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ELEMENTO SERVIL

ESTUDO

POR

THEODORO p~~

IftP

RIO DE JANEIRO

TYP. DA. RUA. DA. A.JUDA. N. 20-

18'11

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818110nCA 00 SfNADO HOfRUEste volume acha-se registrado

sob númeroJs.lf._-:::..f__ _.do ano de L~1.':L ~_

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I

« L'esclavage desbonore le travai!ii introduit l'oi~iveté dans la societé'et avec elIe l'ignorance et l'orgueil'la pauvreté et le luxe. li énervéles forces de l'intelligence et endortl'activité bumaine. »

(A. DE TOCQUEVII.LE, De la. dimocratieen Amé)'ique, 1. 10, chapo 20, pg. 22).

Diz-se geralmente que a .causa da emancipaçãoestá ganha perante a phiJosophia e no mundo dosentimento. A.ssevera-se que ninguem, de boa fé,é partidario da escravidllo e que todos a con­demnam á luz da moral, da religillo e da rasão.Vae-se mais longe, e pretende-se ser egualmenteconvicção geral que, economicamente, é a escra­vidão um grande mal, sendo o trabalho livremais productivo, ao passo que mais barato.

Infelizmente, porém (em que nos pese dizê-lo),a causa da humanidade e da civilisação, do dí-

•reito e da verdade, não tem ganho tanto terrenona conscieflcia publica, como asseveram observa­dores super:fi.ciaes.

Si estivessemos bem convencidos de que a es-

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craviclão é uma iniquidade barbara, mais degra­dante, como de facto é, para o senhor do que parao proprio escravo, qual o hqmem de brio que, porum instante, possuisse um seu semelhante'? Sitãq intuitiva verdade, como a de que o homem,que fórça b proximo a trabalhar, não para si,mas para o verdugo que lhe arranca toda a auto­nomia e o capii.va.(corpo e alma) á sua tyrannia,commette o mais assombroso de todos os crimes,um attentado infinitamente mais violento e cla­moroso do que aquelle que, com riscos e perigos,assalta o viajante para arrancar-lhe a bolsa ou avida, tivesse callado no pudico sacrario da con­sciencia, quem não se occultaria aos olhos detodôs, como um' infàme, para perpetrar tão abo­minavel crime'? E nem tranquillisaria ao tyrannoo facto de ter sido outrem qu.em reduziu suavictima á escravidão, porquanto a mesma con­sciencia lhe bradaria ser elle ainda mais mise­ravel, esse que, sem ao menos correr os riscos daviagem á Costa d'Africa, ou os da guerra, ou osda caça dos cruzeiros e mil outros no oceano,apenas com alguns miseraveis mil réis, commo­damente pagou todos os serVIços, despezas e pe­rigos corridos pelo detestavel traficante de carnehumana e acoroçoou com a compra esse nefandocommercio, tornando suas, pela cumplicidade damesma compra, todas as abominações commet­tidas pelo vendedor, cujo cessionario se tornasciente e conscientemente. Abra-se qualquer co-

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digo, e nelle ver-se-ha considerado co-réu ou cum­plice do roubo quem compra objectos roubadossabendo ou devendo sabe]' que foram roubados.

Dir-me-heis que não indag'astes si o negro foiou não roubado á sua patria e á sua liberdadequando o comprastes. E eu s6mente vos respon­derei que fica provado o meu triste asserto: « nomundo da philosophia não está ainda ganha acausa da liberdade. » As consciencias ainda vosnão dizem que a pessoa do negro como a do branconão p6de cahir na escravidão sinão pbr força,violencia, roubo, attentado. Ao contrario, algunsespíritos mettem na cumplicidade de tão mons­truoso crime apropria Divindáde I Enchergamna côr negra da pelle a rubrica divina que lega­.lisa a escravidao e buscam nos textos, mais oumenos torturados das antigas sagradas escriptu­ras, os échos da maldicção, que condemnou osdesditosos filhos da raça de Chamo

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II

No mundo do sentimento (parece impossivel!)é infelizmente certo que a sorte do escravo aindaestá mais desproteg'.ida, Ha muita gente que sus­tenta, com o calor que inspira de oruinario a boafé' de uma convicçã.o, que o escravo não é maisinfeliz do que o proletario da Eur0pa 011 quiçá doque os fortes cidadãos livres da antiga Roma ouA.thenas. Dizem mesmo que não são absoluta­mente infelizes, e que seus senhores o são ásvezes mais. Dahi pouco falta para declararembenemeritos da patria esses que, mal encarando oproprio interesse, se su jeitam a ser senhores eadministradores d9 seus escravos, fazendo-os tra­balhar para se sustentarem e enriquecerem o paiz,em vez de abandonarem-se á vida imprevidente edescançada do negro, que tem quem o vista, onutra e o livre de todos ús encarg'os pesados dafamilia e da sociedade! Não se lembram por uminstante esses optimistas sui generis que, paradarem tamanha felicidade ao escravo, mutilam sa­crilegamente a grande obra divina, que se chamao homem.

Despojam-no de todas as faculdades, sentimen­tos, inclinações,attracções e paixões com queDeus povoou-lhe a alma quando o creou colla-

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borador da sua grande obra na humanidade. Prí~

vam-no de tudo quanto '8. natureza lhe ensinou aappetecer, e porque não tem o escravo conse~

quentemente que luctar, essa lucta, que redobraos encantos da victoria, para alcançar esses bensa que nlio lhe é possivel chegar, atiram-lhe á faceo sarcasmo brutal de chamá-lo feliz a ene pobreescravo, symbol0 do infortunio ! .

Mas o que não registram esses grandes philan~

tropos, é a intensidade da sMe devoranté, que re~

queima essa alma em perenne jejum, deante domaná divino, que a natureza lhe promettêra atroco de seu trabalho quotidiano!

O que esquecem, é a' serie infinita de dramaspungentes e sombrios, que su atam e desatam na.noite da escravidão, nodoada de sangue, povoadade gemidos arquejantes, e soluços, ensopada çlelagrymas 1. ..

Todos os sentimentos humanos estão esmaga­dos e respingam agonias !.. A. amizade, O· amor,a benevolencia, a charidade, o desinteresse, aabnegação, a firmeza, o valor e todas as multi­plices formas da aspiração infinita da alma para aluz e para o beBo, para a verdade e para o bem,tudo isso não tem Iogar no mundo da escravi­dão, e quanto maiores forem até as virtudes,maiores crimes e desgraças originam. Chamem-seamor de filhos, de esposa, ou de mãe I São contra­bandos moraes que desafiam energica repressão

E assiste-se a semelhante espectaculo impas-

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~ivel e frio I Uns, como verdugos para iii. mons­truosa deformação do mundo moral,concorrem como ferro e o azorragu~,e outros com a cumplicidade,no charater de cidadãos do paiz, que consente epresta apoio á iniquidade, com todo o machinis­mo organisado de sua policia, magistratura, leise força publica.

Pois si no mundo do sentimento reinasse o hor­),'01', que geraria a consciencia da atrocidade daescravidão, teria alguem bastante deshumani­dade para aqueUe mister de carrasco, e outrospara consentirem'e auxiliarem essa obra infernal'?Quem supportaria o travo amargo de iniquici.adede uma chicara de café (no dizer de um grandephilosopho referindo-se á ilha de Cuba) ainda tem­perando-o com o assucar humido do sangue hu­mano, que para fazê-lo se derrama ~ I

Dae embora ao escravo todo o bem-estar mate­rial ; concedamos, o que está bem longe de ser ver­dade, que os senhores·os tractam com muita hu­manidade, retiram do fructo do trabalho, que lhesextorquiram, largas porções para proporcionar­lhes commodidades de toda a especie; admittamosmesmo que não lhes fazem injustiça absoluta ourelativa na destribuição do castigo, da recom­pensa ou da indifferença, (que já é um talou qualbem, por ser a ausencia da perseguição de um ca­pricho da occasião), ainda assim a mutilaçãomoral e social, soffrida pelo escravo, fará deUeeternamente um poema pungente, um compendio

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vivo de todas as infelicidadc& e miserias imagi­naveis!

E é esta a face mais horrivel da escravids.o:ser um facto tão revoltante que não ha meio depôr a natureza de accordo com elle. Não ha boavontade do senhor, resignação e virtude do es­cravo, longanimidade e paciencia de uns e outros,que lhe disfarcem a ama.rgura tmmensa, e ate­nuem a monstruosidade de condição tão misera­vel! Onde quer que vejaes um ef!lcravo, ficae certoque tendes deante de vós um infeliz ou um mons­tro, ou uma e outra cousa: e esse, quem querque é, que se diz seu senhor, seja embora a damamais delicada, creada para captivar olhos e cora­ções, esparzíudo mil encantos e seducçpes, quefazem scismar nos anjos descidos das celestiaesmorada', é sempre um monstro moral, e nadamais do que um monstro por força de sua condição.

Todo o seu criterio moral está pervertido, aconsciencia callosa, o sentimento p:oostituido e aalma irremissivelmente pestiferada é um fóco decontaminações para todo o corpo social! .

ão temos consciencia das cruciantes agoniasdo escravo por força dessa perversão moral, eporque o Fautor de tudo não permitte o mal abso­luto do opprimido. Em sua immensa bondade eBe,que creou as harmonias das espheras celestes,que povoam o infinito do espaço e do tempo, nãocom mais amor do que o infusorio e as miJiadesde seres que dão ao atomo a capacidade do infinito,

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povôou tambem o atomo de vida moral, de qItenão podemos despojar o nlÍsero vivente, de muitase muitas felicidades, que brotam providencial­mente da mesma miseria, e que muitos não com­prehendem, ao passo que alguns invejam !...

E' certo sim, e mais frequente do que se pensa,que o escravo ás vezes é mais feliz do que o ver­dugo que o opprime,. mas nem isso lhe restitue osel). direito e lhe inteira o seu quinhão de felici­dade, nem lhe aligeira o pezo da cruz, que lheatiram aos hombros, embora robustecidos pelamisericordia de Deus, e/menos, e nunca legi­timam a oppressão e iniquidade, fonte perenne dedesgraças e abominações para o oppressor e oopprimido.

..

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III

Perante a rasão a escravidão não se tem ainda.revellado tão pouco em toda a sua hediondez.

A. sociedade brazileira ainda não tem a con­sciencia clara do mal, que lhe vem da influenciadeleteria da escravidi'io. Ainda os estadistas e anação não estão sufficientemente convencidos dorebai..'<amento do nivel moral, que orig'inado nofacto da escravidão, dá em resultado a degradaçãoda virilIdade civica da população livre, a falta deiniciativa, a timidez rotineira, a imprevidencia, arelaxação de costumes, a tibieza das crenças re­ligiosas, philosophicas e politicas, a falta abso­luta de principios, juncto a um fanatismo su·persticioso pelos dogmas falsos e profanos de'obediencia servil e de dominação senhoril, que sereflectem em todas as relações sociaes.

Os que não têm consciencia da iniquip.ade sãOeunuchos moraes incapazes de nenhum senti­mento masculo, e os poucos que ainda sentem-seaffectados de escrupulos, quando senhores ou col­labôradores dos senhores J;la obra infernal daoppressão, degradam-se no aviltamento da cum­plicidade a que se não podem forrar, e ás vezesdepravam-se cynicamen'te na embriaguez do re­morso e na hallucinação do terror, que lhe ins·

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pira a previsão do grande dia do julg'amentofi:.. aI.

E todos esses commensaes do banquete de ini­quidade em que devoram as carnes e. bebem osangue dos filhos de Deus, que não se deram,como o cordeiro de Judá, voluntariamente emhostia á humanidade, mas são sacrificados pelopeccado de uma monstruosa gulla, uns, incon­scientes e embrutecidos, outros, em desesperadaorgia, abafando com os gritos da bacchanal os da ..consciencia endolorida, sentem-s~ e estão de factoabandonados do espirito de Deus, o sopro creadorda verdade, o calor vivificante lio bem, Perver-tidas as leis sociaes, falsead,os os estimulos natu-raes com que Deus aguilhôa o homem para otrabalho e lhe alal'g'a os horizontes da aspiraçãoao cabo de cada conquista, que elle faz sobre anatureza, substituidas as molas da acção e ospri13.cipios naturaes por outros, feitura rachiticae ridicula, ao mesmo passo que iníqua, do per-vertidQ cerebro elo homem bruto~ o trabalho livre,fecundo como Deus o fez, não quer e não pMeentrar em competencia com o escravo, ao p~sso

que o trabalho escJ;'avo não obtem em preço pataquem o explora sinão a satisfação ele falsos gozosanimaes, saturados de l'esaibos amargos, b?·qbtifi-(b nles e ruinosos, não trazendo apoz si nenhummelhoramento moral, nenhuma nova aspiraçãonobre, nenhuma das mil ambições divinas do es-pirito que desnorteou do rumo em que pára a es-

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cada u.e Jacob, por onde se sóbe da terra aocéu.

De um lado tudo solicita o escravo, não digo sóa não produzir mas a destruir.

A. nada tem que aspirar.Por maior que seja seu esforço, por mais intel­

ligente que seja a applicação do mesmo, por maisabundante o seu resultado, a desditosa sorteem nada melhorará, nenhum gozo moral ou ma­terial lhe póde provir de esforço seu, mas tãos6mente do acaso incarnado no capricho do seRhor,e por ventura do maior desenvolvimento das másqualidades da natureza humana.

Si se fizer collaborador do branco na oppressãodos parceiros, si fôr delator de seus irmãos de in­fortunio, si, como um cão, der-lhes caça quandofugirem, si os zurzir quando quizerem furtar-sepor um instante ao cansaço sem treguas que osopprime, si se fizer corretor dos lascivos appetitesdos senhores e de seus prepostos, oh! então p6deobter algum favor, algum allivio a seus tormentos.Do exercicio do bem, da applicação em produzirmais e melhor nenhum beneficio colhe, mas dasindustrias perversas e estereis, que fazem pros­perar a depravação de escravos e senhores, aug­mentando as desg-raças de uns e de outros, pódeeS'perar alguma materi~lvantagem.

Tudo convida, pois, o escravo a nli.o produzir,e o adio que lhe entumece ~ alma o leva a ma­chinar contra o algoz, que o explora. EUe lhe

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move de continuo uma guerra surda e latente,contraria-lhe as ordens todas éom hypocrita ser­vilismo, burla-lhe todas as providencias com es­tudada exageração da propria estupid.ez e igno­rancia. Vinga-se do trabalho, da pena, que lheimpoem, esterelisando-a o mais possivel.

Visto que não póde recusar o esforço, priva-oda vitalidade, que o faz fecundo, e consegue rea­lisar a formula antipoda do desideratum econo­mico; ao maximo esforço, corresponde a minimaproducção.

De modo que esses galés presos á Iroda da ini­quidade, condemnados a um trabalho incessantee mortificador nada produz'3m, e o suor abun­dante com que regam o valie de suas penas, long~de fertilisar-lhe o sulco, ergue-se nos raios do. solaté o throno de Deus para reclamar justiça ouimplorar castigo...

.Por outro lado, o homem livre não tem outraaspiração que não a de possuir um escravo, aomenos, de cujo trabalho elle viva e sua familiaAlguns o alcançalJ}., outros preferem viver dosroubos dos escravos alheios, ontros á custa dogrande lavrador, que não poupa nem as terras,nem as sobras dos productos de seus numerososescravos, para alimentar a ociosidade de ag'gre­gados para -ytas, que lhe sirvam de sequella nasfarcas eleitoraes de sua freguezia.. ,

Em geral ignorante e embrutecido, o grandelavrador, além dos gozos materiaes não compre-

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hende e não aspira a outros que nrlo os de pompae apparato. Com os máus habitos do mando a~so­

luto, a apparencia do poder e da força é o quemais lisongeia-Ihe a imaginação; dahi os variassacrificios estereis, que muita v~z faz, para aco­rocaar a ociosidade e fartar a preguiça de muitos. .proletarios, que forros do esforço preciso parasatisfazer as primeiras vitaes necessidades, questto a eschola do trabalho e da aspiração, instru­mento e estimulo do progresso humano, depra­vam-se e esterilisam-se, consumindo a produc­Ção do braço escravo, embora minguado, como já

. dissemos, em comparação do esforço que des­pende.

E eis como a sociedade fica estacionaria, e aproducção geral é quasi nulla a despeito daoppressão desenvolvida em immensa escala deuma parte da nação contra a outra.

O escravo produzindo o menos que póde, e olivre occupado tão s6mente em viver á custa dessemisero e não aspirando a mais nada sinão aver-se exempto da lei vivificadora e fecunda dotrabalho; ao passo que o rico dissipa o fructo,minguado em verdade, mas para elle aV]lltado,do esforço alheio de que é furtuito possuidor.

E assim o trabalho, origem da abundancia e daprosperidade, condição essencial da felicidade hu­mana, preço e recompensa da vida, é o :flagellodo escravo, e o pesadello do livre que o abomiDaJlor pendor para o ocio,juncto ao despreso em que

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o tem por vê-lo identificado á servidão e á mi­seria.

E haverá prosperidade publica passiveI em se~

melhante regimen ~

Entretanto ahi andam graves estadistas a affir­mar que a emancipação destruiria a producçãoe traria a miseria publica I que a escravidão é abase solida e talvez a chave da abobada não s6da liberdade dos brazileiros. como do soberbo edi- .ficio a que se chama Brazil. Mas pelo amor deDeus raciocinemos: Emancipados os neg'l'os, nãopermanecem as nossas terras integras em toda asna fecundidade ~ não ficam no paiz todos essestrabalhadores de côr, que existem hoje, e nãoentram para o trabalho todos os que até aqnÍviviam á custa delles e que ag'ora terão de viverá sua propria custa ~

Suppondo que todos os negros alforriados seentreguem sem excepção ao vicio e á ociosidade,esse desfalque não será mais que compensadopela acquisiçãO de muito maior numero de traba­lhadores livres, que até hojo, nada faziam ~ Po­nhamos o pensamento em numeros : Quando orelog'io do tempo bater a primeira hora de de~~

canço para 2.000.000 de antigos escravos, nãochamará a sineta para' o trabalho 8.000.000 deantigos ociosos que viviam do labor daquelles ~

Entretanto é preciso accrescentar que a uber­dade do solo e a natureza da nossa cultura é talque o arroteamento das terras é nenhum e tem

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mais preço justamente aquellas que estão emmattas virg·ens. De modo que apropria dispersâodos nucleos das actuaes fazendas não importarádepreciamentQ de nenhuns capitaes productivos.

De facto não é por amor dos terreiros ou ma­chinas, que as fazendas já feitas valem muito,mas pela porção de cafezaes novos que possuem.Tanto assim que das obras não se faz grande ca­bedal nas transferencias das mesmas, e são sempreavaliadas muito baixo em inventarios. Note-se,entretanto, que dessas obras muitas e as mais cus­tosas são totalmente improductivas, como as lu­xuosa:; vivendas dos lavradores, outras são uteistão s6mente no dominio do falso e oppressivo re­gimen actual, como os quadros de senzalas, osmuros para fecho dos escravos á noite, as casas deprisão, as enfermarias, etr~., que quanto ao pres­timo que tragam ao actual trabalhador serão faci­1imamente substituidas pela barata choupana, quepara si construir e pelo conchego da família, quetiver o direito de fundar no estado de liberdade.

Não haja, pois, receio da depreciação de capi­taes immobilisados nas terras. S6 se depreciamaquelles que desde já são totalmente improduc­tivos, ou têm por unica rasão de ser o falso re­gimen actual do trabalho. Demais a dispersão dosnucleos não se fará na escala que se imagina.

Os actuaes trabalhadores, entilo libertos, hão dese estabelecer nas proprias fazendas actuaes paragozarem das vantagens de communicacão exis­

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tentes com os centros consumidores, e gozaremdas garantias que oiferecem para a segurançaindividual os logares já. comparativamente povoa­dos, tirando além disso o proveito possivel dosengenhos, moinhos e quaesquer machmas jáfeitas, e de que possam usar mediante certas con­dições de parceria ou de retribuicão pela usura.. .

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IV'

Pelo que vae anteriormente expendido ficademonstrado que, perante a rasão, é insustentavelo regimen actual e consequentemente provadoque nenhum mal resultará da emancipação.

Tractemos, porém, mais particularmente· da'questilo no ponto de vista da economia social.

Considerando o homem como um instrumentode producçM, só faz-se cabedal da sua intelligen­cia e das suas faculdades moraes e sentimentosindividuaes ou sociaes, subordinando sempreessas considerações ao ponto de vista economico.Perante elIe, nenhuma importancia tem em 'simesma a intelllgencia ou a bondade de um indi­viduo qualquer, sinM em relação ao etreito quepossa ter essa bondade e intelligencia na produc­<;ão, cons~mo e distribuiçãO da riqueza,

O economista abstrae-se da appreciação pura­mente moral do homem e só encherga-lhe nasqualidades ou defeitos da alma a influencia quepossam ter nas relações economicas da sociedade,e este é o unico nexo de relação que têm os estu­dos ;moraes com os economicos.

Mas como a verdade é uma e indivi ivel, asobservações dos economistas, quando bem enca­min1adas, são sempre a prova material das ver-

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dades moraes, a aflirmação taujivel e visivel dodireito e da rasão.

A.ssim é que deante da escravidão, energica­mente definida por John Wesley - the sum a{ allvillanies, o economista encontra logo á primeiravista o principal instrumento da producçãO, ohomem, reduzido á sua minima potencia productora.

De facto, considerando por analogia o homemcomo um simples semovente que concorre para aproducção, quem não dirá que aquelle que formais intelligente, mais .sadio, mais dextro e maisestimulado por sua propria a~piração e vocação,molas naturaes da sua actividade productora, nãoseja preferivel ao que tiver as mesmas qualidadesem menor gráu ou tiver os defeitos oppostos, cornoa estupidez, a molestia, a hypocondria e morQsi­dade'?

Pois "bem: o escravo ~ por condição estupido eignorante, vicioso e consequentemente pou osadio. O unico estimulo que o faz trabalha ,

,longe de ser interno como o desejo de augmentaro proprio bem estar e de partilhá-lo com os seresde sua affeição, mãe, mulher, filhos; é pura­mente externo e violento-o terror que lhe fustigaa morosidade como o acicate estimula o animall~do.

E note-se bem que, si esta inferiqridade é sen­sivel até nos animaes que domesticamos, e emque é desummaimportancia que a suaboa vontade,

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a que se chama ás vezes instincto, entre por al­guma parte para ajudar-nos, pois ninguem diráque seja tão productivo caçar com um gato comocomum cão ou ir ás perdizes com um fila como comum perdigueiro, cresce de ponto. a respeit0 dohomem, cuja principal importancia, economÍ'Ca­mente fallando, está muito mais na sua forçamoral e intellectual do que na physica. De factoum machinismo qualquer póde ter mil vezes maisforça do que o musculo do homem, mas a intelli­gencia deste tem malS poder do que toda::> as ma­chinas junctas, pois foi quem as inventou e fez, equem as anima e faz mover, quem ha de apel'fei­çoá-Ias ou fazer outras mais poderosas.

Dirá, porém, osenhor de escravos, que, emborasejam estes os instrumentos infimos dentre os damesma natureza, são os unicos que têm a seuispor para lhe trabalharem e que o fructo desse

trabalho ainda lhe compensa muito o esforço e sa­crifi io que faz para empregá-los.

üb$erve-se primeiro, que em economia politicanão e ma con iclerar a vantag'em ou desvan­tagem que um ou outro individuo possa tirar QU

So17r l' com certo systema de prodncção, mas sima omma geral dos proveitos sociaes e particula­res, qne resultem do mesmo systema. Depoisconvém notar que o mesmo senhor de escravosengana-se na sua appreciação. Si é certo queem ... uanto houver escravos, di:ffi.cil, sinão impos­si\el, é ter bons trabalhadores livres, não é menos

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exacto que, desde o dia da abolição, haverágrande abundancia desses trabalhadores livres,pois não havendo mais escravos, ninguem pódeviver sem trabalhar.

Dizeis que os antigos escravos se entreg'arão aoocio e ao roubo. Quando assim fosse no ocio mor­rel'ão em 3. dias, e quanto a roubarem, no camponão sei em verdade o q1le roubarão, si não forpara trabalhar. A.s terras, as casas, os engenhos,os immoveis,. os pés de café ~ Pois são estes osquasi unicos capitaes que eXIstem nos centrosagricolas, e não comprehendo bem como os rou­barão, e para gue os roubarão sinão para traba­lhar. E por ventura não dizeis vós mesmos quetoda a producção é fructo do braço escravo ~ Massi esse braço pára de trabalhar no dia em que oiibertarem, donde virá a prOducção, que elIe temde roubar, segundo affirmaes ~ Não, nenhumfacto nos auctorisa a presuppor que os libertosterão de ser por força ociosos ou ladrões! Não é oBrazil o primeiro paiz que passa pelas prova daemancipação e a regularmo-nos pelas estatísticasde outras nações que nos precederam nesta crise,nada ha que receiar.~Si em alguns Estados da grande federação ame­ricana os libertos têm perturbado a ordem publicae compromettido a segurança individual, nãobasta isto para aterrar-nos, pois que esses Estadosse achavam em condições muito excepcionaes ; osodios, recrudescidos pela gu~rra,·tinham chegado

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ao gráu extremo de intensidade, e a cubiça bru~

tal dos libertos tinh{l. ao a.lcance de sua rapacidadefarto pasto para tentá-la. No Brazil, porém, nadadisto se dá.

A.ssim, pois, podemos esperar que ao menos asduas terças partes dos libertos trabalharão e setornarão honestos chefes de família, concorrendopoderosamente pafa augmento da. riqueza publica.Estas uuicas duas partes produzirão desde logomuito mais do que todos os aetuaes captivos~

pOiS serão estimulados pela natureza, isto é porDeus, e não pelo chicote do feitor. Os senhores deterras, que têm estabelecimentos montados, enge~

nhos, etc., .alliviados do peso immenso e improdu~

ctivo da fiscalisação, yigla e compressão dos tra­balhadóres, terão que exercitar e pois desinvolvermuito mais as sua~ faculdades, pensamentos edispos'iÇãO industrial; acostumar-se-hão a melho­res habitos Çle ordem em vez dos de dIssipação doactual regimen ; e longe de esterilisarem-se nasimprobas funcções que hoje exercem, vÍl'ão a serorgams. poderosos de producção. O pouco que os'libertos produzirem será seu patrimonio e de suasfamilias e não será esparramado como hoje peladissipação, (que é o destino de todo o dinheiromal ganho, como o do jog'o e do roubo) e nem virá.consequentemente alimentar o ocio despreoccu­pado dos poeticos tocadores de viola do nosso inte­rior.

Estes terão forçosamente de aband.onar a rede.

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somnolenta em que embalam a preguiça tradicia­nal, e estimulados pel~ necessidade, aguilhão daProvidencia, virão tomar sna tarefa lia commu­nhão do trabalho, já então nobilitado.

Todas essas intelligencias, adormecidas n!!,seguridade ,dQ pão quotidiano, amassado pelosuor alheio, revivirão cheios de energia pal'a in­ventar, melhorar e explorar Ofj imme;msos recur­sos deste vasto e abençoado solo.

Que enormes riquezas não surgirão de todasas partes, quaudo a intelligencia, estimulada poruma nobre ambição, e consci~ da dignidade dotrabalho, consorciar-se á nossa esplendida natu­reza!

Tenham fé os senhores ele escravos, que os prodi­gios do trabalho livre, neste o mais rico paiz do:mundo, Ü~ão muito além elos mais hsongeirossonhos da imaginação, e uitra-compensarão todosos suppostos prejuisos de que hoje se. arreceiam,com o quinhão ele felicidade geral, que lhes tocarem partilba, e principalmente com a parte quecouber a seus filhos, a quem, não leganelo sinãouma patl'ia livre desta miseria ela escravidão, dei­xam de facto muito maior fortuna do que qual­quer somma que possam accumular.

Para o que, dbserve-se'que o pobre não tem hojeno Brazil meio de prosperar e de erguer-se da suanlfllidade.

ElIe é, e tem de ser forçosamente, o parasita dólavrador e seu dependente, pois nenhuma outra

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industria viuga nesta terra sinão a lavoura, eisto não pO""'ue todas não sejam aqui tão natu­ràes, mas porque o regimen da escravidão pelofalseamento da ordem natural, traz esse estranhoresultado. Expliquemo-nos. Tudo o que o escravoproduz, sendo de seu senhor e não seu, tqdas asnecessidades desse grande numero de trabalha­dores são abafadas e desattendidas, e o fructo dolabor de muitos concentra-se nas mãos de um só.Ás necessidades de cousumo deste um, concorremisoladas para alimeutar as outras industrias, emvez de concorrerem as de muitos. De fórma que áindustria fabril de tecidos, por exemplo, só sepede fazendas para um e não para cem, ao sapa­teiro um só sapato em vez de cem, ao padeiro umsó pão em vez de cem.

E' verdade que as mdustrias sumptuarias tema procura do luxo; mas essas não são ainda capazesde acclimatação no paiz e nem seria para desejarque o fossem.

Desta fórma o ructo do trabalho eSCl'avo só ali­menta a peior i duo tria por ser a mais corruptorae improductiva, e só dá pro eito ás artes estran­geiras e não ás já nascentes do nosso aiz e ás quede futuro hão de nascer sob a vara magica dotrabalho livre, Extinga-se, eutretanto, a escra,i­dãO, desappareça o reg'imen violento e anti-natu­ral da actual producção, distribuição e consumo;aqueUe que na ceI' pobre, terá na aptidão naturalcom que se sentir dotado, um cabedal rendoso

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para ir fecundar as industl'ias já creadas e pros­peras, concorrendo assim para o a1.!gmento dobem geral, e ganhando para si no melO da inde­pendencia, da honra e da liberdade, uma posiçãodigna na sociedade. Esse pobre do futuro será decerto mais rico do que o ?'ico actual, pois o seuquinhão no patrimonio social commum será talque não o,podem hoje garantir as maiores fortunas,a certeza de achar l'lempre tr!1balho honesto e re­munerado. A. civilisação, o prog'l'esso da sociedadee da humanidade são 9 thesouro commum, impe­recivel em que temos todos um quinhllO muitomais valioso do que geralmente se pensa por faltade reflexão. A. descoberta' da bussola deu ao'mundo e ás classes mais pobres do seculo actualas vantagens e os gozos das viagl:ms de longocurso e a posse de um outro mundo virgem combellezas, recursos e gosos, que nM poderiam com­prar todos os thesouros dos Oresos da antIguidade.O vidro, que hoje está ao alcance da mais modestapobreza, permite, até ao mendigo, o goso do bemsupremo da luz do sol em todo o seu esplendorem horas, dias e mezes; em que era por força pri­vado dessa ventura o luxuoso Lucullo romano.

A. imprensa leva ás iutelligencias dos mais pobresnestes ultimos seculos o sol da sciencia, cujosraios, ainda os mais frouxos, custavam, nos tem­pos idos da estudiosa A.thenas, fabulosas som­mas, despendidas nas custosas viagens para con­sultar os eruditos papyros e_os registros sam-

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scriptos e hyerogliphicos da sabedoria egypcia eindica.

E o vapor e o telegrapho tornam o mais hu­milde particular de hoje mais verdadeiro senhor edominador da terra e mares do que os A.lexandresde todos os tempos o foram com os seus custososexercitos e conquistas.

Trabalhae, pois, todos p'ara o progresso e en­grandecimento do mundo, certos de que 'tes vestmagitu1', e domina'dos pelo espirito evangelico, queé a verdade, estejamos certos de que a grande sa­bedoria é amar ao proximo pelo amor de Deus.

Do bem que fizermos resultará o nossO propriobem, e o bem geral q11e é o culto verdadeiro deDeus: o amor de Deus no amor das suas creatu­raso

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v

Tendo considerado o faoto da escravidão no . I

ponto de vista moral, sentimental, philosophico eeconomico e tendo-o sempre visto á luz de quaes-quer dos raios do sol da verdade, ali : monstruoso,horrendo e revoltante, aqui: absurdo e ruinoso,não é menos certo que não encaramos-a resoluçãodo problema da emancipação nem religiosa, nempoliticamente.

Em verdade, repugna a uma consciencia christã.,refutar essas sacrilegas tentativas qUg se tem feitode aviltar o pl'oprio Deus para fazê-lo cumpliceda escravidão ou quiçá seu patrono.

oé decreta a maldição da descendencia deum de seus filhos; Christo recommenda fideli­dade e obediencia ao escravo, humanidade ebrandura ao senhor; S. Paulo e.screve umacarta de padrinho em favor do escravo One­simo, e o reenvia a seu senhor, e eis que os com­mentadores da sublime religião da charidade edo amOl' do proximo fulminam, em nome doDeus que amaldiçoou sete vezes a quem fizessemal a Caim, e que mandou seu filho tragar até asfezes o calice das amarguras de todos qs homens,

,e tomar a si todos os seus peccados e remi-los, emnome do apostolado da charidade, que o cordeiro

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de Deus lhes incumbiu no mysterio immenso daeucharistia, fulminam e anathematisam os queadvogam a causa da remissão dos captivos, aquel­les que ousam, segundo elies a:ffirmam, ('( ser maisjustos do que se deve e mJis sabios do que a sabe­doria da lei escripta, abandonando a palavra in­falliv.el de Deus pelas fallazes imaginações e dou­trinas dos homens! ! »

Nãe ! a alma estremece de horror deante de se­melhantes aberrações da consciencia dos ministrosde uma religião de am01', liberdade e charidade e,si detem-se um instante em contemplá-la!:', é paraassignalar aos desprevenidos o perigo de se aban­donarem a um erro e de se deixarem fascinarpelas faliazes vantagens das obras de Satanaz.

Politicamente não dissemos uma pa)avra a res­peito do grande problema, porque nosso intentounico até aqui foi o de propag-anda. S6 visamoso escôpo de ganhar o pleito da liberdade e da hu­manidade no tribunal da consciencia, no forointimo das convicções.

R' á consciencia e á convicção dos mesmos se­nhores de escravos que faliamos,quando buscamosprovar que ha mais infamia e vergonha, si bemreflectir-se, em possuir um escravo, ser senhorou traficante de negros, ao sol da publicidade,com toua a segurança e tranquillidade do consen-timento g-eral e da protecção das leis, do que e:;m~~~_ser esbofeteado na rua, ou prezo em flag- @\BUGTE:CAj

delicto de furto! Foi ainda á sua consci cia e

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convicção que faliámos, referindo-nos ás vantagenssociaes que resultariam da abolição da escravidão,e sobretudo foi á sua convicção fria e reflectida,que nos dirigimos, quando aflirmamos que oamorda patria e da família, o interesse de ambos, e oproprio interesse, tudo tinham a ganhar com aemancipação.

Não encarámos a qnestão pela face politica,isto é, não nos puzemos no ponto de vista doestadista, que indaga, e deve indagar, si temtitulos para tocar na instituição, si tem auctori·dade legal para o fazer, si tem a força precisapara levá-la. a e:ffeito, e vencer as resistencias;que pesa os males immediatos com os bens imme­diatos e futuros, estuda miudamente todas ascondições do estado e atmosphera social e pesa,disCute e escolhe o~ meios mais proprios e oppor­tunas para, pelo methodo mais suave, chegar aoseu fito.

Não; nada disso fizemos: encarámos a questãode alto; e a isso fomos levados pela convicçãoque externamos logo ás primeiras linhas destesartigos.

De facto estamos persuadidos de que aind~ não~e tem pensado maduramente no monstro quedev·ora o seio da patria, e menos no modo deconvertê-lo em instrumento de paz, de amor e deprosperidade para. a nossa terra. E a esta tristecrença leva-nos a attitllde do governo por umaparte e das reuniões e grupos opposicionistas por

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outra. O governo parecendo abolicionista não o éabsolutamente, antes é o representante de von­tades postas a soldo de uma causa que defendemsem conhecer, sem amar e sem comprehender,como mercenarios suissos batendo-se sob bandeirasestrangeiras.

Propõe a emancipação do ventre, como quedando um recado alheio, revellando em tudo quenão sabe porque prefere este a outro meio; de­monstrando, a' cada passo, que não comprehendeo alcance da revolução social em cuja reformaacha-se empenhado cas~almente, por força dealguma intriga de bastidores, ou antes, de repos­teiros.

Dahi provêm que, em vez de defenderem a me­dida com argumentos solidos, que busquem suaforça na unica origem que podem ter.: a convicçãoe demonstração de que a reforma no systema dotrabalho ha de trazer abundantes resultados eco­nomicos, politicos e sociaes do mais solido alcance,levam a sustentar e encarecer o merito da pers­picacia mais ou menos subtil de que deram provapara adivinhal' a ·opinião publica de um paiz ondenão ha opiniM, e a justificar, com mais ou menossuccesso rhetorico e sophistico a causa propria doseu espirito de coherencia e probidade politica,independencia de character, etc. I etc.

De outra parte o opposicionista de' dentro e defóra dos circulos politicos, tambem colloca aquestão no mesmo terreno, desmancha com a

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mesma subtileza as têas subtis em cujo centro sebalança a vaidosa sufliciencia do preopinante,incha as bochechas para alardear as qualidaclesque neg'a ao adversario, asseverando mesmo queas possue em muito mais alto gráu, toca a rebatecontra Catilina, que já não bate ás portas deRoma como outr'ora, mas bate dos portos daAmerica; e, demonstrando-se em tudo alheio aogrànde e grave problema de que se tracta, asse­veraser mais abolicionista do que os abolicionistas,dando, entretanto, a ver claramente que ou estácontraminando a intriga politica, ou está conven­cido de que a escravidão é o modo de ser naturala que o Brazil está condemnado para todo osempre.

O governo falsea o seu papel de representantedo Estado, e natural g'arante de todos os direitossociaes e individuaes sem excepção ou preferenciade nenhum, não legitimando perau,te todos essesinteresses a oppurtunidade de sua iniciativa.Longe de, á luz dos grandes principios apasiguartodos os receios, garantir todas as naturaes e le­gitimas aspirações da sociedade, e de seus mem­bros individuaes e collectivos,longe de demonstrarque nada ha a receiar nem da opposição e repug­nancia, nem das aspirações, desenganos, impa­ciencias, ignorancia, má vontade e vicios dos im­mediatamente interessados na momentosa medida,esgota esterilmen,te ó tempo em futil esgrima qúes6 interessa individualidades accesas nessa de-

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gladiação dialectica, cujas chispas ateiam odi0s,que entumecem ameaçadores no coração do paiz,

- emquanto assim se malbarata o tempo mais pre­cioso, e se desmoralisa a mais 8ancta e grandiosade todas as causas. '

Outro governo, impellido por convicções pro­prias, outros verlladeiros homens de Estado, do­minados do sancto amor da patria e da liberdade.no calor de suas almas encontrariam o fóco dairradiação de luz, que leva.ria a verdade e o so­cego a todos os espiritos e lhes illurninaria o fu­turo cheio de promessas, qUê não illudem, quandose trilha com passo seguro a estrada larga da ver­dade e do bem, da sinceridade e do justo.

Esses demonstrariam, com a evidencia doaxioma, que o paiz, regenerado da escravidilo,terá de marchar ovante na senda das liberdadese do engrandecimento pelo de pertar das acti­vidades, energias e iniciativas de seus filhos, hojeadormecidos á sombra da mancenilha africana ;mostrariam a nossa ascensão ao cume da prospe­ridade por degráus de conquistas incruentas egloriosas, como a do franqueamento immediatode nos o seio:á fecunàação de uma immigração in­tE'lligente e laboriosa, a garantia da llberdad~ re­ligiosa, a do casamento civil, a da liberdade doensino e obrigação do estudo"a de liberdade dea 2ociação e de industria e mil óutras, seguindo-sea esse primeiro desprendimento do nosso espiritado grande preconceito tradicional da escravidão,

3

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que nos aleija o senso natural e nos priva da fa­culdade de peusar, sentir e querer.

Por outro lado, si o. opposicionistas fallassemem. nome de llma convicção, mas não mascaran­'do-se e contorsionanrio-se para su tentar, bem oumal, um falso interesse, que julgam am~açaclo,

replicariam ao g'overno em outro tom, Por venturalhe negariam o direito de iniciar a refol'ma; neg'a­10-hiam mesmo á nação em massí1 !

Objectar-Ihe-hiam, que a propriedade é umdireitonatural: que não póde sel' supprimido por lei CI­vil, obra do homem. Sustentariam que o negTo éum animal como qualquer outro. subjeito a ser at'­rancado d!t selvajaria e das trevas do pag·ani.smopara Sdr beneficiado com a domestIcação, e enca­minhado para o céu pelas aguas lustracs dobaptismo, e que pois devêra até abençoar a escra­vidão e o senhor. Mostrariam que o trabalho doescravo é o mais barato e o que melhor retribueao proprio trabalhador e ao proprietario e capita­lista. Dariam o grito de alarma para despertar oespirito de ordem e conservação das sociedadescivilisadas contra a vertigem e turbilhão' refor­mista, que dizem ameaça)' sorver toJas as insti­tuições no chaos medonho da anarchia demago­gica, que Ol1sa ergller o pendão do direito com­bater a tradição, atacar um pl'ivilegio consag'radQpela sabedoria dos seculos. ~

Poriam em processo a liberdade para condem­ná-Ia, em nome de todo li os despotismos theocra-

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ticos, autocraticos e democraticos, quete m illus­trado a tela secular da historia. Colligiriamtodos os ab!lsos antigos e-modernos, assignala­riam todas as convulsões e estertores dos oppri­mido , blasphemando, convulsando ou reagindocontra a tyrannia, desde -Moysés, assolando oEgypto de pragas para poder escapar para o de­serto, até Felix Piat brandindo o archote incen­diario, cahido das mãos de ero, e fulminariam aliberdade em nome da historia convertida emlibello accusatol'io da philosophia e da Tasão !

em podéra ~er de 0utra maneira. A. causa, quehoje se agita, é a' causa eterna, o processo anti­dTIuviano da liberdade.

Opponde-vos a ella, mas em nome da tradição,da historia, da auctoridade sacerdotal, militar eari, tocratica. E vós outros defendei-a em nomeda phi:losophia, da rasão, do direito, da religiãO,da justiça, da verdade, de Deus em summa!Cllmpeões de principios opposto , combatei semtregoas embora, e de viseira calada, mas ~ão

occulteis os vossos mottes de g'uerra, as divisasdos escudos, que vos cobrem desde que entrastesna grande liça da .historia!

Entretanto, que triste espectaculo IO governo defende o seu projecto, não em nome

da liberdade, que não conhece, e que não é adama de seus pensamentos por quem vestiu aarmadura de guerra.

Defende-o em nome de um interesse occulto, a

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com arg'umentos que servem para sustentar aa1oração de todos os fetiches na bocca de todos osbonzos.

Sustent-am a liberdade do ventre pelo methodocaprichoso com que se discute questoes de amorIU'0prio.. Si tivessem fé na liberdade, nos grandes

IU'incipios liberaes, preoccupar-se-hiam, não como satisfazer mais ou menos cabalmente interessesindividuaes, que falsamente se julgam unicosa:meaçados, mas procurariam chegar ao regimenda liberdade sem mistura, o imperio do direito emsua pureza, e da verdade em sua fecundidade, omais breve possivel e com o minimo encargo:para o thesouro e sobretudo para a nação.E, visando este resultado, procurariam semduvida satisfazer equitativamente todas as exi­gencias mais ou menos fundadas, que. o terrorexagera.

Assim, por exemplo, atacam a dectetaçAo do'Ventre livre duas turmas de opposicionistas que,plLrtindo de pontos oppostos, chegam a um pontocommum de aggressão.

Dizem uns :-Si não daes sufticiente indem­nisação pelo fructo do ventre livre e não tendesforça para com este incentivo e com alg'umasancção legal obter que os nascituros 'sejamcreados ao menos nos 7 annos da primeirainfancia e maxima fraqueza, a vossa medida ée~ecravel e equivale a um decreta de Herodes;

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dizem outros: ainda·com a maxima indemnisação,impondo-nos a obrigação de créar ingenuos oulibertos, capazes de direitos, ao lado dos captivos,que não têm nenhum direito, não podemosacceitar a vossa medida, por equivaler a umdecreto de morte contra nós, a~eaçados decontinuo pela insoburdinação que ha de por forçafazer fermentar no seio da escravidão esse levedode liberdade e independencia dos libertos seusfilhos. Em vez de reconhecer estes argumentos,que são homenagem aos principios liberaes, e deque só por neceSsidade usam os oppressores nosapuros extremos da argumentação; em vez deabundar o gÇlverno no mesmo sentido, e accres­centar que :-visto sôr dealtainconveniencia queo nascituro seja amamentado por leite escravo, ecresça os p!'imeiros impressionabilissimos annosno seio da escravidão, pervertendo a alma nascentecom o espectaculo depravador da immoralidadedessa condicção, e arriscado a atrophiar-se com­pletamente e gastar os seus primeiros annos devigorosa adolescencia na atmosphera impura docaptiveiro, si o senhor optar pelo seu serviço,convém alforriar desde já as mulheres, que estãono caso de ter mais probabilidade de virem a sermães, mettendo-as desde logo no direito commum;não; muito pelo contrario, nega, em nome de nãoei que theorias, mas não de certo inspirado pelo

liberalismo, a procedencia da argumentação,treme, vacilla e recua deante de um sacrificio

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maxilllP de 8.000 contos annuaes, a que tãos6mente se elêvariam os juros dáS apolices aemittir para indemnisar os possuidores dessasfuturas mães, e nem véndo que é este o maisnatural meio de começar a regeneração dosescravos, iniciando no uso da liberdade os

. melhores, os mais doceis; mais brandos, maiscivilisados dos da desditosa classe, e que virão aser, por lei aatural, a eschola para os que foremde futuro resgatando e para os nascituros a quemno regimen actual espera no berço o captiveiroperpetuo ou a morte, e no da proposta, a morte, adepravação e o captiveiro temporario; longe deconfessar a economia dessa medida comple­mentar do ventre livre, que evita !lS incertezasdas indemnisações futuras, torna impossiveis asperturbações receiadas dos libertos nos estabeleci­mentos de escravos, desencarrega o thesou!'o doonus "eventual de ásylos, recolhimentos e miloutros sorvedouros innteis e carissim~s, que s6servirão para' desenvolver a já crescida sMe deempregos, que reina na mocidade brazileira,como qne julgando offendida a sabedoria olympicado 'ventre livre solta altos brados de fingidohorror pela aUegada monstruosidade de ser amulher livre quando o marido é escravo, comosi o legitimo bem de um e o seu. inconcnssodireito pudesse ser o mal do outro, e, condemnandoa liberdade da mulher em nome da escravidão domarido, com o falseamento completo de todo o

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senso juridico, recúa espavorido deante de umacifra de gastos, que chama enorme sem dar-se aotrabalho de calculá-Ia.

E note-se que n'uma questão de direito e de bem­estar social legitimo não se olha a cifra do preçomonetario que custa.

Si a nação soberana, devidamente representada,entende e julga que não deve mais consentir quealguem nasça eséravo neste p iz, indemnisem-seos que furem prejudicados por esta medida, si atanto tiverem direito, mas nas forças dos recursosda nação e não além j mas não podeis perante.um principio legitimo de honra nacional, e maisprincipalmente deante da garantia de um direitoe do exercicio de um dever, recuar ante cifrase sacrificios quaesquer.

E onde estará o attentado contra a propriedade,dado que se tracta no caso- de propriedade, si aindemnisação não fôr sufficiente '?

Não tem a Iliação o direito de lançar tributos enão os lança de preferencia ne'ta ou naquellamercadoria, attendendo a varias condições de fa­cilidadt:l de arrecadação, e não o::> lança mais pe­sados nestes generos do que naqúelles '? Pois bem:essas diffel'enças entre os preços de venda e os deindeTl?-nisação, representarão o tributo- impostosobre os possuidores de escravas em edade proli­fica.

O governo si se inspirasse em amor da liber­dade, e. tivesse fé na politica pberal e grande, não

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julg'aria que a liberdade do ventre é a ultima pa­lavra da sabedoria divina, transfusa no cerebrohumano na questão da liberdade, antes veria quesi é deveras a base essencial, como se não pódeneg'ar, no ponto de vista do liberalismo, póde en­tretanto, e dbve ser circumdada de medidas e pro­videncias concumitantes, que longe de annul­lá-la, a tornem mais estavel, Illais practica, maisfecunda, socegando o justo sobresaltodas almascharidosas,e os, talvez fundados, receios dos actuaessenhores, obrigados a viver numa atmospherarn,ais agitada e electrica do que a dos velhos odiose oppressões em que viveram até aqui,Comprehend~ o governo esta verdade e I.>iga

e:;ta' sabia politica de, cada vez que lhe hostili­sarem as vistas libei'aes, demonstrar que o malestá na insufliciencia da dóse de liberdade distri­buida, e verá que seus planos se justificam e sr.tornam .mais coherentes e inatacaveis e que seusoppositores recuarão derrotados pelas suppostasmctorias.

Quando os opposicionistas se dizem abolicio­nistas tanto ou ~alvez mais do que o g'overno, épreciso tomá-los ao serio e arrancar-lhes conces­sões sob pena de os enchotar violentamente des­mascarados por entre as' apupadas da opÍniãopublica.

Mas para tanto requer-se fina tempera liberal,vistas largas e animo largo, e não um ministerioque esteja representando o papel de não sei que

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animal da fabula mettido na pelie do leão! E'assim que argumenta tenazmente contra a liber­dade conferida de chofre a 200.000 mulheres, ehorrorisa-se deante desta immensa acquisiçãopara a sociedade dos livres! Duzentas mil mu­lheres moças, validas, capazes de serem mães,tiradas da e~cravidão üo campo para virem secorromper e corromper as cidades! Jesus!€xclamam horro:n.sados os pseudos-apostolos daliberdade e bemzem-se tres vezes! O espirito seperturba e cahe em vertigem deante de tanta in­coherencia dos reformadores! Por Deus! Quereisou não quereis a lÍberdade '?

Prova-se que tendes os meios para resg'atardesde ja da escravidão 200.000 das mais inte­ressantes e das mais importantes victimas domal e fazerdes assim o mais decisivo ensaio, ouantes, demonstração da superioridade da vossapolitica e systema de trabalho, e recusaes a me­dida e a concessão em nome do amor dos maridosdas poucas que ligam os frouxos laços de umimpio simulacro de casamento; e calumniaJs alibqrdade, que se vos affigura mais propria paraa depravação dos costumes á luz das povoaçoes eno fóco. da aspiração social de fundar família, doque &. propria escravidão, nas sombras despo­voadas dos cafesaes, sob o bloqueio permanenteda violencia, do desespero e da sMe impura degozos carnaes, congenere com o estado da escra.­vidão!

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E como haveis de defender uma reforma liberaldo maximo alcance, vós que as im vos mostraesquasi tão liberaes como o tronca, os ferros e osaçoites da escravidão; vós que tremeis de sustodeante da idéa de gastar 8.000 contos por annopara declarar livres essas 200.000 mulheres,deante das quaes pretendeis que não poderásubsistir o resto desta população de 10 milMes dehabitantes em uma extensão de 5 milhões demilhas quadradas, sem que a atmosphera se cor­rompa e se envenene com o respirar lfesses pul­mões, hoje innocentes, graças á oppressão queos força a gemer e suspirar como medida dehyg'iene moral '?

Entretanto permanece de pé a esphynge teme­rosa da escravidão impondo solução ou morte I

Emquanto o governo, inepto e incapaz, perde otempo e desmaia e vacilla, porque não tem fé;emquanto a oPPOsiÇão grita como os selvagensnas horas de eclipse para afugentar o monstro imomaginario, a agulha muda do tempo caminhalenta, mas incessante a apontar a hora da redem­pção no quadrante da historia! 'rodas as bagatel­las que accumulaes para vos oppordes á maréque sobe, e erguerdes vossa impia Babel, só vosleva á confusão das lingl,las, que começa já aapparecer.

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VI

Ouvi: - Si não entrarmos todos de boa fé na.senda da liberdade, não haverá salvação possivel.E' força que sejamos do nosso seculo, que busque­mos de boa fé a verdade, que não confiemos nosophisma, que proclamemos o direito sem reser­vas mentaes, e reconheçamos as leis da natureza,não para contrariá-las, mas para- com ellas har­monisarmo-nos e alliarmo-nos sem tergiversaçãoe sem temores.

Querer viver ao envéz das leis divinas, é paraas sociedades como para os individuos o absurdopunido com a pena capital. Estejamos firmementeconvencidos de que o direito ha de vingar e vencertodos os obstaculos. Sejamos, pois, seus paladinose não seus antagonistas,sinão quizermo ser esma­gados.

i a iniciativa individual tomas e a si a reso­lUÇão heroica de abrir mão dos lmppostos direitos,que cedo lhe se,rão arrebatados pela força irresis­tivel da expansão do espirito humano, que im­mensas felicidades não colheria a patria! Sinãoum, mas todos os possuidores de escravos, dentrode um anno ou de dous, fossem convertendo oscaptivos em trabalhadores livres, escolhendo osque se harmollisassem com suas indoles e habito,

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e com os quaes pudess~m contar, e desfazendo-sedos demais, que indo parar em <)Utras mãos pode­riam encontrar o mesmo resultado, nenhum abalo,sinão o de um augmento infinito de prosperidade,resultaria da transição. Mas com este systemade opposiÇão e resistencia, com a mal encami­nhada intervençã.o do poder legislativo social,vindo a liberdade como decl'pto e quasi palavra,vã, que não corresponde a realidade" alguma,sinãonum futuro remoto de mais de 50 annos, quasiinvisiveis serão esses beneficias e mnitos e assi­gnalados os males desse intel'vallo.

Nenhuma aspiração é de prompto satisfeita, enenhuns terrores acalmados.

.A. sorte dos filhos dos escravos será mais queprecaria, e á dos actuaes captivos como que ente­nebrece, depois que lhes deslumbraram os olhosd alma com promessas que mentiram, e os mergu­lharam de novo na noite eterná da' sua desespe­ração-a dos senhores se aggrava de novos riscosa correr, e com o augmento do odioso da sua pósi­ção.-A. sorte da lavoura em nada melhora. e nemas iudustrias se erguerão do estado menos queembrionario em que jazem; nenhum ensaio detrabalho livre se inicia; os encargos do thesouroaugmentam deante da estagnação forçada, em,que o paiz é abysmado por um praso mais ou me­nos longo.

A. grande causa da liberdade cahe consequen­temente em certo descredito e abãtimento, e este

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é o maior de todos os males, a crêr que as cousasdevam se passar pela f6rma por que os decretosdeterminarem.-Mas não será assim, feliz ou infe­lizm~nte. Odesacerto das precauções meticulosasde uns, dos sustos e má vontade de outros, dosordido espirito de mal entendidas economias dequasi todos, darã0 em resultado a explosão infal­livel doÍ'! successos na hora e pela f6rma menose3perada, custanio perigos, dôres e sommas dedinheiro e vidas muito maiores do que se pódeprever.

Ai da nova Gomorra que tiver insultado osemissarios do céu, despresando-lhes os avisos!Será, sinão sepultada em fogo e sangue, ao menospurificada no sangue e pelo fogo 1

F6ra da lei não ha salvação; façamos, pois, 'álei ablação de todos os falsos interesses que nossedUzem. Sinceramente convencidos da falta dedireito que temos de possuir escravos, e certos deque lhes assiste todo o direito á liberdade semobriga;ção por parte delles, mas, quando muito,por nossa parte, de indemnisar os chamados se­nhores, indaguemos, s6 e unicamente, com espi­.rito integro, como e quando devamos ir modifi­ca;tdo a situação, sem riscos para os sagradosdireitos de todos e cada um á segurança indivi­dual e de propriedade, e á tranquillidade publica,que é a sua primeira e mais efficaz garantia, e omais'precioso bem commum do patrimonio socialQnanto mais nos imbuirmos destes sãos,princi-

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pois, menos difficuldades e menos perturbaçõesencontrará a SOlUÇãO do problema.

Mas si, em vez deste I quizermos justificae atriste asserção de Machiavel de que o homemperlloará a quem lhe arrebatar o pae, a mulher,os filho ,ma não a quem lhe roubar um palmo deterra, si fôr certo, como eUe affirma, que entãonão haverá mais esquecimento nem perd1to, nemmisericordia e que emquanto tiver alma paraodiar e voz para "J3.radar, odiará e bradará por vin­gança L...

Si tal fôr a triste verdade, e si é certo quequem se julga ameaçado no que crê seu interesse,pensa, vê e sente exclusivamente, pelo yrisma des­interesse, real ou imaginario, e neUe, só neUe, seinspira, então ai de' nós! ai do Brazil ! quandotodos eS:bes interesses fal'3os, energica e porfiada­mente defendülos pelos sophismas, embustes epelas mil sugge tões da'argucia, forem se espha­calando, ao atricto da idéa e ao choque da verda­de! Que tempestades de odios não se desenca­dearão ! Que ensau,guentadas tragedias não con­fundirão na musma' ruina os má'ls e os bous,as vic\'imas e os algozes!

São estes precisamente os males que convémevitar; e só o conseguiremos cedendo sempre e

, ,

sempre terreno á verdade e á liberdade, e aquie-tando, com equitativas concessões esses suscepti·veis e irritadiços interesses, que cegam e hallu­cinam o entendimento.

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À timidez nestes assumptos, chamem-na, muitoembora prudencia, será sempre a mais acen­tuada temeridade. :Tão .se olhe a sacrificiospara o grandio o fim. À liberdade restituirá emdobro o preço de seu resgate ou mesmo de suaconquista, que muito mais custaria.

Quando nos E&tados-Unidos os grandes estadis­tas, que a historia condemnará,:oppunham o argumento da cifra contra o direito á liberdade demilhões de creaturas, não imaginavam por certono que veio a custar a formidavel g'uerra civilmais g'ig'antesca e assoladora e porfiada de queha memoria; e entretanto, que feridas não temcicatrisado a mesma liberdade, em cujo nomeforam abertas ~

Nenhum passo dá o pr@gl'esso, que não pareçaesmagar alguma planta, mas do rastro luminosodesses passos surgem os thesouros faljlllosos dacivilisação. E' do detricto das gerações mortasque em todos os reinos da' natureza surgem asmais grandeosas e adeantadas gerações vivas. Damorte a vida se alimenta. À apparente destruiçãoé reproducção ; e o mesmo se dá nas sociedades.

enhum engrandecimento, nenhum melhora­mento social floresce sem o sacrificio fecundantede algum outro bem adquirido. ão se chega aodesenvolvimento da adolescencia sem perder asgraça5 da infancia; as machinas aperfeiçoadasinutilisam as mais atrasadas, o vapor prejudica obarco de vela, as estradas de ferro roubam a fre-

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guezia, o trafego e movimento commercial deumas localidaues, que empobrecem, em favor deoutras que enriquecem, e assim por deante. Quemuito, pois, haverá de estranho que uma certad~slocação de vantagenS e certo máu estar paraalguns, resulte do grande facto da emancipação '?E sés interesses sacrificados são o preço commnmde todo" o~ progressos, e outros não menores e .nem menos al1egaveis soífreram os armadores e asfeitorias com a repressão do trafico.

E por tocarmos nisto, notaremos que o Estado,que aliás muito gastou com a repressão desseabominavel commercio, o paiz que sbífreu milhumilhaçoes e vexames por amor desse hediondonegocio, nüo se lembrou jámais de pedir indem­nisaçOes aos senhores de escravos, pelo augmentorepentino de valor que da abolição lhes resultoupara os seus negros, não por acto seu, que a issodésse motivo, mas unica e exclusivamente pelo­acto da repressão.

Oh! si neste processo de reclamações dos inte­resses sacrificados quizesse-se oppôr excep'çoes ereconvençOes !.....

Já não fallando no direito de retaliar, que as­sistiria a todos os escravo, mas s6mente na satis­fação do damno causado ás victimas dos crimes( ainda não prescriptos porque perduram) de reterna escravidão africanos importados de 1831 paracá, de qne lado estaria o saldo creditaria '?

Convençam-se os senhores de escravos, que a

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sua supposta propriedade não é um direito, maso contrario exactamente do direito, isto é, o abusoe a violencia.

Nenhuma lei, nenhum consentimento aindauniversal e unanime póde abrogar o direito absC'~

lutrJ, e derogar a natureza, <1esthronisando Deúsdo céu e a rasão da terra.

Defendam os seus interesses como interesses.Peçam á sociedade compartilhe dos prejuizos in­illvidllaes, que cada qual soffre com a restauraçãoda lei eterna violada por um .tempo, mas nlIo in~

yoquem o direito em defeza· da oppressllo e nãoconcluam, em nome da rasilo, pelo anniquilamento.do depositaria della, o homem.

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VII

A. propriedade é sagrada, dizeis. Sem duvidaque a propriedade o é ; a propria posse, a simplesdeteuçl1,p casual' e temporaria dá cousa, originadireitos muito respeitaveis. Mas propriedade p~e­

suppõe subjeito e objecto. Subjeito com justo ti­tulo, e objecto apropriave!. O,homem livre domina

~ e apprehende a natureza, impõe-lhe o seu sinete,fazendo do objecto como que a projecção da sua.personalidade; eis o primeiro e unico titulo daacquisiçl1,o primitiva. Em seguida a esta, vem odireito, já menos absolutA- e inêlividual, porque jádepende de outrem, de transferir por qualquertitulo seu producto.

Desde ahi começam as limitações civis, resul­tantes das condições intrmsecas e extrinsec~s

dos contractos; a prelevaçM de impostos, as nor­mas reguladoras da capacidade hereditaria e tes­tamentaria, activa e passiva.

Em todas as sociedades primitivas ou civilisa­'da:;, o cessionario alguma vez recebe a: proprie­dade modificada e mutilada pelos onus e encargosda transmissão, nunca, porém, dá-se o contrario',isto é, nunca seus direitos excedem os do primi­tivo possuidor. Ora bem: quem foi esse primeiroproprietario legitimo, e a que titulos red~ziu elie

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á sua propriedade um homem~ Todos responderãoque a força e a violencia, o abuso e a iniquidade,a negaçãO absoluta do justo e do -direito foramesses titulos primitivos, pois que o homem, sub­

jeito da propriedade, não póde ser objecto dellae a rasão aifirma que as relações licitas de homema homem são s6 as de direito e não as da força.

Pois bem, esses mesmos titulos não se podemlegitimar e fortalecer pelo facto da transmisSão:e o direito, qlle o primeiro não teve, não p6de serconsequentemente transferido a terceiro POSSUI­dor. Imagine-se uma associação de malfeitoresconstituidos em força e combinados por accordo,a que chamem 'suas leis, a fazerem do saque e doroubo sua profissão e vida social. o dia em queuma parte dos membros dessa associação assentarde voltar para a esphera do direito e decretar parasi e sens consocios a restituição dos objectos rou­bados, julgaes que devá alg'uem ser indemnisadodos damnos emergentes e lucros cessantes prove­nientes da restituição ~ Jingue.n o dirá.

O abuso não gera direitos, sinão deveres. De­mais, reflecti que a lei não vos impoz a obrigaçãode possuir e adquirir escravos, apenas consentiuna impunidad'e desse crime, quando o offlmdidofosse africano õu seu descendénte. E isso mesmonão em virtude de nenhuma disposiçãO legal di­recta, ~as, quando muito, pelo r~conhecimento,

ém certas disposições civis e commerciaes, dofacto da existencia de creaturas consideradas-es-

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cravas. Era, é e será sémpre crimê ter alguemem escravidão, mas a legislação pt:'nal era omissaem defini-lo °em certo. casos e mais omissos osexecutores das insuflicientes disposições legaes.Si, prehenchendo hoje esta lacuna, o legislador de­creta certa pena pal'a tal crime, será por venturaobrigado a indemnisar os que allegarem as van­tagens que lhes provinham da practica habitualdo delicto '? Imaginemos por hypothese : A legisla­Ção hypothecaria preexistindo á lei que declarouser crime a hypotheca do immovel já antei'ior­mente gravado, sE'ria alguem recebido em de­manda de ineÍemnisação pela plrivação em queficasse do direito de hypothecar immoveis já hy­pothecados'? E digam-nos mais, em boa fé, vistocomo discute-se hoje mais principalmeute a cha­mada liberdade do ventre, em que lei assenta oimaginario direito de reduzir á escravidão osfilhos de escravos'? No axioma ( assim se chamaentre oS rhetoriços qualquer banalidade escriptaem latim) de que o parto segue o ventre, o acces­sorio ao principal e outras quejandas filigranasem que se pretende estribar o mais insustentavelde todos os suppostosdireitos, quando semelhantesargumentos não seriam recebidos em falta de leiexpressa pàra conferir ao visinho de um prediodireito para assombrar com os ramos e fructos desu~ arvore o predio alheio, e menos para impedirque o dono deste lhe corte os ramos, fructos e ac­cess~riosda sua arvore principal ipvasora.

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Reduzir' á escravidão o recemnascido é acto d~

senhor' da mãe e não da natureza e nem da lei. E'um abuso, que tem sido tolerado, vista a impossi­bilidade de garantIr as infelizes creaturinhascontra o abandono completo e infallivel que im­portaria em morte certa. Independente de nenhu­ma reforma leg'islativa ou interpretativa podiater vingado entre nós a jurisprudencia de nãose considerar captivos os filhos dos ,escravos.Não ha neg'á-Io. Assim pois sejamos cordat05',não in~oquemos o auxilio do direito para sus­tentar a força, a oppressão e o crime, O diréitonão nos pMe soccorrer; e nem levanteis. altosbrado contra o supposto ataqlle á propriedade,pois nenhuma mais sagrada do que essa queatacaes na pessoa do pobre negro, a çio homemsobre si proprio, sobre seus braços e seu trabalho,de cujo fructos sois não só partilhadores commu­nistas, mas excln ivos usurpadores. Nós os man­tenedores do direito eterno e inconcusso, somos osvo~sos proprios defensores e protecoores do vossoe nos o düeito de propriedade, defendendo-o doabuso que"em seu J nome se commette e buscandolavar o direito da mancha do facto. falsa appli­cação do direito de proprieuade é a unica fonte dedesprestigio e compromettimento em que pMe ca­h1r, ao ponto de ir a ser negado, em odio ao factoque deUe se diz originaria. Não confundamos,pois, o facto da posse, a violencia tolerada,,con­sentida ou mesmo acoroçoada pela lei, com o

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direito inviolavel e sagrado. Sinão o saque será,em nome de Aristoteles e do seu tempo, justo-meiode adquerir ; a repartil)1a das terras, de 50 em 50annos, será direito em nome do jubileu da lei he­

braica; o escravo e o cavallo do vizinho serão apropriedade de todos os cidadãos de Esparta emnome de Lycurg'o; finalmente a antropophagiadará direito a' salmourar as carnes e eng'arrafar o

- sangue dos vencidos para -não offender a lei e aproprieda&e dos bravos aymorés.

O direito de propriedade tem limites de ondenão póde exorbitar sem degenerar em violenciae, si por um cego e superstícioso culto do factoconsumado, somos levados a c0nferir charatersag'rado á cabelleira escarpellada do craneo de.um inimigo, e ~ punir como um attentado que setoque num fio siqueI' do sang'uinolento trophéuque o botoéudo suspende tuiumphante á J;oda dacintura, pulos di(~tames claros da 1asão somosimpeDidos a reagir contra a pretençilo de umhomem ou de um povo de avassallal' ~ oceano,encadear a atmosphera ou usurpar e seque traI'para si qualquer dom gratuito.com que a natu­reza tenha brindado a universalülade de suascreaturas. Entretooto nem esses attentados sãomais revoltantes do que pretender escravisar umser pensante, um irmão de Jesus Christo a quemimpiamente epsinamos a dizer com no. co :-Pad1'Cnosso que estaes no céu I Não nos hallucinemos com umerro que parece commodo ter como verdade, hão :

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estejamos certos de que a grand'3, a max.ima de-.fensão de um direito qualquer, consiste na affir­mação e defeza de todos e cada um dos direitos'do homem e na estígmatisação,e repulsa de todosos abusos e attentados. Omaximo bem resulta domax.imo conhecimento da verdade, que é o modode ~er do espirita como a natureza é o modo deser das cousas.

A marcha da humanidade a_que se chama pro·gresso é um constante caminhar para a luz da.verdade, bem como a marcha. do mundo o é emtorno do sol, nos infinitos do tempo e do espaço,que giram em torno de Deus !

Todo aquelle, pois, que testemunha pela verdadeobedece e serve ás leis de Deu, ao passo que sealista nas legiões do Gr~nde Rebelde aquelle quelucta contra as leis physicas ou moraes da natu~

reza ou da ra M.

Bem sei que me objectarão com a omnipre.sença do mal na historia sob mil fórmas produ­zindo sempre o bem. Não temo a procedencia doargumento até que me possam provar, que maio­res e melhores não seriam os fructos .da vida da.humanidade si houves e sido outra a sua historia.Que o bem brote providencialmente até do mal,adoremos a infinita bondade do Creador, mas con­cluamos em favor do bem e não ~o mal, sendoaquelle a correcção deste. -ão indago si com ra­são, mas é co tume asseverar, que da attentatoria.empreza das cruzadas resultou a quéda da omni~

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potencia aristocratica por uma parte e a cohfra-. ~rnisação de varios povos por outra, e dahi cos­

tuma-se concluir em favor das vantagens do sup­Jlosto direito de levar os horrores da guerra aosinfieis, chega-se ao ponto de cannonisar por seme­lhante titulo um despota senhor da França, que,em busca de falsa gloria, lá foi .morrer de pestenas terras invadidas.

Mas ha nisto uma inversão de idéas. Devêra-seconcluir s6mente que a quéda da omnipotenciaaristocratica constitue um bem ou a attenuação deum mal. preexistente, e que a confraternísaçãodos povos é ainda outro grande bem, a que a Pro­:videncia permíttiu se chegasse a despeito do mal,que os homens se fizeram inutilmente em virtudede falsos e iniquos principios e cJ:,enças impias.

Diz um conto orienta'! que um homem justoencontrou um thesouro ao cavar os alicerces dacasinha que tinha de construir para substituirseu palacio incendiado com toda sua fortuna.

Deveremo,s, por venfura, concluir que o incen­dio é o melhor methodo de achar thesouros, edeveremos tocar fogo nos palacios para ter oppdr­tunidade de descobrir riquezas'? Não; o mal é

. sempre o mal, e muitos seculos não apagam, eapenas desbotam ás vezes, os vestigios de assola­ÇãO, o rasto de sua passagem no mundo. O argu­mento a que se agarL'am com tanto aferro osescravocratas, como prova decisiva em favor daescravidão, ue que os captivos da America são

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mais felizes que os proletarios do velho mundo,sirva de prova desta verdade. Supponhamos quese descobriu a balança mysteriosa para pesar ecomparar os risos e as lagrymas deste lado dooceano, com as dôres e alegrias de além-mar; edemos por averiguado que o negro tenha melhorquinhão aqui do que o branco lá. Pois bem: eu vosasseguro, inspirado na minha consciencia, que opaup'erismo horroroso, que rasga as entranhas daEuropá, é o triste legado de todos os erros e op­pressaes, de todos os crimes e attentados, que sechamam na historia, ora conquista e escravidão,outrora f/>udalismo e servilismo, depois despo­tismo e subjeição, com seu apparatoso prestito deguerras e pompas cortezãs, religiosas e militares,tributos, dizimas e impostos reaes, feúdaes e ecle­~iasticos, esbulhos, confiscaçoes, devastações. in­quisiçoes, execuções e proscripçOes.

O pauperismo é a resultante visivel da con­juncta tracção de todas essas forças, actuandosobre a massa cosmica primitiva, que se chamavaescravidão, a qual pelo simples facto de sua du­ração ganhou assim a virtude de perpetuar-senuma filiaçãó mono truo a, cujo ultimo temeroso"I'epre entante é hoje o proletariado; o pauperismo,que sacode o facho incendiario, como um pendãod~ guerra, a cuja luz sinistra pretende marcharpara a vingança, de que se diz e é o depositario eherdeiro legitimo, e a cuja labareda pretende pu­rifi ar o mundo'na esperança de abrazar o pec-

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cado original e fazer o universo renascer, como aphenix de suas proprias cinzas I

Tomando a licção da Providencia, procuremosextrahir o bem do mal. A.o fumegante clarão doshorri~eis incendios communistas, fitemos a es­trada do passado, que eUes buscam retrilhar,res­tabeleoendo a communa da média edade dondequerem seguir para traz, para traz sempre até aorigem da historia, como que querendo desman- ,chá-la camada por camada, para refazê-la denovo, e aprendamos a temer e evitar os vicios deorig'em, onde g'ermina a perniciosa semente dainiquidade e do mal, que embora incubada nastrevas por seculos faz de repente tão temerosa,tão funesta e tão hurrivel explosão no seio da maisapparente e illusoria prosperidade...

Deus, que lê no fundo das consciencias, e paraquem o coração humano não tem dobras, ondeocculte sentimentos, nem o cerebro escaninhosque escondam pensamentos, conhece a pureza deminhas intenções, a sinceridade de minhas con­vicções, a desprevenção do meu espirito, tãoexempto de má vontade para com Rns, quãO be­nevolo para com outros, e me dará conforto etranquillidade, para na minha obscura humil­dade, soffrer com pacien:cia e resignação os does­tos e injusticas dos que se julgarem offendidos ou. ,molestados por estes escriptos.

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