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ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA COMO POSSIBILIDADES
NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Carolina de Souza Itiberê Ferreira da Silva Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação Vera Cruz Marília Costa Dias Orientadora
RESUMO
O presente artigo visa avaliar a eficácia de estratégias e recursos de comunicação suplementar e alternativa, utilizados para potencializar o desenvolvimento da linguagem de uma criança de 4 anos, que não utiliza a linguagem oral para se comunicar com outros. O estudo surgiu a partir de observações e reflexões de uma professora, em um grupo de crianças de educação infantil, entre três e quatro anos de idade, e de suas indagações sobre como o professor pode promover o desenvolvimento da linguagem de todos os alunos e também daqueles que não utilizam a linguagem oral como meio de comunicação. Estas inquietações surgiram por conta do reconhecimento de que a educação infantil é uma fase privilegiada para o desenvolvimento da linguagem, e também de que é necessário identificar as necessidades de cada criança para implementar mudanças, quanto às estratégias e materiais, que permitam a ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas para todos os alunos. O estudo realizado por meio da pesquisa qualitativa, cuja coleta de dados se deu pela observação participante e análise de documentos da escola. Esse confirmou que o uso de estratégias e recursos de comunicação alternativa e suplementar de fato potencializam o desenvolvimento da linguagem e oferecem melhores condições de desenvolvimento para os alunos, que por algum motivo, não usam a linguagem oral, como meio prioritário de comunicação.
Palavras- chave: Comunicação alternativa e suplementar. Desenvolvimento da linguagem.
Educação inclusiva. Tecnologia assistiva.
Refletir a respeito do importante papel da linguagem na vida de uma pessoa nos
remete pensar sobre o papel da escola, e mais precisamente da Educação Infantil, como um
espaço privilegiado para o convívio social e acima de tudo para o desenvolvimento da
linguagem, em todas as suas possibilidades de expressão.
A oportunidade de estar com o outro, compreender que ele pode ser diferente em
vários sentidos, principalmente no que se refere a sua forma de se comunicar, desencadeou
bons motivos para que tivesse inicio esta pesquisa. A percepção das crianças sobre aquilo que
é novo e diverge do que já conhece, ou entende, é fascinante. “Por que ele não me pediu? Aí
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eu dava.”; “Ele não fala?”; “Ele fala igual a um bebê?”. Falas como essas nos convidam a
compreender como as crianças estão vendo a comunicação, e como podem estabelecer o
diálogo com alguém que difere delas em alguns aspectos. Cabe salientar o papel do professor
como primordial em relação ao encaminhamento de tais situações, pois suas intervenções
podem contribuir para que os alunos possam reconhecer as dificuldades e limitações de cada
um dentro do grupo e a partir de então, desenvolver atitudes e estratégias facilitadoras da
comunicação, entendendo a diversidade e as diferenças como naturais. Para Maria Teresa
Eglér Mantoan (2008, p. 67) “É sem dúvida, a heterogeneidade que dinamiza os grupos, que
lhes dá vigor [...]”.
Imaginemos então a situação na qual um professor de Educação Infantil se depara com
uma criança em seu grupo que não fala. Como o professor de Educação Infantil pode então
promover o desenvolvimento da linguagem de todos os seus alunos e também daqueles que
não se utilizam da linguagem oral como meio de comunicação? Questões como essas
surgiram a partir da reflexão sobre as conversas infantis e a linguagem. Segundo (WARREN
& KAISER, 1980, p. 206 apud MORESCHI, ALMEIDA 2009, p. 206- 215) “A capacidade
de utilizar a linguagem é essencial para a aquisição dos sistemas simbólicos bem como para
os relacionamentos interpessoais”.
Em se considerando a relevância dos temas abordados até então, o papel da linguagem
na comunicação, dentro de uma escola que se diz inclusiva, vê a inclusão como
responsabilidade social, que respeita a pessoa na sua individualidade e em seu processo de
construção de uma identidade individual e coletiva. É preciso que a criança seja vista como
parte de um contexto que demanda mudanças quanto às estratégias e materiais que atendam
suas necessidades específicas, dentro de seus ritmos próprios, no sentido de que ela possa ter
assegurado o diálogo com outros. Segundo Mantoan (2008, p. 67) “Talvez seja este o nosso
maior mote: fazer entender a todos que a escola é um lugar privilegiado de encontro com o
outro”. Um caminho que não pode ser por uma via única, a sociedade impondo a fala
(linguagem oral) como forma hegemônica de comunicação. E sim, uma via de mão dupla na
qual, nós enquanto pessoas, cidadãos e profissionais devemos estar abertos a busca de
estratégias que facilitem a comunicação.
Esse estudo foi realizado a partir da experiência de uma dupla de professores dentro de
um Grupo 4, formado por dez crianças (de três e quatro anos de idade) de uma escola regular
de educação infantil da rede particular de ensino, localizada na zona oeste de São Paulo.
Partilhar essas reflexões sobre o caminho percorrido pode colaborar com a experiência
de outros, que talvez possam estar vivenciando algo semelhante com seu grupo.
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O grupo de alunos estudado caminha junto desde o G3 e neste ano sofreu mudanças,
pois contou com a saída de duas crianças, que mudaram para o período da tarde; e a entrada
de dois novos colegas. Uma delas, uma criança que não usa a linguagem oral para se
comunicar, por razões ainda não identificadas. Essas mudanças no grupo geraram comentários
por parte das crianças em relação à forma de se comunicar muito particular de cada um, e
expressões de dúvidas por não entenderem o que estava sendo dito em alguns momentos: “O
que você disse?”; “Eu não entendi o que você tá contando”; “Ele é diferente”. Inclusive,
ocorrendo certo constrangimento em determinadas situações, como por exemplo, quando uma
criança deu risada enquanto outra contava uma história e disse: “Ele fala de um jeito
engraçado”. Uma questão delicada, que teve de ser abordada e discutida com o grupo, com a
devida clareza que ela merece.
Na busca de possíveis respostas deu-se inicio a essa investigação cujo objetivo é o de
avaliar a eficácia de estratégias e recursos de comunicação suplementar e alternativa,
utilizados para potencializar o desenvolvimento da linguagem de uma criança (F.) de quatro
anos, que não utiliza a linguagem oral para se comunicar com outros. Vale ressaltar que F. é a
inicial de um nome fictício dado a uma das crianças que entraram no Grupo 4. De forma a
preservar, o seu anonimato e o da escola.
F. completou 4 anos no inicio de junho e já frequentou duas escolas anteriormente.
Um retorno positivo é ver a alegria com que chega à escola e vem nos cumprimentar logo no
inicio do dia. Independentemente de ter informações relevantes do diagnóstico de F. estamos
falando de uma pessoa, uma criança nova que adentrou ao grupo. Acima de tudo precisamos
estar abertos à diversidade e aos desafios que ela nos oferece. Além de ministrar medicação
diária, algo significativo e que nos foi passado é o fato de F. ter uma “má formação
cerebelar”, convulsões frequentes e como devemos proceder caso isso aconteça na escola.
Para Oliveira (1997, p. 83) “[...] o cérebro é um sistema aberto, que está em constante
interação com o meio e que transforma as suas estruturas e mecanismos de funcionamento ao
longo desse processo de interação”. Esse com certeza se altera na relação do homem com o
mundo.
Este grupo é acompanhado por duas educadoras que têm um momento de reunião
semanal, cujas ações são acompanhadas em reuniões de orientação com coordenador
quinzenalmente, além de reuniões grupais quinzenais da equipe docente. Há também uma vez
por semestre a semana de reunião pedagógica. Tais reuniões promovem uma reflexão a
respeito das estratégias e possíveis recursos de comunicação alternativa na prática educativa,
na rotina diária deste grupo.
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A formação permanente dos professores merece uma atenção especial, pois
corresponde ao momento de reflexão crítica sobre a prática, que provoca movimentos de
ruptura, decisões e assumir novos compromissos segundo Paulo Freire (1996, p. 16) “é por
esta ética inseparável da prática educativa, não importa se trabalhamos com crianças, jovens
ou adultos, que devemos lutar”. A prática “educativo- crítica” tem em sua mais difícil tarefa
propiciar condições para que os educandos segundo ele, possam nas suas relações, tanto com
os professores quanto com os próprios educandos ensaiarem a experiência profunda de
assumir-se. “A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros” (Freire, 1996, p.
41). O professor precisa respeitar não só a curiosidade das crianças, mas também a sua
linguagem, a sua prosódia e sintaxe.
Este trabalho se justifica pela necessidade da realização de pesquisas nessa área e um
maior aprofundamento por parte dos professores, bem como sua formação em relação ao uso
de recursos que possibilitem o desenvolvimento da linguagem das crianças, visando garantir a
possibilidade de comunicação desde a Educação Infantil.
A partir do momento que se propõe a inclusão nas escolas regulares, temos que
assegurar às crianças desde o inicio tais alternativas, para que elas caminhem para além dos
muros da escola. Um trabalho que se faça de forma interdisciplinar, pois envolve não só a
comunidade escolar, mas também os diferentes profissionais que possam estar envolvidos no
trabalho com determinada criança, tais como: terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo,
psicólogo, fisioterapeuta, médico, dentre outros.
ACESSO A FORMAS DIFERENTES DE COMUNICAÇÃO
Estabelecer um diálogo pressupõe ver o outro como potencial interlocutor, que precisa
ser compreendido na sua individualidade. Fato esse que ficará claro durante a apresentação
desta pesquisa, que considera a educação inclusiva como ponto de partida para que tais
situações possam aparecer, privilegiando as crianças de estarem juntas.
Segundo o Ministério da Educação (BRASIL. MEC/SEESP, 2007, f.1) a educação
inclusiva “[...] conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança em
relação à ideia de equidade [...]”. Uma trajetória com certeza difícil, mas que merece atenção
por parte de todos nós envolvidos com instituições de ensino. Faz-se ainda necessário para
esse documento “[...] confrontar as práticas discriminatórias e criar alternativas para superá-
las” (BRASIL. MEC/SEESP, 2007, f.1). A educação inclusiva assume espaço central acerca
da sociedade contemporânea e do papel da escola na superação da lógica da exclusão.
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Alternativas que possibilitem e garantam de alguma forma a comunicação, devem ser
vistas como um direito de todos nós. Segundo o artigo 1º da Declaração Universal dos
Direitos Humanos aprovada pela ONU em 1948: “Todos os seres humanos nascem livres e
iguais em direitos e dignidade”. O acesso à educação, e o reconhecimento da educação
infantil como sendo fundamental para o desenvolvimento da linguagem da criança e a
importância do acesso às diferentes formas de comunicação ficam claros no trecho a seguir
das orientações do Ministério da Educação:
O acesso à educação tem início na educação infantil, na qual se desenvolvem as bases necessárias para a construção do conhecimento e desenvolvimento global do aluno. Nessa etapa, o lúdico, o acesso às formas diferenciadas de comunicação, a riqueza de estímulos nos aspectos físicos, emocionais, cognitivos, psicomotores e sociais e a convivência com as diferenças favorecem as relações interpessoais, o respeito e a valorização da criança. (BRASIL. MEC/SEESP, 2007, f. 10)
O Referencial curricular nacional para a educação infantil ressalta também o trabalho
com a linguagem como sendo um dos principais eixos da educação infantil, pois ela é
fundamental “[...] para formação do sujeito, para a interação com as outras pessoas, na
orientação das ações das crianças, na construção de muitos conhecimentos e no
desenvolvimento do pensamento” (BRASIL, 1998, p. 116). A comunicação acontece para
além da linguagem oral, por meio dos gestos, de sinais e da linguagem corporal.
Dentro deste contexto que aborda pensamento e linguagem um autor que merece ser
citado é Lev Semenovich Vygotsky que ressalta “[...] o desenvolvimento do pensamento é
determinado pela linguagem, isto é, pelos instrumentos linguísticos do pensamento e pela
experiência sócio-cultural da criança” (VYGOTSKY, 2008, p. 62). O crescimento intelectual
da criança depende da linguagem, do seu domínio dos meios sociais do pensamento. Ainda
para esse autor, “o pensamento verbal não é uma forma de comportamento natural e inata,
mas é determinado por um processo histórico- cultural e tem propriedades e leis específicas
que não podem ser encontradas nas formas naturais de pensamento e fala” (VYGOTSKY,
2008, p. 62).
Para discutir tais ideias Oliveira (1997) ressalta a importância do conceito de mediação
simbólica na obra de Vygotsky, pois “a linguagem é o sistema simbólico básico de todos os
grupos humanos” (OLIVEIRA, 1997, p. 42). A autora ressalta ainda que Vygotsky trabalha
com duas funções básicas da linguagem. “A principal função é a de intercâmbio social: é para
se comunicar com seus semelhantes que o homem cria e utiliza os sistemas de linguagem”.
Um exemplo é o do bebê que está começando a falar, que ainda não consegue, não sabe como
articular algumas palavras utilizadas pelos adultos, muito menos o significado real delas. “[...]
mas consegue comunicar seus desejos e seus estados emocionais aos outros através de sons,
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gestos e expressões” (OLIVEIRA, 1997, p. 42). Então para que a comunicação aconteça não
basta apenas a transmissão de situações de “desconforto” ou “prazer” manifestados pelo bebê.
“É necessário que sejam utilizados signos, compreensíveis por outras pessoas, que traduzam
ideias, sentimentos, vontades, pensamentos, de forma bastante precisa” como nos diz Oliveira
(1997, p. 42) que valoriza a experiência pessoal vivenciada de modo particular e complexo.
A outra função da linguagem é a do “pensamento generalizante”. Ainda para Oliveira
(1997, p. 43) “A linguagem ordena o real, agrupando todas as ocorrências de uma mesma
classe de objetos, eventos, situações, sob uma mesma categoria conceitual”. Ao chamar um
objeto de cachorro, o classifico e o agrupo então na categoria “cachorro” junto com outros
elementos da mesma categoria; ao mesmo tempo em que ele se torna diferenciado de
elementos de outras categorias. “A linguagem fornece os conceitos e as formas de
organização do real que constituem a mediação entre o sujeito e o objeto de conhecimento”
(Oliveira, 1997 p. 43).
Retomar de forma breve o caminho que a criança percorre antes de ter domínio da
linguagem, enquanto sistema simbólico nos remete a alguns exemplos observados também
dentro da educação infantil. As crianças têm “[...] capacidade de resolver problemas práticos,
de utilizar instrumentos e meios indiretos para conseguir determinados objetivos”
(OLIVEIRA, 1997, p. 46) tal como escalar uma prateleira para alcançar algum objeto. Nessa
fase ela já se utiliza de algumas manifestações verbais, tais como: choro, o riso e o balbucio,
como meio de contato social, de comunicação com pessoas diferentes. Oliveira (1997, p. 52)
comenta ainda que para Vygotsky a criança passa da fala socializada, com a função de se
comunicar, manter um contato social, para depois então utilizar a linguagem como função de
adaptação, como instrumento de pensamento, e mais tarde a internalização do discurso. A
“fala egocêntrica” aparece como relevante na transição do discurso socializado ao discurso
interior durante certo momento do desenvolvimento da criança. Independentemente de ter a
presença de um interlocutor a criança fala alto a si mesma. A fala egocêntrica acompanha a
atividade da criança, começando a ter uma função pessoal; “[...] procedimento de transição,
no qual o discurso já tem a função que terá como discurso interior, mas ainda tem a forma da
fala socializada, externa” (OLIVEIRA, 1997 p. 52). Para além da função de comunicação, a
linguagem é usada como instrumento (interno) de pensamento.
Segundo Oliveira (1992, p. 76 apud TAILLE, OLIVEIRA, DANTAS, 1992, p.75-84)
Vygotsky “[...] o pensamento tem sua origem na esfera da motivação, a qual inclui
inclinações, necessidades, interesses, impulsos, afeto e emoção. Nesta esfera estaria a razão
última do pensamento [...]”. Não é possível criar a linguagem independentemente do
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indivíduo, pois ao mesmo tempo em que é criada também é partilhada pelos membros de uma
mesma cultura segundo Tetzchner (2009, apud DELIBERATO, GONÇALVES, MACEDO
2009, p. 14).
Considerando os casos de crianças que não falam Manzini (2009) em sua pesquisa
relatou a importância de estudos no sentido de contribuir com a Comunicação Alternativa
(CA), uma discussão em torno de possíveis formas de avaliação das habilidades
comunicativas de alunos não falantes tanto no contexto familiar, como no contexto escolar.
Ressalta também, a discussão da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como possibilidade
dentro da Comunicação Alternativa em se considerando pessoas que não são surdas.
Moreschi e Alameida (2009) ressaltam que os Sistemas de Comunicação
Alternativa/Ampliada (CAA) no Brasil não levam em consideração a reflexão sobre o
significado da linguagem, o que pode prejudicar o uso da CAA.
Outro autor, Neumann (1990), também discute a função da Comunicação Alternativa
(CA) e enfatiza a relação com a educação, como meios que possibilitam aos indivíduos
compreender a realidade em que vivem, e não pelos artifícios que a comunicação em massa se
utiliza.
Para Fernandes (1998, apud CHUN 2009) o Sistema de Comunicação alternativa é
visto como um sistema que pode ser alternativo à fala quando tiver como objetivo substitui-la
devido a severas dificuldades na articulação das palavras, tornando-as incompreensíveis. Para
o mesmo autor, o Sistema de Comunicação suplementar serve para compensar deficiências
que a fala apresenta, mas sem substituí-la totalmente.
O conceito de CA também é referido por Glennen (1997, apud DELIBERATO, 2012),
como formas de comunicação, estratégias que podem substituir ou suplementar a função da
fala, o que promove uma maior integração da pessoa ao meio social, permitindo assim, que se
estabeleça a comunicação.
Outro aspecto que merece ser apontado é o fato do uso de recursos tecnológicos em
prol da comunicação. Para Bersch (2009) o conceito de tecnologia assistiva, que possibilita
por meio do uso da tecnologia ampliar ou promover habilidades necessárias aos problemas
funcionais apresentados por pessoas com deficiência na sua vida diária. A comunicação
alternativa segundo ainda essa autora é uma área da tecnologia assistiva.
O Comitê de Ajudas Técnicas (CAT) em sua VII Reunião aprovou no dia 14 de
dezembro de 2007, o seguinte conceito:
Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que
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objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social”. (CORDE/SEDH/PR – Comitê de Ajudas Técnicas – ATA VII)
Para Bersch (2008) do Centro Especializado em Desenvolvimento Infantil (CEDI) de
Porto Alegre/ RS:
A Tecnologia Assistiva – TA é um termo ainda novo, utilizado para identificar todo o arsenal de recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência e conseqüentemente promover vida independente e inclusão.
Bersch (2008, p. 2) ainda apresenta a definição de Cook e Hussey (1995) para
tecnologia assistiva que se utiliza do conceito do ADA – American with Disabilities Act,
como “uma ampla gama de equipamentos, serviços, estratégias e práticas concebidas e
aplicadas para minorar os problemas funcionais encontrados pelos indivíduos com
deficiências”.
Para Bersch (2009, p. 181) “a comunicação é fundamental para o exercício da
autonomia. Por meio da comunicação é possível gerenciar a própria vida e este é sem dúvida
o maior objetivo de qualquer projeto de intervenção em tecnologia assistiva”.
Fica evidente a meu ver, que o uso de todos estes recursos abrem portas para inclusão
e acima de tudo estratégias que garantam a função primordial da linguagem, a de comunicar.
INVESTIGANDO A PRÁTICA
A preocupação das professoras desencadeou uma investigação na busca de possíveis
estratégias para colaborar com o desenvolvimento da linguagem de F., e de diferentes
possibilidades de comunicação, visto que durante seu período de adaptação na escola,
praticamente não fez uso da linguagem oral e tampouco de gestos para se comunicar.
A escola
A pesquisa ocorreu dentro de uma escola que se diz inclusiva, pois valoriza a
diversidade e acolhe cada um dentro da sua individualidade, contemplando as necessidades
que se façam necessárias. Garante assim, uma proximidade das famílias que se tornam
parceiras nesse processo.
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A forma de acolher as crianças é algo que envolve a todos, mesmo porque a escola
tem como um dos seus grandes pilares, os momentos de interação. Esses acontecem com os
diferentes grupos, desde as crianças de um ano de idade (Grupo 1) até o grupo 4. Geralmente
esses acontecem na entrada e durante as refeições (lanche e almoço das crianças). No
convívio com o outro, seja ele do mesmo grupo ou não, é possível a troca de experiências,
uma relação construída com base no respeito ao que o outro traz, suas crenças, pois cada um
dentro da sua individualidade pode contribuir muito na formação de todos nós.
Para tal, a escola é vista como lugar de experimentação, na qual o professor deve
instigar as crianças a serem “observadores e investigadores”. O crescente domínio do uso da
linguagem possibilita a criança ampliar o seu contato com o mundo mediado pelas
representações e significados culturalmente construídos, segundo a proposta pedagógica desta
escola. Segundo Freire (2010) a escola como sendo um lugar de gente curiosa.
Rego (1995) se refere a obra de Vygotsky como fundamental na relação entre o
ensino, aprendizagem e desenvolvimento, pois atenta ao fato de que a escola “[...] tem um
papel diferente e insubstituível na apropriação pelo sujeito da experiência culturalmente
acumulada” (REGO, 1995, p. 103), já que ela oferece conteúdos e desenvolve modalidades de
pensamento específicas. A escola é vista como elemento imprescindível para a realização
plena do desenvolvimento dos indivíduos.
A metodologia
Para atingir os objetivos deste trabalho optamos então pela pesquisa de natureza
qualitativa. Segundo Michel (2005, p. 33) a pesquisa qualitativa: “fundamenta-se na
discussão da ligação e correlação de dados interpessoais, na coparticipação das situações dos
informantes, analisados a partir da significação que estes dão aos seus atos”. Ele ressalta ainda
que na análise desta há termos “tão carregados” de valores que somente as pessoas envolvidas
no sistema social estudado, podem compreendê-los e interpretá-los, pois vivem e conhecem a
realidade do grupo em questão. Destaca ainda que neste tipo de pesquisa, o pesquisador
participa, compreende e interpreta.
Deslandes e Gomes (2008) afirmam que este tipo de pesquisa responde à questões
muito particulares. Esta trabalha com um conjunto de “fenômenos humanos”: o universo dos
significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes, que são
vistos como parte da realidade social. Ainda para estes autores, “[...] o ser humano se
distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e
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a partir da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes” (DESLANDES; GOMES,
2008, p. 21).
A coleta de dados
A coleta de dados se deu por meio de observação participante e análise de documentos
da escola. Segundo Oliveira (2007, p. 81):
Na observação participante, o pesquisador (a) deve interagir com o contexto pesquisado, ou seja, deve estabelecer uma relação direta com grupos ou pessoas, acompanhando-os em situações informais ou formais e interrogando-os sobre os atos e seus significados por meio de um constante diálogo. Essa participação pode ser mais intensa quando o pesquisador (a) na qual as observações são parte integrante do grupo pesquisado, ou seja, quando se identifica com esse grupo pelo cotidiano da vida, das ações e aspirações.
Pelo fato da maioria das crianças já se conhecerem e estar juntas a mais de um ano,
possibilitou uma “participação mais intensa” conforme Oliveira (2007), o que permitiu a
coleta de um material repleto de detalhes que foram fundamentais para encaminhar, acima de
tudo os projetos que vêm sendo desenvolvidos com o grupo, do qual F. faz parte. Durante a
coleta de dados foi possível refletir sobre o currículo, e os desafios que teríamos pela frente na
constituição deste grupo, para que todos tivessem as mesmas oportunidades e se sentissem
acolhidos nas suas particularidades.
A coleta também se deu por meio dos registros das professoras, as discussões
realizadas nas reuniões de coordenação, reuniões pedagógicas e nas reuniões de dupla, fotos e
vídeos, os relatórios individuais (de adaptação e do semestre de F.) e também conversas
informais com outras pessoas da escola. Além dos professores, coordenadoras que não a
específica do grupo, direção e funcionários da escola (a equipe de apoio principalmente)
trouxeram retornos e questionamentos que foram importantes para o encaminhamento da
prática.
O processo de investigação
Algumas fases parecem ter se constituído como marcos ao longo deste processo,
mesmo que não de uma forma estanque.
Fase inicial
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Foi a partir das observações durante o período de adaptação de F., os primeiros dias na
escola que possibilitaram dar os primeiros passos no sentido de integrar as crianças. O
processo da adaptação de F. foi muito semelhante ao que acontece com qualquer outra criança
do grupo, a presença dos pais inicialmente acompanhando as crianças que ficam na escola por
algumas horas, para depois ficar o período todo. Vez ou outra, F. fazia uma visita ao seu pai e
retornava ao grupo, com apoio das educadoras e/ou coordenação que lhe davam a mão.
Desde o inicio F. mostrou se identificar com alguns objetos sendo difícil soltá-los,
assim como: vassoura, cavalinho de pau, escorredor de pratos de metal (para secagem do
material da oficina de artes), uma cadeira de vime (da sala do Grupo 2) e as almofadas da
sala. Esses objetos foram sendo utilizados por nós como uma estratégia para que F. ficasse
com o grupo e mais ainda nas atividades que são propostas dentro da sala, um espaço no qual
foi difícil inicialmente, pois demonstrou preferência pelos espaços externos. Ele mesmo
elegeu em cada ambiente um objeto com o qual se identifica.
Fase dois
A partir de então selecionamos alguns objetos que ficaram mais fortes para que
ele participasse das atividades que foram propostas ao grupo, ao longo da nossa rotina
semanal. Algo que parece refletir o que é apresentado por Stephen Von Tetzchner (2009) em
relação às crianças em processo de desenvolver modos alternativos de comunicação, no qual
esses objetos parecem representar suportes, “o sistema de suporte está pautado na
compreensão de que as crianças buscam ativamente atribuir sentidos ao seu mundo físico e
social” (TETZCHNER, 2009, Apud DELIBERATO; GONÇALVES; MACEDO, 2009, p.
15). Tais suportes parecem ter contribuído para nós educadores na possibilidade de
compreender e acompanhar a atenção de F. tirando conclusões sobre o conhecimento e
compreensão linguísticos dele. A partir de então poder encaminhar sua participação em
algumas atividades, segundo ainda Tetzchner (2009), aquelas culturalmente significativas,
mostrando então que a linguagem pode ser utilizada com vários propósitos e em diversas
situações.
Para além dos objetos, outra estratégia com a qual nos apoiamos foi o uso dos cartões
(imagens) que representam os diversos momentos e espaços da nossa rotina diária, além dos
cartões com nome e/ou foto de cada criança. O que já faz parte da proposta da escola e é
utilizado em todos os grupos. Um diferencial para o grupo 4 é que nesses cartões a imagem é
acompanhada da escrita que o representa.
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Outra estratégia que utilizamos foi de viabilizar que F. circulasse mais ainda pela
escola, para além da proposta do grupo. Procurávamos atender seu pedido quando se dirigia a
porta e demonstrava ficar irritado, triste por não poder sair. Aqui se fez fundamental o
trabalho com a dupla de educadores para garantir tal possibilidade, respeitar o seu tempo,
assim como o das outras crianças.
O circular pela escola no intuito de que ele pudesse perceber e reconhecer os
diferentes espaços, por meio de alguns objetos que poderiam representá-los. Percebemos que
ao longo desses passeios ele demonstrou preferir alguns, pegava sempre os mesmos, inclusive
aqueles que estivessem fora do seu alcance. Ele nos pedia, por meio do seu olhar ou até
mesmo estendo a mão na direção do objeto, por exemplo, os bambolês (preso na parede),
cujas cores também escolhia. Garantíamos então um vínculo de confiança e respeito no
sentido de estabelecer um diálogo, mesmo que não por meio da linguagem oral.
Para Tetzchner (2009, p. 15) “a função do suporte no desenvolvimento da linguagem é
a de incrementar a competência linguística da criança, sua compreensão do uso convencional
da linguagem, assim como a sua produção criativa de novos sentidos”. Citarei apenas dois
exemplos de objetos que parecem ilustrar tal função. O uso de almofada para os momentos
que ele demonstrava estar com sono, cansado, já que inicialmente dormia aproximadamente
uma hora por dia na escola. Oferecíamos a almofada nessas situações, independentemente de
onde estávamos procurávamos trazê-la, e ele acabava dormindo próximo ao grupo.
Outro objeto que ficou forte foi o coador de plástico durante as nossas oficinas de arte.
O qual sempre estava em sua mão (dentro da oficina, pois já sabia onde o mesmo estava
guardado). Por meio desse objeto (dentro dele) apresentamos outros materiais que seriam
utilizados, por exemplo, a cola, a canetinha de ponta grossa, o pincel dentre outros, cujo
interesse varia e depende também da proposta apresentada ao grupo.
Fase três
A participação de algumas crianças do grupo ficou cada vez mais forte enquanto ver
possibilidades de comunicação para além da comunicação oral, a fala. Aquelas que
demonstraram perceber o movimento das educadoras na tentativa de atribuir sentido para a
comunicação de F. que se utilizava dos objetos, o olhar, o pegar na mão e a emissão de
poucos sons (de forma ininteligível) para se comunicar.
Um momento no qual precisamos dar conta de algumas colocações e indagações feitas
pelas crianças. O que elas traziam com relação a questão “Como a gente vai se comunicar
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com F. pois ele não fala?” As curiosidades e dúvidas levaram a dupla de educadoras discutir
sobre o tema e ouvir o que eles tinham a dizer a respeito de outras formas de “conversar com
alguém” que não seja pela fala. Registramos as falas que caminharam no sentido de perceber
que cada um tem o seu jeito de falar; a diferença da voz das mulheres e dos homens; os
animais que conversam entre si foram as mais significativas para o grupo. Apresentamos de
forma simples e objetiva, durante as rodas de conversa, materiais que se referem ao Braille e o
Dicionário da Língua Brasileira de Sinais, por serem exemplos a nosso ver que ilustram tais
possibilidades para as crianças. O corpo revela-se um importante recurso, nosso aliado
quando a questão é garantir a comunicação.
Fase quatro
Análise do material coletado
Para além desses suportes, o uso dos Sistemas de Comunicação Alternativa/ Ampliada
(CAA) contribuiu para que F. pudesse passar pelo desfralde. A partir do momento em que ele
tirou a fralda sozinho, durante uma atividade de artes na qual estava só de fralda, o levamos
ao banheiro e sinalizamos aos pais. Com a parceria escola-família começamos esse processo.
A seguir demos um significado ao gesto que F. tinha feito de colocar a mão próxima a região
da virilha. Perguntamos se ele queria fazer xixi. O levamos ao banheiro e começamos a usar
sempre tal gesto para acompanhar a nossa pergunta. Hoje, F. usa o gesto para sinalizar seu
desejo de ir ao banheiro. Um processo que aconteceu de forma tranquila.
A possibilidade do grupo 4 fazer parte do uso de tais recursos vai ao encontro de
alguns materiais já utilizados pela escola. Dentro da nossa rotina temos uma tira de feltro na
qual são colocados cartões (com velcro) que representam os diferentes espaços da escola,
atividades que serão realizadas, os momentos de alimentação e aqueles que marcam o
momento da saída. Esse material tem sido manipulado por F. de outra forma, com outro olhar.
Como sendo algo que faz parte da sua rotina também. Temos observado suas reações diante
de tais imagens. O desafio para que ele possa saber para onde o grupo está indo, sem ter que ir
com todas as crianças e/ou de mãos dadas com um dos educadores. Um dos percursos que
está garantido é quando dizemos “É hora do lanche”. Ele para rapidamente o que está fazendo
e se dirige para o local do lanche, na maioria das vezes sem nossa ajuda ou a dos colegas.
Durante todo este processo a linguagem convencional, no caso a oral está presente
dentro deste contexto das interações comunicativas com F. Ele tem feito uso de algumas
14
palavras que já atribuímos significados, tais como “papa” (papai) quando se aproxima o
momento da saída, “mamã” (mamãe) quando demonstra estar chateado, triste; “Ã, Ô para
quando quer chamar uma das educadoras; “para” quando não quer nos dar algo, por exemplo,
a vassoura em determinadas situações e muitas outras. Verdadeiros discursos, diálogos com a
exploração de inúmeros sons, vêm aparecendo em situações muito privilegiadas, nas quais ele
tem a nossa presença, atenção praticamente só para ele, assim como já aconteceu em uma das
rodas no inicio da manhã. Em meio a um raro momento de silêncio na sala, ele fez um “breve
discurso” com o qual todos ficaram surpresos e felizes com suas colocações. As crianças
ficaram muito atentas e respeitaram o que ele pretendia nos contar. “Ele quer contar alguma
coisa para gente”; “Ele tá falando”; “Viu, ele falou”. Frases do gênero demonstraram quão
significativas vem sendo tais mudanças para o grupo em relação àquelas citadas no início
deste artigo. Um grupo que respeita a diversidade e transparece suas expectativas em relação a
F.
As estratégias de Comunicação Alternativa e Suplementar que vêm sendo construídas
com F. e o grupo têm demonstrado como as crianças se apropriaram de tais recursos.
Perceberam que podem sim brincar e conversar com F. por meio de outros recursos que não
somente a linguagem oral. Por meio do uso de alguns objetos que demonstraram ser tão
significativos para F., como por exemplo: a almofada, o coador, o cabide, o bambolê, a
cadeira, o escorredor de prato dentre outros, conseguimos mostrar a ele novas possibilidades
de linguagem, atribuir novos significados, ampliar seu universo para situações que estão
sendo vivenciadas pelo seu grupo. O mesmo ocorreu para o grupo, que também ampliou o seu
repertório quanto a diferentes formas de comunicação, que no nosso caso está sendo
construída, em função de propiciar um diálogo com F., independentemente da forma como
essa possa ocorrer.
Os avanços em relação à comunicação ficam evidentes durante nossa rotina diária, em
inúmeras situações nas quais as crianças demonstraram ter constituído um grupo, no qual
todos fazem parte e têm muito a contribuir. “Desce daí, você vai cair”; “Não adianta só falar,
precisa pegar na mão dele”; “Vem F. é hora da roda” (paralelamente ao movimento com a
mão); “Quer brincar de pega- pega, né?” F. encosta e empurra as crianças de um jeito que lhe
é característico quando quer propor uma brincadeira à alguém. Algo que partiu da
interpretação por parte das crianças, atentas ao que F. nos traz. Outra forma, pela qual faz esse
convite é pelo “jogo de corpo”, isto é, para na frente geralmente de um dos dois colegas que
se identifica mais, dá uma “balançada” com seu corpo para as laterais, e esses respondem da
mesma forma (imitam seu movimento). A demonstração de que o convite foi aceito, F. sorri e
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sai correndo.
Ao longo desses cinco meses de observação (abril; maio; junho; agosto e setembro de
2012) foi possível constatar que são inúmeras as possibilidades alcançadas por meio da
comunicação alternativa e suplementar, a exemplo da forma como evoluiu a maneira de F.
convidar as outras crianças para brincar. O convite passou por mudanças, não mais é o “jogo
de corpo”, mas a possibilidade de encostar a mão no colega, esperar que o outro lhe retorne e
depois saia correndo. Vez ou outra há a necessidade da intervenção do adulto no sentido de
traduzir tal convite, pois muitas crianças ainda interpretam como um “tapa”, mas algumas já
sabem o que isso significa e intervém no sentido de colaborar com F., que fica feliz e parte
para brincadeira.
Em suma, foi possível identificar e categorizar os avanços da comunicação de F. em
três dimensões: relação interpessoal; vida cotidiana e expressão dos sentimentos. Uma
avaliação que revelou o quão significativas foram as mudanças na sua vida cotidiana, a sua
independência, autonomia, as opções de escolha dentro da sua rotina na escola, e acima de
tudo, garantir o seu lugar no grupo, com o qual partilha suas descobertas e traz as suas
contribuições. Essa experiência possibilitou a construção de um vínculo que foi para além do
Grupo 4, com crianças de outros grupos e a comunidade escolar, cujas ações e intervenções
caminham no sentido de colaborar com o desenvolvimento da linguagem de F.. Isso se faz
notar na forma como ele circula pela escola e nas descobertas dentro dos diferentes espaços.
Ainda temos um grande desafio quanto a contribuir com F. na busca de estratégias que
se façam possíveis para que ele possa conseguir expressar seus sentimentos de uma forma que
lhe satisfaça por inteiro. Que por meio desse “diálogo” com o outro possamos compreender o
que ele nos traz e assim poder lhe dar um retorno, no sentido de acolher ao seu pedido, suas
inquietações. Momentos que podem não ser estáveis, assim como aconteceu com o fato de
não pedir mais para fazer o xixi, como costumava fazer após o desfralde. Um movimento que
oscila e pede a disponibilidade por parte das educadoras quanto o reconstruir e nunca desistir.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A elaboração deste artigo possibilitou aprofundar e refletir a respeito do tema em
questão, após a análise das observações realizadas na escola, durante os momentos de
formação dos professores e conversas informais com diferentes sujeitos que fazem parte desta
Escola de educação infantil.
O desafio e a responsabilidade da dupla de educadores do grupo 4 em conseguir
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estruturar um grupo que atenda as individualidades de cada um e acima de tudo também tenha
força enquanto tal, frente a pessoas, com vontades próprias, direitos e acima de tudo
sentimentos. Um olhar e escuta atentos ao que as crianças sinalizaram ao longo deste
semestre, e o quão relevantes, significativas foram seus comentários e manifestações frente a
um novo desafio lançado a eles também. Como podemos brincar, conversar com F. que não
fala oralmente conosco? Além do mais o privilégio de fazer parte deste grupo, cujas crianças
se mostraram abertas, receptivas em buscar novos caminhos, criar em alguns momentos
estratégias de comunicação, ampliando as possibilidades para além da linguagem oral. Para
algumas inicialmente foi difícil tal aproximação, o medo do desconhecido talvez tenha sido
mais forte em algumas situações, o mesmo que para F. que preferiu inicialmente observar,
retrair-se próximo aos educadores. Um caminho de mão dupla, no qual a curiosidade também
colaborou para que buscássemos juntos tais possibilidades.
Ter claro que a prática docente exige responsabilidade ética, pois acima de tudo é um
trabalho que envolve gente, gente curiosa segundo Freire (1996). Ainda para Freire (1996, p.
59) “o respeito à autonomia e a dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor
que podemos ou não conceder uns aos outros”.
Enfrentar o discurso universal: “Que fazer? A realidade é assim mesmo” é algo
possível e ficou claro no decorrer deste artigo, no qual apresentamos diversos referenciais que
buscam alternativas para que as pessoas, possam sim ter garantidos o direito de expressão, de
se comunicar. Que a escola seja um lugar possível para que essa mudança possa acontecer.
Mudança que para Freire (1996, p. 79) [...] “implica a dialetização entre denúncia da situação
desumanizante e o anúncio de sua superação, no fundo, o nosso sonho” por meio de uma
prática coerente democrática.
“A verdadeira democracia começa aos três anos” como nos mostra Tonucci (2005, p.
16). Para isso, seria preciso propiciar desde a Educação Infantil, momentos que
possibilitassem o trabalho com a diversidade, e em que se revisem conceitos que se fazem
necessários para o exercício da construção da identidade a partir das diferenças. Que se parta
do princípio que as crianças sabem, trazem consigo suas histórias, seu pensar e ver o mundo.
Um espaço que permita a dúvida.
O trabalho com a diversidade pareceu ser garantido a partir do momento em que a
escola demonstrou estar de portas abertas para acolher todas as crianças, assim como seus
pais e toda a comunidade escolar. Foi garantido a F. não apenas o direito de frequentar a
escola, mas fazer parte dela. Uma escola que procura discutir e refletir a respeito do tema
inclusão com a comunidade escolar, cuja documentação vem sendo reestruturada quanto a
17
esse, em busca de maior clareza do que representa tal tema na Educação Infantil, acima de
tudo dentro desta instituição em especial. A possibilidade de um trabalho que integre diretor,
coordenadores, professores, funcionários para que não se faça valer apenas o direito à
educação, e sim uma escola que seja um espaço de compromisso, no qual todos sejam
parceiros e propiciem convívio e respeito ao outro.
Ainda nos resta um grande desafio, pensar na inclusão enquanto espaço no sentido de
atender algumas especificidades de cada criança, algo muito difícil dentro de uma rotina que
já vem estruturada; além da possibilidade da dupla de educadores poderem participar de
reuniões com os pais de F. e profissionais que estão envolvidos no atendimento dele fora da
escola, no caso, o fonoaudiólogo e o terapeuta ocupacional. Uma troca com certeza rica de
informações e detalhes que podem colaborar muito não só para o desenvolvimento da
linguagem de F. e o uso de meios alternativos de comunicação, mas, acima de tudo,
compreendê-lo enquanto pessoa que é.
Muitos são os desafios a serem enfrentados também por aqueles que participaram das
situações de observação que apresentei, no intuito de atingir a educação como direito de
todos. Adaptações que acontecem diariamente e que deixam clara a necessidade de se fazer
uma inclusão embasada nos estudos sobre o desenvolvimento, com a intenção de
compreender que não é possível definir um limite para o desenvolvimento da inteligência
nem, tão pouco, da pessoa. No que se refere ao desenvolvimento da comunicação alternativa,
isto fica ainda mais evidente, pois ela se dá de maneira muito diferente da aprendizagem
implícita típica do desenvolvimento da linguagem falada (TETZCHNER; GROVE, 2003
Apud BREKKE; SJØTHUN; GRINDHEIM, 2005, p. 155) . É uma forma extraordinária de
desenvolvimento linguístico, cujo objetivo maior é que as crianças possam se comunicar, seja
com seus pares, seja com os adultos. Não basta aprender a correspondência entre signos
manuais ou gráficos e algumas categorias conceituais (ou palavras faladas) e sim “[...]
compreender como estes signos podem ser utilizados para expressar significados e atingir
diversas metas de comunicação” (TETZCHNER, 1996, p. 155 Apud BREKKE; SJØTHUN;
GRINDHEIM, 2005, p.151- 184).
Tudo está intimamente ligado e irá depender das condições oferecidas pelo meio e do
aproveitamento que o sujeito faz delas. Mesmo que do ponto de vista estritamente orgânico a
pessoa já tenha atingido a maturação, as funções psíquicas podem caminhar num permanente
processo de sofisticação e especialização.
As experiências de exploração da linguagem corporal para as crianças, principalmente
as da Educação Infantil, são fundamentais. “Por meio dela a criança se apropria criativamente
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de sua cultura e se comunica com as crianças e adultos que dela compartilham”, segundo as
Orientações curriculares: expectativas de aprendizagens e orientações didáticas para
Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação (2007, p. 61).
Na Educação Infantil, o professor oferece à criança não só modelos e materiais da
cultura para os exercícios da imitação e da criação livre, como interpreta seus gestos de modo
a compor com ela um repertório de movimentos, uma “cultura corporal”. Esta possibilita à
criança sua ação instrumental sobre o ambiente e a expressão de seus sentimentos segundo
marcas simbólicas do universo cultural a que pertence. Sabe-se que por meio dos movimentos
as crianças dão significado ao ambiente em que vivem e interagem com ele.
A possibilidade real de a inclusão acontecer implica, segundo Mantoan (2008, p. 37),
“uma mudança de paradigma educacional, que gera uma organização das práticas escolares:
planejamentos, formação de turmas, currículo, avaliação, gestão do processo educativo”. Há
que se envolver toda a comunidade, de forma que o trabalho tenha sustentação, um trabalho
que faça parte do projeto pedagógico da instituição, para que possa enfrentar o medo do
desconhecido. O convite feito pela escola aos pais de F. a terem um espaço dentro das pautas
que seriam abordadas na reunião de pais, para falarem sobre F. foi algo significativo, tanto
para eles que teriam a oportunidade de contar um pouco sobre seu filho e para todos os pais,
no sentido de poderem se fortalecer enquanto grupo e esclarecer possíveis dúvidas.
Segundo Tonucci (2005, p. 16) “A escola deve propor, desde a Educação Infantil, as
experiências sobre as quais será possível fundamentar seus saberes, seus conhecimentos e
suas possibilidades”. É preciso uma prática que não se acomode e acredite na inclusão como
alternativa desde os primeiros anos de vida, e na qual o professor possa ser visto como um
diferencial para que todos caminhem dentro do seu tempo e das suas possibilidades.
Outro fator determinante é o envolvimento por parte de toda comunidade para que a
criação de um ambiente competente no qual segundo Tetzchner (2009, p. 17) “a questão
fundamental é descobrir o que é preciso para as crianças desenvolverem formas típicas e
atípicas de linguagem”. O papel do educador é não só desenvolver a visão reflexiva, como
encontrar meios para se efetivar a comunicação em sua forma plena.
A Comunicação Suplementar e Alternativa permanece como estratégias e recursos em
desenvolvimento, pouco compreendidos e carentes de discussões mais aprofundadas no
âmbito pedagógico, por parte dos educadores. A intenção deste artigo é demonstrar e
exemplificar sua eficácia, assim como estimular o compartilhamento de experiências e dados,
principalmente entre as instituições de ensino. Ainda há muito a ser feito e a conscientização
dos educadores de que é preciso aliar método (meios) e criatividade nesse processo pode
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render frutos transformadores no ambiente educativo.
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