Estética e Política Na Terra Em Transe de Glauber Rocha - Sérgio Farias Filho

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Estética e política na terra em transe de Glauber Rocha Sérgio Farias Filho - Publicado em 04.11.2005 No presente artigo, pretendo analisar o filme Terra em Transe, escrito e dirigido pelo cineasta baiano Glauber Rocha (1939-1981). Ao contrário da maioria das análises já feitas acerca desta obra, tenciono dar maior ênfase à estética do filme que, a meu juízo, ainda não foi suficientemente discutida e analisada. Terra em Transe foi filmado entre os anos de 1966 e 1967 no Brasil, retratando o cenário político da América Latina pré-ditaduras. Para retratar esta conturbação política, o diretor utilizou-se de uma narrativa extremamente complexa, pessoal e inovadora. É impressionante a evolução de Glauber de seu longa-metragem anterior (Deus e o Diabo na Terra do Sol, 1964) para este longa, principalmente em relação à direção: enquanto que a estética de Deus e o Diabo na Terra do Sol é uma fusão do cinema revolucionário de Sergei M. Eisenstein (o filme chega a possuir até uma espécie de tributo à antológica cena da Escadaria de Odessa da obra-prima do diretor, O Encouraçado Potemkin) e do Neo-Realismo Italiano (principalmente dos filmes de Luchino Visconti e Roberto Rossellini), em Terra em Transe há uma nova estética com elementos criados pelo próprio diretor, embora ainda contenha elementos das escolas italianas e soviéticas. Sem dúvida, há um sensível amadurecimento entre essas

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Estética e Política Na Terra Em Transe de Glauber Rocha - Sérgio Farias Filho

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Esttica e poltica na terra em transe de Glauber Rocha Srgio Farias Filho - Publicado em 04.11.2005No presente artigo, pretendo analisar o filme Terra em Transe, escrito e dirigido pelo cineasta baiano Glauber Rocha (1939-1981) !o contr"rio da maioria das an"lises #" feitas acerca desta obra, tenciono dar maior $nfase % est&tica do filme 'ue, a meu #u()o, ainda n*o foi suficientemente discutida e analisadaTerra em Transe foi filmado entre os anos de 19++ e 19+, no -rasil, retratando o cen"rio pol(tico da !m&rica .atina pr&-ditaduras /ara retratar esta conturba0*o pol(tica, o diretor utili)ou-se de uma narrati1a e2tremamente comple2a, pessoal e ino1adora 3 impressionante a e1olu0*o de Glauber de seu longa-metragem anterior (4eus e o 4iabo na Terra do 5ol, 19+6) para este longa, principalmente em rela0*o % dire0*o7 en'uanto 'ue a est&tica de 4eus e o 4iabo na Terra do 5ol & uma fus*o do cinema re1olucion"rio de 5ergei 8 9isenstein (o filme chega a possuir at& uma esp&cie de tributo % antol:gica cena da 9scadaria de ;dessa da obra-prima do diretor, ; 9ncoura0ado /otemisconti e Roberto Rossellini), em Terra em Transe h" uma no1a est&tica com elementos criados pelo pr:prio diretor, embora ainda contenha elementos das escolas italianas e so1i&ticas 5em d?1ida, h" um sens(1el amadurecimento entre essas duas obras! narrati1a de Terra em Transe & o meio pelo 'ual o artista transporta suas id&ias pol(tico-sociais /odemos destacar, como as principais caracter(sticas desta narrati1a re1olucion"ria7@ 4escont(nua7 !ssim como ocorre em ! Gre1e (19AB), tamb&m dirigido por 9isenstein, Terra em Transe primeiro e2pCe o fato para s: depois e2por 'uais as causas desse fato, ou se#a7 o in(cio & o fim do filme ! 'uebra da narrati1a linear & apenas uma das in?meras pro1as 'ue em Terra em Transe, Glauber ainda n*o se des1inculou de sua influ$ncia europ&ia, o 'ue 1iria a ocorrer apenas no final de sua carreira 3 sempre bom ressaltar 'ue a descontinuidade da narrati1a do filme n*o tem a inten0*o de confundir o p?blico ou de fa)er do filme uma grande charada, como infeli)mente acontece com certa fre'D$ncia no cinema atual !o utili)ar-se da 'uebra da narrati1a linear, Glauber t*o somente dese#a for0ar o espectador a refletir sobre o 'ue est" sendo e2posto no filme @ Ea:tica7 3 not:rio 'ue n*o h" um padr*o ou uma l:gica na narrati1a 4essa forma, Glauber Rocha obriga o espectador a pensar acerca de sua obra !o contr"rio do 'ue ocorre com a maioria dos cineastas tradicionais, Glauber n*o consegue, nem tampouco dese#a, controlar a interpreta0*o de sua obra ; 'ue ele realmente dese#a & causar um desconforto no p?blico de maneira tal 'ue este n*o consiga sair do cinema sem refletir acerca do 'ue 1iu na tela Eonse'Dentemente, & imposs(1el ha1er 'ual'uer adestramento ideol:gico, pr"tica e2tremamente comum por parte de 1"rios go1ernos totalit"rios em todo o mundo, bem como por parte de grandes produtoras ou empresas 'ue dese#am adestrar o p?blico, fa)endo com 'ue este aceite uma id&ia sem 'ual'uer discuss*o acerca de sua nature)a Fm e2emplo cl"ssico deste adestramento ideol:gico seria o Realismo 5ocialista perpetrado por 5talin, assimcomo os filmes de a0*o hollGHoodianos da d&cada de oitenta, notoriamente ufanistas@ 4inImica7 4ificilmente 1emos a cImera parada no filme Glauber n*o se cansa de mo1imentar a cImera e, ao mesmo tempo, utili)a-se de uma 'uantidade impressionante de cortes Fm :timo e2emplo da dinImica de sua narrati1a & a cena em 'ue, no Jin(cioK do filme, a cImera filma um grupo de pessoas con1ersando ; 'ue impressiona nesta cena & 'ue em 1e) de dei2ar a cImera est"tica, Glauber filma a con1ersa fa)endo c(rculos cont(nuos e incessantes nos atores, causando um estranhamento no p?blico ;utro :timo e2emplo & a maneira com 'ue o diretor filma um di"logo com atores em mo1imento na pel(cula !o contr"rio da forma con1encional, o cineasta resol1e filma-los fa)endo 1"rios cortes sem para sua se'D$ncia, sendo 'ue estes cortes, muitas 1e)es, le1am acImera para um lugar bem distante de onde esta esta1a antes do corte, dando a dinamicidade 'ue o filme tanto precisaNo 'ue tange o roteiro, o filme & um retrato de toda a !m&rica .atina (n*o apenas o -rasil), ra)*o pela 'ual Glauber resol1eu passar o filme num pa(s fict(cio chamado 9ldorado, decis*o esta e2tremamente 1"lida Easo o filme ti1esse sido passado no -rasil, daria um car"ter nacional % obra, ofuscando o resto do continente ; ponto & 'ue embora e2istam di1ersos pa(ses em toda a !m&rica .atina, os problemas pol(tico-sociais s*o sempre os mesmos, modificando-se apenas sua intensidade;s problemas denunciados no filme s*o o descaso dos pol(ticos com a popula0*o, a pobre)a da maioria em contraste com a ri'ue)a da minoria, a aus$ncia de um sistema de educa0*o e sa?de eficientes, briga de interesses, etc !pesar desses problemas condi)erem com a realidade latino-americana, estes #" foram mostrados 1"rias 1e)es nas mais di1ersas artes ; 'ue torna o roteiro de Terra em Transe absolutamente genial & a clari1id$ncia pol(tica de Glauber Rocha, batendo em problemas nunca antes e2pressos ou dando uma no1a abordagem a estes7@ ! =ndecis*o e Eontradi0*o dos !rtistas latino-americanos7 Lica bastante claro no fato do protagonista, o poeta /aulo 8artins (interpretado magistralmente por Mardel Lilho), trabalhar tanto para o candidato da es'uerda como para o candidato da direita, al&m de 1"rias outras passagens do filme ;bser1e 'ue esta indecis*o ocorria com 1"rios artistas brasileiros 'ue, no momento, n*o nos con1$m citar@ ! 4escren0a na 9s'uerda latino-americana7 Glauber foi prof&tico neste 'uesito, principalmente 'uando o relacionamos com o -rasil atual No filme, o candidato eleito da es'uerda, n*o cumpre as promessas de campanha e n*o perpetra as reformas sociais necess"rias e resol1e renunciar ao cargo assim 'ue recebe as primeiras pressCes pol(tico-econNmicas 3 sempre bom ressaltar 'ue mesmo nos momentos pol(ticos mais contradit:rios de Glauber, ele nunca dei2ou de ser um re1olucion"rio e simpati)ante de ideologias de es'uerdaA importncia de erra em ranse para o cinema brasileiro imensur!"el# sendo este $ilme# a meu "er# o cerne do mo"imento cinematogr!$ico brasileiro conhecido como %inema &o"o. 'ste mo"imento propunha um no"o cinema# sendo $iel ( realidade social denosso pa)s# denunciando toda a pobre*a e misria +ue a maioria da popula,-o "i"e. Pela primeira "e* o ."erdadeiro/ 0rasil in"adia as telasdo cinema.%om o %inema &o"o# o cinema brasileiro se destaca nas mostras internacionais# ganhando "!rios pr1mios pelo mundo a$ora e a admira,-o de cineastas do porte de 2artin Scorsese e 3ean-4uc 5odard. erra em ranse ganhou o pr1mio da %r)tica 6nternacional no Festi"al de %annes# em 1789 e 5lauber "enceu o pr1mio de 2elhor :iretor# tambm no Festi"al de %annes# pelo $ilme ; :rag-o da 2aldade %ontra o Santo 5uerreiro# em 1787.Por $im# algumas $rases do cineasta baiano acerca de erra em ranse< .; cinema prolonga a morte. 'stas imagens estar-o eternas. Alm da morte./.=uando um intelectual "em me di*er +ue n-o gostou de erra em ranse por+ue n-o entendeu# d! "ontade de perguntar a ele se poesiaou m>sica ele entende tudo como entende uma reportagem# isto # no sentido e?plicati"o# @b"io# ululantrrimoA/.Boberto Bosselini di*ia +ue mais $!cil $otogra$ar o mundo do +ue $otogra$ar um rosto. ; cinema# me disse Ale?andre Cluge# de"e ser poli$Dnico. E uma no"a arte e presa ainda ao naturalismoFrealismo do romance. ; romance# os senhores sabem# uma e?press-o do sculoG6G. E# pois# a linguagem da burguesia. ; cinema a linguagem do capitalismo# isto # do sculo GG. %inema# Hornalismo# tele"is-o. ; cinema# por+ue $oi reali*ado at bem pouco tempo por homens com $orma,-o no sculo passado e $ormou e de$ormou o p>blico e a cr)tica.' a maioria dos intelectuais. '# o +ue mais gra"e# a maioria dos cineastas. ; cinema um instrumento de cora,-o do capitalismo. ;u do policialismo. 4iberdade# no cinema# sempre $oi crime. Bimbaud# para lembrar um nome conhecido# +ue ponto pac)$ico na poesia# se aparecesse $a*endo $ilme como escre"ia le"a"a o"o na cara. 6dem %*anne. At mesmo Ian 5ogh. ' estes s-o artistas do sculo passado# nem mais "anguarda s-o considerados. Por +ue o cinema tem de $icar seguindo a narrati"a de 2aupassantJ/Atra"s dessas cita,Kes# podemos compro"ar a posi,-o de 5lauber Bocha +uanto ( interpreta,-o de suas obras e seu deseHo de ino"a,-oesttica.