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Opinião r ESCOLAS MEDICAS ~ rimeira escola médica do mundo foi criada em Bagdá, Iraque, em 765. O nsino superior no Brasil teve início com a chegada da Família Real, quando D. João VI autorizou a fundação das duas primeiras escolas de medicina: a primeira, em Salvador, em 18 de fevereiro de 1808, e a segunda, no Rio de Janeiro, em 5 de no- vembro do mesmo ano. O ensino superior no Brasil, portanto, só teve início 257 anos após o surgimento da primeira universidade na América Espanhola, a de São Marcos, no Peru, fundada em 1551. Atualmente, o Brasil é o segundo país no mundo em número de escolas médicas (índia, com 381, Brasil, com 268, China, com 150, e Estados Unidos, com 141). Entre os 268 cursos médicos existentes no Brasil, 44,77% são mantidos por instituições públicas, e 55,23%, por escolas privadas. Os estados com maior número de escolas mé- dicas são São Paulo (46), Minas Gerais, (39), Rio de Janeiro (19), Bahia (17), Rio Grande do Sul e Paraná (16). Nos últimos anos, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e outras entidades médicas vêm questionando o Ministério da Educação sobre a autorização indiscriminada - até certo ponto irresponsável - para o funcio- namento de cursos médicos pelo país. Até a década de 1950, havia 27 escolas médicas, em sua maioria, federais. Na década de 90, já eram 105. No período de janeiro de 2000 a fevereiro de 2016, ou seja, nos últimos 15 anos, foram abertas 163 escolas de medici- na, sobretudo privadas, muitas delas sem as mínimas condições estipuladas pelo MEC. Contudo, continua a autorização de no- vos cursos privados - no âmbito do Programa Mais Médicos - sem as mínimas condições de funcionamento. Estão sendo instituídos 36 novos cursos, em vários estados, e outros 22 cursos em cidades do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com população superior a 50 mil habitantes e com relação médico/l.000 Edward Tonelli* habitantes inferior a 2,7. O CFM já alertou a Justiça Federal sobre a abertura desses cursos privados. Ocorre que o governo fe- deral já anunciou, em abril do ano passado, que pretende criar, até dezembro de 2017, 11.447 vagas para medicina. A qualidade de muitos cursos é sofrível. A última avaliação trienal dos cursos médi- cos feita pelo MEC, em 2013, contemplou 1541 cursos ;-27 (17,5%) foram reprova- das e estão sob intervenção. Novas diretrizes curriculares para cursos médicos já estão em vigor. Eles serão examinados pela Avaliação Nacional Seriada dos Estudantes de Medi- cina (Anasem-Inep), no segundo, quarto e sexto anos (Portaria 168, MEC, 01/04/16). A primeira avaliação, em agosto deste ano, será direcionada a alunos do segundo ano, que entraram na universidade em 2015. As avaliações do segundo e quarto anos terão caráter formativo, indicando pontos fortes e deficiências. No sexto ano do curso, a prova seguirá os moldes do Revalida - Exame Na- cional de Revalidação de Diplomas Médicos expedidos no exterior -, e os estudantes deverão atingir uma nota mínima para que possam se formar. Os resultados da avalia- ção serão utilizados por cursos e instituições de ensino superior, para subsidiar processos de seleção de residência médica, e por or- ganismos públicos, para fins de avaliação da formação médica. Segundo Mario Scheffer, coordenador da pesquisa Demografia médica (publicada em novembro de 2015 pela Faculdade de Medicina da USP e pelos conselhos Federal de Medicina e de Medicina do Estado de São Paulo), trabalham no Brasil432.870 médicos, taxa de 2,1 médicos por 1.000 habitantes, bem próxima da dos Estados Unidos (2,5), da do Canadá (2,4) e acima da verificada no Chile (1,6) e na China (1,5). Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Minas Gerais têm taxa médico/l .000 habitantes superior à média nacional. Em decorrência da acentuada diversi- dade socioeconômica brasileira e da falta de uma política adequada, prevalece a má distribuição de médicos nas regiões do país: Norte (1,09), Nordeste (1,30), Centro-Oeste (2,20), Sudeste (2,75) e Sul (2,18). Em al- gumas capitais, como Vitória, Porto Alegre, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, as taxas médico/l.000 habitantes são elevadas. O MEC pretende atingir a relação 2,6/1.000 rapidamente, mediante a abertura de novos cursos. Contudo, o CFM, com base no excelente estudo Demografia médica, este de 2012, já projetava, para 2028, a relação 2,5/1.000, com base nas escolas médicas existentes em 2010. Portanto, era uma questão de tempo encontrar a solução para o problema. Anualmente, cerca de 16 mil médicos são diplomados no Brasil. Nos próximos cinco anos, com as atuais 268 escolas, serão graduados 24.400. Se o governo continuar abrindo novos cursos para assegurar as anunciadas vagas até 2017, é possível que o número de médicos diplomados, anualmen- te, possa alcançar, em meados de 2025, a marca de 32 mil (CFM-nov/15). O governo, apesar de estudos mostrarem o contrário, admite que o crescimento de diplomados é um fator favorável à fixação desses profissionais no interior e vem resis- tindo à instituição da carreira de estado para médico, no SUS, que poderia amenizar esse grave problema. É bem provável, contudo, que ocorra, em futuro próximo, fechamento de muitas escolas médicas, em decorrência do mau planejamento oficial. No momento, faltam docentes, inclusive, para alguns novos cursos nas universidades federais. *Professor emérito e titular de Pediatria da UFMG. Ex-presidente e membro emérito da Academia Brasileira de Pediatria. Membro emérito da Academia Mineira de Medicina. Esta página é reservada a manifestações da comunidade universitária, por meio de artigos ou cartas. Para ser publicado, o texto deverá versar sobre assunto que envolva a Universidade e a comunidade, mas de enfoque não particularizado. Deverá ter de 5.000 a 5.500 caracteres (com espaços) e indicar o nome completo do autor, telefone ou correio eletrônico de contato. A publicação de réplicas ou tréplicas ficará a critério da redação. São de responsabilidade exclusiva de seus autores as opiniões expressas nos textos. Na falta destes, o BOLETIMencomenda textos ou reproduz artigos que possam estimular o debate sobre a universidade e a educação brasileira. 2__ ~~~~~~~~~~~~;;;;~~~~3~O:.5~.2~O~I~6 __~==::::======================~~Bo~l~et!im~U~FM~G~ _

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Opinião

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ESCOLAS MEDICAS

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rimeira escola médica do mundo foicriada em Bagdá, Iraque, em 765. Onsino superior no Brasil teve início

com a chegada da Família Real, quandoD. João VI autorizou a fundação das duasprimeiras escolas de medicina: a primeira,em Salvador, em 18 de fevereiro de 1808, ea segunda, no Rio de Janeiro, em 5 de no-vembro do mesmo ano. O ensino superiorno Brasil, portanto, só teve início 257 anosapós o surgimento da primeira universidadena América Espanhola, a de São Marcos, noPeru, fundada em 1551.

Atualmente, o Brasil é o segundo paísno mundo em número de escolas médicas(índia, com 381, Brasil, com 268, China,com 150, e Estados Unidos, com 141).Entre os 268 cursos médicos existentes noBrasil, 44,77% são mantidos por instituiçõespúblicas, e 55,23%, por escolas privadas. Osestados com maior número de escolas mé-dicas são São Paulo (46), Minas Gerais, (39),Rio de Janeiro (19), Bahia (17), Rio Grandedo Sul e Paraná (16).

Nos últimos anos, o Conselho Federal deMedicina (CFM) e outras entidades médicasvêm questionando o Ministério da Educaçãosobre a autorização indiscriminada - atécerto ponto irresponsável - para o funcio-namento de cursos médicos pelo país. Até adécada de 1950, havia 27 escolas médicas,em sua maioria, federais. Na década de 90,já eram 105. No período de janeiro de 2000a fevereiro de 2016, ou seja, nos últimos 15anos, foram abertas 163 escolas de medici-na, sobretudo privadas, muitas delas sem asmínimas condições estipuladas pelo MEC.

Contudo, continua a autorização de no-vos cursos privados - no âmbito do ProgramaMais Médicos - sem as mínimas condiçõesde funcionamento. Estão sendo instituídos36 novos cursos, em vários estados, e outros22 cursos em cidades do Norte, Nordeste eCentro-Oeste, com população superior a 50mil habitantes e com relação médico/l.000

Edward Tonelli*

habitantes inferior a 2,7. O CFM já alertoua Justiça Federal sobre a abertura dessescursos privados. Ocorre que o governo fe-deral já anunciou, em abril do ano passado,que pretende criar, até dezembro de 2017,11.447 vagas para medicina.

A qualidade de muitos cursos é sofrível.A última avaliação trienal dos cursos médi-cos feita pelo MEC, em 2013, contemplou1541 cursos ;-27 (17,5%) foram reprova-das e estão sob intervenção. Novas diretrizescurriculares para cursos médicos já estão emvigor. Eles serão examinados pela AvaliaçãoNacional Seriada dos Estudantes de Medi-cina (Anasem-Inep), no segundo, quarto esexto anos (Portaria 168, MEC, 01/04/16).A primeira avaliação, em agosto deste ano,será direcionada a alunos do segundo ano,que entraram na universidade em 2015. Asavaliações do segundo e quarto anos terãocaráter formativo, indicando pontos fortes edeficiências. No sexto ano do curso, a provaseguirá os moldes do Revalida - Exame Na-cional de Revalidação de Diplomas Médicosexpedidos no exterior -, e os estudantesdeverão atingir uma nota mínima para quepossam se formar. Os resultados da avalia-ção serão utilizados por cursos e instituiçõesde ensino superior, para subsidiar processosde seleção de residência médica, e por or-ganismos públicos, para fins de avaliaçãoda formação médica.

Segundo Mario Scheffer, coordenadorda pesquisa Demografia médica (publicadaem novembro de 2015 pela Faculdade deMedicina da USP e pelos conselhos Federalde Medicina e de Medicina do Estado de SãoPaulo), trabalham no Brasil 432.870 médicos,taxa de 2,1 médicos por 1.000 habitantes,bem próxima da dos Estados Unidos (2,5), dado Canadá (2,4) e acima da verificada no Chile(1,6) e na China (1,5). Distrito Federal, Rio deJaneiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, EspíritoSanto e Minas Gerais têm taxa médico/l .000habitantes superior à média nacional.

Em decorrência da acentuada diversi-dade socioeconômica brasileira e da faltade uma política adequada, prevalece a mádistribuição de médicos nas regiões do país:Norte (1 ,09), Nordeste (1 ,30), Centro-Oeste(2,20), Sudeste (2,75) e Sul (2,18). Em al-gumas capitais, como Vitória, Porto Alegre,Belo Horizonte e Rio de Janeiro, as taxasmédico/l.000 habitantes são elevadas.

O MEC pretende atingir a relação2,6/1.000 rapidamente, mediante a aberturade novos cursos. Contudo, o CFM, com baseno excelente estudo Demografia médica,este de 2012, já projetava, para 2028, arelação 2,5/1.000, com base nas escolasmédicas existentes em 2010. Portanto, erauma questão de tempo encontrar a soluçãopara o problema.

Anualmente, cerca de 16 mil médicossão diplomados no Brasil. Nos próximoscinco anos, com as atuais 268 escolas, serãograduados 24.400. Se o governo continuarabrindo novos cursos para assegurar asanunciadas vagas até 2017, é possível que onúmero de médicos diplomados, anualmen-te, possa alcançar, em meados de 2025, amarca de 32 mil (CFM-nov/15).

O governo, apesar de estudos mostraremo contrário, admite que o crescimento dediplomados é um fator favorável à fixaçãodesses profissionais no interior e vem resis-tindo à instituição da carreira de estado paramédico, no SUS, que poderia amenizar essegrave problema. É bem provável, contudo,que ocorra, em futuro próximo, fechamentode muitas escolas médicas, em decorrênciado mau planejamento oficial. No momento,faltam docentes, inclusive, para alguns novoscursos nas universidades federais.

*Professor emérito e titular de Pediatria daUFMG. Ex-presidente e membro emérito daAcademia Brasileira de Pediatria. Membroemérito da Academia Mineira de Medicina.

Esta página é reservada a manifestações da comunidade universitária, por meio de artigos ou cartas. Para ser publicado, o texto deverá versar sobreassunto que envolva a Universidade e a comunidade, mas de enfoque não particularizado. Deverá ter de 5.000 a 5.500 caracteres (com espaços) eindicar o nome completo do autor, telefone ou correio eletrônico de contato. A publicação de réplicas ou tréplicas ficará a critério da redação. São deresponsabilidade exclusiva de seus autores as opiniões expressas nos textos. Na falta destes, o BOLETIMencomenda textos ou reproduz artigos quepossam estimular o debate sobre a universidade e a educação brasileira.

2__~~~~~~~~~~~~;;;;~~~~3~O:.5~.2~O~I~6 __~==::::======================~~Bo~l~et!im~U~FM~G~ _