Esporotricose: lesão solitária palpebral (Relato de caso) · 2018. 8. 27. · Esporotricose:...

3
SHORT REPORT Esporotrico se: lesão solitária palpebral (Relato de um caso) Sporoth ricosis: palpebral sotary lesion (A case repor Roberto Caldato 1 11 Firmani M. B. de Senne 121 Newton Kara José 1a1 '1 1 Professor Assistente da Discipli na de Oftalmologia da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. '21 Mdico Oſtalmologista do Hospital de Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. ' ' ' Professor Titular da Disciplina de Oſtalmologia da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. Endereço para correspondência: Prof Roberto Caldato. Disciplina de Oftalmologia - Universidade Estadual de Campinas. Campinas (SP) Caixa Postal 6. 1 47 CEP 1308 1-970 594 · ARQ. BRAS . OFTAL . 61(5) . OUTUBR0/1998 RESUMO Os autores descrevem um caso de uma paciente portadora de esporotricose acometendo a pál pebra inferio r, tratada com êxito pelo uso de lodeto de potássio; São itas considerações a respeito de diversos aspe.ctos · da doença. Palavras-chave: Esporotricose ocular; Sporothrix schenkii. INTRODUÇÃO A esporotricose é uma infecção crônica causada por Sporothrix schenkii, caracterizada pelo desenvolvimento de lesões nodulares em linfonodos, pele e tecido subcutâneo, as quais amolecem e se rompem para formar úlceras de evolução lenta (existindo várias formas c línicas: cutâneo- linfática, cutânea localizada, disseminada, mucosa, esquelética e visceral 1-4. O fungo é encontrado na natureza, em geral no solo e vegetais. O contágio se dá por inoculação através de ferimentos com material vegetal contaminado, mais comumente em indivíduos cuja atividade ocupacional se relaciona com terra e plantas. Qualquer área pode ser acometida, sendo as mãos e os pés os locais mais habituais 1•4 A descrição de casos de infecção ocular é pouco freqüente na literatura oſtalmológica 5 '16• A esporotricose palpebral solitária, objeto deste relato, é incomum 5 811• Existem relatos de casos em todos os continentes. No Bras il foram atendidos 104 casos de esporotricose (0,5% de todas as dermatoses) no ambulatório de Dermato logia do Hospital de C línicas da Universidade de São Paulo, entre 1945 e 1954 , em São Paulo 2; no Rio Grande do Sul foram observados 3 1 1 casos entre 1958 e 1987 por Londero e Ramo s 17• RELATO DO CASO Paciente S.R .G .L .S., 19 anos , branca , floricultora. Em fevereiro de 1989 procurou o Serviço de Oftalmo logia da UNICAMP com história de ter notado há 2 meses queda de cílios na pálpebra inferior esquerda, e a seguir quadro de edema, hiperemia e dor no loca l, com crostas , sem secreção. Ao exame físico apresentava uma lesão ulcerativa no terço médio da pálpebra inferior esquerda, com sinais inflamatórios , medindo 2 x 3 mm; feita a hipótese diagnóstica de blefarite ulcerativa, foi medicada com pomada de gentamicina (Figura 1 ). Após 1 semana, a lesão progrediu, ating indo o dobro do tamanho inicial, sendo rea lizada biópsia, que ev idenciou proces so inflamatório http://dx.doi.org/10.5935/0004-2749.19980033

Transcript of Esporotricose: lesão solitária palpebral (Relato de caso) · 2018. 8. 27. · Esporotricose:...

Page 1: Esporotricose: lesão solitária palpebral (Relato de caso) · 2018. 8. 27. · Esporotricose: lesão solitária palpebral (Relato de um caso) Fig. 1 crônico granulomatoso (pesquisa

SHORT REPORT

Esporotricose: lesão solitária palpebral (Relato de um caso)

Sporothricosis: palpebral solitary lesion (A case report)

Roberto Caldato 111 Firmani M. B. de Senne 121 Newton Kara José 1a1

' 1 1 Professor Assistente da Discipl ina de Oftal mologia da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP.

' 2 1 Mt!dico Oftalmologista do Hospital de Cl ínicas da Fac u l dade de C iências Médicas da UNICAMP.

' ' ' Professor Titular da Discipl ina de Oftalmologia da Facu ldade de Ciências Médicas da UNICAMP.

En dereço para correspondência: Prof. Roberto Caldato. Discipl ina de Oftalmologia - Universidade Estadual de Campinas . Campinas (SP) Caixa Postal 6 . 1 47 CEP 1 308 1 -970

594 · ARQ. B RA S . OFTA L . 6 1 ( 5 ) . OUTU B R0/ 1 9 9 8

RESUMO

Os autores descrevem um caso de uma paciente portadora de esporotricose acometendo a pálpebra inferior, tratada com êxito pelo uso de lodeto de potássio; São feitas considerações a respeito de diversos aspe.ctos · da doença.

Palavras-chave: Esporotricose ocular; Sporothrix schenkii.

INTRODUÇÃO

A esporotricose é uma infecção crônica causada por Sporothrix

schenkii, caracterizada pelo desenvolvimento de lesões nodulares em linfonodos, pele e tecido subcutâneo, as quais amolecem e se rompem para formar úlceras de evolução lenta (existindo várias formas clínicas : cutâneo­linfática, cutânea localizada, disseminada, mucosa, esquelética e visceral 1 -4 .

O fungo é encontrado na natureza, em geral no solo e vegetais . O contágio se dá por inoculação através de ferimentos com material vegetal contaminado, mais comumente em indivíduos cuj a atividade ocupacional se relaciona com terra e plantas . Qualquer área pode ser acometida, sendo as mãos e os pés os locais mais habituais 1 •4•

A descrição de casos de infecção ocular é pouco freqüente na literatura oftalmológica 5' 1 6 • A esporotricose palpebral solitária, obj eto deste relato, é incomum 5 • 8 • 1 1 •

Existem relatos de casos em todos os continentes . No Brasil foram atendidos 1 04 casos de esporotricose (0 ,5% de todas as dermatoses) no ambulatório de Dermatologia do Hospital de Clínicas da Universidade de São Paulo, entre 1 945 e 1 954, em São Paulo 2 ; no Rio Grande do Sul foram observados 3 1 1 casos entre 1 95 8 e 1 987 por Londero e Ramos 1 7 •

RELATO DO CASO

Paciente S .R.G.L . S . , 1 9 anos , branca, floricultora. Em fevereiro de 1 98 9 procurou o Serviço de Oftalmologia da

UNICAMP com história de ter notado há 2 meses queda de cílios na pálpebra inferior esquerda, e a seguir quadro de edema, hiperemia e dor no local, com crostas, sem secreção .

Ao exame físico apresentava uma lesão ulcerativa no terço médio da pálpebra inferior esquerda, com sinais inflamatórios, medindo 2 x 3 mm; feita a hipótese diagnóstica de blefarite ulcerativa, foi medicada com pomada de gentamicina (Figura 1 ) .

Após 1 semana, a lesão progrediu, atingindo o dobro do tamanho inicial, sendo realizada biópsia, que evidenciou processo inflamatório

http://dx.doi.org/10.5935/0004-2749.19980033

Page 2: Esporotricose: lesão solitária palpebral (Relato de caso) · 2018. 8. 27. · Esporotricose: lesão solitária palpebral (Relato de um caso) Fig. 1 crônico granulomatoso (pesquisa

Esporotricose: lesão solitária palpebral (Relato de um caso)

Fig. 1

crônico granulomatoso (pesqu i s a de B AAR e fungos negati­va) (Figura 3 ) . Considerada a hipótese de ser uma infecção fúngica por Sporothrix schenkii, foi realizada nova biópsia, cultura em meio Mycosel (Ágar S abouraud, cicloheximida e c l oranfenicol) e i n tradermorreação com e s porotriq u i n a . N o v o exame hi stopatológico demonstrou granuloma de c e n ­tro supurado, sugestivo de m i c o s e profunda; o teste c o m esporotriquina foi p o s i t i v o , não havendo, porém, crescimen­to de fungos em cultura.

S abendo-se de antemão da dificuldade em se identificar o fungo Sporothrix schenkii tanto em histopatológico como em culturas (mesmo em meios especiai s ) , a evolução da lesão e o teste positivo com esporotriquina permitiram a opção por um teste terapêutico com iodeto de potás sio, droga de escolha para o tratamento da esporotricose.

Após administração de 2 g diários de iodeto de potássio via oral , houve melhora evidente do processo com I semana, e remissão total após 2 meses de tratamento, apresentando discreta cic atriz local (Figura 2) .

5 9 6 · A R Q . B RA S . OFTAL. 6 1 (5 ) , OUTU B R 0/ 1 998

Fig. 2

DISCUSSÃO

A esporotricose palpebral é infecção rara e poucas vezes diagnosticada por oftalmologi stas . A suspeita diagnóstica ba­seia-se no quadro clínico e sua evolução, devendo ser lembra­da diante da presença de nódulo ulcerado, com crostas e sinais inflamatórios , podendo haver perda de cílios quando houver acometimento das margens palpebrai s . Esporotricose deve ser considerada nos casos que apre sentem múltiplas lesões polimorfas e ulcerativas, particularmente se não houver reso­lução com a terapi a tópica usual . Outras micoses a ser descar­tadas são a cromomicose, blastomicose, micetoma e tricofi ­tose granulomatosa. S ífil is gomosa, lesões piogênicas, tuber­culose cutânea, l infangite estafilocóccica e erupções por dro­gas, como bromoderma, também devem ser lembradas. Evi­dência histológica do microrganismo é freqüentemente ausen­te na esporotricose primária . O diagnóstico definitivo só pode ser fei to através de cultura 3. O teste sorológico com esporotriquina pode aj udar no diagnóstico: se positivo, indica apenas que houve contato com o fungo, sej a através de doen­ça, clínica ou subclínica, ou contágio imunoalergizante com o mesmo 2 ; se negativo, praticamente exclui a doença 4 .

O melhor medic amento para tratar esta micose é o iodeto de potás s i o v i a oral , em doses crescente s , conforme a tolerân c i a do paciente (2 a 4g por dia, para o adulto) . É conveniente manter a terapi a até a resolução definit iva do quadro, o que geralmente oc orre após algumas semanas (o i o deto de potá s s i o também pode ser útil para tratamento de outras m i c o s e s , como a cromomicose, porém sem a mesma efi c á c i a , sendo n e c e s s ário a s s o c i á - l o a outros agentes medic amento s o s 2 · 1 8

SUMMARY

The authors describe a case of a patient with a solitary lesion of sporotrichosis on her inferior left eyelid, that was

Page 3: Esporotricose: lesão solitária palpebral (Relato de caso) · 2018. 8. 27. · Esporotricose: lesão solitária palpebral (Relato de um caso) Fig. 1 crônico granulomatoso (pesquisa

Esporotricose: lesão solitária palpebral (Relato de um caso)

s u c c essfu lly trea ted with sys temic adm in is tra tion of po tassium iodide . Comments an severa/ aspects of th is disease are presented.

Keywords: Ocular sporotrichosis; Sporothrix scherkii.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

I . Conant NF, Smith DT, Baker RD, Callaway JL. Manual of Cl inicai Micology, 3 ed., W . B . Saunders, Philadelphia 1 97 1 ;4 1 7-57 .

2 . Lacaz CS. Micologia Médica, 8 ed. , Sarvier, São Paulo 1 99 1 ;94- 1 08 , 233-47.

3 . Rippon JW. Medicai Mycology. W.B. Saunders, Phi ladelphia 1 974;248-67.

4. Sampaio SAP, Castro R, Riviti EA. Dermatologia Básica, 3 ed., Artes Médi-cas, São Paulo, 1 985 ;349-5 2 .

5 . Gordon DM. Ocular Sporotrichosis. Arch Ophthalmol 1 947 ;37 : 56-72.

6 . McGrath H, Singer J l . Ocular Sporotrichosis. Am J Ophthalmol 1 95 2 ; 3 5 : 1 02 .

7 . Al varez R , López-Y i l l egas A . Pri mary Ocular Sporotrichos i s . Am J Ophthalmol 1 966;62 : 1 50- 1 .

8 . Miranda CH, Femández R W , Golden A , Suárez GG. Two cases o f Palpebral Sporotrichosis. Mycopathol Mycol Appl 1 967;3 1 : 1 77-84.

VII I Córnea

9. Cassady JR, Foerster HC. Sporotrichum sch enkii endophthalmitis . Arch Ophthalmol 1 97 1 ;85 : 7 1 -4.

I O . Levy JH. lntraocular sporotrichosis . Report o f a case. Arch Ophthalmol 1 97 1 ; 8 5 : 5 74-9.

1 1 . Fischman O, Alchorne MMA, de Camargo ZP, Belfort Jr R. Palpebral Sporotrichosis. Mykosen 1 974; 1 7 : 32 1 -4.

1 2 . Font RL, Jakobiec FA. Granulomatous necrotizing retinochoroiditis caused by Sporotrichum schenkii. Report of a case including immunofluorescence and electron microscopical studies. Arch Ophthalmol 1 976;94: 1 5 1 3 -9 .

1 3 . Aggar W A , Caplan R H , Maki DG. Ocular sporotrichos is mimicking mucormycosis in a diabetic . Ann Ophthalmol 1 978 ; 1 0:767-7 1 .

1 4 . Kurosawa A , Pollock SC, Collins MP, Kraff CR, Tso MOM. Sporothrix

schenkii endophthalmitis in a patient with human immunodeficiency virus infection. Arch Ophthalmol 1 98 8 ; I 06 :376-80.

1 5 . Witherspoon CO, Kuhn F , Owens SD, White MF, Kimble JA. Endoph­thalmitis due to Sporothrix schenkii after Penetrating Ocular Injury. Ann

Ophthalmol 1 990;22 : 3 8 5 - 8 . 1 6 . Brunette I , Stulting RD . Sporothrix schenkii scleriti s . Am J Ophthalmol

1 992; 1 1 4 : 3 7 0- 1 .

1 7 . Londero AT, Ramos CO. Esporotricose no Rio Grande do Sul . A n Bras Dermatol 1 989;64 :307- 1 O.

1 8 . Chren MM, Bickers DR. Cap. 65. Farmacologia Dermatológica. In: Gilman AG, Rall TW, Nies AS, Taylor P. (eds). Goodman e Gilman. As Bases Farmacológicas da Terapêutica, 8 ed. , Guanabara Koogan, Rio de Janeiro 1 99 1 ; 1 047-59.

1 9 a 2 1 de marco de 1 999 ,

Hotel Gran Meliá · São Paulo · SP

Promocão: ,

lnformacões: ,

Departamento de Oftalmologi da U NICAN\P - SP

JDE Comunicacão e Eventos ,

Te l s : (O 1 1 ) 289-430 1 e 25 1 -5273 Fax: (O 1 1

. br

598 - ARQ. B RA S . OFTA L. 6 1 (5 ) , OUTU B R0/ 1 99 8