Estranhos Caminhos da Vida

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7/30/2019 Estranhos Caminhos da Vida http://slidepdf.com/reader/full/estranhos-caminhos-da-vida 1/112  Rosemary Hammond E E E s  s t  a  a  a  n  n  n  h  h  h  s  s  s  a  a  a  m  m  m  n  n  n  h  h  h  s  s  s  d  d  a  a  a V d  d  d  a  a  a Bittersweet Revenge Michael não conseguiu resistir à sedução da mulher  proibida  Ao se aproximar de Val, Michael tinha um único objetivo: fazê-la se apaixonar e depois abandoná-la. Queria que sofresse o mesmo que seu irmão David ao ser rejeitado por ela. Mas fora preso na própria armadilha, a armadilha do amor. Sua vida sem essa mulher não tinha mais sentido. Precisava esquecer as agruras do passado se quisesse desfrutar o prazer do paraíso. E Michael sabia que seu paraíso era nos braços de Val! Digitalização: Tinna Revisão: Alice Akeru

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Rosemary Hammond

EEE s  s  s t t t r r r  a  a  a  n  n  n  h  h  h o o o  s  s  s C C C  a  a  a  m  m  m i i i  n  n  n  h  h  h o o o  s  s  s d  d  d  a  a  a V V V i i i  d  d  d  a  a  a  Bittersweet Revenge

Michael não conseguiu resistir à sedução da mulher  proibida 

 Ao se aproximar de Val, Michael tinha um único objetivo: fazê-la se

apaixonar e depois abandoná-la. Queria que sofresse o mesmo que seuirmão David ao ser rejeitado por ela. Mas fora preso na própriaarmadilha, a armadilha do amor. Sua vida sem essa mulher não tinhamais sentido. Precisava esquecer as agruras do passado se quisessedesfrutar o prazer do paraíso. E Michael sabia que seu paraíso era nosbraços de Val!

Digitalização: Tinna

Revisão: Alice Akeru

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C C C  a  a  a  p  p  p í í í t t t u u u l l l o o o 111 

EEEra um dia quente e ensolarado de início de verão, e apenas uma leve brisa agitava as folhas das árvores.

Val Cochran olhou ao redor do pequeno cemitério onde se encontrava para participar do funeral de seu amigo deinfância, David Prescott. Prestava pouca atenção às palavras do pastor que encomendava o corpo de David, pois estavaimersa nos próprios pensamentos.

Que fatalidade e que desperdício aquela morte!

Que sensação horrível sentir-se culpada!

Sua mente prática a confortava, dizendo-lhe que ela não tinha a mínima culpa pelo terrível acidente que vitimara oamigo. Afinal, David sempre mostrara uma grande tendência para autodestruição, e sua morte violenta e prematura fora odesfecho de uma longa vida de depressão. Apesar de tudo, Val sentia-se culpada.

Discretamente, ela lançou um rápido olhar sobre uma senhora de meia-idade, cabelos grisalhos, de aspecto frágil, todatrajada de preto. Era a sra. Prescott, a mãe de David. Ao lado dela, Val notou a presença de um homem de cabelos escuros,másculo e muito alto, vestido com um terno caro e elegante, irradiando energia apesar do semblante austero, marcado porprofunda dor.

Quem seria? Algum parente? Talvez um amigo? Não importava. O que Val sabia era que mais cedo ou mais tarde teriade falar com a sra. Prescott e temia aquele momento.

E pensar que viera a Carleton para descansar e se divertir!

Seus pensamentos voltaram-se para a noite anterior, quando se realizara a festa de comemoração dos dez anos daformatura de sua turma de colégio.

A orquestra tocava a última música e a maioria das pessoas já havia ido embora.

Val, sentada sozinha, olhava David e Myra deslizarem pela pista, ao som de uma romântica canção.

Sua conversa com David, adiada por tantos anos, fora definitiva. Ele aceitara os fatos com aparente resignação. Val foracategórica: não o amava e qualquer romance entre eles era impossível. No entanto, David não se mostrara nem infeliz nem

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agressivo, como ela temera a princípio; ao contrário, convidara Myra para dançar e lá estavam eles na pista iluminada,formando um belo par.

Fora por insistência de David que Val comparecera àquela festa. Ela cedera, finalmente, e viajara de Seattle atéCarleton, com a firme intenção de tirar-lhe, de uma vez por todas, a esperança de um relacionamento amoroso entre eles.

A viagem valera a pena. Revira seus velhos amigos e acertara antigos mal-entendidos com David.

No instante seguinte, seus amigos, Bonnie e Jack, que haviam estado dançando, voltaram à mesa.— Ufa! Cansei de dançar. Se você quiser, podemos ir agora, Val, querida — disse Bonnie, suspirando de alívio ao

sentar-se.

—Oh! Por mim, tudo bem. Quando quiserem ir, estou pronta—Val respondeu.

— Ah! Val. Como foi sua conversa com David?— Bonnie perguntou.

— Foi ótima! Melhor do que eu esperava. Expliquei-lhe por que deixei Carleton há dez anos e por que o deixei daquelamaneira. Parece que ele entendeu, o que é um alívio para mim. Odiava sentir-me culpada todos esses anos.

Bem, não é culpa sua se ele resolveu beber. David tem uma personalidade fraca e a bebida o dominou.— É... eu sei. Mas sei também que nada fiz para ajudá-lo— retrucou Val.

—Ora, pare de se culpar, Val. Você tinha apenas dezoito anos e acabava de perder seus pais naquele horrível acidente.Deixou Carleton da noite para o dia e foi para Seattle viver com sua avó. O que mais podia fazer? Você era quem maisprecisava de ajuda naquele momento.

— É... eu era apenas uma criança. E agi como tal. Mas hoje David me disse que não está bebendo mais; que estátrabalhando e que quer reorganizar sua vida. Sinceramente espero que consiga.

— Também espero. Mas, sabe, eu tinha a nítida impressão de que ele queria retomar o velho romance.

— Não, não. Ele sabe que isto é impossível e aceitou muito bem. Olhe, veja como ele parece satisfeito, dançando comMyra.

Naquela mesma noite. Val foi despertada pelo telefone, em seu quarto de hotel. Sonolenta, ouviu a voz de Bonnie dooutro lado do fio:

— Val, desculpe te acordar a esta hora, mas aconteceu uma coisa terrível. Soubemos agora que David Prescott morreu.

A notícia atingiu Val com o impacto de um choque elétrico.

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—O quê? David? O que você está me dizendo?— ela gritou, horrorizada.

— Sim, David! Ele foi levar Myra para casa e colidiu com outro carro. Parece que estava embriagado.

—Mas, ainda hoje mesmo, ele me garantiu que não bebia mais! Não entendo... —murmurou Val, sendo tomada pelosentimento de culpa novamente.

A lembrança do trágico fim de seus pais num acidente de carro voltou-lhe à mente. Seu pai também dirigia

embriagado.

A cerimônia fúnebre acabara, enfim, e o pequeno grupo de pessoas começou a se dispersar. Val compreendeu que nãopodia mais adiar o momento de apresentar suas condolências à sra. Prescott.

— Bonnie, vamos falar com a mãe de David. Você sabe quem é aquele homem ao lado dela?— Val perguntou.

— Então, você não se lembra de Michael? O irmão mais velho de David! É um cardiologista famoso em Los Angeles. Ele

saiu de Carleton quando você ainda era uma garota, talvez por isso não se lembre.Michael Prescott!

Sim, agora Val recordava-se do rapaz calado e distante que vira algumas vezes na casa de David. Ele sempre estudarafora e jamais se misturara aos mais jovens. Sem dúvida, transformara-se num homem muito atraente.

No momento seguinte, Val achava-se diante da sra. Prescott.

— Sra. Prescott... Lembra-se de mim? Val Cochran, amiga de David. Vim de Seattle para a festa da escola.

Um brilho no olhar da mulher e um trêmulo sorriso em seus lábios denotaram o reconhecimento imediato.

—Claro que me lembro de você, Val! Como poderia esquecer? Você e David eram inseparáveis quando crianças

—eladisse.

Val tomou-lhe a mão.

— Estou tão abalada com a morte de David. Se eu pudesse ter feito alguma coisa. Se pudesse ter evitado...

— Eu também penso que poderia ter feito alguma coisa. Sinto-me como se tivesse falhado como mãe.

—Oh, sra. Prescott... não!— exclamou Val.

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— Ora, não diga uma coisa destas, mamãe. Se alguém aqui tiver culpa, certamente não é você. — Michael Prescottfalou com uma voz profunda, lançando um olhar hostil a Val.

Surpresa com a brusca interrupção, Val ergueu os olhos para o homem ao lado e deparou com os olhos azuis maisintensos e frios que já vira na vida. E não podia haver dúvida. Aqueles olhos a fitavam cheios de censura e rancor.

Val notou os cabelos negros e cheios, penteados para trás, o bronzeado da pele, contrastando com o azul dos olhos, alinha do queixo quadrada e firme e foi obrigada a admitir que Michael Prescott era um belo homem.

Percebeu que a sra. Prescott falava, mas suas palavras pareciam vir de muito longe.

— Sei que você significava muito para David, minha filha— dizia a sra. Prescott.— Pretende se demorar em Carleton?

—Havia pensado em ficar duas semanas, mas, agora... não sei—Val respondeu, hesitante.

— Se resolver ficar, por favor, venha me visitar. Gostaria muito de conversar com você, saber como vai sua vida.

—Muito obrigada, é claro que, se ficar, irei a sua casa.

Com um último gesto de despedida, Val recuou e dirigiu-se ao carro onde Bonnie a aguardava.

—Graças a Deus que acabou. Detesto enterros

—desabafou Bonnie, com seu jeito espontâneo.

—Agora, vamos lápara casa, OK?

—Não, não, Bonnie. Desculpe-me mas resolvi voltar a Seattle e prefiro ir para o hotel, fazer as malas.

—Oh! Não, por favor, não faça isso. Você ainda tem duas semanas de férias. Não as desperdice desse jeito.

— Eu sei, Bonnie, mas depois do que aconteceu...

—Mas nós nem tivemos chance de conversar direito. Há tantos anos que não conversamos despreocupadamente! Equem sabe quando você voltará? Ora, vamos, Val. Diga que fica. Diga!

Val não pôde evitar um sorriso, diante da insistência quase infantil da amiga.— Está bem. Fico mais alguns dias, então.

Minutos mais tarde, Bonnie parou o carro em frente ao hotel de Val, e ela desceu, prometendo jantar com a amiga nodia seguinte.

Ao chegar ao seu quarto, Val deparou novamente com a carta que David lhe enviara e que fora a razão de sua viagem aCarleton. Lembrava-se bem do que ela dizia:

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"Querida Val. Nossa velha turma está planejando uma reunião para celebrar o décimo aniversário da nossa formatura. Por favor, venha! Acho que nós dois ainda temos uns assuntos mal resolvidos. Significaria muito para mim se você viesse e passássemos a limpo nosso passado.Depois, quem sabe, talvez pudéssemos até tentar um novo começo".  

Sim, David alimentara esperanças.

Quando Val recebera a carta, seu primeiro impulso fora recusar, mas, por fim, optara por voltar à terra natal, da qual seafastara havia tantos anos e de modo tão precipitado, carregando a tristeza da morte em sua alma tão jovem.

Com um suspiro, Val guardou a carta, afirmando mais uma vez que fora honesta com David e que, definitivamente, nãotinha culpa se tudo dera errado na vida dele. Reclinou-se na cama, lembrando-se satisfeita de que dentro de alguns diasestaria de volta a Seattle, ao seu adorável apartamento e ao seu maravilhoso trabalho. Fora bom ter vindo, mas seriamelhor voltar a sua vida real.

Na tarde seguinte, dirigindo um carro de aluguel, Val surpreendeu-se ao perceber que, inconscientemente, rumava

para a casa da sra. Prescott. Passara por inúmeros lugares que costumara frequentar com David, e uma profunda nostalgiaa invadiu. Ela e David haviam sido tão íntimos! Como fora infantil ao deixar Carleton sem se despedir, deixando-lheapenas uma breve carta. Como o magoara! Talvez, se ela tivesse ficado...

Antes que uma onda de arrependimento a dominasse, Val avistou a casa da família Prescott. Era uma construçãosólida, no alto de uma colina, e chegava-se a ela por uma pequena estrada de paralelepípedos assimétricos, ladeada porchorões verdes que se inclinavam languidamente sobre o caminho, compondo uma paisagem bucólica e repousante.

Val estacionou o carro em frente da casa e subiu os poucos degraus de madeira rústica que conduziam à porta dafrente. Como tudo aquilo já lhe fora familiar! E como tudo permanecera do mesmo jeito! Os crisântemos roxos sob as janelas, o doce aroma das acácias que pendiam sobre os balaústres da varanda.

Inspirando profundamente, Val bateu à porta. Após um breve instante, ela ouviu o som de passos vagarososcaminhando em direção da porta, que se abriu. A sra. Prescott, vestida toda de preto, surgiu à sua frente, com um sorrisobondoso nos lábios.

—Val!— ela exclamou.— Que bom que você veio! Entre, por favor. Eu ia tomar um chá. Você me acompanha?

—Oh! Sim, com prazer, sra. Prescott. Espero não ter vindo numa hora imprópria.

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Val seguiu-a através do corredor até a espaçosa cozinha e reconheceu a grande mesa onde fizera tantas refeições nopassado.

— Estou muito feliz que você tenha vindo. Lembra-se do tempo em que você e David andavam sempre juntos?Confesso que houve um momento em que desejei muito que você se tornasse minha nora.

— Srta. Prescott, gostaria muito de explicar-lhe o que realmente aconteceu. Acho que não agi bem, deixando Carletonsem falar com ninguém e ferindo David. Mas eu estava tão desorientada... A morte de meus pais...

— Você não tem de me explicar nada, Val. E não se sinta culpada pelo rumo que a vida de David tomou. Eu, que sousua mãe, não pude ajudá-lo.

— Eu sei que não tenho culpa de seu fim trágico, mas tenho certeza de que o magoei muito. Meu pai foi um alcoólatra,e, quando David começou a beber também, achei que não tínhamos nenhum futuro. Por isso, fugi — Val falou, com voztrêmula e baixa.

— Compreendo, minha filha. Tudo que posso lhe dizer é que não a responsabilizo por nada. Não se culpe! — A sra.Prescott serviu o chá e continuou: — Bem, agora conte-me o que tem feito nestes dez anos de ausência. Ouvi dizer que

você foi morar com sua avó.— É verdade. Ela morreu há dois anos. Estou sozinha agora—Val respondeu, com pesar.

—Não se casou, Val?— a sra. Prescott perguntou, curiosa.

Val deu um risinho, embaraçada.

—Não. Não tive tempo ainda. Trabalho demais...

O que Val não queria era dizer que, após a morte de seu pai e da decepção que ele lhe causara, não se sentia capaz deconfiar em nenhum outro homem.

—Trabalhar é bom, desde que não lhe roube o tempo para o amor.

—O amor simplesmente não aconteceu ainda, sra. Prescott.

— E você gosta de seu trabalho?

O rosto de Val iluminou-se num sorriso amplo.

— Ah! Adoro. Viajo muito, pois sou eu que faço todas as compras para a butique. Trabalho com moda, sabe? Voumuito a Nova York, San Francisco, Los Angeles. Adoro meu trabalho.

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Fez-se um breve silêncio, enquanto as duas mulheres bebericavam o chá fumegante. Val sentia-se confortável, aliviada.Se a própria mãe de David a isentava de qualquer culpa, então ela não tinha do que se reprovar. Podia voltar para casa coma consciência tranquila e esquecer aquele triste episódio.

De fato, agora que o fantasma do passado estava para sempre enterrado juntamente com David, Val sentia-se maislivre. E como era bom saber que David afinal não guardara rancor dela. Tinha somente vinte e oito anos e ainda poderiacasar-se, ter uma família. Seu trabalho a agradava, era bem-sucedida, mas... faltava algo. Nas tardes ensolaradas de

domingo, nas noites chuvosas de inverno desejara muitas vezes uma presença masculina forte para abraçá-la, para fazê-lasentir que pertencia a alguém. Tinha muitos amigos, mas isso não a impedia de sentir-se solitária e de pensar que, de certaforma, ainda não começara a viver.

— Eu estava pensando que talvez você gostasse de ter alguma coisa de David para guardar de lembrança— disse a sra.Prescott interrompendo o seu devaneio.

O primeiro impulso de Val foi recusar, mas teve receio de ofender a pobre mulher, e então apelou apressadamente parasua memória, em busca de alguma coisa que pudesse pedir.

Ah! Sim. Existe uma coisa que eu adoraria ter. Certa vez dei a David um anel. Era uma jóia muito simples, mas Davidgostou muito e usava sempre. A senhora se incomodaria se eu o tivesse de volta?

— Claro que não me incomodo, meu bem. Acho sua idéia muito delicada — respondeu a sra. Prescott, com os olhosbrilhando de emoção.— E sei onde David o guardava. Espere por mim aqui um minuto. Não demoro nada.

Ficando sozinha Val levantou-se e foi até a janela. Contemplou o jardim antigo bem cuidado, com suas flores e suasárvores. De repente notou um carro que se aproximava pelo acesso íngreme. Era um Mercedes esporte, prateado, muitobonito, de alguém com muito bom gosto. Por certo algum visitante, trazendo suas condolências. Quem seria? Não gostariade encontrar ninguém. Olhou para o relógio e viu que estava na hora de ir embora. Assim que a sra. Prescott voltasse com

o anel, ela se despediria.Finalmente o Mercedes estacionou atrás do carro de Val, e um homem muito alto, bem vestido, de aspecto enérgico e

viril desceu do carro.

Por uma fração de segundo, a respiração de Val parou e seus olhos se abriram de espanto. O visitante era MichaelPrescott! E ela que julgara que ele já havia retornado a Los Angeles! Se soubesse que ainda se encontrava em Carleton, jamais teria vindo visitar a sra. Prescott naquele dia.

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Não esquecera a hostilidade manifestada por Michael durante o enterro, o olhar penetrante que lhe lançara e aspalavras que haviam soado como uma acusação. Aquele homem era a última pessoa que queria ver! Que falta de sorte!Agora o encontro era inevitável, não tinha por onde escapar.

Val afastou-se, rápida, da janela, retornou à cozinha, pegou sua bolsa e pendurou-a no ombro para tornar evidente quese achava de partida. Porém, nesse momento, deparou com Michael na entrada da porta. Ele se deteve ao vê-la, e nosclaros olhos azuis havia um inconfundível desagrado.

—Olá, Michael!

—Val cumprimentou com naturalidade, pretendendo não perceber a hostilidade dele.

Ele nada respondeu, permanecendo calado, de pé, com as mãos nos bolsos da calça, o olhar severo fixo sobre ela. Essehomem me odeia. Val pensou. "Será por causa de David?"

Tinha a impressão de que ele se controlava para não agredi-la fisicamente, por isso instintivamente recuou algunspassos. Aquele movimento não passou despercebido a Michael, e finalmente ele falou numa voz rouca e controlada:

—O que você está fazendo aqui?

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V V V al recuou, apertando a bolsa contra seu corpo e procurou aparentar calma e indiferença.

— Sua mãe insistiu muito em que eu viesse visitá-la. É por isso que estou aqui. E, aliás, já estou saindo.

Michael desviou o olhar e a ruga entre suas sobrancelhas aprofundou-se ainda mais, acentuando-lhe o ar sombrio.

Apesar disso, sua elegância natural era evidente e realçada pela roupa esporte simples, mas de corte perfeito.Os ombros dele eram bem largos e, mesmo através das roupas, podia-se perceber a rigidez de sua musculatura viril. Noentanto, a impressão geral era de leveza, como se toda a força estivesse cuidadosamente oculta.

Não deve ser nada fácil tê-lo como inimigo, Val pensou, e um arrepio percorreu seu corpo.

Virando-se para Val, Michael fixou os olhos nela e disse entre os dentes:

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— Realmente, sua petulância me espanta. Como você tem a audácia de vir a minha casa, depois do que fez ao meuirmão?

Diante de palavras tão rudes, Val, que se sentia intimidada, recuperou-se e ergueu o queixo desafiadora.

— Já lhe disse. Sua mãe me convidou. E, afinal de contas, esta é a casa dela, não é mesmo?

Ele não replicou, continuando apenas a fulminá-la com um olhar gelado e rancoroso. Val sentiu o sangue subir-lhe ao

rosto. Então, ele pensava que podia olhá-la daquele modo insultante, como se ela fosse algum inseto asqueroso? Quedireito tinha aquele homem de tratá-la daquela maneira humilhante? Como ousava acusá-la da infelicidade de David,quando a própria mãe considerava-a inocente?

Era só o que faltava; não iria tolerar tal rudeza!

Tomada por uma onda de indignação, Val aproximou-se de Michael com os punhos contraídos, como se estivessepronta para golpeá-lo.

— O que fiz ao seu irmão? Gostaria de saber do que me acusa. Se tem alguma coisa contra mim é melhor falar — eladesabafou, os olhos chamejantes.— Fale logo, e fale claro!

Surpreso com a reação de Val, ele retesou o corpo e do alto de sua elevada estatura, olhou-a de cima a baixo.—Muito bem. Você está certa. Tenho muita coisa contra você, sim. Sei muito bem qual foi a causa da infelicidade de

David, de sua embriaguez, de seu fim trágico. E você também sabe.

— Sim, eu sei, você sabe, todos nós sabemos qual era o problema de David. Era sua personalidade fraca, seutemperamento dependente. A mãe dele afirmou isso, ainda há pouco.

Com um ar de quem não dava a mínima importância às palavras dela, Michael ergueu as sobrancelhas longas earqueadas e retrucou:

—Compreendo que minha mãe se deixe iludir com facilidade. Você deve ter feito uma comovente encenaçãozinha

para mostrar-se inocente. Mas, veja bem, você não pode me enganar, pois não sou nenhum tolo.

— Imagino! Você pensa que sabe tudo. Então, pode me dizer em que sou culpada da morte de seu irmão? — Valquestionou-o de novo.

— Posso eu vou lhe dizer — E espalmando a mão, começou a contar nos dedos. — Para começar, desde criança vocêqueria mandar em David. Ele seguia você em tudo e estava pateticamente convencido de que você o amava e de que o

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futuro dele era junto a você. Cada vez que eu vinha para casa de férias, eu o encontrava cheio de planos, ilusões na cabeça,e o coração transbordando de amor por você. Ele pensava que vocês se casariam logo depois da formatura.

—Mas, sim, claro, é verdade que eu queria um bem enorme a David. Por um tempo, eu também pensei que fôssemosnos casar—Val interrompeu-o.

Mas, com um gesto de descaso, como que ignorando as palavras dela, ele continuou:

—Meu Deus! David chegou até a me pedir conselhos sobre o namoro de vocês: como na ocasião eu ainda era ingênuo,encorajei-o, elogiei seus sentimentos, mostrei-lhe como o amor sincero era raro na vida das pessoas. Até mesmo disse queo invejava. Que idiota!

Val quis interrompê-lo e perguntar que direito ele tinha de querer ser o conselheiro, quando ela sabia muito bem quãopouco ele se interessara pela vida de David. Sempre ocupado com os estudos e com sua vida na grande cidade! No entanto,um gesto imperioso de Michael impediu-a de expressar verbalmente a revolta que sentia. E, na verdade, de que adiantaria?Melhor seria deixá-lo falar até o fim, pôr o ódio para fora. Então, ela poderia ir embora, ver-se livre dele. Tomara que a sra.Prescott voltasse logo para salvá-la daquela situação embaraçosa.

—Quando você achou que David estava ficando problemático

—ele prosseguiu

—simplesmente mudou para outracidade, sem dar ao meu pobre irmão a menor oportunidade. Nem a chance de lhe implorar para ficar. David me mostrou a

carta "de despedida" que você lhe enviou. Francamente, você não teve a menor consideração nem o mínimo sentimento depiedade, agindo como uma leviana.

Trêmula de emoção, com a voz embargada, Val não se conteve mais:

— E você por acaso tem alguma idéia do que eu estava sofrendo naquela ocasião? Meu coração estava partido de dor,com a morte de meus pais. Eu tinha somente dezoito anos! Onde poderia conseguir forças para ajudar David, se eu mesmome sentia perdida, indefesa?

Michael encarou-a por um instante, em silêncio. Depois, falou:— Está bem. É verdade. Soube da morte de seus pais. Mas o seu comportamento, então, mostrou como você era fraca e

covarde. Afinal, talvez tenha sido bom para David você ter ido embora naquela época. Ele sofreu muito, quase se auto-destruiu, mas, finalmente, nos últimos tempos, estava se recuperando, interessando-se por outras mulheres... Vivendooutra vez! Mas, daí...— ele deu um soco na palma da mão—Daí, você resolveu aparecer e perturbá-lo. Tirar-lhe a paz!

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— Se voltei a Carleton, foi porque o próprio David havia me escrito, pedindo para que eu viesse — Val quase gritou,cansada de ouvir tantas acusações infundadas.— Em que você se baseia, quem lhe deu o direito de julgar as minhas ações?E você? Onde você andava quando David começou a ter problemas, quando começou a beber? Por que não fez nada paraajudá-lo, quando viu que ele desmoronava? É fácil acusar os outros, não é? Assim, você tranquiliza sua consciência pornunca ter feito nada por David. Você! O irmão mais velho, com quem ele poderia ter contado!

Quando Val acabou de falar, um silêncio carregado de tensão pesou no ambiente. Os olhares dos dois se chocaram,

como gladiadores, medindo forças. No entanto, graças a sua natureza sensível, Val pôde perceber que por detrás do rancore da revolta de Michael havia um real sentimento de dor. Ela jamais se enganaria com a tristeza daquele olhar! Sim,Michael sofria muito pela perda do irmão. A raiva que sentia diminuiu, seus olhos umedeceram e ela balançou a cabeça,desolada.

—Michael, eu sei como deve ser duro para você. Imagino como deve estar se sentindo. De certa forma, acho que vocêestá certo. Talvez eu tenha tido mesmo uma parcela de culpa no que aconteceu com David. Mas acha justo esperar que euo tivesse salvado dele mesmo? Que eu tivesse permanecido com ele, quando já não havia amor? Quer dizer... eu o amava,sim, mas como se ama a um irmão, a um amigo...

—Entendo. Ninguém podia forçá-la a amá-lo. E nem estou dizendo que seu amor poderia salvá-lo. Mas por que você

tinha de voltar aqui e perturbar David de novo?—O tom de voz de Michael tornou a elevar-se outra vez.

Surpresa, Val notou o brilho de lágrimas nos olhos dele, e uma onda de piedade a dominou. Nesse instante, seus olhostambém ficaram marejados de lágrimas. Sem se dar conta, ela ergueu a mão em direção a Michael. Queria tocá-lo,confortá-lo de algum modo. Mas antes que pudesse concretizar seu desejo, ele deu-lhe as costas, murmurando qualquercoisa ininteligível.

A rejeição tão brusca magoou Val mais do que as palavras duras e sem conter, manifestou sua emoção, rompendo em

soluços incontroláveis que estremeciam todo seu corpo. Cobrindo o rosto com as mãos, ela correu às cegas em direção àporta.

Porém, naquele momento, Val escutou a voz da sra. Prescott, surpreendentemente enérgica, para uma pessoa deaparência tão frágil.

— Michael, o que foi que você fez? — gritou a sra. Prescott, puxando Val para si, para que não fugisse e dando-lhetapinhas carinhosos para acalmá-la.—Minha querida, você não imagina como lamento a atitude do meu filho. Por favor,o perdoe. Ele está sofrendo muito com a morte de David. Michael jamais admitiria, mas sei que no fundo do coração ele

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 julga que falhou com o irmão.— A sra. Prescott sorriu com tristeza.— E Deus sabe que Michael não é o tipo de homemque goste de encarar verdades desagradáveis sobre si mesmo.

Assoando o nariz num lencinho de papel que retirara de dentro da bolsa, Val conseguiu se controlar e respondeu:

— Ah! sra. Prescott, lamento muito toda esta cena que provoquei. Acho que não devia ter vindo, mas não sabia queMichael estaria aqui. Para ser sincera, eu já havia percebido que minha presença o aborrecia. Ele fez questão de deixar issobem claro durante o enterro.

—Não fale assim, por favor. Fiquei tão contente por você ter vindo. Michael é um bom filho, sabe? Um homem forte,mas tem suas fraquezas como todo ser humano. Bem, de qualquer maneira, ele estará partindo em um ou dois dias, e, sevocê se demorar ainda em Carleton, gostaria que voltasse a minha casa.

— Eu ainda não me decidi sobre o que fazer — Val respondeu mais calma — mas acho que seria melhor para todomundo que eu fosse embora logo.

A sra. Prescott tomou a mão de Val, fez com que virasse a palma para cima e ali depositou o anel que fora de David.

—Olhe, minha filha, guarde este anel com carinho. David ficaria feliz de saber que você o tem.

A pequena jóia despertou lembranças que emocionavam Val. Ela realmente amara David, porém, só agora compreendiaque fora um amor puramente adolescente. Nunca houvera um contato mais íntimo entre eles. David fora um amigo muitoquerido, mas apenas isso.

— Obrigada, sra. Prescott — ela murmurou, guardando o anel na bolsa. — Agora, acho melhor ir embora. Se puder,volto para me despedir.

Val saiu para a varanda e, olhando de um lado para o outro, notou que Michael não se encontrava mais lá. O aromaadocicado das acácias atingiu-a com tal intensidade que a surpreendeu. O sol ainda brilhava com força e o barulho dos

insetos a acompanhou até o carro.

Dirigindo-se à casa de Bonnie, Val refletia sobre os últimos acontecimentos: seu papel na vida de David, as acusaçõesde Michael. Sentia um aperto no peito! Se não houvesse prometido jantar com a amiga, iria para o hotel e ficaria sozinha.No momento, não tinha o menor desejo de conversar. Mas como podia desapontar Bonnie, que era tão solícita?

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Mal ela estacionou em frente da casa, Bonnie veio correndo ao seu encontro, mostrando as covinhas no rosto redondo esorridente. Val percebeu, então, que fora bom ter vindo. Conversar com uma pessoa alegre lhe faria bem, após aquelashoras soturnas na casa de Prescott. Queria esquecer, tirar aquela sensação ruim que as palavras rudes de Michael lhehaviam causado.

— Você não imagina que sorte, Val! Jack levou as crianças para um piquenique, assim teremos total liberdade esossego— disse Bonnie, estendendo-lhe os braços.

—Eu pretendia chegar mais cedo aqui, mas passei pela casa da sra. Prescott.

— E como foi?— indagou Bonnie, entre curiosa e preocupada.

— Bem, Michael estava lá e houve uma cena bastante desagradável. Estou me sentindo meio deprimida. Estranha...Talvez Michael tenha mesmo razão, e eu seja a responsável pela vida desastrosa de David.

—Ora, vamos. Não me venha com isso agora. Pare de se culpar. Você já havia se recuperado disso. O que provocou estarecaída? Acho que Michael Prescott está projetando a culpa que ele sente em você, percebe?

— É, talvez você tenha razão. Este pensamento também já me ocorreu. Para falar a verdade, eu lhe disse exatamente

isso, e agora fiquei em dúvida se fiz bem.— Ora, claro que fez bem. Sabe, Michael é muito diferente de David. É austero, distante e muito, muito arrogante — 

acrescentou Bonnie.

— É assim que você o vê?— Val não pôde esconder um sorriso, diante da veemência da amiga.

Lembrou-se então das lágrimas que vira brilhar nos olhos de Michael. De algum modo, sob o aspecto duro daquelehomem, havia uma enorme reserva de emoção, que poucas pessoas deviam ter testemunhado.

Fico imaginando se alguma mulher já conseguiu tocar seu lado sensível, pensou Val.

De repente, cedendo a uma grande curiosidade, ela perguntou:— Bonnie, Michael é casado?

Bonnie sacudiu a cabeça.

— Não. Segundo o que dizem, ele se casou com a medicina e não tem tempo para um relacionamento sério. E dizemque o nome dele é muito importante nos círculos médicos... e nas colunas sociais. Parece que ele gosta muito de

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acompanhar ricas herdeiras e estrelas famosas às festas. Bem, mas chega de falar sobre Michael! Vamos falar de você.Conte-me sobre sua vida, sobre o amor, meu bem. É isto que me interessa.

— Receio que não tenha muita coisa interessante para contar nessa área. Minha vida se resume ao meu trabalho. Semnamorado... Não te parece sem graça?—Val perguntou com uma risada, mudando de assunto com muito tato.

No entanto, Bonnie conduziu a conversa com curiosidade e as duas se envolveram em confissões que iam desdelembranças de namoricos do passado até o momento presente. Somente a algazarra das crianças, retornando do passeio,

as interrompeu.— Bonnie— disse Jack—, Janet está com febre. Veja a testa dela.

— Oh, não! — exclamou Bonnie. — Como vamos poder jantar fora com Val? Não posso deixar Janet sozinha. Estávendo só, Val? Acho que nosso jantar vai ter de ser adiado. Val ficar muito aborrecida comigo?

—Não, querida, de forma alguma. Você precisa ficar com sua filha — disse ela. Voltando-se para Jack, perguntou: — Você tem notícias de Myra? Sei que ela estava com David no carro. Ela ficou muito ferida no acidente?

—Não. Ela se machucou muito pouco. Mas está no hospital sob observação, porque feriu a cabeça.

—Ah! Então vou lhe fazer uma visita, já que ficarei aqui por alguns dias.

Algum tempo mais tarde, sentada no hotel, após tentar se concentrar na leitura de uma revista, Val começou a se sentirsó e irrequieta. O que fazer? Havia programado jantar com os amigos e ver-se sozinha, sem saber como preencher o tempo,era muito frustrante. Caminhou de um lado para o outro do quarto, espiando de vez em quando pela janela. A rua láembaixo estava quase vazia; só umas poucas pessoas transitavam apressadas, provavelmente a caminho de suas casas.Então, decidiu-se. Iria jantar, mesmo sozinha. No próprio hotel havia um ótimo restaurante. Iria lá.

Após um longo e espumante banho de banheira, Val abriu o guarda-roupa e examinou os poucos vestidos quetrouxera. Como gerente de uma butique, costumava vestir-se bem, dentro da moda, e sentia grande prazer em serelegante. Após uns minutos de hesitação, escolheu um vestido de linho branco com detalhes azul-marinho.

De pé, diante do espelho, Val deu um sorriso de aprovação para a imagem a sua frente. Os cabelos castanho-claros comreflexos dourados brilhavam, formando uma bela moldura para seu rosto. O batom rosado realçava os lábios carnudos ebem delineados. Um leve toque de sombra azul avivava a cor dos seus olhos, tornando-os ainda maiores e expressivos.

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Para completar, Val colocou um par de argolas de ouro nas orelhas e, com um último olhar, considerou-se pronta para irao restaurante.

Ao abrir a porta do quarto, o telefone tocou, e Val voltou para atendê-lo. Surpresa, ouviu uma voz de homem.

— Val Cochran? Aqui é Michael Prescott.

A imagem de um homem muito alto e sombrio surgiu em sua mente. O que Michael poderia querer com ela, após tê-la

ofendido tanto?— Sim. É ela mesma—Val respondeu em tom formal.

Houve um breve silêncio, e então Michael prosseguiu, parecendo estar muito à vontade e autoconfiante.

— Minha mãe afirma que me comportei de modo deplorável. Ela me convenceu de que fui muito grosseiro e injusto com você. Hum... Então pensei que talvez fosse bom apagar a má impressão que você deve ter guardado de mim.

Val nem podia acreditar no que ouvia.

— Por favor, diga a sua mãe que você não precisa fazer absolutamente nada nesse sentido — Val replicou, no mesmo

tom formal.— Bem, na verdade, liguei para você não somente por causa de minha mãe... É... que eu gostaria de conversar com você sobre algumas coisas

ainda. Queria convidá-la para jantar comigo... se não tiver outro compromisso. Tomada de surpresa. Val ia se desculpar, alegando um outro convite, mas mudou de idéia. Michael Prescott era a

última pessoa que desejava ver na face da terra. O que dizer, então, de jantar com ele? Sentiu uma alegria perversa. Quemal faria em dizer-lhe como se sentia em relação a ele? Aquele homem não merecia a menor consideração de sua parte eadoraria fazê-lo saber disto.

—Não, não tenho nenhum compromisso. Mas, com certeza, não desejo de forma alguma jantar com você. Não temosnada para falar. Você já me disse tudo o que pensava a meu respeito, e eu não pretendo ouvir mais nenhuma grosseria.

—  Ei, espere um minuto. Não é minha intenção ser rude, acusá-la ou causar-lhe qualquer problema. Apenas, antes de regressar a Los Angeles, gostaria de fazer algumas considerações sobre David. Enfim, conversar com alguém que o conhecia tão bem. — Sinto muito, mas não estou com espírito para fazer considerações. Mas, em todo caso, agradeço seu delicado

convite para jantar. Agora, desculpe-me, mas vou desligar. Adeus.— Val concluiu, firme e decidida, desligando o telefonecom o máximo cuidado para não batê-lo, conforme queria.

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Foi só então que percebeu como estava trêmula. O rápido diálogo com Michael mexera com seus nervos, trazendolembranças desagradáveis que considerava enterradas. Como se enganara!

Ah! Mas não iria deixar que aquele petulante Michael Prescott lhe estragasse a noite. Iria jantar no restaurante dohotel, conforme programara.

Antes de o jantar ser servido, Val pediu um Martini, que bebericou calmamente enquanto observava a decoração sóbriae elegante do grande salão.

Quando o garçom trouxe a refeição, ela pediu um vinho da Califórnia, que era seu favorito e, ao final, sentia-se comuma disposição de espírito bem mais animadora.

Enquanto terminava o delicioso vinho, seus pensamentos voltaram-se mais uma vez para Michael Prescott. Queaudacioso! Usara-a para desabafar sua revolta ou sua culpa e, agora, passado o primeiro ímpeto, pedia-lhe para partilharde algumas "considerações". Pois sim, não seria ela que lhe daria outra chance para desabafos.

O vinho começava a provocar uma sensação deliciosa sobre seu corpo, e, pela primeira vez, após muitas horas, Val

sentiu-se relaxar e pôde usufruir um verdadeiro bem-estar físico.Seus olhos vagaram pelo salão, observando as pessoas, o vaivém dos garçons, quando subitamente deparou com

Michael Prescott dirigindo-se, a passos firmes, para sua mesa.

—O que significaria sua presença no hotel? Uma mera coincidência ou um encontro premeditado?

Ela pensou em se levantar e ir embora, afrontosamente, mas depois decidiu-se pelo contrário. Ficaria ali, sim, e tomariaseu vinho até o fim. No entanto, sua expressão endureceu e seu rosto parecia de cera. Pena que fosse tarde demais parafingir que não o vira! Val teve vontade de rir. E como um homem, com aquele porte, poderia passar despercebido?

Sob o blazer azul-marinho de linho, ele usava uma impecável camisa branca, que realçava sua tez bronzeada, e umagravata de seda pura, que tornava seus olhos ainda mais azuis.

Quando ele chegou à mesa, colocou as mãos sobre a cadeira oposta a Val. Ela ergueu os olhos, sem dizer uma sópalavra.

— Posso sentar?— ele perguntou.

Val consentiu, com um aceno de cabeça, mas retrucou com frieza:

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— Por que insiste? Já lhe disse que não temos nada para conversar.

—Uísque e soda— ele pediu ao garçom que surgiu, solícito; depois inclinou-se, encarando Val sem dizer nada.

Aquela atitude silenciosa irritou Val, e ela desviou os olhos, tomando um pequeno gole de vinho, que lhe parecia terperdido todo o sabor.

Foi ele que veio até aqui, pois ele que fale primeiro. Por mim, podemos ficar calados pelo resto da noite, pensou.

Parecia-lhe que o silêncio de Michael era propositado, como se ele quisesse deixá-la embaraçada. E estavaconseguindo. Perguntava-se se devia ou não levantar-se e ir embora para o seu quarto, quando finalmente ele falou:

—Você está com uma aparência maravilhosa! Fica muito bem de branco.

Admirada com as palavras inesperadas e elogiosas, Val o encarou, sem saber o que responder. Sentiu que corava e levouo cálice aos lábios para que ele não notasse.

—Como soube que eu estava aqui?— ela perguntou, num tom seco.

Michael deu de ombros.

Não foi difícil. Sabia que estava hospedada neste hotel e imaginei que fosse jantar sozinha aqui.—

Ele sorriu,cativante.

Era a primeira vez que Val o via sorrir e se surpreendeu com a mudança que se estampava no rosto dele. As linhas sesuavizaram, e os dentes muito alvos e perfeitos contrastavam com a pele morena.

—Muito esperto! Parece que está me seguindo. Posso saber por quê?

— Já lhe dei os meus motivos pelo telefone, lembra?

Ele sorriu de novo e mais uma vez Val admirou a brancura dos dentes perfeitos.

Queria que soubesse que a morte de David foi um terrível choque para mim. Você tinha razão. É possível que eutenha descontado em você boa parte da minha revolta, mas, creia, foi inconsciente. Eu gostaria de... bem... acho que devolhe pedir desculpas.

Por um breve instante, Val sentiu uma avassaladora necessidade de confiar nele, de acreditar na sua sinceridade.Parecia um homem tão íntegro!

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Ele a observava com atenção, esperando uma resposta. Pouco à vontade, Val baixou os olhos e seu olhar recaiu sobre asmãos dele, espalmadas sobre a mesa. Mãos de cirurgião! Grandes, fortes, capazes, cobertas por uma penugem escura.Mãos confiáveis! Michael era um homem muito atraente mesmo. Em outras circunstâncias...

Não! Não devia, nem por brincadeira, ter tal pensamento e, além do mais, tinha certeza de que ele não sofria nenhumremorso pelas palavras rudes que lhe dissera. Ignorava o verdadeiro motivo da presença dele ali, mas, por certo, ele poucose importava com ela.

—Está bem. Aceito seu pedido de desculpas. Não se preocupe.

—Val sorriu, muito educada e fria.

—Ótimo!— ele respondeu com satisfação, pretendendo não haver notado a frieza dela.

Val pensou que seria melhor ir embora. Ele parecia tão sincero, gentil, e seu sorriso era tão envolvente que ela,preocupada, teve receio de que, se não se retirasse logo, correria o risco de começar a simpatizar com aquele homem. Eestava decidida a não lhe permitir nenhuma aproximação. Após mais um gole de vinho, ela se levantou, rapidamente.

— Agora, se me der licença...— disse.

— Aonde vai?— ele perguntou, também se levantando.

—Vou subir para o meu quarto. Já acabei de jantar.

—Mas você ainda não terminou o seu vinho.

—Não tem importância. Estou satisfeita. Veja, você também não terminou seu drinque. Continue e sente-se, por favor.

Ao acabar de falar, Val afastou-se de cabeça erguida, pisando firme, consciente de que ele a seguia com o olhar. Comgrande esforço, não se virou para trás nenhuma vez e seguiu em frente até chegar ao elevador. Por fim, quando se viu livredo olhar dele, relaxou e respirou com alívio. Sentia uma sensação de vitória, parecia-lhe que acabara de ganhar umabatalha. Por alguma razão obscura, Michael tentara encantá-la com seu charme e ela resistira bravamente.

Entrou no quarto, satisfeita consigo mesma e deu uma risada meio nervosa. Porém, logo em seguida sentiu-sefrustrada. Não devia ter se precipitado e corrido para seu quarto em busca de segurança. Devia ter sido mais calculista eficado lá para fazê-lo falar. Talvez descobrisse o motivo de ele querer lhe agradar tão repentinamente. Por que quisera,afinal, mostrar-lhe seu lado sedutor?

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Uma vozinha irritante dizia-lhe que Michael Prescott era o homem mais atraente que já vira na vida. No entanto, outravoz mais prudente lembrava-a de que todos os homens bonitos e atraentes que encontrara haviam sido egoístas,convencidos e fúteis...

C C C  a  a  a  p  p  p í í í t t t u u u l l l o o o 3 3 3  

N N N a manhã seguinte, ao acordar, Val já havia conseguido afastar qualquer pensamento sobre Michael Prescott de

sua mente. Mais calma e com as idéias ordenadas, ela concluiu que fora muito bom ter falado com ele, ainda que por tãopouco tempo. Assim, cada um seguiria seu caminho em paz e não como inimigos; Tudo indicava que jamais voltariam a seencontrar. Por que então guardar mágoas?

Ainda nas primeiras horas da manhã, Val telefonou para Bonnie para se informar sobre a saúde das crianças e ficouparalisada ao saber que estavam todas de cama com sarampo.

— Acho que isto ainda vai levar alguns dias, Val — Bonnie queixou-se. — Mas se você não for logo embora, aindateremos tempo para aquele bate-papo e aquele jantar.

— Oh! Não se preocupe comigo, Bonnie, mas vou pensar na possibilidade de ficar um pouco mais por aqui, está bem?Aí, veremos; cuide-se, hein?— disse Val, desligando em seguida.

O problema era o que fazer com o tempo livre. Poderia procurar outras colegas do tempo de escola, mas, após dez anosde ausência, sentia-se muito distante, sem nada em comum com suas velhas amizades. E, pelo que sabia, a maioria delasestava casada e, segundo sua experiência, amigas casadas esqueciam-se das amigas solteiras.

A única razão que a trouxera a Carleton, de fato, fora o pedido de David e seu próprio desejo de esclarecer tudo comele. Contudo, a morte do amigo mudara o ritmo das coisas e pusera um fim naquele capítulo de sua vida. No íntimo, ficarafeliz por David não lhe ter guardado rancor. A sra. Prescott queria-lhe bem, sem censurá-la e até o irmão hostil procurarauma aproximação amigável.

Finalmente estava livre do passado!

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E, sendo assim, nada mais a prendia a Carleton. Podia voltar a Seattle onde tinha amigos, podia aproveitar o resto dasférias, por as leituras em dia, ir ao cinema e ao teatro; talvez até passar uns dias na praia.

Mas, de repente, Val lembrou-se de Myra Barnes.

Prometera a si mesma visitá-la no hospital. Nunca fora amiga íntima de Myra, mas seria um gesto fraternal,humanitário mostrar interesse e ver como a pobre estava se recuperando, tanto física como psicologicamente.

Não devia ser nada agradável ficar confinada num quarto de hospital num belo dia ensolarado de verão como aquele.

Val ligou para o hospital para obter informações e soube que Myra fraturara uma perna e um braço e que, apesar deestar sob observação médica, podia receber visitas.

"Comprarei algumas flores no caminho e irei vê-la", decidiu.

Val parou o carro no estacionamento do hospital e teve de fazer uma curta caminhada até a entrada principal. Elacolocara um vestido amarelo, de algodão muito leve, mas mesmo assim transpirara um pouco na testa, pois fazia muitocalor naquele dia.

Ao entrar no hall, suspirou de alívio com o friozinho do ar condicionado. Na recepção, encaminharam-na ao segundoandar. Quando se aproximou do quarto de Myra, escutou um rumor de vozes. Hesitante, parou, não querendo parecerintrusa, mas ao olhar o viçoso ramalhete de margaridas e flores-do-campo, considerou que se esperasse mais um pouco,aquelas flores se reduziriam a um monte de folhas murchas.

Bateu de leve à porta e, percebendo que se encontrava entreaberta, entrou no quarto.

Havia um grande biombo ocultando a cama, e o quarto parecia vazio. Val chamou baixinho:

—Myra? Sou eu, Val Cochran. Se não puder me receber agora, volto outra hora.

Por detrás do biombo surgiu uma figura alta e conhecida. Val se deteve, olhando fixamente para o homem a sua frente.O que Michael Prescott estaria fazendo ali?

—Que prazer! Então, encontramo-nos outra vez— disse ele num tom levemente malicioso, afastando o biombo.

—Como vai? Realmente não esperava encontrá-lo aqui—Val cumprimentou, formal.

Sem o obstáculo do biombo, ela viu Myra deitada na cama.

—Oh! Myra, desculpe se vim em hora inconveniente. Como está se sentindo? Não quero incomodar.

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—Val? Val Cochran? Mas que surpresa agradável! Não, você não me incomoda, ao contrário.

— Hum... É que vejo que você já tem companhia— Val disse, e olhou de relance para Michael. — Posso voltar maistarde.

— Eu já estava de saída— ele a interrompeu. Voltando-se para Myra disse:— Você está em boas mãos, Myra, e estoumuito feliz por ver que está se recuperando. Em algumas semanas estará completamente restabelecida.

—Muito obrigada, Michael, por ter vindo me ver. Será que nos veremos outra vez?

Após um rápido e indecifrável olhar para Val, ele tomou a mão de Myra e afagou-a.

— Ainda não sei quais são meus planos, Myra, mas, se ficar mais tempo em Carleton, pode contar comigo. Enquantoisso, cuide-se. Quero que fique boa logo.

Val notou e se surpreendeu com o jeito atencioso, até mesmo carinhoso de Michael. "Ora, afinal ele é médico. Temobrigação de tratar bem os doentes", ela pensou. Mas o que um cardiologista entenderia de perna quebrada?

Com um breve aceno de cabeça, ele deixou o quarto.

— Sente-se, Val—Myra pediu.—Que lindas flores! Vão alegrar meu quarto. Muito obrigada.

Val arranjou as flores num vaso com água e colocou-o sobre a mesa em frente à cama; depois, puxou uma cadeira esentou-se ao lado de Myra. Uma grande curiosidade estimulava a imaginação de Val, e ela morria de vontade de fazeralgumas perguntas sobre Michael, mas, por um misto de orgulho e recato, hesitava. No entanto, para sua sorte, a própriaMyra justificou a presença dele no hospital.

—Michael e a mãe dele têm sido muito bons para mim desde o acidente — ela contou, retorcendo a fitinha de cetimda camisola em torno do dedo, num tique nervoso.

Val percebeu a agitação de Myra, mas não quis comentar e disse apenas:

—Mas é claro que você merece toda a atenção. Nem se podia esperar outra atitude da parte deles. Afinal, David estava

embriagado e foi culpado pelo acidente. Você poderia ter morrido também.

— Sim, eu sei. Mas há uma coisa que eles não sabem... Ninguém sabe. — Myra começou, mas calou-se, porque aslágrimas embargaram-lhe a voz.

— Por que está chorando, Myra? Está sentindo alguma dor? Quer que chame uma enfermeira?—Val perguntou aflita.

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— Não, não precisa. Não são meus ferimentos que me fazem chorar. Oh, Val! Estou muito contente que tenha vindo,porque sei que com você pelo menos eu posso falar. Sei que vai entender.

— Entender o quê, Myra?

— Sobre David e eu.

— Sim? E o que havia realmente entre vocês dois?

Nós estávamos nos relacionando intimamente. Chegamos até a falar em casamento.—Oh, Myra! Que pena! Eu não sabia. Como deve ser duro para você. Sinto muito, mesmo.

Myra deu um longo e profundo suspiro.

— Não sei se você alguma vez percebeu, mas mesmo quando você namorava David, eu já era louca por ele. Quandoconseguia ficar com ele a sós sentia-me tão feliz... mas... bem, ele falava de você o tempo todo. Eu já estava começando aperder as esperanças. Foi então que você foi embora daquele jeito. Eu me reanimei. Achei que era minha chance deconquistá-lo, de tê-lo para mim, finalmente.

Tomada de surpresa com aquela revelação, Val não conseguiu pronunciar uma palavra. Jamais lhe passara pela cabeçaque Myra pudesse estar apaixonada por David. Baixinho e constrangida, ela falou:—Nunca suspeitei de nada. Desculpe, Myra, mas não tinha a menor idéia.

— É. Foi o que pensei. No entanto, de nada adiantou você ir embora. David foi ficando cada vez pior. Bebia muito e nãotrabalhava. Bem, às vezes, ele me procurava, principalmente quando se sentia só e deprimido. Foi somente no ano passadoque ele começou a reagir e a melhorar de verdade. Eu mal podia conter minha alegria; começava a acreditar que eu era umainfluência benéfica para ele e que só o fato de amá-lo tanto e estar ao seu lado já o ajudava.

— Oh, Myra! Fico comovida de ouvi-la falar assim. Tenho certeza de que você o ajudou mesmo. O que aconteceu

depois foi mera fatalidade.Os olhos de Myra vagaram pelo quarto por um tempo e depois fixaram-se no teto com expressão vazia. Seu rosto era

uma máscara inexpressiva.

— Aí— ela continuou, numa voz apática— você voltou. Eu procurei esconder minha ansiedade, meus receios e atésugeri a David que vocês dois se encontrassem para que ele visse se ainda amava você. Para que tirasse tudo a limpo evoltasse para mim sem dúvidas.

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As lágrimas voltaram a deslizar pelo rosto de Myra.

— Mas foi demais para mim. Quando vi vocês dois juntos, não suportei. Depois, sozinha com ele, ofereci-lhe umdrinque. Sim, insisti. Encorajei-o a beber. Pensei que se ele bebesse você não suportaria e iria embora, e ele ficaria comigo.Foi um erro! Um erro terrível, porque David acabou bebendo demais, ficou agressivo e não me deixou dirigir o carro. Bem,o resto você sabe.

—Mas, Myra, David não contou a você como foi o nosso encontro? Conversamos muito, sim, mas como amigos. David

concordou comigo que já não havia amor entre nós, mas uma grande amizade. Juro, foi assim que tudo aconteceu. Elepareceu muito satisfeito, eu diria, aliviado, e quando vi vocês dançando, achei que ele te olhava de modo especial. Nãosabia que já havia algo entre vocês, mas achei que um romance estava começando. Foi então que tive certeza de que David já não me amava.

Myra virou-se na cama, com cuidado, e enxugou as lágrimas, suspirando com tristeza.

—David me contou tudo, sim, mas quando me levava para casa. E aí, já era tarde demais.

Val lembrou-se. Tanta emoção não podia fazer bem a Myra. Seria melhor ir embora e deixá-la descansar. Contudo,

antes de partir, havia uma pergunta que precisava fazer.—Myra, você contou isso à sra. Prescott? Ou a Michael?

—Oh, não!—Myra apertou a mão de Val com força.— E você vai me prometer que não contará nada do que lhe disse.Eu não poderia suportar o desprezo e a reprovação da mãe de David. Ela me odiaria se soubesse que fiz seu filho bebernaquela noite. Prometa que não dirá nada. Prometa, Val.

— Está bem, Myra. Prometo. Mas, preste atenção, você não pode continuar se acusando pelo que aconteceu a David.Você apenas lhe ofereceu uma bebida. Todo mundo pode tomar um drinque. Ele não precisava se embriagar.

Val acariciou a cabeça da jovem e procurou tranquilizá-la.

—Vamos. Procure dormir, descansar. Se eu ficar aqui mais tempo, ainda volto para vê-la.

Val encontrava-se com a mente completamente confusa, não conseguindo raciocinar com clareza. Lamentava osofrimento de Myra, mas preferia que ela falasse a verdade sobre a recaída de David. Assim, estaria de uma vez por todaslivre de qualquer culpa daquele triste episódio perante a família Prescott.

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Michael, então, acreditaria na sua inocência. Não que isso fizesse grande diferença agora, pois, afinal, dentro de poucotempo, estaria voltando a Seattle e retomando sua vida normal. Mas, por mais que a opinião de Michael lhe fosseindiferente, uma acusação era sempre um pesado fardo.

Val despediu-se de Myra e, ao sair do quarto, deu de encontro com Michael Prescott. Ele estava de pé, próximo à porta.O que poderia estar fazendo ali do lado de fora? Teria ouvido alguma coisa? Não, talvez estivesse apenas esperando que elasaísse para que pudesse voltar a conversar com Myra. Provavelmente saíra do quarto para não impor a ambos uma

situação embaraçosa. Apenas por educação Val cumprimentou-o com a cabeça e continuou andando. Porém, mal deraalguns passos, Michael aproximou-se e tocou-lhe o braço.

— Espere um momento, por favor. Eu estava esperando por você— ele disse.

Surpresa, Val o encarou com os olhos azuis muito abertos e indagadores.

— Por mim?— perguntou.

Segurando-a pelo braço, ele foi conduzindo-a, delicada e firmemente, ao longo do corredor. Seu espanto era tanto, queVal se deixou levar, sem dizer palavra alguma.

—Estava pensando... se você não tiver outros planos, poderíamos almoçar juntos

—ele propôs.

Ao chegarem ao elevador, Michael soltou-lhe o braço e sorriu pela primeira vez. Embora os olhos dele ainda lheparecessem frios, não podia esquecer que a procurara na noite anterior, somente para se desculpar. Fora um inegável gestode paz. Por que não almoçar com ele afinal? Val não se considerava uma pessoa rancorosa e além do mais não tinha nadapara fazer. Apenas longas horas de solidão a aguardavam.

—Hum... Na verdade, não tenho outros planos. Poderíamos almoçar, sim.

Ao chegarem ao hall, Michael dirigiu-se à porta e manteve-a aberta para Val passar e logo os dois saíram para a ruaquente e ensolarada.

—Gostaria de ir a algum lugar especial?— ele perguntou.

A princípio Val não tinha em mente nenhum lugar especial para onde quisesse ir, mas de repente lembrou-se de umrestaurante no meio de um bonito bosque que costumava frequentar na adolescência. Recordou então que havia sempremuitas mesas com toalhas coloridas sob as árvores copadas, dando ao ambiente um toque informal e bucólico.

 

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— Ah! Lembrei-me de um pequeno café-restaurante dos meus tempos de estudante, em Marsh Creek. Será que aindaexiste? Gostaria de revê-lo.

— Bem, vamos até lá. Só assim saberemos.— Ele aceitou a sugestão com visível prazer.

O Mercedes prateado estava estacionado perto, e ao entrar no carro um calor abafado os envolveu.

— Em alguns minutos o ar-condicionado resolve isto— ele falou, ligando o carro; e acrescentou inesperadamente: — Você gosta de nadar?

Val sacudiu a cabeça afirmativamente.

— Sim, gosto muito, embora não tenha muita chance lá em Seattle. Sabe como é... o tempo é sempre tão nublado echuvoso.

—Mas hoje o dia está especial. Você pode alugar um maiô, se quiser, e poderemos dar uns mergulhos.

O Mercedes corria velozmente, e Val contemplava o cenário que passava diante de seus olhos, admirando-se ao verquão pouco as coisas haviam mudado naqueles anos de ausência. As ondulantes colinas ostentavam o mesmo verdor; ascasas ao longo da estrada com suas espaçosas varandas, as papoulas vermelhas que floresciam nas valas à beira do

caminho. Tudo parecia como antes!De repente, Val se deu conta de que o antigo sentimento de liberdade e alegria dos tempos de escola enchia seu coração

outra vez. Sentia-se uma adolescente em férias, despreocupada e feliz.

A seu lado, Michael dirigia com confiança, as mãos morenas e fortes sobre o volante. A única jóia que usava era umrelógio de ouro. Toda sua figura irradiava uma atração devastadora, e Val tinha consciência daquela força e sentiu-seestimulada. Parecia-lhe estar prestes a viver uma grande aventura, e aquele pensamento a fez rir baixinho.

—Qual é a graça?— perguntou Michael.

—Graça? Não há nenhuma graça. Apenas sinto-me leve, à vontade.

— E é raro sentir-se assim?

— Acho que sim. Não tenho muito tempo para o lazer, sabe? Estas são minhas primeiras férias depois de um longotempo de trabalho.

—Hum... Sua vida não me parece muito alegre.

— Bem, pode não parecer alegre, mas também não é triste. É que trabalho muito. Levo meu trabalho muito a sério.

 

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—O que você faz?

— Trabalho numa butique de moda feminina em Seattle e também sou responsável pelas compras da loja.

— E você gosta desse serviço?

— Ah! Sim, adoro!

— Bem, é isso que importa.

Após uma curva acentuada entraram numa estrada estreita em que Val pôde recordar-se perfeitamente do lugar.Alguns minutos depois avistaram, por entre os galhos das árvores, uma placa de madeira anunciando "Marsh Creek".

Michael abriu a janela para pagar a entrada, e logo pode-se ouvir o som de música moderna, de risos e de vozes. Comsorte, encontraram uma vaga à sombra de uma enorme figueira.

—O que prefere fazer primeiro? Nadar ou comer?—Michael perguntou.

— Bem, para ser franca, estou com fome.

— Então, vamos ao almoço. Mais tarde, talvez, umas braçadas.

O pequeno café-restaurante era ao lado da pista de dança e com ampla visão da piscina. O interior do salão estavacalmo e vazio, e Val notou que as mesas não primavam pela ordem.

— Parece que o lugar não é muito popular. Todo mundo prefere ficar do lado de fora.—Michael observou.

— É verdade. A maioria das pessoas prefere fazer piqueniques sob as árvores. Não recomendaria um almoço completoaqui, mas os hambúrgueres costumavam ser deliciosos.

— Bem, se você não se importa em comer aqui, então vamos fazer os pedidos, porque também estou com fome.

— Ah! Eu vou querer um cheeseburger, e uma Coca-Cola—Val pediu.

O mesmo para mim—

Michael instruiu o garçom e acrescentou, virando-se para Val:—

Espero que não tenhamosuma intoxicação. Lembre-se, foi idéia sua.

— A culpada é a minha nostalgia. Parece que estou recapturando minha juventude perdida — disse Val, entremelancólica e zombeteira.

—Você é muito jovem para sentir nostalgia da juventude.

 

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Val sorriu pelo elogio e observou-o por entre os olhos semicerrados. Era difícil permanecer formal e distante comaquele novo Michael que tinha diante de si. Assim, tão perto dele, sua masculinidade causava impacto sobre sua naturezafeminina sensível. E o rosto forte de feições viris e perfeitas possuía um charme irresistível.

Aquela atração era perigosa, e Val disse a si mesma que precisava tomar cuidado para não se deixar enfeitiçar.Interessante é que até então, de um modo geral, os homens a haviam deixado indiferente. Mesmo quando estiveraapaixonada por David, seu sentimento fora espiritual. Mas, agora, algo estranho acontecia. Uma sensação nova, que nunca

sentira, mas que identificava muito bem: atração física. Michael a atraía fisicamente.—Que aconteceu? Algum problema?— ele perguntou, ao perceber o olhar distante de Val.

A sensibilidade dele em captar-lhe a mudança de estado de espírito a surpreendeu. Era espantoso! Como podia alguémque mal a conhecia ter tal percepção de seus sentimentos? Os homens que conhecera pouco haviam se interessado pelosseus pensamentos. Queriam apenas falar sobre suas carreiras e levá-la para cama. Com muita diplomacia, ela aprendera aevitar tal situação.

Michael ainda a olhava, aguardando uma resposta.

Não, não há nada errado. Estava apenas sonhando acordada.—

Ela sorriu.—

Fale-me um pouco sobre seu trabalho.Você ainda não me disse nada sobre ele.

— Bem, acho que você sabe que sou médico. Especialista em cardiologia. É a realização do um desejo de criança — eleexplicou.

—Hum, você parece muito satisfeito com sua profissão. Por acaso opera em equipes de transplante de coração?

—Oh! Não, nada disso. Faço pesquisas e é disto que gosto.

E num relato simples, porém interessante, contou-lhe que se ocupava preliminarmente em diminuir os riscos deenfartes por meio de dietas e exercícios. E com um sorriso, apontando os hambúrgueres, ele disse:

—Veja, isto aqui é um exemplo perfeito do que não se deve comer.

Em seguida, num gesto inesperado, ele levou o guardanapo aos lábios dela e retirou um farelo de pão.

— Assim está melhor...— ele murmurou.

O gesto íntimo e terno tocou Val. Ainda ontem aquele homem a humilhara, tratara-a como se ela fosse uma qualquer, eagora era um perfeito cavalheiro, comportando-se como se gostasse dela.

 

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— Isto é outro risco— ele disse, acendendo um cigarro.—Mas fumo com moderação. Quer um?

—Não, obrigada. Não é um dos meus vícios.

Arqueando as espessas sobrancelhas negras, num tom de voz baixo e sugestivo, ele falou:

— Ah! Agora você me deixou curioso. E quais são os outros vícios?

— Oh! Bobagens... tenho certeza de que não os acharia interessantes — Val respondeu, virando o rosto para o lado,

para fugir do brilho perturbador do olhar dele.Percebendo seu embaraço, ele, com tato, procurou mudar de assunto.

— Então, você vive em Seattle?

— Sim. Não sabia?

—Não, mas sei muito pouco sobre você. Apenas... —Mas ele se interrompeu, temendo entrar num assunto perigoso.— Bem, coisas do passado! Mas agora eu gostaria de saber mais a seu respeito.

— Por quê?— ela quis saber, cautelosa.

—E por que uma pessoa se interessa pela vida de outra?

—Ele riu do ar de espanto de Val.

—Bem, o fato é que, nomomento, tenho um interesse por alguém que vive em Seattle.

— Sim? E por quê?

—Ofereceram-me o lugar de chefe do departamento de pesquisas do Hospital da Universidade de Seattle.

— Ah... Compreendo— ela murmurou, sentindo o coração bater mais rápido. Talvez aquele breve encontro não fosseo último de suas vidas. De algum modo, as palavras dele lançaram uma nova luz sobre o recém-nascido relacionamentodeles.

—Vai aceitar a oferta?

— Ainda não resolvi. Gosto muito do que faço em Los Angeles. O que não gosto é de viver em Los Angeles. A poluiçãoé terrível e há uma verdadeira explosão demográfica. Gente demais, entende?

— Claro que entendo. Sei que não se pode comparar Los Angeles com Seattle, mas nós também temos uma boa parcelade poluição e às vezes também me parece que há gente demais. Você já esteve em Seattle?

 

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—Oh! Sim. Muitas vezes. Mas apesar de estar crescendo muito, acho que é um dos melhores lugares do mundo para seviver. Oferece todo tipo de recreação. Em que outra cidade pode-se velejar, pescar, fazer alpinismo e esquiar? E tudo amenos de uma hora de distância?

Val riu, descontraída.

—Você fala como um agente de turismo. Pelo seu jeito, diria que já aceitou o posto no hospital.

—Não, ainda não...— Ele negou, balançando a cabeça com vigor.—Há outros fatores que tenho de considerar.

O modo como ele sorriu com inegável ternura, o tom de voz, toda sua expressão fez Val pensar que ele a incluía numdaqueles fatores.

Mas que idéia louca! Praticamente acabavam de se conhecer. Não podia permitir que sua fantasia criasse asas sóporque achava-o tão charmoso.

Naquele momento o garçom aproximou-se com a conta, e, após pagá-la, Michael convidou:

—Que tal uma caminhada para gastar um pouco das calorias consumidas com o hambúrguer? Depois podemos nadar,se ainda estiver com vontade.

Com um leve aceno, Val concordou e seguiu-o ao longo dos atalhos cobertos de pedregulhos e sombreados pelas ramasdas árvores. Os dois caminharam próximos da área de lazer, e os gritos alegres e as risadas dos banhistas osacompanhavam. Val recordava com agradável saudade os dias em que se divertira ali mesmo com os amigos.

Michael parecia-lhe a companhia ideal, calado a maior parte do tempo, mas com tal naturalidade que a deixara àvontade. Só ocasionalmente ele comentava uma ou outra cena que presenciavam.

Caminhar ao lado daquele homem alto, elegante e tão atraente causava-lhe uma sensação desconhecida e indefinível.Michael retomara suas maneiras formais; já não estava tão perto dela quanto estivera durante o almoço, porém

permanecia cordial.Após uma volta completa pelo local, eles alugaram trajes de banho e toalhas.

Ao ver o maiô, Val fizera uma careta. Devido à sua timidez sentia-se constrangida de aparecer na frente de Michael,seminua. Apesar de o maiô ser inteiro, revelava a maior parte dos seios altos e firmes. Muito mais do que ela gostaria.Tinha um corpo esbelto, com cintura acentuadamente fina, mas suas pernas eram longas, fortes e cheias.

 

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Tomando coragem, Val dirigiu-se à piscina pronta para enfrentar o olhar avaliador de Michael; já que concordara como banho de piscina, teria de suportar bem todos os embaraços. Contudo, ao avistá-lo, trajando apenas um simples calçãode lycra, Val esqueceu-se de si própria, ofuscada pela beleza máscula dele. Assim, seminu, os ombros dele pareciam muitomais largos do que quando vestido. O peito forte era revestido por uma penugem castanha que descia ao longo do corpo etransformava-se apenas numa linha escura que desaparecia sob o calção.

Quando Val se deu conta de que o admirava em silêncio com os olhos fixos, corou até a raiz dos cabelos. Pretendendo

não notar o embaraço dela, Michael estendeu-lhe a mão.— Então, pronta para um mergulho?

O coração de Val disparou assim que ele pegou sua mão. Foi um toque muito leve, mas muito provocante e que a fezestremecer, num misto de prazerosa expectativa e temor.

— Se você estiver pronto, eu também estou— disse ela, procurando dar à voz um tom de brincadeira.

À beira da piscina, lado a lado, eles mergulharam. Após uns segundos, Val veio à tona, tossindo e lutando para respirar,e viu-o emergir tão perto dela que, apesar da água fria, quase podia sentir o calor que se desprendia da pele dele.

Ela prendera o cabelo num coque comportado, mas ele se desfizera e agora caía-lhe frouxo e gotejante sobre os ombrose a testa. Com uma risada divertida, Michael tirou-lhe as mechas do rosto.

— Você parece uma garotinha de doze anos — ele disse, mas depois de uma rápida olhada para seus seios arfantes,acrescentou malicioso:—Dos ombros para cima, quero dizer.

A franqueza do comentário a fez corar de novo, e Val mergulhou outra vez, nadando para longe dele. Mas, em instantese com poucas braçadas, ele a alcançou.

— Vamos ver quem consegue chegar do outro lado primeiro? A piscina está tão cheia que não é uma questão de sabernadar e sim de saber desvencilhar-se dos banhistas.

Ela aceitou o desafio e eles se jogaram outra vez na água, evitando os nadadores lentos, e as brincadeiras de crianças.Val usava toda sua habilidade para evitar colisões, mas era cansativo mudar de ritmo a cada braçada. Ao atingir o outroextremo da piscina, avistou Michael já do lado de fora, de pé, dando-lhe a mão para ajudá-la a subir.

Por sugestão de Michael, eles estenderam as toalhas na grama e deitaram-se ao sol, distantes do burburinho da piscina.De olhos fechados, os braços caídos ao lado do corpo, ele era a própria imagem do relaxamento. Era de fato surpreendente

 

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que após o primeiro encontro, onde haviam se comportado como inimigos, eles pudessem estar ali aproveitando a belezada natureza, como velhos amigos.

Era uma situação inesperada e estranha. Para começar, Michael era atraente demais, e muito simpático. A experiênciade Val com o sexo masculino mostrara-lhe que aquele tipo de homem estava em extinção, e os poucos que encontrara jáeram casados.

De repente, Michael abriu os olhos e os dois se entreolharam em silêncio, e por mais que Val se esforçasse não

conseguia desviar o olhar do rosto dele.

C C C  a  a  a  p  p  p í í í t t t u u u l l l o o o 4 4 4  

M M M ichael manteve Val hipnotizada sob seu olhar magnético e naquele clima de expectativa ele ergueu a mão e

tocou-lhe os cabelos úmidos.

—Gosto de seus cabelos caindo assim descontraídos sobre o rosto. Faz você parecer tão jovem... Devia usá-los sempreassim— ele falou baixinho.

Val estava consciente da proximidade entre eles e podia sentir o cheiro de cloro da piscina desprender-se da pele dele.Podia ver as gotas de transpiração na sua testa e observar a barba que despontava mais nítida. Por um instante, ela sesentiu perigosamente tentada a inclinar-se mais para ele e tocar-lhe os lábios bem delineados de cantos arqueados paracima, numa expressão irônica.

"Estarei ficando louca?", ela se perguntou, espantada com a audácia do próprio pensamento. Inspirando com esforço,

ela recuperou seu costumeiro bom senso e, procurando mostrar uma descontração que na verdade não sentia, agradeceu ocomentário, virando o rosto para olhar em volta, com aparente displicência. O local já estava quase deserto.

—Quanto tempo você pretende ficar em Carleton?—Michael perguntou.

Ela deu de ombros.

— Ainda não sei. Esta é uma pergunta que eu mesma me faço. Meu plano inicial era passar uns dias com Bonnie, umavelha amiga de colégio. Mas, agora... — Ela hesitou, lembrando-se de David, e teve receio de despertar lembranças

 

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desagradáveis em Michael, mas continuou:— Agora, sinto-me meio no ar. As crianças de Bonnie pegaram sarampo, e elaestá ocupadíssima; por isso, não vejo motivo para permanecer aqui.

— Posso lhe dar um motivo. Eu gostaria que você ficasse— ele murmurou.

—Mas sua mãe me disse que você já estava de partida.

— Sim, foi o que eu pensei. Mas... posso ser convencido do contrário. — Ele sorriu, insinuante. — Tendo o estímulocerto...

Ah! Ele queria que ela ficasse! E ela? Queria ficar? Sim, seu coração respondeu sem hesitar, mas logo a prudência adeteve. Se seguisse seus impulsos não sabia onde iria parar. Melhor seria ir devagar e manter-se alerta, precavida contra oinacreditável charme daquele homem. Mal o conhecia e no entanto uma coisa era certa: ele já começava a exercer umenorme poder sobre sua vida. Não ousaria iniciar nenhum tipo de jogo com ele e embora se sentisse muito tentada adeixar-se levar pela própria atração, não iria perder a cabeça.

Michael interrompeu-lhe os pensamentos.

— Talvez tenha me precipitado, pedindo para você ficar. Ficou com um ar tão preocupado! Não quero ser

inconveniente—

ele disse.—Como? O que quer dizer?

— É que sei tão pouco sobre você... Poderia ter um compromisso em Seattle. Podia até mesmo estar noiva. Embora... eunão tenha visto nenhuma aliança no seu dedo.

—Não tenho compromisso com ninguém. E quanto a você?

— Eu não tenho ninguém.— Ele sacudiu a cabeça com veemência.

— Pensava que médicos casassem cedo, para terem uma esposa exemplar, esperando-os numa casa perfeita — ela

respondeu em tom de brincadeira.Com uma risada, ele retrucou:

—Você está certa. Já tentei uma vez. Mas, acredite, não acontece exatamente como se espera.

— Ah, então já se casou uma vez!

Ele fez um gesto de pouco-caso.

 

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— Se é que se pode dizer que aquilo foi casamento. Eu ainda estava na faculdade, tinha vinte e um anos, e Linda,dezoito. O sonho de sua vida era casar-se com um médico, por isso casou-se comigo. Mas ela logo descobriu que haviauma grande diferença entre a realidade da vida de um médico e as novelas que assistia na televisão.

—Oh! Lamento! Desculpe se provoquei o assunto.

Ele deu de ombros, displicente.

— Ora, não precisa lamentar nada. Essa história é muito antiga e só durou um ano. Depois disso, cada um tomou seurumo e foi um alívio. Mais tarde ouvi dizer que Linda casou-se com um ginecologista vinte anos mais velho do que ela,porém riquíssimo.

— Bem, pelo menos não tiveram filhos. São eles quem mais sofrem num divórcio.

—Oh, não! Graças a Deus não houve filhos.

—Você não gosta de crianças?

— Sim, claro que sim. Mas crianças precisam de um lar sólido. E um lar sólido significa um casal bem entrosado emuito amor. Depois disto, pode-se pensar em filhos. Francamente, não tenho visto muitos casamentos assim a minha

volta. Pelo contrário, só tenho visto destroços de uniões.Val lembrou-se do casamento de seus pais. Havia sido feliz até seu pai começar a beber e a criar uma atmosfera de

tensão constante na família. Talvez tivesse sido melhor se seus pais fossem divorciados.

No meio de seu devaneio, ela percebeu Michael aproximar-se mais, inclinando-se sobre ela e roçar-lhe o ombro. Valprendeu a respiração quando ele segurou-lhe o queixo e deslizou o polegar pelo contorno de seu rosto. Por um momento,teve a sensação de que a Terra parara de girar. Val entreabriu os lábios, mas não conseguiu emitir nenhum som e, aomesmo tempo, sentiu Michael segurá-la pelos pulsos, como para impedi-la de fugir. Val fez um movimento quaseimperceptível em direção a ele, e seus olhos mergulharam nos dele, procurando uma resposta.

A expressão do rosto dele era séria, mas havia um brilho diferente em seu olhar. Seria uma nova emoção? Seria desejo?Incapaz de se mover, Val permaneceu quieta, esperando...

Ela sabia que ele iria beijá-la, mas, embora quisesse sentir aquela boca firme e viril sobre a sua, aqueles braços em tornodo seu corpo, a penugem do peito dele roçar-lhe a pele, temia aquele contato.

 

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Michael tomou-lhe o rosto entre as mãos, contemplando-a longamente. Ele sorriu, e, quando seus lábios seencontraram, a sensação daquela carícia espalhou-se por todo seu corpo, deixando-a maravilhada. No mesmo instante, aintensidade do beijo foi crescendo, tornando Michael cada vez mais ávido e fazendo com que Val se sentissecompletamente inebriada. Porém, quando a mão forte dele insinuou-se por entre seus seios, ela se alarmou e procurou sedesvencilhar, empurrando-o delicadamente. No mesmo momento, ele percebeu e diminuiu a pressão do abraço, deixando-a livre.

Embora o desejo ainda brilhasse nos olhos dele, Michael parecia ter um perfeito controle de suas emoções.— Acho que é melhor nós irmos agora— ele disse.

— Sim, também acho— ela respondeu seguindo-o. Sem dúvida, ele se irritara com seu recuo e não via mais razão parapermanecerem juntos.

O breve momento romântico dissipara-se e ao caminharem lado a lado para o vestiário, Val sentiu um aperto nocoração com o pressentimento de que jamais viveria uma emoção igual.

 Já completamente vestida, ela deixou-se levar por uma onda de auto-recriminações. Fora uma tola! Por que se afastara

dele, quando a tocara com mais intimidade? Ela desejara aquele beijo, sentira prazer; então, por que fugira? Era aquele seumaldito medo dos homens, sua inibição doentia que estragara tudo. Poderia ter sido o início de um relacionamentomaravilhoso com o qual sonhara toda sua vida, e o que fizera? Comportara-se como uma donzela assustada, como umaadolescente envergonhada. O que ele não teria pensado dela? Provavelmente a considerava uma eterna provinciana.

"Val Cochran, você é uma tola", ela disse a si mesma.

O trajeto de volta ao hospital, onde Val deixara o carro, foi feito quase todo em silêncio, aparentemente cada umimerso nos próprios pensamentos. Val sentia-se deprimida com o fim rápido e frio que o dia tivera, após haver criadotantas expectativas em torno daquele encontro.

Quando chegaram ao estacionamento, ela abriu a porta para que ele não precisasse descer. Constrangida, mas com seusorriso mais cordial, ela se despediu:

—Muito obrigada, Michael, por uma tarde tão agradável. Há muito tempo não me divertia tanto.

— Também me diverti. O prazer foi todo meu. Peço desculpas por ter voltado tão cedo, mas é que preciso resolverumas coisas para minha mãe.

—Oh! Não se desculpe. Compreendo...

 

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— Escute, se você não tem nenhum outro compromisso, talvez pudéssemos jantar juntos hoje à noite. Poderíamos iraté San Francisco, se sairmos mais cedo.

Val sentiu o coração bater mais forte, ao ver que ele não estava aborrecido com ela.

— San Francisco? Sim, gostaria muito!

— Levaremos mais ou menos uma hora para chegar lá. Digamos que eu te pegue às sete horas no hotel. Está bem?

— Sim, está ótimo.

— Bem, até lá então.

Val acabara de entrar em seu carro quando ouviu-o chamá-la pelo nome e voltou-se.

— Sim?

—Queria pedir-lhe uma coisa. Poderia deixar seus cabelos soltos como estão agora?

Com um gesto rápido, ela correu os dedos pelos cabelos embaraçados e sorriu.

—Você não pode estar falando sério. Meus cabelos estão completamente embaraçados.

—Pois eu gosto muito

—ele afirmou com convicção.

— Bem, então, de acordo. Vou deixá-los soltos.

Fazia muito tempo que Val não se aprontava para um encontro com aquela sensação de alegria e com uma expectativatão grande.

Sob o chuveiro, ela cantarolou uma música romântica e, às vezes, até elevava mais a voz, de puro contentamento. Pormais que sua mente cautelosa a advertisse a todo momento para não se deixar iludir com falsas esperanças, para não

contar demais com a sorte, ainda assim Val sentia-se como uma adolescente despreocupada em férias. Seria tão fácilapaixonar-se por Michael. As mulheres deviam viver em volta dele, bajulando-o, tentando conquistá-lo. E como eleconseguia continuar incólume era um grande mistério. Não tinha ilusões sobre o interesse de Michael. Em pouco tempocada qual voltaria a sua cidade. E provavelmente ela jamais o veria outra vez.

Foi então que Val lembrou-se de um pequeno detalhe. Ele dissera que recebera um convite para trabalhar em Seattle.Se ele aceitasse... Poderiam ver-se mais constantemente. Afinal, despertara o interesse dele, de alguma maneira. Nãopedira para ela ficar, só por causa dele? E, na verdade, não havia nenhuma urgência para voltar ao trabalho e, mesmo se a

 

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atração entre eles fosse efêmera, valia a pena usufruir um momento de prazer. Pelo menos, quando ficasse velha teria o querecordar. Como ansiava por um pouco de romance na sua vida insípida!

Contudo, uma ponta de desconfiança perturbava Val, incomodando-a. Quando se encontrava na presença de Michael,sob o magnetismo do olhar dele, sob o poder de sua atração, não raciocinava direito. Porém, longe dele sentia algo errado.Faltava lógica nos últimos acontecimentos. Por que um homem que, no dia anterior, lhe dissera que a detestava, passava acortejá-la como se ela fosse a mulher dos seus sonhos?

Val não era convencida, mas sabia que possuía boa aparência. Seu rosto tinha um belo formato clássico, seus olhoseram grandes e azuis, com longas sobrancelhas escuras arqueando-se sobre eles. A boca carnuda e insinuante já receberamuitos elogios dos homens. Ela é que sempre os mantivera longe.

Mas Michael fora diferente. Ele não forçara nada. Ao contrário, ao primeiro movimento de recuo por parte dela,afastara-se. Contudo, aquela atitude tão cavalheiresca aumentava-lhe as suspeitas. Aquilo parecia calculado.

Val sacudiu a cabeça, como se quisesse afastar os pensamentos inquietantes. O melhor que tinha a fazer era aprontar-se e, já que seria sua única noite, deveria ficar linda para causar uma impressão memorável.

Mais uma vez ela examinou os vestidos de noite que trouxera. Não havia grandes opções, mas eram todos modelosmodernos e de excelente confecção. Queria fazer uma escolha acertada, porque os restaurantes em San Francisco eramluxuosos e sofisticados.

Finalmente, Val decidiu-se por um vestido preto de seda pura com um decote em V que apenas insinuava a curva dosseios, mas que lhe desnudava as costas de modo generoso. Ela nunca o usara antes, mas ao contemplar-se no espelho,sorriu satisfeita. O preto caía-lhe bem; realçava sua pele rosada e seus cabelos claros. Sentou-se em frente ao espelho paraacabar a maquiagem. Com capricho, acentuou a profundidade do olhar com um toque de sombra marrom e rimel noslongos cílios; avivou os lábios com batom rosa-cintilante e, após um instante de hesitação, resolveu deixar os cabelos

soltos, conforme Michael pedira.Um colar de pérolas de duas voltas, brincos combinando, os sapatos de salto alto e estava pronta.

Porém, ao dar a última olhada no espelho, uma dúvida a assaltou. Talvez seus olhos estivessem maquilados demais ou,não, talvez fosse a boca... a cor do batom estaria muito forte! Sentia-se insegura com a própria aparência. Michael iriapensar que ela estava querendo seduzi-lo. Talvez devesse trocar o vestido por um outro mais simples. O cor-de-rosa

 

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também lhe assentava muito bem e era muito mais discreto. Ah! Mas certamente borraria toda sua maquiagem edesmancharia os cabelos se fizesse aquela troca na última hora.

"Ora, Val, pare com isto!", ela se censurou. "Até parece que é o primeiro encontro da sua vida."

Era uma mulher que se vestira para agradar a um homem, não havia nada de errado naquele desejo. Val inspirouprofundamente e dirigiu-se ao hall do hotel ao encontro de Michael.

Ele já se encontrava sentado num dos sofás, observando as pessoas com um ar displicente e seguro como se fosse o

dono do hotel.A aparência dele produzia um efeito devastador sobre Val. Na verdade, ele sempre lhe parecia ser mais atraente

pessoalmente do que quando ela se lembrava dele. Por uns momentos, ficou imóvel, contemplando-o de longe. Eletambém se vestira com esmero. Usava um terno escuro, camisa de cambraia de linho branco e uma gravata de desenhosassimétricos, conforme estava na moda. Naquele instante, ela imaginou que se ele quisesse levá-la para a parte maislongínqua da terra, sem passagem de volta ela não contestaria.

Voltando a si do devaneio, Val caminhou em direção de Michael. Como se pressentisse sua presença, ele se virou,

olhando-a de alto a baixo. Val viu a surpresa estampada no rosto dele, Michael notara sua transformação. Porém, naquelesolhos azuis havia uma luz inconfundível que transmitia aprovação.

—Desculpe se o fiz esperar. Costumo ser sempre muito pontual— disse.

—Oh! Não tem importância. Valeu a pena. Você está deslumbrante! Vamos?— Ele sorriu e deu-lhe a mão.

A noite apenas começava, e no céu ainda havia umas nuvens rosadas por onde atravessavam os últimos raios de sol.Enquanto Michael dirigia, eles conversavam sobre o trabalho dele, que tanto o apaixonava e que também fascinava Val.Ela aguardava com ansiedade que ele fizesse alguma referência ao convite para trabalhar em Seattle, porém ele nadacomentou.

Ao se aproximarem da baía de San Francisco já era noite, e as luzes ao longe brilhavam como estrelas. Em poucotempo, a imponente ponte de ferro negro toda iluminada surgiu a sua frente, contrastando com o fundo escuro do céu. Vallembrou-se dos cartões postais que haviam consagrado aquele cenário pelos quatro cantos do mundo. A Golden Gate!Como era bonita!

 

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Finalmente, Michael estacionou o carro no alto de uma colina, e Val notou que ele escolhera um dos mais elegantes ebem frequentados restaurantes da cidade.

Logo que entraram no restaurante, o maitre aproximou-se imediatamente de Michael, todo solícito.

— Boa noite, doutor Prescott. É um prazer tê-lo conosco outra vez— ele saudou-os, com uma reverência.

Evidente que Michael era um frequentador assíduo daquele lugar luxuoso, Val pensou, enquanto eram ambosconduzidos a uma mesa num canto discreto ao lado da janela, de onde se podia avistar a baía. O mar embaixo parecia

fosforescente sob as luzes da cidade.— Como você consegue ser tão conhecido num restaurante em San Francisco? Pensei que morasse em Los Angeles — 

Val brincou.

— Faço questão de vir a San Francisco uma vez por mês. Adoro esta cidade. Acho que é um dos lugares mais bonitos eelegantes dos Estados Unidos. E também aprecio seus restaurantes. A comida é famosa. Vale a pena a viagem, e afinal nãoé assim tão longe.

Um pensamento aguçou a curiosidade de Val. Será que sempre que vinha a San Francisco trazia uma companhia

feminina? E seria sempre a mesma pessoa? Ou uma mulher para cada ocasião? Mas ela afastou a intrigante dúvida, pois ogarçom aproximou-se trazendo o cardápio para a escolha de bebidas. Ela ficou feliz com a interrupção, pois suacuriosidade não fazia nenhum sentido. Os hábitos de Michael não eram da sua conta. Ele era um homem livre.

Val concentrou-se na escolha de um drinque, jurando a si mesma que aquela seria uma noite especial. Não permitiriaque pensamentos tolos estragassem a deliciosa atmosfera, principalmente sabendo que aquela seria sua única noite juntos.

Acabaram-se decidindo por tomar Martini. Quando o garçom se afastou, Michael fitou-a bem nos olhos.

— Sabe, seus longos cabelos caindo soltos nos ombros são adoráveis. Por que você não os usa sempre assim? Fica tãobem em você!

— E como sabe que não uso?— Ela sorriu.—Você só me viu umas poucas vezes, não é mesmo?

— É, você tem razão. Nos conhecemos há pouco tempo, mas, de certa forma, parece que te conheço há anos. Bem, masvocê não é uma completa estranha para mim. Tenho uma razoável lembrança de uma garotinha de tranças, que costumavaaparecer lá em casa. Claro que é difícil acreditar que ela tenha se transformado nesta mulher a minha frente.

— Ah! Naquele tempo eu e David...— ela se interrompeu.

 

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Ao acabar de pronunciar aquelas palavras, Val perturbou-se. Falar no passado era enveredar por um assunto perigoso,pois significava trazer David de volta e talvez até mesmo a mágoa de Michael. Por sorte, os drinques chegaram naqueleexato momento, mas, mesmo assim, ela percebeu que a expressão dele tornou-se dura.

Em silêncio, Val levou o cálice aos lábios e sorveu a bebida devagar, enquanto seus olhos percorriam o salão. O espessocarpete e as paredes revestidas de papel com desenhos de flores delicados tornavam o ambiente muito aconchegante. Asmesas eram dispostas afastadas uma das outras, de maneira a permitir o máximo de privacidade aos seus frequentadores.

Do canto oposto do restaurante vinha o som melodioso de um piano de cauda. Tudo era elegante e cheio de classe. Asconversas eram animadas, mas as pessoas falavam a meia-voz.

Michael tomou um longo gole do drinque e, depois, apoiando-se na mesa, inclinou-se para Val.

— Estou há tempos fazendo um grande esforço para descobrir uma coisa sobre você que me intriga.

—Verdade? E o que é?

— Como é possível uma mulher como você ter conseguido manter-se livre de um relacionamento sério todo essetempo?

A pergunta tão pessoal surpreendeu Val, e mais uma vez, ela temeu uma volta ao passado.— E como sabe que não tive?— perguntou, evasiva.

— Já foi casada?

—Não...

—Noiva?

—Não...

— Já viveu com um homem?

—Também não, mas isso não significa...

— Ah! Então eu estou certo— ele concluiu com satisfação.— Eu sabia!

Val deu uma risada.

—Não sabia que médicos aprendiam a ler as mentes também.

—Você ainda não me deu uma resposta direta.

 

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— E você? Não está envolvido com alguém?

— Não, não estou. Mas já lhe contei que tentei uma vez. E você é que deve me responder, porque afinal eu pergunteiprimeiro.

— Bem, talvez minhas razões sejam parecidas com as suas. Tenho um envolvimento grande demais com o meutrabalho. Minha profissão não é tão sofisticada quanto á sua, mas me ocupa da mesma maneira. Acho que compreendebem isso, não é?

—Pois não acredito. Deve haver outra explicação.

Não ocorria a Val mais nenhuma outra desculpa para dar.

Também achava que devia haver uma boa razão para seu celibato, mas nem ela saberia dizer qual. Porém, naquelemomento interessava-se apenas pelo que acontecia no presente, importando-se pouco com o futuro e menos ainda com opassado.

Michael olhava-a, sério, na expectativa de uma resposta. Como ela continuou calada, ele estendeu a mão, tocando asua.

—Você ficou triste. Bem, o que quer que seja, gostaria de ajudá-la a esquecer

—ele falou em tom baixo.

Val enrubesceu e encarou-o surpresa. O que queriam dizer aquelas palavras e aquele tom de voz? Conheciam-se apenashavia alguns dias, e o que ele acabara de dizer implicava uma intimidade que não existia.

Ele largou-lhe a mão e endireitou-se na cadeira.

— E agora? Quer um outro drinque ou prefere pedir o jantar?

— Acho que seria bom pedir o jantar— ela respondeu, torcendo para que ele não percebesse sua agitação.

As diversas opções do cardápio oscilavam diante dos olhos de Val, tornando qualquer leitura impossível.

Estava loucamente atraída por Michael, e aquela certeza fazia com que um arrepio percorresse seu corpo. O pior detudo é que tinha certeza de que ele sabia. Ela entregou-lhe o cardápio, incapaz de concentrar-se.

— Por favor, tenho certeza de que escolherá melhor do que eu.

Durante o jantar, para tranquilidade de Val, ele não mais abordou assuntos particulares, mas demonstrou grandeinteresse pelo trabalho dela.

 

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Saboreando o prato que pedira, ela narrou com detalhes seu dia-a-dia como diretora do departamento de compras dabutique. Era um grande alívio poder falar sobre algo neutro, que conhecia bem e gostava muito.

Após o jantar, enquanto tomavam um café cremoso e fumegante, Michael acendeu um cigarro e ficou algum tempoobservando a fumaça traçar exóticos desenhos no ar, parecendo distraído.

—Você já resolveu se vai prolongar sua estadia em Carleton?— ele indagou de chofre.

Pouco à vontade com a pergunta, Val endireitou-se na cadeira, descruzando as pernas, mexendo o cafezinho mais uma

vez, procurando uma resposta. Como poderia explicar-lhe que sua permanência ali dependeria dele? Ficaria em Carletonapenas se ele ficasse. Mas de maneira alguma ele poderia desconfiar de tal coisa.

— Já... já resolvi...

— E o que resolveu?

—Resolvi que não consigo resolver.— Ela riu.

— Bem, vamos ver se posso ajudá-la. Há alguma razão especial para voltar a Seattle? Ou — ele perguntou baixinho— você quer ficar e pensa que não deve?

Pareceu a Val que mais uma vez ele lia seus pensamentos. E também mais uma vez sentiu o sangue subir-lhe ao rosto.—Do que tem medo, Val?— ele perguntou, a queima-roupa.

—Medo? Eu? De nada. Por que me pergunta isto?

Dando de ombros, ele falou com naturalidade.

— Sinto uma grande atração por você e sei que, a menos que esteja muito errado, você sente o mesmo por mim. Nãoentendo por que você recua sempre que tento me aproximar. Por que esta desconfiança?

— Acha que é assim tão fácil, Michael?

—Mas a decisão está nas suas mãos, não é mesmo? Não posso forçá-la a fazer o que não quer.

—Ele sorriu.

De repente, Val compreendeu que tudo dependia dela de fato. E era um absurdo que aos vinte e oito anos aindatemesse iniciar um relacionamento com o sexo oposto. Mesmo que esse homem fosse tão enigmático e desafiador comoMichael Prescott. Oh, céus! Ela queria ficar, sim, e ver o que acontecia!

— Está bem. Vou te dar minha resposta. Nada urgente espera por mim em Seattle e posso ficar, sim, digamos, poralguns dias.

 

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Um sorriso de satisfação iluminou o rosto moreno de Michael.

O garçom aproximou-se para verificar se eles ainda desejavam mais alguma coisa.

— Estou satisfeita, obrigada— ela disse a Michael.

Após pagar a conta, ajudou-a a se levantar e sugeriu:

—Que tal uma caminhada? Há uma estradinha razoavelmente iluminada que vai até lá embaixo junto aos rochedos. Setivermos sorte, poderemos ver os botos mergulharem.

Val concordou, e ele a conduziu pela parte dos fundos do restaurante.

Ao chegarem lá fora, Val pensou que ingressavam num outro mundo. Um mundo silencioso, onde já não se ouvia o somdo piano nem das conversas, mas apenas o rumor das ondas quebrando contra as rochas e soando como um acalanto aembalar a noite escura.

C C C  a  a  a  p  p  p í í í t t t u u u l l l o o o 5 5 5  

V V V al e Michael desciam pelo caminho estreito e escarpado em direção ao mar e aos rochedos, quando, após alguns

passos, ela tropeçou e precisou parar, pois era impossível equilibrar-se com as sandálias de saltos altos e finos.

— Acha que está frio aqui fora para você? Quer voltar?—Michael perguntou, segurando o braço dela com firmeza.

—Não, não é isso. É que o caminho é muito íngreme para o tipo de sapato que estou usando. Tenho medo de cair nestaladeira.

Mal acabou de falar, ele passou o braço ao redor de seus ombros e puxou-a para si. Foi um gesto tão natural deproteção que Val, muito à vontade, recostou-se no peito dele, sentindo toda sua força e calor. Naquele instante, sentiu-sesegura e confiava nele cegamente.

—Melhor?— ele indagou, sorrindo.

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Ela apenas balançou a cabeça sem dizer nada, e os dois continuaram a descida, até alcançarem o parapeito de madeiraque lá havia para proteção dos visitantes. Michael manteve-a junto a ele. De pé, lado a lado, contemplavam o céupontilhado de estrelas e as ondas altas envolverem as rochas com espuma branca.

Val cerrou os olhos ao sentir que Michael deslizava a mão pelo seu braço nu. A carícia suave e o doce murmúrio dasondas do mar embriagavam-na como o mais delicioso vinho, fazendo-a esquecer o restante do mundo.

O céu deve ser assim, ela pensou. Aquele homem belo e forte como um deus grego e o cenário romântico causavam-lhe

uma sensação de suprema felicidade.Era sobre algo assim que as outras mulheres falavam tanto, sonhavam tanto, e que ela, tola, nunca havia

experimentado.

—Val...— A voz dele soou baixinho em seu ouvido.

Ela abriu os olhos e o fitou. O rosto de Michael estava tão próximo que podia ver a si mesma refletida em seus lindosolhos azuis e sentir o aroma do perfume que dele emanava. Val não pôde conter um suspiro.

Imediatamente, como se estivesse somente aguardando um sinal, ele a envolveu em seus braços e, inclinando a cabeça,

começou a deslizar os lábios sobre suas pálpebras, face, queixo, pescoço, causando-lhe arrepios e fazendo-a estremecer esentir um misto de temor e desejo.

Por fim, ele procurou-lhe a boca e a beijou como se nunca mais fosse deixá-la. Val correspondeu ao beijo, exultante. Opassado, o futuro... tudo parou de existir. Havia somente a emoção do encontro de dois corações que batiam tãofortemente quanto as ondas no rochedo e a sensação nova e maravilhosa que todo seu corpo sentia com a proximidade deMichael.

Logo as mãos dele desceram e começaram a tocar suavemente os seios. Val não tentou detê-lo, perdida no turbilhãodas próprias emoções. Porém, de repente, ele interrompeu a carícia e soltou uma exclamação abafada.

—Não, não!

—ele murmurou, afrouxando o abraço.

—Não quero perder a cabeça. Eu te quero, te desejo, Val, mas

aqui não é o lugar nem a hora. Estou com um pequeno problema e quero te contar.

Um súbito pânico tomou conta de Val.

"Oh, meu Deus! Ele vai me dizer que está comprometido com outra pessoa".

Val sentiu seu corpo gelar e enrijecer-se e recuou, forçando um sorriso.

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—Uma coisa ruim?— ela perguntou.

—Não sei. Cabe a você julgar. Eu tenho de ir a Los Angeles amanhã cedo. Ocorreu uma emergência na área pela qualsou responsável. Na verdade, eu devia ter ido ontem.

— Eu entendo— ela disse, esforçando-se para não demonstrar seu desapontamento.— Sinto muito.

—Mas não precisamos nos despedir para sempre. Podemos continuar em contato.— Ele tocou-lhe o queixo erguendoseu rosto para forçá-la a olhá-lo de frente.—Quero que venha comigo para Los Angeles.

Val não podia acreditar no que ouvia.—O que quer dizer? Ir com você? Para Los Angeles?

— Isso mesmo. Você disse que ainda dispunha de alguns dias. Venha comigo, Val, f ique comigo.

A cabeça de Val rodava. Jamais esperava tal proposta. E não sabia o que responder, assim de pronto. Alguns dias nacompanhia de Michael Prescott... parecia um sonho! Mas... e daí? Quando tudo acabasse, ela voltaria a sua vida, a sua loja eele ficaria em Los Angeles. A não ser que... Val criou vida nova. A não ser que ele se mudasse para Seattle. Afinal, foraconvidado para trabalhar lá.

Contudo, não tinha coragem de fazer a pergunta crucial. Com certeza ele pensaria que ela fazia projetos de umenvolvimento futuro. Por certo que ele a desejava, mas somente um desejo físico não era suficiente. Ela poderia sair muitomagoada de uma relação tão descompromissada.

Após um longo silêncio, ela voltou a encará-lo.

—Não sei como poderia aceitar este convite, Michael.

— E por que não? Nossa atração é mútua, somos ambos livres, não somos mais crianças, e, sim, adultos responsáveis.

Reunindo toda sua coragem, Val olhou-o bem dentro dos olhos e falou, firme.

—Antes de tomar uma decisão, há uma coisa que preciso saber.

— Está bem, vamos lá. Pode perguntar— disse ele sorrindo.

Val inspirou fundo.

—Queria saber se você vai aceitar aquela proposta para trabalhar em Seattle.

No mesmo instante o sorriso desapareceu dos lábios de Michael.

 Ai d l i M i i i d ? V d d di h L A l

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— Ainda não resolvi. Mas que importância isto pode ter? Você não depende disso para me acompanhar a Los Angeles.

— Eu sei... realmente, não tem importância. Apenas pensei... Desculpe, Michael, mas não posso aceitar seu convite.Não posso ir com você, assim— ela respondeu, decepcionada.

Ele se afastou dela lentamente e olhou-a como se quisesse sentir o que se passava em seu íntimo.

—O que isto significa, Val? Você quer alguma promessa da minha parte? Jurar que é para toda a vida? É isto que quer?Garantias?

—Não é bem isso. Sei que não está buscando um relacionamento sério, e eu nem poderia exigir nada de você. Mas

realmente a idéia de passarmos um tempo juntos para depois nos despedirmos e não nos vermos nunca mais não meagrada. Esses relacionamentos passageiros não combinam com meu modo de ser.

— Mas não falei nada disso. Nem sei o que pode acontecer. E depois Seattle não é o fim do mundo. Por que nãopoderíamos nos encontrar sempre que tivéssemos vontade?

—Não, não. Simplesmente não sei viver assim.— Ela balançou a cabeça com firmeza.

Com um suspiro resignado, ele recostou-se na amurada e ficou olhando o infinito, mergulhado no silêncio. Val tentou

ler a expressão de seu rosto, mas parecia ter uma máscara impenetrável.Após um momento que pareceu eterno, ele virou-se para ela com um sorriso irônico e disse:

— Que pena, Val. Tenho certeza de que poderíamos nos dar muito bem — E, mudando de tom, continuou:— Agora,acho que é melhor voltarmos. Meu avião sai amanhã bem cedo.

Segurando-a pelo braço ele a conduziu pelo caminho, rumo ao restaurante. Alguns minutos depois, já se encontravamno Mercedes prateado.

No trajeto de volta ambos estavam calados, cada um mergulhado nos próprios pensamentos. O trânsito àquela hora

estava muito mais calmo e em menos de uma hora chegaram a Carleton, em frente ao hotel de Val. Ela virou-se paradespedir-se, mas Michael desceu do carro e deu a volta, vindo ao seu encontro.

Forçando um sorriso, Val estendeu-lhe a mão e disse:

—Muito obrigada por esta noite tão agradável, Michael.

—O prazer foi meu. Vou acompanhá-la até o hotel— ele disse, de modo gentil, mas cerimonioso.

 D l d i d i é h ll d l h l d L d l d l l

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Docemente, ela deixou-se conduzir até o hall, onde ele chamou o elevador. Lado a lado, eles permaneceram em totalsilêncio.

— Boa noite, Val— ele disse, quando o elevador chegou, e entregando-lhe um cartão, acrescentou:

— Se você mudar de idéia, aqui tem os números onde pode me encontrar em Los Angeles. Mas, se não quiser... Quemsabe? Talvez ainda nos encontremos, algum dia.

Enquanto o elevador subia, Val olhava para o pequeno cartão com letras douradas, sentindo uma enorme frustração.

Depois jogou o cartão dentro da bolsa, como se temesse uma possível vontade de usá-lo.Ao entrar no seu quarto solitário, contudo, ela sentiu uma ponta de arrependimento. Devia ter aceito a proposta de

Michael. Em vez daquela frustrante sensação de perda e de vazio, estaria agora fazendo as malas, numa excitanteexpectativa. As palavras de despedida dele haviam deixado no ar uma vaga promessa de se reverem um dia. No entanto,com toda certeza ele dissera aquilo apenas por delicadeza. Por que iria um homem como Michael Prescott perder seutempo perseguindo uma mulher inexperiente como ela, se ele podia ter qualquer beldade que quisesse?

Com um suspiro, Val jogou-se no sofá, atirando os sapatos para o lado e escondeu o rosto nas mãos, lutando paracontrolar as lágrimas de auto-piedade, que teimavam em escorrer.

Que havia de errado com ela? Por que temia tanto a proximidade de um homem? Estaria condenada a perder todas asoportunidades que lhe apareciam, e jamais ser feliz pelo seu medo de confiar em alguém do sexo masculino?

Val abriu a bolsa, retirou o cartão de Michael e olhou-o mais uma vez. Se ao menos ele tivesse dito uma única palavraque lhe demonstrasse que significava alguma coisa na vida dele, ela iria com ele para Los Angeles. Não é que esperasseuma declaração de amor eterno ou um pedido de casamento, mas precisava saber que era mais do que um simples objetode prazer passageiro.

No entanto, ele recebera sua recusa sem nenhuma demonstração de desapontamento. Não a pressionara com

promessas, não insistira, e ela se indagava se teria continuado a resistir se ele o tivesse feito. De qualquer maneira, eratarde demais. Vagarosamente, ela rasgou o cartão em inúmeros pedacinhos e jogou-os de volta na bolsa, num gestodistraído. Sabia que jamais o usaria.

Em seguida, levantou-se, foi até o banheiro e começou a retirar a maquilagem. Olhando-se no espelho, perguntou aoseu reflexo de que teria tanto medo. De Michael Prescott ou de si mesma?

 N hã i d Mi h l i d i d C l id V l ã ôd i

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Na manhã seguinte, certa de que Michael partira, deixando Carleton e sua vida para sempre, Val não pôde evitar umacesso de arrependimento. Porém, aos poucos foi se convencendo de que tomara a decisão certa. Ela fora sempre tãometódica, tão consciente de seus deveres que teria sido uma grande loucura deixar-se seduzir por um homem que malconhecia. E, além disso, lembrava-se muito bem do único ato impensado de sua vida, quando fugira de Carleton após amorte de seus pais. Fora um impulso que lhe custara caro e pelo qual ainda se recriminava.

Após o café da manhã no salão do hotel, Val telefonou para Bonnie para dizer-lhe que havia decidido partir naquele

mesmo dia. Bonnie, porém, insistiu tanto em almoçarem juntas no dia seguinte, alegando que as crianças já estariam boas,que foi impossível recusar.

—  Passo pelo hotel ao meio-dia para pegar você. Até amanhã. Cuide-se— Bonnie despediu-se.

Um dia inteiro pela frente! Como preenchê-lo?

Val tentou preencher o tempo olhando as vitrines da rua principal da cidade, mas foi em vão. Carleton era pequena eum pouco suburbana, por isso decidiu dirigir até San Francisco e visitar suas lojas e butiques famosas. Assim, poderiadistrair-se e atualizar-se sobre os mais recentes lançamentos do mundo da moda.

Em San Francisco Val procurou a área comercial elegante e assistiu aos desfiles das lojas mais exclusivas.Na hora do almoço, escolheu um dos mais sofisticados restaurantes e tentou tranquilizar-se por aquela extravagância,dizendo a si mesma que, afinal, parte da sua ida a San Francisco devia-se ao trabalho.

No final do dia, retornando a Carleton, Val sentia-se exausta, suada, mas satisfeita. Não somente conseguira novos eexcelentes endereços para suas compras como mantivera afastado qualquer pensamento sobre Michael Prescott. E, apósum banho prolongado e uma refeição leve, adormeceu profundamente.

Ao encontrar-se com Bonnie no dia seguinte, Val foi literalmente bombardeada com um verdadeiro relatório, cheio deexclamações e suspiros, sobre a quarentena forçada de sua amiga. Val deixou-a desabafar e, no fundo, preferia que Bonniefalasse sobre si própria, pois enquanto isso não lhe perguntaria nada sobre suas atividades, sozinha na cidade.

Afinal, após o segundo Martini, Bonnie pareceu mais calma e aliviada.

— Desculpe falar tanto sobre as crianças. Eu as adoro, mas você não pode imaginar que delícia que é ficar sozinha poruma tarde. Às vezes, sabe, invejo a sua vida. Você pode fazer o que quer, ir aonde quiser, ninguém depende de você.

 V l i d d b l b d d i ú já i l f d ã t f d

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Val sorriu e deu de ombros, lembrando das inúmeras vezes em que já ouvira aquela frase de mães atarefadas.

— A sua conversa não me aborrece, Bonnie. Gosto de ouvir essas reclamações maternas. E para que servem as amigas?— ela brincou e perguntou, em seguida:— Podemos fazer os pedidos agora?

— Ah, não! Vamos esperar um pouco mais. Primeiro gostaria de ouvir tudo o que você andou fazendo enquanto estivepresa em casa.— Ela sorriu, maliciosa.—Muito embora ache que já tenho uma boa idéia...

—O quê? Como pode saber? Por acaso tem uma bola de cristal?

—Infelizmente não tenho.

—Bonnie deu uma risada gostosa.

—Mas será que está esquecendo como funciona a rede

de fofocas de Carleton? Posso ter ficado trancada em casa, mas tenho telefone, meu bem, e muita gente me ligou.

Val sorriu meio incrédula, imaginando o que poderiam ter contado a sua amiga.

Acenando ao garçom para pedir um outro Martini, Bonnie baixou a voz e falou, quase num sussurro:

— Agora, minha querida, conte-me tudo, sobre você e Michael Prescott.

Ah! Então alguém os vira juntos e correra a fofocar. Mas Val sacudiu a cabeça, negando com vigor.

— Carleton não mudou nada. O que andaram inventando dessa vez? Vi esse homem apenas duas vezes. Não há nadapara contar, Bonnie.—Ora, vamos. Sou eu, Val. Sua velha amiga Bonnie, lembra? A última vez que conversamos sobre ele você não me disse

que era amiga dele. E, aí, no dia seguinte, vocês foram vistos almoçando juntos, nadando e passeando em Marsh Creek. Enaquela mesma noite foram vistos também num dos mais românticos restaurantes de San Francisco. O que você está meescondendo?

A rede de fofocas em Carleton funcionava tão bem quanto o melhor serviço de informações, espantou-se Val. Seriaabsurdo continuar negando e em nada a prejudicaria falar sobre seu breve romance com Michael. Talvez fosse melhor dar

a versão verdadeira do caso, antes que as idéias mais fantásticas tomassem conta da fantasia exagerada de Bonnie.— Está bem, Bonnie— Val cedeu.— Vou contar exatamente o que aconteceu. Primeiro, Michael me telefonou para se

desculpar pelo modo grosseiro como tinha me tratado na casa da mãe dele. Então, logo na manhã seguinte, encontrei-mecom ele no hospital, onde Myra está internada. Foi aí que ele me convidou para almoçar. Como não tinha nenhumprograma, aceitei. E naquela mesma noite fomos jantar em San Francisco. Michael é uma boa companhia, mas ele járegressou a Los Angeles. E isto é tudo o que aconteceu.

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Bonnie encarou Val sem pestanejar em silêncio, depois tomou um grande gole de Martini e repondo o cálice sobre amesa, inclinou-se para frente.

— Você está me dizendo que isso foi tudo o que aconteceu? Ele foi embora para Los Angeles? — ela perguntou,parecendo a própria imagem da decepção.

— Sim. Esta é a história toda.

Bonnie remexeu-se na cadeira, inconformada.

—OK, Bonnie. Estou dizendo a verdade. Se você não quer acreditar...

—Não, espere um minuto. Não disse que não acredito— Bonnie interrompeu.— Tudo que sei sobre Michael Prescotté que é o homem mais atraente que já vi na minha vida. Mas conheço você muito bem e pelo que vejo não mudou nada.Sabe o que penso mesmo?

—Não, não sei. Mas tenho certeza de que está louca para me dizer.

— Ah! Pode ter certeza de que sim. Acho que você deve ter feito alguma coisa que o espantou. Eu até posso imaginar acena. Lá estava aquele homem deslumbrante, rico, inteligente e solteiro, interessado em você. E o que você faz? Você dá

um banho de água fria nele e sai correndo.O comentário magoou Val. Não gostava que falassem de suas dificuldades como se fossem meros caprichos.

— Por favor, Bonnie, escute. Você pode ser uma velha amiga, mas o fato é que não sabe nada de mim, desde que deixeiCarleton.

— Ah, não?! Então, por favor, corrija-me se estiver errada. Mas a minha impressão, pelo que você mesma disse no outrodia, é que você nunca teve um único relacionamento mais ou menos importante na sua vida, desde David. Isso é normal?

Constrangida, Val sentiu as faces se incendiarem e as lágrimas a ponto de rolar. Ainda tentou virar a cabeça e

esconder-se do olhar da amiga, mas foi impossível.—Oh, meu Deus! Val, me desculpe. O que fui fazer? Não sei mesmo controlar a língua. Quando vou aprender a não me

meter na vida dos outros? Val, olhe para mim. O que posso dizer para você se sentir melhor?

Val enxugou as lágrimas e tentou sorrir.

—Não se incomode, Bonnie. Sei que sua intenção foi boa. Mas é que às vezes você fala a verdade de um jeito...

— Aposto que Michael pediu para você ir com ele para Los Angeles, não foi?

 Val acenou que sim sem dizer palavra surpresa com a sagacidade de Bonnie

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Val acenou que sim sem dizer palavra, surpresa com a sagacidade de Bonnie.

— E você recusou?— Bonnie insistiu.

—Claro que sim. E o que queria que eu fizesse?

—Não sei, você é que deve saber. Diga a verdade: não gostou dele? Quer dizer, ele não te causou nenhuma impressãocomo homem?

—Oh, não é isso, de forma alguma! Michael é um homem muito bonito e envolvente.

— Bem, se pensa assim, a coisa é pior do que eu pensava, — disse, com um longo suspiro de pesar. — Acho que vocêsabe o que está fazendo, mas é uma pena.

—Não lamente tanto, Bonnie. O convite de Michael não tinha nenhum futuro, e eu não sei me relacionar com ninguémdessa forma. Simplesmente comigo não funciona assim.

—Você quer dizer que precisa de garantias?

Val corou. A linguagem direta de Bonnie sempre a desconcertava.

— Não, não foi isto que quis dizer. Eu não esperava declarações de amor apaixonado, mas gostaria de algumademonstração de afeto.—Mas se Michael pediu para você passar um tempo com ele em Los Angeles é porque ele deve ter gostado de você.

Você o impressionou. Não é suficiente?

—Não. Para mim, não.

— OK. Cada cabeça uma sentença. Não vou dizer mais uma palavra sobre este assunto. Agora, acho melhor fazermosnosso pedido. Estou faminta!

O restaurante já estava quase vazio, e as duas consultaram o cardápio em silêncio.

—Vou querer apenas um bife simples e uma salada de alface

—Val pediu.

— E eu vou querer uma lasanha verde com bastante molho. Estou morta de fome!

Após o garçom se retirar com os pedidos, Bonnie ficou calada, girando o cálice vazio entre os dedos, com uma granderuga de apreensão na testa. Finalmente, ergueu os olhos e encarou Val.

 Sabe eu nunca entendi o que realmente aconteceu após a morte de seus pais quando você saiu da cidade sem falar

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— Sabe, eu nunca entendi o que realmente aconteceu após a morte de seus pais, quando você saiu da cidade sem falarcom ninguém. Quer dizer, eu sempre pensei que você fosse se casar com David e viver aqui o resto da vida. E de repentevocê sumiu, e nem eu, sua melhor amiga, fiquei sabendo o que houve.

Mesmo depois de dez anos, aquele assunto ainda tinha o poder de perturbar Val, pois a fazia sentir-se culpada. Seumaior desejo era dar qualquer resposta evasiva, porém ela percebeu que a preocupação de Bonnie era verdadeira. Comouma amiga leal, merecia sua sinceridade.

—É difícil de explicar, Bonnie. Mas acho que talvez você lembre que meu pai nos últimos anos de vida se tornara umalcoólatra. A cidade toda sabia disso.

— Sim. Jamais quis tocar neste assunto com você, mas eu sabia.

— Acho que foi isso que me modificou. Assisti um homem gentil, carinhoso, bom pai e bom marido transformar-senum monstro. Ficou cada vez mais agressivo e deprimido; nada o satisfazia. Maltratava minha mãe, não me dava nenhumaatenção. Às vezes penso que ele provocou o acidente de carro. Minha mãe queria deixá-lo e talvez ele tenha queridomorrer. Este pensamento me persegue até hoje—Val concluiu com voz trêmula.

— Ah, minha querida, compreendo o quanto foi duro para você! Teve medo quando viu David começar a beber, não foi?

— Foi. Agora sei que agi com precipitação. Fugir nunca foi uma boa saída, mas eu era tão criança, sentia-me numpesadelo. Não aguentei!

— Sinto muito ter falado sobre isso, Val, mas é que não me conformo em ver você prejudicando sua vida por causa dopassado de seus pais. Creio que você teme o amor dos homens devido a essas experiências ruins com seu pai e David. Mastem de acreditar que nem todos os homens são fracos. Deixe o passado para trás. Você não é mais uma garotinha indefesa.É uma mulher feita e com direito ao amor.

Val sorriu, melancólica.

—Sei disso, Bonnie. É possível que esteja certa. Mas a verdade é que até agora ainda não encontrei um homem que me

atraísse a ponto de me fazer desejar descobrir a causa dos meus medos.

— E você inclui Michael Prescott entre esses homens desinteressantes?

— Ah, por favor, esquece Michael! Esse episódio está encerrado. Ele foi embora e provavelmente jamais o verei denovo. Olhe, chegou o nosso almoço. Você não estava morta de fome?

 

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Naquela noite, enquanto Val fazia as malas, a conversa com Bonnie voltava-lhe à mente o tempo todo. Apesar de haverafirmado que Michael estava para sempre fora de sua vida, seu coração teimava em não aceitar o fato. Inúmeras dúvidas aassaltavam. E se Bonnie estivesse certa? Talvez devesse mesmo ter aceito o convite de Michael. Por que recusara? Por umaquestão de orgulho feminino ou por causa de seus velhos medos de se ligar a um homem? A atração que sentira por ele foramuito real. Jamais alguém a atraíra daquela forma. Mas apesar disso não confiava nele, assim como não confiava em

homem nenhum.Val sentou-se na beira da cama, olhando em frente, mas sem nada ver, mergulhada em profunda meditação. Nãosaberia dizer se sua desconfiança baseava-se em fatos ou em fantasias. Contudo, a proposta de Michael fora muitoaudaciosa, levando-se em conta que se conheciam tão pouco e que fora desastroso o início de seu relacionamento.

No entanto, apesar de todas as considerações, seu corpo traiçoeiro lembrava-se da boca de Michael, das mãos dele, desuas carícias. E só de pensar nele, um arrepio de excitação a percorria.

Val levantou-se, irrequieta! Que importava que ele não lhe desse garantias? Ele podia não estar apaixonado por ela, masera inegável que a desejava. Com vinte e oito anos, livre e independente o que tinha a perder? Precisava entrar em contato

com ele imediatamente. Mas como encontrá-lo?O cartão! Val lembrou-se do cartão que ele lhe dera e correu para a bolsa. Depois de vasculhar por entre pentes,

canetas, batons, chaves e outras miudezas conseguiu recolher os pedaços do cartão que rasgara. Com todo cuidado reuniuos restos que encontrou, juntou-os, mas, para seu desespero, foi impossível reconstituir o número do telefone de Michael.

A frustração foi tão grande que Val tinha vontade de chorar. O que fazer? Talvez o único recurso fosse telefonar para amãe dele e se informar. Odiava ter de fazer tal coisa, tão contra seu modo de ser, mas não ocorria nenhuma outra idéia.

No momento em que Val estendeu a mão para o telefone, ele tocou.

Do outro lado, ouviu uma voz masculina dizer:— Val? Aqui é Michael.

Por um instante ela prendeu a respiração e seu coração pareceu parar de bater.

—Michael? Onde você está?

— Em casa. Em Los Angeles.

 — Sim?— ela indagou enquanto seu coração retomava as batidas num ritmo louco

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Sim? ela indagou, enquanto seu coração retomava as batidas, num ritmo louco.

— Esperei muito que você me ligasse, mas, já que não o fez, entendi que não mudou de idéia e não virá ao meu encontro.

Os pensamentos de Val chocavam-se na mais completa desordem. Chegara o momento da decisão! Era suaoportunidade. Ela diria que mudara de idéia, sim. Porém quando ia começar a falar, ouviu a voz de Michael outra vez:

—  Já que você não veio, eu vou. Liguei para me assegurar de que você ainda se encontrava em Carleton.

—Você está dizendo que vai voltar a Carleton?— ela perguntou, incrédula.

— Sim. Amanhã de manhã. — Ele baixou a voz.— Serei bem recebido? Ou vai me dar as costas?

— Ficarei muito feliz de ver você outra vez, Michael— ela também baixou a voz.

— Ótimo. Iria hoje mesmo se pudesse, mas ainda tenho coisas para resolver no hospital. Mas amanhã quero pegar o primeiro vôo para SanFrancisco. Hum... bem, mas há um problema... estou pensando se você  poderia me esperar no aeroporto lá. É lamentável que Carleton não tenhaum aeroporto. Estou sem carro, deixei-o na casa da minha mãe. Bem, mas posso alugar um carro, se for difícil para você. 

—Não, não alugue nenhum carro. É claro que posso te pegar no aeroporto de San Francisco.

— Então está combinado. Até amanhã no aeroporto.

Houve um silêncio e depois ele sussurrou no fone:

— Estou morrendo de vontade de ter ver. Não dormirei esta noite. As horas custarão a passar.

C C C  a  a  a  p  p  p í í í t t t u u u l l l o o o 6 6 6  

N N N o dia seguinte, de manhã cedo, Val foi acordada pelo som do telefone. Ao ouvir a voz de Myra Barnes, sentiu-se

culpada. Prometera visitá-la outra vez e, na realidade, esquecera-se por completo.

— Val, estou tentando localizar você há tempo. Nunca consigo encontrá-la—Myra queixou-se;

— Oh! desculpe, Myra. Tenho estado muito ocupada. Há alguma coisa especial que queira me dizer ou pedir? O queposso fazer por você?

 —Queria sim Será que poderia vir ao hospital hoje para conversarmos?

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— Queria, sim. Será que poderia vir ao hospital hoje para conversarmos?

Val olhou para o relógio. Eram nove horas. Michael chegaria ao aeroporto de San Francisco ao meio-dia. Isso lhe davaalgum tempo livre.

— Posso, sim, Myra. Tenho um compromisso nesta manhã, mas posso passar por aí antes, para falar com você.

No trajeto para o hospital, Val sentia-se curiosa sobre o que Myra queria lhe dizer. Gostaria muito que ela já tivessecontado a verdade à sra. Prescott sobre a noite em que David morrera.

Val tinha a impressão de que, se Michael soubesse por que David voltara a beber, mudaria sua atitude em relação a ela.—Oh, Myra, como você está bem! Sua aparência está excelente— cumprimentou Val, ao entrar no quarto da jovem.

—Obrigada. De fato, sinto-me bem melhor. Os médicos disseram que dentro de pouco tempo já devo estar andando.

No entanto, apesar da boa aparência física, Myra mostrava sinais de extremo nervosismo, falava rápido e sobresuperficialidades, como se temesse abordar o assunto que a levara a chamar Val.

— Myra, você me disse ao telefone que precisava falar comigo. Não quero apressá-la, mas é que tenho um outrocompromisso— disse por fim.

Myra olhou-a com ar preocupado.— Eu sei. Você me disse. Desculpe, estou muito nervosa e não sei como começar. É sobre Michael Prescott. É uma idéia

que está atormentando a minha cabeça. Da última vez que ele esteve aqui, falou umas coisas que me preocuparam. Desdeentão fiquei me debatendo em dúvida se devia te contar ou não. Acho que ele pretende fazer alguma coisa ruim contravocê.

— Contra mim?— Val surpreendeu-se, mas depois riu. — O que é que ele pode me fazer? Michael não me pareceunenhum bandido.

—Mas você sabe que Michael estava furioso com você, não sabe? Ele parece acreditar que você é a responsável pelosinfortúnios de David.

— Sim, eu sei. Mas isso foi só no início. Agora acho que ele já esqueceu essa loucura. Não creio que ainda guardealguma mágoa em relação a mim.

Myra não parecia muito convencida.

 — Espero que esteja certa Val mas eu confesso que fiquei preocupada que ele pudesse fazer alguma coisa para

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Espero que esteja certa, Val, mas eu confesso que fiquei preocupada que ele pudesse fazer alguma coisa paraprejudicar você.

—Há uma coisa que não entendo, Myra. O que te levou a pensar isso?

— Porque vi o estado em que ele se encontrava. Michael estava com ódio de você. Falou o tempo todo que iria fazervocê pagar o mal que causara a David. Ele parecia possuído por uma obsessão de vingança.

Val sentiu um leve arrepio percorrer-lhe a espinha.

—Vingança? Mas que tipo de vingança?

— Bem, não sei. Qualquer coisa como mostrar a você o que era amar alguém e ser atraiçoado, abandonado. Ele disseque só assim estaria vingado. E ainda disse que eu também devia querer me vingar.

— Ah! Compreendo. Você então não lhe disse nada sobre aquela noite; que foi você mesma quem ofereceu bebida aoDavid?

— Não. Não tive coragem. Se ele e a mãe souberem que foi tudo culpa minha... — Os lábios de Myra começaram atremer, e Val percebeu que ela estava a ponto de chorar.

—Mas não foi culpa sua, Myra! Você poderia contar o que se passou. Conheço a mãe de David. É uma pessoa bondosa

e justa. Ela jamais acusaria outra pessoa pelos erros do filho.

Porém, Val compreendeu que de nada adiantaria tentar convencer Myra naquele momento. Talvez, quando serecuperasse de todo, tivesse coragem suficiente para falar a verdade, e assim livrá-la de uma acusação injusta.

Ao despedir-se, Val acariciou a cabeça de Myra, procurando consolá-la.

— Não se preocupe comigo, Myra. Cuide de você. E quanto à animosidade que Michael possa ter tido contra mim,tenho certeza de que já passou.

Apesar de suas palavras confiantes, enquanto dirigia o carro para San Francisco, uma dúvida veio à mente de Val.Será que Michael havia mesmo superado o rancor que sentia no início contra ela? E se não tivesse? A semente de

suspeita cresceu dentro dela, e todos os seus medos voltaram à tona com mais força. Ele mudara de atitude em relação aela rápido demais, e talvez aquela mudança fizesse parte de um plano de vingança. Mostrara-se fascinado, tentara seduzi-la, usara todas as artimanhas da conquista; mas, e se fosse tudo uma encenação? E se aquele momento arrebatador quevivera sob um céu estrelado, à beira do mar, tivesse sido uma mentira?

 Insegura novamente Val dividia-se entre o desejo de seguir o coração correr ao encontro de Michael e acreditar nele e

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Insegura novamente, Val dividia se entre o desejo de seguir o coração, correr ao encontro de Michael e acreditar nele, eo receio de ser enganada e rejeitada.

Precisava resolver antes de chegar ao aeroporto! Val revoltou-se. Não era justo deixar as palavras de uma pessoanervosa e doente estragar sua alegria. Era mais fácil e mais lógico acreditar que o rancor de Michael pertencia ao passado,e que o fato de ele ter jurado vingança era natural num momento de raiva.

Contudo, mesmo em meio a suas dúvidas, de uma coisa Val tinha certeza: ele não podia ter fingido a atração que

demonstrava a ela. Certos sinais de desejo eram inequívocos num homem.O carro já se aproximava do aeroporto, e Val decidiu que, já que concordara em recebê-lo, iria confiar nele também.

Com firmeza, manobrou em direção ao estacionamento, prometendo a si mesma não pensar mais naquele assunto eusufruir tudo o que o encontro lhe reservava.

Quando Val avistou o homem alto e bem vestido, de aparência aristocrática, caminhando a passos largos em suadireção, sentiu o coração acelerar e um calor delicioso espalhar-se por todo o corpo. A verdade é que já estava meioapaixonada por Michael, e era tarde demais para pensar em recuar.

— Olá, tudo bem?— ele a cumprimentou num tom casual, passando o braço por sobre os ombros dela. — Fiquei felizpor ter vindo me apanhar.

— Eu disse que viria.—Val sorriu.

— Eu sei, mas tive medo que mudasse de idéia.

Ele a puxou para mais perto. Erguendo a cabeça, Val olhou bem dentro dos olhos azuis e viu com prazer que elesbrilhavam com genuína alegria e a fitavam como se estivessem a sua espera a vida toda.

Devagar, Michael inclinou-se para ela, e Val percebeu todo o ardente desejo que irradiava dele. Seus lábios tocaram-sebrevemente, e o burburinho da multidão indo e vindo no saguão do aeroporto, os alto-falantes anunciando vôos, os aviõesdecolando, tudo o que os circundava desapareceu de repente. Naquele momento, havia somente os dois, num mundo dedoces sensações.

Porém, logo a magia se quebrou. Uma mulher, carregando uma enorme mala, esbarrou em Val e tirou-a do transeromântico.

 — Acho que estamos bloqueando o caminho.—Michael sorriu, soltando-a.—Vamos?

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Acho que estamos bloqueando o caminho. Michael sorriu, soltando a. Vamos?

—Vamos, sim. Se você quiser ir dirigindo— disse Val e entregou-lhe as chaves.

Dentro do carro, ele virou-se para ela e falou em voz baixa num tom muito íntimo.

—Muito obrigado mais uma vez por ter vindo. Tive medo de ter estragado tudo no outro dia. E obrigado também porusar os cabelos assim, como eu gosto.

Ele se aproximou mais e tocou-lhe a nuca por debaixo dos cabelos, fazendo com que Val pudesse sentir o calor de suas

mãos contra a pele.— Foi para mim que se penteou assim?

— Foi— ela murmurou, hipnotizada pelo brilho sensual do olhar dele.

Val estremeceu quando Michael deslizou as mãos pelos seus ombros e em seguida começou a explorar com os lábios olocal por onde passara as mãos, brindando-a com carícias tão leves e delicadas que mal pareciam tocá-la, mas que a faziamarder por dentro e desejar mais. Ergueu a cabeça ao sentir que ele procurava sua boca, entreabrindo os lábios para recebero beijo.

Foi um beijo rápido, porém excitante. Val, naquele momento de exultação, não teve dúvidas. Ele a queria, e não erasomente no plano físico; havia afeto e ternura naquele beijo, apesar do ardor do desejo. Ao descobrir aquilo ela percebeuque lhe pertencia e que o seguiria até o fim do mundo.

No caminho de volta a Carleton, eles falaram muito pouco. Val sentia-se feliz e com uma grande paz interior.

Quando chegaram aos subúrbios da cidade ele pegou um desvio na estrada que conduzia à casa da sra. Prescott.

— São quase duas horas e ainda não comi nada hoje. E você? Está com fome?

Val, que não comera nada desde o magro café da manhã no hotel, concordou que também estava com fome.

—Então vamos comer qualquer coisa aqui. Mamãe sempre tem um estoque de comida na geladeira, apesar de morar

sozinha.

Um leve desapontamento entristeceu Val. Queria muito bem a sra. Prescott, porém havia pensado em ficar a sós comMichael, e isto estragava seus planos.

— Será que não vamos incomodá-la? Ela já deve ter almoçado— ela sugeriu timidamente.

 Michael estacionou o carro sob a sombra das acácias, mas não desligou o motor. Com um expressão séria, virou-se para

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Michael estacionou o carro sob a sombra das acácias, mas não desligou o motor. Com um expressão séria, virou se paraVal.

— Acho que é melhor te dizer que a casa está vazia. Minha mãe foi visitar a irmã em Santa Rosa e vai ficar lá por algunsdias. Você se importa?

— Ah! Entendo.

Tudo ficara absolutamente claro. Com perfeito tato, ele mostrara sua intenção ao trazê-la para uma casa vazia e, ao

mesmo tempo, dava-lhe uma chance de escolher e decidir se queria correr o risco.Contudo, Val não hesitou. Quando concordara em ir buscá-la no aeroporto, já estava decidida a ir até o fundo daquela

relação, sem se importar com sua efemeridade.

— Se não tem ninguém em casa, então eu mesma preparo alguma coisa para você comer— ela disse com simplicidade.

A expressão de Michael iluminou-se, e ao ver a alegria e o alívio no rosto dele, Val teve certeza de que ele a queria e queera importante para ele.

—Ótimo! Vamos entrar, então—Michael convidou.

O interior da casa estava fresco. Nas cortinas cerradas vedavam o sol, e havia uma penumbra reconfortante na grandesala.

Eles se dirigiram para a cozinha e Michael abriu a geladeira, remexendo as prateleiras.

— Val, venha dar uma olhada aqui. Há comida para alimentar um batalhão. Presunto, frango, salada, pelo menos trêstipos de queijo e muita fruta. O que escolhemos?

Val aproximou-se e, em vez de olhar o conteúdo da geladeira, ficou a contemplar a cabeça morena inclinada ao seulado. No meio dos cabelos escuros podia se perceber um ou outro fio prateado que só lhe aumentava o charme.

Quando Michael se ergueu, seus olhares se encontraram, fixando-se um no outro. Estavam tão próximos que ela podiasentir seu calor, o aroma de loção masculina e podia ver uma veia pulsar no pescoço dele. Um leve movimento e seuscorpos se tocaram, provocando uma reação tão forte que Val estremeceu.

No instante seguinte, Michael tomou-a nos braços, e ela sentiu lábios sensuais envolverem os seus e, sem pensar emmais nada, ergueu os braços, apertando-o contra si.

—Val— ele suspirou, numa voz rouca, transtornado pela paixão.—Val!

 Val fechou os olhos e tocou suavemente os fartos cabelos de Michael. A ânsia por carícias aumentava gradativamente e

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b p gambos beijaram-se profundamente, sentindo toda a emoção que um momento daqueles proporcionava.

A respiração de Michael tornou-se mais difícil e ofegante, e Val não conseguiu reprimir um gemido quando eleintroduziu a mão dentro de seu vestido e tocou-lhe os seios com suavidade, tornando-se aos poucos mais exigente.

Val deixou cair a cabeça para trás, num gesto de abandono e entrega. Com um grito abafado, Michael carregou-a nocolo e caminhou em direção ao quarto.

Devagarinho, ele a deitou na grande cama de casal sem descolar os lábios dos dela. Timidamente, impelida por umanecessidade que não seria capaz de explicar, Val começou a acariciar-lhe o peito, excitando-se com a sensação da pelecoberta de pelos escuros sob seus dedos e com a contração dos músculos potentes cada vez que o tocava.

Depois de toda a ansiedade, dúvida e tensão que Val enfrentara, cada carícia, cada toque, cada movimento ousadoparecia natural. A língua quente dele brincava nos seus lábios, convidando-os a se abrirem. Com um suspiro de prazer,rendeu-se àquela doce invasão.

Por um longo momento ficaram um silêncio, sorvendo o inebriante contato corpo a corpo, ele sobre ela.

Val acreditou que chegara ao paraíso. Ouvia as palavras apaixonadas de Michael ao seu ouvido e os seus própriosgemidos que agitavam a penumbra e quietude do quarto, tornando-o um lugar mágico, distante e acima do mundo.

Durante muito tempo e das mais diversas maneiras a atração surgida entre eles foi reafirmada, numa explosão depaixão.

No final, as palavras e os sussurros cederam lugar à mais completa intimidade, e eles compartilharam seus maisíntimos segredos.

 Já estava escuro quando Val acordou. Por um instante ela ficou meio desorientada, sem saber onde se encontrava. Comolhos muito abertos e assustados percorreu o aposento desconhecido e apesar da escuridão viu que se tratava de umquarto de homem.

Então, virou-se e viu Michael.

Ele dormia ao seu lado, naquele abandono e relaxamento do sono profundo. Assim tão vulnerável, ele pareceu-lhe ummenino grande, e uma onda de ternura a invadiu, transmitindo-lhe uma deliciosa sensação de paz e plenitude.

 O lençol, enrolado em torno da cintura de Michael, deixava a descoberto as costas bronzeadas, de músculos fortes e as

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ç , , ,longas pernas que tocavam as suas. Teve um impulso de deslizar as mãos por aquele dorso no esplendor de beleza físicaque a fascinava, contudo preferiu conter-se e deixá-lo dormir. Queria apenas usufruir aquele momento perfeito e lembrara intimidade que vivera com ele poucas horas atrás.

Mas à medida que o tempo passava, Val começou a ficar inquieta. Estava morta de fome. Não comera praticamentenada o dia inteiro, e agora seu estômago reclamava, fazendo os mais estranhos ruídos.

Com todo cuidado, para não despertar Michael, Val saiu da cama e pé ante pé começou a tatear no escuro à procura desuas roupas, espalhadas pelo chão durante o frenesi da paixão.

Afinal, conseguiu achar as peças mais íntimas. Por sorte tinha usado uma combinação de cetim. Enfiou-a pela cabeça e,achando-se mais ou menos decente, encaminhou-se para a cozinha.

O relógio da parede marcava nove horas. Não era de admirar que estivesse morrendo de fome. Abrindo a geladeira,retirou os pratos de frango e salada. Ao sentar-se à mesa, viu a camisa de Michael caída no chão e, sorrindo, lembrou-se dapressa com que ele a despira. Recolhendo a camisa, ela levou-a ao rosto num gesto apaixonado e aspirou aquele cheiromasculino, um misto de cigarro, de água-de-colônia e da própria pele de Michael.

Saindo daquele quase transe, ela sacudiu a camisa para desamassá-la e, no mesmo instante, um envelope caiu do bolso.Por mero acaso seus olhos pousaram sobre o remetente, e ela viu que se tratava de correspondência do departamento decardiologia do Hospital de Seattle.

Aquele envelope devia conter a informação que ela tanto queria; se Michael iria ou não para Seattle.

A curiosidade tomou conta de Val.

Por longos minutos ela se debateu entre a tentação de abri-lo e uma forte noção de ética que condenava tal atitude. Nofinal, encontrou uma saída intermediária e, colocando o fino envelope contra a luz, viu que havia uma única folha dentro.

Com esforço, conseguiu decifrar o que estava escrito. Era uma simples: "Comunicamos que recebemos sua carta,aceitando nossa oferta".

A data era de um mês atrás.

A primeira reação de Val foi de atordoamento. Sua cabeça girava e o envelope parecia flutuar a sua frente. Era asensação de alguém à beira de um precipício sem ter onde se segurar. Atônita, ela deixou-se cair na cadeira mais próxima.

 Um mês!

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Havia um mês Michael aceitara a proposta de emprego em Seattle e, no entanto, dissera que ainda não havia tomadonenhuma decisão.

Com um olhar ausente de expressão, Val fixava o prato de salada sobre a mesa. Seu apetite se fora. Aos poucos, ochoque e a apatia que a imobilizaram foram se transformando em raiva, em revolta.

Michael mentira. Ela lhe fizera um pergunta e ele, deliberadamente, falara uma mentira. Por quê? Qual teria sido sua

intenção?Um pensamento atroz cruzou a mente de Val. Só havia uma explicação lógica para aquela mentira. Michael não nutria

nenhum sentimento por ela. Jamais pensara em dar continuidade àquela relação, e por isso preferia que ela não soubesseque ele iria morar na mesma cidade.

Que ele tivesse mentido da primeira vez que conversaram era até admissível. Mas depois daquele beijo à beira-mar,quando lhe propusera irem juntos para Los Angeles, ele também tivera a coragem de mentir. Val, assustada com odescomprometimento perigoso que ele lhe oferecia, perguntara-lhe se iria morar em Seattle, e ele respondera: Ainda nãodecidi!

E o tempo todo ele sabia!

Uma agitação e revolta nunca experimentadas antes fizeram Val pular da cadeira. Andou de um lado para o outro,torcendo as mãos, quase soluçando alto. Se Michael mentira sobre Seattle, provavelmente mentira também sobre outrascoisas. E com uma dor aguda cortando-lhe o coração, ela concluiu que tudo o que acontecera no aconchego do quarto deletinha sido uma mentira também. Toda a paixão que ela pensara ter vivido não passara de um logro.

Oh, Deus! O que tinha feito? Em que espécie de armadilha caíra? Precisava pensar, reorganizar os pensamentos. Agoranão era hora nem para choros nem para cair aos pedaços.

Um pouco mais calma, Val recordou-se da conversa com Myra Barnes no hospital. Myra se mostrava nervosa,preocupada com uma possível vingança de Michael contra ela. E ela rira da idéia por achá-la absurda. Mas agora faziasentido.

Tudo o que Val desejava no momento era fugir, escapar daquela casa, ir para o mais longe possível de Michael Prescott.Aflita, lembrou-se de que teria de entrar no quarto para apanhar o resto de suas roupas. Contudo, apavorava-se com apossibilidade de acordar Michael.

 Lembrar-se dele deitado naquela cama que abrigara tanto carinho e paixão, sentimentos verdadeiros da parte dela,

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q q g p pdeixava-a furiosa. Sentia ímpetos de esbofeteá-lo.

Agora ela compreendia que estivera realmente apaixonada por ele. Confiara nele, acreditara que ele lhe tivesse afeto. Edepois... quando faziam amor. As palavras que ele sussurrara ao seu ouvido... Como era possível um homem ser tão falso?

Michael Prescott, você é um mentiroso! ela pensou à beira das lágrimas.

Reagindo, ela abriu a porta da cozinha e espiou lá fora. Tudo deserto!

Em meio ao desmoronamento de seus sonhos, Val tinha apenas uma certeza: precisava ir embora de qualquer maneiraantes que Michael acordasse. Deixaria suas roupas jogadas no chão e vasculharia o armário da sra. Prescott até encontraralguma coisa que pudesse vestir. A última coisa que queria no momento era uma cena com Michael.

Mas, e as chaves do carro? Também estavam no quarto.

Enquanto se debatia sobre o que fazer, ela ouviu passos no interior da casa e compreendeu que Michael se levantara.Tarde demais para fugir! Não lhe restava mais nada senão enfrentá-lo.

Val sentiu que ele se aproximava e rangeu os dentes, transtornada pela indignação e preparando-se para o que viria.

—Ah, você está aqui!

—Michael exclamou, enlaçando-a pelas costas, tocando-lhe de leve os bicos dos seios.

Horrorizada, ela os viu enrijecerem-se numa resposta física imediata, totalmente em contradição com o que sua almasentia. Com um movimento brusco, ela o empurrou e afastou-se.

—Val?— A voz dele traduzia verdadeira surpresa.—O que houve? Por que se esquiva? Está arrependida?

— Por que não me disse que já aceitou o emprego de Seattle há um mês? — ela perguntou, a queima-roupa, num tomacusador.

Durante uns breves segundos, ele a olhou sem entender. Depois passou os dedos pelos cabelos revoltos e desviou o

olhar, pensativo. Quando voltou a encará-la, seus olhos brilhavam duros e frios como o aço.—Como soube disso? Por acaso leu a minha correspondência?

—Não importa como eu soube. O fato é que sei, e você mentiu para mim. Por que, Michael?

Cruzando os braços sobre o largo peito, ele respondeu, entre incomodado e displicente:

— Eu ia te dizer hoje mesmo... mas quando ficamos juntos... acabei esquecendo.

 As faces de Val incendiaram-se com a lembrança do "motivo" que o fizera esquecer. Porém, ela duvidava que ele tivesse

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q q qesquecido qualquer coisa.

— Então, admite que mentiu.

— Sim, admito. Mas isso foi antes...

— Antes do quê?— Val ergueu o tom de voz, irritada. — Antes do planozinho sujo que você arquitetou, e de você mecarregar para a cama?

Diante das palavras duras, Michael franziu a testa, mas aparentando calma, estendeu-lhe a mão, num gesto de paz.— Escute, Val. O que aconteceu entre nós não tem nada a ver com minha ida para Seattle. E eu não a "carreguei" para a

minha cama. Você veio de livre vontade, porque queria tanto quanto eu.

A verdade do que ele dizia apenas contribuiu para sua maior humilhação, e Val ignorou a mão que ele lhe estendia.

— E que outras mentiras você me disse? Segundo Myra, você estava planejando um esquema para vingar-se de mimpelo que supostamente eu teria feito a David— Ela sorriu com amargura.— Tola, não acreditei, mas agora vejo que era apura verdade.

Apesar de tudo, bem no íntimo, Val ainda alimentava uma pequena esperança de que, de algum modo, Michaelpudesse explicar o que acontecera, e ela pudesse confiar nele outra vez.

Desejava acreditar nele mais do que qualquer outra coisa no mundo.

Contudo, lá estava ele, de pé, uma expressão fria no rosto, olhando-a como um estranho. Após um pesado silêncio, eleenfiou as mãos nos bolsos da calça e levantou os ombros num gesto meio fatalista.

— Está bem, Val. Admito que o que Myra disse também é verdade. De alguma forma, eu estava obcecado com a idéiade fazer você pagar pelo que fez ao meu irmão. Pelo menos eu imaginava que você o tinha feito sofrer. Pretendia tecortejar, seduzir e ir embora sem nem um "até logo". Mas isso foi só no princípio. Menti sobre o emprego em Seattle,porque não queria te encontrar outra vez. Por este motivo não queria que você soubesse que iríamos viver na mesmacidade. Mas tudo isso foi antes...

— Você é um bom ator. Tudo não passou de uma encenação — Val murmurou, como se falasse para si mesma. — Suaida ao hotel para se desculpar, o dia que passamos juntos em Marsh Creek, o jantar romântico em San Francisco e... o queaconteceu hoje.

 Val calou-se e virou o rosto para o outro lado, não querendo que ele visse a dor que nele se estampava.

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—Não!— ele exclamou.—Não o que houve hoje.

Segurando-a pelo braço, forçou-a a virar-se para ele e disse num tom mais terno:

—Não vê que tudo mudou? Hoje foi diferente!

Val olhou bem dentro dos olhos dele e notou uma luz intensa, que transmitia sinceridade e paixão. Se ela continuasse aser uma tola, iria pensar que ele era franco. Não, ele a enganara uma vez, e para ela era mais do que suficiente.

—Não acredito mais em você.

— Val, a idéia que fazia sobre você mudou completamente quando a conheci melhor. Nestes últimos dias vi que vocênão era a mulher fatal e destruidora que imaginei a princípio. Se voltei de Los Angeles, foi porque queria muito te ver.Queria estar com você. Val? Você precisa acreditar em mim!

Bem que ela queria acreditar nele, e, de certa forma, até acreditava, porém a mentira premeditada estragara qualquerpossibilidade de entendimento entre eles. Só ela sabia quanto esforço lhe havia custado para conseguir vencer seus medose desconfianças e entregar-se a ele. Se ele a enganara desde o início por que não estaria enganando agora? Apesar de todas

as suas precauções e reservas deixara-se levar pelo seu fascínio.Como podia confiar nele outra vez na vida?

Ainda que naquele momento ele estivesse dizendo a verdade, que futuro lhe oferecia? O relacionamento deles seriasempre obscurecido pela lembrança de David e de seu fim trágico. Aquilo seria um eterno obstáculo. Melhor deixá-loagora antes que ele a decepcionasse irremediavelmente.

— É tarde demais para falar a verdade, Michael. A confiança é como um cristal delicadíssimo; uma vez partido, nãotem mais remédio. Agora vejo com clareza que nada poderia dar certo entre nós.

—O que posso dizer, Val? Admito que estava errado. Mas diga o que posso fazer para te compensar por este erro, paravocê me perdoar.

Apesar de toda sua raiva e indignação, se Michael dissesse que a amava, o que ela tanto desejava, se esqueceria de tudoe se atiraria nos braços dele. Porém, nada disso ele fez. Apenas esperava que ela cedesse aos seus argumentos.

— Bem, você conseguiu o que queria. Espero que pelo menos ache que valeu a pena— ela disse, irônica.

—Val, se ao menos você me escutasse...

 Val sabia que, se ficasse mais um minuto ali, começaria a chorar e por nada desse mundo queria dar-lhe esse gosto.

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Reunindo tudo o que lhe sobrara do seu orgulho, falou com voz trêmula:

— Vou me vestir agora e vou embora. Mas antes de ir quero te dizer uma coisa. Pode ser que eu tenha tratado Davidmal, talvez até tenha uma parcela de culpa pelo que lhe aconteceu, mas acho que você foi ainda mais culpado do que eu.Era seu irmão mais velho e nunca lhe deu atenção. Nunca procurou saber se ele precisava de ajuda.

Michael empalideceu, seu rosto parecia uma máscara de cera. Por um instante Val arrependeu-se do que havia falado,

porém sentia que o atingira bem fundo.Não havia mais nada a fazer. De cabeça erguida, ela caminhou em direção ao quarto para se vestir.

Recolhendo a roupa do chão, Val tomou todo o cuidado para não olhar em direção à cama, onde apenas algumas horasatrás vivera momentos de verdadeira felicidade.

C C C  a  a  a  p  p  p í í í t t t u u u l l l o o o 7 7 7  

N N N uma cinzenta manhã de garoa, uma semana após sua partida precipitada de Carleton, Val deixou o apartamento

onde morava e caminhou até a esquina para pegar o ônibus para o centro de Seattle.

Passara os últimos dias numa atividade febril, totalmente mergulhada no trabalho, procurando de todas as formasmanter a cabeça ocupada para não se lembrar da experiência humilhante com Michael Prescott. A recordação do queacontecera deixava-a sempre deprimida, como o coração apertado, sentindo raiva e vergonha.

Suas férias ainda não haviam terminado e atravessava um período crítico no momento, pois não tinha mais nada para

fazer.Seu apartamento brilhava de tão limpo, pois dedicara horas e dias à faxina, arrumando gavetas, repintando paredes,

trocando cortinas. Aproveitara também para responder velhas cartas, mas agora a imaginação para preencher o tempo seesgotara, e uma grande aflição tomara conta de Val. Não sabia o que fazer com os dias de ócio a sua frente.

O ônibus andava vagaroso e, pela vidraça embaçada, Val observava os passantes caminhando apressados para fugir dagaroa.

 Quando chegou na Quinta Avenida, a rua da moda elegante, ela desceu e caminhou a passos rápidos para a butique

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onde trabalhava, situada na mais rica e moderna galeria da cidade. Eram apenas nove e trinta, e a loja só abria às dez, masVal tinha as chaves consigo e não se incomodava de chegar mais cedo.

As outras lojas da galeria, a butique de artigos finos de couro, a livraria e a confeitaria ainda estavam fechadas. Aochegar a sua loja, Val parou em frente à vitrine para ver se Janet, sua assistente, havia feito um bom trabalho. Com umolhar crítico e experiente, ela aprovou o manequim vestido com um conjunto de malha bege e com uma echarpe de seda jogada sobre os ombros.

Quando Val colocou a chave na fechadura, percebeu que a porta já estava aberta. Janet já se encontrava lá, atrás dobalcão, dobrando umas peças de roupa. Ao avistar Val, a jovem soltou uma exclamação de surpresa:

—Val?! O que você está fazendo aqui, hoje? Suas férias ainda não acabaram.

— Olá, Janet. Tudo bem por aqui? Não fique espantada. Resolvi interromper as férias e guardar alguns dias para oinverno. Estou querendo esquiar em Aspen este ano—Val inventou,

—Mas você não sabe esquiar.

—Ora, nunca é tarde para aprender—Val respondeu, despindo a capa de chuva.

 Janet acompanhava os movimentos dela com um olhar de incredulidade.

— Eu ainda não entendi essa sua volta. Você parecia tão ansiosa para descansar nestas férias, para rever seus amigos natal festa em Carleton. Aconteceu alguma coisa?

— Bem, na verdade, aconteceu, sim. O amigo de infância que fui visitar sofreu um acidente de carro e morreu na noiteda festa. Foi uma coisa muito triste que acabou com todas as outras comemorações. Então, de uma hora para outra, eu nãotinha mais motivo para ficar lá. Bem, mas mesmo assim, consegui ver alguns velhos amigos.

— Meu Deus! Val, que coisa triste. É por isso que você não está com cara boa. Que pena que suas férias tenham

acabado desse jeito. Bem, mas de qualquer forma é bom ter você de volta. Lembra a balconista que nós contratamos? Nãodeu certo, foi embora, e eu tive de dar conta de tudo sozinha. Você sabe a loucura que é quando temos liquidação. Gostoude minha vitrine?

— Gostei, sim. Está bem criativa. Olhe, durante minha estada em Carleton, fui até San Francisco e descobri algumasnovas confecções bem interessantes. Cheguei até a fazer uma pequena encomenda para ver como as roupas serão aceitasaqui. Mas minha intuição me diz que serão um sucesso.

 Que delícia era estar de volta ao trabalho, poder falar sobre coisas tão práticas, pisar num chão conhecido e deixar bem

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para trás qualquer lembrança de Michael Prescott e daquela desastrosa viagem!

Durante setembro o mau tempo parecia ter vindo para ficar para sempre. As manhãs eram frias e nevoentas e as tardes,chuvosas.

De modo geral, o outono em Seattle era a estação favorita de Val. Gostava de ver como as árvores mudavam suas coresdia a dia, indo de um castanho-avermelhado até o amarelo, quando finalmente as folhas caíam ao solo, formando um belo e

macio tapete natural.A maioria das pessoas achava aquele espetáculo de folhas mortas deprimente, mas Val achava-o belíssimo. Porém,aquele outono estava lhe parecendo muito melancólico, porque ela via tudo diferente, e a paisagem amarelecida tambémlhe parecia triste.

Enquanto se entretinha com o trabalho na loja, o tempo passava rapidamente. Val conversava com clientes e ria com Janet. Ao chegar em casa, após dez horas de serviço, sentia-se tão cansada que só tinha ânimo de ler as manchetes dos jornais e ver um pouco de televisão.

Contudo, nos fins de semana começavam os problemas de Val. Por mais que procurasse distração indo a cinemas,

concertos e teatros, ao chegar em casa a solidão era uma presença quase palpável. Muitas tardes de sábados e domingoseram passadas na sala de estar, e nestas ocasiões tornava-se impossível evitar a lembrança de Michael e de todos ospequenos detalhes daquela tarde ensolarada vividos na casa da colina em Carleton.

O pior momento se dava quando Val era assaltada pela dúvida, temendo ter agido com precipitação e sido severademais no seu julgamento. Na verdade, quando ela acusara Michael de mentir, ele parecera estar realmente arrependido.Confessara tudo, tentara fazê-la mudar de idéia e demonstrara a intenção de continuar o relacionamento. Mas ela forainflexível e permanecera insensível a qualquer apelo.

Porém, Val sempre afastara esse pensamento incômodo. Ora, Michael era um mentiroso! Não tinha por que serecriminar. Pensar assim deixava-a mais confortada, na certeza de ter agido certo.

Depois de sua chegada a Seattle, Val aceitara com relutância alguns convites de rapazes para jantar, para no fimsempre acabar comparando-os com Michael, achando-os todos desinteressantes. Tudo se tornava sem graça e aos poucosela começara a recusar todos os convites.

 Até nisso Michael a prejudicara. Depois dele, tornara-se ainda mais exigente, e ela sabia que uma pessoa exigente

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demais acabava ficando sozinha.

Michael Prescott fora um sonho maravilhoso que terminava antes de começar. Era difícil aceitar essa realidade.

Nos meados de outono, houve uma súbita onda de calor, com dias ensolarados e céu azul, e Val aproveitou para

retomar suas longas caminhadas solitárias ao redor do lago do parque da cidade. Esse exercício sempre a estimulava e ànoite conseguia dormir bem melhor.

Numa dessas manhãs claras, após sua caminhada, Val fora para a loja e absorvera-se na tarefa de colocar etiquetas emmercadorias novas, quando Janet chamou-a da outra sala.

— Ei, Val, dê uma olhada no jornal de hoje. Sua cidade natal virou notícia nas colunas sociais. Não é Carleton o nomeda cidade?

Surpresa com o fato de que um lugar pequeno e desconhecido como Carleton pudesse ser notícia em Seattle, Val pegou

o jornal. No mesmo instante, seu coração começou a bater descompassadamente. Sob seus olhos, havia uma foto de corpointeiro de Michael.

A fotografia era acompanhada por uma nota que Val leu com avidez: "Doutor Michael Prescott, muito conhecido nomeio médico e científico da Califórnia, nomeado para dirigir o novo Centro de Cardiologia da Universidade de Seattle. Odoutor Prescott, natural de Carleton, Califórnia, distinguiu-se na Fundação Hospitalar de Los Angeles é deve assumir onovo posto na próxima semana".

Calada, Val ergueu o jornal para ocultar o rubor de seu rosto, pois sabia que Janet desconfiara de que alguma coisanaquela notícia a abalara. Nem ela própria compreendia por que estava tão chocada, pois afinal já esperava por isso. Mais

dia, menos dia, Michael estaria em Seattle.Olhou novamente para a foto. Mesmo no papel preto-e-branco do jornal, via-se que o novo diretor do Centro de

Cardiologia da Universidade de Seattle era um homem muito bem-apessoado. Ele pousara sério, de pé, ao lado de umalarga estante de livros, aparentemente dando uma entrevista. Todo o seu ar era de absoluta autoconfiança e familiaridadecom a fama.

 —Que tal o novo habitante de Seattle? Parece um pedaço de mau caminho! Será solteiro? Você o conhece? Ele é da sua

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terra!— Janet perguntou, ansiosa.

Devolvendo-lhe o jornal, Val deu uma resposta breve.

— Só de vista. Ele era muito mais adiantado na escola do que eu.

Depois que tomou conhecimento da vinda de Michael para Seattle, a paz de espírito de Val, conseguida com tantoesforço, pareceu perdida para sempre.

Pensar em Michael como alguém distante, pertencente a um passado nebuloso, era uma coisa; mas saber que moravamno mesmo lugar e que podiam esbarrar um no outro a qualquer momento e se olharem como estranhos era muito para elasuportar.

Nos dias que se seguiram à notícia, Val sofreu inúmeros sobressaltos na rua. Pensava reconhecer Michael em todohomem alto de cabelos escuros que via. O que faria se cruzasse com ele num restaurante ou num shopping, por exemplo?Devia fingir que não o via? E ele? Como reagiria?

Mas como nada disso acontecesse, a agitação de Val foi diminuindo e ela voltou à apatia anterior. Agora que o invernose aproximava, quase já não saía de casa e trabalhava na loja até tarde todos os dias.

—Val, você está se sentindo bem?— Janet perguntou-lhe uma manhã.

—Claro que estou bem. Por que me pergunta isso?

—Não sei. Mas acho que desde que voltou daquelas suas férias, você não me parece a mesma. Está sempre com o olharperdido não sei onde. Vive distraída e emagreceu bastante.

— É que estou com muitas coisas na cabeça. Você não imagina o trabalho que dá administrar uma loja como esta. Vocêtem me ajudado muito, Janet, e sou grata, mas a grande responsável sou eu. Ando cansada para levar também uma vidasocial. É só isso.

 Janet e Val estavam atarefadas, desempacotando as encomendas que Val fizera na sua breve passagem por SanFrancisco. Estranho que, quando Val vira aquelas mercadorias, ficara entusiasmada, e tudo lhe parecera prático e elegantenas lojas sofisticadas de San Francisco; mas agora já não se sentia tão segura sobre suas compras.

— Janet, o que acha destas roupas?— ela perguntou, indecisa.

 — Podemos guardá-las para a primavera. São um pouco vivas demais para esta época do ano, não acha? — Comentou

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 Janet.

—Hum... Talvez. Mas não quero guardar nada. Acho que vou criar uma promoção para vender estas roupas no invernomesmo. Que tal uma promoção com o nome de "Estilo para o Sol do Sul"?

Os olhos de Janet brilharam entusiasmados.

—Que ótima idéia! Toda a alta sociedade de Seattle vai para a Califórnia ou para a Flórida depois do Natal, fugindo do

frio. Se soubermos fazer uma boa promoção, vamos vender bastante!— Está bem. Me dê um tempo para eu pensar um pouco mais sobre isso. Temos de solucionar alguns probleminhas

primeiro. Depois faremos esse lançamento. Aguarde.

Nesse momento, um sino tocou anunciando que a porta da frente se abrira. Após uma rápida espiada, Janet cochichouno ouvido de Val:

— E por falar em problemas, um deles acabou de entrar na loja.

—Qual deles? Temos tantos...

—Diana Worth.

Val deu um sorriso.

—Quer que eu cuide dela?

— Ah! Quero sim. Você tem um jeitinho especial para lidar com essas clientes que adoram criar caso. Aposto como elavai querer trocar alguma coisa que comprou aqui e já usou umas dez vezes. Ela tem coragem! Acho que se eu for lá, ela vaiter de ouvir umas boas.

— Está bem, Janet. Acabe de desempacotar estas coisas que eu vou resolver este problema.

Ajeitando os cabelos e dando uma rápida olhada no espelho, Val foi ao encontro da loira alta, magra e elegantementevestida que aguardava ao lado de uma vitrine. Com toda displicência, ela revirava as bijuterias exóticas e finas que a Janetcustara uma tarde inteira de trabalho para organizar.

— Bom dia, srta. Worth. Posso ajudá-la em alguma coisa?

A bela mulher ergueu as sobrancelhas bem depiladas e deu um sorriso estudado e artificial.

— Este artigo está bem caro, não?— ela disse, recolocando um bracelete de volta na vitrine.

 — Oh! Você acha? Pois, acredite, estamos vendendo muito bem este tipo de bijuteria. Nossas clientes têm adorado e

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não têm havido reclamações.

Diana Worth continuou olhando em volta, como quem procura alguma coisa muito especial.

— Tem alguma coisa especial em mente que desejaria ver?— perguntou Val, no seu tom mais delicado.

— Sim, realmente. Estou com um problema e gostaria de resolver. Trata-se desta blusa que comprei aqui há umas duassemanas. Descobri que ela tem um defeito—Diana respondeu, entregando uma sacola da loja a Val.

—É mesmo? Deixe-me ver.

—Val fingiu-se surpresa.

Abrindo a sacola, Val retirou uma blusa de seda pura azul que pertencera a uma das mais caras coleções da loja,embora estivesse toda amarrotada. Com olhar experiente, ela examinou a blusa devagar. Era evidente que fora usada; nãouma, mas muitas vezes. As costuras sob os braços estavam se desfazendo e havia uma nítida marca de uso na parte dedentro da gola. E, além disso, uma inegável marca de batom na frente. Nesse meio tempo, Diana olhava-a impaciente,batendo o pé, num gesto nervoso e lançando a fumaça do cigarro no rosto de Val, apesar do aviso que proibia fumar naloja.

— É este o defeito?—Val perguntou, mostrando a mancha.

— É este mesmo. Acho que não notei quando comprei. Como você pode ver eu não posso ficar com a blusa. E usei sóuma vez.

Val sabia que teria de aceitar a blusa de volta, pois era a política da loja e, apesar das constantes manobras mesquinhasde Diana, ela costumava gastar rios de dinheiro lá e trazia também amigas ricas para comprarem.

Porém, Val sentia um desejo enorme de fazer a loira caprichosa saber que não a estava enganando. Fixou-a comfirmeza, sustentando o olhar até que ela baixou os olhos, constrangida, enrubescendo levemente. Chegou até a perder umpouco da arrogância.

Val sorriu satisfeita; conseguira o que queria.—Claro que receberemos a blusa de volta, srta. Worth. Há alguma coisa mais que queira ver?

— Ah... Eu gostaria de provar aquele vestido vermelho da vitrine, mas tenho um encontro marcado para almoçar comum amigo. Não sei se terei tempo.

—Quer que eu o separe para você? Pode voltar mais tarde para provar.

 — Não, obrigada. Acabei de resolver que vou provar agora mesmo. É sempre bom deixar um homem esperando umalh ã é ? l f l t i b i

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mulher, não é mesmo?— ela falou, em tom mais baixo.

Val a conduziu então por um corredor até o salão de provas e retornou à frente da loja.

Naquele instante a porta da loja abriu-se de novo, e um homem alto e aristocrático entrou. Era Michael Prescott, aúltima pessoa no mundo que Val pensara ver na sua loja! Ela não conseguiu fazer nenhum movimento, era como se tivessesido atingida por um raio paralisante. Seu coração batia tanto que ela temia que ele pudesse ouvir, e suas pernas

tornavam-se tão fracas que pareciam já não poder sustentar-lhe o corpo.Michael não a viu de imediato, distraído pelas bijuterias. Ele se inclinou sobre a vitrine de forma que apenas seu perfilera visível para Val. Mas não havia engano, era mesmo Michael!

O que ele estaria fazendo ali? Teria contratado algum detetive para localizá-la? Val afastou aquela hipótese. Por que elefaria isso? Ele a detestava.

Como ele ainda não a vira, talvez, se fosse rápida, pudesse voltar atrás e mandar Janet atendê-lo. Mas enquantohesitava, ele se virou e seus olhos se encontraram.

Por alguns segundos olharam-se em silêncio, e Val pôde perceber a surpresa estampada no rosto dele. Com todacerteza fora o acaso que o trouxera ali.—Olá, Val— ele falou primeiro e caminhou para ela.

Porém, naquele momento Diana surgiu dos fundos da loja, com o vestido vermelho aberto nas costas e pedindo auxíliopara fechá-lo. Ao ver Michael ela soltou uma exagerada exclamação de prazer.

— Oh, Michael, meu querido! Desculpe se te fiz esperar. — E dando uma volta na frente dele, perguntou: — O queacha deste vestido? Fico bem com esta cor?

Acenando a cabeça afirmativamente, ele respondeu cortês:

—Fica muito bem em você, sim.

Aquela interrupção foi benéfica para Val, pois teve tempo de se recobrar e, parada ao lado de uma vitrine, aindatrêmula, ela observou a pequena cena que Diana exibia para Michael.

A glamourosa loira falava sem cessar sobre a cor do vestido, seu estilo, o tecido, o caimento, absorvendo toda a atençãode Michael.

 Enquanto isso, Val não conseguia desprender os olhos dele, dizendo a si mesma que aqueles eram os braços que a

egur r m quel boc que beij r quele o corpo que po uír de um m neir tão perfeit e complet

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seguraram; aquela, a boca que a beijara; aquele, o corpo que a possuíra de uma maneira tão perfeita e completa.

Aos poucos ela superou a situação incômoda e pode olhá-lo com uma certa descontração. A expressão do rosto dele eraséria, atenta, cortês, não revelando nada do que se passava em seu interior. Val notou que ele parecia cansado e que asrugas ao lado da boca estavam mais pronunciadas do que a última vez que o vira.

Como Diana prosseguiu com seu show particular de moda, Val pensou que poderia se retirar sem ser notada. Escapou

para a sala onde Janet ainda estava desempacotando mercadorias.— Janet, por favor, vá lá para a frente da loja e acabe de atender Diana, sim?

—Hum... Que foi? Ela disse alguma coisa? Você está com uma cara... Qual é o problema?

— Nenhum problema. Já troquei o artigo que ela queria. Mas agora ela está se revirando em frente do espelho,empenhada em uma grande decisão: levar o vestido vermelho ou não. Deixe que continuo a desempacotar. Preciso de umapausa. Você faz esse favor para mim?

Quando Janet saiu, Val sentou-se à mesa, colocou a cabeça entre as mãos e fechou os olhos. Da loja, vinha o rumor dasvozes, porém a de Diana, alta e estridente, sobrepujava as outras.

O que Michael teria pensado ao vê-la ali? Nada na fisionomia dele demonstrara qualquer emoção. Exceto pela surpresa,ele parecera totalmente indiferente.

Por alguma razão inexplicável, o fato de tê-lo reencontrado de forma tão inesperada fez com que toda sua raiva e seuressentimento desaparecessem de repente. Sentia-se ainda irresistivelmente atraída por ele. E como ele teria se sentido emrelação a ela?

Val recordou as palavras duras que lhe dissera na cozinha da sra. Prescott em Carleton. Palavras cruéis que o acusavamde ter negligenciado o único irmão. Sim, ele devia odiá-la. Mas não podia culpá-lo por isso. Ela não ferira somente seu ego

ao tomar a iniciativa de deixá-lo, atingira-o também em seu ponto fraco: a morte de David.Ela jamais deveria ter feito aquela acusação. Agira precipitadamente, levada pela própria culpa e pela revolta de ter

sido enganada. Ao perceber isso, Val teve um ímpeto de correr até Michael e desculpar-se. Ele agira mal com ela, mas sabiaque, no fundo, era uma pessoa correta. E, lembrava-se, jurara que não fizera amor com ela por vingança. Depois de tudoque acontecera entre eles, não queria que a considerasse uma inimiga.

 Mas o que podia fazer agora? Era tarde demais! Michael estava envolvido com Diana Worth. O que acontecera em

Carleton não tinha o menor significado não deixara marcas E caso ele ainda lembrasse alguma coisa daquela tarde morna

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Carleton não tinha o menor significado, não deixara marcas. E, caso ele ainda lembrasse alguma coisa daquela tarde mornade verão, seriam suas palavras de acusação.

Val ouviu a porta da loja abrir e fechar, e as vozes desapareceram.

Um instante depois, Janet surgiu, dizendo:

— Diana comprou o vestido, afinal. Quanto quer apostar que ela vai aparecer aqui semana que vem, queixando-se de

um "defeito"?Val forçou um sorriso.

— Ela pode ser difícil, mas lembre-se de que compra muito e ainda traz as amigas.

— É verdade. E também ela tem outra qualidade que eu admiro. Tem muito bom gosto para homens. Só é vista comhomens charmosos. O de hoje, então... Foi o mais sensacional de todos! — Janet revirou os olhos, mostrando suaadmiração.

Val não comentou nada, demonstrando estar muito ocupada.

—O rosto dele me pareceu um tanto familiar

—prosseguiu Janet.

—Estou tentando me lembrar de onde o conheço.

—De repente seu rosto se iluminou:— Já sei! Eu o vi no jornal. Ele é o tal médico lá da sua terra, Val. Mas pessoalmente émuito mais atraente ainda. Você não o reconheceu?

 Janet olhou-a, esperando um comentário.

— E daí, Val?

—Daí o quê?

—Você não falou com ele? Não trocaram lembranças dos velhos tempos?

—Oh! Janet, eu já disse. Mal nos conhecemos. Que lembranças poderíamos ter em comum?

— Ora, vocês poderiam ter se encontrado durante as férias. — Janet replicou, melindrada com a falta de interesse deVal em participar de sua animação.

Naquele instante o telefone tocou. Com um suspiro de alívio Val atendeu.

— Butique Seattle. Em que posso servi-lo?

 Era uma voz de homem! Val prendeu a respiração por um segundo.

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— Val? Aqui é Don Carter. 

Desapontada, ela respondeu:

—Olá, Don. Como vai? Tudo bem?

— Tudo bem. E você? Como foi de férias?

— Ah! Estava ótimo.

Don Carter era considerado um excelente partido: rico e bonito. Mas talvez por isso mesmo achava-se com direito delevar todas as mulheres para a cama. Tentara com Val, e ela tivera muito trabalho para fazê-lo entender que não seria maisuma conquista para sua coleção. Nunca pensou que ele a procurasse outra vez, depois do último encontro.

— Val, queria te fazer um convite. Meu avô está oferecendo uma recepção no sábado à noite. Ele está se aposentando da presidência dobanco e vai haver uma pequena cerimônia de entrega de um troféu. Tenho medo que seja uma festa meio chata, mas acho que é uma boaoportunidade para sair com você outra vêz. — Ele riu.—  Preciso pedir um favor ao meu avô e quero impressioná-lo, por isso vou levar amoça mais bonita da cidade.

Val não se deixou seduzir pelo elogio.— Ah! Desculpe, Don. Mas acho que não vou poder ajudá-lo nisso.

— Oh! Val, faça um esforço. Preciso de sua companhia. Quero pedir um empréstimo para o velho. Não precisamos ficar até o fim da festa.Não pode mudar de idéia?

Val manteve a recusa porque temia uma outra cena de luta livre para controlar as mãos de Don.

— Não posso mesmo, Don, mas muito obrigada por me convidar. Tenho certeza de que você vai encontrar outrapessoa.

Quando ela desligou, Janet olhava-a com espanto.

—O que foi que houve, Val?

— Era Don Carter. Queria que eu fosse a uma festa de negócios com ele no sábado.

— E você não quer ir? Ou já tem outro compromisso?

 — Não, não tenho nenhum compromisso, mas conhecendo Don como conheço, acho que eu era sua última esperança

de arranjar alguém para ir a essa festa chata E a última vez que saí com ele precisei de muita energia para mantê-lo longe

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de arranjar alguém para ir a essa festa chata. E, a última vez que saí com ele, precisei de muita energia para mantê-lo longe.

— Pois acho que você agiu muito mal. Devia ter aceito o convite.

— Por que está dizendo isto?

— Escute, Val, sei que você não gosta que se intrometam na sua vida, mas somos amigas e tenho de falar.

— Pode falar, Janet. Desabafe— Val respondeu com paciência.

—Desde que você voltou das férias parece, que está hibernando. Não vai a lugar algum. Você é jovem, bonita e bem-

sucedida. E está sempre só. Poderia ter o homem que quisesse. Mas para isso tem de sair, ver gente. Que mal faz ir a estafesta com Don? Ele pode ser um chato, mas por intermédio dele talvez você conheça alguém interessante. Não custa nadatentar. Bem, era o que eu queria dizer. Se você ficou aborrecida comigo, me desculpe.

Val não pôde esconder um sorriso.

— Claro que não estou aborrecida com você, Janet. Sei que sua intenção é boa. E prometo pensar sobre o que vocêdisse.

A chuva caía sobre a cidade outra vez e batia contra a vidraça num som monótono. Val lembrou-se de Michael. Foraum grande choque deparar com ele frente a frente. E pela maneira distante com que ele a tratara, o encontro não fora umasurpresa agradável. Mais uma vez lamentou ter dito aquelas palavras duras de despedida e de não ter aproveitado achance de se desculpar naquela tarde, na loja.

Era absurdo acusar quem quer que fosse pela morte de David. Ninguém tinha culpa de nada. Nem ela nem Michael.

Enquanto fazia, solitária, uma refeição frugal em frente à televisão, Val pensou no que Janet lhe dissera.

Antes daquele breve romance com Michael, ela costumava ir a jantares e a eventos em companhia masculina, porémdesde que voltara de Carleton não tinha ânimo para aceitar convites do sexo oposto. Sabia que não podia continuar tãoisolada, precisava circular e encontrar gente nova; não fazia sentido esconder-se para o resto da vida só por causa de umaexperiência amorosa fracassada.

Num súbito impulso, e antes que mudasse de idéia, ela interrompeu o jantar e foi buscar seu caderninho de endereços eprocurou a letra C: Carter, Don Carter.

 —  Alô! —Uma voz sonolenta atendeu.

D ? A i V l E l f d di h d li i

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—Don? Aqui é Val. Estou telefonando para dizer que, caso você não tenha encontrado outra pessoa, estou livre para iràquela festa no sábado.

— Não encontrei ninguém. Estou feliz que tenha mudado de idéia, Val. Podemos sair mais cedo e ir a um lugar mais interessante depois. Apanho você amanhã lá pelas sete, OK?

Quando Val desligou o telefone, olhou para sua imagem refletida no espelho e pensou que ia ter bastante trabalho no

dia seguinte para fazer desaparecer aquela expressão de desânimo no seu rosto.— Bem, amanhã é outro dia, e eu juro que vou parecer outra— Val disse a si mesma em voz alta e decidida.

C C C  a  a  a  p  p  p í í í t t t u u u l l l o o o 8 8 8  

C C C umprindo a promessa que fizera a si própria, no sábado à tarde Val foi ao salão de beleza mais caro e sofisticado deSeattle e entregou-se inteiramente às mãos do cabeleireiro mais disputado pelas mulheres elegantes.

— Que pena!— comentou o cabeleireiro, andando em torno de Val, examinando o cabelo de um lado, levantando dooutro.—Um cabelo tão bonito, saudável, estar neste estado de abandono!

Nos últimos meses, de fato, o único trato que Val dera a sua exuberante cabeleira fora lavagem e escova, usando-asempre presa num coque severo.

Após um xampu revigorante, o cabeleireiro prendeu todo o cabelo com rolos grandes e, cheio de autoridade, colocou-asob um secador escaldante.

Uma hora mais tarde, quando os cabelos já estavam secos e penteados, Val olhou-se no espelho e esboçou um sorrisoaprovador. O que um belo penteado podia causar em um rosto! Sua transformação era notável! Soltos, em ondas largas,apenas tocando-lhes os ombros, seus cabelos eram a moldura perfeita para seu rosto bonito.

—O que me diz agora?—O cabeleireiro perguntou, esperando elogios.—Você devia usá-los sempre assim, soltos.

Val sentiu um aperto no coração ao ouvir aquelas palavras. Fora esta também a opinião de Michael desde o início.

 —Obrigada. Você fez um belo trabalho. Gostei muito— ela agradeceu, entregando-lhe uma generosa gorjeta.

Já q d idir id r V l r l ir di t h q i d r i r Q ri d i r

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 Já que decidira se cuidar um pouco, Val resolveu ir adiante e chamou uma maquiadora e uma manicure. Queria deixarpara trás aquela imagem de uma Val tímida e desanimada. Queria aparecer no auge de seu esplendor físico.

À noite, Val abriu o guarda-roupa e, após breve hesitação, tirou para fora todos os vestidos de festa.

Toda a nata da sociedade de Seattle estaria naquela festa, e seria uma boa ocasião para ela usar seu mais belo longo.Finalmente Val se decidiu por um vestido preto de crepe pesado que tornava sua silhueta ainda mais esbelta. Um

decote em "V" profundo descia entre os seios, realçando seu pescoço fino e delicado. O colo era tão perfeito que nãoprecisaria usar nenhuma jóia. Os brincos de brilhante que herdara da avó completariam o traje com perfeição.

Todo trabalho que ela enfrentara foi recompensado quando Don chegou para apanhá-la. Ele assobiou baixinho e, aover a reação dele, Val teve a certeza de que estava deslumbrante.

—Val, você está sensacional! Vai deixar todo mundo de queixo caído e morto de inveja de mim— ele disse.

Ao chegarem à recepção, Don deu vazão a seu temperamento espalhafatoso que tanto constrangia Val e começou acumprimentar todo mundo, acenando chamativamente em todas as direções.

Val olhou ao redor para ver se encontrava um rosto conhecido, mas não viu ninguém.

No centro do suntuoso salão havia uma longa mesa decorada com muito requinte, onde provavelmente sentariam osanfitriões e os convidados de honra. Espalhadas ao redor da grande mesa, inúmeras mesinhas para outros convidadoscompletavam o ambiente.

De repente, Don agarrou-lhe o braço com força e puxou-a. Um enorme sorriso iluminava-lhe o rosto, e ele acenava

ainda com mais espalhafato para alguém à distância.— Diana! — Ele chamou e, virando-se para Val, falou mais baixo: — Acabei de avistar minha prima com o novo

namorado. Vamos ver se conseguimos um lugar na mesa deles.

Antes mesmo que Val tivesse tempo de compreender o que se passava, Don já a conduzia por entre um emaranhado demesas em direção ao casal conhecido.

 À medida que se aproximava, Val pôde reconhecer a elegante loira; era Diana Worth. Uma horrível suspeita se

apoderou dela

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apoderou dela.

—Diana Worth é sua prima?— ela perguntou aflita.

— Sim. Você a conhece?

— É cliente da minha loja.

—Oh! Tenho pena de você— ele brincou.

Val hesitou e tentou retirar a mão, porém Don não afrouxou o aperto que a segurava, e ela percebeu que se tentasse sedesvencilhar à força, provocaria um pequeno escândalo. Então, para evitar qualquer constrangimento, teria de enfrentarmais um encontro com Michael Prescott, pois tinha a mais plena intuição de que era ele o "novo namorado" de Diana.

Ainda de longe, como temia, reconheceu Michael. O rosto dele estava voltado para Diana, e ela, num gesto possessivo,segurava-lhe o braço com toda a intimidade.

Num cochicho rápido, Don advertiu-a:

— Seja gentil com Diana. Ela é a favorita de meu avô e usa e abusa dessa preferência. E eu estou precisando muito

daquele empréstimo sobre o qual lhe falei e quero que ela me ajude a consegui-lo.Val nada respondeu. No íntimo torcia para que os dois lugares na mesa de Michael e Diana estivessem reservados para

outras pessoas.

Era demais! Parecia uma verdadeira armadilha do destino que ela tivesse de se defrontar com Michael outra vez namesma semana! E ele com outra mulher! Era muito humilhante!

Ao chegarem à mesa, Don cumprimentou Diana com efusão, beijando-a dos dois lados do rosto.

—Olá, Diana! Você está mais linda do que nunca! Podemos nos sentar com vocês?

—Olá, Don! Que surpresa ver você numa festa de família! No mínimo, está querendo alguma coisa.

Don deu uma risada exagerada.

—Ora, Diana, não faça piada a minha custa.

E sem esperar resposta, ele puxou uma cadeira para Val e sentou-se também.

 Se o chão se tivesse aberto aos pés de Val e a tragado para as profundezas da terra, Val teria ficado agradecida. Era

evidente que Diana não nutria nenhuma simpatia pelo primo e não gostara da intromissão na sua privacidade Mas Don

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evidente que Diana não nutria nenhuma simpatia pelo primo e não gostara da intromissão na sua privacidade. Mas Donparecia sentir-se à vontade.

—Diana, quero lhe apresentar minha amiga Val Cochran. Val, esta linda criatura, acredite, ou não, é minha prima.

Diana lançou um olhar enviesado e avaliador para Val, medindo-a dos pés à cabeça, sem dar mostras de conhecê-la dabutique.

Finalmente, a loira acenou a cabeça e murmurou rapidamente:—Como vai?

—Diana, não vai me apresentar o seu amigo?—Don perguntou.— Parece que já nos vimos em algum lugar, não é?

—Creio que não—Michael interrompeu, formal.

— Oh! Com certeza você está reconhecendo Michael das fotos dos jornais. Ele é uma celebridade. Não é verdade,querido?

—Não é bem assim. Você está exagerando, Diana— ele interrompeu, livrando o braço das mãos dela.

—Don, ele é Michael Prescott, o novo diretor do departamento de cardiologia da universidade da qual vovô é

presidente.

Ah, pensou Val, uma súbita idéia veio-lhe à mente. Diana é a chave do cofre e de sei lá quantas outras oportunidades. Épor isso que ele vai a toda parte com ela.

No entanto, no minuto seguinte, Val corrigiu-se. Diana não precisava de um avô milionário para atrair os homens. Erauma mulher muito bonita e qualquer homem teria prazer em lhe fazer companhia. O fato de ser rica e bem-nascida apenastornava-a mais desejável.

Enquanto Don e Diana conversavam sobre assuntos de família, Val mantinha-se sentada numa postura ereta,mantendo-se extremamente calada, olhando para frente, sem nada ver, desejando jamais ter ido àquela festa.

Por outro lado, Michael parecia à vontade. Instalado confortavelmente na cadeira, olhava ao redor sem se perturbarcom a atmosfera pesada entre os dois.

De repente, Don levantou-se, puxando Diana com ele.

 — Desculpe-nos um instante, Michael, meu bem. Eu e Don precisamos ir falar com vovô — ela disse com seu jeito

sensual e provocante de falar.

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sensual e provocante de falar.

Don piscou para Val.

— Estaremos de volta, já, já.

Parece que Don está conseguindo o que queria. Diana vai pedir o dinheiro que ele tanto precisa. E eu, o que faço aqui?,Val pensou, sentindo-se terrivelmente mal.

Lá estavam ela e Michael, um na frente do outro, sozinhos. Não tinha coragem de erguer os olhos para ele, quanto maisfalar!

No momento seguinte, um garçom passou com uma bandeja de champanhe e canapés. A interrupção foi um alívio paraVal, que aceitou uma taça da bebida borbulhante com prazer.

Para acalmar-se, enquanto bebericava, Val dizia a si mesma que logo a cerimônia começaria e que, após isso, elapoderia ir embora. Aquele tormento não seria eterno. Talvez até devesse aproveitar a chance de estar a sós com Michaelpara desculpar-se pelo que dissera naquela tarde em Carleton e ver-se livre de uma vez por todas da sensação de culpa quelhe pesava na consciência. Talvez fosse sua única oportunidade.

Val arriscou uma rápida olhada. Com os olhos semicerrados, Michael olhava para o centro do salão, o maxilarquadrado mostrando força e determinação. A taça de champanhe vazia girava entre seus dedos, num gesto maquinai.

Reunindo toda sua coragem, Val chamou-o baixinho:

—Michael...

— Sim?— ele respondeu, erguendo uma sobrancelha em sua direção.

—Michael, sinto-me tão constrangida quanto você por esta convivência forçada. Eu não tinha nenhuma idéia de queDiana era prima de Don e muito menos que você estaria aqui com ela.

Val interrompeu-se, mas Michael apenas lançou-lhe um olhar indagador, sem dizer nada. Obviamente, não estava nadainteressado em tornar a atmosfera menos tensa. O silêncio dele era quase agressivo e a irritou. Contudo, quando ela viuuma pequenina veia latejar, visível na fronte dele, compreendeu que ele também era vulnerável. Devia estar sofrendoalgum tipo de pressão com a presença dela e parte da sua indiferença podia ser somente autodefesa. Por isso, ela dominousua irritação e continuou:

 — Talvez esta seja a última vez que nos encontramos a sós, então, queria pedir-lhe desculpas pelo que disse a respeito

do seu relacionamento com David.

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do seu relacionamento com David.

Nem um músculo se moveu no rosto dele. Apenas seus olhos azuis procuraram os dela.

—Diga o que quer comigo, Val— ele falou, num tom muito tranquilo.

—Nada. Apenas não quero que nos tratemos como inimigos. E estou tentando dizer que sinto muito ter falado todasaquelas coisas ruins. Na verdade, não penso nada daquilo; é que estava sentindo muita raiva na ocasião.

Val interrompeu-se ao ver a expressão dele. O rosto vermelho, os lábios contraídos, ele inclinou-se para ela de modotão ameaçador que Val retraiu-se, amedrontada.

— Tentei te explicar tudo o que estava acontecendo na ocasião, mas você não quis acreditar. Fugiu como sempre.Agora não quero ouvir nenhuma palavra sobre esse assunto.

Diante daquela explosão, Val conteve a respiração. Depois, inspirando profundamente, obrigou-se a continuar:

— Não tenho a menor intenção de reavivar esse assunto. Estou apenas tentando explicar que sei que você não tevenenhuma culpa pelo que aconteceu a David. Nenhum de nós...

—Bem, pode esquecer isso tudo. Não estou nem um pouco preocupado com o que você disse. E lembre-se... Foi vocêque me deixou.

Ah! Era demais! Ele a enganara e ela é quem levara a culpa pelo fim do relacionamento. A irritação de Val ameaçavaescapar ao controle.

—Ora, quem fala. Esquece que me pregou uma bela peça, brincou comigo, mentiu para mim...

— Ah! Você sabe muito bem que a verdadeira razão de você fugir daquele jeito, sem querer me ouvir, não foi devido anada que eu tenha dito ou feito, mas a sua própria paranóia. Você não sabe confiar em ninguém. Não acredita em ninguém.

Val ia protestar à altura, mas Michael não lhe deu chance. Endireitou-se na cadeira e voltou-se para o outro lado,dando-lhe as costas, ignorando-a por completo.

No instante seguinte, Don e Diana voltaram à mesa e Val procurou disfarçar sua emoção. Don ostentava um sorrisovitorioso, porém Diana, talvez captando algo no ar, olhava de Michael para Val com um olhar de suspeita.

Ao sentar-se, Don abraçou Val e extravasou sua alegria, dando um enorme beijo sonoro no rosto dela. Val ia seesquivar, porém, ao ver os olhos de Michael fixos nela, fingiu um encantamento que estava longe de sentir. Parecia-lhe

 importante que Michael visse como ela era capaz de atrair um homem e retribuir seu carinho. Virando-se para Don elarecebeu o beijo com um radiante sorriso.

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— Parece que você tem muito boas notícias, Don— ela falou.

—De fato, tive.

Muito discretamente, com o canto dos olhos, ela viu Diana, em pé, abraçar Michael por detrás da cadeira, encostar aface na dela e falar ao seu ouvido:

—Venha, querido. Quero que conheça vovô. Afinal, já que a maior parte da universidade é financiada pelo dinheiro

dele, seria bom dar-lhe um "alô".

A princípio, Michael não se moveu. Olhou para Diana de um modo estranho, com uma leve ironia no sorriso que Valnão soube decifrar, mas depois levantou-se, a seguindo.

Com um gesto de posse, Diana enfiou o braço no dele e dirigiu-se a Don:

—Desculpe-nos, sim, priminho? Fiquem à vontade.

— Eles formam um belo casal, não acha?—Don perguntou, vendo-os se afastar.

Val observou um toque de sarcasmo na voz dele e notou que ele ria.— Sim, formam um belo casal, mas o que há de engraçado nisso?

— Bem, Diana tem sempre tantos namorados que estou surpreso de ela ter só este, agora. Só queria saber o que estecargo custou a esse médico. Ou custará. Coitado, tenho até pena!

—O que quer dizer, Don?

— Diana tem o hábito de se apaixonar pelos homens e assim que os tem, enjoa. Ah! Mas isso não tem importância. Oque importa é que acho que vou conseguir meu empréstimo. Vovô estava de muito bom humor hoje.

—Fico feliz por você, Don.

—Viu? Eu sabia que você me traria sorte. Agora, se quiser, podemos ir embora.

—Não quer ficar para a cerimônia?

Ele deu de ombros.

— Por que ficaria? Já consegui meu objetivo aqui. O resto vai ser muito chato.

 

Uma semana mais tarde com a aproximação do Natal Val e Janet começaram a redecorar as vitrines da loja com

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Uma semana mais tarde, com a aproximação do Natal, Val e Janet começaram a redecorar as vitrines da loja comsugestões para presentes e mensagens natalinas.

O trabalho já durava horas, e ambas estavam cansadas no final do expediente.

— Por que não vai para casa, Janet — Val propôs, — Eu ainda devo ficar mais uma ou duas horas para acabar estavitrine. Mas posso fazer isso sozinha. Não há necessidade de nós duas nos cansarmos.

—Não me importo em continuar, Val. Acho que assim as vitrines ficarão prontas mais depressa. Estou ansiosa para

ver como ficarão este ano.

— E não está com fome, Janet? Eu sei que eu estou.

— Por que não sai um pouco e faz um lanche, Val? Posso esperar e jantar depois.

— Está bem. Irei primeiro.

O sino da porta repicou, anunciando um cliente retardatário.

—Deixe que eu atendo. De lá, vou direto jantar— disse Val.

Mal entrou na parte da loja reservada aos clientes, Val parou, sentindo um frio no estômago e o coração disparar ao verMichael, de pé, perto da porta. Com esforço, recuperou o autocontrole e recomeçou a andar. Chegando a sua frente, paroue o encarou.

Michael usava uma pesada capa cinza sobre um terno escuro. Havia gotas de chuva em seus cabelos e em sua testa.Val, perturbada, reconheceu que a aparência dele era magnífica.

—Olá, Val. Achei que estava na hora de fechar a loja e quis alcançá-la antes que fosse embora — ele disse naquele tomseguro, que ela conhecia tão bem.

O que deseja, Michael?A voz dela era fria e polida, mas Michael ignorou a formalidade que Val queria colocar entre eles e, dando de ombros,falou:

— Falar com você. Não podemos tomar um drinque em algum lugar? Ou prefere jantar? Posso te levar em casa depois.Está chovendo a cântaros.

—Não, obrigada. De qualquer modo não estou indo direto para casa.

 Erguendo as sobrancelhas negras, entre inquiridor e irônico, ele perguntou:

— Algum encontro?

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Algum encontro?

—Não. Tenho de continuar a trabalhar na loja.

Val quis morder a própria língua por ter falado a verdade sem pensar. Teria sido bem melhor deixá-lo imaginar quehavia alguém a sua espera.

— Bem, mas mesmo tendo de trabalhar, você precisa jantar, não é verdade? E acho que pode suportar a minha

companhia por uma hora pelo menos, não? E eu gostaria muito de falar com você.Mais uma vez aquele homem lançava-a num universo de incertezas. A prudência aconselhava-a a manter-se longe dele;

sempre que esquecia a voz da razão pagava caro com lágrimas e sofrimento. Contudo, ele despertara sua curiosidade. Nãoconseguia imaginar o que ele queria lhe dizer, principalmente se levasse em consideração a pouca cordialidade do últimoencontro. No entanto, um rápido drinque e um sanduíche não podiam lhe fazer mal.

— Está bem— ela cedeu afinal.—Com licença, vou avisar minha assistente.

Da porta do compartimento onde Janet se encontrava, Val avisou que estava saindo.

Não ia atender alguém? O que aconteceu com o cliente?Misteriosa, Val respondeu:

— Pois é com ele que estou saindo.

Antes que Janet ficasse curiosa demais, Val fez um rápido aceno com a mão e retornou à loja.

Caminhando pelo corredor da galeria, ao lado de Michael, Val olhou disfarçadamente para trás e viu Janet parada àporta, com um ar de assombro no rosto.

—Gostaria de comer aqui por perto— disse Val.—Há um restaurante no saguão principal da galeria, se você quiser.

O restaurante Ganso Azul era muito procurado pelas pessoas do mundo de negócios para o almoço. Mas às seis horasda tarde de uma sexta-feira chuvosa estava quase vazio.

A garçonete colocou-os numa mesa nos fundos do salão e aguardou os pedidos.

—Quer tomar um drinque primeiro?— perguntou Michael.

— Acho que não devo. Vai me tornar sonolenta, e ainda tenho de trabalhar muito hoje à noite, lembra?

 Michael dispensou a garçonete, pedindo apenas o cardápio.

Ao ficarem a sós ele se virou para Val olhando-a sério e calado Ela percebeu que ele procurava um modo de abordar o

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Ao ficarem a sós, ele se virou para Val, olhando a sério e calado. Ela percebeu que ele procurava um modo de abordar oassunto que os trouxera ali. Não seria ela que iria ajudá-lo!

Michael solicitara o encontro, ele que superasse a dificuldade sozinho.

Não esquecera como a tratara na festa!

Enquanto isso, Val pretendia examinar o cardápio, mas estava consciente de que perdera o apetite. Por isso, quando a

garçonete voltou, ela pediu apenas um café.— Bom, eu vou querer mesmo é um drinque. Um uísque com soda, por favor— disse Michael. E voltando-se para Val

perguntou:— Tem certeza de que não está com fome?

— Tenho, sim. Obrigada. Só um café.

Um outro incômodo silêncio pairou sobre eles outra vez, até o retorno da garçonete.

Michael tomou um longo gole do uísque e acendeu um cigarro, enquanto Val o observava de modo velado. Intrigada,perguntava-se o que o teria trazido ao centro da cidade para procurar por ela, numa tarde cinzenta e úmida como aquela.

O mais enervante de tudo era constatar que ele ainda exercia uma avassaladora atração sobre ela. Sem pestanejar,como que hipnotizada, ela seguia os movimentos das mãos dele ao bater a cinza do cigarro, ao levar o copo aos lábios, aoalisar os cabelos para trás.

Na sua contemplação distraída, Val sobressaltou-se quando Michael levantou os olhos e encarou-a em cheio. Era tardedemais para desviar os seus, e Val sentiu-se aprisionada pela força magnética do olhar dele.

Ainda em silêncio, ele continuou a fixá-la, obviamente hesitando em falar.

A quietude do restaurante e o som monótono da chuva conspiravam contra Val, enfraquecendo sua determinação,fazendo com que ela desejasse tocar aquele rosto com ternura, e ter aqueles braços fortes em torno de seu corpo outra vez.Naquele momento, sentia-se capaz de fazer qualquer coisa para que ele a amasse.

Colocando os cotovelos sobre a mesa, Michael inclinou-se em direção a Val. Instintivamente, ela se retraiu, enrijecendotodos os músculos para se defender do fascínio dele.

Michael a enganara uma vez, na única ocasião em que confiara num homem. Ela não cometeria o mesmo erro outra vez.Apesar de realmente desejar que todos os sentimentos hostis entre eles acabassem, Val não conseguia esquecer a

 humilhação que sofrera, a dor da desilusão que experimentara ao descobrir que ele a usara para satisfazer um mesquinho einjusto desejo de vingança.

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Myra não sabia o mal que lhe fizera por não contar a razão da última embriaguez de David.

Se Michael soubesse que nos últimos tempos David estava apaixonado por Myra, ele reconheceria a injustiça quecometera contra ela.

Concentrada nos próprios pensamentos, Val assustou-se ao ouvir a voz de Michael:

—Estive pensando sobre o que você me disse no sábado à noite, naquela festa horrível.

—Ele sorriu com uma leveironia e acrescentou:— Apesar de que para o seu Don Carter ela parece ter sido maravilhosa.

Val ia interrompê-lo, indignada, e dizer que Don não era seu, mas conteve-se a tempo. Ele que pensasse o que quisesse.Permaneceu calada e tomou outro gole da café.

— Bem, de qualquer maneira, queria que você soubesse que acho que tem razão. Guardar rancores de um passado quenão se pode alterar apenas causa dor, mágoas e não deixa ninguém ser feliz. Por isso, quero te dizer de uma vez por todasque acredito que não teve nada a ver com a morte de David. Quero confessar também que aquela minha primeira idéia devingança contra você foi injusta. Sei que é inocente.

Cheia de suspeita, Val olhou-o com desconfiança. Podia acreditar na sinceridade dele?

— Fico muito feliz de ouvir isto de você, se é que realmente pensa assim— ela retrucou, ainda desconfiada.

— Claro que penso assim. Na verdade, tive uma conversa com Myra Barnes, antes de deixar Carleton. Ela me contoucom detalhes tudo o que aconteceu na noite do acidente. Foi ela que encorajou David a beber, depois ele perdeu ocontrole.

— Espero que você não tenha preparado nenhum plano de vingança contra Myra também — comentou Val, num tomferino.

Mal acabou de pronunciar aquelas palavras, arrependeu-se.Michael empalideceu, seu rosto transformou-se numa máscara de cera, dura e sem expressão. Ele amassou o cigarro no

cinzeiro num gesto brusco e tomou de um só gole o resto do drinque.

Val o atingira em cheio!

—Desculpe— ela murmurou.— Foi um comentário maldoso de minha parte

 Michael apenas sacudiu a cabeça.

— Tudo bem, compreendo sua mágoa. Mas não acusei Myra de nada. Na verdade, ela veio confirmar o que eu já

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ud b , p d ua ág a Ma ã a u My a d ada Na dad , a a qu u jácomeçava a suspeitar. Você estava certa. Ninguém teve culpa pela morte de David. Contudo, sei que poderia ter feito maispelo meu irmão, embora isto não fosse modificar o seu destino. Eu estava ocupado com a minha carreira, conforme vocêdisse.

— Já pedi desculpas por isto, Michael. Eu estava muito revoltada na ocasião, mas me arrependo das minhas palavrasprecipitadas.

— Val, por favor, não foi uma armadilha que quis preparar para você. Tem de acreditar em mim. — Ele baixou o tomde voz e falou mais rápido, na ânsia de convencê-la.— Oh! admito que no princípio queria te dar uma lição. Fiquei fora demim, após a morte de David, e foi nesse estado de espírito que te encontrei. De certa forma, é até compreensível que tenhadescontado minha revolta em você. Eu precisava fazer alguma coisa. E, antes de mais nada, achar um culpado. E comosabia que David era apaixonado por você, que o tinha feito sofrer muito... Bem, então você se transformou no alvo daminha ira, entende?

—Hoje consigo te entender, Michael, e não posso te culpar por nada, agora entendo seu ponto de vista. Mas precisava

ir tão longe quanto foi comigo?Ao dizer aquilo, Val enrubesceu até a raiz dos cabelos, porque de modo implícito referira-se à tarde de verão em que

tinham feito amor.

—Naquela ocasião o meu jogo já tinha acabado. O que aconteceu entre nós foi espontâneo e verdadeiro e espero queacredite nisso.

Val olhou-o, desconfiada, procurando algum sinal de ironia, mas ele parecia sincero. E, também pelo seu olhar ansioso,era óbvio que ele aguardava um gesto ou uma palavra da parte dela.

Será que podia confiar em Michael outra vez? O que ele realmente queria com ela?Uma pequenina chama de esperança acendeu-se novamente. Seria possível que ainda houvesse uma chance pararecomeçar um relacionamento em bases verdadeiras? Por mais que tentasse negar, Val sabia que já estivera apaixonadapor aquele homem, tanto que se entregara a ele. Embora uma entrega sexual não tivesse muito significado entre asmulheres jovens no mundo moderno, para Val representava um momento decisivo que teria consequências para o resto desua vida. Ainda com alguma hesitação, ela disse:

 — Sim. Acredito em você.

—Ótimo!— ele exclamou com evidente alívio.— Isto era um peso na minha cabeça.

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Depois, olhando para a xícara de Val, ofereceu.

—Quer mais um café? Mais alguma coisa?

—Não, obrigada.

Michael levantou-se e veio auxiliá-la.

—Podemos ir? Sei que está ansiosa para voltar a sua loja. Esta época do ano deve ser muito agitada no seu tipo de

negócio.

As palavras de Michael tiveram o efeito de um banho de água gelada sobre Val.

Então aquilo era tudo que ele tinha para dizer? Não, certamente que não. Ele ainda devia ter muito para falar. Devagar,ela pôs-se a andar ao lado dele, saindo do restaurante.

— Deixo você agora. Fiquei muito contente com a chance de podermos conversar e esclarecer nossos mal-entendidos.Sinto-me muito melhor e espero que você também. Até à vista, Val.

Ele tomou-lhe a mão, apertou-a de leve e com um rápido aceno de cabeça caminhou na outra direção, para a saída dagaleria.

Val ficou ali de pé, vendo-o afastar-se, pisando seguro, a postura altiva, sem olhar para trás, até desaparecer pela portagiratória, no final do longo corredor.

Lentamente, como sonâmbula, Val virou-se e caminhou em direção à loja. Mal podia acreditar no que acabava deacontecer. Parecia que levara um soco no estômago. Por um momento estivera tão certa de que Michael queria umachance para reiniciar o namoro interrompido.

Seria aquilo uma outra pequena vingança? Não, não acreditava mais nisto. A verdade é que ele não estava maisinteressado por ela. E por que estaria, se tinha uma mulher linda, famosa e rica, como Diana Worth.

Porém, enquanto caminhava, Val dizia a si mesma que fora melhor assim. Pelo menos, não eram mais inimigos.

Quando entrou na loja, encontrou Janet ocupada em decorar a pequena árvore de Natal. Deparando com Val, ela ficoutão surpresa que deixou cair uma das bolas prateadas no chão.

 — O que aconteceu? Por que o jantar foi tão rápido? Pensei que você não voltasse mais. Que fim levou aquele

semideus? E você tinha me dito que mal o conhecia, hein?

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— Ele precisou ir embora.

— E então?

—O que quer dizer?

— Estou perguntando o que aconteceu entre vocês.

—Não aconteceu nada. Nós tínhamos uns assuntos antigos de família para resolver. É tudo.

 Janet estampava no rosto uma grande decepção.

—Oh! Sinto muito. Pensei que fosse um assunto mais pessoal, que dissesse respeito a vocês dois somente.

Eu também sinto muito, pensou Val, voltando ao trabalho.

C C C  a  a  a  p  p  p í í í t t t u u u l l l o o o 9  9  9  

O O O Natal chegou e passou com todo o frenético movimento de clientes, compras, trocas de presentes e cartões. Val

bendizia aquela agitação. Desde que sua avó morrera, passava o Natal sozinha e gostava de pensar que era um dia comum,mas tratava-se apenas de um artifício para suportar a falta de uma família.

Às vezes, Val lembrava o último encontro com Michael e o via a sua frente com os olhos da imaginação. Ele havia secomportado como um perfeito cavalheiro, gentil, seguro, satisfeito consigo mesmo, tão magnânimo que propusera o fim daanimosidade entre eles.

E assim que terminara sua missão de paz, voltara correndo aos braços da sua Diana. Aquela arrogante que tinha tudoda vida. Os dois combinavam bem.

Enquanto isso, Val dedicava-se de corpo e alma a sua vida profissional, não deixando nenhum tempo para se lastimarsobre sua vida particular.

  Janeiro estava chegando. Era um novo ano inteirinho a sua disposição. Haveria uma grande liquidação na loja e estaria

ocupadíssima.

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Logo após o Natal, Val sugeriu que Janet tirasse alguns dias de férias. A assistente agradecera, animada, e perguntara:

— E você? Tem algum plano para este Reveillon?

—Não exatamente, mas Don Carter me convidou para ir à festa do Ano-Novo com ele no Iate Clube.

—No Iate Clube?— Janet revirou os olhos.— Isto é o que eu chamo frequentar as altas rodas.

Val deu de ombros.— É. Muita gente pensa assim. E, de fato, é um lugar muito elegante.

— E como vai seu caso com Don? Ele parece uma boa pessoa. Além de ser de família rica, também é muito atraente.

— Ele é um bom rapaz, mas nós somos apenas bons amigos. É difícil levar Don a sério, está sempre brincando, porquetudo é muito fácil na vida dele.

— Parece que você não o vê como um futuro marido.

—Marido? Don? Você está completamente enganada. Quando muito, ele é uma companhia para certos lugares; e isto,

quando está sóbrio.

Na véspera do Ano-Novo uma chuva fina e fria castigou a cidade, tirando muito de seu ar festivo.

Mas, conforme o combinado, Don apanhou Val em casa e levou-a para o Iate Clube. Enquanto Don estacionava o carro,Val aguardou-o à porta do clube, parada nos degraus da frente, tiritando de frio, mesmo sob o pesado casaco de pele. Umamúsica animada e o som de risos vinham do interior do salão, mostrando que a festa já havia começado.

Horas antes, Val tivera um momento de dúvida e desejara desistir das comemorações de fim de ano. Don não tinha

muitos problemas em arranjar outra companhia.Porém, ao se imaginar sozinha em seu apartamento, vendo a alegria das pessoas pela televisão, preferiu enfrentar as

investidas de Don e qualquer outro inconveniente que lhe aparecesse.

Escolhera um vestido dourado, ajustado ao corpo, que realçava com graça e elegância seu porte esguio. O decotedeixava-lhe os ombros descobertos, valorizando-lhe a pele acetinada do colo, e pusera uma delicada gargantilha depérolas como única jóia.

 Ao se contemplar no espelho, ficou satisfeita e de espírito mais de acordo com as festividades.

Finalmente, Val avistou Don correndo em sua direção com a gola do paletó virada para proteger-se da chuva.

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g p p p g

—Que tempo horrível! Gostaria de estar na Flórida neste momento— ele disse, passando o braço em torno de Val.— Vamos entrar, querida.

Na recepção, entregaram seus pesados agasalhos ao guarda-volume e dirigiram-se ao salão principal.

Com exceção da decoração e do local, tudo mais era idêntico à outra festa que comparecera com Don. Os mesmos

rostos, os mesmos grupos de pessoas sofisticadas, as mesmas risadas. Até a orquestra tocava a mesma música da moda.Don conduziu-a a uma mesa junto à pista de dança e, após sentar-se, Val respirou aliviada ao ver que Diana e Michael

não faziam parte do grupo.

Val cumprimentou os outros convidados com seu mais brilhante sorriso e achou que, com um pouco de sorte, os doisnem apareceriam naquela festa.

Então Val decidiu que iria divertir-se naquela noite de qualquer maneira.

Fazia horas que dançava e andava pelo salão e ainda não soara a meia-noite. Contudo, Val já estava cansada de fingirestar se divertindo muito. Os músculos de seu rosto doíam de tanto sorrir sem vontade para aquela multidão dedesconhecidos. E também já perdia a paciência com a infantilidade e exibicionismo de Don.

Se Val tivesse adivinhado que ele iria se comportar de modo tão inconveniente, teria pensado duas vezes antes deaceitar seu convite.

Don ficava a maior parte do tempo indo de mesa em mesa, bajulando todas as pessoas importantes que via. Nas rarasocasiões em que se sentava ao seu lado era para se servir de uma nova generosa dose de uísque.

Finalmente começou a contagem regressiva para a meia-noite, e o relógio deu as doze badaladas anunciando oalvorecer de um novo ano.

No meio da algazarra festiva, salpicada de confete e envolta em serpentina, Val beijou e abraçou um número sem contade pessoas que nunca vira antes e decidiu que assim que os cumprimentos terminassem iria embora. Com ou sem Don.

 Esmagada nos braços de Don, na aglomerada pista de dança, Val expressou seu desejo de se retirar, da maneira o mais

delicada possível e ainda ostentando seu sorriso fixo e cordial.

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— Ora, vamos, querida. A noite apenas começou. Não seja um desmancha-prazeres— ele disse em voz um pouco altademais, mesmo para o barulho do ambiente, porque já estava embriagado.

— Desculpe, Don, mas estou mesmo cansada. Olhe, eu posso voltar sozinha para casa. Chamo um táxi. Você nãoprecisa me levar nem perder nada da festa.

Não quero nem ouvir falar nisso. Eu te trouxe, eu te levo de volta—

ele protestou, enrolando a língua.Val temia que ele já tivesse bebido demais e preferia realmente sair sozinha. Apesar de não morar muito longe e de nãohaver necessidade de trafegar por rodovias perigosas, ainda assim Val não se sentiria segura com Don ao volante.

Val ainda fez uma última tentativa de demovê-lo da idéia de levá-la para casa, mas ele foi tão insistente que, por fim,para evitar uma cena, ela cedeu.

Fora ainda chovia e as estradas úmidas brilhavam sob as luzes da cidade. Don ia com cuidado, bem devagar, apesar debêbado.

Ao chegarem ao último cruzamento antes do prédio de Val, Don parou e aguardou no semáforo. Quando a luz verdeacendeu ele cruzou a avenida; mas nisso outro carro desgovernado avançou sobre eles a toda velocidade.

A última coisa que Val percebeu foi a luz ofuscante do outro carro, um súbito impacto e total escuridão.

Val precisou travar uma verdadeira batalha para voltar à consciência e abrir os olhos. Porém a claridade cegou-a e elafechou-os imediatamente. Uma dor lancinante parecia dividir-lhe a cabeça em duas partes. Procurou prestar atenção nossons que a cercavam mas a primeira sensação foi de completa desorientação. Não fazia a menor idéia de onde seencontrava, e por que fora parar ali.

A única coisa real era a dor de cabeça que sentia. Devagar abriu um olho e então ouviu uma voz de muito distantechamar seu nome.

—Val? Você está acordada?

Ela ia acenar com a cabeça, mas o movimento provocou-lhe tamanha dor que cerrou os olhos outra vez e desejou voltarà inconsciência.

 Onde quer que ela estivesse e como fora parar lá, não importava. Pensar era um esforço grande demais. Que a

deixassem em paz!

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Então, sentiu uma leve picada de injeção no braço e segundos depois mergulhava num abençoado sono profundo.

Quando voltou a si pela segunda vez, a dor já não era tão forte, e, ao abrir os olhos, Val foi então capaz de suportarmelhor a claridade.

Vagarosamente, percorreu os olhos pelo ambiente. Era um quarto pequeno e tudo nele, branco. Havia um leve cheiro

de medicamentos no ar. Podia também distinguir vozes e passos abafados do lado de fora.Val lembrou-se então de modo muito vago que estivera num carro à noite, numa estrada escorregadia e de outro carrovindo em sua direção como um meteoro. Devia ter sofrido um acidente e encontrava-se agora num hospital. Sim, devia serisso.

Outra vez fechou os olhos, tentando relembrar mais detalhes do acidente, mas sua única certeza era de que não fora omotorista.

Teria se ferido muito? Seria grave?

Com muito cuidado, mexeu os dedos dos pés e das mãos, depois flexionou os músculos das pernas e dos braços.Apesar de sentir-se toda dolorida, seus membros pareciam em perfeita ordem, obedecendo seus comandos.

Aliviada, ela adormeceu novamente. Quando acordou, ouviu o barulho inconfundível de chuva na vidraça da janela. Valsorriu para si mesma, pois aquele som deu-lhe a certeza de que se achava em Seattle.

Então, abriu os olhos para tentar descobrir que lugar era aquele, e a primeira coisa que viu foi um vulto indistinto aospés da cama. Val lutou para localizá-lo melhor e aos poucos conseguiu distinguir um homem de branco. Tratava-se de ummédico, sem dúvida, e parecia muito concentrado na prancheta em suas mãos e que obviamente mostrava anotações sobreseu estado.

À medida que seus olhos se habituavam à claridade, Val o reconheceu: era Michael.Um profundo alívio e uma grande alegria a invadiu. Ele tomaria conta dela. Val procurou levantar-se um pouco e

chamá-lo, mas qualquer movimento causava uma nova onda de dor. Tudo que conseguiu foi gemer baixinho.

No mesmo instante Michael ergueu a cabeça e veio para perto da cama; inclinando-se sobre ela, pegou-lhe o pulso,sentindo-o por alguns segundos. Depois, inclinando-se ainda mais, ele perguntou em voz baixa:

 —Val? Val? Pode me ouvir?

Ela o olhou e procurou sorrir.

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—Michael, é você? Sim, estou ouvindo.

— Lembra o que aconteceu? Sabe onde está?

—Mais ou menos. Sei que sofri um acidente de carro, mas não era eu quem dirigia. Não consigo lembrar mais nada.

— Com o tempo você vai lembrar. Por enquanto tudo que precisa saber é que está no hospital da universidade. Você

bateu a cabeça e ficou com algumas contusões, mas nada grave.Ele falava de modo pausado e profissional e com muita clareza para que ela entendesse bem.

— Eu feri a cabeça?— perguntou.

De repente, assustada, ela segurou a mão dele e, quando ele apertou a sua, uma sensação de conforto e segurançapairou sobre Val, e ela perdeu o medo.

— Sim, mas não é nada grave. Você recuperou a consciência em menos de vinte e quatro horas, e isso é bom. Significaque vai se recuperar logo e sem sequelas. Mesmo assim sei que tem dores de cabeça. Mas é normal. Não se preocupe.

Ainda está doendo muito?—Não. Agora melhorou. Já consigo abrir os olhos, sem gemer.

— Quer que lhe dê mais algum remédio para dor? Mas, na verdade, quanto menos sedada estiver, com mais facilidadese recuperará.

—Não precisa, Michael. Posso suportar.

— Isso passa gradualmente. Em poucos dias estará nova em folha.

Val voltou a ficar sonolenta, mas no íntimo sentia que alguma coisa entre eles precisava ser resolvida. E era premente

que resolvesse aquilo antes de dormir outra vez. Ainda havia uns pontos brancos em sua memória, mas mesmo sabendoque amava aquele homem e que ele também a amava, precisava esclarecer certas dúvidas.

Os intensos olhos azuis estavam próximos dela, e ela os via muito bem, apesar da sensação nebulosa em que seencontrava. Com um fraco sorriso, perguntou.

—Michael, tudo está bem mesmo, não está?

 — Claro que sim, Val. Prometo que estará boa em um ou dois dias. — Ele retirou a mão que ela ainda segurava. — 

Agora preciso ir e você precisa descansar.

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Alarmada por vê-lo ir embora, Val reteve a mão dele com mais força ainda e levantou os olhos para ele, em pânico.

—Não. Não é da minha saúde que estou falando. Estava falando sobre nós. Não há nada errado entre nós, há, querido?Você sabe o quanto te amo.

Os olhos de Michael estreitaram-se numa expressão incrédula e ele levantou-se rápido.

—Val!—

exclamou entre surpreso e preocupado.— Por favor— ela suplicou—, segure-me nos braços ao menos por um instante.

Após um segundo de hesitação, Michael sorriu, inclinou-se sobre ela outra vez e tomou-a nos braços, como se fosseuma criança.

Val sentiu a leve aspereza da barba dele contra seu rosto, o odor masculino, uma suave mistura de cigarro, colônia eéter, e então fechou os olhos, com uma perfeita sensação de paz e começou a adormecer.

—Durma, durma. Volto mais tarde e então poderemos conversar— ele sussurrou, alisando-lhe os cabelos e a testa.

Em sua sonolência, Val sorriu e percebeu que ele se retirava.Mas mesmo depois que ele partiu, Val continuou semi-acordada, usufruindo o maravilhoso bem-estar que a presença

de Michael lhe trouxera. Michael! Como ele lhe transmitia confiança! Ela o amava muito e estava feliz porque ele tambéma amava. O modo como ele segurara sua mão, a ternura contida em seu olhar, o beijo, tudo confirmava agora que ele aamava.

Mas, de repente, uma lembrança fez Val estremecer. Ela abriu os olhos e acordou por completo. Havia alguma coisaerrada que não compreendia bem; devido a seu estado físico esquecera-se de muitas coisas. Porém, lembrava-se de queMichael parecera muito surpreso, quase chocado mesmo, como se tivesse dito um absurdo ao declarar seu amor. Ele

parecera desagradavelmente surpreendido. Aquela lembrança era algo doloroso que queria esquecer.Mas tinha de saber!

Val apelou para a memória com desespero, mas tudo que conseguiu foi uma visão dos dois juntos como amantes.Mesmo com a mente obscurecida pelo choque e pelos remédios sabia que conhecia o corpo de Michael nos mínimos

 detalhes e compreendia seus sentimentos mais profundos. Satisfeita, fechou os olhos confiante de que ele voltaria e queseriam felizes.

l l h h l l b d d

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No seu sono tranquilo, Val sonhava com Michael. Ele a beijava e acariciava com paixão quando sons externos demovimento no quarto a acordaram.

Alguém chamava seu nome.

Enquanto lutava para recuperar total consciência, Val lembrou-se do sonho e ficou chocada. Por que tivera um sonho

erótico com Michael? Uma pessoa que ela riscara de sua vida? Seu subconsciente pregara-lhe uma peça e seria engraçadose não fosse tão perturbador.

Abrindo os olhos por completo, Val afastou o sonho como uma fantasia sem sentido, induzida pelos remédios quetomara. A memória voltou imediatamente e lembrou-se de que estava no hospital e de que sofrera um acidente. A cabeçaainda doía, mas sentia-se muito melhor e mais forte.

Havia um cheiro de café fresco e pão quentinho no ar, e Val percebeu que sentia muita fome. Piscando várias vezes,conseguiu adaptar-se à claridade e divisou uma mulher baixa e forte, de cabelos grisalhos, vestida com um uniformebranco, provavelmente a enfermeira, ao lado do leito. Na lapela da blusa da enfermeira havia um crachá onde se lia: irmã

 Jacobs.O cumprimento devia ser uma mera formalidade, pois antes que Val pudesse responder, a irmã Jacobs colocou-lhe o

termômetro dentro da boca, impedindo-a de falar; em seguida, tomando-lhe o pulso começou a contar as batidas.

Após alguns minutos, irmã Jacobs conferiu a temperatura de Val.

— Todos os sinais estão normais, minha filha. Sua recuperação está excelente. Vou ajudá-la a ir ao banheiro e depoispodemos tomar nosso café. Está com fome?

— Sim. Estou morta de fome—Val sorriu.

—Bom sinal. E a cabeça? Está melhor?

—Muito melhor, obrigada.

— Então, tudo bem. Pode lavar o rosto, escovar os dentes, e pôr esta camisola limpinha. Mas não tome banho ainda.Espere por mim; logo mais, volto para ajudá-la.

 Após a toalete, Val, sentindo-se ainda melhor ao sentar-se na cama com lençóis limpos, recebeu da irmã Jacobs uma

bandeja com o café da manhã.

T l d d d T f l l N

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— Talvez não esteja acostumada a este tipo de desjejum, mas é muito nutritivo. Tome seu café que eu volto logo. Nãosaia da cama.

—Não se preocupe, irmã. Não pretendo me arriscar e andar sozinha por aí.

Da porta, irmã Jacobs voltou-se e disse:

—Parece que o dr. Prescott tem cuidado muito de você. Eu me informei e soube que ele não é seu parente. Não sei porque um cardiologista tem tanto interesse no seu caso. Esses médicos!— ela exclamou e saiu do quarto.

O comentário imobilizou Val, e ela ficou segurando o copo de suco de laranja com a mão parada no ar.

No entanto, aos poucos sua memória ficou mais nítida. Sim, lembrava-se de Michael. Ele estivera ali. Visitara-a nohospital. E ela realmente estivera nos braços dele.

De repente, uma lembrança mais forte a assaltou.

— Oh, não!— ela murmurou, horrorizada. — Eu o chamei de querido? Mas será possível? E ainda implorei para ele

não me deixar? Disse que o amava? Meu Deus! E ainda por cima achei que ele me amava. Mas por que fiz tal coisa? Por queagi assim? O que deu em mim?

Um frio percorreu-a de alto a baixo.

E o pior ainda estava por vir: como iria encarar Michael de agora em diante? Era humilhante demais!

Aquele homem a decepcionara: primeiro a seduzira, depois a rejeitara. Quando imaginava que ele não representavamais nada em sua vida, seu inconsciente a traíra, fazendo-a implorar a atenção dele, como se não tivesse nenhum brio.

Vagamente esperançosa, Val pensou que talvez ele já não voltasse ao seu quarto e a poupasse de uma vergonha maior.O rosto de Val ardia de embaraço. Michael devia sentir-se constrangido também. Porém, para ele era mais fácil, pois, comomédico, já devia estar acostumado a ouvir confissões estapafúrdias de pessoas delirantes.

Tudo que podia fazer era rezar para não encontrá-lo ou para sair do hospital antes que ele voltasse.

Mas se ele viesse ao seu quarto outra vez, Val decidiu que fingiria não lembrar de nada. Não lhe daria aquele gosto.

 Após o café, Val cochilou a maior parte da manhã. O médico de plantão veio para um exame de rotina e garantiu que

ela progredia muito bem. Porém, quando Val perguntou quando teria alta, ele hesitou:

D fi h i l l i d i di l di U i i

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—Deve ficar no hospital pelo menos mais um ou dois dias— ele disse.—Uma contusão como esta precisa no mínimode três dias de observação.

—Mas estou me sentindo muito bem— ela protestou.

Ele sacudiu a cabeça, inflexível.

—Eu sei. Mas não posso permitir que saia já.

Suas palavras soaram como definitivas e, para evitar que ela insistisse, ele deixou o quarto.

Irmã Jacobs voltou um pouco antes do almoço para ajudar Val a tomar banho e lavar a cabeça.

Foi somente quando a enfermeira já estava se retirando que Val se lembrou de Don.

— Irmã Jacobs, como está Don Carter, o homem que dirigia o carro que se acidentou?

— Oh! Não se preocupe com ele. Está ótimo. Só sofreu uns cortes sem gravidade. Aliás, ele está pressionando todomundo para poder visitar você.

—Ah! Então é bom que ele não tenha vindo. No momento não tenho muita vontade de receber visitas

—Val disse

baixinho, sentindo que realmente ainda não estava pronta para ouvir as desculpas e lamentações de Don,

Num tom de censura, irmã Jacobs falou:

— Acho que você sabe que seu amigo encontrava-se bastante embriagado e não devia ter dirigido um veículo. E, noentanto, ele sofreu menos que você. É uma injustiça. Descanse, agora, minha filha.. Volto mais tarde.

E, dizendo isso, ela saiu do quarto, deixando Val pensativa, recordando o que acontecera antes do acidente. Após osacalorados cumprimentos da meia-noite, ela insistira tanto em deixar a festa que de certa forma sentia-se culpada.

Lembrava que tinha querido sair sozinha, mas que Don fizera questão de levá-la em casa.O irônico da situação era que, por mais bêbado que ele estivesse, dirigira devagar e com cuidado.

O almoço foi mais saboroso que o café da manhã e à tarde, sentindo-se cada vez melhor, Val tornou-se inquieta.

Precisava telefonar para Janet e se informar sobre os negócios da loja. Ela notou que o telefone estava desligado esorrateiramente saiu da cama. Uma leve tontura deteve-a por um instante, mas em seguida passou. E ela ligou o aparelhona tomada. Após a ligação, ouviu a voz de Janet.

 — Butique Seattle. Em que posso servi-la?

— Janet? É Val. Como vai tudo aí?

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— Val? É você? Eu e a loja estamos bem. Meu Deus, como estou feliz de te ouvir. Quando soube do acidente, quis ir até o hospital, mas medisseram que você não podia receber visitas. Fiquei muito assustada. Como você está?— Em recuperação! Mas não foi nada sério. Verdade, apenas precisei ficar em observação porque bati a cabeça. Devo

sair em poucos dias e volto logo a trabalhar. Quero estar aí antes da nossa liquidação. Mas diga, como soube que eu estava

no hospital?— Seu amigo Don Carter telefonou.

—Oh! Sim? Foi gentileza da parte dele.

— Gentileza? Ele é o responsável por você estar aí. Você tinha razão, ele não é bom para você.

— Ah! Não foi culpa dele e eu estou bem. Tem certeza de que pode dar conta da loja sozinha? Talvez precise de umaajudante temporária..

— Oh, não! A outra mais atrapalhou do que ajudou. Não se preocupe. Eu dou conta. Estou remarcando as mercadorias. Escute, quando

tiver alta me avise que vou apanhá-la no hospital. Na hora do almoço posso dar uma fugida.—Obrigada, Janet. Seria muito bom.

Por alguns minutos, elas ainda discutiram detalhes da liquidação, mas quando Val desligou sentiu-se subitamentedeprimida. Era muito triste que, aos vinte e oito anos, a única pessoa que pensasse nela e se oferecesse para apanhá-la nohospital fosse Janet. Não tinha mais ninguém no mundo e aquilo dava-lhe vontade de chorar.

Durante o dia, apesar das precauções e resoluções de Val, os pensamentos dela voltaram-se para Michael. Ainda sentia-se envergonhada ao lembrar o modo como se expusera a ele. Por sorte, ele não voltara para vê-la. No entanto, toda vez que

a porta se abria seu coração batia mais rápido, entre a expectativa e o temor de que fosse ele. Val tinha de reconhecer queele mostrava tato, mantendo-se afastado.

Naquele momento Val escutou uma batida na porta e a cabeça loira de Don apareceu, espiando dentro do quarto.

Val quase riu da expressão assustada no rosto dele.

— Posso entrar?— ele perguntou, num cochicho.

 Aquela interrupção fez bem a Val, pois a sensação de abandono e autocomiseração passou, e ela sentiu vontade de

brincar à custa de Don. Ergueu as mãos e levou-as à cabeça, gemendo fortemente e balbuciando coisas desconexas.

P i t t l D f f i t i d tã i b i ã

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Por um instante, ela pensou que Don fosse fugir aterrorizado e então riu e baixou as mãos.

— Entre, Don. É brincadeira. Só quis te dar um susto. Estou ótima.

Don entrou na ponta dos pés e parou ao lado da cama, olhando-a desolado.

—Você está bem mesmo?

—Claro. Sente-se. Fiquei contente de saber que você não sofreu muito com nossa pequena aventura.

— Meu Deus, Val. Sinto tanto o que aconteceu... Acho que bebi demais. Foi estupidez minha ter dirigido e quaseenlouqueci de preocupação por sua causa.

Val sorriu.

— Você bebeu demais, sim, mas pode parar de se preocupar. Estou me recuperando rápido e devo ter alta em um diaou dois.

—Que alívio! Jamais me perdoaria se você tivesse se ferido gravemente.

Naquele instante, irmã Jacobs entrou no quarto com suas pesadas passadas, trazendo nos braços um grande ramalhetede rosas vermelhas. Ao ver Don, ela franziu a testa e, sem dizer nada, começou a arrumar as flores num vaso.

—Que lindas rosas! Foi você quem mandou, Don?—Val perguntou, desejando ansiosa que a resposta fosse negativa.

— Foi. Já que não posso fazer nada por você... Espero que enfeite seu quarto—Don respondeu, para decepção de Val.

— O senhor deve sair agora, sr. Carter — a irmã interrompeu, depois de arranjar as rosas. — O doutor Costelo estáchegando para examinar a srta. Cochran.

Don levantou-se às pressas, acenou um adeus para Val e foi embora como se tivesse cometido uma travessura.

Tarde da noite, deitada sozinha, apenas com a luz de segurança por companhia, Val prestava atenção nos ruídos docorredor e novamente uma onda de depressão a invadiu e a entristeceu.

 Por mais que tentasse pensar em coisas diferentes, todas as imagens que vinham a sua mente, de algum modo,

envolviam Michael.

Fi l t t d d iti d ã lt t á l d i d l d l ã d

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Finalmente, teve de admitir que apesar de não querer voltar a encontrá-lo depois de sua louca declaração de amor,sentia-se muito, muito desapontada por ele não ter vindo vê-la como prometera.

Sabia que era melhor assim, mas era triste.

Michael tinha a vida dele e seguiria seu caminho com Diana, e ela, o seu. Sozinha.

Antes de conhecer Michael, Val não sentia o peso da solidão, mas depois dele, de sua sedução, de seu carinho, seriadifícil prosseguir solitária. Mas sobreviveria.

E, com essa resolução, Val virou-se para o lado disposta a dormir. Foi então que a porta se abriu e pela meia-luz doquarto ela reconheceu Michael.

C C C  a  a  a  p  p  p í í í t t t u u u l l l o o o 1110 0 0  

— V V V al? Está acordada?—Michael perguntou baixinho.

Ela podia fingir que dormia, mas decidiu enfrentar a situação por mais que a vergonha a atormentasse. Mais cedo oumais tarde teria de encontrá-lo mesmo, pois então que fosse logo.

Levantando-se um pouco e puxando o travesseiro para escorar as costas, ela respondeu:

— Sim, estou acordada.

Michael entrou, deixando a porta aberta para iluminar mais o quarto.Val sentia-se toda enrijecida, mãos e pés gelados. A presença dele sempre a abalava e agora que estava tão vulnerávelera pior. Pedia a Deus para ele não se referir às loucuras que ela dissera na noite anterior.

Ela fizera papel de idiota, e ele seria um cavalheiro se não a lembrasse disso.

 Michael não usava o uniforme médico; estava de terno e gravata e vestido assim parecia menos profissional. Ele se

aproximara do leito, mas como estava de costas para a luz, Val não podia ver sua expressão. Quando ele falou, seu tom eranatural

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natural.

—Queria ter vindo mais cedo, mas fiquei preso em reuniões o dia todo. Como está se sentindo?

— Bem melhor, obrigada.

— E a dor de cabeça?

—Passou.

Ele sentou-se na cadeira ao lado da cama e inclinou-se para ela, próximo o bastante para ela ver o olhar afetuoso e osorriso terno.

Lágrimas avolumaram-se em seus olhos, e ela mordeu os lábios num esforço para não chorar. Oh! Por que ele tinhavindo?

Michael passou a mão no rosto de Val, numa carícia muito suave e beijou-lhe a face. Depois do toque carinhoso, elaestremeceu e virou o rosto para o lado, para não trair sua emoção. Lentamente, ele retirou a mão e fez-se um profundosilêncio no quarto.

—Val? O que foi?— ele indagou, aflito.

Reunindo todas as forças que lhe sobravam, ela forçou um sorriso e voltou a olhá-lo.

—Não há nada. Apenas uma leve pontada na cabeça. É só.

Novo silêncio.

E Val não conseguia pensar em nada razoável para dizer. Falaria sobre o tempo que era sempre um assunto neutro.

— Ainda está chovendo?— ela perguntou.

Mas, por coincidência, Michael também falou no mesmo momento.—Val, quanto ao que aconteceu...

Ambos se interromperam, e Val achou tão engraçado que quase se entregou a um riso nervoso e histérico. Ele abordarao assunto que estava em aberto naquele momento.

Val deu um risinho baixo.

 — Sabe? Tenho uma vaga lembrança de que disse uma porção de tolices da última vez que você esteve aqui. Quero que

me perdoe, por favor. Estava fora de mim, acho.

Ele ficou calado por um tempo pensativo

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Ele ficou calado por um tempo, pensativo.

— Tolices? O que você quer dizer?

Ah! Talvez ele tivesse esquecido! Uma onda de alívio tranquilizou Val. Sentindo-se mais confiante, ela sorriu e disse:

— Bem, se você não sabe o que é, não vamos mais falar sobre isso.

—É assim?

—ele respondeu, formal.

—E o que me diz sobre as coisas que falou e o modo como agiu?

Ela o olhou, pasma. Michael parecia muito à vontade, mas sua expressão era dura, e os olhos, cheios de fúria.

"Oh, meu Deus! Que faço agora? E por que ele está com raiva? Eu é que tenho tudo a perder."

Val percebeu que só tinha uma saída, já que ele se lembrava de tudo: dizer que fora tudo uma brincadeira. Val fez umgesto com a mão, mostrando descaso.

— Ah! Aquilo? Ora, com toda a sua experiência de médico deveria saber que não se pode levar a sério os delírios deuma paciente.

—Delírios?

—Ele a olhou como se tivesse sido esbofeteado.

—Você afirma que o que me disse não passou de delírio?

— Claro!— Ela riu.— Que mais podia ser? Desculpe. Deve ter sido muito embaraçoso para você. Mal posso acreditarque eu tenha feito todas aquelas coisas. De fato, até pensei que tivesse tido um pesadelo. Por favor, vamos esquecer, sim?

Michael levantou-se de um só ímpeto e ficou a olhá-la fixamente. Cruzou os braços sobre o peito, e ela não teve dúvidade que seu olhar era de desprezo.

— Tudo bem. Que seja como você quer.

Dando-lhe as costas, ele dirigiu-se à porta.

Val ficou olhando-o até as lágrimas turvarem-lhe a visão. O que ele queria dela afinal? Por que ele a torturava daquele jeito? Seria por pura vingança? Ainda não estaria satisfeito?

À porta, ele se deteve um minuto e depois virou-se para trás.

— Saio, deixando um problema para você solucionar. Como médico, sei que no seu inconsciente tudo o que me disseera verdade e expressou os mais sinceros sentimentos, talvez pela primeira vez na vida. E, se achar diferente, está

 mentindo para si mesma. Não se esqueça nunca de que foi sua paranóia, seu medo de confiar que arruinou nossorelacionamento, em primeiro lugar.

De um pulo Val sentou se na cama

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De um pulo, Val sentou-se na cama.

—Não— ela gritou, esquecendo as lágrimas, cheia de indignação.

Como ele ousava acusá-la de ter destruído o relacionamento deles? Ela ergueu um dedo e apontou-o acusadoramentepara ele.

—O que arruinou tudo entre nós foi sua arrogância, seu desejo de vingança por causa de David.

Michael voltou para dentro do quarto, de pé entre a porta e a cama, másculo e orgulhoso.

— Já expliquei tudo isso. Eu errei e admiti meu erro. Sim, quis ferir você da forma que pensei que tivesse ferido David.Mas que diabo! Acabei me apaixonando por você.

Val ficou boquiaberta, em choque. Seria uma outra alucinação? Com certeza ouvira mal. Sua cabeça girava e elaprecisava fazer um grande esforço para acompanhar o que estava dizendo.

— É por causa desse playboy Don Carter, não é? Eu o vi saindo daqui hoje. Meu Deus, pensei que você tivesse umgosto um pouco melhor.

Recobrando um pouco do seu espírito, Val retrucou:

— Um gosto como o seu, quem sabe? Que gosta de uma Diana Worth? Acho que você a considera um modelo devirtudes femininas, não?

—Não adianta querer usar a lógica com você— ele disse, irritado.— Continue aumentando a muralha entre você e avida e fique nesse mundinho tão medíocre.

Se Val tivesse alguma coisa para atirar nele, teria atirado. No entanto, só podia ficar lá, impotente, trêmula de raiva,incapaz de encontrar uma coisa para dizer que o ferisse tanto quanto ele a ferira.

No minuto seguinte, ele já se fora do quarto e da sua vida. Podia ouvir seus passos decididos ecoarem no corredor.

Por um tempo Val sentiu-se tentada a levantar-se e ir atrás dele, mas para dizer o quê? Então, voltou a deitar-se,fixando o teto com olhar vazio, remoendo sua revolta. Subitamente, uma frase que ele dissera voltou-lhe à mente e pouco apouco sua raiva diminuiu.

 Teria ele dito mesmo que a amava? Era difícil de acreditar, mas de qualquer maneira não importava mais. Ele dissera

palavras tão desejadas, sim, mas usara o verbo no passado.

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Dois dias mais tarde, Val aguardava que Janet a apanhasse no hospital. De pé, encostada à janela, totalmente vestida,contemplava a grama bem cuidada que cintilava sob o tênue sol de janeiro.

 Janet trouxera suas roupas e artigos de toalete na véspera, e ela estava pronta para ir embora. Val olhou o relógio,

impaciente. Janet deveria chegar dentro de uma hora e dava-lhe bastante tempo para pagar a conta do hospital e ainda verquanto o seguro cobriria.

Val não vira mais Michael desde aquela horrível cena em seu quarto e estava cansada de revirar cada detalhe em suacabeça. Queria esquecer.

Tudo o que desejava no momento era sair do hospital e voltar a trabalhar, voltar a sua vida normal.

Val dirigiu-se para a tesouraria ao longo do corredor. Era delicioso estar decentemente vestida outra vez, sentir-seinteira e saudável. Mas por precaução caminhava perto da parede, porque, após três dias sem andar, não se sentia muitosegura.

Concentrada nos próprios passos, ela esbarrou em alguém. Levantando os olhos, viu Michael a sua frente, bloqueandoo caminho. A expressão dele era impenetrável, mas era óbvio que tinha algo em mente e não a deixaria passar antes defalar.

—Você tem alguém para levá-la em casa?— ele perguntou.

Uma onda de ternura e agradecimento por ele a invadiu.

De algum modo misterioso aquele homem forte e orgulhoso oferecia-se para ajudá-la, talvez violentando seu própriotemperamento. Val tentou pensar rápido. Que devia fazer?

—Não, não tenho

—ela mentiu.

—Ia chamar um táxi.

— Então eu te levo— ele afirmou categórico.

— Está bem. Ainda preciso pagar minha conta na tesouraria, mas creio que será rápido— ela disse, enquanto pensavaque precisava ligar para Janet e cancelar sua vinda.

 Ela percebeu um brilho diferente em seus olhos azuis, uma luz de alegria como se, ao aceitar que ele a levasse para casa,

o tivesse feito muito feliz. Mas, por certo, era novamente uma fantasia sua.

Val não sabia qual era a intenção dele oferecendo-se para ajudá-la mas também nem queria saber Ficava feliz em

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Val não sabia qual era a intenção dele oferecendo-se para ajudá-la, mas também nem queria saber. Ficava feliz empassar o máximo de tempo com ele, ainda que fosse apenas uma carona.

— Já está pronta para sair?— ele perguntou.

— Sim, minha bagagem já está pronta.

—Vou apanhá-la no seu quarto e depois a encontro na tesouraria.

Val viu-o afastar-se e pôs-se a caminhar pelo corredor outra vez, com passos ainda mais inseguros, mas agora por contada emoção.

No trajeto para casa, Michael não falou muito a não ser para pedir orientação sobre o caminho ou para maldizer otrânsito.

Chegando ao seu destino, ele estacionou na esquina e saiu do carro para abrir a porta para Val e ajudá-la com a valise.Segurou-a pelo braço com mão firme e conduziu-a pela trilha de lajotas que levava à entrada do prédio.

O apartamento de Val estava frio e pouco aconchegante, e um cheiro de mofo invadiu-lhe as narinas mal abriu a porta.

Michael colocou a pequena mala no chão e manteve-se de pé perto da porta, olhando-a enquanto ela despia o casaco eem seguida ligava o aquecedor.

Com todas as luzes acesas e o aquecimento funcionando, o apartamento começou a parecer um lar. Havia um turbilhãona cabeça de Val. Não sabia o que levara Michael a oferecer-se para acompanhá-la até sua casa, mas o fato é que estava lá,em carne e osso, na sua sala de estar, e tudo que queria era prolongar aquele momento. Porém não sabia como.

Talvez ele tivesse sido apenas gentil ao oferecer-lhe uma carona. E, caso assim fosse, deveria estar louco para ir embora.

A única maneira de descobrir era arriscada, pois teria de expor seus sentimentos outra vez. Mas correria o risco.Val observou-o por entre os longos cílios de modo disfarçado. Notou que ele não se movera da porta e que a expressão

de seu rosto era grave e atenta, aparentemente esperando um gesto ou palavra que relaxasse a tensão.

Como ele parecia alto, forte e maravilhoso! Seus cabelos estavam despenteados, e Val sentia um grande desejo deaproximar-se e alisá-los para trás e implorar-lhe para ficar com ela.

 Mas a indecisão e o medo paralisavam-na. Não conseguia mover-se ou falar.

Por fim, Michael segurou o trinco da porta e fez um movimento para se retirar. Val pensou que seu coração fosse parar.Não podia deixá-lo partir

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Não podia deixá lo partir.

— Bem, Val, posso fazer alguma coisa por você? Precisa de alguma coisa do supermercado?

—Não. Obrigada.— A voz dela tremia.— Sempre tenho muita coisa em estoque. Congelados, principalmente.

Pela primeira vez, Michael sorriu, descontraído.

—Bem, então talvez possamos preparar alguma coisa para comer. Não sei quanto a você, mas eu estou faminto.

Val não esperava por tal convite. Ele pedira para lanchar com ela de um modo tão natural que os últimos vestígios dereserva e desconfiança que ainda pudesse guardar desvaneceram-se por completo naquele momento.

Val sentia-se inteiramente tomada pela esperança.

E, ali, na frente dele irrompeu num choro convulsivo.

Instintivamente, ele percorreu o espaço que os separava e tomou-a nos braços. Val recostou a cabeça no seu largopeito, molhando a camisa impecável com suas lágrimas.

—Ei!—

ele sussurrou no ouvido dela.—

O que é isto? Vamos, Val, não há nenhum motivo para você chorar. Sei queme comportei mal com você e lamento muito. Mas farei tudo para te compensar, se você deixar. Mas, por favor, nãosuporto ver você chorar.

Quando finalmente Val conseguiu se controlar e parar as lágrimas, ela ergueu o rosto molhado para ele.

—O que você está dizendo, Michael?

Uma pequenina veia batia, veloz na fronte dele, como ela já vira uma vez.

— Estou pedindo que me deixe entrar na sua vida outra vez. Estou dizendo que me importo com você. Eu estou

dizendo que te amo.Ela podia acreditar no que ouvia. Talvez estivesse delirando de novo.

—Mas, Michael, eu pensei...

— Sei o que pensou— ele a interrompeu, com um gesto de mão.— Já admiti que não me comportei bem com você. Evocê? Não pode admitir também que seu medo dos homens contribuiu para aumentar nossas dificuldades?

 — Oh! Sim, admito. Quando lembro o tempo precioso que desperdiçamos, tenho vontade de chorar. Meus medos,

minhas desconfianças eram infantis. Depois de papai e David passei a ter essa reação absurda com todos os homens.Então, quando descobri que você estava apenas me usando... Foi horrível!

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—Mas não foi bem assim, Val — ele interrompeu.— Já expliquei. Foi só no começo. Eu estava furioso e precisava deum bode expiatório. E foi aí que você apareceu. Mas, assim que te conheci melhor, voltei ao meu juízo normal e pudeperceber que criatura justa, carinhosa e adorável você era, sob esta aparência tão bonita e tímida. Também gostei do jeitoindependente como você vive, sozinha no mundo, sem se lastimar. Você me encantou, é isso.

Val suspirou.— Toda minha vida procurei segurança. Considerava-a a coisa mais importante do mundo. Somente quando me vi na

cama do hospital, tendo apenas Janet para me dar uma carona para casa, foi que compreendi quão solitária tinha sido aminha vida, desde que meus pais morreram. Conheço muita gente, claro, mas não tenho amigos de verdade.

Michael apertou-a ainda mais em seus braços.

—Mas agora eu vou mudar isso tudo. Mas tem de confiar em mim. Vamos deixar tudo para trás, está bem? Val, te amomuito e preciso muito de você. Deixe-me cuidar de você.

—É verdade, Michael? Não estou sonhando? Quando saiu do meu quarto na noite passada, pensei que era a última vez

que o veria.

— Tem medo que sejam "delírios de uma paciente", como me disse ontem?

Val enrubesceu.

— Bem...— ela começou.

Ele pôs um dedo sobre seus lábios, fazendo-a calar.

— Não se desculpe. Você sabia que estava mentindo quando disse que sua declaração de amor fora uma alucinação

provocada pelos remédios. Eu devia ter te beijado então e acabado com tudo aquilo, mas meu ego masculino andava tãoabatido com sua frieza que fiquei louco e fiz tudo errado.

— Claro que quando disse que te amava falava a mais profunda verdade. Mas tinha tanta certeza de que você não mequeria que neguei tudo.

Ela o olhou sorrindo e brincou:

 —Você parecia tão envolvido com Diana Worth.

—Diana? Ela não é nada para mim, nem nunca foi. Foi ótimo sair com ela, só porque encontrei você mais depressa.

E como eu podia adivinhar? queixou se Val

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— E como eu podia adivinhar?— queixou-se Val.

— Eu pretendia me aproximar de você devagar. Sabia que estava furiosa comigo quando me deixou no verão, por issonão quis me precipitar. Então, por azar, naquela maldita festa do avô de Diana, quando nos encontramos, você disse quequeria ser minha amiga. Eu não queria ser só seu amigo. Confesso que quase perdi a esperança.

Val recordou a festa em que sofrera tanto.— O que mais eu podia fazer? Você estava tão frio e distante naquela noite. Pensei que me odiasse. Mas você também,

quando procurou por mim na loja, disse que queria ser meu amigo. Como fiquei triste!

— Na ocasião, achei que ser seu amigo ainda era melhor do que nada — disse Michael.— Queria deixar uma portaaberta, fosse qual fosse, para me aproximar de você. E se eu pareci frio naquela festa, lembre-se de que você entrouabraçada com Don Carter, aquele idiota! — Michael calou-se, o maxilar projetado para frente, teimoso. — Quem sabevocê quer me explicar agora o que aquilo significava.

Os olhos de Val arregalaram-se de assombro.

—Don Carter? Nunca houve nada entre ele e eu. Você deve estar brincando.

—Não vamos falar sobre ele. Quero que só pense em mim de agora em diante.

— E o que está pensando fazer?— ela perguntou, com um sorriso malicioso.

—Venha cá. Eu vou te mostrar.

A luz clara do desejo brilhou no azul dos olhos dele. Sua respiração mudou, tornando-se mais rápida e mais forte.

Val colou seu corpo contra os músculos poderosos do peito largo e, de olhos fechados, ergueu o rosto para ser beijada.

Precisava do amor dele tanto quanto uma criança precisa do afeto dos pais. Ele a tornara uma mulher no sentido amploda palavra. E, pela primeira vez na vida, ela conhecera a força das próprias emoções.

A boca de Michael desceu sobre a de Val e ele abraçou-a ainda mais forte. Depois ele afastou-se para olhá-la, e Valcomeçou a acariciar-lhe a boca, a nuca, descendo as mãos pelas costas macias.

— Val, pense bem no que realmente quer. Seus carinhos me deixam louco, mas se você quiser esperar até o casamentoeu posso compreender. Mas não me provoque.—Michael falou ao seu ouvido, causando-lhe um arrepio de prazer.

 — Não, Michael. Não quero esperar. Já esperei demais e sofri muito porque pensei que tinha te perdido. Confio em

você e quero que me ame.

Entre beijos apaixonados, Michael pegou-a no colo e levou-a para a cama, onde pôs-se a despi-la lentamente. Val gemia

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Entre beijos apaixonados, Michael pegou a no colo e levou a para a cama, onde pôs se a despi la lentamente. Val gemiabaixinho ao sentir que ele lhe acariciava os seios com gestos cheios de sensualidade. Enquanto murmurava o nome dele,ela também começou a acariciar aquele corpo másculo, que tremia de excitação sobre o seu.

Acomodando seus corpos numa união plena e perfeita, consumaram o ato de amor, o único que conseguia expressar oque sentiam um pelo outro. Finalmente, saciados adormeceram.

Algum tempo mais tarde, Val acordou com o som da chuva na vidraça do quarto. No primeiro instante de consciência,pensou que estivesse no hospital, mas ao abrir os olhos viu que estava em casa, na sua cama.

Aos poucos, ela compreendeu que havia um homem muito grande ao seu lado, o corpo quase tocando o seu, e alembrança das horas de amor que haviam vivido juntos voltou-lhe à memória.

Ela ergueu-se apoiando-se no cotovelo e contemplou Michael, profundamente adormecido, com o peito bronzeado eatlético descoberto, os ombros quadrados e firmes relaxados.

Maravilhava-se com a beleza máscula dele e não se cansava de olhá-lo, o coração quase explodindo de amor.Val voltou a se aninhar nos braços de Michael enquanto ele balbuciava o nome dela no seu sono.

Val fechou os olhos, feliz.

Estranhos os caminhos da vida! Ele se aproximara dela porque a detestava e queria se vingar. E fora preso pela própriaarmadilha, a armadilha do amor.

E Val aprendera que amar era confiar. E, ao sentir que Michael despertava e buscava seus lábios, achou que valera apena tudo o que sofrerá para chegar ao paraíso.

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