ESCOLAS NA PREVENÇÃO DO ALCOOLISMO NA … · Secretaria de Saúde e com a Facudl ade ... tir da...

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Série SÉRIE JUVENTUDE E DROGAS Fabio Venturini ESCOLAS NA PREVENÇÃO DO ALCOOLISMO NA ADOLESCÊNCIA Instituições, docentes e outros funcionários podem realizar ações preventivas que ajudem a combater o consumo precoce, evitando consequências biológicas e cognitivas aos estudantes O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proí- be a venda de qualquer ti- po de bebida alcoólica para meno- res de 18 anos. No entanto, segundo o Levantamento Nacional Sobre os Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira, realizado pe- la Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), cerca de 35% dos adolescentes abaixo da maio- ridade consomem o produto pe- lo menos uma vez ao ano e 24% bebem pelo menos uma vez ao mês. Embora o consumo da bebida alcoólica não seja iniciado ou facilitado no ambiente escolar, instituições de ensino são espaços adequados para ações preventivas. No Estado de São Paulo, por exem- plo, o tema é tratado como um as- sunto de saúde pública, mas a pre- venção se dá na escola. O governo paulista encomendou uma pesquisa no ano passado, reali- zada entre os meses de maio e julho, para verificar o consumo no Estado entre crianças e adolescentes (avalia- ção epidemiológica), o envolvimento dos pais e o comportamento do co- mércio. Verificou-se que a família é o principal ve- tor de consumo e que a primeira degustação se dá normalmente den- tro de casa, com pais ou outros familiares. A pri- meira ação foi repressi- va, voltada ao comér- cio. Em outubro do ano passado foi promulgada a lei estadual 14.592, a qual estabelece mode- los de fiscalização do 36 PROFISSÃO MESTRE ® abril 2012

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SérieSÉRIE JUVENTUDE E DROGAS Fabio Venturini

ESCOLAS NA PREVENÇÃO DO ALCOOLISMO NA

ADOLESCÊNCIAInstituições, docentes e outros funcionários podem realizar ações

preventivas que ajudem a combater o consumo precoce, evitando consequências biológicas e cognitivas aos estudantes

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proí-be a venda de qualquer ti-

po de bebida alcoólica para meno-res de 18 anos. No entanto, segundo o Levantamento Nacional Sobre os Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira, realizado pe-la Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), cerca de 35% dos adolescentes abaixo da maio-

ridade consomem o produto pe-lo menos uma vez ao ano e 24%

bebem pelo menos uma vez ao mês. Embora o consumo

da bebida alcoólica não seja iniciado ou facilitado no ambiente escolar, instituições de ensino são espaços adequados para ações preventivas. No Estado de São Paulo, por exem-plo, o tema é tratado como um as-sunto de saúde pública, mas a pre-venção se dá na escola.

O governo paulista encomendou uma pesquisa no ano passado, reali-zada entre os meses de maio e julho, para verificar o consumo no Estado entre crianças e adolescentes (avalia-ção epidemiológica), o envolvimento dos pais e o comportamento do co-

mércio. Verificou-se que a família é o principal ve-tor de consumo e que a primeira degustação se dá normalmente den-tro de casa, com pais ou outros familiares. A pri-meira ação foi repressi-va, voltada ao comér-cio. Em outubro do ano passado foi promulgada a lei estadual 14.592, a qual estabelece mode-los de fiscalização do

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comércio e consumo de bebidas etíli-cas em estabelecimentos comerciais. Nesse âmbito foram envolvidas, além da Polícia Militar, entidades de defesa do consumidor.

Entretanto, para o coordenador do Sistema de Proteção Escolar da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, Felippe Angeli, uma sim-ples lei não vai resolver o problema. “Precisamos de trabalhos preventi-vos e o melhor espaço é a educação formal básica”, afirma. Esse sistema envolve um conjunto de ações pa-ra promover a proteção em diversos aspectos nas instituições de ensino, desde assuntos sobre segurança pú-blica e bullying até sexualidade, e que representem prejuízo aos processos de ensino e aprendizagem.

No final de 2011, um projeto-pi-loto foi implantado no ensino mé-dio de 28 escolas da Zona Sul da ci-dade de São Paulo, em parceria com a Secretaria de Saúde e com a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). A ideia é usar a estru-tura de formação decentralizada existente na rede estadual de ensino, criando agentes multiplicadores e que desenvolvam atividades de esclareci-mento com impacto em toda a comu-nidade escolar. A abordagem metodo-lógica do tema foi desenvolvida pelo Instituto de Psiquiatria da USP, a par-tir da educação entre pares. Em ca-da uma das unidades, um professor mediador escolar e comunitário fi-cou encarregado de formar um grupo de referência formado por dez alunos que difundem a ação. Esses jovens multiplicadores passam por seis ofi-cinas em que aprendem quais são os danos biológicos do uso do álcool na sua faixa etária e os impactos na for-mação corporal e cognitiva, além de conhecerem maneiras de criar meios de comunicação e campanhas com linguagem adequada aos adolescen-tes. As ações exploram o aspecto da convivência, como as pessoas ficam e

o que podem fazer sob o efeito de álcool, com o objetivo de causar impac-tos efetivos nos colegas e que também reflitam na comunidade e nas famílias.

Ênfase na comunicaçãoOs grupos de referência já fizeram uma série de produtos, como músi-cas sobre o tema, festas nas escolas, filmes em que a dramaturgia é usa-da para enfatizar efeitos do álcool e fanzines com tiragem periódica.

Na avaliação de Angeli, os gru-pos trabalham com a desvantagem da contradição entre o discurso na escola e as suas referências. Apesar de proibido e apresentado como prejudicial à saúde de um corpo em formação, o álcool está associa-do a eventos esportivos, exaltado na publicidade e indicado por ído-los, amigos mais velhos e familia-res. “Sabemos que os adolescentes identificam a existência de proble-mas no consumo. Eles temem, por exemplo, ‘pagar mico’ e a possibi-lidade de deixar de ser popular e se tornar o perseguido por chaco-tas de um dia para o outro”, acres-centa o coordenador do Sistema de Proteção Escolar da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.

A participação das famílias no combate ao consumo da droga líci-ta pelos adolescentes está sendo es-timulada em palestras específicas e com o Programa Escola da Família, no qual a comunidade é convidada para eventos culturais e esportivos no espaço escolar aos finais de se-mana. O projeto deve ser ampliado em etapas para todas as escolas da rede estadual. Ainda esse ano, as 3,3 mil escolas de nível médio, consi-derado o mais crítico por conta da fai-xa etária dos alunos, deverão ter pelo menos um professor mediador. Desde 2010, já existem 2 mil docentes nes-sa função, escolhidos por perfil e com curso específico em mediação de conflitos e identificação de vul-

Alunos de escolas particularesconsomem mais bebidas alcoólicas

Em 2010, a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) fez um levantamento, em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), sobre o consumo de álcool entre os jovens. Foram ouvidos 50.890 estudantes na faixa etária de 10 a 19 anos, de todo o País – sendo 31.280 da rede pública e 19.610 da particu-lar. Os dados coletados em 789 esco-las mostraram que 27,9% das crianças de 10 a 12 anos da rede pública ex-perimentaram bebida pelo menos uma vez na vida, sendo que 14,1% dessa amostragem havia ingerido álcool nos 12 meses anterior à pesquisa. Dos alu-nos matriculados em colégios pagos, 38,5% nessa faixa etária experimenta-ram bebidas etílicas pelo menos uma vez e 19,3% consumiram nos 12 meses anteriores à resposta ao questionário da Senad. Na faixa de 13 a 15 anos, 60,3% dos estudantes da rede públi-ca já tinham consumido álcool, 12% a menos que entre os jovens do ensino privado. Entre os adolescentes de 13 a 15 anos que ingeriram bebida alcoóli-ca nos 12 meses anteriores, 54,8% são de escolas particulares e 40,3% são da rede pública.

Já no Levantamento Nacional Sobre os Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira, também da Senad, foi verificado que os jovens de 14 a 17 anos que consomem álcool re-gularmente tomaram a primeira dose, em média, com 13,9 anos e passaram a fazer o uso pelo menos uma vez por semana com 14,6 anos.

Grande parte dos pesquisados es-tava, segundo o relatório, na transi-ção de um estado de dependência dos pais para uma condição de autonomia pessoal. “Seus cérebros ainda em for-mação são mais susceptíveis a agen-tes externos, como o álcool e demais substâncias psicotrópicas, e a diferen-tes fatores psicossociais. É quando a in-serção no grupo se torna fundamental e o beber pode aparecer, por exem-plo, como um meio de integração”, diz o relatório.

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des e abordagens. “É uma conversa difícil, mas

qualquer adulto na supervisão de um adolescente precisa saber iden-tificar o uso de álcool e seus níveis diferentes, até para ajudar a rea-lizar os encaminhamentos corre-tos a entidades de saúde, assistên-cia social etc.”, explica Angeli. As conversas são sugeridas com sin-ceridade e sem apelar para discur-sos intimidadores, com a filosofia do medo da morte. “Adolescentes têm uma curiosidade natural. Eles sabem que a bebida e seu consu-mo existem, mas alertamos para os efeitos. Pela multiplicação do co-nhecimento, o jovem pode se apro-priar da terminologia e alertar al-gum familiar que o seu consumo está abusivo”, analisa Angeli.

Impacto na comunidadePor realizar ações de prevenção ao uso de álcool já há alguns anos, a Escola Estadual Samuel Weiner, no bairro do Grajaú, é uma das 28 ins-tituições escolhidas para o projeto--piloto. Na unidade são promovidas pelo menos duas palestras anuais por especialistas em saúde e repre-sentantes dos alcoólatras anôni-mos, dinâmicas com alunos e pes-quisa com a comunidade vizinha. No geral, o público é alertado sobre aspectos biológicos e sociais do ál-cool. Segundo o professor Arnaldo Farchi, diretor da escola, os muitos conflitos de convivência anterio-res foram reduzidos com o envolvi-mento das famílias e da comunida-de. “Tivemos problemas em que foi necessário encaminhar alunos pa-ra conselho tutelar, mas o trabalho preventivo tem mudado até a rela-ção das pessoas do bairro com a es-cola e, no último ano, não tivemos qualquer ocorrência”, revela.

A comunidade é envolvida es-pecialmente no Programa Escola da Família, no qual as insta-

lações são abertas à vizinhan-ça para atividades culturais e es-portivas. Entre outras atividades internas, todo mês de setembro a escola promove eventos em que todas as turmas preparam uma apresentação teatral ou musical. No ano passado, o tema foi álcool e a violência.

Mesmo com um professor mo-derador na escola desde 2010, res-ponsável pela multiplicação das ações, outros educadores também se envolvem. Duas docentes estu-dantes de teatro, por exemplo, or-ganizaram um show de talentos, que foi apresentado no Centro de Educação Unificado Navegantes.

Segundo o gestor, percebe-se o impacto na redução das ocor-rências com bebidas envolvidas, mas também em outras áreas. “Tínhamos caso de aluno que precisava pagar pedágio para en-trar no banheiro. Envolver os alu-nos e trazer a comunidade pa-ra dentro da escola faz com que as pessoas valorizem a escola co-mo um patrimônio do bairro. Até as pichações foram praticamente eliminadas. A própria comunida-de ajuda na prevenção do consu-mo de bebidas pelos adolescentes, que em muitos casos influenciam os pais a beber moderadamente ou se abster”, relata.

A Escola Samuel Weiner já rea-lizava as ações antiálcool antes de o programa atingir o nível estadual e serviu para montar a metodologia difundida pela Secretaria. No entan-to, nessa escola as ações também in-cluem alunos do ensino fundamen-tal II. “No nosso caso, detectamos problemas também nos últimos anos desse nível”, completa Farchi.

nerabilidades, alocados em 1,6 mil escolas para lidar especificamente com as convivências dentro do am-biente a partir da perspectiva peda-gógica. Um curso a distância está em fase final de preparo para for-mar os demais docentes que atua-rão como mediadores, coordenando os grupos de referência e avalian-do as ações desenvolvidas. Direção e coordenação pedagógica passarão por um ciclo de videoconferências, e os demais professores e funcioná-rios receberão um kit de material didático com sugestões de ativida-

Fabio VenturiniA

rquivo pessoal

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Felippe Angeli: “Precisamos de traba-lhos preventivos e o melhor espaço é a educação formal básica”

Arnaldo Farchi, diretor da Escola Estadual Samuel Weiner, lembra que os adolescentes podem influenciar os pais a beber moderadamente ou se abster