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Espaço e memória: leituras do fenómeno geográfico da emigração portuguesa Jorge Carvalho Arroteia Universidade de Aveiro [email protected] 1. Enquadramento temático A análise da acção do complexo “geográfico e histórico”, condicionado pelas condições geográficas e históricas que estiveram na origem da rede de povoamento e das iniciativas de desenvolvimento que ditaram algumas das etapas do crescimento de Trás-os-Montes, estão associadas a diferentes movimentos de população, sobretudo de carácter centrífugo, que têm acompanhado o “exodo” constante da população desta região. Mesmo assim é possível determinar a sua influência na consolidação e construção de diveros espaços de poder (religioso, administrativo e económico), que se foram alicerçando no contexto do regime democrático por acção do poder local. Como aconteceu noutras regiões do país, esta acção foi sujeita ao longo dos séculos a alterações geográficas e societárias profundas, particularmente no decurso do último quartel do século XX, acompanhando as mudanças do sistema político e a mudança social que desde então se tem vindo a acelerar. Importa recordar que as marcas da acção humana sobre a paisagem - expressas, inicialmente, nas formas do povoamento - traduzem diversas etapas de um processo evolutivo de aproveitamento dos recursos naturais, iniciado pela exploração dos recursos primários e pela fixação de colonos e de fregueses nas freguesias criadas por acção da Igreja, ou, já depois da revolução agrícola e industrial, pela integração de diferentes tecnologias de produção, permitidas pela utilização de novas tecnologias de produção, pelo uso da máquina a vapor e pela difusão da energia eléctrica. Tal, permitiu a implantação de diferentes actividades humanas cujo desenvolvimento alimentou espaços distintos de

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Espaço e memória: leituras do fenómeno geográfico da emigração

portuguesa

Jorge Carvalho Arroteia

Universidade de Aveiro

[email protected]

1. Enquadramento temático

A análise da acção do complexo “geográfico e histórico”, condicionado

pelas condições geográficas e históricas que estiveram na origem da rede de

povoamento e das iniciativas de desenvolvimento que ditaram algumas das

etapas do crescimento de Trás-os-Montes, estão associadas a diferentes

movimentos de população, sobretudo de carácter centrífugo, que têm

acompanhado o “exodo” constante da população desta região. Mesmo assim é

possível determinar a sua influência na consolidação e construção de diveros

espaços de poder (religioso, administrativo e económico), que se foram

alicerçando no contexto do regime democrático por acção do poder local. Como

aconteceu noutras regiões do país, esta acção foi sujeita ao longo dos séculos a

alterações geográficas e societárias profundas, particularmente no decurso do

último quartel do século XX, acompanhando as mudanças do sistema político e

a mudança social que desde então se tem vindo a acelerar.

Importa recordar que as marcas da acção humana sobre a paisagem -

expressas, inicialmente, nas formas do povoamento - traduzem diversas etapas

de um processo evolutivo de aproveitamento dos recursos naturais, iniciado

pela exploração dos recursos primários e pela fixação de colonos e de fregueses

nas freguesias criadas por acção da Igreja, ou, já depois da revolução agrícola e

industrial, pela integração de diferentes tecnologias de produção, permitidas

pela utilização de novas tecnologias de produção, pelo uso da máquina a vapor

e pela difusão da energia eléctrica. Tal, permitiu a implantação de diferentes

actividades humanas cujo desenvolvimento alimentou espaços distintos de

exercício do poder social, económico e de mercado, traduzida na máxima

popular, bem conhecida de todos nós: “para cá do Marão, mandam os que cá

estão”.

Contudo, importa assinalar que o ordenamento das actividades humanas tem

vindo a ser condicionado, pela administração municipal, de que o poder local,

exercido pelas autarquias, constitui hoje um dos factores determinante do

processo de desenvolvimento territorial e social, bem como das dinâmicas

demográficas e outras, que o acompanha. Contudo, hoje em dia, o benefício dos

processos de inovação, decorrentes da utilização de novas formas de

organização do trabalho, dos avanços tecnológicos conseguidos através da

investigação científica e da sua aplicação, com a criação e o alargamento da

rede de estabelecimentos de ensino superior, como acontece com o ensino

politécnico, têm vindo a aabrir novas perspectivas de desenvolvimento, local e

regional, no todo nacional e ná região onde nos situamos.

Como ciência do homem e do espaço, a geografia tem uma palavra a dizer

na explicação das dinâmicas locais relacionadas com a população, o

desenvolvimento e o sistema de poder, assente no “sistema político”, bem como

na criação de novos espaços de poder, baseados em redes do conhecimento,

sediados em “nós” activos, incluídos na área ora considerada. Uma rede

marcada pelo predomínio do ensino superior politécnico, sobre o ensino

universitário, e pelos efeitos exagerados de uma “periferização” em relação aos

centros de poder e de decisão, que constrange as iniciativas locais e regionais de

desenvolvimento sustentado promovidas pela rede de estabelecimentos de

ensino superior aqui sedeadas, pelas autarquias, e por iniciativa de entidades

privadas que mesmo assim, continuam a acreditar no efeito dos investimentos

sobre as tendências naturais da desertificação que paira sobre o territitório

nacional.

Este tipo de reflexão permite precisar açgumas questões fundamentais que

importa assinalar, nomeadamente as que respeitam:

- a relação da geografia com a história e a acção desta “herança”, com as

iniciativas de desenvolvimento local e a evolução das actividades humanas,

associadas a diferentes factores económicos e sociais (GEORGE, 1972, p. 11);

- as “relações de poder”, assentes “no exercício da autoridade” (CLAVAL,

1987, p. 448), de organização, que decorrem da posse de bens de diferente

natureza e, sobretudo, da dependência administrativa – concelhos, municípios e

autarquias, relacionadas com o sistema político do “poder local”;

- o contributo das iniciativas de natureza educacional, promovidas pelo

poder local e pelo poder central, nos processos de desenvolvimento, com

especial incidência na formação dos recursos humanos, na territorialidade da

formação e na transferência de tecnologia para as empresas;

- nas relações “societárias” (CLAVAL, Op. cit., p. 458) e de poder

estabelecidas através de outras formas de autoridade e de dominação, ligadas a

“factores intangíveis” (FRIEDMAN, 2005, p. 366), consubstanciadas no poder

do conhecimento, as quais permitem “compreender a génese das

solidariedades a longa distância que caracterizam o mundo actual”

(CLAVAL, Loc. cit.).

No seu conjunto, o exercício da autoridade e do poder, sendo fenómenos que

cabem, fundamentalmente, no âmbito de estudo sociologia, importam à

geografia no domínio concreto da acção e das decisões, relacionados com o

melhor conhecimento da “crosta exterior da sociedade - a sua base

morfológica (geográfica, demográfica, ecológica, instrumental, etc.)

(...)”(GURVITCH, 1979, p. 17), expressa, no caso presente, não só nas marcas

da “civilização” sobre a paisagem, no ordenamento do território, mas, ainda,

nos padrões de distribuição e densidade da população, nos seus movimentos e

actividades, cujos reflexos se fazem sentir sobre a superfície terrestre, mas,

sobretudo, na interdependência dos fenómenos geográficos e sociais que

permitem consubstanciar novos espaços de vida e de relação, que importa

destacar.

A este respeito, evocamos H. Isnard (1982, p. 167), quando afirma que o “o

espaço geográfico responde à definição mais corrente do sistema que é

incontestavelmente um conjunto de elementos em interacção”. Este juízo

baseia-se no estudo de Ludwig Von Bertalanffy (1974), sobre a noção de

“sistema”, aplicada ao território (e nos diferentes espaços que nele coexistem),

na perspectiva que George (1967, p. 37) assinala, ou seja, “como um conjunto

de acções de intensidade variáveis susceptíveis de contribuir para muitas

formas de equilíbrio”.

A formulação deste problema vem ao encontro da reflexão expressa por

Claval (2001, p. 216), que, “Les transformations sont en cours. Il est encore top

tôt pour mesurer tous les aspects, mais on sent déjà tout ce qu’elles apportent à

la compréhension d’un monde où les conflits ne laissent plus tant de la rareté

des ressources que des sentiments d’identité, des images d’autre, et des

sentiments de frustration qui les accompagnent ». Mais, ainda, confirma uma

outra leitura da geografia, ou seja, « c’est de la société comme réalité vécue que

les géographes font leur » (Op. cit., p. 230). Por isso, « ils se familiarisent avec

les cercles d’intersubjectivité, s’intéressent á la construction des identités et se

penchent sur le rôle de la territorialité » (Loc. cit.).

O entendimento de alguns fenómenos territoriais e sociais, interessam

particularmente à geografia humana, definida por Orlando Ribeiro (1960, p. 65)

como o “ramo de saber que especialmente se ocupa da descrição e

interpretação das formas visíveis da superfície terrestre”, e dos “espaços

humanos”, tidos como “a expressão humana das paisagens” (RIBEIRO, 1970,

p. 76). De igual modo, dão-nos um contributo sério para uma outra leitura e

explicação dos fenómenos sociais e económicos, na perspectiva que Paul Claval

(1987, p. 86) apresentou, como fazendo parte de uma nova geografia cultural e

histórica, entendida como “o complemento necessário ao esforço que a

geografia humana geral ou regional prosseguem” (Loc. cit.).

Esta acção está relacionada com a evolução do sistema social e político

(CLAVAL, 1987, p. 457) e com as iniciativas de fomento que lhes andam

associadas, assunto este que se prende com a construção do espaço, as marcas

do tempo e o número, ou seja, a população (GEORGE, 1972, p. 24), elementos

estruturantes da análise geográfica e da construção societária da realidade que

constitui o nosso quotidiano.

Como assinalam Bailly e Ferras (1997, p. 120), “l’action essentielle de

l’homme a pour effet immédiat et premier de se graver sur l’éspace et donc de

produire du territoire à travers uns impression, des signes, des traces ».

Prosseguem os mesmos autores, referindo que a questão central , em geografia,

“passe par l’articulation sociétés humaines/territoires (le ‘social’ et le

‘spatial’) » (Loc. cit.). Mais, ainda, « L’outil opératoire en est l’échelle qui joue

sur tous les niveaux, du quartier au pays, du district à l’État ».

De acordo com Dollfus (1973, p. 6), o “l’espace géographique est un espace

changeant et différencié dont l’apparence visible est le paysage ». A sua

construção, faz-se, contudo, a partir da acção de diferentes factores: “l’espace

géographique se fait et évolue à partir d’ensembles de relations, mais ces

relations s’établissent dans un cadre concret, celui de la surface de la Terre »

(Loc. cit.). No caso presente, a acção que privilegiamos é a região

transmontana, a qual tem vindo a merecer diversos tipos de abordagens,

elaboradas segundo critérios e metodologias distintas, que não só a geográfica,

reunindo testemunhos diversos que contribuem para consolidar a memóeria

colectiva de um povo, uma comunidade e uma região, definida por ....

Segundo o entendimento de Claval (1987, p. 3), “os factos não se encontram

todos dispostos na realidade, são isolados, definidos e reconhecidos pelo

investigador cuja opinião é tanto mais válida quanto mais sólidos forem os seus

conhecimentos”. Por isso, a nossa reflexão incide sobre uma área restrita do

continente português, onde persistem diversas marcas humanas, fruto das

relações entre o homem e o seu meio ambiente e que atestam, conforme

escreveu Orlando Ribeiro (1955, p. 194), na “expressão das relações entre o

homem e a terra”, o resultado, “por um lado, das condições naturais e por

outro, da forma de colonização, modos de vida, sistema de exploração (…)”.

Não está em causa apreciar a evolução temporal destas marcas, traduzidas

no crescimento, distribuição e actividades dos seus habitantes, ou o contributo

de diferentes iniciativas de desenvolvimento, na criação de “espaços” de poder

associados ao labor humano, à administração da “coisa pública” e ao

conhecimento. Vamo-nos debruçar sobre alguns testemnhos, que permitem

recriar e fortalecer a “memória colectiva” dos habitantes, sobretudo dos mais

antigos, através de alguns relatos que incidem sobre um fenómeno

essencialmente geográfico, de mobilidade humana, referente à emigração na

área do distrito de Bragança.

De acordo com George (1967, p. 23), “uma situação é a resultante, num

dado momento – que é, por definição, o momento presente, em geografia – de

um conjunto de acções que se contrariam, se moderam ou se reforçam e sofrem

os efeitos de acelerações, de freios ou de inibição por parte dos elementos

duráveis do meio e das sequelas das situações anteriores”. Esta reflexão

sugere-nos que precisemos os limites deste fenómeno, extensivo a todo o

território nacional, mas muito contrastante quando consideramos o espaço e os

cenários em que se desenvolvem. Assim, mais complexo é aglutinar os espaços

resultantes da acção dos diversos factores em unidades geográficas, de maior

dimensão e tipologia, tais como as “regiões”.

Seguindo o conceito de Ribeiro (1970a, p. 320), a região caracteriza-se pela

“identidade de aspectos comuns a toda ela. Não apenas as condições gerais de

clima e posição, mas ainda as particularidades da natureza e do relevo do solo,

o manto vegetal e as marcas da presença humana (...), uma unidade ou padrão

de paisagem, portanto”. É o caso das “regiões geográficas” ou naturais, em que

o critério de homogeneidade é usado em vez do critério de interdependência,

usado na definição das “regiões funcionais” ou seja, “uma área geográfica que

apresenta características de coerência funcional, sob determinados pontos de

vista: é constituída por elementos heterogéneos (...), entre os quais existe uma

rede de relações de interdependência. Estas traduzem-se geralmente pela

existência de fluxos – de pessoas, materiais, informações, dinheiro, etc., - entre

os diversos elementos que compõem a região” (SEARL, 1980-Anexos, p. 223).

Estas preocupações vão de encontro ao que Paul Claval (1987, p. 81)

escreveu sobre a nova geografia, a qual “tira da sua curiosidade pelos factos

sociais e económicos, um poder de explicação que faltava à do início do

século”. Entre eles, cita-se o entendimento dos “padrões geométrico-espaciais”

e das “relações entre os homens”, difíceis de explicar e de esquematizar, mas

onde, no dizer de Gaspar (1972, p. 15), “é sempre possível encontrar a ordem,

por mais aparente que seja o caos”.

2. Do método em Geografia

Analisar as relações actuais entre os diversos fenómenos de natureza

geográfica, demográfica e os social, é um processo de investigação complexo e

exige o cumprimento de diversas etapas comuns à pesquisa em geografia e

noutras ciências sociais. Relativamente à geografia, temos presente os três

princípios fundamentais propostos por Emmanuel De Martonne (1953, p. 18),

no princípio do século XIX1, que refere os seguintes: “princípio de extensão”;

“princípio de geografia geral”, assim formulado: “o estudo geográfico de um

fenómeno implica a preocupação constante dos fenómenos análogos que podem

apresentar-se em outros pontos do globo”, e “princípio da causalidade”, o

qual, de acordo com o seu autor, “nunca contentar-se com o exame de um

1 “Traité de Géographie Physique”, 1909. Na versão portuguesa, publicado em 1953,

por Edições Cosmos (Lisboa)

fenómeno sem tentar remonta às causas que determinam a sua extensão e

procurar as suas consequências (...)”.

Uma vez que é nossa desejo contribuir para a compreensão dos fenómenos

geográficos e sociais que estão subjacentes à “atitude” do geógrafo (RIBEIRO,

1960, p. 61), que interpela, nas marcas humanas da paisagem, os fenómenos

demográficos e os fenómenos sócio-culturais que lhe andam associados, num

determinado território, carecemos de um método mais actual e adequado. Não

sendo, de todo em todo, necessário referi-lo, e dada a proximidade de interesses

da geografia com as demais ciências sociais (CLAVAL, 2001, p. 220-231), as

circunstâncias podem determinar estudos de carácter essencialmente

quantitativo; estudos situados na interface entre de natureza essencialmente

quantitativa (dada a abundância dos elementos estatísticos utilizados) ou

trabalhos de natureza qualitativa (FAURE, 1982, p. 378).

A análise de cada uma destas possibilidades, permite confirmar a pertinência

das notas que nos foram deixadas de P. George (1982, p. 172) sobre a

“existência das colectividades humanas forma um todo, animado por um

conjunto de sistemas de relação onde se misturam os efeitos dos dados ‘físicos’

e os dos dados ‘humanos’”.

Importa, contudo, salientar, que a elaboração de qualquer trabalho científico,

de uma simples palestra, à monografia, deve prosseguir as recomendações de

Pierre George (1977.I, p. 347), relacionadas com a aplicação do “método

geográfico” com o objectivo da “definição dos factos e das categorias de factos

observáveis num meio espacial determinado (...) e da aplicação do “método

comparativo”. Por isso, o entendimento da “geografia sociológica” (Op. cit., p.

348), defendida por este autor conduziu-nos, num primeiro momento, a

procurar entender “os quadros da morfologia social” que a identifica; num

segundo momento, a identificação da “diversidade dos factos sociais e das

combinações sociais no mundo” (Loc. cit.), fazendo realçar as especificidades e

os “tipos regionais” (Loc. cit.).

Nestas circunstâncias ganham particular realce os “estudos de situação”,

sempre que queremos analisar algumas das peças e dos processos “que

constituem este espaço e o seu dinamismo” (GEORGE, 1966, p. 18). Este

procedimento, abre caminho não só para a melhor compreensão do passado mas

também da construção de novos cenários de desenvolvimento, baseados na

acção individual, na cooperação inter-institucional e, sobretudo, nas “sinergias”

entre os diversos poderes e a construção de “fronteiras inteligentes”, capazes de

moldarem os seus limites à exigências da competitividade e das necessidades da

sociedade do conhecimento. Tal postura segue a conclusão de Abler, Adams e

Gould (1972, p. 53), quando reconhecem: “explanations are produced by

applying the method of scientific investigation to the past, and predictions are

produced by applying the same method to the future”.

Este, o modelo teórico, que genericamente defendemos. Contudo, tal com o

observou Ribeiro (1970b, p. 73), “a unidade da Ciência é hoje apenas a

unidade dos seus fins e da atitude dos que prosseguem a sua busca: a

aproximação da verdade”. Prossegue o mesmo autor, advertindo que “a

pluralidade de métodos é a inevitável consequência da diversidade de

objectos” (Loc. cit.). Tal justifica que as páginas consagradas a este estudo

sigam estas orientações. De facto, a especificidade da ciência geográfica reside

não só nos temas que estuda, mas também na especificidade dos seus métodos.

Como Ribeiro (1960, p. 11) assinalou, a Geografia é “uma ciência de

observação”. Em data posterior (1970a, p. XVI), este autor voltou a recordar:

”A Geografia é uma ciência de observação: o sei fim é descrever e

interpretar”. Por isso recorre à Observação, de uma realidade física e humana

marcada pela diversidade das suas paisagens, por acidentes naturais de origem

bem marcada, com um ‘habitat’ distinto, com núcleos de povoamento

diferenciados possíveis de apreciar através do recurso a mapas, que permitem a

localização dos principais acidentes.

Prosseguiu o mesmo autor (1960, p. 26), defendendo que “a maneira de

utilizar a natureza e de organizar o espaço (que é, no fundo, o seu modo de

‘habitar a terra)” – resultantes da ‘civilização’ – servem-nos de base a uma

descrição, (não totalmente expressa no texto) e, sobretudo, à explicação, tarefa

última que, no dizer de O. Ribeiro (1960, p. 69), o geógrafo utiliza na

“compreensão e interpretação dos fenómenos das Terra ou dos homens que

sobre ela vive (...)”. Assim (Loc. cit.), na apreciação destes fenómenos, “o

geógrafo considera-o sempre sob o aspecto sintético, como expressão de forças

variadas, como parte constituinte de um todo que lhe importa compreender,

como causa e consequência, nas múltiplas relações com outros fenómenos

conexos”. Mais ainda (Loc. cit.), “debruçando-se neste mundo, o geógrafo

parte de uma atitude clara para chegar a uma explicação extremamente

matizada, combinando com subtileza os ingredientes físicos e humanos, aqui

carregando a mão em incontestáveis ‘influências do ambiente’, ali temperando-

as com recursos de civilização que impõe às regiões o estilo de organização

próprio daqueles que as habitam (...)” (Op. cit., p. 61).

Nestes processos, o recurso à comparação, bem como a outras ciências, em

especial à história, é fundamental. Por isso, evocamos E. Isnard (1982, p. 17),

quando afirma: “História e geografia apresentam uma evolução sequente, pois

uma precede ou segue a outra. Mas é bem evidente que é da história que vem a

maior parte das vezes o impulso, de maneira que a geografia é levada a

procurar na história as suas explicações. Fazendo isto, ela trai a sua

especificidade: o seu objectivo não é remontar às causas originais mas consiste

em explicar como os elementos herdados do passado se combinam para

constituir a realidade actual”.

É este entendimento que nos leva a recordar alguns aspectos da emigração

portuguesa, realçados na apreciação sucinta de algumas entrevistas realizadas

junto de uma amostra de habitantes, residentes na área do Parque de

Montesinho, sobre os reflexos locais do fenómeno emigratório. Com eles

pretendemos acentuar a interdependência dos fenómenos geográficos e sociais,

na construção das “memórias” colectivas e os seus reflexos sobre os processos

de desenvolvimento.

3. Aspectos da emigração portuguesa: contexto geral

A fome bateu-me à porta;

oiço os filhos! ...Pedem pão!...

voz tão funda, que me corta,

me retalha o coração!”

Jaime Cortesão

A análise da emigração portuguesa, registada durante as últimas décadas,

testemunha as vicissitudes porque tem vindo a passar este fenómeno realçando,

ao longo da sua história, a relação destas saídas com o estado de

desenvolvimento de Portugal e com a situação do mercado internacional de

mão-de-obra. De facto, se tivermos em consideração a evolução deste

movimento, em particular no decurso do último século, verificamos que sofreu

alterações muito significativas: em relação ao seu volume e destinos, à sua

evolução e composição, às suas causas e reflexos sobre a sociedade de origem.

O aumento da emigração portuguesa para a Europa, registado durante a

segunda metade do século XX, foi uma das consequências mais visíveis do

processo de crescimento económico e de desenvolvimento industrial e urbano

que ocorreu neste continente no período imediato ao da segunda guerra

mundial. Coincide, assim, com a fase de reconstrução económica e social dos

países ocidentais, depois da devastação ocorrida durante o 2º conflito armado.

No que diz respeito à emigração portuguesa, registamos que a sua evolução

durante o terceiro quartel do século XX, baseada na atracção crescente de mão-

de-obra e no crescimento económico e social dos países da Europa ocidental.

Como causa principal, realçamos o desigual crescimento urbano e industrial

português, sobretudo na faixa centro e norte litoral do território, e o aumento

dos movimentos da população com destino aos principais centros urbanos

agravando, desta forma, o processo de desertificação do interior, que se tem

vindo a acentuar no decurso das últimas décadas. Contudo, não bastaram para

estancar o fenómeno emigratório que registou, durante o terceiro quartel do

século XX, uma das fases de maior expansão com destino, quer à Europa, quer

mesmo ao continente americano e a outros destinos mais longínquos.

A apreciação destas características, objecto de diversos estudos levados a

cabo por autores e equipas de investigação, tem merecido da nossa parte alguma

atenção, facto que levou à realização de uma pesquisa local, em terras do

Parque Natural de Montesinho (Nordeste Transmontano), em finais dos anos

noventa. Esta investigação contou com a colaboração do Professor Doutor

Francisco Cepeda (Instituto Politécnico de Bragança), a quem agradeço a

permissão de transcrever alguns dados do nosso estudo.

4. Leituras da emigração

A ocorrência da emigração em terras do nordeste transmontano constitui um

dos traços mais característicos da sociedade local, sendo justificado não só pelo

nível desenvolvimento das suas actividades económicas, mas ainda pela

proximidade de Espanha, país que desde longa data tem vindo a acolher um

número crescente de emigrantes portugueses. Por este motivo, decidimos

empreender um estudo monográfico, em dois concelhos fronteiriços do

Nordeste Transmontano, no qual procurámos aprofundar alguns aspectos

relacionados com as causas e os efeitos deste movimento entre as populações

rurais, profundamente afectadas por este fenómeno.

Tendo presente tais objectivos, procuramos recolher através de um inquérito

- distribuído a antigos emigrantes e à população escolar (ensino básico), ligada,

por laços familiares a emigrantes – alguns dados pertinentes relacionados com a

leitura deste movimento, bem como as suas causas e consequências locais.

Assim, procurámos recolher informações acerca da importância do fenómeno, a

nível da sociedade local e da comunidade escolar; acerca da vivência e das

representações sociais da emigração, junto população escolar e os reflexos deste

movimento e a situação actual dos emigrantes, após o regresso a Portugal.

4.1 - Apreciação local: a palavra, à comunidade

A identificação das diversas facetas do fenómeno emigratório na área do

nosso estudo, foi obtida através de questionários que realizámos junto de

autarcas, de párocos e de professores, bem como a emigrantes mais jovens. Os

primeiros, bem conhecedores da realidade local completaram, através das

informações que nos transmitiram, o quadro algo desolador que identifica a

economia da região. Entre esses traços reconhecem-se a fragilidade dos meios

de produção e a importância da emigração fenómeno social com longínquas

tradições, mas tido como uma importante fonte de rendimento e factor de

sustento da população.

Sistematizando algumas daquelas respostas, obtidas junto dos informadores

privilegiados, confirma-se a ideia de que a emigração local foi globalmente

positiva. Foi favorável aos emigrantes porque:

- permitiu “...um nível de vida superior àquele que poderiam ter em Portugal

se cá tivessem ficado” e “...uma vida mais desafogada”,

- “...colheram ensinamentos úteis e aprenderam a rentabilizar o trabalho” e,

em muitos casos “...a viver em sociedade”,

- “...geralmente foram os mais necessitados que emigraram e indo para o

estrangeiro arranjaram dinheiro que não tinham”,

- “...permitiu-lhes contactar com novas culturas”, “...aumentar o seu poder

económico garantindo outro futuro aos seus filhos”.

De entre os aspectos positivos atribuídos a este movimento, a melhoria do

futuro, em relação aos filhos, foi sobretudo notada:

- “...porque beneficiaram da situação económica dos pais”, sobretudo nos

casos em que “...tenham sido criados com os pais e tenham estudado,

permitindo-lhes uma melhor formação”.

No dizer dos inquiridos, a formação destes jovens, filhos de emigrantes,

constitui mais um dos aspectos positivos deste fenómeno uma vez que:

- “...podem subir na vida tirando cursos ou dedicarem-se à actividade

agrícola e pecuária, utilizando o capital ganho pelos pais”, ou, ainda,

- porque lhes “...trouxe novos horizontes e contacto com outros jovens,

permitindo a aprendizagem de novas técnicas”.

Em muitos casos, porém, a emigração local foi considerada negativa,

sobretudo nos casos em que obrigou a uma separação dos familiares. Os

testemunhos recolhidos referem-se a casos em que:

- “...os que ficaram tiveram grandes problemas pois ficaram desintegrados

do meio familiar”,

- porque ficaram “...entregues a terceiros, sem terem quem lhes resolvesse os

problemas”,

- ficaram “...em condições pouco favoráveis para o seu desenvolvimento

moral e intelectual” e moral”. Daí o facto de muitos jovens, na ausência dos

seus pais “...enveredarem pelo mundo da droga”.

Contudo esta separação, fez-se igualmente sentir nos resultados escolares,

uma vez que:

- “...a separação pais/filhos provocou problemas a nível da educação escolar,

principalmente com a língua”.

Esta dificuldade notou-se naqueles que acompanharam os pais, uma vez que

aqueles alunos “...nem falam o português e são portadores da cultura dos países

onde residem. Fazem, assim, uma mescla de formas de estar na vida”.

Os reflexos negativos do fenómeno emigratório, não se fazem apenas sentir

sobre os jovens, mas também sobre o próprio emigrante. Como efeito das

consequências adversas deste fenómeno, foram assinaladas:

- a “...desagregação familiar”,

- “as dificuldades de adaptação após alguns anos de isolamento do seu

agregado familiar” .

Estas, mais duas das consequências desfavoráveis da emigração, cujos

efeitos não se fazem apenas sentir sobre os membros, isolados, da comunidade,

mas igualmente no grupo societário a que pertencem.

Vejamos outros reflexos deste movimento no seio da comunidade local.

Neste caso as respostas dividem-se, considerando-se ora o movimento positivo,

ora negativo. Mesmo assim, considera-se que o movimento foi positivo:

- “...para as empresas de construção civil”,

- “...para os que cá ficaram, porque passaram a ganhar mais”,

- “...pelas casas que construíram, pelas terras que compraram e pelas

remessas que enviaram”.

São ainda reconhecidos efeitos positivos desta emigração, embora à

posteriori, após o regresso destes emigrantes, uma vez que o saber acumulado

por estes cidadãos tornou “...a comunidade mais culta e evoluída, devido à

aprendizagem de novas técnicas”.

Contudo, a sociedade local ressente-se, negativamente, deste movimento

porque:

- “...o emigrante no estrangeiro vive uma vida muito regrada, um pouco

solitário e por vezes egoísta o que dificulta a sua integração na vida social e

cultural da localidade”.

- “...as pessoas mais jovens e válidas saíram e assim as que ficaram vão

envelhecendo, a mão-de-obra falta e as aldeias ficam com pouca vida e

desertas. Só existem pessoas idosas”.

Esta constatação é igualmente aplicável a outras áreas do país. Localmente,

porém, “...verificou-se a desertificação, sobretudo dos meios rurais, conduzindo

ainda mais à crise na agricultura e na pastorícia”.

Uma outra consequência deste movimento, teve os seus reflexos sobre a

própria comunidade. Neste caso a separação foi em muitos casos negativa:

- “...porque os emigrantes se esquecem da sua aldeia, dos seus familiares e

amigos,

- em virtude dos emigrantes “...se sentirem donos e senhores mas, por outro

lado, sentem inferiores por serem estrangeiros dentro da terra que deixaram”.

Este sentimento, pode justificar a ocorrência de algumas manifestações

culturais uma vez que:

- “...a maior parte dos emigrantes sentem-se bem, convivendo uns com os

outros”. Assim:

- “...organizam festas e exibem um pouco de vaidade”.

Para além destes juízos, bastante populares, a importância do regresso,

depois de uma larga permanência no estrangeiro, é também justificada:

- “...por as suas economias lhe darem para um ramo de negócio ou por terem

rendimento para viver”,

- “...para acompanharem os filhos que vêm frequentar a escola portuguesa”.

Tal facto tem-se manifestado não só no dia a dia das povoações, mas,

também, no seu crescimento e evolução, sendo notório o contributo destes

emigrantes, que “...têm outra forma de estar na vida e ensinam a rentabilizar o

trabalho”. Ou, ainda, proporciona uma convivência saudável e um

reconhecimento mútuo, sendo regra que somente em casos isolados os

emigrantes regressados sejam “...aceites sem grandes manifestações de

regozijo”.

Pelo contrário, o habitual é que:

- estes sejam “...recebidos com muita satisfação por regressarem à terra

natal” e pelo seu contributo ser reconhecido,

- “...na introdução de novos conceitos e na mudança de algumas

mentalidades”.

Embora não sendo objecto desta análise inventariar todos os problemas

sociais que afectam o nordeste transmontano, assinalamos as dificuldades que

nos foram transmitidas pelos emigrantes mais idosos. Estes, afirmaram, muitas

vezes:

-“…dificuldade em empregar o dinheiro que trouxeram”, ou então:

- não terem “...onde trabalhar sem ser na lavoura...”.

Estas observações, demasiado pertinentes, identificam o estado de

desenvolvimento desta área fronteiriça e questionam o seu futuro justificando a

persistência do êxodo rural que tem caracterizado esta vasta região

transmontana. Tal situação sugere-nos a apreciação de outras características do

fenómeno emigratório local, tomando como fonte as respostas que obtivemos

nos questionários realizados junto da população emigrante, regressada

principalmente de França e de Espanha, dois dos países preferidos pela

emigração desta região.

Tendo presente as características e o nível de desenvolvimento do Nordeste

transmontano, não ousámos indagar as causas da partida, mas sim as razões do

regresso, uma vez que se tornariam evidente os motivos de natureza económica

que justificam estas saídas.

No que concerne às causas do regresso:

- “…a melhoria da situação económica familiar”, e

- “…a longa permanência no estrangeiro”, foram duas das razões mais

invocadas pelos emigrantes regressados a Portugal.

E questionados sobre o interesse que mantinham em voltar a emigrar, depois

de uma longa ausência no estrangeiro, as respostas dos emigrantes mais idosos

parecem demonstrar um certo desinteresse por novas saídas. Justificam-se, por:

- “…se sentirem corroídos” pelas “...saudades da família, dos amigos, da

aldeia”, ou então:

- perante as dificuldades levantadas pelos “...poucos conhecimentos da

língua estrangeira”, razões que os levam a sentirem-se completamente

desligados do país para onde anteriormente emigraram.

Algumas das excepções resultam da fixação de familiares seus em França e

em Espanha, provocando estadias sazonais e viagens periódicas aos locais onde

aqueles residem. Esta situação é no entanto alterada, quando de uma estadia

temporária, devido:

- “...à suspensão do contrato de trabalho” ou então,

- “…a situação familiar imprevista”, levando-os a regressar,

inesperadamente, a Portugal.

4.2 – Escola e emigração: percursos de memória

O estudo do fenómeno local da emigração em terras do parque natural de

Montesinho, procurou abarcar um leque diversificado de população

directamente ligada ao fenómeno emigratório, em particular a população mais

jovem. Estas respostas ajudaram-nos a compreender as novas facetas deste

movimento no que respeita, sobretudo, à sua vivência e actualidade,

nomeadamente a população escolar directamente afectada pela emigração.

Entre outras questões e no que respeita ao aproveitamento escolar, foi

reconhecida, por parte de alguns professores, a estes alunos, filhos de

emigrantes, “...dificuldade de aprendizagem da língua portuguesa, em virtude

da sua estadia (mais ou menos demorada) num país estrangeiro”. Note-se no

entanto que o facto de terem permanecido vários anos no estrangeiro, não

constitui obstáculo no que refere à sua integração no seio da comunidade

escolar onde residem.

Contudo, os entraves ao aproveitamento escolar destes jovens, são o

resultado não só da sua condição de filhos de emigrantes, mas, ainda, da sua

origem social. Daí que, alguns professores, lhes reconheçam o seu carácter

empreendedor, que faz esquecer a sua origem social e as marcas, “...de uma

vida difícil que agora pretendem evitar”.

Procurando saber o que pensam os alunos, em relação a uma eventual

possibilidade de emigrar, muitas das respostas destes jovens realçam que estes

permanecem divididos entre o seu país de origem (Portugal), “…onde tinham

fracas perspectivas de emprego”, e a situação em Espanha, França, Andorra ou

a Suíça, países onde reconhecem que se “...ganha bem” e onde têm

possibilidades de “...gozarem uma vida mais estável e desafogada”.

Por outro lado, tendo já vivido algum tempo no estrangeiro (tantas vezes em

situação irregular...), o regresso a Trás-os-Montes é marcado por algumas

dificuldades, tais como, “...a falta de emprego e de habitação”. Contudo o

balanço dessa estadia no estrangeiro pode considerar-se positivo dada a

oportunidade de terem conhecido:

- “...novas línguas e culturas”, ou por,

- “...terem vivido novas experiências”, que tornam a “...Suíça e a Espanha

inesquecíveis”.

Estas respostas, foram obtidas junto da população mais jovem, para quem o

“...abrir as portas à emigração”, constitui uma das reivindicações mais

frequentes, dadas as perspectivas sombrias de emprego que ocorrem nesta área.

Identificando esta população, registamos que, num total de 31 alunos

inquiridos, mais de metade havia nascido no estrangeiro - Espanha (4), França

(9), Alemanha (2), Luxemburgo (1) e África do Sul (1), facto que atesta a

preferência pelos principais destinos emigratórios registados em Portugal

durante as últimas décadas. Deste total, cerca de uma dezena de alunos tinham

ambos os pais no estrangeiro; três, apenas, sendo filhos de emigrantes, residiam

com os seus pais em Portugal e os restantes sete, tinham um dos progenitores

ausente.

Inquiridos sobre as causas deste movimento, as razões invocadas confirmam,

de forma explícita, o que anteriormente já havíamos notado:

- “...falta de trabalho”,

- “...maus salários”,

-“...necessidade de melhores condições de vida”, que constituem, para mais

de metade dos inquiridos, as razões determinantes deste fenómeno. Para os

restantes, foi ainda referido “...a falta de dinheiro para construir uma casa” e o

“reagrupamento familiar”.

Confirmando, ainda, o que já assinalámos sobre as razões, de natureza

económica deste fenómeno, as “...melhores condições de vida”, e o “...ganhar-

se mais em Espanha que em Portugal”, constituem os aspectos mais positivos

deste movimento (58% das respostas). Contudo, “...a separação familiar”, e “...o

estar longe dos pais”, constitui, para 48% destes alunos, o aspecto mais

negativo deste movimento.

No caso dos alunos que tiveram oportunidade de residir no estrangeiro,

“...aprender uma outra língua”, e “...conhecer outro país”, foram dois dos

aspectos positivos assinalados. Neste grupo de inquiridos, cerca de 25% dos

casos, indicam terem regressado porque acompanharam os pais, ou só a mãe,

neste movimento:

- “...voltámos porque estávamos a fazer cá a casa e um café”,

- “....regressámos porque o meu pai quis vir para Bragança”,

- “ ...voltei para Portugal para fazer companhia à minha mãe”.

Muitos deles, porém, regressaram para virem para a escola (20% das

respostas):

- “...regressei porque a minha mãe queria que eu estudasse cá”,

- “...regressei porque o meu pai queria que eu aprendesse português”,

- “...regressei porque precisava de estudar em Portugal. Em França não me

adaptava ao ensino”,

- “...regressei com dez anos porque lá não tinha facilidades de aprender a

nossa língua”.

Contrariamente ao que havíamos assinalado em relação aos emigrantes mais

idosos, no caso desta população jovem, o facto de terem residido alguns anos no

estrangeiro e terem contactado com outro tipo de civilização, poderá justificar,

em mais de 75% dos inquiridos, o desejo de regressarem, novamente, ao país de

imigração. Entre as razões invocadas para cerca de um terço dos inquiridos

aponta-se:

- “...gosto muito da terra onde nasci”,

- “...gosto muito de Espanha porque foi onde eu nasci”, “...porque tenho lá a

família e amigos”, ou porque, “...deixei lá os professores e os colegas de turma”

(16%).

Em alguns casos, porém, a situação profissional dos pais, ocupados nas suas

tarefas profissionais, não dava grandes liberdades a estes alunos, deixando por

isso de os incentivar para novas saídas: “...não gostava de voltar para o

estrangeiro porque lá tinha de estar fechada em casa”.

Quantos às perspectivas de um novo regresso, alguns deles desejariam voltar

ao país de imigração, “...para me juntar aos pais e família (10%).

Esta, certamente, uma das razões porque cerca de uma dezena dos inquiridos

pensa vir a residir no futuro, no estrangeiro, tendo apenas seis destes alunos

afirmado que tencionam ficar definitivamente em Portugal. O facto de mais de

40% dos inquiridos ter já frequentado a escola no estrangeiro (e apenas três dos

dezassete alunos ter tido aí aulas de língua portuguesa), ajuda-nos a

compreender algumas das dificuldades sentidas quanto ao domínio da língua

portuguesa.

Outra situação comentada, foi a relação entre a ausência dos pais e os

resultados escolares. Alguns deles notaram a falta de apoio: (2 casos): “...os

meus pais estão fora e não me podem acompanhar tão bem”. Outros, porém,

não notam “...qualquer falta dos seus familiares” (5 casos). Mas é evidente que

as “...saudades parecem constituir uma das razões mais dolorosas dessa

separação”, com efeitos directos no aproveitamento escolar (8 alunos em 31

inquiridos).

De forma sintética, estes foram os aspectos mais salientes relacionados com

as incidências locais da emigração, sobretudo em áreas mais duramente

afectadas, as que, em simultâneo, registam maiores deficiências (estruturais,

económicas, culturais e sociais), e entraves ao desenvolvimento sócio-

económico regional.

Recorde-se que a dimensão do fenómeno emigratório em Portugal, país

marcado por fortes desequilíbrios regionais e sectoriais do território e da nossa

sociedade, não estão resolvidos, como o revelam diversos indicadores de

natureza económica, relacionados, por exemplo, com o emprego, e com a

evolução global das saídas, que continuam a persistir na actualidade.

5. Novos cenários de mobilidade: Portugal, de país de partida a, país de

chegada

Apesar das referências à natureza, essencialmente económica, das

migrações, não deixa de ser oportuno salientar que, apesar da emigração

portuguesa ser um fenómeno antigo, com múltiplas consequências (económicas,

demográficas e sociais), e tendo embora atingido todo o território nacional, as

migrações internacionais têm vindo a alterar o sentido dos fluxos, nos mercados

europeus, incluindo em Portugal, país que desde os anos setenta de Novecentos

passou a registar uma procura crescente de mão-de-obra estrangeira.

Com efeito, em virtude da independência dos antigos territórios sob

administração portuguesa, registada durante a década de setenta, a situação

actual tem vindo a acentuar alterações muito significativas registadas no padrão

normal das migrações no nosso país. Assim e contrariamente ao que já sucedia

com outros países parceiros da Europa mediterrânica, Portugal deixou de ser

apenas um país de forte emigração – como ainda hoje se verifica - para se

constituir, durante as três últimas décadas, num pólo de atracção para novos

emigrantes.

Por este facto, as referências e os padrões mais comuns das migrações, no

contexto nacional, modificaram-se totalmente, realçando a oportunidade e

interesse dos estudos sobre as migrações internacionais e as relações,

interculturais. Justificam-no, o fortalecimento das diversas comunidades

estrangeiras residentes no continente português, cujo montante legal, ascendia,

em 2005, a 415934 cidadãos de diversas nacionalidades, assim distribuídos

(INE):

- Cabo Verde: 67457 indivíduos

- Brasil: 63654 “

- Ucrânia: 43799 “

No seu conjunto, possuíam: autorização de residência: 275906 indivíduos,

prorrogação de autorização de permanência: 93391 indivíduos e prorrogação de

autorização de vistos de longa duração: 46637 indivíduos.

Esta população estrangeira, residente em Portugal, era maioritariamente

constituída, por: cidadãos do sexo masculino: 56.8% e 43.2% de mulheres, em

idade activa: 83.1% da população, e grupos funcionais: 0-14 anos: 13.2%; 15-

64 anos: 83% e de idade superior aos 65 anos, 3.8%.

Importa, ainda, salientar, a sua concentração em torno quer dos principais

centros urbanos da área metropolitana de Lisboa: distrito de Lisboa: 48.6%,

distrito de Setúbal: 9.3%, quer já noutros centros e distritos, do sul (Faro:

13.9%), quer do norte e centro do país. Nestes espaços, coabitam africanos de

diversas nacionalidades e asiáticos das mais diversas origens e proveniências;

cidadãos brasileiros e outros cidadãos americanos (estadunidenses,

venezuelanos, canadianos e outros).

Além destas, outras comunidades constituídas quer por cidadãos

comunitários, que tem vindo a fixar residência no nosso país (na maior parte

espanhóis e ingleses), vão engrossando o caudal de nacionalidades

representadas entre os dez milhões de habitantes residentes em Portugal.

A diversidade de origem não esconde um outro fenómeno, igualmente

notório na sociedade portuguesa. É a existência, entre esta população, de

emigrantes já regressados e de descendentes seus naturalizados noutros países,

de portugueses retornados das antigas colónias de África, de cidadãos africanos

oriundos destes novos países e de outros cidadãos, que legal ou

clandestinamente, se estabeleceram em Portugal ou aqui aguardam a

oportunidade de se deslocarem para outro canto da comunidade europeia.

Mais do que uma inventariação exaustiva destas nacionalidades e do seu

montante, convirá assinalar que o reconhecimento e a integração destas

comunidades na sociedade portuguesa passa, igualmente - como sucedeu com

os portugueses na Europa durante os anos sessenta e setenta - pela aceitação e

reconhecimento da sua cultura, das suas raízes históricas e dos traços

dominantes das civilizações de origem.

6. Nota final

As questões anteriores, foram escolhidas por reunirem informação

diversificada sobre uma constante estrutural da sociedade portuguesa, a

emigração, bem como da sua leitura num espaço circunscrito do território

nacional, fortemente marcado por este fenómeno. Recorda-nos, igualmente, o

volte face registado na sociedade portuguesa, que, a par de saídas constantes

para o estrangeiro, mantém abertas as portas a uma imigração diferenciada, que

nos faz viver o mesmo tipo de situações e de problemas, que em tempo

estudámos, sobre a emigração portuguesa em países estrangeiros.

Não fosse a nossa memória demasiado curta, saberíamos encarar as

migrações humanas, como um fenómeno “social total” (Gurvitch), estudando-o

nos seus diversos níveis e profundidade.

Relembrá-lo, hoje e aqui, nesta Conferência, permite assinalar algumas das

questões básicas e fundamentais, quanto à responsabilidade, de todos nós, na

construção de um novo estado social e cultural, em Portugal e na Europa,

baseado em novos pilares de desenvolvimento económico, de inclusão, de

solidariedade e justiça social. Aspectos, estes, que a serem devidamente

aprofundados por académicos, políticos, professores e pela sociedade em geral,

favorecem a construção de uma nova consciência cívica e colectiva, que nos

ajude a encontrar os caminhos de novas “solidariedades” (mecânica e orgânica -

Durkheim), permitindo, desta forma, a construção de um novo espaço cívico e

cultural alargado, em Portugal e na União Europeia.

De realçar que a problemática geral das migrações internacionais, tem vindo

a merecer uma atenção acrescida por parte de diferentes organismos,

nomeadamente da ONU, através da Organização Internacional das Migrações.

Estas preocupações visam empreender acções conjuntas relacionadas com o

potenciar dos efeitos positivos das migrações, sobre o desenvolvimento.

Tendo presente a história recente das migrações europeias, recordamos que

este tema continua a exigir diversos tipos de reflexões e de iniciativas

relacionadas com as migrações internacionais, bem como a necessidade de se

incentivarem as solidariedades em torno dos emigrantes europeus, dos novos

imigrantes e dos refugiados de outras nacionalidades. Entre as iniciativas em

curso, destaca-se o reconhecimento de uma gestão coordenada dos fluxos

migratórios, propícia ao desenvolvimento de políticas inclusivas, que garantam

a liberdade, a justiça e a cidadania plena dos habitantes do “velho” continente.

Para tanto contamos com outras iniciativas e boas práticas que realcem não só a

dimensão actual das migrações europeias e internacionais, mas, também, as

expectativas e as necessidades dos portugueses e da sua “Diáspora”.

Jorge Arroteia

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