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Esquina da Leitura Plural Lendo histórias de VDCA com Sherlock Holmes, o Detetive Sabe Tudo 1 ESQUINA: ângulo formado pelo encontro de duas vias Fonte: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, 1º Edição.

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Esquina da Leitura Plural

Lendo histórias de VDCA com Sherlock Holmes, o Detetive Sabe Tudo

1

ESQUINA: ângulo formado pelo encontro de duas vias

Fonte: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, 1º Edição.

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será mais um Ponto de Encontro entre a Coordenação e você internauta.

você encontrará sempre uma HISTÓRIA / VERDADE de VDCA, ou seja, a notícia de um caso real e a leitura que se fez da mesma.

você verá que a mesma notícia permite várias LEITURAS ou seja LEITURA PLURAL: a nossa e a sua, internauta: por isso o Encontro numa ESQUINA.

você aprenderá a ler uma notícia como se fosse Sherlock Holmes, famoso detetive inventado pelo escritor escocês Arthur Conan Doyle (1859-1930). Será uma leitura tentando descobrir “o segredo sobre VDCA” contido em cada texto. Será uma leitura INDICIARIA porque baseada na busca de INDICADORES, ou seja, de PISTAS sobre VDCA.

Aventure-se com Sherlock.

Lembre-se: toda leitura é sempre singular, criadora de sentidos múltiplos e por isso mesmo uma “Leitura Plural” (Oiaknin, M (1996:193), Biblioterapia, S. Paulo - Edições Loyola.

A Q U I

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HISTÓRIA / VERDADE N.º1

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O Estado de São Paulo

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Lendo a HISTORIA / VERDADE com

Sherlock Holmes

Imagine-se visitando o Museu Sherlock Holmes, na famosa Rua Baker Street, 221B, de Londres. O chapéu pendurado na entrada sugere que o detetive está em casa.

De repente sua atenção é despertada pela notícia sobre uma jovem presa por dez anos pelo pai.

A governanta sugere que você se sente e fique a vontade para ler. E, então, lentamente, você começa a imaginar como Sherlock Holmes leria a mesma notícia. E pensa que até ele poderia fazer duas leituras complementares:

- uma, se estivesse interessado mais na INTERVENÇÃO;

- outra, se estivesse interessado mais na PREVENÇÃO.

E quase sem perceber VOCÊ descobre COMO OS

INDICADORES DO FUNCIONAMENTO e DA PRODUÇÃO DA VDCA vão sendo desvelados a partir, das perguntas e das observações inteligentes do Sherlock leitor.

E percebe que os indicadores de FUNCIONAMENTO da VDCA servem à INTERVENÇÃO assim como os indicadores de PRODUÇÃO servem à PREVENÇÃO.

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LUPA – Manuscrito de Conan Doyle

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A leitura focada na INTERVENÇÃO

O que aconteceu de fato?

Sherlock está representado em cor negra porque a VDCA

já ocorreu.

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A pergunta de Sherlock

Um bom detetive se

reconhece pelas perguntas que faz

O que ocorreu de fato?

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As pistas levantadas por Sherlock

“Não basta ver: é preciso observar”

1 – Baraa Melhem, 20 anos passou toda a adolescência trancada...

2 – em banheiros ou em cubículos de 1m²... 3 – só libertada à noite para limpar a casa... 4 – o pai, 49 anos tinha a custódia da filha... 5 – desde que se divorcia da mãe Mayson, quando Baara tinha 4

anos. 6 – Baraa fugiu da casa aos 10 anos. 7 - de volta à casa, pai fez assinar carta dizendo que não queria

voltar à escola. 8 - desde 10 anos, Baraa foi agredida e mal alimentada pelo pai

e madrasta. 9 - só recebia uma maçã por dia 10 – tinha só um cobertor 11 – pai e madrasta incentivavam-na a matar-se com uma gilete. 12 – só um radio para distrair se. 13 – o pai ameaça violenta-la se fugisse de novo, criando um

clima de TERROR. 14 - a mãe – morando em outra cidade - diz que procurava

notícias, mas o ex-marido inventava desculpas. 15 – os meio-irmãos, com problemas mentais eram presos em

casa e não estudavam 16 – Baraa foi encontrada através de denúncia anônima.

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As conclusões de Sherlock:

“Elementar meu caro Watson!”

A

VDCA negligencial de tipo educacional e físico, sobretudo, além de SUPERVISÃO

PERIGOSA

B

VDCA psicológica, incluindo

INDIFERENÇA – HUMILHAÇÃO – ISOLAMENTO – REJEIÇÃO – TERROR

C

VDCA física

envolvendo punição física e disciplinamento corporal

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os SABERES que fundamentam

o trabalho de Sherlock “Teorias que se ajustam a fatos”

I A VDCA tem uma longa

história no Ocidente

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Na Inglaterra vitoriana, a situação das crianças vítimas de violência foi pouco abordada até o final da década de 1880, quando o reverendo Benjamin Waught, que testemunhara em primeira mão negligência e maus-tratos de crianças quando ministro nos bairros miseráveis do East End, fundou uma sociedade nacional dedicada à causa. Os problemas eram certamente bem conhecidos, pois a criança vitimada é uma figura recorrente na ficção do século XIX, especialmente a de Charles Dickens. O estudioso E.D.H. Johnson observa, acerca dos romances maduros de Dickens, que “a negligência quase universal e os maus-tratos das crianças pelos pais são sistematicamente desenvolvidos como um sinal dos tempos”. Foi o caso pioneiro da jovem Mary Ellen McCormack, em Nova York, que precipitou a formação de sociedades dedicadas ao bem-estar das crianças. Mary Ellen havia sido encontrada amarrada a uma cama em 1874, tendo sido negligenciada e surrada por seus pais adotivos. Ela declararia: “Nunca me permitiram brincar com nenhuma criança ou ter qualquer companhia. Mamãe tinha o costume de me chicotear e bater quase todos os dias.” Na época, os animais eram legalmente protegidos de atos de crueldade, mas as crianças não; assim, a New York Society for the Prevention of Cruelty to Animals teve de se erguer em favor de MaryEllen, defendendo sua causa com sucesso, perante a Suprema Corte dos EUA. Depois da fundação da New York Society for the Prevention of Cruelty to Children, em 1875, muitas organizações semelhantes brotaram na Inglaterra, e a sociedade londrina fundada em 1884 por Waugh tornou-se a England’s National Society for the Prevention of Cruelty to Children (NSPCC) em 1889. A rainha Vitória tornou-se sua Patrona Real. Os inspetores da NSPCC patrulhavam as ruas a pé e de bicicleta à procura e crianças que pudessem estar precisando de ajuda; só em 1889, eles trataram de 3.937 casos de violência contra crianças. Nesse mesmo ano, a primeira Lei de Prevenção da Crueldade contra Crianças da Inglaterra foi aprovada, em grande parte graças aos esforços e à pressão de Waugh e dos que o apoiavam. Fonte: Conan Doyle, Arthur (2005)– As Aventuras de Sherlock Homes – R. Janeiro, Zahar.

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os SABERES que fundamentam o trabalho de

Sherlock “Teorias que se ajustam a fatos”

II A VDCA negligencial: uma

das mais frequentes

Representa uma omissão em termos de prover as necessidades físicas e emocionais de uma criança ou adolescente. Configura-se quando os pais (ou responsáveis) falham em termos de prover as necessidades físicas de saúde, educacional, higiênica de seus filhos e/ou de supervisionar suas atividades de modo a prevenir riscos e quando tal falha não é resultado das condições de vida além do seu controle. A negligência pode se apresentar como moderada ou severa. Nas residências onde os pais negligenciam severamente seus filhos observa-se, de modo geral, que os alimentos nunca são providenciados, não há rotinas na habitação e para as crianças não há roupas limpas, o ambiente físico é muito sujo com lixo espalhado por todos os lados, os filhos são deixados sós por diversos dias, chegando a falecer como consequência dessas condições de vida. A literatura registra entre esses pais um consumo elevado de drogas, de álcool, uma presença significativa de desordens severas de personalidade.

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Pesquisas realizadas na Espanha, vêm evidenciando tratar-se de um fenômeno com alto índice de incidência, como se constata a seguir. Casos de “maus-tratos” detectados para cada tipologia F % “Maus-tratos físico 2579 30.1 Negligência 6774 79.1 Abuso sexual 359 4.2 “Maus tratos emocionais” 3643 42.5 Mendicância 800 9.3 Corrupção 361 4.2 Exploração no trabalho 361 4.2 “Maus tratos pré natais” 431 5.0 TOTAIS Casos: 15.308 Sujeitos: 8.565 Obs.: a. Casos de 1991/1992, denunciados a Serviços de Proteção à Infância em 52 Províncias espanholas. b. Foram mantidas as nomenclaturas originais do texto em espanhol. Fonte: Morago J.J.; Delgado, A.O.; Sage, D.S. (1996; 61) – Maltrato y Proteccion a la Infancia en España. Madrid: Ministerio de Asuntos Sociales. Também no Brasil os dados que vêm sendo pesquisados indicam: 1996 20 municípios brasileiros: Nº de casos notificados: 1192 Violência Física 525

Violência Sexual: 95 Violência Psicológica: 000 Negligência: 572

1997 71 municípios brasileiros: Nº de casos notificados: 2183 Violência Física 1382

Violência Sexual: 366 Violência Psicológica: 53 Negligência: 382

Fonte: Azevedo, M.A. (1996/97) Infância e Violência Doméstica: a ponta do iceberg – S.Paulo: Lacri / IPUSP.

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Por outro lado, a negligência pode ser considerada também um casaco de muitas cores, assumindo várias formas. A leitura especializada já identificou as que se seguem: “Médica (incluindo a dentária): as necessidades de saúde de uma criança não estão sendo preenchidas. Educacional: os pais não providenciam o substrato necessário para a frequência à escola. Higiênica: quando a criança vivencia precárias condições de higiene. Supervisão: a criança é deixada sozinha, sujeita a riscos. Física: não há roupas adequadas para uso, não recebe alimentação suficiente.” Fonte: Azevedo Mª Amélia e Guerra Viviane N. de Azevedo (1998: 183 – 184) – Infância e Violência Fatal em Família: Primeiras Aproximações ao Nível de Brasil, S. Paulo: Iglu.

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os SABERES que fundamentam

o trabalho de Sherlock “Teorias que se ajustam a fatos”

III A VDCA psicológica: uma

das mais perversas

Também designada como tortura psicológica ocorre quando o adulto constantemente deprecia a criança, bloqueia seus esforços de auto-aceitação, causando-lhe grande sofrimento mental. Ameaças de abandono também podem tornar uma criança medrosa e ansiosa, representando formas de sofrimento psicológico.

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“Ao contrário de que ingenuamente se poderia imaginar, a Violência Psicológica Doméstica esteve presente na infância e adolescência de estudantes da USP, a maior Universidade da América Latina. Através de questionário aplicado em quase todas as unidades do campus SP, 1172 calouros /2000 (47,6% de homens e 48,4% de mulheres, com idades entre menos de 17 e mais de 25 anos e correspondendo a 21,1% da respectiva população) revelaram as praticas de educação familiar que vivenciaram, na infância e adolescência. Atos indicativos de Violência Psicológica Doméstica (VPD) foram apontados por 320 sujeitos (27,3% da amostra), na seguinte ordem decrescente de ocorrência: 1º INDIFERENÇA (ignorar, demonstrar que vale menos que os outros) 40,3% 2º HUMILHAÇÃO (ridicularizar, insultar...) 37,8% 3º ISOLAMENTO (trancar, impedir de namorar e/ou ter amizades...) 33,1% 4º REJEIÇÃO (privar de afeto e atenção...) 29,1% 5º TERROR (ameaçar de abandono, punições graves, morte...) 20,9%” Fonte: Azevedo, Mª Amelia; Guerra, Viviane N. de Azevedo (2001) – Violência Doméstica: Vozes da Juventude, SP, (versão digital).

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os SABERES que fundamentam

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IV A Violência Física: uma das

mais resistentes Corresponde ao emprego de força física no processo disciplinador de uma criança ou adolescente por parte de seus pais (ou quem exercer tal papel no âmbito familiar como, por exemplo, pais adotivos, padrastos, madrastas). Os estudos científicos mais recentes (especialmente os do final dos anos 80) vêm enfatizando com veemência que toda ação que causa dor física numa criança ou adolescente, desde um simples tapa até o espancamento fatal, representam um só continuum de violência. Portanto, abriu-se o espaço para uma luta ao nível mundial no sentido de que diferentes legislações coibissem o emprego da punição corporal de qualquer natureza nas relações pais-filhos. Isto já foi seguido com sucesso por países como Suécia (em 1979), Finlândia (1983), Dinamarca (1985), Noruega (1987), Áustria (1989), Chipre (1994) e outros. Evidentemente que antes de se implantar tal tipo de legislação, houve em cada um destes países o estabelecimento de um amplo processo de conscientização acerca deste fenômeno, garantindo, portanto, posteriormente o cumprimento desta mesma legislação. As práticas de Violência Física envolvem punição física e disciplinamento corporal. Fonte: Azevedo, Mª Amélia e Guerra, Viviane N, de Azevedo (1998) – Com licença, vamos à luta , SP, LACRI / IPUSP (esgotado).

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A leitura focada na PREVENÇÃO

Por que aconteceu?

Sherlock está representado em cor verde porque – por hipótese

– teria sido possível chegar antes que a VDCA ocorresse.

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A pergunta de Sherlock

Um bom detetive se

reconhece pelas perguntas que faz

Por que isto aconteceu?

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As pistas levantadas por Sherlock

“Não basta ver: é preciso observar”

1 – palestina (Baraa), mantida em cativeiro... Em Qalqilya, um vilarejo da Cisjordania, próximo a Ramallah...

2 – o pai (Melhem), árabe israelense, foi preso e deve comparecer a um tribunal israelense...

3 – tinha custodia da filha desde que se divorciou da mãe, Maysoun, quando Baraa tinha 4 anos...

4 – Baraa: “medo, medo, medo essa era a base da minha vida...” 5 – na casa de sua mãe, para onde foi levada após ser libertada,

Baraa sorri novamente... 6 – depois de tudo que passou, no entanto, Baraa fala:

“Eu não odeio meu pai. Odeio o que ele me fez. Por que ele fez isso? Eu não entendo”

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As conclusões de Sherlock:

“Elementar meu caro Watson!”

Mais um caso de INTOLERÂNCIA CULTURAL dirigida à mulher criança: um ser menor no tamanho e em direitos, dentro de uma sociedade patriarcal.

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1 Como escreveu Cyrulnik “erramos de doente. Não é tanto sobre o ferido que é

preciso agir a fim de que sofra menos, é principalmente sobre a cultura”.

Fonte: Cyrulnik, B (1999:190) – Un Merveilleux Malheur, Paris, Editions Odile Jacob.

2 A cultura é sempre o “caldo” por onde circulam os assim chamados Fatores de Risco

capazes de produzir a Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes enquanto:

A – uma violência interpessoal;

B – um abuso do poder disciplinador e coercitivo dos pais ou responsáveis;

C – um processo que pode se prolongar por vários meses e até anos;

D - um processo de completa objetalização da vítima, reduzindo-a à condição de objeto de violência;

E – uma forma de violação dos direitos essenciais da criança e do adolescente enquanto pessoas e, portanto, uma negação de valores humanos fundamentais como a vida, a liberdade, a segurança;

F – um fenômeno que tem na família sua ecologia privilegiada. Como esta pertence à esfera do privado, a violência doméstica acaba se revestindo da tradicional característica de sigilo

Fonte: Azevedo, Mª Amélia e Guerra Viviane N. de A. (1998:24) – Com licença vamos à luta. SP, LACRI.

os SABERES que fundamentam

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3 Os FATORES de RISCO teem seu antidoto nos FATORES PROTETIVOS que importa desenvolver para chegar ANTES que pais se tornem tóxicos, a casa se torne insegura e a criança ou o adolescente se tornem vitimas.

Tais FATORES teem a ver com três QUESTÕES BÁSICAS:

CRIANÇA / FAMÍLIA / VIOLÊNCIA

Os NÃOS e os SIMs: Fatores de RISCO X FATORES PROTETIVOS

NÃO

SIM

os SABERES que

fundamentam o trabalho de

Sherlock “Teorias que se ajustam a

fatos”

Risco Protetivo

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NÃO SIM

1. a uma cultura transgressora dos Direitos da Criança.

1. A uma cultura respeitadora e promotora dos Direitos da Criança.

Direito a sentir-se emocionalmente segura, dispondo para isso de vínculos afetivos com pessoas incondicionais que estando disponíveis e sendo acessíveis e capazes de oferecer ajuda, aceitam-na, expressam seu afeto e ajudam tal como ela é. Considerando que a criança tem também necessidades biológicas, necessidades emocionais que só podem ser satisfeitas se se lhe oferece a possibilidade de estabelecer vínculos afetivos estáveis e incondicionais.

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NÃO SIM

2. A (re)produção de famílias democráticas, planificadas e responsivas. Famílias que não instrumentalizam os filhos em disputas de casal, por exemplo, ou como seguro desemprego, seguro doença, seguro velhice, etc.

• Famílias para as quais maternagem/paternagem são mais importantes que a mera maternidade/paternidade biológicas, sabendo que ninguém nasce PAI OU MÃE e que essa é e deve ser uma opção responsável que exige preparação consciente e intencional (Educação Familiar).

• Famílias conscientes de que casais não devem ter ou assumir filhos ou porque têm limitações decorrentes de sua história de vida ou porque esse não é seu projeto de vida.

• Famílias que não consideram os filhos como propriedade, mas que concordam com Kahlil Gibran quando adverte:

Teus filhos não são teus filhos. São filhos e filhas da Vida, Anelando por si própria. Vêm através de ti, mas não de ti, E embora estejam contigo, a ti não pertencem. Podes dar-lhes teu amor; mas não Teus pensamentos, Pois que eles tem seus pensamentos próprios. Podes abrigar seus corpos mas não suas almas. Pois que suas almas residem na casa do amanhã, Que não podes visitar sequer em sonhos.

Podes esforçar-te por te parecer com eles, mas não procures fazê-los semelhantes a ti, pois a vida não recua, e não retarda no ontem. Tu és o arco do qual teus filhos, Como flechas vivas, são disparados.

*** Que a tua inclinação, na mão do arqueiro, seja para a alegria.

2. A um protótipo de família enquanto

instituição patriarcaL/autocrática e desplanificada que acredita ser sua obrigação (social ou divinamente estabelecida) a PROCRIAÇÃO.

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NÃO SIM

• Famílias que compreendem e atendem as demandas infantis porque nelas, os pais estão disponíveis e acessíveis, percebem as demandas, interpretam bem as demandas, respondem contingente e coerentemente às demandas, aceitam incondicionalmente a criança.

3. A uma cultura de NÃO VIOLÊNCIA que, no

ideário e nas práticas, defende:

a) a proscrição do disciplinamento infantil através dos castigos físicos (em qualquer grau) e psicológicos degradantes;

b) abolição do recurso à violência na solução de conflitos sociais e interpessoais;

c) a não imposição de penalidades máximas degradantes a prisioneiros (pena de morte, tortura etc.);

d) a condenação do recurso a álcool, drogas, como desinibidores.

3. A uma cultura de VIOLÊNCIA,

seja como recurso pedagógico, seja como arma para solução de conflitos. É o que Gelles, R. (Family violence. (1979) Califórnia: Sage Publ.), chama de ZEITGEIST da Violência.

Fonte: Azevedo, Mª Amélia e Guerra Viviane N. de A. (1998:90-92) – Com licença vamos à luta. SP, LACRI.

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4 Sendo um árabe israelense, a inspiração do pai enquanto chefe de família, com a custodia da filha após divorcio e com dois filhos portadores de problemas mentais, deve vir da cultura islâmica, aparentemente vigente no vilarejo de Qalqilya, próximo de Ramallah (Cisjordânia).

A civilização muçulmana ou islâmica é uma “civilização de segundo grau”, “derivada”, para relembrar a expressão de Alfred Weber. De um só texto e de uma só palavra, emergente na Arábia ignorante e pagã, nasce o islã, submissão a Alá, Deus único de que tudo é signo ou símbolo. Nesta única mensagem, nesta revelação, restituição de uma verdade primitiva e perene... o mundo chamado muçulmano, desde seu início até sua atualidade, encontra a referência que o une apesar das divergências e dos cismas. De fato no centro da civilização islâmica encontramos um livro (Alcorão) e um profeta (Muhammad).

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Para entender como isso se tornou possível é preciso entender a função social da religião, no seio da civilização islâmica. A afirmação mais genérica possível sobre a religião muçulmana é a de que, segundo ela, “o credo é a conduta”. Isso significa que, para o muçulmano, tudo- inclusive o direito – decorre das crenças e práticas religiosas, as quais lhe impõem uma disciplina de vida bastante severa. A religião islâmica recupera então o ideal rigorista e pudico dos austeros mercadores de Hedjaz e o transpõe para o contexto urbano, e dentro deste, especialmente para as massas de pobres, disciplinando-lhes os costumes. Nesse primeiro momento, o centro da fé está nas cidades e o infiel está nas tribos nômades que, aos poucos, foram sendo assimiladas aos islamismo. Isso só foi possível, porque o islamismo, enquanto religião e mentalidade não foi edificado sobre “tabula rasa”, mas a partir de antigos modos de crer e de ver, existentes já no Oriente Próximo. Nesse sentido o islamismo deita suas razões no judaísmo de um lado e no cristianismo de outro: se Abraão é reconhecido como o primeiro dos muçulmanos, Jesus é um profeta anterior, só ultrapassado por Muhammad. Se a cidade Santa é Meca, Jerusalém também é reconhecida como tal. “Civilização carente de homens”, já que é uma civilização do deserto, constituída num “espaço-movimento”, as cidades inseridas nas rotas que lhe dão riqueza: o Islã teve que utilizar os homens tal como os encontrava com suas formas de vida, hábitos, rituais, etc. É no seio do mundo islâmico, invadido, submergido pelo sobrenatural, preocupado com a administração do sagrado, sem perder de vista a administração do humano, que vemos desenvolver-se uma ideologia de valorização da mulher- enquanto representante do lar – e da criança enquanto esperança de futuro. O Islã faz uma nítida separação entre o mundo masculino e o feminino, entre a rua e o lar... Compreende-se , então, porque o incesto é tão proibido nos países islâmicos. É o próprio Alcorão que assim o determina, no seu versículo 23,denominado sura das mulheres.

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“ É-vos proibido esposardes vossas mães e vossas filhas e vossas irmãs e vossas tias paternas e vossas tias maternas e as filhas do irmão e as filhas da irmã e vossas amas de leite e vossas irmãs de leite e as mães de vossas mulheres e vossas enteadas, que estão em vossa proteção, filhas de vossas mulheres, às quais entrastes – e, se não haveis entrado a elas, então não há culpa sobre vós – e as mulheres de vossos filhos, procriados por vós e vos é proibido vos juntardes em matrimônio a duas irmãs exceto se isso já se consumou. Por certo Deus é Perdoador, Misericordioso”. A violação deste versículo é punida com pena de morte a nível dos tribunais do Estado e considerada pecado mortal, sem possibilidade de redenção. Tal rigor parecer refletir – especialmente no início da implantação do Islã – de um lado a necessidade de defender a exogamia como forma de assegurar alianças necessárias por razões políticas e econômicas e, de outro, o fato de que a prática do incesto a nível do grupo familiar devia existir nas tribos pré islâmicas. Entre os árabes pré islâmicos era legal um homem casar com sua meia-irmã ou mesmo com sua filha ou afilhada. Destinadas a defender a instituição marital essas regulamentações assentam no controle masculino sobre a sexualidade feminina no Islã. A supremacia masculina no Islã transparece no Sura n° 15 do Alcorão, que promete aos homens que serviram Alá com sinceridade, “um repasto farto... Ao lado deles, mulheres de grandes olhos, modestas, castas. Como pérolas incrustadas em jóias.” Fonte: Azevedo, Mª Amélia – (1991:65/67/69 e 71) – Incesto Pai-Filha: Um Tabu menor de um Brasil Menor – Tese de Livre Docência, IPUSP.

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5 Embora reconhecida na literatura cientifica é chocante a conivência da madrasta com o pai, na aplicação de práticas de “disciplinamento” à menina Baraa, envolvendo diversos tipos de VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: por ação (Psicológica, Física...) e por omissão (Negligencial), ao longo de muitos anos. Como também reconhece a literatura especializada, essa Violência de longa duração foi assegurada, seja pelas mudanças da família, seja pela ocultação da vitima (via cárcere privado), seja pela famosa indiferença das comunidades frente ao que ocorre ”no segredo do lar”. Essa conivência encontra paralelo no famoso caso de David Bisson, o “garoto do armário”, que foi “descoberto” em Paris/França após ter passado a maior parte de sua infância, espancado, desprezado, encerrado em um cômodo e também no banheiro de sua própria casa graças à atuação conjunta de sua mãe e de seu padrasto (Cf. Bisson, de Shonen, Evangeline – (1993) L’enfant derrière la porte. Paris. Bernard Grasset). Tal como Baraa , David passou sua infância sem sequer ir à escola, aprisionado em casa, o que é crime em termos dos Direitos da Criança (Convenção sobre os Direitos da Crianças, ONU, 1989, art. 28).

No caso de Baraa, ela também era submetida a um regime de servidão doméstica (saía à noite do cativeiro para trabalhar em casa), o que também é criminoso.

os SABERES que fundamentam

o trabalho de Sherlock “Teorias que se ajustam a fatos”

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6 Tanto no caso David, quanto no caso Baraa , o surpreendente é o fato de ambos se terem feito a mesma pergunta ao serem libertados: “Por que meu pai (Baraa) ou minha mãe (David) fez isso comigo?” Mais surpreendente ainda é o fato de que ambos revelaram não ODIAR seu/sua algoz e sim apenas “o que ele/ela fizera” para eles. Essa ambivalência é decorrente do extremo desamparo vivenciado em casa, desamparo temperado por medo. Tratados como “bestas” durante anos exatamente por aqueles que deveriam protege-los e ama-los. David e Baraa não foram vencidos porque idealizaram seus pais – na tentativa de negar o horror do cativeiro – e, como reconhece Cyrulnik, foram capazes de tecer, no cativeiro, o tricô da resiliência, enquanto capacidade de aprender a viver, muito mais do que simplesmente resistir ao sofrimento. E ao fazê-lo foram capazes de voltar a sorrir...

os SABERES que fundamentam o trabalho de

Sherlock “Teorias que se ajustam a fatos”

Fonte: Cyrulnik, B (1999:209) – Un Merveilleux Malheur, Paris, Editions Odile Jacob.

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O método indiciário: Holmes, Morelli e Freud Pode-se delinear uma analogia entre os métodos de Holmes, Morelli e Freud? Nos três casos, pistas talvez infinitesimais permitem captar uma realidade mais profunda, de outra forma inatingível. Pistas: mais precisamente, sintomas (no caso de Freud), indícios (no caso de Sherlock Holmes), signos pictóricos (no caso de Morelli). Como se explica essa tripla analogia? A resposta, à primeira vista, é muito simples. Freud era um médico; Morelli formou-se em medicina; Conan Doyle havia sido médico antes de dedicar-se à literatura. Nos três casos, entrevê-se o modelo da semiótica médica: a disciplina que permite diagnosticar as doenças inacessíveis à observação direta na base de sintomas superficiais, às vezes irrelevantes aos olhos do leigo – o doutor Watson, por exemplo. (De passagem, pode-se notar que a dupla Holmes – Watson, o detetive agudíssimo e o médico obtuso, representa o desdobramento de uma figura real: um dos professores do jovem Conan Doyle, famoso pelas suas extraordinárias capacidades diagnósticas).

Fonte: Ginzburg, C. (1990:145,146,150, 151) Mitos, emblemas, sinais. Morfologia e História, SP, Companhia das Letras.

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Isolamento Doméstico de Crianças e Adolescentes Há muitas formas de isolar uma criança e/ou adolescente em casa. Há práticas que, configurando cárcere privado, representam também VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. É o caso de trancar no banheiro. Associado a excremento, o banheiro é um cômodo malvisto em muitos países e há muito tempo. Na Europa costumava-se dizer que os banheiros eram para os servos. ‘Os banheiros são para os criados’, disse com desprezo um aristocrata inglês. Ou como o duque de Doudeauville, na França, respondeu com arrogância quando indagado se instalaria encanamentos em sua nova casa: ‘Não estou construindo um hotel’. Os americanos, ao contrário, se mostraram muito mais apegados às alegrias da água quente e dos wcs com descarga. Quando William Randolph Hearst, magnata americano dos jornais, comprou Saint Donat’s, um castelo no País de Gales, a primeira coisa que fez foi instalar 32 banheiros... De início ninguém decorava um banheiro, assim como hoje não pensamos em decorar um porão ou a casa das máquinas: eram friamente utilitários. Nas casas já existentes, o banheiro tinha de ser colocado onde fosse possível. Normalmente tomavam o lugar de um quarto de dormir, mas às vezes eram enfiados em algum canto ou alcova.

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Fonte: Bryson, B – (2011:397) – Em casa: uma breve história da vida doméstica. SP, Companhia das Letras.

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O conceito de resiliência

O conceito de resiliência tem atualmente um grande impacto na literatura anglo-saxônica, consagrada às ciências do desenvolvimento. Psiquiatras e psicólogos, como M. Rutter em Londres, E. E. Werner, N. Garmery e G. E. Vaillant, nos Estados Unidos, criaram o conceito. Etólogos, por suas observações experimentais e suas teorias sobre a psicologia evolucionista e a adaptação estenderam esses trabalhos: J. Bowlby, R. Spitz, L. Sroufe, J. Suomi, M. Ainsworth e E. Tronick. A. S. Masten foi uma das primeiras a estabelecer uma associação entre resiliência e humor e E. Grotberg reintroduziu o otimismo em psicologia... A resiliência pode ser construída tal como uma peça de tricô: daí a expressão “tricotar a resiliência”. Ela não deve ser pesquisada apenas no interior da pessoa, nem em seu ambiente, mas entre os dois, porque ela alimenta sem cessar uma relação entre um futuro íntimo e futuro social (comunidade de destino).

Fonte: Cyrulnik, B (1999:209-211;206) – Un Merveilleux Malheur, Paris, Editions Odile Jacob.