ESPORTE DANIEL DIAS E -...

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Todo atleta tem que se superar, comigo não seria diferente. Não é porque eu não tenho braços e tenho apenas uma perna que cheguei aonde cheguei rastejando” E STA NãO é MAIS UMA HISTóRIA DE SUPERAçãO. Enredos desse tipo costumam se apoiar em artifícios como autopiedade e heroísmo barato, acompanhados de boa dose de sensacionalis- mo. O nadador Daniel Dias dispensa tais expedientes. “A minha história não é diferente da de qualquer outra pessoa, você tam- bém teve que encarar suas limitações para estar aqui”, diz logo no começo da nossa conversa. Encontrei Daniel no clube ADPM, em Bra- gança Paulista, cidade do interior paulista onde ele vive com a mulher, Ra- quel, e os dois filhos, Asaph, de 2 anos, e Danielzinho, de 1. é domingo, vés- pera de feriado prolongado, e isso faz com que a cidade, e Daniel, pareçam ainda mais pacatos. é só quando entra na piscina que a serenidade de ra- paz interiorano dá lugar ao atleta internacionalmente reconhecido que é. Para contar como Daniel chegou até aqui – por “aqui” entenda o posto de Homem do Ano na categoria Esporte –, é quase dispensável mencionar suas limitações físicas – má-formação congênita nos dois braços e na per- na direita. Volte ao topo da página, a categoria não é Esporte Paralímpico. “Todo atleta tem que se superar, comigo não seria diferente. Não é porque eu não tenho braços e tenho apenas uma perna que cheguei aonde cheguei rastejando”, diz, sem se levar excessivamente a sério. Onde ele chegou? Em 2016, Daniel tornou-se o maior medalhista brasileiro da história em Para- limpíadas, com 14 ouros, 7 pratas e 3 bronzes, totalizando 24 pódios ao lon- go de três jogos – Pequim (2008), Londres (2012) e Rio de Janeiro (2016). Comparado pela mídia internacional a Michael Phelps, o maior medalhis- ta olímpico de todos os tempos, nos jogos em casa Daniel subiu ao pódio nove vezes. Neste ano, ele ainda foi laureado pela terceira vez como o me- lhor atleta paralímpico do mundo. Os feitos ganham mais magnitude quan- do vistos do ponto de partida. Nascido em Campinas e criado em Camandu- caia, cidade mineira de pouco mais de 20 mil habitantes, Daniel aprendeu a andar aos 3 anos, quando passou a usar a primeira prótese na perna, e foi só na adolescência que aprendeu a nadar, após ver pela televisão Clodoal- do Silva brilhar nos Jogos Paralímpicos de Atenas. Dois anos depois das aulas iniciais, conquistava as primeiras medalhas no Mundial de Durban, na África do Sul. Ele ain- da pode se orgulhar de uma última, mas não me- nos importante, conquista: abocanhar patrocínios quando quase todos os investimentos e holofotes são do futebol. “Até o Parapan-americano do Rio, em 2007, eu dependia de ‘paitrocínio’”, lembra. DANIEL DIAS ESPORTE ELE SE TORNOU O MAIOR MEDALHISTA BRASILEIRO DA HISTÓRIA DA PARALIMPÍADA E TEM O QUE É PRECISO PARA SER O ÍDOLO DO ESPORTE QUE TANTO BUSCAMOS POR NATÁLIA L EÃO . FOTOS L UCAS P UPO 118 II II DEZEMBRO 2016 ESPECIAL DEZEMBRO 2016 II II 119

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Todo atleta tem que se superar,

comigo não seria diferente. Não é porque eu não tenho

braços e tenho apenas uma perna que cheguei

aonde cheguei rastejando”

Esta não é mais uma história de superação. enredos desse tipo costumam se apoiar em artifícios como autopiedade e heroísmo barato, acompanhados de boa dose de sensacionalis-mo. o nadador daniel dias dispensa tais expedientes. “a minha história não é diferente da de qualquer outra pessoa, você tam-bém teve que encarar suas limitações para estar aqui”, diz logo

no começo da nossa conversa. encontrei daniel no clube adpm, em Bra-gança paulista, cidade do interior paulista onde ele vive com a mulher, ra-quel, e os dois filhos, asaph, de 2 anos, e danielzinho, de 1. é domingo, vés-pera de feriado prolongado, e isso faz com que a cidade, e daniel, pareçam ainda mais pacatos. é só quando entra na piscina que a serenidade de ra-paz interiorano dá lugar ao atleta internacionalmente reconhecido que é.

para contar como daniel chegou até aqui – por “aqui” entenda o posto de homem do ano na categoria esporte –, é quase dispensável mencionar suas limitações físicas – má-formação congênita nos dois braços e na per-na direita. Volte ao topo da página, a categoria não é esporte paralímpico. “todo atleta tem que se superar, comigo não seria diferente. não é porque eu não tenho braços e tenho apenas uma perna que cheguei aonde cheguei rastejando”, diz, sem se levar excessivamente a sério. onde ele chegou? em 2016, daniel tornou-se o maior medalhista brasileiro da história em para-limpíadas, com 14 ouros, 7 pratas e 3 bronzes, totalizando 24 pódios ao lon-go de três jogos – pequim (2008), Londres (2012) e rio de Janeiro (2016). Comparado pela mídia internacional a michael phelps, o maior medalhis-ta olímpico de todos os tempos, nos jogos em casa daniel subiu ao pódio nove vezes. neste ano, ele ainda foi laureado pela terceira vez como o me-lhor atleta paralímpico do mundo. os feitos ganham mais magnitude quan-do vistos do ponto de partida. nascido em Campinas e criado em Camandu-caia, cidade mineira de pouco mais de 20 mil habitantes, daniel aprendeu a andar aos 3 anos, quando passou a usar a primeira prótese na perna, e foi só na adolescência que aprendeu a nadar, após ver pela televisão Clodoal-do silva brilhar nos Jogos paralímpicos de atenas. dois anos depois das aulas iniciais, conquistava as primeiras medalhas no mundial de durban, na África do sul. ele ain-da pode se orgulhar de uma última, mas não me-nos importante, conquista: abocanhar patrocínios quando quase todos os investimentos e holofotes são do futebol. “até o parapan-americano do rio, em 2007, eu dependia de ‘paitrocínio’”, lembra.

DANIEL DIASE S P O R T E

ele se tornou o maior medalhista brasileiro da história da paralimpíada e tem o que é preciso para

ser o ídolo do esporte que tanto buscamos

por Natália

leão .fotos

lucas PuPo

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especial

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