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O importante é nunca parar de sonhar
Trabalho: Expressão do Amor Criador
e Redentor
Bolivianos em São Paulo.
Resposta de serviço aos migrantes
EsperançaAno III – nº 5 – 1º semestre de 2011
Revista
Capa: Mulheres bolivianas – Pastoral dos Migrantes © Arquivo PNSA
REviSTA ESPERAnçA
Publicação semestral das irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo – Scalabrinianas
Província nossa Senhora AparecidaAbril de 2011
DiretoraIr. Neusa de Fátima Mariano, mscs
Superiora Provincial
Coordenação GeralIr. Sandra Maria Pinheiro, mscsConselheira e Secretária Provincial
Direção de redaçãoIr. Elizangela Chaves Dias, mscs
Ir. Rosa Maria Martins Silva, mscsMarina Ferraz
ColaboradorasIr. Elizangela Chaves Dias, mscs
Ir. Erta Lemos, mscsIr. Inês Facioli, mscs
Ir. Janete Aparecida Ferreira, mscsIr. Lídia Mara Silva de Souza, mscs
Ir. Ligia Ruiz Gamba, mscsIr. Maria Lélis da Silva, mscs
Ir. Neuza Botelho dos Santos, mscsIr. Renilda Teixeira Pereira, mscs
Ir. Rosa Maria Martins Silva, mscsIr. Sonia Delforno, mscs
Jornalistas responsáveisIr. Maria Lélis da Silva, mscs
Marina Ferraz
Revisão GeralIr. Sandra Maria Pinheiro, mscs
Marina Ferraz
Diagramação e arteInês Ruivo – HI Design
impressão e acabamentoEdições Loyola
rua 1822, nº 34704216-000, São Paulo, SP
Tel 55 11 3385-8500
Tiragem1000 exemplares
ContatoProvíncia Nossa Senhora Aparecida
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e-mail: [email protected]
Sumário
ESPIRITuALIDADETrabalho: expressão do amor criador e redentor......................................... 2
DECIFRANDo AS ESCRITuRASEspalhando as sementes do verbo – O trabalho na perspectiva bíblica.................................................................... 4
ECLESIoLoGIAA vocação ao desenvolvimento pleno ............................................................. 6
FoRMAçãoO trabalho humano: caminho para a autorrealização ............................... 8
Cuidando da vida do Migrante ..................................................................... 10
Ação MISSIoNáRIAO importante é nunca parar de sonhar ...................................................... 12
Bolivianos em São Paulo ................................................................................ 14
Uma resposta, a serviço dos migrantes ....................................................... 16
El bote salvavidas del Ecuador ...................................................................... 18
La emigracion colombiana ............................................................................ 20
O sonho americano ......................................................................................... 22
EDuCAçãoFuga de cérebros: uma face da migração .................................................... 26
Migração e os meios de comunicação ......................................................... 28
HISTóRIA DE vIDAIrmã Marilde: um testemunho de serviço e pertença .............................. 30
Abra a porta ....................................................................................................... 31
Caros Leitores
Colocamos mais uma vez em suas mãos a Revista Esperança, publicação das Irmãs Missionárias
de São Carlos Borromeo, Scalabrinianas, da Província Nossa Senhora Aparecida – São Paulo.
Esta edição tem como tema central: Migrações e Trabalho. Sem sombra de dúvidas, trata-se de
uma temática de grande atualidade, bem como de grande abrangência, e nos coloca diante de um de-
safio certamente não fácil, devido ao seu vínculo com a esfera econômica, social e política. E, por outro
lado, não podemos permanecer alheios a este problema que afeta a nossa sociedade, especialmente, aos
migrantes.
O tema das migrações é associado, com frequência, à questão do trabalho, sobretudo no que diz res-
peito às motivações do ato migratório e suas implicações. Acredita-se, comumente, que o desempregado
migra em busca de emprego, o trabalhador à procura de salários mais justos, o profissional qualificado
em busca de melhores oportunidades de trabalho na sua área de formação.
De fato, as migrações por razões laborais são uma das dimensões mais visíveis da globalização. Ex-
cluindo as guerras e as epidemias, a fuga da pobreza e de inseguranças, pode-se dizer que a procura de um
melhor emprego é um dos fatores que mais levam as pessoas a procurarem outros países e a aceitarem,
muitas vezes, qualquer trabalho, independentemente das respectivas condições.
É nesta perspectiva que os artigos, relatos, entrevistas e testemunhos contidos nesta revista, a partir
dos vários enfoques, oferecerem valiosos elementos de reflexão e oportunas indicações sobre o tema em
questão. Ao mesmo tempo, estes querem ser uma provocação e motivação para a necessidade de incidir
nos processos conjunturais e nas instâncias institucionais eclesiais e civis. Instituições que estabelecem
leis, estratégias e políticas que atingem os migrantes, em particular, diante das atrozes formas de explo-
ração e violação da dignidade humana, do trabalho escravo e degradante, do abuso e do engano, visando
uma política migratória que leve em consideração os direitos das pessoas em mobilidade, na promoção e
aspiração a uma sociedade mais justa e a uma convivência cidadã com bem estar e em paz.
Enfim, “louvamos a Deus porque na beleza da criação, que é obra de suas mãos, resplandece o sentido
do trabalho como participação na sua tarefa criadora e como serviço aos irmãos e irmãs... O trabalho
garante a dignidade e a liberdade do homem e da mulher, e é provavelmente “a chave essencial de toda a
questão social” (DA 120).
A todos(as), uma boa leitura!
Ir. Neusa de Fátima Mariano, mscsSuperiora Provincial
22
O primeiro livro da Bíblia, Gênesis, inicia sua
narrativa com um “hino à criação do univer-
so”. Mostra que a existência do mesmo é fru-
to de um longo trabalho, “seis dias”. Não espaço de 24
horas, mas longos períodos, nos quais todo o universo
e, nele, o ser humano, aparecem como resultado de uma
ação contínua de Deus Criador. E, concluindo cada pe-
ríodo, o autor sagrado diz: “E Deus viu que era bom”
(cfr Gn 1, 4. 10. 12. 18. 21. 25. 31).
Porém, a ação de Deus não se limitou apenas ao iní-
cio da criação, mas se perpetua no tempo como no-lo
revelou o mesmo Jesus Cristo, respondendo aos judeus
que o interrogavam porque havia realizado uma cura
em dia de sábado: “Meu Pai trabalha sempre, e eu também
trabalho” (Jo 5,17).
Ao entregar a obra da criação ao ser humano, “criado à
Sua imagem e semelhança” (cfr Gn 1,26), Deus tudo con-
fia em suas mãos. Porém, com uma tarefa e uma respon-
sabilidade. A “missão de submeter a si a terra e tudo o
que ela contém, de governar o mundo na justiça e na san-
tidade e, reconhecendo Deus como o Criador de todas as
coisas, de se orientar a si e ao universo todo para Ele, de
maneira que, estando tudo subordinado ao homem, o
nome de Deus seja glorificado em toda a terra” (GS, 34).
Trabalho: expressão do amor criador e redentor
No desempenho de tal responsabilidade, o ser humano
não é um concorrente com Deus, mas um parceiro e cola-
borador através da atividade que realiza por meio do seu
trabalho. Desta forma, para os que reconhecem a Deus
como o Senhor e Criador de todas as coisas, o trabalho é
um valor, porque é realização do desejo de Deus mesmo.
Migração e trabalhoParecem dois elementos inseparáveis. Embora o fe-
nômeno migratório não seja um fato novo na história
da humanidade, na atualidade o vemos mais intenso e
complexo. Na fala informal dos migrantes, quando per-
guntados sobre o porquê migrou, é comum ouvir como
resposta: a falta de trabalho em seu lugar de origem. É
um indicador a nos apontar como causas da migração:
pobreza, violência, falta de trabalho estável e bem remu-
nerado. Motivos que levam a pessoa à busca de melhores
condições de vida, de trabalho, oportunidade de estudo,
emprego, etc.
Se de um lado a necessidade de trabalho compele o ser
humano a iniciar um processo migratório, é bom lem-
brar que ele não é apenas alguém necessitado, mas uma
pessoa portadora de valores, cultura, dons, capacidades,
iniciativas e que muito pode enriquecer o ambiente que
EspiritualidadE
3
o acolhe. E, sobretudo, é uma pessoa de esperança. Só se
coloca a caminho quem tem uma meta e sabe que leva
consigo grande potencial para intercambiar e alcançar o
objetivo a que se propõe.
Embora sendo também uma resposta às necessidades
pessoais de sobrevivência, o trabalho é sempre participa-
ção na obra da construção da sociedade humana e tem
em vista o progresso material e cultural dos povos. Por-
tanto, o migrante não é apenas força
de trabalho, é também alguém que co-
labora na obra criadora e redentora do
Plano de Deus e abre para o compro-
misso do amor e da justiça para com a
Comunidade Humana.
Aliás, já o bem-aventurado Scalabrini
considerava o trabalho como algo que
confere “nova dignidade ao ser huma-
no”. Afirmava que o “mal que aflige a
sociedade não é apenas o econômico,
mas, sobretudo, moral e não consiste unicamente na
organização social, senão também e muito mais nos
indivíduos”. Por isso, a salvação da sociedade está na
regeneração religiosa e moral dos indivíduos. Entendia
ser necessário robustecer as mentes e os corações com
as grandes verdades
do Evangelho.
Trabalhar é participar do projeto de DeusPe. José e Madre Assunta Marchetti, desde a infância,
dedicaram-se ao trabalho no seio da família e entregaram suas vidas a Deus e ao serviço dos irmãos mais necessi-tados no mundo da Migração. Sempre consideraram o trabalho como um dom do Pai que quer associar toda pessoa humana, também as que lhe são consagradas, à Sua obra criadora e redentora. O mesmo Pai quer contar
com cada um de seus filhos para realizar
a transformação do mundo. Se existe a
necessidade de um trabalho, ela pro-
vém do amor do Pai pela humanidade.
A Providência do Pai (devoção muito
especial de ambos) é soberana, mas não
quer agir sozinha. Por isso, a realização
de um trabalho não é um peso, mas uma
forma de serviço aos demais que digni-
fica e realiza o ser humano. É através do
trabalho que a pessoa encontra sentido
para sua vida e a forma de colaborar com o bem comum.
Em carta ao bem-aventurado Scalabrini, as primeiras
Irmãs MSCS se referem à vida de trabalho como forma
de realização pessoal e da própria missão: “Em quase seis
anos de vida, [...] nenhuma de nós deu motivo que nos fi-
zesse desmerecer a estima dos nossos superiores, ou, por
um só instante, abandonar o campo de trabalho para
nós sempre tão agradável, porque o assumimos como
compromisso...” (Carta a D. Scalabrini, 28/12/1900).
Assim, não é o trabalho que faz com que uma pessoa
seja importante, mas, o trabalho se torna importante
por causa da pessoa que o faz e mais ainda, pelo moti-
vo pelo qual o faz. É da relação pessoal e íntima com o
Deus da vida e o desejo de através do próprio trabalho
colaborar na construção do Reino de Deus, na justiça,
amor, solidariedade que o torna sempre mais importan-
te e indispensável.
É o espírito e a interioridade da pessoa
que permite descobrir no trabalho o
novo significado que este contém,
pois, é o Espírito do Senhor, presente
em nossas vidas, quem “faz no-
vas todas as coisas” (Ap 21,5).
Ir. Sônia Delforno, mscsJundiaí – SP
É através do trabalho que a
pessoa encontra sentido para sua vida e a forma de
colaborar com o bem comum
Esperança | 1º semestre de 2011
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Abordar a questão do trabalho a partir da visão
bíblica e na perspectiva da migração é um tema
sugestivo. Poderia partir de um silogismo: ‘o
homem trabalha, o migrante é homem, logo, o migrante
é trabalhador’. Isso não é somente para dizer o que é ób-
vio, o fato é que o trabalho é uma realidade significativa
da vida humana.
Antes de analisar o tema nas Sagradas Escrituras, seria
interessante apresentar uma visão panorâmica das cul-
turas que influenciaram o seu ambiente histórico cultu-
ral, bem como sua interpretação ao longo dos séculos.
Com referência ao ambiente histórico cultural, tem-se
conhecimento da chamada Epopéia
de Atrahasis, poema épico da mitolo-
gia suméria sobre a criação e o dilúvio
universal. O poema inicia com a narra-
tiva do trabalho dos deuses. Anu, pai
dos deuses, impõe o trabalho somente
aos deuses menores, chamados Igigi, os
quais se rebelam. A solução do proble-
ma do trabalho representa a primeira
etapa da ordem do mundo. Segundo a narrativa, os deu-
ses estavam reunidos em um conselho. Anu admite que
os rebeldes tinham motivos para suas queixas e, deste
Espalhando as sementes do verboO trabalho na perspectiva bíblica
modo, decide criar o homem para encarregá-lo do traba-
lho dos deuses. Ea (também chamado de Enki), deus das
águas, deu este conselho:
“... que se degolasse um deus e todos os demais deuses se pu-
rificassem no banho de seu sangue. E que a sua carne e o
seu sangue, Nintu, a deusa-mãe, misturasse um pouco de
argila, de maneira que deus e o homem estivessem mistu-
rados, constituindo assim uma só carne e um só espírito.”
Os deuses presentes concordaram e degolaram Wé,
que era desconhecido. Ea e a deusa-mãe chamaram en-
tão as sete genitoras, que se puseram a trabalhar a argila.
A deusa-mãe cortou então 14 pedaços de argila – sete à
esquerda e sete à direita – e as deusas
deram à luz sete varões e sete mulheres
que, imediatamente, foram juntos, aos
pares, e a raça humana recebeu as leis
do trabalho.
Observa-se algumas semelhanças
entre a teologia e antropologia babilô-
nica com a narrativa bíblica da criação
do homem: o mito de Atrahasis tam-
bém destaca a total participação do elemento divino na
formação do composto humano. Mas, esse mito deixa
claro que a criação do homem tem a finalidade de so-
O trabalho é fonte de bênçãos e não de maldições ou
castigo pelo pecado, o trabalho já existia
antes da queda
dEcifrando as Escrituras
5Esperança | 1º semestre de 2011
lucionar o problema do trabalho dos deuses e que, por
natureza, o homem é a mistura de elementos divinos e
humanos.
Dando um salto no tempo e no contexto histórico-
-cultural no que se refere ao trabalho e a migração, o pen-
samento grego também oferece uma significativa contri-
buição a esta reflexão. Em Atenas, o trabalho manual e o
comércio eram verdadeiramente desprezados. Como tal,
os ofícios manuais eram exercidos, sobretudo, por escra-
vos ou estrangeiros, sendo que os cidadãos só recorriam
a eles quando pressionados pela necessidade. Raramente
um cidadão aceitaria um trabalho como pedreiro – ou
outro qualquer – que o obrigasse a estar sujeito às or-
dens e ao pagamento de outros. O cidadão trabalhava,
mas tentava ser o mais livre possível. O homem verdadei-
ramente livre deveria ser dono de si mesmo. Quem de-
pendesse do salário de outro não era livre, sendo a pior
das condições humana a do operário agrícola, que tinha
que alugar o serviço de seus braços.
Diversamente, nas Sagradas Escrituras o trabalho é
uma realidade importante na vida humana, bem como
característica da vida divina. As narrativas bíblicas dei-
xam transparecer um Deus trabalhador, que atua na
criação como um oleiro (Gn 2,4b-24). Ele mesmo mode-
la e plasma o homem com as suas mãos. Seu trabalho
não termina, Ele continua atuando na providência, no
sustento e na conservação do mundo. Em João 5,15,
Jesus afirma: “Meu Pai trabalha sempre e eu também
trabalho”. O ser humano foi criado para trabalhar. No
entanto, não como vimos no mito anteriormen-
te, como escravo dos deuses ou substituição da
mão de obra de deuses menores, pois o traba-
lho não tem um fim em si mesmo.
Em Genêsis (1,28), o homem recebe a ordem
divina de sujeitar a terra e dominar os ani-
mais, mostrando que tudo está colocado por
Deus, sob o cuidado e a serviço do homem. E
Genêsis (2,15) diz que a tarefa do ser humano
é cultivar e guardar o jardim. O trabalho é fon-
te de bênçãos e não de maldições ou castigo
pelo pecado, o trabalho já existia antes da
queda. O castigo que decorre do pecado
não é o trabalho, mas seu caráter penoso e
afadigador (Gn 3,17-19).
Nas Sagradas Escrituras, temos uma visão
positiva do trabalho que, como vimos, contrasta
com outras culturas. Na cosmovisão bíblica, todo traba-
lho é valorizado, seja intelectual ou manual, pois, todos
são necessários, assim como testemunha Jesus (o carpin-
teiro, filho de carpinteiro), Paulo (o fazedor de tendas) e
Pedro (o pescador).
A recomendação de Jesus sobre o não andar ansioso
com o que comer, beber ou vestir (Mt 6,25-44) certamen-
te não é um estímulo à preguiça, nem implica o não
trabalhar ou deixar de ser previdente. Pelo contrário, é
um convite a ter o trabalho não como fim em si. Deste
modo, vale lembrar a exortação de Paulo em 2Ts 3,6-12:
“Nós vos ordenamos, irmãos, em nome do Senhor Jesus
Cristo, que vos afasteis de todo irmão que leve vida desor-
denada. Não vivemos de maneira desordenada em vosso meio, nem recebemos de graça o pão que comemos; antes, no esforço e na fadiga, de noite e de dia, trabalhamos para não sermos pesados a nenhum de vós. Quando estáva-mos entre vós, já vos demos esta ordem: quem não quer trabalhar, também não há de comer. Ora, ouvimos dizer que alguns entre vós, levam vida à toa, muito atarefados sem nada fazer. A estas pessoas ordenamos e exortamos, no Senhor Jesus Cristo, que trabalhem na tranquilidade, para ganhar o pão com o próprio esforço.”
Seguindo a tradição do pensamento bíblico cristão,
o Beato João Batista Scalabrini, defendendo o direito
à vida, se coloca ao lado daqueles que precisam migrar
para encontrar trabalho e salário digno. Diferente do
pensamento grego, que tira do estrangeiro o direito de
ser cidadão, Scalabrini afirma que “para o migrante, a
pátria é a terra que lhe dá o pão”.
São Paulo foi migrante por causa
de Cristo e se fez trabalhador para
poder sustentar sua missão. Tantos
outros exemplos poderiam ser to-
mados das Sagradas Escrituras para
demonstrar a importância do tra-
balho na vida dos cristãos. A mi-
gração, por causa de trabalho
não deve ser vista como
problema, mas como
oportunidade de
espalhar as semen-
tes do Verbo.
Ir. Elizangela Chaves Dias, mscs
São Paulo – SP
6
A reflexão da Igreja sobre a dignidade da pessoa
humana é antiga e sempre nova, pois continua-
mente se dedica ao aprofundamento das verda-
des que alimentam a vocação humana à realização plena
neste mundo, aspirando à transcendência. Nossa refle-
xão é bastante elementar, porém, rica de luzes.
A dignidade transcendenteIniciamos com a encíclica Rerum novarum, de Leão
XIII, que é uma resposta moral às questões trabalhistas
do seu tempo e, de modo especial, à luta de classes. É
uma escola sobre a dignidade da pessoa humana que,
pela inteligência, capacidade de produção, de gerenciar
a própria vida e aspiração ao transcendente, é capaz de
buscar a realização plena de sua existência no aqui e ago-
ra da história e na eternidade depois. Neste trabalho,
Leão XIII desenvolveu como tema principal a procla-
mação das condições fundamentais da justiça na con-
juntura econômica e social daquele momento histórico,
momento que é também extremamente atual.
A vocação ao desenvolvimento pleno
Com a Rerum novarum, o Papa oferece ao mundo uma
fonte de unidade e paz frente aos conflitos que surgem
no setor socioeconômico, com a possibilidade de viver
novas situações sem degradar a dignidade transcendente
da pessoa humana.
Dignidade do trabalho e do trabalhadorA pessoa é dona de sua força ativa, é senhora do seu
desenvolvimento e dos benefícios advindos de sua doa-
ção. O trabalho pertence à vocação de todos aqueles que
se expressam e realizam mediante atividade laboral. Ain-
da com a Rerum Novarum, “pode-se afirmar com verdade
que o trabalho dos operários é o que produz a riqueza
dos Estados”. Por isso, não é demais exigir a limitação
das horas de trabalho e o legítimo descanso.
Existem leis internas e convenções internacionais que
obrigam as empresas a pagarem um salário suficiente
para o sustento do operário e de sua família. Porém, isso
não se faz realidade na maioria dos países. O Papa decla-
ra imorais os casos de contratos de trabalho que igno-
de bem-estar alcançados, graças a de-
cênios de crescimento econômico. Na
maioria dos casos, entretanto, os imi-
grados respondem a uma demanda
de trabalho que, do contrário, ficaria
insatisfeita, em setores e em territórios
nos quais a mão de obra local é insufi-
ciente ou não está disposta a fornecer
o próprio contributo em trabalho em
determinadas áreas (DSI, 297).
E mais: as instituições dos países an-
fitriões devem vigiar cuidadosamente
para que não se difunda a tentação de
explorar a mão de obra estrangeira,
privando-a dos direitos garantidos aos
trabalhadores nacionais, que devem
ser assegurados a todos sem discriminação. A regula-
mentação dos fluxos migratórios, segundo critérios de
equidade e de equilíbrio, é uma das condições indispen-
sáveis para conseguir que as inserções sejam feitas com
as garantias exigidas pela dignidade do ser humano. Os
imigrantes devem ser acolhidos e ajudados, junto com
as suas famílias, a integrar-se na vida social. Em tal pers-
pectiva, deve ser respeitado e promovido o direito a ver
reunida a família. Ao mesmo tempo, devem ser favore-
cidas as condições que consentem o aumento das pos-
sibilidades de trabalho nas próprias regiões de origem
(DSI, 298).
O Papa João Paulo II, na encíclica Laborem exercens, disse: “O cristão que está em atitude de escuta da palavra
do Deus vivo, unindo o trabalho à oração, conhece não
só o lugar que seu trabalho ocupa no desenvolvimento
terreno, como também no desenvolvimento do Reino de
Deus, ao qual todos somos chamados pela força do Es-
pírito Santo e pela palavra do Evangelho”. Sabemos que
o mundo desenvolvido do norte está sendo reevangeli-
zado pelos migrantes, especialmente filipinos e latino-
-americanos. Por isso, nosso trabalho junto a eles é volta-
do para a animação, formação e atenção sócio-pastoral.
Isso, para que sejam incentivados na esperança, anima-
dos na caridade e fortificados na fé. Queremos que os
migrantes jamais se deixem vencer pela terrível tentação
de ganhar muito dinheiro em pouco tempo, em detri-
mento de sua saúde física, moral, social e espiritual.
Ir. Erta Lemos, mscsBruxelas – Bélgica
7
EclEsiologia
Esperança | 1º semestre de 2011
ram a justiça em matéria de trabalho,
crianças e mulheres, horários, higiene,
salubridade e legítima retribuição. Ain-
da ratifica a necessidade do descanso
festivo para que o trabalhador eleve seu
pensamento aos bens de cima, e renda
o culto devido à majestade divina.
Trabalhadores migrantesA Doutrina Social da Igreja Católica
é eloquente quando diz: a imigração
pode ser antes um recurso que um
obstáculo para o desenvolvimento. No
mundo atual – em que se agrava o de-
sequilíbrio entre países ricos e pobres
e onde o progresso das comunicações
reduz rapidamente as distâncias –, crescem as migrações
de pessoas em busca de melhores condições de vida.
Elas são provenientes das zonas menos favorecidas da
terra e sua chegada aos países desenvolvidos é geralmen-
te percebida como uma ameaça para os elevados níveis
A pessoa é dona de sua força ativa, é senhora do seu desenvolvimento e dos benefícios advindos de sua
doação. O trabalho pertence à vocação de todos aqueles
que se expressam e realizam mediante atividade laboral
8
O que determinou a criação da cultura do ho-
mem, bem como sua felicidade e busca pelo
sucesso, foi a repercussão que o trabalho teve
no desenvolvimento do ser humano, desde as primei-
ras civilizações. Usando da inteligência e criatividade,
própria do ser humano, aprendeu a controlar o fogo e
construir habitações. Aprendeu também a se comunicar
através do trabalho de lascar pedras e pintar as paredes
das cavernas. E foi nesse conjunto de atividades que ele
pôde utilizar e favorecer a proteção da terra.
O grande valor do trabalho humano está no fato de
que, ao modificar o mundo ao redor para o seu bem-
estar e o bem comum, o homem transforma o mundo
interior e se revela a si mesmo e aos outros. Desta forma,
lascar pedras para escrever algo o ajuda a aprimorar a es-
crita, tanto quanto a pedra que ele lascou. Ao pintar para
se comunicar, dá outro aspecto à parede agora pintada e
O trabalho humano: caminho para a autorrealização
se descobre um ser movido por um mistério-Outro que
dinamiza seu mundo interno e lhe dá possibilidade de
ser coautor, cocriador à imagem D’aquele que trabalha
sempre e lhe dá “anima”, com o objetivo único de co-
municar o Amor. Ou seja, ao transformar a natureza, o
homem se reconhece no seu produto e se realiza com sua
obra. Ao transformar a madeira em lápis, se reconhece
no que faz e se sente “humano”, porque é capaz de co-
laborar com o bem comum. Neste sentido, o trabalho
dignifica o homem.
No decorrer da história, as sociedades fizeram do tra-
balho o fim último do homem, tornando-o objeto execu-
tor de tarefas, em vista do benefício de poucos, a serviço
do poder. O surgimento da propriedade privada levou
ao aumento das famílias nobres, o que gerou o necessá-
rio acúmulo de terras e mão de obra para cultivá-la. Esse
quadro foi causa de muitos problemas que se buscavam
9
formação
Esperança | 1º semestre de 2011
resolver com guerras de conquista entre os povos vizi-
nhos e os nobres que repartiam as terras conquistadas.
Os vencidos se tornavam escravos e propriedade do esta-
do que os repassavam aos nobres.
No feudalismo, o processo não foi muito diferente.
Os escravos se tornaram servos, manipulados e escravi-
zados, pois deviam permanecer presos e obedientes aos
seus senhores, os quais lhes deixavam
permanentemente na terra por eles do-
ada. Por sua vez, os senhores de escra-
vos se tornaram senhores feudais.
Já no capitalismo, o trabalhador
não tem mais nada de seu, nem as fer-
ramentas, nem o produto final. Tem
apenas a sua força de trabalho para
vender como mercadoria em troca de
um salário. Um dos sintomas desse sis-
tema laboral foi a “Grande Depressão
Econômica” de 1929, nos Estados Unidos, que abalou
o mundo. Os países que sofreram menos foram aqueles
que, como a União Soviética, estavam econômica e poli-
ticamente fechados ao sistema capitalista.
O cinema de Charles Chaplin retratou as consequên-
cias desse sistema, fazendo críticas do trabalho realizado
em detrimento da pessoa:
“O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém, desviamo-nos dele. A cobiça envenenou a alma dos homens, levantou no mundo as muralhas do ódio e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da produção veloz, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz em grande escala, tem provocado a escassez. Nos-sos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas, precisamos de huma-nidade; mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura! Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo estará perdido.” (Charles Chaplin)
Foi dessa e de outras maneiras inteligentes que Cha-
plin expressou sua indignação aos rumos que o trabalho
humano estava conduzindo o homem, no decorrer da
Depressão nos Estados Unidos. As suas indagações no
filme Tempos modernos nos ajuda a refletir sobre a finali-
dade do trabalho do homem e da mulher.
Chaplin interpreta no filme o personagem que executa
a tarefa única e repetitiva de apertar parafusos de manei-
ra tão automatizada que, quando a linha de montagem
para, ele continua o movimento. Leva-se em considera-
ção que o chefe os monitora através de um aparelho fi-
xado em seu escritório e ainda contava com a máquina
de alimentação automática, que visava eliminar o tempo
perdido do almoço.
Consequência: o personagem surta e é levado para
uma instituição de saúde mental. Ao
recuperar-se, volta às ruas e ainda é
preso, pois foi confundido pela polí-
cia. Conclusão: o sujeito em questão
não passou de um mero dente de uma
engrenagem, humanamente devorado
pela máquina.
Sabemos que o que dá sentido ao
trabalho é o prazer pessoal em fazer o
que se faz, é a necessidade de criar rela-
ções fraternas no ambiente em que se
trabalha, é o prazer de parar para sentir-se cansado por
ter feito tudo o que deveria ter feito, contemplar os seus
resultados e ter-se sentido útil em benefício dos outros.
São Thomás de Aquino, ao tratar do tema da autorre-
alização, “refere-se a um processo levado a cabo, de ma-
neira livre e responsavelmente e que incide sobre o nível
mais fundamental, o do ser homem” (Lauand, 1993, p.
40). Isto quer significar que o homem torna-se realiza-
do ou desenvolve sua realização no percurso da vida,
num movimento contínuo e dinâmico que o leva a ex-
perimentar sua existência como um “já e ainda não”. Essa
forma de pensar ajuda o homem a entender-se como
um ser inacabado, um
tornar-se, um vir-a-ser,
o que o coloca sempre a
caminho, na descoberta
e na busca da realização.
Neste sentido, o fe-
nômeno migratório se
torna um direito, na
medida em que o ser hu-
mano livremente busca
melhores condições de
trabalho para favorecer
a sua realização plena.
Ir. Rosa Maria Martins SilvaBrasília – DF
“Mais do que máquinas,
precisamos de humanidade; mais do
que de inteligência, precisamos de
afeição e doçura!”
10
Esta tarde, folheando uma revista, me deparei
com uma imagem muito interessante: pezinhos
frágeis e delicados de uma criança apoiados so-
bre os pés de um adulto. A imagem vistosa e atraente
ocupava quase toda a página. No centro, emergia uma
pequena frase, simples e despretensiosa: “Por trás de uma
vida existem muitas outras”.
Segui lendo para ver do que se tra-
tava. Era o anúncio de uma empresa
que, em poucas linhas, traçava sua vi-
são e missão, destacando o compromis-
so com a humanidade e sublinhando
a atenção com a pessoa dos seus co-
laboradores. As palavras que seguiam
eram incisivas, bem elaboradas e for-
tes o suficiente para impactar olhos e
ouvidos do leitor. O texto remeteu-me
imediatamente aos trabalhadores e
trabalhadoras migrantes, talvez por conhecer um pouco
da situação de muitos deles, que padecem grandes sofri-
mentos e dificuldades para inserir-se numa nova cultura
e conseguir trabalho. Lembrei ainda das condições de
trabalho deprimentes às quais muitos desses migrantes
submetem-se a fim de garantir a própria sobrevivência e
a de suas famílias, “as outras vidas” apontadas no texto
do anúncio.
Diante desta realidade, me perguntava: como as em-
presas que oferecem trabalho hoje aos migrantes, co-
laboram para cuidar de sua saúde?
Estudos realizados nos últimos anos
destacam aspectos do universo laboral
que afetam a sanidade física e mental
do trabalhador migrante. Tomo aqui
alguns exemplos que servem para ilus-
trar a nossa reflexão sobre o tema.
A pesquisadora Maria A. Moraes
Silva (2006) relaciona o sofrimento e
a morte dos migrantes canavieiros ao
processo global de racionalização eco-
nômica. Ela recorda que os trabalha-
dores são submetidos a situações de exploração e degra-
dação que produz várias formas de sofrimento. Como
exemplo, temos o karoshi, que mata os trabalhadores da
indústria automobilística no Japão; a birôla, que mata
Cuidando da vida
do Migrante
Um pai relatou que, no retorno ao país de origem, o filho não o reconheceu
e o rejeitou, suscitando nele
certo desconforto psicológico
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Esperança | 1º semestre de 2011
ação missionáriaformação
os canavieiros de exaustão e overdose de trabalho nas
usinas do sudeste do Brasil. Karoshi, segundo a autora,
é uma patologia do trabalho que resulta da tolerância
pelo trabalhador de práticas psicologicamente nocivas
e acúmulo de fadiga crônica do corpo, derivada do ex-
cesso de trabalho, que termina com o esgotamento e a
morte. Ela diz ainda que Karoshi e birôla são termos equi-
valentes para designar a patologia de uma nova doença
relacionada com a produção e o trabalho.
Um estudo realizado por Percy Galimbertti (O Ca-
minho que o Dekassegui Sonhou, 2002), com os migrantes
brasileiros que retornaram do Japão, observa que após
a volta ao Brasil houve um desencadeamento de sofri-
mento emocional muito intenso nestas pessoas, traduzido
como manifestações somáticas, ansiedades, transtornos
de humor, insônia, angústias, depressões, isolamento,
irritação, agressividade, alcoolismo, uso de drogas e dis-
túrbios de percepção (como falsas percepções e ideias
delirantes, especialmente de caráter persecutório). Tais
sintomas, em muitos deles, ultrapassaram os limites do
suportável, requerendo assistência médica.
Nos relatos dos migrantes, percebeu-se que as moti-
vações que os conduziram ao trabalho no Japão, sejam
objetivas ou subjetivas, são apontadas como mais fortes
que suas condições psicológicas, o que tem levado um
número muito grande desses trabalhadores a sofrer des-
confortos emocionais durante sua estadia no Japão e/ou
seu retorno ao Brasil, com comprometimentos, muitas
vezes, graves.
Em alguns casos, foi relatada a desestruturação do am-
biente familiar. Alguns se separaram da família, deixando
cônjuges e filhos pequenos no Brasil. Um pai relatou que,
no retorno ao país de origem, o filho não o reconheceu e
o rejeitou, suscitando nele certo desconforto psicológico.
Quanto às questões comportamentais, há indícios
de isolamento do convívio social, descrito como
“muitos acumulam silenciosos sofrimentos que
fragilizam seus egos, comprometem seu emocio-
nal, sua capacidade psíquica, comprometem sua
capacidade laborativa e de inter-relacionamen-
to com a sociedade. Perdendo sua capacidade
laborativa ou reduzindo sua produtividade,
tornam-se, então, descartáveis, ficando sem
atenção para seus sofrimentos”. O compro-
misso de economizar dinheiro e trabalhar
arduamente para o retorno antecipado ao
Brasil também foi mencionado. Dentre os exemplos, côn-
juges trabalhando em turnos distintos não conseguiram
conviver em harmonia, optando pela separação, o que
desencadeou depressão e outros transtornos mentais.
O texto toca um elemento que está presente nas falas e
projetos da sociedade atual: “O cuidado com a vida”. Nun-
ca se falou tanto na importância de cuidar da vida em to-
dos os sentidos como se fala hoje: o cuidado da vida das
pessoas, da natureza, dos animais, enfim, da vida do pla-
neta. Parece que esta consciência realmente está crescen-
do, já não se pode simplesmente ignorar esta necessida-
de. Uma atitude prática que expressa “o cuidado” da vida
da pessoa que trabalha é o investimento em saúde física,
psicológica, social e espiritual, segurança e treinamen-
to para que todos trabalhem seguros e bem dispostos.
O beato João Batista Scalabrini dizia: no migrante eu
vejo o rosto do Senhor. O cenário da estação de Milão,
onde os migrantes italianos esperavam o trem para se-
guir para o porto de Genova, de onde partiriam para as
Américas, tocou profundamente o coração de Scalabri-
ni, que a partir de então não pôde deixar de envolver-se
com a causa dos migrantes. A partir deste fato, o Estado,
a Igreja, as autoridades migratórias de outras nações to-
dos foram convocados a se unirem para atender as ne-
cessidades de um povo a caminho. Iniciou-se assim uma
nova página em sua vida, tornando-se assim um grande
“cuidador da vida”, especialmente da vida dos migrantes.
Irmã Neuza Botelho dos Santos, mscsSão Paulo – SP
11Esperança | 1º semestre de 2011
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O importante é nunca parar de sonhar
E o que dizem os cortadores de cana?No final da safra de 2010, numa roda de conversa entre
migrantes cortadores de cana que residiam em Guariba –
SP, não foram revelados dados técnicos e nem números.
Eles falaram de seu corpo e emocional, das percepções e
constatações que afetam diretamente suas vidas.
“A gente trabalha até o limite das condições físicas e,
no final da tarde, o corpo fica esquisito, parece que não
é o da gente, o olhar chega a ficar turvo. Quando o tra-
balho vai ficando pesado demais
alguns gritam, outros cantam,
xingam, sai muito palavrão e
alguns choram escondido. Se a
gente for levar em conta as dores
que aparecem no corpo, a gente
se encolhe e não faz mais nada.
Quando o fiscal pede pra termi-
nar o trabalho após o horário, é
“A cada minuto de trabalho, um cortador de
cana realiza 17 flexões de tronco e aplica 54
golpes de facão. Tudo isso com o joelho se-
miflexionado e a cervical estendida, o que o faz perder
oito litros de água ao final de cada jornada. Em média,
são cortadas e carregadas 12 toneladas de cana num per-
curso de quase nove quilômetros”.
Esse é o resultado de um estudo divulgado em janei-
ro de 2011 pela Secretaria de Saúde de São Paulo, em
diversos jornais do país. Em nota, o estudo indica que
“o setor sucroalcooleiro apresenta grandes
contrastes em sua cadeia produtiva. Apesar
de ser uma indústria altamente lucrativa, as
condições de trabalho ainda são, geralmente,
de qualidade ruim, colocando em risco a saú-
de dos trabalhadores”. O governo estadual
prometeu regulamentar o setor em 2011 para
melhorar as condições de trabalho dos corta-
dores de cana.
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“Se a gente for levar em conta as dores que aparecem no corpo, a gente se encolhe e não faz
mais nada”
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ação missionária
Esperança | 1º semestre de 2011
duro demais! Chego quase morto em casa quando corto
360 metros de cana; também, quando chove, fica difícil
trabalhar na roça. Pra dizer a verdade verdadeira, o tra-
balho na roça só é bom por causa das conversas e amiza-
de com os colegas. Entre nós, usamos algumas palavras
que são próprias do nosso trabalho: ‘goela’ é quando
o cara é bom de facão; ‘borracheiro’ quando o outro é
pior que a gente no corte de cana; ‘ficar borrado’ é passar
mal, perder os sentidos e cair no chão. Sofremos muitas
injustiças, e não temos o controle do que produzimos
sobre o que vamos ganhar”.
Sonhos e conquistas“A gente sai em busca de muitos sonhos: casa, estudos
para os filhos, tratamento da saúde, ter uma moto, fa-
zer algum curso, enfim, melhorar as condições de vida.
E já na primeira viagem aparecem as dificuldades; saí do
Maranhão com apenas 10 reais no bolso, comia nas pa-
radas porque os outros me davam. Eu vim sem dinheiro,
mas não quero voltar sem ele. A primeira vez que a gente
vai para um lugar diferente é mais difícil. Para conseguir
a casa que quero vou bater como doido no pé da cana.
Nós, jovens, queremos estruturar o futuro, há sonhos
que demoram para serem alcançados. Nem tudo sai
como a gente planeja, depende da safra e de nossa saúde.
O importante é nunca parar de sonhar, buscando uma
conquista atrás da outra. Com a migração e o trabalho
estou adquirindo muitos conhecimentos e novas amiza-
des, meu mundo ficou maior”.
Dificuldades e confiança“A maior dificuldade é levantar às três horas da madru-
gada para fazer comida e, quando volto da roça,
estar super cansado, enfadado,
e ainda ter que fazer
a janta. Sinto muita falta de minha família, e muitas ve-zes lá da roça ligo para minha esposa. Aqui dói, mas no Maranhão dói mais ainda. O conselho da maioria das mães é pra gente não viajar, não ficar distante da família, porque vai perdendo o amor pelos filhos e pela esposa. Na saúde percebo que tive uma recaída, muitas dores no corpo, câimbras, fraqueza e estou envelhecendo mais rápido. Há muitos jovens com rugas no rosto. Aqui a gente fica preso no trabalho e quando a gente volta pra nossa terra, dá vontade de andar sem parar. Tenho 15 anos de trecho, e o que estou passando não quero para meus filhos. Aqui dói, mas no Maranhão dói mais ainda. Sinto Deus sempre ao meu lado, converso direto com Ele. É Deus que me controla nesse jogo, ele tem paixão por mim. O rio que ele me deu para atravessar é um rio
pesado, mas Ele não me abandona”.
MemóriaDesde 2004, a Pastoral do Migrante em Guariba – SP
recebe informações sobre mortes envolvendo trabalha-dores migrantes empregados no corte da cana no interior paulista. Os dados mostram que pelo menos 21 corta-dores de cana morreram entre 2004 e 2009. Alguns mor-reram supostamente por exaustão, devido ao trabalho árduo no corte. Outros podem ter sido vítimas da falta de cuidado com a saúde. José Pereira Martins, 51 anos, reclamou da “dureza” do seu trabalho um dia antes de morrer num canavial de Guariba, em março de 2008. Ele disse ao jornalista: “canavieiro é o pior serviço que existe, estou nessa porque é o último recurso”. (O Estado de São
Paulo, 31/03/2007).Ir. Inês Facioli, mscs
Guariba – SP
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BOLIVIANOS EM SÃO PAULO
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Em setembro de 2010, um boliviano foi preso em
São Paulo, acusado de manter seis compatriotas
em regime de escravidão. Um fato que atraiu a
atenção da mídia e indignou a população. No entanto,
casos como esse acontecem todos os dias envolvendo
bolivianos que vem à capital em busca de melhores con-
dições de vida.
Alguns dias antes da prisão, as Irmãs Scalabrinianas re-
alizaram o seminário “Imigração Latina no Brasil: o caso
dos bolivianos em São Paulo”. Apesar de São Paulo ser a
cidade brasileira que mais concentra imigrantes vindos
da Bolívia, ao longo dos dois dias do evento nenhum de-
les apareceu. O motivo? Medo de serem descobertos em
situação irregular e terem que deixar o país.
O medo faz com que bolivianos que não possuem
documentos para permanecer legalmente no Brasil não
procurem hospitais quando estão doentes, não prestem
queixas quando são roubados, não matriculem os filhos
na escola, entre outras situações que são cotidianas a
qualquer brasileiro. Esse é o caso de grande parte dos
que aqui vivem.
A Bolívia não integra o Mercosul (Mercado Comum
do Sul). Portanto, para entrarem no Brasil, os bolivia-
nos precisam de visto. Boa parte vem com documentos
de permanência por determinado período ou de turista.
Quando vence, ficam irregulares. Outros não possuem
nenhum tipo de documento. Essas pessoas não têm di-
reito a se matricularem em cursos, abrirem conta em
banco ou arrumarem trabalho regulamentado.
O que eles buscam quando decidem mudar para o Bra-
sil é melhorar a vida, ganhar dinheiro para ajudar a fa-
mília e, posteriormente, abrir um negócio próprio. Mais
uma barreira imposta pela condição de irregulares. Os
bolivianos vêm com a promessa de um bom emprego,
moradia e alimentação. O sonho fica para trás quando
percebem que a vida no Brasil não é bem como espera-
vam. Na realidade, trabalham em jornadas que regular-
mente ultrapassam 15 horas, moram em porões, se ali-
mentam mal e são obrigados a viver de maneira reclusa
– por ordem do empregador e pelo medo de serem presos
e deportados. Vivem em condições análogas à escravidão
em um país livre.
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ação missionária
Esperança | 1º semestre de 2011
Uma parte desses imigrantes acerta com o empregador
antes de sair da Bolívia. O contratante dá um emprésti-
mo para pagar a viagem fazendo com que o contratado
já chegue ao Brasil com dívida. Uma vez no país, devem
pagar uma quantia mensal pelo aluguel do quarto e ali-
mentação. Como o salário desses tra-
balhadores é baixo, a dívida se acumula
a cada mês.
Um estudo realizado por Sidney
Antonio da Silva e apresentado no ar-
tigo “Bolivianos em São Paulo, entre
o sonho e a realidade” mostra que o
imigrante boliviano é, em sua maioria,
jovem, solteiro e de escolaridade média.
Instala-se principalmente na região
central, em bairros como o Brás, Bom
Retiro e Pari.
Trabalham no seguimento de costu-
ra, um setor que não exige qualificação
profissional nem idade mínima. Em geral, um membro
da família vem primeiro – para conhecer o local e come-
çar a trabalhar. Depois, os outros seguem seus passos e
se mudam para o Brasil.
Assim, o número de bolivianos em situação irregular
na cidade de São Paulo é maior a cada ano. Tentando
amenizar o problema, o governo brasileiro assinou um
… trabalham em jornadas que regularmente ultrapassam
15 horas, moram em porões, se
alimentam mal e são obrigados a viver de maneira reclusa
15Esperança | 1º semestre de 2011
acordo, em 2005, para a regularização dos indocumen-
tados. Calcula-se que havia 60 mil bolivianos vivendo de
maneira irregular no estado. No entanto, apenas 10 mil
entraram com o processo para obtenção do documento.
Por outro lado, nem todos os bolivianos de São Pau-
lo vivem em regimes análogos ao de
escravidão: existem oficinas com me-
lhores condições e que possibilitam ao
trabalhador uma vida social e familiar.
Eles participam de feiras, missas, festas,
jogos de futebol e outras atividades.
E é contribuindo para a superação
destes problemas, a defesa dos direi-
tos humanos e maior dignidade dos
migrantes que as Irmãs Missionárias
Scalabrinianas realizam ações bem
concretas a favor desta população de
migrantes, na região do bairro “Alto
do Pari”. Ali elas mantêm o CESPROM
(Centro de Promoção do Migrante): um centro que ofe-
rece formação e cursos profissionalizantes, apoio social
e religioso, com o objetivo de promover e formar aos mi-
grantes bolivianos e paraguaios, bem como, aos migran-
tes internos provenientes das várias regiões do interior
do Brasil, que vem participando deste espaço de forma-
ção e recreação.Marina FerrazSão Paulo – SP
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Uma resposta, a serviço dos migrantes
Irmã Elizangela Chaves Dias é natural de Brasília/DF. Mora atualmente no bairro do Pari, em São Paulo/SP – na comunidade do antigo Colégio Santa Teresinha, local que sempre manteve
especial atenção à educação dos filhos de imigrantes.
Gostaria de usar esse espaço para falar de pes-
soas, histórias vivas que se encontram nos
caminhos da migração e experiência pastoral
vivida por mim.
Também eu vivi a vida de imigrante, quando morei na
Itália por três anos, durante meus estudos de teologia.
Neste período, durante as férias de verão, tive a oportu-
nidade de fazer uma experiência missionária com imi-
grantes em Reggio Calábria, sul da Itália. Eram africanos
que desembarcavam na ilha de Lampedusa e imigrantes
provenientes de diversos países do leste europeu (Geór-
gia, Albânia, Romênia). Chegavam ao nosso Centro de
Escuta em busca de orientação, emprego, defesa dos
direitos. Mas, também nos buscavam na esperança de
serem vistos como seres humanos. Queriam conversar,
contar suas dores e sonhos, encontrar um albergue, re-
ceber alimentos e agasalhos.
O que me impressionava era o rosto desfigurado com que
chegavam a nós. Muitas vezes, a comunicação era difícil,
pois falavam a língua nativa. Podíamos, porém, compre-
ender que buscavam a última chance de sobrevivência.
Depois de três ou quatro meses, retornavam alegres e
agradecidos, não mais com a face desfigurada, mas sim trans-
figurada.
Ao retornar deste estágio do sul da Itália, estando em
Roma, me dispus como voluntária a colaborar no servi-
ço em uma Casa de Refugiadas, chamada Casa di Giorgia.
Ali, todos os sábados, ao longo de dois anos, cozinhei
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ação missionária
Esperança | 1º semestre de 2011
juntamente com um norte africano naturalizado italia-
no. As moradoras eram mulheres refugiadas, entre 35 e
50 anos, vindas de diversos países da África e também
algumas filipinas, mexicanas, colombianas, etc. Certo
dia, um pedido me surpreendeu: “Irmã, antes de ir, reze
conosco, permaneça mais um pouco. Seu olhar e seu jeito nos
confortam!” A única coisa que eu fazia era acolher, deixa-
va tudo para estar ali, ouvir suas histórias.
Quando voltei ao Brasil, fui enviada à comunidade
Santa Teresinha, no bairro do Pari. Esta região é noto-
riamente marcada pela presença de migrantes e imigran-
tes. Partindo da experiência das visitas e do atendimento
aos migrantes no CESPROM-SP (Centro Scalabriniano
de Promoção do Migrante), ao menos com os que temos
contatos, é possível perceber que,
em sua maioria, são cristãos e na
terra de origem eram praticantes.
Junto com as demais Irmãs da
Comunidade, encontramos al-
guns que eram líderes, animado-
res de pastorais, ex-seminaristas,
etc. Ao chegarem aqui, acabam
por se distanciar do credo e da
prática religiosa. Pode ser pelas
distâncias culturais, dificuldades
psíquico-sociais ou as exigências
para corresponder com o objetivo de um trabalho novo.
Por isso, procuramos nos fazer presentes junto aos re-
cém-chegados, acolhê-los e integrá-los dentro de nossa
perspectiva pastoral. Digo pastoral e ressalto este aspec-
to, porque, de fato, os muitos que visitamos diariamente
não têm solicitado de nós somente assistência material,
mas sim presença, amizade, diálogo, momentos de en-
contro, oração, e reflexão.
17Esperança | 1º semestre de 2011
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Quando uma pessoa está na condição de estrangeiro,
sobretudo em uma situação irregular (sem documento)
e sem saber a língua, sente-se limitada na possibilidade
de estabelecer laços sociais. É como estar sem lugar no
mundo. Por isso, o CESPROM-SP empenha suas forças
e recursos para a promoção humana do migrante e a in-
tegração do mesmo na comunidade em que se encon-
tra. Através do contato e do estabelecimento de laços,
os migrantes deixam de serem “eles”, “os estrangeiros”,
e passam a ser “João, Maria, Javier...”. Hoje, em nossa co-
munidade, temos uma vez por mês a missa em espanhol,
nesta conquista os migrantes foram e são os principais
sujeitos e protagonistas. Os desafios são muitos, essa é uma pastoral que está
sempre começando. São poucos os agentes pastorais sen-
sibilizados para essa causa: acolher a proposta missioná-
ria de ir além dos muros de nossos templos e abraçar o
desafio de não se deter no que tantas vezes nosso Cardeal
Dom Odillo nos tem chamado a atenção, ou seja, a pasto-
ral de manutenção, voltada unicamente para a conserva-
ção da fé e assistência restrita da Comunidade (DA, 370).
A presença dos migrantes e imigrantes é um clamor
que provoca nossas pastorais e nossas Igrejas de São
Paulo a dar uma resposta evangélica e missionária, no
sentido de ir ao encontro das ovelhas que estão disper-
sas, em nosso redil.
Ir. Elizangela Chaves Dias, mscsSão Paulo – SP
… africanos que desembarcavam na
ilha de Lampedusa… chegavam ao nosso
Centro de Escuta em busca de orientação,
emprego, defesa dos direitos
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Hace 11 años el Ecuador atravesó una grave cri-
sis económica que provocó que el Sucre sufrie-
ra una híper devaluación, llegando a niveles
nunca antes presentados, ocasionando su desaparición
y que el País entrara en el fenómeno de la dolarización y
adoptara como moneda oficial al dólar.
Esta medida afectó directamente a
la clase más desposeída de la sociedad,
incrementando los niveles de pobreza y
de indigencia en el país, disminuyendo
a niveles mínimos su poder adquisitivo.
Presentándose además, una serie de fe-
nómenos económicos que contrajeron
la economía a nivel nacional, incremen-
tando el desempleo en el país y ocasio-
nando que el ingreso familiar no logra-
ra cubrir ni la canasta básica.
Bajo este panorama desalentador,
gran parte de los ecuatorianos, al no te-
ner un ingreso fijo que les permitiera satisfacer sus nece-
sidades básicas, optaron por ofertar su fuerza laboral en
el extranjero, puesto que en ciertos países se alcanzaban
niveles de remuneración sensiblemente más elevados.
Por esta causa, varios países de Europa y los EEUU co-
El bote salvavidas
del Ecuador
menzaron a captar personal de manera no oficial para
realizar trabajos pesados. Por lo tanto, pese a representar
muchos esfuerzos e inclusive ingresar como irregulares
a otros países y ser víctimas de los traficantes de perso-
nas, muchos ecuatorianos se endeudaron para viajar y
arriesgaron lo poco que tenían con la
finalidad de alcanzar mejores ingresos
económicos, sobre todo con el afán de
obtener una remuneración más digna
y mejorar su nivel de vida y el de sus
familias en el país de origen.
De este hecho ha dado como resul-
tado que muchos ecuatorianos/as
sean explotados y tratados de manera
infrahumana, sufriendo abusos, pero
sobre todo afrontando la soledad y la
separación de su familia, cónyuges, hi-
jos e hijas.
La migración ecuatoriana en estos
últimos años se ha convertido en el bote salvavidas del
Ecuador. Según información del Banco Central, los emi-
grantes aportaron con aproximadamente 550 millones
de dólares en el segundo trimestre del año 2010, con-
virtiéndose en el segundo aporte económico más impor-
…gran parte de los ecuatorianos, al no
tener un ingreso fijo que les permitiera
satisfacer sus necesidades básicas, optaron por ofertar su fuerza laboral en
el extranjero
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ação missionária
Esperança | 1º semestre de 2011
tante después del petróleo. Estos ingresos han permiti-
do la circulación de dinero, lo cual hace que la economía
ecuatoriana no termine por hundirse.
En los últimos diez años, tres millones de ecuatoria-
nos han emigrado en busca de trabajo, de los cuales más
o menos un millón y medio viven en los Estados Unidos,
casi un millón en España, seguido de otros países como
Italia, Bélgica.
Los que migran al exterior no son los más pobres, por
las obvias barreras de costo, migra la gente con cierto
ingreso, experiencia laboral y calificación. Entonces más
allá de una estrategia de supervivencia, la migración es
también una estrategia familiar de movilidad. Lo que
buscan son nuevas oportunidades, un mejor futuro. Un
rasgo interesante acerca de la migración ecuatoriana a
España, es que los migrantes lograron encajarse dentro
de una economía que continúa demandando mano de
obra de bajos salarios, semicalificados, y con preferencia,
en el caso de los hombres para trabajos agrícolas y de
las mujeres para el servicio doméstico. España parecería
ser entonces, un destino lógico para los emigrantes ecu-
atorianos, dadas las similitudes culturales y de idioma.
A finales de los años 70 y comienzos de los 80, cuando
la economía española entra en auge, muchos jornaleros
agrícolas españoles pudieron encontrar mejores traba-
jos, creando así un vacío en la oferta de empleo.
La mayoría de los ecuatorianos llega a España sin un
permiso de trabajo e inmediatamente contacta a amigos
y familiares y/o un patrocinador que pueda hacer una
oferta de contrato formal. Los migrantes usan lugares
de reunión públicos, como los parques de El Retiro y El
Oeste en Madrid, para socializarse y enterarse de las opor-
tunidades de empleo. Aquellos con suficiente suerte
para obtener un permiso de trabajo, están usualmente
restringidos a un empleo de corto plazo y con sueldos
relativamente bajos.
La emigración ecuatoriana se asemeja, en varios aspec-
tos, a muchos otros flujos de la migración internacio-
nal: el rol fundamental de las familias en las decisiones y
organización del proyecto migratorio, la gran capacidad
y flexibilidad de las redes para sostener las experiencias
migratorias, la existencia de jerarquías y desigualdades
de género en su interior, entre otros.
Dos elementos resaltan en estas explicaciones: la im-
portancia de las mujeres liderando las redes de emigra-
ción, y la presencia de redes basadas en la pertenencia
étnica y/o comunitaria, en el caso indígena. La femini-
zación de las redes también ha sido señalada en el caso
italiano. Son las mujeres que han llegado primero, se
han insertado en el mercado laboral y han formado las
primeras redes sociales. Son ellas también las que han
promovido la reunificación familiar.
El Ecuador es un país de emigrantes, inmigrantes
internos y externos, refugiados y de tránsito. Tiene un
carácter complejo y multidimensional y plantea una se-
rie de retos, desafíos y oportunidades, que pueden ser
potenciados con una visión de proceso y asumiendo un
abordaje integral que articule sus diversas expresiones.
Tanto en la emigración como en la inmigración se evi-
dencian problemas comunes: irregularidad, procesos de
restricción y persecución, implementación de políticas
de control, afectación individual, familiar y social. Final-
mente, se evidencia un contexto mundial y regional de
recrudecimiento de las políticas migratorias de restric-
ción, hecho que va a determinar nuevos desafíos para
trabajar por los derechos de los migrantes, las socieda-
des de acogida, tránsito y recepción.
Hna Janete Aparecida Ferreira, mscsQuito – Ecuador©
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La emigracion colombiana
Los Colombianos en el exterior variaron de 1,5
millón en 1985 a más de 4 millones en el 2008, en
situación regular e irregular. El 35% reside en los
Estados Unidos de América y el 23% en España, de acuer-
do al censo del 2005 del Departamento Administrativo
Nacional de Estadística – DANE.
En general, los que toman la decisión
de emigrar son el padre o la madre de
familia, seguido por los hermanos y
por hijos del jefe de hogar. El nivel edu-
cativo es en el orden del bachillerato
completo o incompleto al nivel univer-
sitario. Debido al idioma, los que van
a EUA, es normal que tengan un nivel
de educación superior que los que se
dirigen a España. Según la I Encuesta
Nacional sobre Migraciones Internacionales y Remesas,
2008-2009 (ENMIR), los motivos que llevaron los co-
lombianos al exterior, a partir del 2005, son: económico
laboral, matrimonio, reunificación familiar, estudio, co-
nocer y aventurar, seguridad y otros. Es de recordar que
Colombia continua viviendo en un contexto de conflicto
armado interno donde confluyen grupos armados de iz-
quierda y de derecha, bien como, el narcotráfico, que han
penetrado también en algunas estructuras políticas del
Estado, generando un alto índice de refugiados, asilados
y desplazamientos forzados.
Los colombianos son la 7º población más grande de
origen hispano que vive en los EUA. Hay grande concen-
tración en la Florida, en Nueva York y
Nueva Jersey. Más del 50% son muje-
res y la destinación más constante de
esa emigración es la España. La mayor
concentración de esta población se da
en Madrid y Barcelona. Actualmen-
te se ha incrementado la emigración
regular-laboral-temporal (MLTC) por
los acuerdos entre los dos gobiernos,
destinada a favorecer el trabajo en los
sectores agrícola, hotelero, peluquero,
atención a niños y ancianos, bien como también en el
campo de la salud. Parte de la población femenina está
conformada por mujeres cabeza de familia y algunas de
ellas han sido o son víctimas de Trata de Personas.
El “amor en efectivo” como en algunos países se le dice
a las remesas familiares son también indicadores visibles
del creciente flujo de colombianos hacia el extranjero.
Para el 2000, se registraron 1,5 millones de dólares y en
Debido al idioma, los que van a EUA,
es normal que tengan un nivel de educación superior
que los que se dirigen a España
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el 2007, 4,5 millones de dólares – siendo el 1.9% y el 3.3%
si comparado con el Producto Interno Bruto – PIB res-
pectivamente. Como receptores se destacan las mujeres
y los jefes del hogar.
En los dos países hay dificultades para los colombia-
nos, siendo las más recurrentes en EUA
debido a la situación de irregularidad
de muchos de ellos, por lo que piden
al gobierno colombiano que los visibi-
lice y que se trabaje para conseguir el
Temporary Protected Status (TPS), – esta-
tus temporal de protección – conferido a
inmigrantes que no pueden regresar a
su país a causa de un conflicto armado, desastres ambientales, u otras condi-ciones extraordinarias o temporales.
Es un consenso que, hasta el momen-to, en materia de migración internacional en Colombia,
sólo se han adoptado políticas públicas de gobierno de
carácter aislado, siendo necesaria una visión integral,
con coordinación estratégica y de arraigo entre la mis-
ma población emigrante. Algo a destacar es el programa
de gobierno “Colombia nos Une”, que entre los objeti-
vos están el de identificar intereses y necesidades de los
colombianos en el exterior, fortalecer la participación
política desde el exterior en temas de interés nacional y
gestionar mecanismos para mejorar sus condiciones de
vida en el lugar de residencia. Dicho programa ha con-
cebido la Política Integral Migratoria – PIM, que está en
la primera etapa de diseño, y será ejecutada por un Vice
Ministerio de Migración creado al interior del Ministe-
rio de Relaciones Exteriores, pero los analistas advierten:
quizá no continúe siendo mera teoría y
distante de la práctica.
Tanto en España como en EUA, la
mayoría de los colombianos conti-
núan practicando la religión cristia-
na católica. Por su parte, la Iglesia de
Colombia en las últimas dos décadas
ha demostrado su preocupación con
los emigrantes. Es de destacar que ha
despertado la emigración hacia EUA
también con el motivo de acompaña-
miento pastoral a la población hispa-na. Como ejemplo, puedo citar la diócesis de Garagoa, departamento de Boyacá – Colombia, donde soy oriun-da. Conozco a más de 12 misioneros, entre sacerdotes diocesanos y religiosos que han sido y son puente de unidad entre nuestras comunidades católicas, varios de ellos en coordinación con las misiones Scalabrinianas, los cuales tratan de apoyar los connacionales en su des-tino y susténtalos en la fe en que nacieron, crecieron y fueron bautizados.
Hna Lígia Ruiz GambaBogotá – Colombia
En los dos países hay dificultades para
los colombianos, siendo las más
recurrentes en EUA debido a la situación de irregularidad de
muchos de ellos
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O SONHO AMERICANO
Honduras, um dos países da América Central,
possui uma população aproximada de oito
milhões de habitantes. Apesar da grande ri-
queza natural, é um dos países mais pobres da região e
de toda América Latina.
A América Central é constituída pelos
países do Panamá, Costa Rica, Nicará-
gua, Honduras, El Salvador Guatemala
e Belize. Destes, com exceção de Costa
Rica, todos têm sido palco de grandes
conflitos políticos, econômicos e so-
ciais, e sofreram inúmeras catástrofes
naturais. São países que estão marca-
dos pela violência, corrupção, destrui-
ção e por uma conjuntura que perpetua
um sistema de pobreza e de miséria.
Considerando tudo isso, muitos veem como única al-
ternativa para a sobrevivência, migrar para os Estados
Unidos, na tentativa de obter um melhor nível de vida:
esse é o sonho americano. Em Honduras, o grande flu-
xo migratório aos Estados Unidos começou a partir da
destruição deixada pelo furacão Mitch, em 1988. Fala-se
de uma perda de 60% da infraestrutura de transporte
e mais de 70% das plantações. O presidente da época,
Carlos Flores, declarou que a destruição correspondia a
50 anos de retrocesso para o país. Hoje, é evidente que
o Mitch foi uma das primeiras causas
do aumento da migração forçada nos
últimos anos.
Honduras tem uma estrutura políti-
ca-economica-socio-cultural que conspira
contra os pobres e sustenta a fortuna
de alguns poucos e bem sucedidos no
país. É certo que gramaticalmente não
é correto escrever ‘política-economica-
-socio-cultural’ tudo junto, mas, no caso
de Honduras, necessariamente é as-
sim. Ao longo da história, desenvolveu-se uma cultura
de silêncio e submissão que favoreceu o crescimento de
uma sociedade classicista. Aqui existem apenas alguns
poucos ricos e muitos pobres, e não é possível identificar
uma classe média. Uma sociedade com traços de machis-
Segundo estatísticas oficiais,
a cada hora saem do país 17 hondurenhos.
São mais de 100 mil por ano
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ação missionária
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mo, violência e corrupção. Essa estrutura de
divisão de classes prejudica a maioria da popu-
lação que se encontra em situação bastante di-
fícil, e em alguns casos, até mesmo subumana.
Por isso, depois de mais de 20 anos do furacão
Mitch, ainda são muitos os hondurenhos que se
sentem obrigados a migrar a outros países.
Segundo estatísticas oficiais, a cada hora saem
do país 17 hondurenhos. São mais de 100 mil por
ano. Desses, somente 17% permanecem nos Esta-
dos Unidos, sendo que 7% são documentados e
outros 10% de forma irregular; 1% passa a viver no
México ou na Guatemala e os demais são deporta-
dos. Os dados do Centro de Atenção ao Migrante
Retornado – CAMR confirmam que, em 2010, fo-
ram deportados, via aérea e terrestre, mais de 40
mil hondurenhos. Antes da lei Arizona SB 1070,
que atualmente criminaliza a migração irregular, várias
fábricas empregavam a esta categoria de migrantes.
Em sua grande maioria, os migrantes hondurenhos
nos Estados Unidos trabalham servindo em bares e res-
taurantes, serviços de jardinagem, construção civil, agri-
cultura e como empregados domésticos. Esses trabalha-
dores sofrem discriminações, humilhações e, para poder
enviar algo para suas famílias, vivem de forma muito
simples, chegando, às vezes, a passar fome. São vítimas
de todo tipo de violência e, muitas vezes, por xenofobia,
são assassinados.
Na rota migratória, os migrantes enfrentam todo tipo
de violação de seus direitos: extorsão, roubos, violên-
cia física, sequestros, violação sexual, trabalho escravo,
fome, enfermidades, morte e milhares estão desapareci-
dos. Muitos são os migrantes, homens e mulheres, que
regressam mutilados, com fraturas celebrais ou na co-
luna em consequência de caídas do trem. Seis de cada
cem mulheres que saem em busca do sonho americano
sofrem algum tipo de
violência.
No massacre de
São Fernando de Ta-
maulipas, em agosto
de 2010, dos 72 mi-
grantes assassinados
pelo grupo criminal
Zeta, 22 eram hon-durenhos. Dos migrantes sequestrados em México, 67% são hondurenhos. As autoridades civis e religiosas con-firmam que os hondurenhos são os mais vulneráveis na rota migratória. Então podemos nos perguntar: por que não diminui o número de hondurenhos que saem de seu país em busca do sonho americano? Simplesmente porque o sistema econômico e político não satisfazem as necessidades básicas de alimentação, saúde, moradia, educação e emprego, fazendo de Honduras um país di-fícil para a sobrevivência dos pobres, impelindo-os a saí-
rem em busca de uma vida mais digna.
Ir. Lídia Mara Silva de Souza, mscsTegucigalpa – Honduras
Por que não diminui o número de hondurenhos
que saem de seu país em busca do sonho
americano?
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Meu Pai trabalha sempre, e eu também trabalho! (Jo 15,17)
Meu Pai trabalha sempre, e eu também trabalho
! (Jo 15,
17)
Centro Vocacional São CarlosRua Vereador Oswaldo Elache, 71 • Aparecida • SP • 12570-000
Tels: (12) 3105-1008 e 3105-7441 E-mail: [email protected] • www.mscs.org.br
Migrantes com os Migrantes
Venha trabalhar conosco!
Meu Pai trabalha sempre, e eu também trabalho
! (Jo 15,
17)
Centro Vocacional São CarlosRua Vereador Oswaldo Elache, 71 • Aparecida • SP • 12570-000
Tels: (12) 3105-1008 e 3105-7441 E-mail: [email protected] • www.mscs.org.br
A lguns dias atrás, lendo uma entrevista sobre
educação e pesquisa, me deparei com a seguin-
te frase: quem gosta de estudar não é admirado
no Brasil. Quis seguir adiante na minha
leitura, mas confesso que essa frase me
causou um forte impacto. Isso porque
é uma afirmação que não morre em si
mesma, mas gera outras reflexões. Pa-
rei ali e comecei a pensar sobre aquele
jogo de palavras diretas e ao mesmo
tempo preocupantes que me lançavam
de encontro a uma realidade vivida
pelos brasileiros. E você? Já tinha pen-
sado em algo semelhante? Mencionei
esse fato porque acredito que ele tem
a ver com o tema que vamos discutir.
Convido você que me acompanha nesse espaço da
Revista Esperança a pensar por alguns instantes no qua-
dro da educação no Brasil, bem como, nos incentivos e
investimentos que são aplicados nessa
área. Se lançarmos um olhar sobre a
trajetória do ensino e aprendizagem,
procurando perceber como se dá esse
processo, desde as bases até alcançar
o nível superior, nos damos conta de
que não existe no Brasil uma cultura
que valorize o conhecimento. Consta-
tamos a falta de iniciativa por parte do
governo em um investimento a longo
prazo que favoreça a capacitação de
bons profissionais na área da pesquisa
e da técnica.
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Fuga de cérebros: uma face da migração
Sem motivação e apoio, fica difícil
para aqueles que desejam
qualificar-se e que valorizam o
estudo e a pesquisa permanecerem
no país
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O sistema educacional brasileiro é marcado por lacu-
nas, o que compromete a seriedade de todo um processo
que visa o desenvolvimento do Brasil. Afinal, um país
que leva a sério a educação, se encontra em ascensão. En-
tre os principais entraves para atrair potenciais cientis-
tas ao meio acadêmico estão os baixos valores das bolsas
de estudos e o futuro incerto da carreira. Sem motivação
e apoio, fica difícil para aqueles que desejam qualificar-se
e que valorizam o estudo e a pesquisa permanecerem no
país. Tudo isso torna crescente a chamada fuga de cére-
bros, que atinge estudantes em várias instâncias, sobre-
tudo pesquisadores, mestrandos e doutorandos.
Destaca-se também o fato de que, muitas vezes, o Bra-
sil não sabe aproveitar os bons profissionais que, atraí-
dos pela escassez de oportunidades de trabalho para mão
de obra qualificada, migram para outros países. Aqueles
que decidem permanecer aqui, o fazem por
opção e não por receberem algum tipo de
estímulo. Além do mais, existe uma visão
distorcida sobre pessoas que se dedicam
à pesquisa, as quais são tidas como estu-
dantes por um longo tempo e não como
profissionais.
Dentro dessa lógica, podemos dizer que
a fuga de cérebros é um tipo de migração
forçada. Podemos pensar: fuga por quê?
Fugimos daquilo que nos amedronta, que
tira as nossas possibilidades, que fecha os
nossos horizontes. Fugimos porque quere-
mos algo melhor e que dê consistência às
nossas vidas, aos nossos projetos, sonhos
e empreendimentos. A partir do momento
em que o país não favorece esse espaço – ao
estudante ou ao profissional –, consequen-
temente estará perdendo a oportunidade
de acelerar o processo de desenvolvimento
interno. Ao mesmo tempo, força a migra-
ção, assumindo uma postura de omissão.
Sabemos que a migração deve ser um di-
reito de todos, porém não podemos perma-
necer passivos diante de um quadro que,
analisando as possibilidades somente se
encontre uma opção: migrar. Ir e vir, alargar
os horizontes do conhecimento, comparti-
lhar experiências. Tudo isso é um grande
tesouro para a humanidade, sobretudo no
campo do conhecimento. Porém, que seja um ato livre e
espontâneo.
Enquanto a mídia se preocupa em destacar que só se
admira quem participou do Big Brother, tem dinheiro, é
modelo, tem fama, etc., a nossa consciência como edu-
cadores e cidadãos deve buscar formar crianças, adoles-
centes, jovens e adultos para uma cultura do conheci-
mento. Conhecimento é possibilidade, é emancipação, é
vislumbrar à nossa frente novos horizontes. Essa é uma
urgência necessária para o bem do nosso povo e da nossa
nação. É preciso exigir das nossas autoridades governa-
mentais compromisso sério com a educação para que a
migração ou fuga de cérebros, não seja por uma falta de
opção e perspectivas geradas pelo nosso solo nativo. Eu
defendo essa causa. E você?
Ir. Renilda Teixeira PereiraSão Paulo – SP
Educação
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“Quero ir para o Brasil e necessito que me
ajudes a fazer o visto”, disse Erik. “Não
quero ir irregular como uns haitianos
que estão lá”, explicou. Perguntado sobre qual o mo-
tivo de ir ao Brasil, que tipo de visto queria e em que
cidade desejava viver, ele respondeu que queria ir para
uma cidade que estava distante de São Paulo três noi-
tes e três dias de ônibus. Não sabia o nome da cidade
nem tinha parentes no Brasil. Inicialmente, dizia que
entraria no seminário com os salesia-
nos e foi orientado que, neste caso, os
sacerdotes deviam pedir um visto de
estudante para ele na embaixada. Por
fim, Erik confessou que desejava ir ao
Brasil trabalhar. Que nesta cidade, cujo
nome não se lembrava, estavam uns co-
nhecidos de seus amigos que, por tele-
fone, haviam dito que estavam bem e
trabalhando.
O problema era saber a que cidade se
referia. Tentou-se dizer o nome de to-
das as maiores cidades do Brasil e nada,
não era nenhuma daquelas citadas. Padre Alfredo havia
enviado uma carta de Padre Gelmino contando as difi-
culdades enfrentadas pelos haitianos em Manaus e nas
fronteiras Colômbia, Peru e Brasil. Neste momento, se
perguntou ao Erik se o nome da cidade era Manaus e ele
confirmou.
Erik não sabia nem o nome da cidade e nem o nome
dos amigos de seus amigos. Ele se aferrava na informa-
ção de que em Manaus havia trabalho para as pessoas
de outras nacionalidades, informação
esta recebida por telefone e confirmada
através de consultas feitas na internet.
Eram os meios de comunicação que
haviam facilitado a divulgação da no-
tícia e motivado a Erik, como a muitos
haitianos, a sair do Equador, onde rece-
beram um visto especial por ocasião do
terremoto em Haiti, para aventurar-se,
uns de forma regular, outros de forma
irregular, a ingressar na região norte
do Brasil e de modo especial no Ama-
zonas, como porta de ingresso ao país.
Migração e os meios de comunicação
Os meios de comunicação…
exercem sobre as pessoas uma força
de atração e um desejo ingênuo de migrar para sair da pobreza e das
dificuldades
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Educação
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Assim como o telefone, a internet, a tele-
visão e outros meios de comunicação são
os veículos através dos quais os migrantes
motivam de forma direta ou indireta a seus
familiares, amigos ou amigos dos amigos
a tomar o caminho da migração regular e,
muitas vezes, irregular em direção a países
vizinhos ou a outros continentes.
Em um encontro de Cáritas Internacio-
nal, em Senegal, na África, muitas mães
partilharam sobre jovens que arriscam
suas vidas, cruzando o oceano em barcos
inseguros e sobrecarregados para chegar
à Espanha ou Itália. Tudo no intuito de
realizar seus sonhos e conseguir um bom
trabalho para enviar dinheiro às suas
mães e irmãos. São, em geral, motivados
pelos meios de comunicação, familiares e
amigos que estão na Europa.
Alguns meios de comunicação oficiais,
divulgando imagens chocantes, tentam
desmotivar aos jovens a empreender esta
travessia, mas a comunicação com seus
compatriotas é mais forte e tem o poder
de atrair os migrantes.
Quando os meios de comunicação di-
vulgam a realidade dos migrantes que
estão bem nos países de destino, também
exercem sobre as pessoas uma força de
atração e um desejo ingênuo de migrar
para sair da pobreza e das dificuldades.
Os meios de comunicação não contam as
histórias de tantos migrantes que estão
passando dificuldades nos países de des-
tino. Muitos deles tiveram uma migração
fracassada e não realizaram seus sonhos.
Divulgam quase sempre as situações que
deram certo, cuja porcentagem é bem
menor, sem contar que muitos outros
tiveram seus sonhos e ilusões ofuscadas
pela realidade que encontram nos países
de destino.
Ir. Maria Lélis da Silva, mscsQuito – Equador
VERdAdE, ANúNCIO E AUTENTICIdAdE dE VIdA NA ERA dIgITAL
No mundo digital, transmitir informa-
ções significa com frequência sempre
maior inseri-las numa rede social, onde
o conhecimento é partilhado no âmbi-
to de intercâmbios pessoais. A distinção
clara entre o produtor e o consumidor
da informação aparece relativizada, pre-
tendendo a comunicação ser não só uma
troca de dados, mas também e cada vez
mais uma partilha. Esta dinâmica contri-
buiu para uma renovada avaliação da co-
municação, considerada primariamente
como diálogo, intercâmbio, solidarieda-
de e criação de relações positivas. Por
outro lado, isto colide com alguns limi-
tes típicos da comunicação digital: a par-
cialidade da interação, a tendência a co-
municar só algumas partes do próprio
mundo interior, o risco de cair numa
espécie de construção da autoima-
gem que pode favorecer o narcisismo.
Trecho do pronunciamento do
Papa Bento XVI em ocasião do 45º Dia
Mundial das Comunicações Sociais.
Vaticano, 24 de janeiro de 2011
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Quem não a conhece na Província Nossa Senhora Aparecida? Irmã Marilde traz como umas das marcas fortes da sua personalidade o empenho na vida de oração e no trabalho, na missão que lhe é confiada. Ela é aquela Irmã de estatura baixa, franzina, de pernas e pensamentos ágeis, motivados pelo grande sentido de pertença à Congregação.Irmã Marilde, já com os seus 81 anos, é uma religiosa incansável, trabalhadora, de uma dispo-nibilidade incrível. Não mede esforços para sair a pé ou de ônibus, se preciso for, para resolver os negócios da Província, porque veio para doar-se. “Eu dei mesmo a minha vida pela Congregação, não reservei nada para mim. Não preciso pensar em mim. Ele pensa por mim. No meu trabalho cotidiano, sempre gosto de oferecer os meus passos pela conversão dos pecadores”.
Esperança: Irmã Marilde, como nasceu a sua vocação?
Irmã Marilde: Eu sempre quis ser Irmã e numa viagem
a Guaporé com meus pais, conheci as Irmãs Scalabrinia-
nas que trabalhavam no hospital e me apaixonei pelo tra-
balho delas. Chamava-me a atenção a doação delas aos
doentes. Entrei para fazer experiência e ali no hospital
também comecei a doar a minha vida e nunca tive dúvida
da minha vocação. Minha vocação é Jesus e o seu Reino.
Esperança: Como foi essa experiência ali no hospital junto
às Irmãs?
Irmã Marilde: Era uma vida de doação muito bonita.
Nós levantávamos às quatro da manhã para cuidar dos
doentes e trabalhávamos o dia inteiro. Às vezes, até depois
do jantar. Tínhamos que cuidar da preparação da alimen-
tação dos doentes, da rouparia da enfermaria e centro
cirúrgico, e cuidar do bom andamento de todos os ser-
viços do hospital. Foi uma experiência gratificante, pois,
sentia que podia servir aos mais frágeis e necessitados.
Irmã Marilde: um testemunho de serviço e pertença ©
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História dE vida
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Esperança: Que mensagem quer deixar para aqueles que
leem a Revista Esperança e, de modo especial, às Irmãs
mais jovens?
Irmã Marilde: Amem sempre a Jesus. Estejam sempre
na presença Dele. Isso é fundamental para a nossa voca-
ção. Peçam sempre a Jesus as melhores palavras e a hora
certa de dizê-las. Ele mesmo disse que iria para junto do
Pai, mas que o seu Espírito intercederia por nós, como
nosso advogado. Ele nos orienta, nas coisas mais simples
do dia-a-dia. Já estou com 81 anos e a cabeça, às vezes,
não ajuda mais... Às vezes, estou no tra-
balho e não sei onde coloquei um de-
terminado documento, venho aqui na
Capela, peço a Maria para que o seu Es-
poso, o Espírito Santo me mostre, pois
não posso julgar ninguém e quando re-
torno, encontro o que eu precisava. Ele
nos orienta e nos esclarece tudo!
A fala de Irmã Marilde parece nos ajudar a entender
por onde passa a espiritualidade do trabalho: é neces-
sário dar uma dimensão espiritual a tudo que fazemos,
sentindo-nos cocriadoras com Deus, através de suas
obras. A espiritualidade do trabalho é dar essas pince-
ladas de espiritualidade às pequenas coisas que fazemos
como bem testemunhou Irmã Marilde. Em tudo, se per-
cebemos bem, e de maneira silenciosa e sem alarde, ela
dá um espaço para Deus, seja dando uma fugidinha para
rezar na capela, seja no caminho do trabalho, oferecendo
a caminhada como sacrifício para os outros, seja no re-
conhecimento ou na oferta de suas fraquezas ao Senhor.
Com certeza,
Irmã Marilde
é mais um pa-
trimônio vivo
da nossa Con-
gregação. Deo
Gratias!
Ir. Rosa Maria Martins SilvaBrasília – DF
“Amem sempre
a Jesus. Estejam
sempre na
presença Dele”
Esperança | 1º semestre de 2011
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Esperança: Além do trabalho missionário em hospitais,
a senhora tem dedicado mais de 35 anos em trabalhos pu-
ramente administrativos. O que a motiva e sustenta neste
tempo de trabalho?
Irmã Marilde: É verdade. São mais de 35 anos que estou
colaborando no setor administrativo da Província, en-
carregando-me entre outros da documentação de seguro
social e aposentadorias das Irmãs. Vejo que é importante
“cuidar dos cuidadores”. Se tantas Irmãs estão na missão
direta com os migrantes mais necessitados, doando to-
talmente suas vidas, é justo que alguém
se encarregue de pensar, organizar e le-
var em dia toda a papelada deste exér-
cito de trabalhadoras do Reino, para
que num futuro elas possam gozar de
uma merecida pensão, e tranquilidade
na velhice.
Esperança: Irmã Marilde, onde a senhora busca força
para trabalhar tanto, aos 81 anos?
Irmã Marilde: Basicamente na oração. Reconheço mi-
nhas fragilidades, mas sei que Deus é misericordioso e
vem ao meu encontro. Há momentos de fraqueza que
a gente fica meio nervosa, reconheço a minha fraqueza,
mas não guardo rancor ou raiva de ninguém. Se me sin-
to ofendida por alguém, rezo por aquela pes-
soa e sinto muita paz interior. Ao passo
que a gente reza para o outro, tudo
passa. Quando estou desolada, gosto
de rezar o salmo 141. Rezo outros
salmos, como o 15 e o 90. Mas a
frase bíblica que ilumina a minha
vida é aquela expressão de Jesus:
“permanecei em mim”. Ele pede que
não nos afastemos Dele.
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ABRA A PORTASão pés aos milharespisando firmes a estrada,País das dores e esperançasde minha gente cansada.
São olhos aos pares,fixos em algum horizonte,jovens irmãos forjandoum amanhã diferente.
São mãos de muitos calos,porém de ternura e carinho;mãos de todo um povoque da história abre caminho
Corpos famintos, almas sedentasem busca de pão e algo mais;famílias inteiras ao relento;na cidade e no campo, quantos ais.
Abra a porta meu irmão,há alguém do lado de fora;solidário estenda a mão,abra a porta sem demora.
Abra também o coração,rompa muros e preconceitos;o amor supera toda lei,eis o novo e o maior preceito.
Todo homem tem direitos:terra, trabalho, vida,toda família quer casa,pra verdadeira cidadania.
Pe. Alfredo José Gonçalves, cs
Você sabia?
CuRIoSIDADE
Que os trabalhadores noturnos perdem cinco anos de vida para cada 15 dias de jornada de trabalho? É o que mostra um es-
tudo divulgado pela Unidade do Sonho do Institu-
to Dexeus de Barcelona, juntamente ao Serviço de
Neurofisiologia do Hospital da Paz de Madri, ambos
na Espanha.
Que estima-se que existam hoje no Bra-sil cerca de 30 mil trabalhadores subme-tidos a condições de trabalho escravo? Destes, 70% estariam concentrados no Estado do
Pará, o que confere ao nosso estado o triste título de
“campeão nacional de trabalho escravo”.
Que o Brasil é responsável por 60% da produção mundial de cana-de-açúcar? No Brasil, há 500 mil cortadores, sendo que 70% são
migrantes temporários. Grande parte se concentra
no Estado de São Paulo, que é responsável pela pro-
dução de 75% do etanol brasileiro e 25% da produ-
ção mundial.
Que os migrantes devem ser tratados como iguais aos nacionais do país de acolhimento em matéria de remunera-ção e condições de trabalho? É o que diz o
documento da Convenção Internacional de Imigra-
ção. Os trabalhadores também têm direito às liber-
dades básicas como a de mobilização, de expressão
de pensamento, consciência e prática da religião.
Que além do Pará, Maranhão e Tocan-tins, a “Lista Suja” de estados brasileiros com trabalho escravo conta ainda com os estados do: Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Santa Catarina, Bahia, Rondônia e Piauí?
Que, segundo a Organização Interna-cional do Trabalho, a violência física e psicológica no local de trabalho está aumentando em todo o mundo e atingiu “níveis epidêmicos” em muitos países industrializados? O estudo diz que a violência
no trabalho, incluindo prepotência, assédio sexual
e agressão física, pode custar entre 0,5% e 3,5% do
Produto Interno Bruto dos países, através do absen-
teísmo, das licenças médicas e menor produtividade.
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“Somos chamados a empreender um itinerário de comunhão que implique na aceitação das legítimas diversidades.
A defesa dos valores cristãos passa, evidentemente, pela não discriminação dos imigrantes, pelo diálogo fraterno e o respeito recíproco. O testemunho de amor e de acolhida
dos cristãos constitui em si mesmo a primeira e indispensável forma de evangelização”.
(EMCC, 99)