

    por investimentos que aumentem o tamanho da firma, que a diversifiquem, que

    retornem mais rapidamente, bem como almejam redução de níveis de

    endividamento, mesmo à custa da perda de possibilidade de dedução dos juros do

    imposto de renda a pagar (GRINBLATT e TITMAN, 1998).

    Enfim, esse conjunto de preferências dos gestores representa conflitos de agência

    na firma e influencia fortemente sua estrutura de governança, impactando a escolha

    de projetos de investimentos e afetando seu processo de criação de valor. De forma

    definitiva, não tem sentido a aplicação exclusiva da lógica inerente à abordagem

    micronormativa de buscar entender a empresa apenas como a geradora de

    benefícios a seus proprietários.

    Por essa visão, esses custos de agência estendem-se também para as dívidas

    contraídas pela firma. Os custos de falência induzem os credores a incorrer em

    custos de monitoramento de seus recursos aplicados nas empresas, os quais

    derivam dos incentivos associados à alavancagem. Como sistematizam Grinblatt e

    Titman (1998), o acionista pode assumir estratégias que transfiram riqueza do credor

    para si mesmo, que se manifestariam de diferentes formas, como:

    • adoção de estratégias de subinvestimentos, com a recusa de projetos com alto

    Valor Presente Líquido – VPL - porque seus benefícios serão capturados em sua

    maior parte por financiamentos anteriores, com cláusulas de precedência. Por

    sua vez, essas cláusulas desincentivam novos credores a colocar mais dinheiro

    na firma, reduzindo seu funding para novos projetos;

    • orientação de curto prazo, o que significa que as empresas escolhem projetos

    geradores de caixa a curto prazo, mesmo que seu VPL não seja atrativo;

    • escolha de projetos com maiores taxas de risco, desde que a expectativa de

    retorno para o acionista seja maior do que de projetos com menor risco,

    aumentando a probabilidade de perda total para o credor, no caso de insucesso

    do projeto;

  • 43

    • postergação de liquidação da firma no caso de falência, porque o fluxo de caixa

    poderá remunerar de alguma forma o acionista e manterá, certamente, os

    salários dos gestores. Cabe ainda lembrar que, no caso de liquidação, os

    acionistas são os últimos a receber valores no processo legal, o que os incentiva

    ainda mais a comportamentos espúrios.

    Como enfatizam Grinblatt e Titman (1998), custos de falência, subsídios tributários e

    custos de agência são manifestações típicas do mundo real do mercado, e as inter-

    relações entre elas influenciam decisivamente as escolhas de estruturas de capital,

    as formas e a extensão da distribuição de resultados aos acionistas, além de

    interferir nas relações entre os stakeholders da organização.

    No caso específico dos stakeholders, verifica-se que estratégias de investimentos da

    firma têm relação com graus de dificuldades financeiras, o que pode levar clientes e

    fornecedores, por exemplo, a evitar fazer negócios com essa firma, por medo das

    conseqüências de uma possível falência. Esta situação pode levar também a perda

    de qualidade dos produtos ou redução dos serviços de assistência técnica pós-

    venda para os clientes, afastando-os da empresa. Essa mesma situação pode levar

    à postergação dos pagamentos a fornecedores e, ainda, no caso dos empregados, a

    perda de emprego ou privação de oportunidades de crescimento profissional

    (GRINBLATT e TITMAN, 1998).

    Ainda mais, os investimentos em imagem e credibilidade da sua reputação e

    produtos seguem nessa mesma trilha, e Grinblatt e Titman (1998) apontam que "sob

    dificuldades financeiras, o valor a longo prazo de uma boa reputação pode ser

    menos importante para gerentes que a necessidade de geração de caixa a curto

    prazo com o intuito de evitar a falência" (GRINBLATT e TITMAN, 1998, p. 582).

    Muito embora os custos de falência impostos por uma firma a seus stakeholders

    retornem na forma de restrições sobre sua capacidade de elaborar estratégias, essa

    mesma situação gera alguns benefícios como, por exemplo, o de dissuadir

    sindicatos de empregados de demandas diversas e o de sensibilizar governos

    quanto a disponibilizar concessões para evitar situações falimentares de empresas.

  • 44

    Os custos de falência de uma grande firma incidentes sobre uma comunidade na

    forma de baixa da atividade econômica reduzem, também, a capacidade de recolher

    impostos dessa mesma comunidade. É claro que esse efeito representa um

    catalisador da boa vontade governamental para este tipo de negociações.

    Myers e Majluf (1984) desenvolvem um modelo de equilíbrio para a decisão de

    emitir-investir baseado nas seguintes suposições: a empresa tem uma oportunidade

    valiosa de investimento e existem informações assimétricas entre gerentes e

    investidores. Concordam, ainda, que a firma opera em um mercado de capitais

    eficiente onde o VPL dos títulos emitidos é zero visto que é compensado pelo VPL

    dos investimentos pretendidos.

    Isto é de fato um equilíbrio complexo que envolve muitas variáveis e demonstra a

    interligação entre a estrutura de capital e decisões de escolha dos projetos de

    investimento da firma. Ao contrário da irrelevância da estrutura de capital sobre o

    valor dos ativos, conforme proposto por MM, o modelo mostra sua conexões.

    Eles propõem nas conclusões de seu estudo que a firma deve evitar financiar seus

    investimentos via emissão de capital. Ela deve, também, fixar uma meta de

    dividendos compatível com possíveis investimentos de capital e com a geração

    interna de recursos.

    De qualquer forma, o poder discricionário dos gestores é reduzido pela alavancagem

    financeira, na medida em que exerce pressão sobre o fluxo de caixa da empresa,

    deixando pouca margem de manobra decisória. Neste quadro, o gestor dispõe-se a

    investir menos, pois se veria com poucos recursos para novos projetos. Além disso,

    uma estrutura de capital alavancada introduz outro stakeholder no sistema de

    governança da firma, qual seja, a instituição financeira. O aumento de sua

    participação na estrutura de capital dá-lhe poderes de monitorar as decisões dos

    gestores, via controle de suas linhas de crédito adicionais.

    Assim é que, como afirmam Myers e Majluf (1984), a estrutura de governança,

    desenhada pela estrutura de capital da firma é, portanto, um dado da realidade que

  • 45

    afeta a geração de valor para ela. Dito de outra forma, as decisões de finanças

    afetam a estratégia da firma, e a formulação desta deve levar em conta as finanças

    corporativas, representando, ambas, os dois lados de um mesmo processo

    decisório.

    Por outro lado, esses mesmos conflitos entre acionistas e credores suscitam a busca

    de sua superação e uma das maneiras encontradas é a de financiar a firma somente

    com capitais próprios. No entanto, essa forma radical de eliminar os conflitos

    desaparece também com os benefícios decorrentes do endividamento como as

    economias de impostos. Desta maneira, os gestores buscam formas de minimizar

    esses conflitos lançando mão de artifícios como cláusulas restritivas nos contratos

    de financiamento ou a busca de instituições privadas – companhias de seguro ou

    fundos de pensão – como provedores de crédito, no lugar de emitirem títulos

    públicos de dívidas. Essas instituições privadas de crédito podem monitorar mais de

    perto os novos créditos da firma, protegendo os contratos com cláusulas restritivas,

    reduzindo os conflitos de interesse entre credores e acionistas.

    Vimos, portanto, que a escolha da estrutura de capital não é uma questão de

    indiferença para o valor da firma, conforme proposto por Modigliani e Miller (1958),

    até porque, nas questões relacionadas às decisões de financiamento desta, o gestor

    se vê envolvido com toda uma gama de variáveis imbricadas entre si, exercendo

    impactos fortes e contraditórios sobre o processo decisório. Naturalmente, quando a

    isso somamos as dificuldades inerentes às decisões de pagamento de dividendos, a

    própria natureza das finanças corporativas muda vivamente de contorno, e as

    pretensões de se ater apenas à abordagem micro ou macronormativa, no sentido de

    entender o processo de decisões das organizações, perdem sentido. Enfim, todo

    esse processo acaba por tornar mais próximas as decisões de gestão financeira da

    formulação de estratégias da firma.

    Dessa forma, as proposições sobre a inter-relação entre estratégia e finanças vêm

    hoje ganhando contornos cada vez mais nítidos e precisos com trabalhos e

    pesquisas sobre o tema. Na síntese que empreenderam sobre o estado da arte na

    área denominada teoria da estrutura de capital, Harris e Raviv (1991) apontaram um

  • 46

    conjunto de cerca de 150 papers sobre o assunto, justificando os quatro

    agrupamentos adotados com base em determinantes de estruturas de capital, os

    quais seriam para eles:

    1. conflitos de agência da firma;

    2. assimetria de informações entre agentes internos e externos às organizações, no

    contexto da seleção adversa de ativos;

    3. características dos mercados de produtos e insumos das empresas;

    4. disputa pelo controle corporativo.

    Em outro trabalho de síntese do estado da arte sobre estrutura de financiamento de

    empresas, Balakrishnan e Fox (1993, p. 14) adotam agrupamentos sobre os títulos

    de "níveis de deduções tributárias financeiras", "níveis de deduções tributárias não

    financeiras", "teoria de agência e endividamento", "fluxo de caixa livre,

    endividamento e falência", "estrutura de capital por indústria". Além disso, os autores

    adotam as perspectivas da transaction costs economics de Coase (1937) e da

    resource based view da economia industrial, como base para pesquisas acerca dos

    elos entre estratégia de negócios e estrutura de capital.

    Encerrando, os trabalhos assinalados nesta seção revelam o grande potencial de

    estudo que deriva desta busca de elos entre finanças e estratégia, o que significa

    trabalhar em campos teóricos fundados sobre paradigmas diferentes e que se

    expressa na frase de Harris e Raviv (1991, p. 300) de que modelos de estrutura de

    financiamentos baseados nas interações dos mercados de produtos e de insumos

    estão ainda em sua infância.

    3.4 As pesquisas empíricas

    Os primeiros estudos empíricos no campo da estratégia, dentre os quais se

    sobressaem os de Andrews (1965), Ansoff (1977) e Chandler (1986), tinham um

    caráter mais normativo, fruto de observações não sistematizadas da realidade. No

    entanto, a partir da década de 70, os estudos tomaram um rumo mais pragmático,

  • 47

    em que se buscavam por meio de observações empíricas as comprovações acerca

    de conclusões retiradas de modelos teóricos. Por exemplo, estudos sobre as

    cervejarias americanas propiciaram comprovar os elos entre estratégia e

    performance da firma.

    O estudo da arte estratégica recebeu em Child (1972) uma síntese das questões

    empíricas envolvidas à época nas pesquisas, ao mesmo tempo em que fazia sua

    proposição de abordagem ao ambiente da firma sistematizada segundo três grandes

    dimensões de análise: variability, complexity e illiberality. A seu ver, essas

    dimensões propostas poderiam suprir uma lacuna conceitual no estudo da disciplina,

    que se tinha até então, e que ele expressava nos termos seguintes: Até o momento presente, alguns dos modelos mais influentes de organizações explicam pouco mais do que associações positivas entre dimensões de estrutura organizacional e fatores "contextuais", tais como ambiente, tecnologia e escala de operação (CHILD, 1972, p. 2).

    Seguindo esta mesma linha, a integração das variáveis de estratégia e ambiente foi

    proposta por Bourgeois (1981), a qual se daria por meio de uma estrutura que

    articulava proposições da literatura de Business Policy e Organization Theory. Da

    primeira é retirado o conceito de estratégia e sua subdivisão em duas partes:

    estratégia corporativa, relativa à escolha dos domínios de atividades da corporação

    como um todo, e estratégia do negócio, com foco na competição em mercados-

    produtos de uma indústria específica. Da segunda, é retirado o conceito de ambiente

    e sua subdivisão também em duas partes: ambiente geral e ambiente da tarefa. No

    geral, identificam-se as oportunidades de negócios com o ambiente geral, ao passo

    que a navegação estratégica da firma é associada à tarefa. Prosseguindo, o autor se

    propõe a integrar as estratégias corporativas ao ambiente geral e as estratégias do

    negócio ao ambiente da tarefa.

    Essa abordagem permanece na literatura técnica da área e pode-se mapeá-la em

    diferentes autores da disciplina. Em 1984, Dess e Beard apresentaram em seu

    estudo "uma abordagem para mensurar o ambiente de tarefa das organizações..."

    utilizando dados objetivos. Segundo os autores, o principal objetivo de sua análise

  • 48

    era a mensuração das variações das transações entre organização e ambiente,

    especificando o que se denominava ambiente da tarefa.

    As dimensões elencadas do ambiente foram denominadas munificence, dynamism e

    complexity. Por munificence definiram a capacidade de o ambiente sustentar o

    crescimento das vendas de suas organizações; dynamism respondia pela

    turbulência do ambiente de negócios, pela ausência de padrões, pela sua

    imprevisibilidade e estabilidade-instabilidade; complexity era o termo para expressar

    a heterogeneidade e abrangência das atividades das firmas.

    Em termos práticos, os autores utilizaram um conjunto de 17 variáveis como proxies,

    destacando-se as Vendas, Margem Bruta, Total de Empregados, Valor Adicionado e

    Total de Estabelecimentos como as mais representativas, tendo es