Espera frustrada

2
DOMINGO, 13 DE JANEIRO DE 2013 - Inglesa morre após receber pulmão de fumante. Achar doador não é o único desafio na fila dos transplantes. Brasil quer aumentar segurança Rebeka Figueiredo rebeka.fi[email protected] P ortadora de fibrose cística, a britânica Jennifer Wederell, de 27 anos, aguardou 18 meses numa fila de transplantes até receber um novo pulmão, em abril de 2011. Um ano e 4 meses depois, ela morreu em decorrência de um câncer de pulmão diagnosticado em fevereiro de 2012. O órgão transplantado era de um doador que fumava. Espera frustrada CIRURGIA DELICADA: Não existe risco zero em um transplante, afirma médico brasileiro AFP REPRODUçãO ÓRGÃO DOENTE: Jennifer Wederell esperou 18 meses por um pulmão. Acabou morrendo por causa do câncer transplantado com ele Para o pai da moça, Co- lin Grannell, a filha não teria concordado com a operação se soubesse que o doador – um homem de meia-idade – era um fumante compulsivo. Por meio de um comunicado, o hospital onde a cirurgia foi realiza- da se desculpou por não ter oferecido a ela a opção de aceitar ou não o órgão. “Os riscos são muito maiores se o paciente recusa um pulmão de um doador fumante e decide es- perar por outro órgão que seja compatível e também de um não fumante”, justificou a nota. Na opinião do médico res- ponsável pela unidade de Transplante de Rim e Pân- creas da Santa Casa de Porto Alegre, Valter Duro Garcia, o caso foi uma fatalidade. “No mundo há muito mais pessoas morrendo na lista de espera. E não existe risco zero em uma doação”, esclarece Garcia. “Há perigo durante a cirurgia, pode haver rejeição, além do risco muito pequeno de se ter uma doença trans- mitida pelo órgão.” O ministro da Saúde da Grã- -Bretanha, Earl Howe, revelou ao jornal Sunday People que 16 g eral

Transcript of Espera frustrada

Page 1: Espera frustrada

DOMINGO, 13 DE JANEIRO DE 2013 -

Inglesa morre após receber pulmão de fumante. Achar doador não é o único desafio na fila dos transplantes. Brasil quer aumentar segurança

Rebeka Figueiredo [email protected]

Portadora de fibrose cística, a britânica Jennifer Wederell, de 27 anos, aguardou 18

meses numa fila de transplantes até receber um novo pulmão, em abril de 2011. Um ano e 4 meses depois, ela morreu em decorrência de um câncer de

pulmão diagnosticado em fevereiro de 2012. O órgão

transplantado era de um doador que fumava.

Espera frustradaCirurgia DELiCaDa: Não existe risco zero em um transplante, afirma médico brasileiro

Afp

repr

od

ução

ÓrgÃO DOEntE: Jennifer Wederell esperou 18 meses por um pulmão. Acabou morrendo por causa do câncer transplantado com ele

Para o pai da moça, Co-lin Grannell, a filha não teria concordado com a operação se soubesse que o doador – um homem de meia-idade – era um fumante compulsivo. Por meio de um comunicado, o hospital onde a cirurgia foi realiza-da se desculpou por não ter oferecido a ela a opção de aceitar ou não o órgão. “Os riscos são muito maiores se o paciente recusa um pulmão de um doador fumante e decide es-perar por outro órgão que seja compatível e também de um

não fumante”, justificou a nota.Na opinião do médico res-

ponsável pela unidade de Transplante de Rim e Pân-creas da Santa Casa de Porto Alegre, Valter Duro Garcia, o caso foi uma fatalidade. “No mundo há muito mais pessoas morrendo na lista de espera. E não existe risco zero em uma doação”, esclarece Garcia. “Há perigo durante a cirurgia, pode haver rejeição, além do risco muito pequeno de se ter uma doença trans-mitida pelo órgão.”

O ministro da Saúde da Grã--Bretanha, Earl Howe, revelou ao jornal Sunday People que

16

geral

Page 2: Espera frustrada

- DOMINGO, 13 DE JANEIRO DE 2013

39% dos pulmões transplanta-dos são de fumantes e, mesmo assim, a aceitação desses órgãos pode ser a melhor opção para quem espera um órgão. Entre-tanto, ele reforçou que as equi-pes deveriam explicar os riscos envolvidos aos pacientes.

Para Garcia, deixar que o paciente decida se aceita ou não determinado órgão não é a solução para aumentar a segu-rança em operações desse tipo. Antes de ser transplantado, diz o médico, todo órgão passa por vários exames e pela avaliação de equipes especializadas, além de entrevista sobre o histórico clínico do doador com fami-liares. “Seria muito difícil o pa-ciente tomar uma decisão se ele não tem conhecimento profun-do; até para o médico é difícil.”

A dificuldade de encontrar doadores é o principal desafio para os programas de trans-

plantes de órgãos e tecidos em todo o mundo. No Brasil, foram realizados 12.287 transplantes no primeiro semestre de 2012, segundo o Ministério da Saúde. O número representa um au-mento de 12,7% em relação ao mesmo período de 2011.

Mais de 28 mil pacientes aguardam por um transplan-te de órgão no País. Desses, 20 mil esperam por um rim e outras 152 pessoas estão na fila por um pulmão. Coordenador de Transplantes de Pulmão do Instituto do Coração (Incor), Paulo Pego Fernandes explica que a técnica de transplantes de pulmão está consolidada no Brasil há pelo menos 20 anos e o número de procedimen-tos fica entre 60 e 70 todos os anos. “Não utilizamos pulmões de doa-dores com mais de 55 anos ou de fu-mantes inveterados, mas aceitamos órgãos de fumantes leves, quando os exa-mes são bons.”

Paulo Pego lembra que pa-cientes que passam por qual-quer tipo de transplante têm

risco maior de desenvolver cân-cer devido aos medicamentos usados para evitar rejeição. “A imunossupressão, independen-temente da qualidade do ór-gão, tem efeitos colaterais, pois diminui as defesas do corpo. O que se leva em consideração é a qualidade e a quantidade de vida do paciente sem o trans-plante e com o transplante”, diz ele, que também é membro da Associação Brasileira de Trans-plantes de Órgãos (Abto).

Para aumentar a seguran-ça no uso de órgãos, tecidos e células no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitá-ria (Anvisa) tem um grupo de trabalho que conta com espe-

cialistas de todo o País e re-presentantes do Ministério

ANVISA DEVE TESTAR

AINDA ESTE ANO

um SISTEmA DE

mONITORAmENTO

DE DADOS SOBRE

AS DOAÇÕES

PAÍS REALIZOu 12.287

TRANSPLANTES NO

1º SEmESTRE DO ANO

PASSADO, 12,7% A

mAIS QuE NO mESmO

PERÍODO DE 2011

mAIS DE 28 mIL

PESSOAS AGuARDAm

um TRANSPLANTE

DE ÓRGÃO NO PAÍS,

DIZ O mINISTÉRIO

DA SAÚDE

da Saúde. A chefe da unidade de Biovigilância e Hemovigi-lância, Geni Neumann, diz que a ideia é criar um sistema de monitoramento nacional único, que comece a ser testado já em 2013. “Com a coleta sistemáti-ca de dados sobre os problemas decorrentes do uso de células, tecidos e órgãos, vamos ter in-dicadores de risco que vão aju-dar as autoridades de saúde a modificar regulamentos, fazer mais investimentos e minimizar riscos”, acredita Geni.

Para doar órgãos é neces-sário expressar esse desejo. São os familiares que autorizam o procedimento quando a morte encefálica é constatada em um paciente. Alguns órgãos podem ser doados em vida, como parte do fígado, um dos rins e parte da medula óssea.

Apesar de ser considerado “raro”, o caso de Jennifer We-derell não foi o primeiro. Em 2008, um soldado britânico morreu após o transplante de um pulmão com câncer. Mat-thew Millington, de 31 anos, recebeu em abril de 2007 os pulmões de um homem que fu-mava entre 30 e 50 cigarros por dia, segundo investigação con-cluída em 2009. Os exames ini-ciais não detectaram problemas com o órgão transplantado, mas 6 meses após a cirurgia os médicos encontraram o tumor.

Nos Estados Unidos, qua-tro pacientes contraíram um linfoma raro, em 2008, depois de receberem órgãos de um adolescente de 15 anos que havia sido diagnosticado, inicialmente, com meningite bacteriana. Após a morte de

Alex Koehne, os pais do garo-to decidiram doar seus órgãos. Um mês depois, entretanto, a autópsia revelou que o rapaz havia morrido de uma forma rara de linfoma. Os quatro re-ceptores foram imediatamente notificados do resultado e fize-ram quimioterapia, mas dois deles morreram.

rituaL: Antes de ser transplantado, órgão é submetido a exames e avaliação de profissionais

Afp

geral 17