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ESTATÍSTICAS DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER, NO BRASIL, E SOLUÇÕES DE POLÍTICA CRIMINAL. ____________________ A cada quinze (15) segundos, uma mulher é vítima de violência, no Brasil. Em setenta por cento (70%) dos casos, o agressor é o próprio marido/convivente. Por esta e por outras razões, é baixíssimo o número de mulheres que denunciam o agressor. Embora os índices de denúncias estejam a crescer, deve ser notado que menos de oito por cento (8%) dos municípios brasileiros possuem delegacias de polícia especializadas no atendimento às mulheres. A Constituição Federal de 5.10.1988, dispõe sobre o assunto, nos termos seguintes: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. . . . § 8º – O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.” Infelizmente, é imperioso reconhecer que o Estado brasileiro não tem sido profícuo na criação dos mecanismos de que fala a Lex Mater, no dispositivo supratranscrito. Onde estão as delegacias especializadas no atendimento à mulher? Onde se vêem as casa de abrigo às mulheres vítmas de violência, que contem com serviços especiais, como acompanhemtno psicológico? São poucos e falhos os mecanismos sub oculi, no geral, malgrado o esforço dos servidores que atuam na árdua seara. Mais grave questão e bem menos debatida, é a desproporção entre as penas aplicáveis aos conviventes que agridem suas esposas. Vejamos um exemplo: se o marido dá um soco em sua mulher, sem causar-lhe lesão séria, será (na remota hipótese de ser denunciado pela cônjuge virago e, mais ainda, a de ser condenado, após a persecutio criminis in judicio) condenado às tenazes do art. 129 e seguintes, conforme o texto seguinte: “Lesão corporal

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ESTATÍSTICAS DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER, NO BRASIL, ESOLUÇÕES DE POLÍTICA CRIMINAL.

____________________

A cada quinze (15) segundos, uma mulher é vítima deviolência, no Brasil. Em setenta por cento (70%) dos casos, o agressoré o próprio marido/convivente.

Por esta e por outras razões, é baixíssimo o número de mulheres

que denunciam o agressor. Embora os índices de denúncias estejam a crescer,

deve ser notado que menos de oito por cento (8%) dos municípios brasileirospossuem delegacias de polícia especializadas no atendimento às mulheres.

A Constituição Federal de 5.10.1988, dispõe sobre o assunto,

nos termos seguintes:

“Art. 226. A família, base da sociedade, temespecial proteção do Estado.

. . .

§ 8º – O Estado assegurará a assistência à famíliana pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismospara coibir a violência no âmbito de suas relações.”

Infelizmente, é imperioso reconhecer que o Estado brasileiro

não tem sido profícuo na criação dos mecanismos de que fala a Lex Mater, no

dispositivo supratranscrito. Onde estão as delegacias especializadas no

atendimento à mulher? Onde se vêem as casa de abrigo às mulheres vítmas

de violência, que contem com serviços especiais, como acompanhemtno

psicológico? São poucos e falhos os mecanismos sub oculi, no geral, malgrado

o esforço dos servidores que atuam na árdua seara.

Mais grave questão e bem menos debatida, é a desproporção

entre as penas aplicáveis aos conviventes que agridem suas esposas. Vejamosum exemplo: se o marido dá um soco em sua mulher, sem causar-lhe lesão

séria, será (na remota hipótese de ser denunciado pela cônjuge virago e, mais

ainda, a de ser condenado, após a persecutio criminis in judicio) condenadoàs tenazes do art. 129 e seguintes, conforme o texto seguinte:

“Lesão corporal

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Art. 129 – Ofender a integridade corporal ou asaúde de outrem:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

Lesão corporal de natureza grave

§ 1º – Se resulta:

I – incapacidade para as ocupações habituais, pormais de 30 (trinta) dias;

II – perigo de vida;

III – debilidade permanente de membro, sentido oufunção;

IV – aceleração de parto:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos.

§ 2º – Se resulta:

I – incapacidade permanente para o trabalho;

II – enfermidade incurável;

III – perda ou inutilização de membro, sentido oufunção;

IV – deformidade permanente;

V – aborto:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

Lesão corporal seguida de morte

§ 3º – Se resulta morte e as circunstânciasevidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o riscode produzi-lo:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.

Diminuição de pena

§ 4º – Se o agente comete o crime impelido pormotivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de

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violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima,o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Substituição da pena

§ 5º – O juiz, não sendo graves as lesões, podeainda substituir a pena de detenção pela de multa:

I – se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafoanterior;

II – se as lesões são recíprocas.”

O primeiro aspecto que nos salta à vista, é a dosimetria dapena capitulada para o crimen em análise: “detenção, de 3 (três) meses

a 1 (um) ano”.

Em segundo lugar, vemos exsurgir a principal argumentação

utilizada na defesa dos agressores de suas companheiras: a causa de diminuição

de pena, prevista no § 4º, expressis verbis: “Se o agente comete o crime

impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de

violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz podereduzir a pena de um sexto a um terço.”

Em seguinda, vemos o disposto no parágrafo seguinte, o qual,tratando da substituição da pena privativa de liberdade, declara-a aplicável, em

não sendo graves as lesões, se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafoanterior ou se as lesões são recíprocas.”

Convenhamos que a matéria está mal delineada, se se trata de

punir/reprimir a violência doméstica contra a mulher, vez que o mal por ela

experimentado é muito mais grave, quando nasce no seio de seu lar, nas mãos

daquele a quem confiou sua alma (com licença da figura poética). Não teria,

a sociedade, todo o interesse em punir, com mais severidade, semelhante

violência? A melhor política criminal não estaria concretizada apenas se a

regulamentação das lesões cometidas pelo homem, contra sua mulher, tivesse

contornos diferentes da aplicada em caso de lesões produzidas por estranhos?Cremos que ninguém ousará afirmar o contrário.

Naturalmente, não estamos olvidando o art. 65 do Código

Penal pátrio, que dispõe sobre as circunstâncias agravantes, nos termosseguintes:

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“Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravama pena, quando não constituem ou qualificam o crime: (Redaçãodada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

...

II – ter o agente cometido o crime:

...

e) contra ascendente, descendente, irmão oucônjuge;

f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se derelações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade;

...

h) contra criança, velho, enfermo ou mulher grávida;(Redação dada pela Lei nº 9.318, de 5.12.1996)”

Ocorre que, malgrado o teor desta norma, o quantum de penaa ser aplicado ao infrator, no caso sub examine, não se presta às duas principaisfinalidades da pena, conforme descrito pelo mesmo Codex repressivo, in

expressis verbis:

“Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aosantecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aosmotivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como aocomportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessárioe suficiente para reprovação e prevenção do crime:

I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II – a quantidade de pena aplicável, dentro doslimites previstos;

III – o regime inicial de cumprimento da penaprivativa de liberdade;

IV – a substituição da pena privativa da liberdadeaplicada, por outra espécie de pena, se cabível.”

Conforme dissemos acima, o quantum de pena a ser aplicadoao infrator, no caso sub examine, não se presta às duas principais finalidadesda pena, e não se presta por duas razões: a uma, porque as circunstâncias

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atenunates/agravantes não têm o condão de diminuir/aumentar a pena,respectivamente aquém nem além do seus limites previstos na cabeça do artigo

129; a duas, porque, como demonstramos, a seguir, não serve como eficazfator de prevenção do crime, desestimulando novas práticas. Senão, vejamos.

Vê-se, da leitura do caput do art. 59, supratrancscrito, que apena deve ser proporcional ao delito, “conforme seja necessário e suficiente

para reprovação e prevenção do crime”. Meditemos, ipso facto, se a condutaora analisada encontra resposta penal satisfatória, dentro do atual regime. Aconclusão só pode ser negativa.

Que fazer, então? Que rumo deve tomar, o legislador,para dar melhor solução ao problema? Obviamente, deveria, numprimeiro momento, majorar a pena, criando tipo qualificado para o

delito de lesões corporais, de modo a que o artigo passasse a ter, por

exemplo, a seguinte redação:

“Lesão corporal

Art. 129 – Ofender a integridade corporal ou asaúde de outrem:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

Lesão corporal de natureza grave

§ 1º – Se resulta:

I – incapacidade para as ocupações habituais, pormais de 30 (trinta) dias;

II – perigo de vida;

III – debilidade permanente de membro, sentido oufunção;

IV – aceleração de parto:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos.

§ 2º – Se resulta:

I – incapacidade permanente para o trabalho;

II – enfermidade incurável;

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III – perda ou inutilização de membro, sentido oufunção;

IV – deformidade permanente;

V – aborto:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

Lesão corporal seguida de morte

§ 3º – Se resulta morte e as circunstânciasevidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o riscode produzi-lo:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.

Diminuição de pena

§ 4º – Se o agente comete o crime impelido pormotivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio deviolenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima,o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Substituição da pena

§ 5º – O juiz, não sendo graves as lesões, podeainda substituir a pena de detenção pela de multa:

I – se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafoanterior;

II – se as lesões são recíprocas.”

Aumento de pena

§ 6º – A pena é aumentada de metade até odobro, se o crime é cometido:

I – contra ascendente, descendente, irmão oucônjuge;

II – com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou dehospitalidade;

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III – contra criança, velho, enfermo ou mulhergrávida.”

Naturalmente, em casos como o ora em análise, não seriam

consideradas, como agravantes, as mesmas condições aqui estabelecidas, pois,

do contrário, estar-se-ia dando ensejo à injustiça que atende pela denominaçãoclássica de bis in idem.

Com a redação sugerida, sairíamos dos limites impostospelo critério trifásico, de acordo com o qual — como já explicitamos —as atenunates/agravantes não têm o condão de diminuir/aumentar apena, respectivamente, aquém/além do seus limites previstos na cabeçado artigo 129.

Mas seriam estas as únicas medidas aplicáveis, in casu? Óbvio

que não. As mais sérias e, segundo cremos (com amparo nos melhores estudos

da psique humana e nas estatísticas daí advindas), mais eficazes providências,não são da ordem do aumento de pena, mas abordam a questão por outroângulo.

Ponderando, en passant, sobre a origem do crime, sobre a suagênese, notaremos o consenso, na ciência moderna, de que os crimes (strictu

sensu) são praticados por três razões: a) necessidade; b) desejo; c) ignorância.Em cada caso, em cada crime, estes fatores podem apresentar-se isolados ou

conjugados, mas sempre há um deles, com primazia, a dominar o ânimo do

delinqüente.

Portanto, com a devida vênia cremos que, bem acima deproceder apenas à majoração das penas e dos regimes prisionais, dever-

se-ia cuidar de combater estas causas criminógenas.

Mas, como temos dito, não se deve apenas desejar agravar asituação do condenado ou mesmo dificultar a absolvição do réu, pois não éesta a maneira mais eficaz de prevenir delitos, como bem o já o sabia o mesmo

mestre italiano:

“XLI — COMO SE PREVINEM OS

DELITOS

É melhor prevenir os delitos, que puni-los. Esta

é a finalidade principal de toda boa legislação, que é a arte deconduzir os homens ao máximo de felicidade, ou ao mínimo de

infelicidade possível, para falar segundo todos os cálculos dos

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bens e dos males da vida. Porém os meios empregados até agorasão, na maioria daz vezes, falsos e opostos ao fim proposto. Não

é possível reduzir a turbulenta atividade dos homens a umaordem geométrica, sem irregularidade e confusão. Assim comoas constantes e simplíssimas leis da natureza não impedem que

os planetas não se perturbem em seus movimentos, assim

também nas infinitas e opostas atrações do prazer e da dor, as

perturnações e a desordem dos mesmos não podem ser

impedidas pelas leis humanas. Todavia, esta é a ilusão doshomens limitados, quando têm o poder nas mãos. proibirgrande quantidade de ações indiferentes não é prevenir os

delitos que daí possam nascer, mas é criar novos; é definir, à

vontade, a virtude e o vício, que são predicados eternos e

imutáveis. A que seremos reduzidos, se nos devesse ser proibiotudo o que possa induzir-nos ao delito? Era necessário privar o

homem do uso dos seus sentidos. Para um motivo que impele

os homens a cometer um verdadeiro delito, existem mil delesque os impelem a cometer ações indiferentes, que se chamamdelitos pelas más leis; e se a probabilidade dos delitos éproporcional ao número dos motivos, ampliar a esfera dos

delitos é fazer crescer a probabilidade de cometê-los. A maiorparte das leis é somente de privilégios, isto é, um tributo detodos à comodidade de alguns poucos.

...

Quereis prevenir os delitos? Fazei que asluzes acompanhem a liberdade. Os males, que nascemdos conhecimentos, estão na razão inversa da difusãodeles; e os bens estão na razão direta. Um impostorousado, que sempre é um homem invulgar, é adorado porum povo ignorante e tem as vaias da pessoa esclarecida.Os conhecimentos, facilitando as comparações dosobjetivos e multiplicando-lhes os pontos de vista,contrapõem muitos sentimentos, que se modificamreciprocamente, tanto mais facilmente, quanto seprevêem nos outros os mesmos fins e as mesmasresistências. Em face dos conhecimentos profusamenteesparsos na nação, a ignorância caluniosa cala, e treme aautoridade desarmada de razões, permanecendo imóvel a

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vigorosa força das leis, porque não há homem esclarecidoque não ame os públicos, claros e úteis pactos desegurança pública, comparando o pouco da inútilliberdade por ele sacrificada com a soma de todas asliberdades sacrificadas por outros homens que, sem asleis, poderiam tramar contra ele. Qualquer pessoa quetenha alma sensível, deitando um olhar sobre um códigode leis bem feito, e sabendo ter perdido somente aliberdade nociva de fazer mal a outrem, será obrigado abendizer o trono a quem aí se assenta.

...

Um outro meio de prevenir os delitos é o de fazercom que a assembléia executora das leis, se incline

preferivelmente para a observação destas, que para a corrupção.

(...)

Um outro meio de prevenir os delitos é

recompensar a virtude. A este propósito observo um silênciouniversal nas leis de todas as nações de hoje. (...) A moeda dahonra é sempre inexaurível e frutífera nas mãos do distribuidor

sábio.

Finalmente, o meio mais seguro, porém maisdifícil, de prevenir os delitos é o de aperfeiçoar-se aeducação; objetivo muito vasto e que excede os limitesque me prescrevi; objetivo, ouso também dizê-lo, que dizrespeito muito intrinsicamente à natureza do governo, afim de que não seja sempre, até os mais remotos séculosda felicidade pública, um campo estéril e somentecultivado, aqui e ali, por poucos sábios. Um grandehomem que ilumina a humanidade, pela qual éperseguido, fez ver, minuciosamente, quais sejam asprincipais máximas de educação verdadeiramente úteisaos homens: isto é, consistir menos num acúmulo estérilde objetivos do que na escolha e precisão destes; emsubstituir os orignais pelas cópias nos fenômenos tantomorais quanto físicos, que o acaso ou a astúciaapresentam aos espíritos inexperientes dos jovens; emconduzir à virtude pelo caminho fácil do sentimento, e

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em desviar do mal pela via infalível da necessidade e dadificuldade, e não com a incerteza das ordens com asquais não se obtém senão uma obediência simulada e

momentânea.” {Dei Delliti e delle Pene (marchese di Beccaria,Cesare Bonesana), tradução de Marcílio Teixeira; RJ, 1979,pp. 109, §2º, 110, §1º, 111, § 1º, e 113, §§1º a 3º.}

Na mesma senda, vemos as palavras advindas de um nome quase

nunca apontado, nos meios jurídicos, Hipolité Léon Denizard Rivail (cujamemória o mundo ocidental preservou, sob o agnome Allan Kardec):

“Louváveis esforços indubitavelmente seempregam para fazer que a Humanidade progrida. Os bons

sentimentos são animados, estimulados e honrados mais do que

em qualquer outra época. Entretanto, o egoísmo, verme roedor,

continua a ser a chaga social. É um mal real, que se alastra por

todo o mundo e do qual cada homem é mais ou menos vítima.

Cumpre, pois, combatê-lo, como se combate uma enfermidade

epidêmica. Para isso, deve-se proceder como procedem osmédicos: ir à origem do mal. Procurem-se em todas as partesdo organismo social, da família aos povos, da choupana ao

palácio, todas as causas, todas as influências que, ostensiva ou

ocultamente, excitam, alimentam e desenvolvem o sentimentodo egoísmo. Conhecidas as causas, o remédio se apresentará porsi mesmo. Só restará então destruílas, senão totalmente, de

uma só vez, ao menos parcialmente, e o veneno pouco a pouco

será eliminado. Poderá ser longa a cura, porque numerosas sãoas causas, mas não é impossível. Contudo, ela só se obterá se o

mal for atacado em sua raiz, isto é, pela educação, não por essa

educação que tende a fazer homens instruídos, mas pela que

tende a fazer homens de bem. A educação, convenientementeentendida, constitui a chave do progresso moral. Quando se

conhecer a arte de manejar os caracteres, como se conhece a demanejar as inteligências, conseguir-se-á corrigi-los, do mesmo

modo que se aprumam plantas novas. Essa arte, porém, exige

muito tato, muita experiência e profunda observação. É grave

erro pensar-se que, para exercê-la com proveito, baste oconhecimento da Ciência.

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Quem acompanhar, assim o filho do rico, comoo do pobre, desde o instante do nascimento, e observar todas as

influencias perniciosas que sobre eles atuam, em conseqüênciada fraqueza, da incúria e da ignorância dos que os dirigem,observando igualmente com quanta freqüência falham os meios

empregados para moralizá-los, não poderá espantar-se de

encontrar pelo mundo tantas esquisitices. Faça-se com o moral

o que se faz com a inteligência e ver-se-á que, se há naturezas

refratárias, muito maior do que se julga é o número das queapenas reclamam boa cultura, para produzir bons frutos. (872)O homem deseja ser feliz e natural é o sentimento que dá

origem a esse desejo. Por isso é que trabalha incessantemente

para melhorar a sua posição na Terra, que pesquisa as causas de

seus males, para remediá-los. Quando compreender bem que noegoísmo reside uma dessas causas, a que gera o orgulho, a

ambição, a cupidez, a inveja, o ódio, o ciúme, que a cada

momento o magoam, a que perturba todas as relações sociais,provoca as dissensões, aniquila a confiança, a que o obriga a semanter constantemente na defensiva contra o seu vizinho,enfim a que do amigo faz inimigo, ele compreenderá também

que esse vício é incompatível com a sua felicidade e, podemosmesmo acrescentar, com a sua própria segurança. E quantomais haja sofrido por efeito desse vício, mais sentirá a

necessidade de combatê-lo, como se combatem a peste, os

animais nocivos e todos os outros flagelos. O seu própriointeresse a isso o induzirá. (784) O egoísmo é a fonte de todos

os vícios, como a caridade o é de todas as virtudes. Destruir um

e desenvolver a outra, tal deve ser o alvo de todos os esforços do

homem. se quiser assegurar a sua felicidade neste mundo, tanto

quanto no futuro.”

Ressalta o insigne pensador, a idéia de proporcionalidade entre

penas e delitos (e fá-lo bem antes dos alemães e seu übermassverbot!):

“XXIII — PROPORÇÃO ENTRE OS

DELITOS E AS PENAS.

Não é somente de interesse comum que não se

cometam delitos, mas também que sejam mais rarosrelativamente à proporção de males que causam à sociedade.

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Mais fortes, pois, devem ser os obstáculos que afastam oshomens dos delitos, na medidade em que estes são contrários ao

bem público, e na medida dos impulsos que levam os homensa cometê-los. Deve haver, assim, uma prorpoção entre osdelitos e as penas.

Se o prazer e a dor são os motores dos seres

sensíveis, se entre os motivos que impelem os homens às maissublimes ações foram destinados pelo invisível Legislador oprêmio e a pena, da inexata distribuição destes nascerá aquela

contradição tão menos observada, quanto mais comum é, de

que as penas punam os delitos que elas fizeram nascer. Se uma

pena igual é destinada a dois delitos que ofendamdesigualmente a sociedade, os homens não encontrarão um

obstáculo mais forte que os impeça de cometer o delito maior,

se a este encontrem unida uma vantagem maior. Qualquer

pessoa que vir estabelecida a mesma pena - a de morte porexemplo - para quem mata um faisão e para quem assassina um

homem ou falsifica um escrito importante, não fará nenhumadiferença entre estes delitos, destruindo-se, desta maneira, ossentimentos morais, obra de muitos séculos e de muito sangue,

lentíssimos e difíceis de se produzirem no espírito humano,para cujo o nascimento acreditou-se necessária a ajuda dos mais

sublimes motivos e um aparato de soneles formalidades.” {opuscit., pp. 82, §1º e 83, §1º.}

É de salientar-se, sobretudo, o trecho em que o mestre do Lácio

assevera que “Se uma pena igual é destinada a dois delitos que ofendam

desigualmente a sociedade, os homens não encontrarão um obstáculo mais

forte que os impeça de cometer o delito maior, se a este encontrem unida uma

vantagem maior”. Não é exatamente o que estamos defendendo? Se a

violência causada pelo convivente/marido à sua mulher é apenada apenas umpouco mais gravemente (lembremos o art. 61 e as regras do critério tri-fásico

de fixação da pena) do que aquela causada por um estranho, não estão malsopesados os desvalores da conduta criminosa, numa e noutra pessoa?

Entretanto, como dissemos acima, não pretendemos, aqui,

postular apenas o agravamento das penas, o endurecimento dos regimes

prisionais pois especificamente neste tema, já se sabe que a moderação dasreprimendas é medida assaz salutar (sennão mesmo decisiva) para a repressão

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dos delitos e para a ressocialização do delinqüente. Não é outro oentendimento da melhor doutrina:

“XV — MODERAÇÃO DAS PENAS

Mediante a simples consideração das verdades até

aqui expostas, fica evidente que a finalidade das penas não é

atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer um delito já

cometido. Pode um corpo lítico que, bem longe de agir por

paixão, é o tranqüilo moderador das paixões particularesagasalhar esta crueldade inútil, instrumento do furor e dofanatismo, ou dos débeis tiranos? Porventura o clamor de um

infeliz faz voltarem ao tempo, que não retrocede, ações já

consumadas? O fim, pois, não é outro senão impedir o réu de

causar novos danos a seus concidadãos e de demovê-los depraticar outros iguais. As penas, portanto, e o método de

infligi-las devem ser escolhidos de modo que, guardadas as

proporções, causem a impressão mais eficaz e mais duradouranos homens, e a menos penosa no corpo do réu.

...

À medida que os suplícios se tornam maiscruéis, as mentes humanas que, como os líquidos, estãosempre ao nível dos objetos que os circundam,insensibilizam-se; e a força sempre viva das paixões fazcom que, depois de cem anos de suplícios cruéis, a rodacause tanto horror quanto, no princípio, a prisão. Paraque uma pena obtenha o seu efeito, basta que o mal dapena exceda o bem que nasce do delito; e neste excesso demal deve ser calculada a infalibilidade da pena, e a perdado bem que o delito produziria: tudo mais é, pois,

supérfluo e, por isso, tirânico.

...

Concluo, com esta reflexão: a medida das penas

deve ser relativa ao estado da própria nação. As impressões

devem ser mais fortes e sensíveis nos espíritos endurecidos deum povo, apenas saído do estado selvagem; é necessário um raio

para abater um feroz leão que se esolve ao tiro do fuzil. Mas, à

medida que as almas se enfraquecem em estado de sociedade, a

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sensibilidade aumenta; e, aumentando esta, a força da penadeve diminuir, se se quiser manter constante a relação entre o

objeto e a sensação”. {opus cit., pp. 64, §2º, 65, §3º, 66, §3º,67, §2º.}

“Uma política criminal orientada no sentido deproteger a sociedade terá de restringir a pena privativa de

liberdade aos casos de reconhecida necessidade, como meioeficaz de impedir a ação criminógena cada vez maior do cárcere.Esta filosofia importa obviamente na busca de sanções outras

para delinqüentes sem periculosidade ou crimes menos graves.

(...)

...

(...) A finalidade da individualização (da pena)

está esclarecida na parte final do preceito (art. 59, caput):

importa em optar, dentre as penas cominadas, pela que foraplicável, com a respectiva quantidade, à vista de sua

necessidade e eficácia para ‘reprovação e prevenção do crime’.Nesse conceito se define a Política Criminal preconizada noProjeto, da qual se deverão extrair todas as lógicas

conseqüências. (...)” {CPB, Exposição de Motivos da NovaParte Geral.}

Mas, em tema Por fim, lembramos as lições insculpidas num

dos livros da chamada “Codificação Kardequiana”:

“Não vos cabe dizer de um criminoso: ‘É um

miserável; deve-se expurgar da sua presença a Terra; muitobranda é, para um ser de tal espécie, a morte que lhe infligem.’

Não, não é assim que vos compete falar. Observai o vosso

modelo: Jesus. Que diria ele, se visse junto de si um desses

desgraçados? Lamentá-lo-ia; considerá-lo-ia um doente bem

digno de piedade; estender-lhe-ia a mão. (...) É tanto vossopróximo, como o melhor dos homens; sua alma, transviada erevoltada, foi criada, como a vossa, para se aperfeiçoar; ajudai-o, pois, a sair do lameiro e orai por ele.” {“O Evangelho

Segundo o Espiritismo”, CDROM, FEB, 2000.}

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Concluindo, poderamos caminhar-se na solução do problemaaqui analisado, através dos seguintes passos:

— 1º sejam efetivadas as medidas constitucionalmente

prescritas, para a proteção da família e, ipso facto, da mulher;

— 2º seja criado tipo qualificado, dando novo tratamento ao

delito de lesões corporais praticado contra conviventes/esposas;

— 3º sejam humanizados os presídios e o cumprimento daspenas, dando efetividade aos dispositivos contidos na Lei de Execução Penal.

A tarefa é árdua? Então iniciemo-la o quanto antes...

Sexta-feira, 19 de março de 2004.

José Inácio de Freitas Filho {Advogado – OAB/CE 13.376}________________