Especial Vinicius 100 anos

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SALVADOR DOMINGO 13/10/2013 3 ESPECIAL 100 anos MARIANA PAIVA O terreno era um areal. Mas para quem era poeta, tanto fazia: Vinicius sonhou com a casa construída no lugar mesmo assim. As paredes seriam erguidas em frente ao mar de Itapuã, com uma cerca baixinha, de onde desse para ver o sol se pôr. Como suas habilidades eram de verso e não de construção, Vinicius chamou Silvio Robatto e Jamison Pedra para converter a ideia em realidade. Sua primeira exigência foi uma banheira no andar superior da casa, e com vista para o mar. “Ele queria também uma área de lazer com varanda, uma sala de som para ensaios e um terraço acima do quarto com vista para o mar”, conta Jamison. O projeto terminou não sendo cobrado: virou presente de casamento dos arquitetos para Vinicius e Gesse. “Ele saía para fazer shows fora do Brasil para pagar a construção da casa. Foi construída com música mesmo”, o arquiteto revela. Livro Para comemorar o fim das obras, Vinicius escreveu o poema A Casa, que foi publicado em 1975 em forma de livro pelas Edições Macunaíma, editora de Glauber Rocha, Fer- nando da Rocha Peres, Paulo Gil Soares e Calasans Neto. Na capa azul do livro, está o desenho de Carlos Bastos: uma casa na árvore, com orixás guar- dando a copa, cães pas- seando embaixo e uma re- de na varanda. O livro é dedicado a Gesse e aos ope- rários que trabalharam na construção da casa. Tempos depois, os ami- gos do casal receberam o convite para a inauguração da casa, também desenha- do por Carlos Bastos. Naquela época, ainda não havia a rua em frente, e a casa tinha acesso direto à praça. Atualmente, a casa de Vinicius é parte do hotel Mar Brasil e algumas de suas partes con- tinuam preservadas, como o banheiro de Ges- se Gessy, com inúmeras esculturas de bum- buns na parede, os metais da banheira de Vinicius e a piscina da casa. Vida mansa Na casa nova de Itapuã, o dia de Vinicius começava já no finzinho da tarde. “Quando o sol ia se pondo, ele dizia: ‘Vamo tomar um uisquinho, filhinha?’. Era assim. Aí vinha a noite, a gente recebia amigos, ele ia fazer shows”, Gesse conta. O lugar vivia de portas abertas para os amigos, e as festas eram frequentes. Vinicius era o responsável pela lista de convidados. Se fosse muita gente, o uísque era nacional. Para convidados seletos, uísque importado: o poe- ta gostava especialmente de Johnnie Walker Black Label. O escritor e acadêmico Fernando da Rocha Peres guarda suas memórias da casa do poe- ta: “Um dia, enquanto eu esperava Vinicius, tive o prazer de assistir a ele e a Toquinho compondo juntos. Vinicius estava lendo a letra para dar o ritmo enquanto Toquinho começava a dedilhar no violão”. Outra lembrança de Fernando é do ca- chorro da casa, um São Bernardo chamado Graciliano (um trocadilho com o romance São Bernardo, do escritor Graciliano Ramos). “Ele usava meias para não pegar bicho de pé. Uma vez vi Vinicius falando com Gesse porque ela pegou a meia dele e vestiu no cachorro”. A Casa Vinicius de Moraes No andar de cima, como no térreo, todo Aberto sobre as águas e as dunas de Itapuã em amplas janelas De vidro temperado, os quartos de dormir Convidam a fazer nada: e nada há de ser feito, Amada, nesta casa Contra o instinto. Aqui há de ser sempre Calções de banho, tangas e bermudas Sandálias, pés descalços Corpos cheirando a mar De amigas e de amigos Sorrisos claros, bocas satisfeitas No encontro de céu e mar A CASA Com projeto de Silvio Robatto e Jamison Pedra, a casa do poeta em Itapuã foi erguida de acordo com seu sonho: uma banheira para ver o mar da Bahia TIRADINHAS O POETINHA Bruno Aziz Ponha um pouco de amor numa cadência E vai ver que ninguém no mundo vence A beleza que tem um samba, não Porque o samba nasceu lá na Bahia E se hoje ele é branco na poesia Se hoje ele é branco na poesia Ele é negro demais no coração SAMBA DA BÊNÇÃO, Vinícius de Moraes e Baden Powell Reprodução Marco Aurélio Martins / Ag. A TARDE Detalhe do convite da inauguração Fotos Marco Aurélio Martins / Ag. A TARDE Banheiro de Vinicius depois de reformas Bumbuns do banheiro de Gesse A piscina da casa continua preservada

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Histórias sobre a casa onde o poeta e compositor Vinicius de Moraes viveu na Bahia texto de Mariana Paiva fotos de Marco Aurélio Martins design de Vado Alves

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SALVADORDOMINGO

13/10/2013

3ESPECIAL

100anos

MARIANA PAIVA

O terreno era um areal. Mas para quem erapoeta, tanto fazia: Vinicius sonhou com a casaconstruída no lugar mesmo assim. As paredesseriam erguidas em frente ao mar de Itapuã,com uma cerca baixinha, de onde desse paraver o sol se pôr.

Como suas habilidades eram de verso e nãode construção, Vinicius chamou Silvio Robattoe Jamison Pedra para converter a ideia emrealidade. Sua primeira exigência foi umabanheira no andar superior da casa, e comvista para o mar.

“Ele queria também uma área de lazer comvaranda, uma sala de som para ensaios e umterraço acima do quarto com vista para omar”, conta Jamison.

O projeto terminou não sendo cobrado:virou presente de casamento dos arquitetospara Vinicius e Gesse. “Ele saía para fazershows fora do Brasil para pagar a construçãoda casa. Foi construída com música mesmo”,o arquiteto revela.

LivroPara comemorar o fim das obras, Viniciusescreveu o poema A Casa, que foi publicadoem 1975 em forma de livro pelas EdiçõesMacunaíma, editora de Glauber Rocha, Fer-nando da Rocha Peres, Paulo Gil Soares eCalasans Neto.

Na capa azul do livro, está o desenho deCarlos Bastos: uma casa naárvore, com orixás guar-dando a copa, cães pas-seando embaixo e uma re-de na varanda. O livro édedicado a Gesse e aos ope-rários que trabalharam naconstrução da casa.

Tempos depois, os ami-gos do casal receberam oconvite para a inauguraçãoda casa, também desenha-do por Carlos Bastos.

Naquela época, aindanão havia a rua em frente,e a casa tinha acesso diretoà praça. Atualmente, a casade Vinicius é parte do hotelMar Brasil e algumas de suas partes con-tinuam preservadas, como o banheiro de Ges-se Gessy, com inúmeras esculturas de bum-buns na parede, os metais da banheira deVinicius e a piscina da casa.

Vida mansaNa casa nova de Itapuã, o dia de Viniciuscomeçava já no finzinho da tarde. “Quando osol ia se pondo, ele dizia: ‘Vamo tomar umuisquinho, filhinha?’. Era assim. Aí vinha anoite, a gente recebia amigos, ele ia fazershows”, Gesse conta.

O lugar vivia de portas abertas para osamigos, e as festas eram frequentes. Viniciusera o responsável pela lista de convidados. Sefosse muita gente, o uísque era nacional. Paraconvidados seletos, uísque importado: o poe-ta gostava especialmente de Johnnie WalkerBlack Label.

O escritor e acadêmico Fernando da RochaPeres guarda suas memórias da casa do poe-ta: “Um dia, enquanto eu esperava Vinicius,tive o prazer de assistir a ele e a Toquinhocompondo juntos. Vinicius estava lendo aletra para dar o ritmo enquanto Toquinhocomeçava a dedilhar no violão”.

Outra lembrança de Fernando é do ca-chorro da casa, um São Bernardo chamadoGraciliano (um trocadilho com o romance SãoBernardo, do escritor Graciliano Ramos). “Eleusava meias para não pegar bicho de pé. Umavez vi Vinicius falando com Gesse porque elapegou a meia dele e vestiu no cachorro”.

A CasaVinicius de Moraes

No andar de cima, como no térreo, todoAberto sobre as águas e as dunas deItapuã em amplas janelasDe vidro temperado, os quartos de dormirConvidam a fazer nada: e nada há de serfeito, Amada, nesta casaContra o instinto. Aqui há de ser sempreCalções de banho, tangas e bermudasSandálias, pés descalçosCorpos cheirando a marDe amigas e de amigosSorrisos claros, bocas satisfeitas

No encontrode céu e marA CASA Com projeto de Silvio Robatto e Jamison Pedra, a casa do poeta em Itapuãfoi erguida de acordo com seu sonho: uma banheira para ver o mar da Bahia

TIRA

DIN

HAS

OP

OET

INH

ABr

uno

Aziz

Ponha um pouco de amor numa

cadência

E vai ver que ninguém no mundo

vence

A beleza que tem um samba, não

Porque o samba nasceu lá na Bahia

E se hoje ele é branco na poesia

Se hoje ele é branco na poesia

Ele é negro demais no coração

SAMBA DA BÊNÇÃO, Vinícius de Moraes e Baden Powell

Reprodução Marco Aurélio Martins / Ag. A TARDE

Detalhe doconvite dainauguração

Fotos Marco Aurélio Martins / Ag. A TARDE

Banheiro deVinicius depoisde reformas

Bumbuns dobanheiro deGesse

A piscina dacasa continuapreservada