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1 ESPAÇO DE VIOLÊNCIA OU ESPAÇO VIOLENTADO? NOGUEIRA, Khalil A. B. UESC/UCSAL/UNIME/SEC -BA RESUMO: Este trabalho busca analisar o processo de urbanização mundial e o aprofundamento da segregação sócio espacial, bem como a construção histórica e ideológica do espaço do crime ou espaço violento, utilizando como espaço de pesquisa o município de Itabuna, entre os anos de 1980 a 2010. Desta forma buscou-se estudar o surgimento e o crescimento de favelas em cidades de médio porte no interior da Bahia, o que produziu novas preocupações, já que tal processo era somente observado em grandes centros urbanos. Para tanto se utilizou dos estudos sobre a cidade e o espaço da favela objetivando compreender as transformações têmporo-espaciais processadas na Região Cacaueira e suas implicações sociais. Palavras Chave: Favela; Segregação; Urbanização; Crime. Introdução A Urbanização Desigual O processo de urbanização se faz de maneira desigual segundo as especificidades do tempo e do lugar. O crescimento das cidades nos países em desenvolvimento em detrimento aos desenvolvidos foi concentrado espacialmente, rápido e desordenado. Este processo provocou uma série de problemas, sobretudo o aprofundamento da segregação sócio espacial,

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ESPAÇO DE VIOLÊNCIA OU ESPAÇO VIOLENTADO?

NOGUEIRA, Khalil A. B. UESC/UCSAL/UNIME/SEC -BA

RESUMO:

Este trabalho busca analisar o processo de urbanização mundial e o aprofundamento da

segregação sócio espacial, bem como a construção histórica e ideológica do espaço do crime ou

espaço violento, utilizando como espaço de pesquisa o município de Itabuna, entre os anos de

1980 a 2010. Desta forma buscou-se estudar o surgimento e o crescimento de favelas em

cidades de médio porte no interior da Bahia, o que produziu novas preocupações, já que tal

processo era somente observado em grandes centros urbanos. Para tanto se utilizou dos

estudos sobre a cidade e o espaço da favela objetivando compreender as transformações

têmporo-espaciais processadas na Região Cacaueira e suas implicações sociais.

Palavras Chave: Favela; Segregação; Urbanização; Crime.

Introdução

A Urbanização Desigual

O processo de urbanização se faz de maneira desigual segundo as especificidades do

tempo e do lugar. O crescimento das cidades nos países em desenvolvimento em detrimento

aos desenvolvidos foi concentrado espacialmente, rápido e desordenado. Este processo

provocou uma série de problemas, sobretudo o aprofundamento da segregação sócio espacial,

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desta forma pode-se perceber que o espaço urbano capitalista é fortemente dividido em áreas

residenciais segregadas o que reflete a complexa estrutura social.

“Assim, as classes de maior renda habitam as melhores áreas seja as mais centrais

ou no caso das grandes cidades, quando nestas áreas centrais afloram os aspectos

negativos como poluição, barulho, congestionamento, lugares mais distantes do

centro, buscam um novo modo de vida em terrenos mais amplos, arborizados,

silenciosos, e com maiores possibilidades de lazer. À parcela de menor poder

aquisitivo da sociedade restam as áreas centrais, deterioradas e abandonadas pelas

primeiras, ou ainda a periferia, logicamente não a arborizada, mas aquelas em os

terrenos são mais baratos, devido à ausência de infraestrutura, à distância das “zonas

privilegiadas” da cidade, onde há possibilidades da autoconstrução, da casa realizada

em mutirão. Para aqueles que não têm nem essa possibilidade, o que sobra é a

favela, em cujos terrenos, em sua maioria, não vigoram direitos de propriedade”

(CARLOS, 1999, p.48).

A carência de moradias e de terrenos para habitações incentiva a ocupação de espaços

ociosos e/ou rurais próxima à cidade. Para Spósito (2001), a luta pela sobrevivência de onde e

como morar, resulta do sistema em que a cidade não é construída para o cidadão, mas em

função do capital. Assim a favelização constitui um fenômeno grave que revela um dos

problemas urbanos da atualidade.

Tal fenômeno, observado anteriormente somente na paisagem das grandes cidades

brasileiras, vem, atualmente, atingindo as cidades de médio e pequeno porte da Bahia. Deste

modo tem-se verificado a proliferação de moradias subumanas, que denunciam a falta de

regulamentação do solo urbano e a falta de condições básicas de moradia. Desta forma a

dificuldade de acesso ao solo urbano, face ao elevado preço da terra, conduz grupos excluídos

a ocuparem, clandestinamente, os espaços ociosos da cidade (KOWARICK, 1993. p. 45).

Para Singer (1995), o crescimento acelerado das cidades em países em desenvolvimento

acentuou e tornou visíveis os desequilíbrios, principalmente o problema da oferta e da procura

por habitação e serviços urbanos. Para Santos (1997) a situação habitacional constitui-se uma

problemática reveladora da crise profunda em que vive a sociedade urbana nos países em

desenvolvimento, resultante de uma modernização incompleta e seletiva, pois deixa de fora

uma parcela dos seus artífices.

Segundo Moreno (1978), a situação urbana torna-se cada vez mais conflitante, onde os

problemas tornam-se visíveis, devido ao crescimento físico e demográfico das cidades, sem

um aumento paralelo na oferta de empregos e de serviços. Desta forma é produzida uma

grande desordem no crescimento urbano marcado por déficit de moradias e serviços,

segregando populações de acordo aos seus níveis de renda. Milton Santos (1997), afirma que

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ao longo do século XX, mas, sobretudo, nos períodos mais recentes o processo de urbanização

revela uma crescente associação com a pobreza, cujo lócus passa a ser a cidade.

Conforme Paviani (1999), o processo de urbanização nos países em desenvolvimento

sofre com políticas neoliberais, pois segue padrões impostos externamente, consolidadas por

uma dada atuação estatal que influi na expansão das cidades, proporcionando que as elites

locais, aderentes ao neoliberalismo, produzam os processos de dominação / dependência,

segregando porções de territórios e seus habitantes. Segundo Carlos diante do processo de

globalização, o espaço fragmenta-se a partir de formas de apropriação para o trabalho, para o

lazer, para o morar, vendido enquanto solo urbano, cujo conteúdo escapa aos indivíduos.

Na avaliação de Rolnik (1998), nas grandes cidades há facilidades de identificar

territórios diferenciados como bairros repletos de mansões, os centros de negócios, os distritos

industriais e os bairros periféricos separados apenas por uma rua, uma ponte, uma esquina ou

nada aparente, apenas uma imagem, este movimento de segregação é impulsionado pela

disseminação do trabalho assalariado.

Campos Filho (1992), enfatiza a necessidade de uma política especifica para curar o que

chama de “doença social”, representada pelas palafitas, favelas, cortiços e loteamentos

clandestinos e, proporcionar a urbanização nos bairros carentes de infraestrutura e

equipamentos sociais urbanos.

Análises sobre a Região Cacaueira da Bahia alertam acerca do rápido crescimento de

grupos sociais de baixo poder aquisitivo na zona urbana, refletindo-se na estrutura interna das

cidades e na distribuição dos bens públicos à população residente. Estes problemas são

ocasionados por vários fatores: a falta de regulamentação da propriedade do solo urbano,

muitas vezes cedido sem documentação e o acelerado êxodo rural, fruto da incapacidade que

os proprietários rurais têm de manter o trabalhador no campo em decorrência da crise da

lavoura cacaueira.

“... estancando a economia regional, o que fez com que o desemprego,

abruptamente, desalojasse 250 mil trabalhadores rurais das fazendas e criasse um

óbice inusitadamente desproporcional para esses homens e mulheres, que foram

procurar abrigo na periferia das cidades que não tiveram como oferecer moradias,

bairros saneados e nem ruas calçadas ou iluminadas, mas criaram favelas imundas”.

“E pior: não arranjaram empregos de qualquer espécie, tendo de sobreviver à

margem da lei, como párias ou traficantes de drogas e vendo seus filhos se

transformar em traficantes e suas filhas vender o sexo por quaisquer cinco ou três

reais, para alcançar uma sobrevivência abjeta” (Jornal Agora, coluna livre, ano

XXVII, nº 2.586 de 06 a 08 de janeiro de 2009)”.

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O Espaço dos mais Pobres entre os Pobres: a favela

A favelização significa, sobretudo, uma integração marginal ao sistema, a qual resulta

numa instabilidade ou insegurança econômica, identificada através da não integração ao

mercado formal de trabalho, na incerteza ou irregularidade da renda necessária para a

sobrevivência, na participação econômica informal, nas condições precárias das moradias.

Dessa forma as favelas surgem para suprir o hiato criado pelo déficit habitacional, abrigando

uma massa de pobres que procuram habitar próximo aos locais onde eram oferecidos trabalho,

principalmente para os que não possuíam qualificação profissional.

A versão atualizada do dicionário Aurélio Buarque de Holanda traz a seguinte definição

em relação à favela: “Conjunto de habitações populares toscamente construídas (via de regra

em morros) e desprovidas de recursos de higiene”, se for buscado o significado da palavra

barraco, o mesmo escreve, “Habitação tosca, improvisada, construída geralmente em morros,

com materiais de origem diversa e adaptados, coberta com palha, zinco ou telha onde vivem

os favelados; barracão” desta forma nota-se a associação feita entre as duas palavras e o local

e o material utilizados para a construção das habitações (FERREIRA, 1993).

Em sua construção histórica, o termo e o território denominado como favela encontram

três versões no Brasil:

A primeira versão afirma que a favela preexistia à abolição, portanto remeteria ao

período imediato à Guerra do Paraguai e anterior a 1888, nessa versão, o surgimento da favela

como opção de moradia não é o resultado de um processo, ou seja, é a consequência de fatos

isolados, e a Guerra do Paraguai é um deles. Podemos associar a este fato a destruição dos

cortiços (CAMPOS, 2007, p.56).

A segunda versão coloca que a favela já estava presente embrionariamente na cidade

desde 1897, quando foi dada a autorização para que os praças retornados da campanha de

Canudos ocupassem provisoriamente os morros da Providência e de Santo Antônio. Esta

forma de ocupação dos morros logo se revelou a solução ideal para o problema da habitação

popular do Rio de Janeiro. De local de moradia provisória, estes morros da área central logo

foram transformados em opção de residência permanente (ABREU,1990, p. 90).

Outra versão coloca a existência de uma crise habitacional e a necessidade de a

população mais pobre morar próximo da área central da cidade, onde as oportunidades de

trabalho eram maiores. A destruição do cortiço Cabeça de Porco pelo prefeito Pereira Passos

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no Rio de Janeiro e de outros cortiços provocaram um deslocamento desse segmento social

em direção às encostas (CHALHOUB, 1996, p. 29).

“Terminará a luta na Bahia, regressavam as tropas (...). Muitos soldados vieram

acompanhados de suas “cabrochas”. Eles tiveram que arranjar moradas.(...)As

cabrochas eram naturais de uma serra chamada Favela, no município de Monte

Santo, naquele estado. Falavam muito, sempre da sua Bahia, do seu morro. E ficou a

favela nos morros cariocas. Primeiro, na aba da Providência, morro em que já

morava uma numerosa população; depois foi subindo, virou para o outro lado, para

o Livramento. Nascera a Favela, 1887. ZALUAR, ALVITO, 2006, p. 64 -65).”

Contudo, as referências históricas tratam do aparecimento de áreas faveladas ou

miseráveis na antiga Capital Federal do Brasil negligenciando ou dando importância diminuta

para os espaços pobres existentes em outras unidades da federação tais como os Mocambos

no Recife, invasões na Bahia terminologias correlatas a carioca, o que nos leva a inferir que o

problema da precariedade e carência habitacional abrangia todo o País, demonstrando, o grau

de gravidade e generalidade do problema em função da não absorção da mão-de-obra escrava,

a qual foi preterida em detrimento da de trabalhadores brancos assalariados, fazendo com que

uma multidão de pessoas buscasse áreas não valorizadas e ociosas para construírem suas

moradias.

Segundo Abreu (1994), foi apenas durante a segunda década do século XX que a

palavra favela teria se tornado um substantivo genérico, referindo-se não mais exclusivamente

ao Morro da Favela, e sim designando um habitat pobre, de ocupação irregular e ilegal, em

geral nas encostas.

A preocupação dos legisladores com as chamadas “classes perigosas” tomou espaço de

destaque nas discussões travadas na Câmara dos Deputados do Império do Brasil nos meses

que se seguiram à abolição da escravatura em 1888. Preocupados com as consequências da

abolição para a organização do trabalho, o que estava em pauta na ocasião era um projeto de

Lei sobre a repressão a ociosidade. Para tanto os parlamentares se embasaram em vasto

material produzido por autores franceses como M. A. Frégier, um alto funcionário da polícia

de Paris que tem sua analise embasada no estudo de inquéritos e estatísticas policiais. Frégier

tinha por objetivo produzir uma descrição detalhada de todos os tipos de malfeitores que

agiam nas ruas de Paris, contudo seus estudos acabaram resultando em uma ampla descrição

das condições de vida dos pobres de Paris. Falhando desta forma em determinar a fronteira

entre as classes perigosas e as classes pobres produziram o material ideal para os pensadores

nacionais no fato de correlacionar a pobreza e criminalidade como sinônimas.

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Portanto as classes pobres não passaram a ser vistas de forma negativa apenas porque

poderiam oferecer problemas para a organização do trabalho e a manutenção da ordem

pública, os pobres ofereciam risco de contágio, pensamento que nos remete às campanhas

higienistas travadas em fins do século XIX por intelectuais médicos. Dessa forma houve o

diagnostico de que os hábitos de moradia dos pobres eram nocivos à sociedade, e isto porque

as habitações coletivas seriam focos de irradiação de epidemias, além de terreno fértil para a

propagação de vícios de todos os tipos. Então, a conjugação de crime e pobreza no mesmo

indivíduo constitui um justo motivo de terror para a sociedade, sendo que o perigo social

cresce e torna-se mais ameaçador à medida que o pobre deteriora sua condição pelo vício e o

que é pior pela ociosidade (Chalhoub, 1996, p. 21 e 29).

Tal ordem de ideias iria saturar o ambiente intelectual do País nas décadas seguintes e

emprestar suporte ideológico para a ação saneadora dos engenheiros e médicos que passariam,

após 1889, a insistir na importância de conceitos como civilização, ordem, progresso e outros

correlatos, tais como limpeza e beleza, e os como tempos coloniais, desordem e imundície

termos que se perpetuaram no imaginário e nas ações de governantes nos novos espaços

identificados com a criminalidade, onde deveriam ser implantadas ações saneadoras: as

favelas.

Zaluar e Alvito (1998) comentam um documento do Arquivo Nacional, de 4 de

novembro de 1900: uma carta do delegado da 10ª circunscrição ao chefe de policia, afirmado

que era impossível policiar o Morro da Providência, “infestado de vagabundos e criminosos

que são o sobressalto das famílias no local designado, se bem que não há famílias no local

designado, é impossível fazer o policiamento porquanto... não a ruas, os casebres são

construídos de madeira e cobertos de zinco...” o delegado propõe a demolição do pardieiro”.

Embora a demolição não tenha sido feita, a solicitação mostra que o “Morro da

Providência”, apenas três anos depois de o Ministério da Guerra permitir que ali viessem se

alojar os veteranos da guerra de Canudos, já era percebido pelas autoridades como “foco de

desertores, ladrões e praças do exército”.

Em outros centros urbanos do país o espaço favelado já era notado: em Belo Horizonte,

a presença da favela remonta o período de construção da cidade, criada para ser centro

político e administrativo do Estado de Minas, em 1895, dois anos antes de ser inaugurada, já

contava com duas áreas de invasão (GUIMARÃES, 1992, p. 2).

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Tanto Belo Horizonte quanto a Capital Federal brasileira sofreram com falhas de

planejamento quanto à previsão de onde alojar os trabalhadores envolvidos no processo de

construção.

A capital baiano sendo um dos espaços de ocupação mais antigo do país, tendo sido sua

Capital Federal no período colonial, teve a aparecimento de invasões ligado à crise da

economia agroexportadora. Em Salvador até a década de 1950 predominava, no sistema

habitacional, o aforamento de terras e o aluguel de casas, principalmente para as camadas de

renda média e baixa que ocupavam os cortiços nas áreas centrais e degradadas. A cidade

herdara uma estrutura fundiária peculiar, com o solo nas mãos de poucos grandes

proprietários e sob o sistema jurídico arcaico, a enfiteuse, que bloqueava o mercado de terras

(GORDILHO, 1992).

A primeira definição de que se tem conhecimento foi publicada no “Vocabulary of the

Flash Language”, vocabulário da linguagem vulgar, de 1812, do escritor condenado à prisão

James Hardy Vaux, no qual é sinônimo de “racket,” estelionato ou comércio criminoso. No

entanto, nas décadas de 1830 e 1840 os pobres já moravam em “Slums” em vez de praticá-los.

O Cardeal Wiseman, em seus textos sobre reforma urbana recebe os créditos por ter

transformado o termo “Slum” (cômodo onde se faziam transações vis) de gíria das ruas em

palavra utilizada por escritores requintados. Em um estudo de 1895 sobre os pobres das

grandes cidades, a Scribner’s Magazine votou nos fodaci de Nápoles, como as mais

apavorantes moradias humanas da face da terra, Gorki tinha certeza de que o famoso bairro

Khitrou, em Moscou, era na verdade o “fundo mais fundo”, enquanto Kipling ria-se e levava

os seus leitores “mais fundo, mais fundo ainda” até Colootollah, “o mais fundo de todos os

esgotos” na cidade da noite assustadora” de Calcutá.

“Estas favelas clássicas eram lugares pitorescos e sabidamente restritos, mas em

geral todos os reformadores concordavam que todas se caracterizavam por uma

amálgama de habitações dilapidadas, excesso de população, doenças, pobreza e

vício”. Para os liberais do século XIX, a dimensão moral era decisiva e a favela era

vista, acima de tudo, como o lugar onde o “resíduo” social incorrigível e feroz

apodrecia na imoralidade. Outro estudo de 1894, The Slum of Baltimore, Chicago,

New York, and Philadelphia, definia Slum como “uma área de becos e ruelas sujas,

principalmente quando habitadas por uma população miserável e criminosa”

(DAVIS, 2007, p.32)

Desta forma o termo “Slum” é associado à palavra Favela, sinônimo de dificuldade,

dureza, perigo, sendo que no inicio do século XX é pejorativamente associada com a

marginalidade. Sob esta óptica teórica, a favela é abordada como um processo de segregação

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social que se manifesta, sobretudo, em características como renda baixa, precariedade de

moradia de infraestrutura e de serviços básicos.

No imaginário popular, favela, invasão, mocambo, maloca é definida pelo que ela não é

ou pelo que ela não tem, é o espaço destituído de infraestrutura urbana, água, luz, esgoto,

coleta de lixo, sem arruamento, miserável, sem ordem, sem lei, sem moral. A cidade olha este

espaço como uma realidade patológica, uma praga, um quisto, uma calamidade pública.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) define como subconjuntos de

um aglomerado subnormal o conjunto formado de, no mínimo 51 unidades habitacionais

(barracos, casas), ocupando ou tendo ocupado até período recente, terreno de propriedade

alheia (pública ou privada) dispostas em geral, de forma desordenada e densa, bem como

carentes, em sua maioria, de serviços públicos essenciais (Censo Demográfico 2000, IBGE).

A cultura popular, sobretudo a música, ao longo dos anos vem se esmerando no trato e

na forma de caracterizar o espaço dos mais pobres, dos despossuídos. Na MPB, a favela se

afirma a partir de suas características físicas, de seus aspectos visíveis, emergindo como o

espaço da habitação precária e improvisada, do predomínio do rústico sobre o durável, da

ausência de arruamento, da escassez de serviços públicos, caracterizando-se como o espaço

do não (OLIVEIRA; MOACIR, 2006, p. 73).

“A porta do barraco era sem trinco.

Mas a lua, pisando nosso zinco.

Salpicava de estrelas nosso chão...”

(Chão de Estrelas, de Orestes Barbosa).

“Lá no morro/ Todo caixote é cadeira/Todo colchão é esteira/ Vela é

iluminação/Terra batida é assoalho pra dança/Tamanco é sapato que dá

elegância/Piteira é cachimbo com fumo de rolo/Água é refresco bebido com

bolo/Rico é visita no meio da gente/Pedra animada é fogão bem decente (...)”

(Vida no Morro, Aníbal Cruz, 1942).

Outra característica da favela é a que a identifica como área de invasão, o espaço da não

propriedade, um espaço em conflito pelo uso e posse da terra fatos também retratados pela

música popular.

Quando o oficial de justiça chegou/ Lá na Favela/E contra seu desejo/ Entregou pra

seu Narciso/ Um aviso, uma ordem de despejo/ Assinada seu doutor/ Assim dizia a

petição/ Dentro de dez dias/ Quero a favela vazia/ E os barracos todos no chão/É

uma ordem superior/ Ô, ô, ô, ô, meu senhor/ É uma ordem superior/ Não tem nada

não, seu doutor/ Não tem nada não, seu doutor/ Amanhã mesmo vou deixar/ Meu

barracão/ Não tem nada não, seu doutor/ Amanhã mesmo vou sair daqui/ Pra não

ouvir o ronco do trator/ Pra mim não tem problema/ Em qualquer canto me arrumo/

De qualquer jeito me ajeito/ Depois o que eu tenho é tão pouco/ Minha mudança é

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tão pequena/ Que cabe no bolso de trás/ Mas essa gente ai, hein?/Como é que faz/ Ô,

ô, ô, ô, meu senhor/ Essa gente aí, como é que faz.

(Despejo da favela, Adoniran Barbosa, 1975).

Como afirmam Leeds e Leeds (1978, p. 12), “o único critério uniforme que distingue as

áreas invadidas dos outros tipos de morada é o fato de constituírem uma ocupação “ilegal” da

terra, já que sua ocupação não se baseia nem na propriedade da terra nem no seu aluguel aos

proprietários legais”.

Evidencia-se então o significado mais amplo de Favela, Invasão, Mocambo, Maloca,

Cortiço, Slum seja por suas características positivas ou negativas, na musica popular ou nos

círculos eruditos a Favela revela-se como o espaço da pobreza, ser favelado é ser pobre,

pobres no tecido urbano brasileiro, a exemplo do que fora o Cortiço na virada do século

(VALLADARES, 1991).

Desta forma são apontados como sendo fatores principais no processo de favelização

das cidades: as condições salariais da classe trabalhadora, a expulsão direta dos núcleos por

ação de programas de remoção urbana, especulação imobiliária e ainda a expulsão indireta

devido à taxação urbana (GASPAR; AKERMAN; GARIBE, 2006, p.179).

Favela ou Invasão: a habitação de baixa renda na Bahia

Em Salvador o aparecimento de Favelas ou Invasões como é conhecido na capital

baiana o espaço dos pobres, teve inicio no começo do século XX. Com a proclamação da

republica, o regime de enfiteuse entra em contradição com as relações sociais que pretendiam

os brasileiros em seu novo momento histórico. O sistema foi alterado pelo sistema de

propriedade absoluta, no qual se somavam o domínio útil e a propriedade em um só

proprietário, o proprietário privado, o qual passou a ser protegido pelo código civil de 1917,

assim a cidade foi privatizada, surgindo o espaço público e o privado (SUAREZ Apud

GIUDICE; SOUZA, 2000, p. 87).

A pobreza aparece como uma característica da capital da Bahia no censo de 1940, o

qual já detectava 57% das construções em madeira ou material semelhante. Esta população

continua a se avolumar em virtude do fluxo de pessoas oriundas do interior do Estado, devido

principalmente à impossibilidade de absorção deste contingente pela região cacaueira

(GIUDICE; SOUZA, 2000, p. 87).

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Em Itabuna, os levantamentos apontam a presença com maior intensidade de áreas

faveladas na década de 1980, este processo está diretamente ligado ao processo de produção

regional, com base na monocultura do cacau e no processo de concentração de renda

decorrente deste modelo econômico que sofreu com crises cíclicas responsáveis diretas pela

dispersão de trabalhadores rurais desqualificados, os quais foram sendo atraídos para os

grandes centros regionais, sobretudo Itabuna e Ilhéus onde o comércio e a implantação do

parque industrial se apresentavam como alternativas.

Contudo áreas de invasão nas margens do rio Cachoeira por pessoas pobres já podiam

ser notadas desde a década de 1960, estes vinham em função das crises da lavoura em anos

anteriores e em função dos períodos de entressafra responsável pela desocupação de um

grande contingente de trabalhadores ao longo do ano. Desempregados eram atraídos pelas

lendas de enriquecimento e abundância de trabalho nas duas grandes cidades da região

Itabuna e Ilhéus.

A favela da Bananeira é uma destas localidades ocupadas no período anterior ao

processo de implantação de indústrias e do aprofundamento da crise da lavoura, mas que teve

nas décadas seguintes sua população avolumada, contando em 2008 com uma população de

aproximadamente 2.500 moradores em 600 moradias de madeira, as quais margeiam o rio

entre o Bairro Lomanto e o Bairro da Mangabinha, espremida entre o antigo aeroporto e o Rio

Cachoeira.

A favela resistiu durante anos às cheias do Rio e as tentativas do poder público em

remover seus habitantes para locais distantes do centro da cidade. No entanto, as várias

tentativas só conseguiram ao longo das décadas disseminar o problema em outros pontos da

cidade. Foram criadas novas favelas e a Bananeira continuou a existir com os mesmos

problemas estruturais e os trazidos pelo rio, um esgoto a céu aberto onde são despejados os

resíduos domésticos e industriais de várias cidades que o margeiam.

Histórias de Vida: destino Favela da Bananeira

Toda uma tradição científica levou os historiadores a negligenciarem o indivíduo,

buscando como fontes de pesquisa épocas remotas ou personalidades de destaque social,

uniformizando desta forma os períodos e os indivíduos, deste modo este tópico busca dar

visibilidade a pessoas que não tiveram a possibilidade de ocupar espaços de destaque,

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transformando seus relatos de vida em documentos. Pois, de acordo com Carlos Lemos

(1981), preservar não é só guardar um objeto, uma construção, a parte histórica de uma cidade

antiga. Preservar também é gravar depoimentos, sons, músicas populares e eruditas.

Angélica Gonçalves, 82 anos de idade, mora na Bananeira há 38 anos, nasceu em Vila

Nova da Rainha atual cidade de Senhor do Bonfim na Bahia. Dona Angélica teve três filhos,

sendo duas mulheres e um homem todos já casados.

Antes de vir morar na Bananeira, quando saiu de sua cidade de origem morou em

Ubaitaba trazida pelos pais os quais saíram do sertão devido à seca que atingiu a região,

chegou a Ubaitaba com oito anos de idade vivendo ali durante trinta anos, depois foi morar na

roça, sua família plantava verduras, durante o período em que residiu na zona rural da cidade

de Ubaitaba casa-se pela primeira vez.

Com o insucesso do primeiro enlace matrimonial em decorrência do envolvimento do

cônjuge com crimes de mando, “era uma pessoa muito bruta, aí eu o larguei”, depois da

separação foi para São Paulo, retornou à Bahia, vindo morar em Salvador e depois novamente

em Ubaitaba para ficar com a mãe, foi quando conheceu seu segundo marido, “eu trabalhava

na fazenda da família dele, não era Burara (propriedade de extensão reduzida e humilde) “era

fazenda grande de cacau”. D. Angélica contrai matrimônio com Laurentino Ribeiro Bonfim,

este morava no povoado de Cascata próximo a Ubaitaba.

Com o falecimento dos pais de seu esposo e com a consequente partilha da herança

entre os filhos, os mesmos vieram morar em Itabuna, pois Laurentino sofria de problemas

cardíacos, desta forma o casal veio buscar tratamento médico na cidade melhor equipada para

a terapêutica.

Chegando à Itabuna, primeiro se estabeleceram no Bairro Lomanto, contudo acharam o

Bairro muito agitado, o que deixava Laurentino sobressaltado, assim decidiram montar

residência na localidade conhecida como Bananeira, o local no período era pouco habitado,

aproveitando os custos para obtenção do terreno, adquiriram um espaço onde construíram

uma casa e na frente do lote estabeleceram uma mercearia.

“Meu esposo era muito educado, jeitoso com as pessoas, nós tínhamos muitos

clientes na mercearia, pois aqui já existiam muitas casas, o dia todo chegava e saía

mercadorias, os caminhões chegavam de fora trazendo de tudo. Mas meu marido

morreu após dez anos que estávamos aqui” (Entrevista Angélica Gonçalves,

entrevista 2009).

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Com o falecimento do marido ocorrido dez anos após terem chegado a Itabuna, o

comércio aberto pelo casal na comunidade da Bananeira foi fechado, passando D. Angélica a

viver com a pensão do marido.

Dona Anjelica vive na mesma casa construída pelo marido, na parte da frente onde

funcionava a mercearia vive uma conhecida “é para eu não ficar sozinha, aqui é muito

perigoso, depois das oito horas tudo fica escuro, este poste está com a luz queimada há oito

meses, eu queria ir para o conjunto, a casa lá é menor, mas pelo menos tem movimento na

Rua” (Entrevista de campo, 2009).

A moradora recorda como era movimentada a Rua da Bananeira, o seu comércio recebia

a visita de muitos fornecedores e clientes do local que ela viu crescer e mudar rapidamente.

“Nós vendíamos secos e molhados no nosso pequeno armazém, antes quando

tínhamos o comércio, a vida era melhor (...) hoje a Bananeira está muito perigosa, os

moleques quebram as lâmpadas para poderem usar drogas” (Entrevista Angélica

Gonçalves, entrevista 2009).

Laurentina Maria de Jesus, 89 anos, chegou a Itabuna com vinte anos de idade vinda

de Ibicaraí, veio com o marido para morar na casa da cunhada, pois os dois estavam

desempregados e a cunhada tinha condições para ajudá-los.

“Cheguei à Itabuna em 1950, tinha 20 anos, morei no Antique, na Burundanga e na

Praça Adami, próximo à feira, depois eu vim para cá, morei lá embaixo, e o rio me

expulsou aí eu vim para o alto na travessa Santa Maria. Quando eu vim para a

Bananeira, aqui só tinha goiabeira e mamona era só mato, depois foi chegando

gente”. (Laurentina Maria de Jesus, entrevista 2009).

Quando chegou de Ibicaraí ficou na casa da cunhada onde ajudava nos serviços

domésticos, o esposo foi trabalhar na casa de Dr. Salomão, ajudava na locomoção do médico

já muito idoso. Buscando locais onde pudesse trabalhar o casal peregrinou por diversas

cidades da região, a trabalhadora rural se aposentou em uma roça de cacau no município de

Pau Brasil, cidade que fica aproximadamente há 100 km da cidade de Itabuna, na fazenda de

propriedade de Dr. Ulisses.

Dona Laurentina é das poucas moradoras que não quer mudar para o conjunto

habitacional na Nova Bananeira, mesmo com sua casa apresentando vários problemas

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estruturais a moradora teme perder o contato com sua vizinhança. “Aqui todos os vizinhos me

conhecem e respeitam” a principal queixa de Dona Laurentina refere-se ao barulho da nova

vizinhança. “Aqui eu fico de porta aberta, e saio quando eu quero”.

Dona Laurentina é membro do Terreiro Rei da Vizara o qual se localiza defronte à sua

residência. Muito organizada e preocupada, cuida do espaço religioso como se fosse sua

própria casa, “todos os dias eu mando o almoço dele, se eu deixar ele não se alimenta e só

come bobagem”. A anciã se refere ao senhor Reginaldo dos Santos, proprietário do espaço

religioso, o qual trata como filho.

“Veja, quando chove aqui a água chega ao joelho, a casa está cheia de goteiras, mas

eu não tenho vontade de me mudar daqui. Daqui eu só quero sair no paletó de tábua,

com fé em Deus eu vou sair daqui no caixão. Aqui eu me deito 6 horas, e as quatro

ou cinco horas estou levantada, aqui ninguém me joga uma pedra, joga lixo na porta,

ninguém faz nada, e essas casas que fez por aí é uma esculhambação danada”

(Laurentina Maria de Jesus, entrevista 2009).

Gilmar Rosa, 42 anos, mora na Bananeira há vinte anos. Sapão, como é conhecido na

comunidade, é proprietário de um dos bares existentes no Bairro, o morador é uma dessas

figuras singulares, sempre sem camisa e de bermuda cultiva uma longa barba, a qual lhe dá

feições de revolucionário da década de sessenta, muito falante e solicito discorre sobre os

problemas do bairro e da política local com grande desenvoltura.

O comerciante relata que anterior à abertura de seu estabelecimento havia trabalhado em

Camacan, Ubaitaba, Itajuípe, Uruçuca e Pau Brasil. Em todas estas cidades trabalhou fazendo

carga e descarga de caminhões de cerveja para várias empresas.

Na Bananeira abriu seu negócio há treze anos, seu estabelecimento localiza-se na parte

baixa da favela, tendo sido atingido pelas cheias do rio Cachoeira várias vezes. O comércio é

paupérrimo, a maioria das prateleiras desnuda de produtos, contrasta com os dois frízeres

brancos novos, os quais várias vezes foram recondicionados, em virtude, das avarias

provocadas pelas águas do rio. Nos fundos do bar, feito toscamente de madeira, construiu sua

casa. Sem filhos ou mulher é um dos a não aceitar a retirada dos moradores da localidade.

Gilmar faz vários questionamentos sobre a forma como foi feita a remoção e relocação

dos moradores, deixa evidente sua insatisfação por achar injusto que pessoas de fora da

comunidade recebessem casas que eram destinadas aos moradores da Bananeira, “gente que

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nunca morou aqui, receberam casa”, o morador questiona o abandono que o local passa, não

vê no trabalho da associação de moradores o interesse em melhorar as condições do espaço.

Apesar de todas as dificuldades enfrentadas Gilmar não demonstra abatimento muito

menos pessimismo, contudo reclama da falta de oportunidade para trabalhar e aponta o

preconceito contra as pessoas que residem na favela como um dos motivos pela falta de

oportunidade.

Cleonice Oliveira de Souza, 80 anos, mora na Favela há 50 anos, viúva trabalhou em

casa de família quando veio para Itabuna, antes de chegar sempre viveu e trabalhou em roça

de cacau. Teve vinte filhos, doze homens e oito mulheres, mora na parte alta da favela em um

cômodo de um único vão feito de madeira e com piso de terra batida.

Veio para Itabuna acompanhando o marido que trabalhava em uma roça de cacau em

Areia Branca, distrito pertencente à cidade de Jussari a cerca de 60km de Itabuna. Em Itabuna

foi abandonada pelo esposo que a deixou com os filhos pequenos para criar.

“A gente passou muita necessidade aqui, eu sozinha para dar de comer para os

meninos, agente teve de correr atrás, todo mundo aqui trabalha, depois os mais

velhos foram casando e aí cada um procurou seu rumo” (Cleonice Oliveira de

Souza, entrevista 2009).

D. Cleonice, mesmo com os filhos já adultos continua a enfrentar os mesmos

problemas, na casa sem muitos móveis vive com duas filhas e cinco netos que são mantidos

com a aposentadoria que recebe do governo, de quando em quando recebe cestas básicas da

prefeitura ou de entidades filantrópicas da cidade que atuam na comunidade. A renda da

família é complementada com o dinheiro conseguido pelas filhas que trabalham como

faxineiras em casas de famílias.

Andréia Santos, 21 anos, nascida em Itabuna nunca trabalhou em roça, “meus pais

trabalharam em roça, mas nem eu nem meus irmãos trabalhamos”. Andréia tem o 2º grau

completo, trabalha como diarista, ganhando 20 reais por faxina. Tem dois filhos e mora no

Conjunto Habitacional, separada do companheiro cria os filhos com a ajuda de parentes que

também moram na favela. “Minha vida é corrida, não tenho tempo pra nada, penso em fazer

faculdade um dia, mas é muito difícil, eu quero que meus filhos tenham uma vida melhor”.

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A casa de Andréia fica na parte baixa do conjunto Nova Bananeira, próximo à pista do

aeroporto e de onde seria implantada a caixa de tratamento do esgoto do conjunto, obra que

não foi concluída. Sua casa passou por diversas mudanças, na parte dos fundos foi feita uma

cobertura de zinco e paredes com as madeiras retiradas do seu barraco, este espaço é utilizado

para secar e lavar roupas.

Para complementar a sua renda Andréia realiza um bingo onde são sorteados dois

frangos assados todos os domingos em sua residência, o dinheiro extra serve para equilibrar o

orçamento familiar que não ultrapassa um salário mínimo.

As Condições de Moradia e o Acesso aos Equipamentos Urbanos

A opção da casa própria representa não só a eliminação de gastos com aluguel, mas

também a formação de um patrimônio, cuja valorização será dependente das conquistas e

melhorias dos locais em que se localize (Bonduki e Rolnik, 1979, pp.138-44; Lima, 1980, pp.

89-90; Santos, 1980, p. 37). A busca pela casa própria pode ser explicada como uma opção de

segurança frente a instabilidade do emprego, frente as crises da vida que comumente passa

essa parcela da população.

As moradias da Bananeira em sua maioria são feitas utilizando-se madeira para a

armação e feitura das paredes, os barracos são cobertos com Eternit, Zinco ou lona e madeira.

Desta forma podemos inferir que a favela pode ser entendida como uma “solução” e não um

problema, salientando sua funcionalidade.

A escolha do local e do material para a construção das habitações pelos moradores

levou em conta aspectos tais como: os custos para realização da obra em detrimento de fatores

como salubridade ou mesmo as condições físicas da moradia; outro fator considerado pelos

moradores foi à proximidade com o centro da cidade, fator que reduz os custos com

transporte; e o não pagamento de aluguel (Parisse, 1970, pp. 78-81; Perlman, 1977, pp. 36-

37).

A moradia na favela portanto é, por força dessa própria condição, mais barata, de vêz

que dela se exclui o preço do terreno: compra-se, aluga-se ou vende-se apenas a benfeitoria

(Souto de Oliveira, 1980, p. 165). Outras características ligadas à moradia na favela que

costumam ser interpretadas como vantagens econômicas seriam a: possibilidade de um

crescimento vertical das unidades e o consequente aluguel de cômodos; a isenção de

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impostos, taxas e licenças que oneram os custos da habitação em outras áreas; e o sistema de

mutirão que reduz os custos que adviriam de uma eventual contratação de mão-de-obra (Souto

de Oliveira, 1980 p. 166).

Do universo pesquisado na Bananeira, foi constatado que 26,2% das casas são feitas de

blocos e que 73,6% são feitas de madeira, destas 73,9% possuem sala, 75,5% possuem

quartos, 72,3 possuem cozinha e que 35,1% não possuem banheiros sendo que 23,9% das

casas visitadas possuem um único vão. A maioria das residências, não dispõe de piso

cerâmico ou mesmo de cimento vermelho, sendo constituída sua estrutura de terra batida.

Fonte: Pesquisa de campo.

Vale ressaltar que apesar de 73,6% das moradias utilizarem madeiras como principal

material para construção e apresentarem um grau elevado de precariedade, instabilidade e

aparentar não ser um assentamento consolidado, os aspectos demonstrados estão associados a

fatores culturais ou de disponibilidade do material que era abundante e de preços mais baixos

que os de bloco cerâmico na região. A construção com a utilização da madeira na Região

Blocos 26%

Madeira 74%

Materiais de construção utilizados na Bananeira

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Cacaueira é frequente e disseminada na maioria das cidades, o que vem a demonstrar o nível

de pobreza e degradação ambiental destes municípios os quais mais aparentam ser favelas que

cidades.

Na população pesquisada 86.6% possuem casa própria, 9.6% moram de aluguel e 3,2%

moram com parentes ou em casas cedidas.

Para tanto, processo utilizado no processo de construção das moradias foi o de

autoconstrução, que é o processo no qual o proprietário constrói sua casa sozinho ou auxiliado

por amigos e familiares em seu horário de folga do trabalho remunerado (Maricato, 1976,

p.10).

O perfil Socioeconômico dos Moradores

Os levantamentos realizados detectaram que nas residências chefiadas por homens 31,5

recebiam menos que um salário mínimo e nas chefiadas por mulheres este número chega a

65,3% a viverem com menos de um mínimo, desta forma as famílias chefiadas por homens

que recebem até um mínimo é de 49,1% e as chefiadas por mulheres é de 32,3%, somente

8,4% entre os homens e 2,3% das mulheres recebiam de um a dois salários mínimos.

Os levantamentos detectaram que 22,4% dos homens e 24,6% são analfabetos, sendo

que 51,7% dos homens e 41,53% das mulheres possuem o 1º grau incompleto e 8,6% dos

moradores do sexo masculino possuem o 1º grau completo contra um universo feminino de

13,8%. Dos que alcançaram o 2º grau mas não o completaram 10,34% são homens e 10,76%

são mulheres, a parcela dos que conseguiram completar o 2º é composta por 6,8% de homens

e 7,7% de mulheres.

Na favela, foram detectados dois indivíduos que frequentam cursos Universitários, duas

alunas do curso de pedagogia que não tinham concluído seus estudos que figuram como

1,53% do universo feminino pesquisado na favela (Ver gráfico abaixo).

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Fonte: Pesquisa de campo.

As atividades profissionais desempenhadas pelos moradores da Bananeira estão

relacionadas na tabela, o que associada aos dados do gráfico de escolaridade do Bairro nos

fazem perceber as razões da baixa remuneração percebida na comunidade a qual está

fortemente associadas a pouca escolaridade.

(Quadro 06) Atividades e profissões da população da Bananeira

Profissões Quantidade

Construção civil 9

Indústria 7

Comércio 7

Serviços 44

Trabalhador rural 4

Estudante 26

Aposentado 7

Desempregado 18

Autonomo 4

Dona de casa 40

Não declarou 21

Total 187 Fonte: Pesquisa de campo.

Grande parte dos moradores da Bananeira vive de forma miserável, sendo os auxílios

municipais, estaduais e federais a única fonte de recursos de numerosas famílias as quais

Nível de escolaridade Bananeira

analfabetos

1º comp.

1º incomp.

2º comp.

2º incomp.

sup. Incomp.

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complementam as suas rendas realizando bicos ou biscates ou mesmo pedindo nas portas

alimentos e dinheiro.

Nível de Qualidade de Vida dos Habitantes da Bananeira

A favela da Bananeira é uma das localidades mais pobres da cidade de Itabuna, na

favela moram pessoas vindas de todas as cidades que compõem a Região cacaueira a qual

enfrentou décadas de crise, desta forma a Bananeira foi e é a porta de entrada da cidade para

os miseráveis da Região Sul da Bahia. Vindas de cidades arrasadas pelos anos de crise da

monocultura do cacau. Desta forma, em função do elevado índice de desemprego observados

nas décadas de 80 e 90 levas de pessoas vieram buscar em Itabuna oportunidade de melhoria

de vida, o que para a maioria se mostrou uma busca infrutífera.

FOTO 48: Mulheres lavando louças na rua.

Fonte: pesquisa de campo.

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Fonte: Pesquisa de campo.

A tabela que indica a origem dos moradores da Bananeira evidencia que os municípios

que compõe a região cacaueira foram os que mais contribuíram com o contingente

populacional encontrado na favela, estes moradores vieram para Itabuna nos vários ciclos

migratórios provocados pelas crises cíclicas da monocultura cacaueira.

Outro fato que pode ser evidenciado na tabela é que a grande maioria dos indivíduos

pesquisados já vivia na cidade de Itabuna, demonstrando que a crise da monocultura cacaueira

ocorreu em vários períodos distintos e com vários graus diferenciados de intensidade, vindo a

ter seu auge em 1989 com a Vassoura de bruxa fator responsável pelo fim de

aproximadamente 250. 000 mil postos de trabalho na região do cacau o que provocou a saída

de um grande contingente humano de várias cidades da região. Evidencia também o processo

de atração de pessoas promovido pela instalação de fabricas e pelo fortalecimento do

comercio e implantação de universidades em Itabuna.

Meio Rural 53%

Urbano 47%

Origem da população da Bananeira

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Fonte: Pesquisa de campo.

Foi constatado que 53% dos moradores da Bananeira vieram do meio rural, essa massa

de trabalhadores é oriunda das roças de cacau da região assoladas pela crise. Outros 47%

declararam nunca ter trabalhado na lavoura de cacau, contudo estes declararam ser filhos ou

netos de trabalhadores de roças de cacau o que reforça a ideia de que a região enfrentou crises

cíclicas em vários períodos. Deste contingente de trabalhadores que se declararam ter

trabalhado nas lavouras de cacau as porcentagens entre homens e mulheres se equivalem com

54,3% e 52,3% respectivamente. O levantamento verificou que entre os mais velhos a

incidência de trabalhadores rurais foi maior em detrimento dos mais jovens que se declararam

trabalhar em funções urbanas. Como destaca o Sr. Luiz dos Santos:

“... nasci e cresci em uma roça de cacau, mas nunca pude ter uma casa minha

nem nada para colocar dentro, trabalhava das cinco da manha às cinco da tarde,

meus filhos não podiam estudar, aqui trabalhando como pedreiro já tenho meu

barraco, televisão e geladeira, se tivesse ficado na roça não teria nada” (Sr. Luiz

Santos, 62 anos, veio morar na Bananeira quando da construção da ponte na Br.

101 próximo a favela, na década de 1960. Pesquisa de campo, 2009).

Para os que se fixaram em Itabuna a alternativa de habitação mais barata ou mesmo a

possibilidade de construir seu barraco com o auxilio de familiares e amigos na Bananeira, se

Meio Rural 53%

Urbano 47%

Origem da população da Bananeira

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mostrava mais vantajosa. Os terrenos não tinham valor comercial em decorrência da

proximidade do rio e por ser acidentado, outro fator responsável por atrair pessoas para esta

área foi a proximidade da favela com o centro da cidade e com a Br. 101, localização esta que

torna fácil o deslocamento e a busca por trabalho.

Fatores como o valor de alugueis ou mesmo a possibilidade de construir um barraco

próximo ao centro comercial e das fabricas e armazéns de cacau, contribuíram para que a

favela tivesse o seu contingente populacional avolumado, fazendo com que na década de 1990

a favela abrigasse mais de 10.000 mil moradores, provocando problemas estruturais como a

falta de espaço, consequentemente a má distribuição espacial das casas típicas em áreas sem

planejamento, o que trouxe problemas de acúmulo de lixo, falta de água tratada na maioria

das residências, esgotamento sanitário, fatores que somados, são responsáveis pelo aumento

da incidência ratos, mosquitos, cobras e escorpiões que se proliferam nos quintais e nas

barrancas do Rio Cachoeira.

A infestação de ratos na favela fez com que alguns moradores para protegerem as

crianças menores no interior das residências evitando que estas fossem comidas pelas

ratazanas, cimentassem as laterais dos telhados, o que não impede acidentes provocados por

picadas de cobras e escorpiões.

O Bairro apresenta problemas de alagamento e inundação provocados pelo Rio

Cachoeira, poeira por não ter suas ruas calçadas, deficiência na coleta de lixo, na iluminação

pública e no acesso a água tratada e na rede de esgotamento sanitário a qual não é encontrada

na maioria das casas. Quando perguntado aos moradores se em suas residências havia acesso

à rede de água tratada na maioria das residências entrevistadas a resposta foi afirmativa,

contudo quando a pergunta foi reformulada, perguntado aos moradores se eles faziam o uso

da rede de água tratada no interior de sua residência para os afazeres domésticos e para

higiene eles apontavam automaticamente para o cano na porta com a passagem de água

interrompida por falta de pagamento o que se repetia com a eletricidade, problemas que eram

equacionados com o uso clandestino do serviço, conhecido como gato entre os moradores.

A Bananeira não dispõe de mercados ou mercearias existindo apenas bares, três na rua

principal e outro na travessa Santa Maria os quais, vendem somente bebidas alcoólicas e

refrigerantes. Em algumas residências são vendidos salgadinhos industrializados de queijo,

apesar da ausência de mercados e mercearias, os moradores contam com a opção de comprar

verduras e frutas de ambulantes que passam nas portas vendendo estes produtos. A favela

dispõe de dois salões de cabeleireiro, um funcionando em condições precárias não tendo piso

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com partes das paredes de madeira apresentando várias infiltrações; o outro na etapa de casas

construídas pelo projeto Habitar Brasil, funciona em melhores condições em um dos cômodos

das casas novas na terceira travessa da primeira etapa.

Outro problema enfrentado pela favela é relativo ao uso e venda de drogas, por ser uma

ligação entre o centro da cidade e ao semi anel rodoviário o Bairro é utilizado como rota de

entrada e dispersão por traficantes. Também é utilizado como rota de fuga e esconderijo, o

consumo de bebidas alcoólicas pelos moradores também é comum, fator motivador para

brigas e discussões entre vizinhos.

Quando questionado aos moradores se estes consideravam o Bairro violento, 53%

afirmaram não achar o local violento, os entrevistados afirmaram que a violência que as

pessoas da cidade atribuíam a Bananeira vinha de outros Bairros, eles o consideravam

tranquilo, com tudo faziam questão de ressaltar que não saiam à noite de suas casas, 47% dos

moradores afirmaram que a localidade é violenta e que temiam morar nesta localidade,

ressaltando que a violência teria aumentado com a construção do conjunto habitacional

próximo a favela, eles atribuem o aumento da violência à presença de moradores que não

faziam parte da comunidade e que passaram a residir no Conjunto habitacional (Pesquisa de

Campo).

Fonte: Pesquisa de campo.

47%

53%

Opinião dos moradores quanto a violência na Bananeira

Violento

Não violento

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Questionados sobre a segurança no Bairro e sobre a presença e a atuação policial, 49%

dos moradores considerou péssimo o serviços de segurança pública, 11% o consideraram

ruim, 17% regular, 20% o consideraram bom e 3% o consideraram ótimo. Os moradores

sempre cautelosos afirmavam que policia no Bairro só era vista quando vinha recolher os

cadáveres que eram desovados nas encostas do Rio. Em caso de necessidade podia se pedir o

auxilio policial via telefone mais que este não vinha (Pesquisa de Campo, 2009).

Fonte: Pesquisa de campo.

Os questionamentos relativos à criminalidade e aos órgãos de segurança, provocavam

grande mal estar, as respostas eram dadas sempre em voz baixa ou mesmo em código, mesmo

assim somente era dada quando informado que não era necessário à identificação do

entrevistado, apesar de 53,1% dos moradores afirmarem não achar a localidade violenta, o

questionamento por si era responsável por deixar o entrevistado amedrontado e com receio de

falar tanto da criminalidade quanto do policiamento, fator considerado de péssima qualidade

para a maioria dos entrevistados.

Foi verificada na favela a presença de pessoas portando armas de fogo bem como o

fácil acesso a compra destas armas. Na maioria dos casos onde foi presenciado moradores

portando armas, estas estavam em mãos de pessoas jovens do sexo masculino, os quais

transitavam sem preocupação pelas ruas como também comentavam sobre a compra e venda

Policiamento na Bananeira

Péssimo

Ruim

Regular

Bom

Ótimo

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destas armas sem receio de represarias policiais que na localidade em nenhum momento foi

percebida.

Outro problema enfrentado pelos moradores é a distância do posto de médico, como o

local não dispõe de unidade de saúde os moradores tem que se deslocar ou para o posto do

Bairro Odilon ou para o da Mangabinha. Para 38.5% dos entrevistados o atendimento e a

qualidade dos serviços nas unidades de saúde é péssimo, para 5.2% ruim, 21% consideram

regular, 29,8% consideram bom e 5,2% o consideram ótimo (Pesquisa de Campo).

Fonte: Pesquisa de campo.

Os moradores da localidade recebem periodicamente a visita de agentes de saúde do

município nas residências que fazem o acompanhamento nas residências. As principais

doenças identificadas na comunidade estão relacionadas à proximidade com o rio, como

doenças de pele, esquistossomose, alergias em decorrência da poeira das ruas e picadas de

insetos, a dengue e as deficiências alimentares.

A fome é outro mal que atinge a população da Bananeira, encontrar pessoas famintas

no interior das residências foi uma constante. Idosos e mulheres foram os segmentos onde o

problema foi detectado com maior força, como a renda da população é mínima ou nenhuma,

as pessoas que não estão cadastradas para receber auxilio do governo federal ou da prefeitura

Avaliação dos serviços de atendimento de saúde

Péssimo

Ruim

Regular

Bom

Ótimo

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ficam dependendo da ajuda de particulares ou entidades filantrópicas, quando a ajuda não

vem a família passa fome.

Foram detectadas na Bananeira pessoas vivendo de alimentos coletados em lixões, das

sobras das residências de outros Bairros ou do lixo das feiras livres e mercados da cidade,

entretanto estes foram fatos isolados.

Dos vários problemas existentes e apontados a fome, a prostituição, as drogas e o

desemprego são os que mais afligem a comunidade. Cada um deles ligados ao outro pela

extrema miséria enfrentada pela comunidade, meninas e meninos se prostituem para

manterem as suas famílias e os vícios.

A gravidez na adolescência é outro complicador responsável por agravar ainda mais a

miséria, o problema é apontado, pela direção da Escola Ação e Cidadania como mais um

problema presente na Bananeira (Entrevista Coordenação Escola Ação e Cidadania).

Conclusão

Os resultados da pesquisa de campo, representados pelos dados contidos nos quadros,

figuras, gráficos e fotografias revelam as condições caóticas vividas pela população de baixa

renda itabunense, sobretudo, os problemas gerados pelo crescimento rápido e desordenado.

Revela ainda as raízes históricas do aparecimento de espaços favelados da cidade visualizados

através dos problemas socioeconômicos da Favela da Bananeira os quais confirmam a

condição de miséria vivido em um dos espaços de ocupação de baixa renda mais antigos do

sítio urbano de Itabuna.

Os levantamentos apontaram para um quadro de pobreza gritante, demonstrando a

lentidão e ineficácia na resolução do problema favela existente em Itabuna pelos órgãos

competentes, os quais tentam promover desde o ano de 2000 a reestruturação e remoção da

população da favela ribeirinha da Bananeira; processo ocorrido de forma lenta e ineficiente o

qual nos seus dez anos de implantação não conseguiu remanejar por completo a favela

existente, promovendo o esfacelamento das relações sócias de vizinhança, destruindo espaços

religiosos, histórias de vidas e o mais grave não conseguindo fazer com que o morador da

favela permaneça nas áreas urbanizadas ou semi urbanizadas.

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A favela da Bananeira reflete o cenário de miséria e carência vivido por seus moradores

caracterizados na precariedade dos equipamentos urbanos básicos, na insalubridade, no alto

índice de desemprego, na precariedade das moradias e no baixo índice de escolaridade, fatores

que delineiam e definem o nível de qualidade de vida de uma população miserável.

Referências Bibliográficas

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Rio de Janeiro. In: Revista do Rio de Janeiro, vol. 1, nº 2 pp. 47-58, 1986.

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