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ESCOLA SUPERIOR ABERTA DO BRASIL – ESAB CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM PSICOPEDAGOGIA CLINICA E INSTITUCIONAL GRASIELA PROCÓPIO DUARTE A CRIANÇA ESTRANHA NA ESCOLA: PSICOPEDAGOGIA E CRIANÇAS AUTISTAS VILA VELHA – ES 2011

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ESCOLA SUPERIOR ABERTA DO BRASIL – ESAB CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM PSICOPEDAGOGIA CLINICA E INSTITUCIONAL

GRASIELA PROCÓPIO DUARTE

A CRIANÇA ESTRANHA NA ESCOLA: PSICOPEDAGOGIA E CRIANÇAS AUTISTAS

VILA VELHA – ES 2011

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GRASIELA PROCÓPIO DUARTE

A CRIANÇA ESTRANHA NA ESCOLA: PSICOPEDAGOGIA E CRIANÇAS AUTISTAS

Monografia apresentada ao Curso de Pós- Graduação Lato Sensu em Psicopedagogia Clínica e Institucional da Escola Superior Aberta do Brasil – ESAB, como requisito para obtenção do titulo de Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional, sob orientação do Prof. Me. Marcony Brandão Uliana

VILA VELHA - ES 2011

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GRASIELA PROCÓPIO DUARTE

A CRIANÇA ESTRANHA NA ESCOLA: PSICOPEDAGOGIA E CRIANÇAS AUTISTAS

Monografia aprovada em ______ de ________________ de 2011.

Banca Examinadora

________________________________________

________________________________________

________________________________________

VILA VELHA – ES 2011

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DEDICATÓRIA

Dedico às crianças, estranhas ou não...

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AGRADECIMENTO

Agradeço a Deus,

A meus pais, ao Yan, à Celinha, ao Marcus e à Maria Amélia,

A meus amores e aos meus dissabores,

Sem vocês eu não teria chegado aqui,

Sem vocês eu não irei avançar mais...

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“A tarefa daqueles que lidam com as

crianças é a de fazê-las ter vontade de

viver, de despertá-las para o mundo, não

as deixando ao sabor do destino, mas,

responsabilizando-as pela invenção de

suas próprias vidas e de sua sociedade”.

Freud

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RESUMO Palavras-chave: Autismo. Psicanálise. Psicopedagogia.

Este trabalho pretende responder como o profissional da Psicopedagogia pode contribuir para a inserção e o aprendizado de crianças autistas no ambiente escolar favorecendo-lhe a criatividade e o desenvolvimento de suas potencialidades. Para isso, será utilizada metodologia de pesquisa de caráter exploratório-descritivo, utilizando da revisão bibliográfica e análise documental. As obras escolhidas para serem analisadas são o livro autobiográfico do filme Temple Grandin de direção de Mick Jackson e do livro autobiográfico Uma menina estranha de Temple Grandin e Margareth Scariano. Pela pesquisa bibliográfica e pela história de vida de Temple Grandin pretende-se compreender o autismo sob a ótica da Psiquiatria e da Psicanálise; contextualizar o transtorno autista no ambiente escolar; verificar como o profissional da educação pode intervir/auxiliar para a inserção de crianças autistas na escola; analisar o caso de autismo "recuperado". O trabalho será dividido em quatro capítulos, no primeiro será de conceituação dos saberes: psicologia, pedagogia, psicanálise, psiquiatria e psicopedagogia; abordará a formação do sujeito e a importância da socialização; tratará da questão da relevância da escola para a inserção do sujeito na sociedade; pontuará a aprendizagem, a escola e a educação escola e conceituará e diferenciará inteligência dos problemas de aprendizagem (distúrbios e dificuldade de aprendizagem). O segundo capítulo terá conceituação do o autismo, pontuação de suas causas, o diagnóstico e o tratamento, além de apresentá-lo à luz da psicanálise, abordando a posição do psicanalista frente ao autismo. No terceiro capítulo será feito a leitura das obras a serem analisadas. O último capítulo apresentará a resposta do problema da pesquisa: como o psicopedagogo, pode atuar no ambiente escolar, com crianças autistas, visando o favorecimento da sua aprendizagem, possibilitando-a a desenvolver a criatividade e potencialidades, bem como o objetivo geral e os objetivos específicos foram alcançados. O transtorno não tem cura e suas causas são desconhecidas, mas seus sintomas podem ser amenizados, tornando as crianças mais independentes o possível. Para isso esses profissionais devem permanecer atentos às peculiaridades da criança, sendo menos invasor o possível, sem rotular, estigmatizar ou abandonar. Ele deve amar a criança, respeitando seu tempo e seu ritmo, mesmo que seus fantasmas internos apareçam.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 8

CAPÍTULO 1 - CIENCIAS E SABERES .............................................................. 11

1.1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS ..................................................................... 11

1.2 PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO .................................................................. 12

1.2.1 Percepção social ....................................................................................... 13

1.3 APRENDIZAGEM E EDUCAÇÃO ESCOLAR ................................................ 14

1.4 INTELIGÊNCIA x “PROBLEMAS” DE APRENDIZAGEM................................16

CAPÍTULO 2 - O AUTISMO ................................................................................. 20

2.1 AUTISMO E PSIQUIATRIA ............................................................................ 21

2.2 AUTISMO E PSICANALISE ............................................................................26

2.2.1 Vertente desenvolvimentista .................................................................... 26

2.2.2 Vertente psicanalítica ................................................................................ 28

2.2.2.1 A constituição do sujeito versus autismo .................................................. 30

2.2.2.2 O Som e o silêncio .................................................................................... 37

2.3 CAUSA.............................................................................................................39

2.4 DIAGNÓSTICO ............................................................................................... 40

2.5 TRATAMENTO ............................................................................................... 42

2.5.1 Posição do analista na clínica com autistas ........................................... 44

CAPÍTULO 3 - TEMPLE GRANDIN – UMA MENINA ESTRANHA .....................46

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 57

REFERÊNCIAS .................................................................................................... 60

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INTRODUÇÃO O Transtorno Autista foi distinto da doença mental esquizofrenia e postulado pelo

psiquiatra Kanner em 1943. Trata-se, conforme a DSM IV (2002), de uma

psicopatologia que afeta o desenvolvimento da interação social e da comunicação

de forma acentuadamente anormal e um repertório muito restrito de atividades e

interesses. Suas manifestações variam conforme o nível de desenvolvimento e da

idade cronológica da criança. Repulsa ao toque, comportamento agressivo,

incapacidade de falar, sensibilidade intensa a odores e ruídos repentinos,

preferência ao isolamento e tendência ao isolamento são algumas características de

pessoas autistas.

Os autistas são taxados como pessoas que se trancam em seu mundo mental, terra

onde não se pisam e se desconhece, porém, é possível certificar pela bibliografia e

pelos casos apresentados por diversos autores, como Campanário, Soller e

Azevedo e até mesmo pela história de Temple Grandim que as crianças acometidas

por este transtorno, muitas vezes, são crianças com o coeficiente intelectual normal,

ou mesmo elevado.

Contudo, devido a sua dificuldade de interação social, sua inserção na escola e seu

aprendizado podem ficar comprometidos. Ao mesmo tempo em que elas

apresentam esta dificuldade, é também difícil tratar o estranho e o desconhecido,

como nos confessa Villa (2010). Para ele, é o som que amedronta os profissionais,

uma vez que o silêncio aflora seus inúmeros fantasmas interiores, afastando-os ou

impelindo-os a auxiliar na recuperação dessas crianças.

Considerando que existe esta dificuldade em tratar o desconhecido, no ambiente

escolar, o primeiro lugar onde as crianças, normalmente, freqüentam longe do

espaço familiar e onde passam grande parte de suas vidas, não seria diferente. Há a

necessidade em preparar os profissionais para acolher e favorecer a inserção

dessas pessoas diferentes e especiais. É necessário trabalhar a favor das crianças

autistas, ajudando-as a descobrir seus talentos ocultos e a se tornarem menos

estranhas. Surge, então, o problema: como o profissional da psicopedagogia pode

contribuir para a inserção de crianças autistas no ambiente escolar, favorecendo-lhe

o aprendizado?

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Desta forma, o objetivo geral da pesquisa é analisar como o profissional da

psicopedagogia pode contribuir no sentido da inserção e do aprendizado de crianças

autistas no ambiente escolar. Os objetivos específicos são: investigar o autismo

sob a ótica da Psiquiatria e da Psicanálise; contextualizar o transtorno autista no

ambiente escolar; investigar como o profissional da educação pode intervir/auxiliar

para a inserção de crianças autistas na escola; analisar o caso de amenização dos

sintomas do autismo de Temple Grandin.

Para buscar responder o problema levantado, alcançando o objetivo geral e os

objetivos específicos, a metodologia escolhida para o trabalho é de caráter

exploratório-descritivo, o qual utilizará de recursos da pesquisa bibliográfica e da

análise documental.

A análise documental consiste na investigação do livro autobiográfico de Temple

Grandin, Uma menina estranha, e, de seu filme intitulado pelo seu próprio nome.

Temple Grandin nasceu em 1947, nos Estados Unidos, aos três anos e meio foi

diagnosticada como autista. Aos seis meses não se aninhava no colo materno,

ficando rígida e rejeitando o corpo de quem a abraçava, até os três anos e meio

comunicou somente por gritos, assobios e murmúrios. Brincava com suas fezes,

como se fossem massa para modelar. Ora ignorava sons altíssimos, ora reagia com

violência com pequenos estalidos. O cheiro de uma flor a atormentava,

descontrolando-a ou fazendo com que se refugiasse em seu mundo interior.

(GRANDIN, SCARIANO, 1999).

O diagnóstico de autista fez a mãe de Grandin lutar por ela. Temple ingressou na

escola ainda criança. Ela teve muitos problemas, principalmente com a

agressividade. Suas notas eram péssimas. Ela não dançava conforme a música da

escola, pois tinha seu próprio ritmo, seu próprio som, sua maneira própria de

enxergar e compreender o mundo. Conseguia pensar somente fatos concretos.

Conceitos abstratos não faziam parte de seu mundo.

Foi expulsa da escola, estigmatizada, ridicularizada por muitos, mas também aceita

e estimulada por tantos outros. Na infância tinha somente uma amiga. Temple

estudou psicologia e comportamento animal. Desenvolveu uma máquina do abraço,

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para estimulá-la e relaxá-la. Aos trinta anos de idade, conseguiu dar seu primeiro

aperto de mão e olhar nos olhos de alguém. Continuou esforçando-se para se

melhorar a cada dia mais. Terminou seu doutorado, viaja o mundo dando palestras e

desenvolve importantes projetos em sua área de trabalho.

Para isso, o trabalho será dividido em quatro capítulos. O primeiro capítulo

conceituará os saberes: psicologia, pedagogia, psicanálise, psiquiatria e

psicopedagogia. Abordará a formação do sujeito e a importância da socialização.

Tratará da questão da relevância da escola para a inserção do sujeito na sociedade.

Pontuará a aprendizagem, a escola e a educação escolar. Conceituará e

diferenciará inteligência dos problemas de aprendizagem (distúrbios e dificuldade de

aprendizagem).

No segundo capítulo deverá ser conceituado o autismo, pontuando suas causas, o

diagnóstico e o tratamento e apresentá-lo à luz da psicanálise. No terceiro capítulo

será feito a leitura do filme Temple Grandin (2010) de direção de Mick Jackson e do

livro autobiográfico Uma menina estranha (1999) de Temple Grandin e Margareth

Scariano. No último capítulo deverá ser apresentado as contribuições do profissional

da psicopedagogia para a inserção das crianças autistas no ambiente escolar,

favorecendo-lhe o aprendizado.

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CAPÍTULO 1 - CIÊNCIAS E SABERES 1.1- CONCEITOS FUNDAMENTAIS Este trabalho articula diversos saberes, como a pedagogia, a psicologia, a

psicanálise, a psiquiatria e a psicopedagogia. Para melhor contextualização,

iniciaremos com a conceituação de cada um.

A palavra Pedagogia é de origem grega e significa paidós (criança)

e agogé (condução). É a ciência do ensino. Para Paulo Freire (apud BORGES,

2008) a educação relaciona-se ao diálogo crítico, à conscientização, à humanização

relacionando-se ao fazer pedagógico.

Psicologia vem do grego psykhologuía, de psykhé, "psique, "alma", "mente" e

λόγος, lógos, "palavra", "razão" ou "estudo"). Hiran Pinel em Fundamentos Gerais da

Psicopedagogia Clínica (2002) pontua que a psicologia é uma ciência ampla, com

diversas vertentes. Dentre estas abordagens tem-se a Teoria Psicanalítica, que

estuda o inconsciente, a Teoria Comportamental que dá ênfase ao comportamento

humano, a Teoria Fenomenólogica-existencial, com foco no fenômeno, além da

Gestalt, da Teoria Centrada na Pessoa e da Psicologia do Desenvolvimento e da

Aprendizagem. A psicologia, portanto, é a ciência que se preocupa com o

comportamento humano em seus diversos aspectos e condutas observáveis. Ela

pode utilizar de métodos e instrumentos de medições.

Conforme Luciana Infantini Almeida em Intervenções Psicológicas na ótica da

psicanálise (2011), a psicanálise é uma abordagem dentro da ampla psicologia e foi

criada por Sigmund Freud. Seu autor acreditava que na base do comportamento

humano encontram-se conteúdos inconscientes, como desejos, sentimentos,

pulsões. É, portanto, uma ciência do inconsciente. Seu tratamento ocorre através do

processo de Livre Associação, Interpretação de Sonhos, análise dos Atos Falhos e

da Resistência. Seu propósito é descobrir, no inconsciente dos seres humanos, suas

necessidades, complexos, traumas e tudo que perturbe seu equilíbrio emocional.

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Psiquiatria é a especialização da medicina que se ocupa de desenvolver e testar

modelos de conhecimento, prevenção e tratamento dos diversos transtornos

psiquiátricos.( INSTITUTO DE PSIQUIATRIA, 2011 )

A psicopedagogia, segundo Hiran Pinel (2002), se ocupa da aprendizagem humana,

advindo da questão problema de aprendizagem, situada além dos limites da

psicologia e da pedagogia. Seu trabalho é de cunho clínico (cuidador) ou

instituicional (preventivo).

É possível inferir, portanto, a partir dessas conceituações que a pedagogia é a

ciência do ensino; a psicologia é a ciência da mente; a psicanálise trata dos

processos inconscientes; a psiquiatria busca no orgânico as causas das doenças e,

normalmente, faz uso de medicações; e já a psicopedagogia, encontra-se além dos

muros da psicologia e da pedagogia, ela se ocupa da aprendizagem humana,

apresentando-se como forma cuidadora das dificuldades de aprendizagem ou como

forma preventiva, no ambiente institucional.

Considerando a complexidade do ser humano, cabe a interdisciplinaridade das

ciências para entendê-lo, compreendê-lo e tratá-lo tal como ele se apresenta,

abstendo os diversos profissionais de estigmas, rótulos e preconceitos.

1.2- O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO Wagner Dias Freitas em Psicologia Social (2008) enfatiza que o ser humano é um

ser social. A socialização é um tipo de interação, que molda a natureza da

personalidade humana, o comportamento humano, a interação e a participação na

sociedade. É um processo progressivo e cumulativo, no qual a criança assimila

comportamentos, valores, normas, códigos e ritos de um determinado grupo. O

indivíduo torna-se membro de um conjunto social. Sem a socialização, a sociedade

e o homem não seriam possíveis.

Freitas (2008) define a socialização, de maneira ampla, como a internalização de

idéias e de valores estabelecidos coletivamente e a assimilação de papéis e de

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comportamentos socialmente desejáveis. É “a incorporação do homem à

sociedade”. (FREITAS, 2008, p. 15)

O autor aponta que o processo de socialização é fundamentalmente a educação.

Educação esta que se aprende no convívio com outras pessoas correspondendo ao

modo de agir em diversos momentos da vida. Ela ocorre dentro da família, com

amigos, desconhecidos e mesmo no ambiente escolar.

Ele completa que a socialização pode ser interpretada como condicionadora do

comportamento, ou seja, ela determina a maneira de agir e comportar-se em cada

situação, mediante a incorporação das normas e regras de conduta ditadas pela

sociedade. Porém, por ser difusa e fragmentada por vários processos, deixa

espaços de ação livres para a iniciativa individual espontânea. Para Freitas (2008)

pessoas pouco socializadas não absorveram completamente os princípios que

regem a sociedade, isto pode ocasionar-lhes problemas de adaptação e interação

social ao longo da vida.

1.2.1 Percepção social Conforme Borges (2008) percepção é uma função cerebral que dá sentido aos

estímulos recebidos a partir do histórico pessoal, é através dela que é possível

interpretar e organizar os estímulos recebidos, dando-lhes significados. Portanto, é

aquisição, interpretação, seleção e organização das informações obtidas pelos

sentidos.

Segundo Freitas (2008) a percepção social é pré-condição do processo de interação

social. Ela consiste na recepção dos estímulos pelos órgãos dos sentidos atribuindo-

lhes significados. Tem início no momento de chegada do estímulo sensorial ao

percebedor e finaliza com a tomada de consciência.

Embora a percepção passe pelos órgãos dos sentidos, ela é singular, visto ocorrer

de forma única para cada pessoa. Um mesmo fenômeno é sentido, percebido e

processado de acordo com o que a pessoa traz consigo mesma dentro de sua

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bagagem psíquica. O que um percebe é diferente daquilo que é percebido pelo

outro.

1.3- APRENDIZAGEM E EDUCAÇÃO ESCOLAR Existem vários conceitos pontuais de aprendizagem, que se entrelaçam e se

complementam, apresentando, assim, um conceito global. Para Freitas (2008)

aprender significa adquirir capacidades e habilidades físico-motoras e

conhecimentos. O processo de aprendizagem ocorre no amadurecimento, no

desenvolvimento físico ou na experiência, isto é, na medida em que o ser

desenvolve-se fisicamente ou pelo contato direto com algo que lhe chame atenção.

Ela é o produto da interação contínua do organismo com o mundo físico e social e

aquisição de novas formas de comportamento que combinam com comportamentos

inatos.

Maria Doralice Veiga Alves em Psicopedagogia: Avaliação e Diagnóstico (2007)

esclarece que a aprendizagem é um processo integrado que altera qualitativamente

a mente de quem aprende. As pessoas absorvem as informações pelos hábitos

adquiridos, ou por técnicas de ensino. Ela afirma que a vontade de aprender faz

parte do psiquismo humano.

Para Alves (2007) a aprendizagem pode ainda ser uma mudança relativamente

durável no comportamento de forma mais ou menos sistemática, ou não, adquirida

pela experiência, pela prática motivada e pela observação. A motivação é essencial

ao processo de aprendizagem.

Maria da Conceição Coqueiro e Ana Maria Furtado em Dificuldades de

Aprendizagem (2007) ressaltam que a aprendizagem e o desenvolvimento iniciam

quando o ser humano nasce e se depara com suas necessidades, sentimentos. e

potencialidades. A família apresenta, portanto, papel de suma importância nesse

processo. É a partir do desenvolvimento psicomotor, intelectual e afetivo-social que

a criança traça o perfil de sua identidade, desta forma o principal objetivo da

aprendizagem é a formação integral do indivíduo.

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Desta forma, o ser humano desde o momento de seu nascimento está apto para

aprender. São os primeiros movimentos, primeiros gestos, primeiros balbucios.

Destes surgem movimentos complexos e palavras, frases e textos inteiros. Aprender

inclui o simples e o complexo, seguindo a motivação interior de cada um. A

aprendizagem é individual e é influenciada pelo meio em que se vive, primeiramente

pela família.

Kely Cristina Pereira em Estrutura e Funcionamento do Ensino Fundamental e

Médio (2009) aponta que os principais canais de conservação e inovação dos

valores e dos conhecimentos são as instituições sociais como a família, a igreja, o

mercado profissional, a mídia e a escola. Os seres humanos dependem do processo

educativo para a sua sobrevivência, a educação é imprescindível.

A Educação para Pereira (2009) significa conduzir para um lugar diferente daquele

em que se está. Ela pode ser compreendida de duas formas:

Educação vivencial espontânea: aprende-se simplesmente pelo viver, num

processo contínuo;

Educação proposital ou intencional: deliberada e organizada em locais

predeterminados como escola, e também pela mídia.

O papel da escola, em uma visão generalizada, é dar embasamento teórico, mas

segundo Pereira (2009) a escola não deve apenas ensinar, ela deve criar uma forma

de estimular o aluno a descobrir por si mesmo, tanto o saber acadêmico, quanto o

moral e cívico. O conhecimento não deve ser encarado como obrigação, pois se

sabe que os maiores projetos da humanidade tiveram inicio na sala de aula.

Como nos lembra Antônio Flávio e Barbosa Moreira e Vera Maria Candau em

Educação escolar e cultura: construindo caminhos ( 2003) a escola é uma instituição

cultural, pois não há educação onde a cultura não esteja entrelaçada. A escola

transmite a cultura da humanidade, em particular do momento em que se vive.

Seguindo seus pensamentos, a escola é uma instituição construída no contexto da

modernidade com a finalidade de desenvolver a função fundamental de transmitir a

cultura, oferecendo as novas gerações o que a humanidade produziu de mais

significativo.

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Para Borges e Furtado (2007) a escola não interfere apenas na transmissão do

saber científico, culturalmente organizado, mas também, na socialização e

individualização da criança, auxiliando no desenvolvimento da afetividade,

habilidades sociais, reafirmação de sua identidade e ampliação de seu mundo de

relações.

Há um estreito laço entre aprendizagem, educação e escola. Ao interligarmos a

visão da escola na educação, pode-se inferir que ela é muito mais do que

transmissora de conceitos e saberes acadêmicos, é a responsável pela a inserção

do individuo na sociedade, apresentando-lhe normas de convivência, transmitindo a

cultura, desenvolvendo cidadãos críticos e conscientes, além de propiciar a prática

da criatividade e a descoberta de novos saberes.

1.4- INTELIGÊNCIA VERSUS “PROBLEMAS” DE APRENDIZAGEM Borges (2008) aponta que a inteligência relaciona-se a capacidade de compreender

e conhecer o mundo em que vive, de raciocinar sobre seres animados e inanimados

que o cercam e estabelecer relações entre eles. Para Piaget (1982, apud ALVES,

2007) inteligência é uma adaptação, um caso particular de adaptação biológica, ela

é essencialmente uma organização com função de estruturar o universo como o

organismo estrutura o meio imediato.

Leandro S. Almeida e Ricardo Primi no BPR5: Manual Técnico (2000) apresenta os

conceitos de inteligência fluida e inteligência cristalizada de Cattel. A inteligência

fluída é a capacidade de raciocinar, estabelecer relações e generalizações sobre os

problemas que não tem soluções previamente aprendidas. Representa a capacidade

biológica do sujeito ou seu potencial intelectual pouco influenciável pela cultura. Já a

inteligência cristalizada traduz a capacidade intelectual do sujeito evoluindo ao longo

do seu processo de aculturação, refletindo as experiências educativas e culturais.

Relaciona-se com a extensão e profundidade dos conhecimentos que a pessoa tem

armazenado.

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A teoria da inteligência múltipla é apresentada por Howard Gardner apud Alves

(2007), nela inteligências são potenciais, ativados ou não, pelos valores culturais,

familiares e pessoais, não é algo que é apenas mensurável. Elas são inerentes ao

homem, cabendo a ele ativá-las, desenvolvendo-as e levando-as a sua maior

potencialidade. As inteligências são:

Lógico-matemática: relacionada à capacidade de resolver problemas,

operações matemáticas e questões científicas;

Linguística: relacionada à língua falada ou escrita;

Espacial: capacidade de visualização minuciosa do mundo visual;

Musical: relaciona-se a capacidade de compor, tocar e apreciar padrões

musicais;

Físico-cinestésica: capacidade de utilizar o corpo para dança e esporte;

Intrapessoal: capacidade de auto-conhecimento;

Interpessoal: capacidade de compreender, entender as motivações e desejos

dos outros;

Naturalista: sensibilidade de compreender e assimilar fenômenos da

natureza.

Percebe-se, então, que a inteligência faz parte da natureza humana. A inteligência

pode ser dividida em sete tipos, podendo ser fluída, ou seja, traduzida pela

capacidade de raciocinar e generalizar problemas previamente desconhecidos, ou

cristalizada, influenciada pela cultura. Cabe ao homem desenvolvê-la e potencializá-

la, de acordo com seus interesses e aptidões. Ser inteligente é interagir com o

mundo em que cerca, relacionando os seres, é adaptar-se biologicamente ao meio.

A aprendizagem relaciona-se com a inteligência, ou com a capacidade de

potencializá-la. Ser inteligente não implica em necessariamente ter facilidade em

aprender. Há pessoas que apresentam algumas dificuldades para aprender. Alves

(2007) aponta que as dificuldades de aprendizagem são provenientes de aspectos

naturais ou secundários e são passíveis de mudanças por meio de recursos de

adequação ambiental.

Borges e Furtado (2008) ressaltam que fatores: físicos, emocionais, sensoriais,

neurológicos, intelectuais ou cognitivos, educacionais ou sócio-econômicos podem

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causar distúrbios que originam nas dificuldades de aprendizagem, na medida em

que o homem é um ser integral, e que a deficiência de algum fator pode implicar na

deficiência de algum aspecto de sua vida. Dentre as dificuldades de aprendizagem

destaca-se a disgrafia, a dislexia, a disortografia e discalculia, que podem estar

presentes, também em crianças autistas.

Para Fonseca (1975, apud ALVES, p.49, 2007) a dificuldade de aprendizagem é um

termo global com causas relacionadas ao sujeito que aprende, ao professor, aos

conteúdos pedagógicos, ao método de ensino, ao ambiente físico e social da escola

visto que cada um aprende de sua maneira, e nem sempre é possível adaptar às

generalizações oferecidas por tais fatores. Cada sujeito é único. Enquanto os

distúrbios de aprendizagem relacionam-se a um grupo de dificuldades específicas e

pontuais, caracterizados pela presença de uma disfunção neurológica.

Alves (2007) designa distúrbio de aprendizagem, as crianças com dificuldades de

aquisição teórica, embora apresente inteligência normal e não apresente algum

desfavorecimento físico, emocional ou social. Diferentemente de deficiência mental,

os distúrbios de aprendizagem são reversíveis, as crianças podem aprender pela

adequação de métodos e atenção.

Os distúrbios de aprendizagem são manifestados, segundo Alves (2007) pelos

distúrbios de atenção e concentração; dificuldades de leitura, dificuldades na

matemática. Ela considera uma criança com distúrbio de aprendizagem se ela tiver

um desempenho inferior a de outras crianças na mesma faixa etária e com

experiências de aprendizagem apropriadas e apresenta discrepância entre seu

desempenho e sua habilidade intelectual.

As dificuldades e os distúrbios de aprendizagem diferem das deficiências mentais na

medida em que são reversíveis se diagnosticados e “tratados” de forma adequada e

apropriada para o desenvolvimento da criança.

Compara-se uma criança a outra. Estabelecem-se padrões de normalidade de

intelecto. Pela observação é possível perceber quando o desenvolvimento intelectual

da criança difere da normalidade. Esta diferença encontra-se além ou aquém do

esperado? Trata-se de uma deficiência mental ou de algum distúrbio que pode estar

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gerando uma dificuldade? Mesmo que seu intelecto esteja dentro dos padrões da

normalidade, seja ele médio ou médio superior, algum distúrbio de aprendizagem

pode se manifestar. A detecção dos problemas de aprendizagem e tratamento

adequado pode reverter o quadro, favorecendo o desenvolvimento intelectual da

criança.

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CAPÍTULO 2 - O AUTISMO É possível encontrar vários significados e conceitos para o termo autismo. Para este

trabalho recorremos à Sociedade Americana de Autismo (ASA), ao Manual de

Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, 4ª edição, DSM IV (2002), à

Classificação Internacional de Doenças, CID-10.

A Autism Society of American, ASA, define autismo como:

uma inadequacidade no desenvolvimento que se manifesta de maneira grave por toda a vida. É incapacitante e aparece tipicamente nos três primeiros anos de vida. Acomete cerca de 20 entre cada 10 mil nascidos e é quatro vezes mais comum no sexo masculino do que no feminino. É encontrado em todo o mundo e em famílias de qualquer configuração racial, étnica e social. (AUTISM-SOCIETY, 2011)

Os sintomas são causados por disfunções físicas do cérebro, incluindo:

1. Distúrbios no ritmo de aparecimentos de habilidades físicas, sociais e lingüísticas. 2. Reações anormais às sensações. As funções ou áreas mais afetadas são: visão, audição, tato, dor, equilíbrio, olfato, gustação e maneira de manter o corpo. 3. Fala e linguagem ausentes ou atrasadas. Certas áreas específicas do pensar, presentes ou não. Ritmo imaturo da fala, restrita compreensão de idéias. Uso de palavras sem associação com o significado. 4. Relacionamento anormal com os objetivos, eventos e pessoas. Respostas não apropriadas a adultos e crianças. Objetos e brinquedos não usados de maneira devida. (AUTISM-SOCIETY, 2011)

O Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, 4ª edição, DSM IV

(2002), é publicado pela Sociedade Americana de Psiquiatria e fornece os critérios

de classificação dos Transtornos Mentais. Neste, o Transtorno Autista, sob código,

F84.0, é também denominado autismo infantil precoce, autismo da infância e

autismo de Kanner. Consta os quadros Transtorno Autista, Transtorno de Rett,

Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtorno de Asperger. Suas manifestações

variam de acordo com o desenvolvimento e idade cronológica. Caracteriza-se pelo

desenvolvimento acentuado anormal ou prejudicado na interação social e

comunicação, de atividades e interesses. Pode haver prejuízos múltiplos com

comportamentos não-verbais (contato visual, expressão facial, posturas e gestos

corporais) que regulam a interação social e a comunicação. (AMERICAN

PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2002)

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Para a Classificação Internacional de Doenças, CID-10 (2000) o autismo infantil

(F84.0) é um transtorno global do desenvolvimento caracterizado por:

desenvolvimento anormal ou alterado, manifestado antes da idade de três anos.

Atribui-se o diagnóstico a crianças que apresentam comprometimento qualitativo à

integração social recíproca e à comunicação, além de comportamento restrito,

estereotipado e repetitivo. O transtorno acompanha comumente de numerosas

outras manifestações inespecíficas, como: fobias, perturbações de sono ou da

alimentação, crises de birra ou agressividade (auto-agressividade).(DATASUS,

2008)

É possível inferir que dentro as várias conceituações sobre o autismo, seja

denominado por Autismo Infantil ou Transtorno Autista, dentre outras, eles se

entrecruzam. Desta forma, pode-se considerar que o transtorno autista acomete

crianças até três anos de idade, afetando suas relações interpessoais e

apresentando manifestações comportamentais típicas e estereotipadas.

No autismo, como Tânia Ferreira nos traz em A criança e a loucura – apontamentos

sobre a clínica do autismo e da psicose (2000), o sujeito encontra-se em dois

mundos, seu mundo autista e o mundo das relações, tão amedrontador que é

preferível evitá-lo, utilizando-se de recursos estereotipados e repetitivos, afastando o

mau que tentar se aproximar.

2.1- AUTISMO E PSIQUIATRIA Flora Fernandes em seu artigo Psicopatologia – Introdução e definição (2008) define

Psicopatologia como estudo descritivo dos fenômenos psíquicos de cunho anormal,

exatamente como se apresentam à experiência imediata, de forma independente

dos problemas clínicos. Estuda os gestos, o comportamento e as expressões dos

enfermos além de relatos e autodescrições realizadas pelos mesmos.

Oscar Cirino em Psicanálise e Psiquiatria com crianças: desenvolvimento ou

estrutura (2001) enfatiza os dizeres de Jaspers que em psicopatologia, todo o

procedimento do clínico é guiado pelo que ele chama de “relações de

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compreensão”, ou seja, pelo esforço de representar o vivido do doente no fenômeno

em si, ou na compreensão genética. Levando-o a distinguir a patologia constitucional

compreensível e a patologia não compreensível, que corresponde aos casos de

etiologia orgânica (com causa corporal conhecida) e às grandes psicoses ditas

“endógenas” (sem causa corporal conhecida).

Cirino (2001) relata que no fim do século XVIII a criança toma o estatuto de pessoa,

merecendo cuidados específicos, dentre eles, saúde e educação. Para Paul

Bercherie em A clínica psiquiátrica da criança (1992) o saber psiquiátrico sobre a

criança ocorreu em três tempos. O primeiro tempo ocorreu no fim século XIX e

dedicou-se exclusivamente a discussão sobre o retardamento mental. O segundo

momento, no início do século XX, a nosologia do adulto começou a ser aplicado à

criança, há, então, a introdução do termo Dementia precocíssima descrevendo

casos de início precoce da Dementia praecox de Kraepelin. O terceiro momento

iniciou na década de 1930 e estende a atualidade, estabelece a clínica psiquiátrica

específica da criança.

Os recursos para a clínica da criança foram importadas da clínica do adulto,

diferindo-se desta, pois sua abordagem atual e conceitualização estão bem

separados dos paradigmas médicos – que continuam marcando à clínica do adulto –

e fortemente impregnados dos métodos psicanalíticos, que consiste na interpretação

do inconsciente por meio da associação livre, sonhos, atos falhos e chistes. Não há

nada surpreendente no fato de que ela desempenhe, desde então um papel de guia

e que exerça uma função de abertura para o conjunto da clínica. (CIRINO, 2001).

Isabela Santorio Campanário em Espelho, Espelho meu: A psicanálise e o

tratamento precoce do autismo e outras psicopatologias graves (2008) apresenta o

breve histórico das patologias infantis desde o início da clínica com crianças.

Dentre elas há a Dementia infantilis descrita por Heller, com o quadro designado

pelo termo Psicoses desintegrativas. Neste, o desenvolvimento da criança é normal

até dois anos, seguida por perda definitiva de habilidades adquiridas, acompanhado

de um funcionamento social anormal, regressão da linguagem, podendo ocorrer

perda do controle intestinal e vesical. Há, também, diminuição do interesse pelo

ambiente, maneirismos e comprometimento do tipo autista da interação social e da

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comunicação. Raramente ocorrem alucinações visuais e auditivas. (CAMPANÁRIO,

2008)

Ainda, ao lado do autismo, há a psicose simbiótica onde há predomínio da ligação

excessiva e patológica com a mãe. Nesta, a mãe permanece indiferenciada do self,

consequentemente, as realidades internas e externas são fundidas, persistindo além

da idade simbiótica normal, pois ao nascer o bebê não se distingue da mãe, sendo

os dois, um ser único, para ele. Qualquer possibilidade de separação ameaça a

ilusão de simbiose entre a mãe e a criança, provocando reações de pânico,

restituindo o delírio parasito-simbiótico de unidade com a mãe. (MALHER apud

AZEVEDO 2009).

Também ao lado do autismo, há a esquizofrenia infantil, que surgiu em 1926 com

Homburger. Seus critérios diagnósticos foram sistematizados por Potter em 1933,

reforçando a existência da psicose em crianças, entre eles: retração generalizada

dos interesses, distúrbios do pensamento e afetividade diminuída, rígidos ou

distorcidos. Em 1978, Ajuriaguerra classifica esta patologia entre as psicoses da

idade escolar, ou seja, que aparecem entre 5 e 12 anos de idade, por isso é,

também, conhecida como Psicoses da fase de Latência. Com início insidioso e

progressivo, caracteriza-se por distúrbios de conduta, retraimento autista e

alterações de humor. Estereotipias são comuns, incoerência, neologismos,

linguagem cifrada ou mesmo língua estrangeira podem aparecer na fala. Porém,

diferente do autismo há pouca ecolalia e inversão pronominal. (CAMPANÁRIO,

2008)

O termo esquizofrenia infantil desapareceu na CID 10, e essas crianças são

classificadas como portadoras de transtorno esquizofrênico, de conteúdo fantástico

(criações mentais absurdas) ou persecutório (sensação de perseguição).

(CAMPANÁRIO, 2008)

Segundo Campanário (2008), em 1801, houve a descrição de um caso de autismo,

nos bosques de Aveyron, na França, de um menino com cerca de doze anos de

idade. Os sintomas eram típicos, como tendência a pisar nas pontas dos pés, cheirar

os objetos e ausência de linguagem. Entretanto, o termo autismo só foi introduzido

na literatura médica por Bleuler em 1911, como neologismo do termo “auto-

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erotismo”, (retirando o Eros, o sexual) utilizado por Freud para referir-se às neuroses

narcísicas (psicoses), quando o sujeito começa por tomar a si mesmo, ao seu

próprio corpo, como objeto de amor.

Desta forma, para Bleuler as três características fundamentais da esquizofrenia

eram o autismo, como já descrito anteriormente, a ambivalência, isto é,

pensamentos antagônicos ou sentimentos contraditórios, e a dissociação psíquica,

ou desprendimento da realidade. O autismo, portanto, significava perda de contato

com a realidade. O termo foi criado a fim de ser utilizado como sinal fenomenológico

da esquizofrenia, não definido como entidade nosológica própria, ou uma doença ou

transtorno específico. Assim, o autismo não era uma doença, mas característica de

outra. (CAMPANÁRIO, 2008)

Em 1943, Kanner distinguiu o autismo da esquizofrenia, visto o retraimento ocorrer

desde o início do desenvolvimento. Uma síndrome única, em que a desordem

fundamental era a incapacidade de relacionamento com outras pessoas desde o

início da vida. O psiquiatra definiu a patologia como própria da criança, com

primeiros sintomas nos dois primeiros anos de vida e com características como:

linguagem alterada ou inexistente, preferências por atividades repetitivas, mesmice e

isolamento extremo, mas com inteligência normal. A princípio, Kanner salientava que

os pais dessas crianças eram intelectualizados, porém distantes afetivamente.

Posteriormente, ele mesmo, postulou a organicidade para a patologia.

(CAMPANARIO, 2008)

Flávia Chiapetta Azevedo em Autismo e Psicanálise (2009, p.28), pontua que o

autismo trata-se de “uma síndrome que descreve os distúrbios, decorrentes da

entrada do bebê no mundo”.

Campanário (2008) apresenta a Síndrome de Asperger, ou Psicopatia Autística,

descrita por Asperger em 1944, com variedades leves de autismo, maioria com

inteligência global normal ou superior, e ocasionalmente, episódios psicóticos na

fase adulta. São os autistas que conseguem maiores laços afetivos, escolarização e

inserção no mercado de trabalho. E, também, a Síndrome de Rhett, a qual acomete

somente meninas, descrita por Rhett, em 1966. Esta foi distinta do autismo em 1983,

mas atualmente incluída pela CID 10, ao lado do autismo, entre os transtornos

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globais do desenvolvimento. Nesta síndrome, as meninas desenvolvem-se

normalmente até dois anos de idade, havendo em seguida perda total ou parcial das

habilidades manuais e da fala, desaceleração do crescimento do crânio, surgem

movimentos de lavar as mãos, prejuízo mental grave, marcha de base alargada,

hipotonia, atrofias espinhais com incapacidade motora que se desenvolvem na

adolescência. Elas podem ter convulsões de difícil controle.

A partir de 1970, o autismo começa a mudar de visão. Em 1987, passa a ser

chamado de “distúrbio autístico”. Na CID 10 deixa de ser considerado psicose e

passa a ser “distúrbio global de desenvolvimento”, ampliando os critérios

diagnósticos, visualizando-a somente enquanto sinal fenomenológico. A partir da

década de 90, surgem outros termos como “transtorno do espectro autista” em

crítica a denominação anterior. Passa a ser cada vez mais uma síndrome

comportamental, com prejuízo neurológico e etiologias variadas. (CAMPANÁRIO,

2008).

Donald Winnicott em Da dependência à independência no desenvolvimento do

indivíduo (1982) critica o conceito de Kanner, dizendo que o autismo infanti precoce

não existe. Para ele destacar o autismo de outra psicose serviria apenas para

destacar fenômenos de ensimesmamento e o afastamento da realidade. O autor

apresenta a idéia do buraco negro, postulando que o isolamento fazia parte da

constituição de um eu separado do psiquismo materno, apontando o ódio

inconsciente da mãe em relação a seu bebê.

Marie-Chistine Laznik em A Voz da Sereia: o autismo e os impasses da constituição

do sujeito (2004) relata que as crianças que não são detectadas pelo instrumento de

rastreamento precoce de autismo, que identifica indícios desse transtorno em

crianças entre 18 e 24 meses - M- CHAT (Modified Checklist for Autism in Toddlers)

- e comprovam serem autistas posteriormente apresentam uma precoce capacidade

de fazer o que se espera delas em um teste, como o mimetizar o brincar simbólico.

Segundo observação clínica de Campanário (2008), a maioria dos autistas gosta de

música, podem cantar bem, apresentam facilidade com quebra-cabeças, jogos de

encaixe, material elétrico ou mecânico. Podem ser superdotadas em áreas

específicas, porém apresentam dificuldades em atividades básicas da vida. Na

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medida em que eles se aproximam da idade adulta as características autísticas se

perdem. Alguns passam a se assemelhar com indivíduos débeis. Outros podem

apresentar características de surto esquizofrênico.

Não é possível “enquadrar” o transtorno dentro da psicose infantil, nem

“desenquadrá-la”, também não se sabe se é um déficit cognitivo ou déficit social

primário. Sabe-se que comportamento e o déficit perpassam seu conceito.

2.2- AUTISMO E PSICANÁLISE O autismo surge do campo da psiquiatria, encontrando, também, duas vertentes na

psicanálise, sendo a primeira desenvolvimentista, pela forma como se concebe o

sujeito e a segunda a lacaniana, com rigor teórico. (AZEVEDO, 2009)

2.2.1 Vertente desenvolvimentista Azevedo (2009) e Campanário (2008) afirmam que a psicologia do desenvolvimento

é limitada e restrita para esclarecer as manifestações constatadas em cada faixa

etária, mas são de grande auxílio na detecção de quadros psicopatológicos graves,

sendo que na primeira infância as manifestações são mais sutis, tornando mais

evidentes a partir dos dois anos.

Nesta vertente a constituição do sujeito ocorre como um acesso progressivo dos

estágios do desenvolvimento. O que é um “risco supor que a subjetivação do bebê é

conseqüência de um processo maturacional” (CAMPANÁRIO, 2008, p. 42).

O primeiro estágio é marcado por relação dual, pressupondo a dualidade mãe-bebê.

Psicanalistas, pós-freudianos, com embasamento na vertente desenvolvimentista

como Margaret Malher, Bruno Bettelehim e Frances Tustin consideram o autismo

como um desvio do curso habitual do desenvolvimento, devido ao fracasso da

relação do bebê com o objeto (mãe). Cada um desses autores denominam essa

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relação diferentemente, para Mahler, simbiose social; paraísos perdido ou idade

dourada para Bettelheim e para Tustin útero pós-natal. (AZEVEDO, 2009)

Margaret Mahler em Sobre a psicose infantil e esquizofrenia: psicoses autisticas e

simbiótica da infância. (1983) considera que a criança gradualmente passa de uma

fase quase vegetativa e simbioticamente dependente da mãe para a separação

individual. Assim, na simbiose autística infantil, uma deficiência no ego impede o

bebê de perceber a mãe como figura representativa do mundo externo. Ela não é

catexizada, fixa como objeto parcial indiferenciado dos objetos inanimados.

Bruno Bettelheim em A fortaleza vazia (1987) tem uma visão psicológica, onde

autismo é uma patologia para proteção do sujeito das agressões externas. Na fase

de dualidade mãe-bebê a alteridade não comparece, há a idéia de plenitude

primordial, onde nada se pede e tudo se ganha. É uma fase de adaptação entre mãe

e bebê tendo a reciprocidade como ponto de partida. A sensação, a percepção e a

experimentação dominam essa relação. A expectativa da mãe sobre o

desenvolvimento do bebê deve “ser justa, de boa medida, nem mais, nem menos”

(p.39) e a atividade do bebê desempenha papel fundamental para o

desenvolvimento normal, ou seja, a experiência interior da criança de que suas

ações influenciam o mundo externo. Nesse sentido, o desenvolvimento da criança

ocorre na medida em que ela conscientiza que seus esforços são percebidos e

valorizados pelo meio. Quando ela não percebe essa valorização o autismo é

desencadeado.

O termo autismo para Frances Tustin em Estados autísticos em crianças (1984)

designa um estado de sensação, centrada e dominada no corpo, constituindo a

essência do eu (self). Seu trabalho é marcado por dois momentos. No primeiro

segue o trabalho de Mahler e estabelece uma fase inicial do desenvolvimento, o

autismo primário normal. O autismo patológico é uma fixação ou regressão ao

primeiro estágio, caracterizado pela indiferenciação entre o eu e o não eu, ou seja, a

experiência não é diferenciada ou objetivada em qualquer extensão apreciável.

Assim, ao combinar esta indiferenciação à preocupação da mãe, uma relação

denominada pelo autor como útero pós natal é constituída. Como se a relação intra

uterina permanecesse após o parto. O autismo patológico é, portanto, concebido

como experiência prematura à separação.

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Frances Tustin em A perpetuação de um erro (1995) revê seus conceitos, a partir de

um caso clínico. Neste segundo momento o autismo passa a ser uma aberração do

desenvolvimento, uma reação protetora contra estresse ligado a ruptura da mãe. Ao

nascer, o bebê sente que ele e sua mãe são um ser único, há uma relação dual.

Uma cisão da relação com a mãe deve ocorrer, de forma natural, porém nem

sempre isso é vivido desta forma pelo bebê, que ao estar despreparado para a

ruptura, pode reagir de forma estranha da habitual, como uma forma de

autoproteção. O autismo passa a ser uma doença de dois estágios, primeiro, há uma

perpetuação da unidade dual e depois a ruptura traumática disso e o estresse que

ela desperta. Portanto, o autismo é uma reação à separação prematura, quando o

sujeito ainda não se preparou para tal.

Para Azevedo (2009) estes três autores, pós-freudianos, desconsideraram a teoria

psicanalítica da descoberta do inconsciente, visto equivalerem eu e consciência.

Eles entendem o ego ou self de forma diferente de Freud. Lacan, por sua vez,

resgata o estatuto do inconsciente, elaborando a categoria do grande Outro.

2.2.2 Vertente da psicanálise Tânia Ferreira (2000) a criança autista vive no vazio, numa solidão entrincheirada,

num vazio de história. Para a autora, não há déficit na estrutura no autismo, trata-se

de uma montagem lógica onde há sujeito, alguém que demanda e deseja, que está

inserida no discurso e dentro da linguagem, sendo, portanto, o sujeito do

inconsciente, o sujeito do significante, como afirma Lacan apud Cirino (2001).

Colete Soller em Fora do discurso: autismo e paranóia (1994) denomina o autismo

como doença da libido. Consideramos libido como referente à manifestação da

pulsão sexual no psiquismo, sendo que enquanto dimensão fundamental da pulsão,

esta se liga aos objetos e pode se deslocar em seus investimentos mudando de

objeto (auto-erótico, narcísico, homossexual, heterossexual) e de objetivo (sexual ou

não sexual). Além de diversificar-se quanto à sua fonte de excitação, encontrada,

também, todo processo funcional do corpo, mesmo que seja mais intensa nas zonas

erógenas: oral, anal, uretro-genital. (FREUD apud CIRINO 2001).

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Desta forma, para Soller (1994) no autismo há uma perturbação ou alteração das

relações objetais, provocada pelo distúrbio da libido, encontrando-se dentro do

estatuto de sujeito, pois apesar de estar fora do discurso, estão dentro da

linguagem. Eles não podem assumir o lugar de sujeito da enunciação, há no Outro

significantes que os representam.

Do ponto de vista da psicanálise lacaniana, a relação entre autismo e esquizofrenia

apresenta divergência. Rosine e Robert Lefort (apud AZEVEDO, 2009) consideram o

autismo uma falência de estrutura, ou uma quarta estrutura diferente das existentes:

neurose, psicose e perversão. Já Pierre Bruno considera o autismo dentro da

estrutura psicótica, próximo a esquizofrenia, o que as diferencia é o momento de

desencadeamento.

Jacques Lacan quase não fez menção ao autismo, mas aproximou-o da

esquizofrenia, visto ser o autor que estabeleceu e sistematizou o conceito de

estrutura em psicanálise. Distinguiu a neurose, a psicose a perversão, considerando

os modos de interdição no sujeito. Na neurose, o recalque; na psicose a foraclusão;

na perversão a recusa ou desmentido da lei interditora do pai. (CAMPANÁRIO,

2008)

Campanário (2008) concorda com autores como Robert e Rosine Lefort que

consideram o autismo como uma quarta estrutura, ou seja, fora das três

estabelecidas pela psicanálise. Para eles, não haveria Outro que se reduz a uma

ausência, não existindo objeto a para elas. Ela está por inteiro no lugar desse objeto,

não especularizável, sem imagem especular.

Segundo Azevedo (2009) ao estudar o autismo pelo olhar fenomenológico. Um olhar

pelo que se mostra, pelas coisas em si mesmo. Pois, é possível perceber várias

características marcadas pela falta, como: ausência de fala, ausência de demanda,

ausência de imagem especular. Ao considerar essa presença-ausência ela interroga

se no autismo o sujeito é inconstituído pela ausência de elementos essenciais à sua

constituição ou é uma resposta às vicissitudes, ocorridas por tais elementos. Assim,

para ela, “não existe perda total da realidade: o sujeito encontra-se em dois mundos

o mundo autista e o mundo de relação com os outros seres humanos” (AZEVEDO,

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2009, p. 18), o qual uma destaca sobre a outra. Desta forma, para localizar o lugar

do sujeito é necessário passar pela alteridade1 de si mesmo.

2.2.2.1 A constituição do sujeito versus autismo Para Sigmund Freud em Projeto para uma Psicologia Cientifica (1895), a relação

dual é inconcebível. É a partir do semelhante que o sujeito aprende a conhecer.

Esse complexo do próximo divide-se em dois: no primeiro corresponde ao que é

qualidade de objeto, formulado como atributo, isto é, representado, inscrito no

sistema de memória. Sua outra parte é inassimilável, permanecendo excluído de

todas as associações possíveis, denominado por Coisa, Das Ding. Nesta, o Outro

apresenta-se como algo familiar e ao mesmo tempo estranho. Ele é semelhante, é

pura alteridade. Isto limita a relação sujeito/Outro, impedindo a reciprocidade. Não é

objeto que se perdeu, é a presença do vazio, porque o objeto é perdido por sua

natureza. Assim, a constituição do sujeito ocorre pela ausência do objeto, que

estabelece a falta, jamais suturada. A falta designa a impossibilidade de haver

relação recíproca entre o bebê e a mãe.

Sigmund Freud em Além do Princípio do Prazer (1920) relata sua observação do

brincar de seu neto de 18 meses. A criança jogava e puxava um carretel e dizia fort

(fora) e da (aqui). Ele fazia o movimento de aparecer e desaparecer o carretel,

diante a ausência de sua mãe. Esse movimento repetitivo era a tentativa de elaborar

algo impressionante, a ausência materna. É possível inferir, a partir dessas

observações que o brincar é uma linguagem a qual a criança é tomada por ela. O

jogo é iniciação ao simbólico. Os jogos de ocultação são, assim dizendo,

antecipadores da ausência/presença.

A oscilação entre presença e ausência materna produz um revezamento psíquico,

não marcando a função materna como sempre presença ou sempre ausência. Essa

alternância simbólica permitirá a inscrição pulsional, passando do nível da

necessidade para o nível desejante. A alterização consistirá na manifestação

1 Alteridade (ou outridade) é a concepção que parte do pressuposto básico de que todo o homem social interage e interdepende sozinho. O outro não é um objeto para um sujeito. (GODIM, 2005)

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simbólica, não no próprio corpo. Assim, a mãe não deve fazer a criança apenas um

objeto de sua satisfação, situando a lei como referência entre seu laço e a criança.

(CAMPANÁRIO, 2008).

Campanário (2008) pontua que os cuidados maternos mapeiam o organismo ao

percorrê-lo, distingui-lo, organizá-lo e historicizá-lo. O corpo torna-se libidinizado,

assim o gozo do fluxo vital é submetido à linguagem, a qual faz deste ser vivo, um

sujeito. A pulsão opera circularmente, fazendo um movimento circular. Sai da borda

erógena, orifício, furo, algo não especularizável, que não passa pelo registro da

imagem, onde não há um real de corpo específico e retornando pela resposta do

Outro, pelo objeto a, objeto perdido da satisfação, substituto do fluxo vital pelos

significantes oferecidos pelo Outro. Assim, o sujeito começa no lugar do Outro, onde

surge o primeiro significante. Pela circularidade da pulsão, o sujeito atinge a

dimensão da falta, no Outro. Os significantes se substituem, mas não se igualam. O

intervalo de ida e volta destaca a hiância, onde reside o sujeito.

Segundo Colete Soller em O sujeito e o outro (1997) as pulsões não falam,

satisfazem-se na ação. Silenciosamente sem se escreverem no tempo. O sujeito

não evita, não detém, não escolhe e não assume a pulsão. Ele é dividido, tanto pelo

significante quanto pela pulsão.

O tempo para Campanário (2008) é significante da assunção subjetiva, ele é

deslocamento, é recalcamento. Sem ele, tudo é contínuo. Repetição sem diferença.

Neste sentido, a separação é intervalo, o que permite a função da fala e o

aparecimento do sujeito dividido.

Jacques Lacan (1985) em O seminário, livro 11, Os quatro conceitos fundamentais

da psicanálise esclarece que o sujeito aparece no intervalo dos significantes (S1

$ S2). Na ausência desse intervalo, a primeira dupla de significantes se

solidifica, se holofraseia, não permitindo o aparecimento do sujeito dividido pelo

significante. O significante S2 que permite a representação por S1 comparece

singularmente.

Holófrase para Lacan (1985) é a ausência da dimensão metafórica. É outro nome

dado à Foraclusão do Nome-do-Pai, onde o sujeito dividido não aparece. Quando

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não há dimensão metafórica, há solidificação dos significantes. Seu efeito é a não

dialetização do significante. Assim, não permite o aparecimento de outros

significantes, do traço unário, pois S1 e S2 ocupam o mesmo lugar.

Seguindo Lacan (1985) o primeiro significante, do traço unário, representa o sujeito

ao ser introduzido no campo do Outro por outro significante (S2), e permite o sujeito

entrar como falta, mas na afânise, quando há desaparecimento do sujeito enquanto

dividido, ele desaparece. Na holófrase o sujeito aparece como um monólito onde a

significação se iguala à mensagem enunciada, não aparecendo como falta. Não há,

também, objeto a, como causa de desejo. Para Lacan, ocorre a holófrase na

psicose, na debilidade e no fenômeno psicossomático, bem como no autismo, por

este se aproximar da esquizofrenia.

Campanário (2008) recorda que na ausência do intervalo entre significantes eles se

solidificam, não se separam. Mas, é a separação que permite a função da fala e o

aparecimento do sujeito dividido. Impossível para o autista. Se não há o intervalo

que permite o aparecimento do Outro como falta, não há interrogação de seu saber.

Há a alienação do saber do Outro. A criança encontra-se no limiar da estrutura da

linguagem, algo que não se sabe ler.

Nessa holófrase há um sujeito, não o sujeito dividido pela separação, mas um sujeito

fixo ao terceiro tempo pulsional, mantido como objeto da subjetividade materna.

Para Jacques Lacan em Duas notas sobre a criança (2003) a criança nesta posição

é correlata do objeto a no fantasma materno.

Jacques Lacan (1955) em Variantes do tratamento padrão retoma Freud, afirmando

que o sujeito se constitui por intermédio da falta, marcando a alteridade na relação

sujeito e Outro. Azevedo (2009) lembra a alteridade abordando-a pelos três “a” – o

pequeno autre , o grande autre, e o objeto e articulando os três registros: Real,

Simbólico e Imaginário.

No texto Jacques Lacan: o simbólico, o imaginário e o real, Maria Bernadette Soares

de Sant´Ana Pitteri (2010) apresenta os conceitos destes três registros. Imaginário

difere da imaginação, relaciona-se com as imagens e não se confunde com o campo

do analisável, embora o analisável sempre encontre o Imaginário em sua fixidez. O

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simbólico aparece na análise, através dos sintomas e dos atos falhos e leva a

perceber o funcionamento dos símbolos na linguagem, a partir da articulação

significante e significado, o equivalente da estrutura de linguagem. Enquanto o real,

é ou a totalidade ou o instante esvanecido, aparece jungido ao Simbólico e ao

Imaginário. O Real é aquilo que sobra, o resto do Imaginário a que o Simbólico é

incapaz de capturar – é o impossível.

Assim, “o pequeno a é o outro, a partir do qual o eu poderá se constituir. O grande A

é a referência significante, é o S2 para o qual S1 representa o sujeito. O objeto a é

uma alteridade referida a um estranho mais íntimo de Freud.” (AZEVEDO, 2009, p.

61)

Sigmund Freud em seu texto Sobre o narcisismo: uma introdução (1914) conclui que

o narcisismo secundário surge na medida em que a libido é desinvestida do objeto e

se reporta ao ego. Ou seja, o ego é desenvolvido, num movimento do interior para o

exterior.

Jacques Lacan (1953-54) em O seminário, livro 1: Os escritos técnicos de Freud,

seguindo os conceitos de Freud, elabora o estádio do espelho. Este estádio marca o

momento em que a criança percebe a noção unidificada do seu corpo, num domínio

imaginário. Azevedo (2009) ressalta a partir da visão da imagem do outro a criança

antecipa a representação do seu corpo. O eu se constitui em relação ao outro. A

experiência inicial da semelhança entre o eu e o outro implica também na

descoberta da alteridade.

Em O estádio do espelho como formador da função do eu (1949), Jacques Lacan,

ressalta que tal relação é constituída a partir da matriz simbólica em que o eu

precipita-se em uma forma primordial, para objetivar-se na dialética da identificação

com o outro. Porém, essa matriz desencadeia uma experiência de inadaptação do

sujeito em relação a sua imagem. O simbólico prevalece sobre o imaginário tal como

o Ideal do eu prevalece sobre o eu-ideal. Assim o ideal do eu corresponde à

dimensão simbólica, e, portanto, com a identificação com o pai, sendo uma

introjeção simbólica. Enquanto o eu-ideal é uma projeção imaginária. Azevedo

(2009) argumenta que no autismo o Ideal do eu não se constitui, a palavra não

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chega a ele, não há dimensão simbólica que regula e estrutura a dimensão

imaginária. Há a falta da função de reconhecimento pela instauração do Ideal do eu.

Lacan em Seminário, livro 10, A Angústia (1962-1963) fala do fenômeno da

despersonalização, ou seja, o que é visto é angustiante pelo não reconhecimento da

imagem especular, determinado pela ausência do reconhecimento do outro.

Para o autor, a identificação ocorre apenas com um aspecto, com um traço unário, o

que permite a constituição do sujeito, fazendo-o sentir-se desejado e incluído no

simbólico. A dimensão simbólica tem função mediadora, capaz de identificações

pacificantes na violência imaginária.

O eu não se iguala ao outro. Algo escapa. Daí o outro é também objeto de rivalidade

e concorrência do eu pelo mesmo lugar. Torna-se fonte de sustentação da

agressividade constitutiva da formação do eu e do laço social. Na impossibilidade de

coincidir com a imagem especular mediante a decepção da não alienação total,

surge a psicose. (AZEVEDO, 2009).

O grande Outro, A, para Lacan O seminário, livro 3, As psicoses ( 1955-1956), é o

lugar do inconsciente, “presente para todos e vedado para cada um” (LACAN, [1955-

1956] 1998, p. 554). O Outro é definido como o campo do código, da palavra, da

linguagem. Ele estabelece uma verdadeira alteridade para o sujeito, mediando o

desdobramento de si para consigo mesmo e também com o semelhante. O Outro é

aquilo diante do qual se faz conhecer, devido ao reconhecimento dado a ele.

Azevedo (2009) salienta que a relação entre os dois outros ( A e a) apresenta-se sob

a forma de duas falas: a fala fundadora e a fala mentirosa. É fundamental em ambas

o apontamento que fazem para um mais além do outro, exibindo que a presença do

Outro é alteridade na relação imaginária do sujeito com seu semelhante, o outro.

A fala fundadora, funda as posições do sujeito e do outro. É nela que é revelado que

é do Outro que se reconhece. Ela funda o inconsciente. Azevedo (2009) questiona a

fala ecolálica do autismo, a qual é caracterizada por repetições de palavras ou

frases, como são ouvidas pelo Outro, sem inversão de pronomes. E articula a função

Bejahung, uma afirmação que implica em expulsão, Ausstossung, marcada pela

negação. Assim, a operação Bejahung- Ausstossung articula a formação do sujeito,

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pois ao trabalhar o dentro e o fora marca a diferenciação eu e não-eu. No autismo,

não faz a Bejahung dos vocábulos, daí a ecolalia, a repetição de palavras tal como

se ouve pelo Outro.

Azevedo (2009) ressalta que o nome próprio, também, tem função articulada à

constituição do sujeito. Ele é um traço unário, uma marca distintiva, sem

significação, sem representação. O sujeito se constitui a partir do assujeitamento ao

significante primeiro, que sobredetermina a cadeia significante. Assim, sua história é

marcada pelo valor primordial já presente.

E, completando a alteridade pelos três as, temos ainda o objeto a. Este é o resto que

se perde à significantização, ou seja, ele surge no intervalo onde um significante

representa um sujeito para outro significante, que na esfera de significantes, está

perdido. A linguagem não pode cobrir tudo, ela não representa o sujeito em sua

totalidade. Desta forma, o objeto a cai, é um resto na relação sujeito e o Outro,

assim, ela instaura a falta em ambas as partes, tornando-se causadora de Desejo.

Um desejo enigmático, visto o desejo do homem ser desejo do Outro, na medida

que se deseja o que lhe falta, o objeto a. (AZEVEDO, 2009)

Seguindo o raciocínio de Azevedo (2009) sobre o objeto a, temos que para que o

sujeito ocupe o lugar de objeto causa de desejo é necessário que o Outro seja

barrado, pois a possibilidade da ausência é fundamental para que uma presença se

afirme. É na ausência do Outro que a Bejahung, enquanto primeira afirmação, pode

se constituir. Assim, no autismo não ocorre a primeira simbolização,

consequentemente não há queda do objeto a, e o Outro não é barrado. E por não

ser barrado, o Outro se torna invasor, com poder de vigiar, de penetrar, de aniquilar.

É a mãe quem “dá um verdadeiro banho de língua” no seu bebê, fundamental para

sua constituição enquanto sujeito. Conforme Campanário (2008) ela cria

manifestações de subjetividade no bebê através do manhês, pela maneira particular

que cada mãe possui para falar com seu filho. Esta subjetividade antecipada faz do

bebê um interlocutor. Seu início se dá nas protoconversações, passa pela fala

infantilizada, quando se faz de conta que o bebê fala, indo até as pausas longas,

onde o lugar locutório do bebê se faz presente. São nessas pausas longas que o

lugar do falante do bebê é garantido. O deslocamento para o lugar de mãe ocorre,

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por volta dos nove meses, quando a fala materna passa a pontuar as produções do

bebê pela fala ritmada, inserindo a criança no compasso da língua. A partir dos

quinze meses a criança assume seu lugar de sujeito, como outros lugares, como sua

mãe. Esse momento é da fala enfática. A mãe o introduz na linguagem.

Laznik (2004) compara os manhês com a voz da sereia, que tem picos prosódicos

acentuados que pode atrair e provocar alienação. Para ela, a voz antecipa ao olhar

do bebê. Conforme estudo apresentado por Campanário (2008) os picos prosódicos

dos pais de crianças autistas parecem ser diminuídos, com menos entonações de

alegria e surpresas, o contrário ocorre em casos de crianças com risco de evolução

psicótica. Enquanto no autismo não há atração, na psicose há excesso de atração.

Azevedo (2009) recorda Lacan ao dizer que a sustentação de uma família advém do

desejo, não anônimo. A função da mãe, seus cuidados, deve ser marcada por um

interesse, mesmo que sejam suas próprias carências. O desejo da mãe é fonte de

transmissão do Nome-do-Pai. O pai é instaurado como Nome pela mãe. Porém, é

uma transmissão um a um. Esta metáfora paterna tem função dupla: instauração da

lei, submetendo inclusive a mãe, e produção do sentido ao enigma do desejo da

mãe.

Em outros dizeres, a mãe instaura para a criança um lugar fora dela, uma posição

terceira, entre ela-mãe e a criança. Porém, é importante que a mãe esteja submetida

a uma lei não sua, de um Outro, e seu objeto de desejo deve ser remetido a esse

mesmo Outro, permitindo a criança a reconhecer-se sem o falo, como sua mãe. Bem

como ser desejado por ela, onde é suposto estar e onde se torna possível tê-lo.

Ocorre, assim, a intervenção do pai pela inscrição da dialética do ter da mãe e da

criança; mãe não tem falo, pode desejá-lo onde o detém, a criança igualmente

desprovida, pode desejá-lo junto a quem tem, o pai. A operação

Bejahung/Ausstossung é efetivada pelo Nome-do-Pai, que ordena a cadeia

significante e produz significação ao enigmático Desejo da mãe. (AZEVEDO, 2009)

Cláudio Munayer David em A linguagem sonora (2004) considera a voz o primeiro

instrumento melódico, as mãos e os pés os primeiros instrumentos de percussão. O

bebê já pode ser afetado pela voz no último trimestre de gestação, ele é, portanto,

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precoce em relação ao contato com o estímulo sonoro. A fala e a música remetem a

própria significação humana.

Dos conceitos tratados até o momento, pode-se interrogar se no autismo é evidente

a ausência do Outro? Azevedo (2009) reflete que a relação do autismo com o Outro

parece apontar para o lugar da linguagem. As crianças autistas não são máquinas

falantes, elas parecem fazer algo com os significantes advindos do outro. As

palavras têm peso muito grande. Elas são tomadas como coisa. Não há metáfora.

Ela, ainda, ressalta que crianças autistas não utilizam do pronome eu, tratando a si

próprias em terceira pessoa, visto não haver “certificado de recepção” da mensagem

vinda do Outro. Assim, no autismo, pode haver certa apreensão dos vocábulos, mas

deles não é feito a Bejahung,ou seja, um sim ao simbólico. Dessa forma, não há

admissão do traço unário no simbólico.

Na psicose não há Bejahung do Nome-do-Pai, no autismo, antes da foraclusão do

Nome-do-Pai, não há inscrição no simbólico de uma simples cadeia de significantes.

Não há Bejahung do S1 o que lança o S2 para fora do simbólico. Neste sentido, a

não Bejahung dos significantes advindos do Outro, estes se tornam tão potentes que

invadem o sujeito, as palavras são verdadeiramente coisas, há presença excessiva

do Outro, que os invadem, causando-lhes horror.

2.2.2.2 O som e o silêncio François Daniel Villa em seu texto O mutismo da criança autista: uma promessa de

silêncio? (2010) questiona se a criança autista encontra-se no limiar do nosso

mundo e diz que basta pronunciar “criança autista” para que ocorra um cortejo de imagens, para que se delineie a empresa da fascinação. Fala-se dela como um mágico onipotente, universo como impenetrável, incompreensível. Compara-a a um anjo, evoca-se sua beleza. Parecerá estar na superfície de nosso mundo em “contato direto” com alguma coisa que nos escapa e que a mantém indiferente ao nosso mundo e aos humanos. (VILLA, 2010, p. 181)

Villa (2010) se impressiona com o mutismo das crianças autistas, porém para ele,

mesmo quando não se fala, não se deixa de falar algo. O mutismo não se encontra

fora da linguagem. O mutismo no autismo mostra ao analista seu próprio

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funcionamento. “Seja na fascinação, hipnotizados, engolfados numa espécie de

depauperamento, seja na defesa da fascinação e da ansiedade, projetando seu

sistema imaginário de compreensão e de expressão”. (VILLA, 2010, p. 182)

Porém, o material produzido com o encontro não advém da criança. Assim, a

transferência evocada no encontro é do terapeuta, manifestada pelo material posto

para fora de si e que retorna do lugar que para ele ocupa a criança autista. Ela “é

única, embora bipolar, assimétrica, é tensão, intercepção, inseminação e

disseminação. (...) um bocado de impurezas.” (VILLA, 2010, p. 183). O autor trata

dos processos inconscientes, únicos a serem trabalhados na relação, esses que

agem em silêncio e assim se fazem ouvir.

Diante do silêncio, para Villa (2010) pode ocorrer o “ativismo terapêutico” com

objetivo de proteção, mascarando e arrancando o analista do trabalho que se opera

diante da criança autista e que tende a constituí-la sob o pretexto da observação

clínica, reduzindo-a a uma soma de sinais não-creditados. Isto poderá torná-la

objeto colocado no lugar de ideal do ego.

Villa (2010) trata da Coisa que coloca significado ao desejo. O encontro com ela

possibilita uma libido de objeto. “O encontro com o desdém do acaso nos faz filho da

Ausência e do Silêncio” (VILLA, 2010, p.186).

Para ele, o luto é cumprido pela identificação parcial com o que se perdeu,

enriquecendo o ego e salvando o objeto. Na criança autista a libido de objeto toma o

ego por objeto desde o início, pois o movimento para criação de um objeto não foi

levado a termo, não se estabeleceu na primeira transferência. Como se nenhum

objeto fosse digno de ser erigido como substituto da coisa, funcionando como

tentativa do ego de se identificar com a Coisa e a de fazer desaparecer a outra parte

do ego. Se o melancólico sabe quem perdeu, mas não sabe o que perdeu, a criança

autista não perdeu ninguém, pois nunca encontrou alguém, mas sabe o que não

quer perder. No autismo não se produz relação nem transferência, a não inaptidão

para a transferência. O que é o motor da intervenção.

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2.3- CAUSA Campanário (2008) nos traz que o autismo é ainda, na atualidade, uma incógnita.

Seja para a psiquiatria, seja para a Teoria Psicanalítica. Há postulados sobre esse

transtorno. A psiquiatria encontra-se dividida na organogênese da psicose e na

psicogênese do autismo infantil, ou seja, ela é proveniente de alguma anormalidade

organoneurobiológicas e bioquímicas, ou de uma disfunção de origem psíquica.

Por Kanner, ela foi descrita inicialmente como tendo etiologia psicológica e,

posteriormente, como orgânica. Ainda não é possível explicar o autismo na busca da

relação causa efeito direta. Essa dificuldade de interlocução dos saberes dificulta

tanto o tratamento farmacológico quanto o psicoterápico dessas crianças.

(CAMPANÁRIO, 2008)

A idade precoce faz tender a organicidade da questão, porém sabe-se, por vários

estudos, da grande capacidade mental dos bebês, o que possibilita alguma relação

com a mãe (ou função), além deles preferirem a voz materna ao nascer, o que

transpõe a esta hipótese. Segundo Alfredo Jerusalinsky (apud Campanário 2008, p.

39)2 o autismo é “um quadro que coloca radicalmente em xeque o suposto positivista

de que cada fenomenologia nosográfica corresponde a uma determinada etiologia”.

No pensamento de Jerusalinsky o autismo desenquadra a suposição de que um

fenômeno refere-se à determinada doença. É perigoso, portanto, excluir uma das

vertentes. Na atualidade, é comum sustentar a multideterminação: orgânica,

dinâmica e social.

Campanário (2011) pontua que tanto para Freud quanto para Lacan não existe

organogênese ou psicogênese dos quadros psicopatológicos. Para Lacan, (apud

Campanário, 2008, p. 40) todo sujeito apresenta-se ao mundo submetido a uma história, uma árvore genealógica, numa cadeia de gerações que influenciarão seu desejo inconsciente como o somatório de desejos de todos que desejaram por ele e para ele e que lhe é passada através dos significantes vindos do Outro. (LACAN apud CAMPANÁRIO, 2008, p. 40)

Ela lembra, também, que “a criança vem ao mundo com um real orgânico que se

apresenta em seu corpo, perfeito em alguns casos, sindrômico em outros, que pode 2 Aula proferida em São Paulo, no Instituto de Psicologia da USP, em 7 de novembro de 2005.

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facilitar ou não seu caminho em direção a subjetivação”. (CAMPANARIO, 2008, p.

40)

2.4- DIAGNÓSTICO O autismo acomete um número grande de crianças, cerca de 0,2%, ou 2 a cada

1000 crianças nascidas, sendo que várias características descrevem o transtorno

autista. (AUTISM-SOCIETY, 2011)

Rodrigo Marot em Autismo: Transtornos relacionados por semelhança ou

classificação (2004), relata que o diagnóstico do autismo é feito por especialista, na

clínica, baseado na entrevista e história do paciente. Não existem testes

laboratoriais ou de imagem para isso. Deve-se descartar a surdez, problemas

neurológicos e retardo mental, bem como outras doenças que se assemelham ao

autismo e podem ser diagnosticada por exames clínicos – laboratoriais, imagem e

testes.

O DSM IV (2002) apresenta os critérios diagnósticos para o transtorno autista, sendo

um total de seis itens no mínimo de 1, 2 e 3. Ou seja, deve haver pelo menos duas

características de prejuízo qualitativo na interação social, uma de prejuízo qualitativo

na comunicação e uma de padrões restritos e repetitivos de comportamento,

interesses e atividades. Os itens são apresentados na tabela abaixo:

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Tabela 1 - Critérios diagnósticos para Transtorno Autista - DSM IV (2002)

A. Um total de seis (ou mais) itens de (1), (2), e (3), com pelo menos dois de (1), e um de cada de (2) e (3). 1- Marcante lesão na interação social,

manifestada por pelo menos dois dos seguintes itens

a. destacada diminuição no uso de comportamentos não-verbais múltiplos, tais como contato ocular, expressão facial, postura corporal e gestos para lidar com a interação social. b. dificuldade em desenvolver relações de companheirismo apropriadas para o nível de comportamento. c. falta de procura espontânea em dividir satisfações, interesses ou realizações com outras pessoas, por exemplo: dificuldades em mostrar, trazer ou apontar objetos de interesse. d. ausência de reciprocidade social ou emocional.

2- Marcante lesão na comunicação,

manifestada por pelo menos um dos seguintes itens:

a. atraso ou ausência total de desenvolvimento da linguagem oral, sem ocorrência de tentativas de compensação através de modos alternativos de comunicação, tais como gestos ou mímicas. b. em indivíduos com fala normal, destacada diminuição da habilidade de iniciar ou manter uma conversa com outras pessoas. c. ausência de ações variadas, espontâneas e imaginárias ou ações de imitação social apropriadas para o nível de desenvolvimento.

3- Padrões restritos, repetitivos e

estereotipados de comportamento, interesses e atividades, manifestados por pelo menos um dos seguintes itens:

a. obsessão por um ou mais padrões estereotipados e restritos de interesse que seja anormal tanto em intensidade quanto em foco. b. fidelidade aparentemente inflexível a rotinas ou rituais não funcionais específicos. c. hábitos motores estereotipados e repetitivos, por exemplo: agitação ou torção das mãos ou dedos, ou movimentos corporais complexos. d. obsessão por partes de objetos.

B . Atraso ou funcionamento anormal em pelo menos uma das seguintes áreas, com início antes dos 3 anos de idade:

1. interação social.

2. linguagem usada na comunicação social.

3. ação simbólica ou imaginária.

Fonte: American Psychiatric Association, 2002.

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2.5- TRATAMENTO Como tratar aquilo que se desconhece? Tratar, tanto no sentido de curar, como no

sentido de proceder diante a. Alguns autores, como Marot, Pimenta, Malher,

Betterheim, Ferreira, Soller, Azevedo e Campanário, visualizam e experenciam

tratamentos diferentes ao autismo, segundo sua perspectiva de estudo e prática.

Marot (2004) relata que, a reação dos familiares mediante essa diagnóstica vária,

podendo, muitos pais recusarem o diagnóstico do autismo, encaminhando a criança

a outro profissional. Enquanto, outros cultivam a esperança da recuperação total da

criança. Ele, ainda, afirma que, até os dias atuais, não há cura para o autismo,

porém há muitos recursos para tornar essas crianças as mais independentes

possíveis, como: intervenção precoce, educação especial, suporte familiar e em

alguns casos medicações ajudam cada vez mais no aprimoramento da educação de

crianças autistas.

O psiquiatra, Rodrigo Marot (2004), informa que não existem medicações que tratem

o autismo. Há medicações que combatem os seus efeitos, como agressividade ou

comportamentos repetitivos. Há algum tempo, usava-se neurolépticos,

medicamentos inibidores das funções psicomotoras, para combater a impulsividade

e a agitação. Hoje, os antidepressivos apresentam bons resultados. As medicações

com bons resultados são a fluoxetina, a fluvoxamina, a sertralina e a clomipramina.

Dentre os neurolépticos a clorpromazina, o haloperidol e a tioridazina.

Segundo Marot (2004) não há propriamente um tratamento para o autismo, o que

existe é um treinamento para o desenvolvimento de uma vida tão independente

quanto possível. Basicamente a técnica mais usada é a comportamental, além dela,

programas de orientação aos pais. Quanto aos procedimentos são igualmente

indispensáveis, pois os pais são os primeiros professores. A educação especial

pode expandir as capacidades de aprendizado, comunicação e relacionamento com

os outros enquanto diminui a freqüência das crises de agitação.

Alguns autores como Paula Ramos Pimenta em Autismo: déficit cognitivo ou posição

do sujeito? Um estudo psicanalítico sobre o tratamento do autismo (2003) e Laznik

(2004) afirmam que segundo experiências clínicas, quanto mais cedo for

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diagnosticado o transtorno melhor são as evoluções dos casos, embora não se

consiga uma explicação plausível para o fato, visto a constituição do sujeito não seja

ligada ao referencial cronológico, e sim ao lógico.

Margaret Mahler em Sobre os precursores infantis do aparelho de influência (1983)

cria impasses na direção do tratamento. Ela considera que a direção do tratamento é

a terapia de substituição, a mãe seria substituída pelo terapeuta. E para a

insuportabilidade da presença do Outro, a música poderia ser utilizada como

recurso, privilegiando a dimensão psicológica da percepção. A autora ao tentar

dirigir o tratamento sob a via pedagógica não obteve êxito.

Bettelheim (1987) propõe o objetivo tratamento como separação da criança dos pais,

seguindo a terapia da substituição, ao substituir o mundo insensível (pais) a outro

estimulante, proporcionando-a uma segunda oportunidade para desenvolver-se.

Segundo Ferreira (2010) a indicação clínica para as crianças autistas deve ser uma

espécie de “maternagem” para colmatar o fracasso das primeiras relações mãe-

bebê, alojando-se no lugar onipotente de reparar a falha da mãe. Porém, a falha

encontra-se na falta do simbólico, não na relação mãe-bebê.

Para Collete Soler em O desejo do psicanalista – onde está a diferença? (1997) o

analista deve mediante a criança-objeto produzir onde não aconteceu, ligar a

operação do significante, articulando o que se falta, operando a “psicanálise

invertida”, do Real ao Simbólico, subtraindo de onde engendra o sujeito. Para ela,

trata-se de interrogar o enigma que o sujeito tece frente ao Outro.

Campanário (2008) diz que muitas vezes não se produz um movimento efetivo de

separação, mas ao dirigir às crianças autistas, antecipando um sujeito, cria-se a

possibilidade de contenção do gozo, circundando seu corpo pela fala. Ela, ainda,

pontua a grande importância da música, do ritmo e da entonação da voz no

tratamento das crianças autistas, além de permitir a criança se expressar de sua

forma: brincando, por exemplo.

Para Azevedo (2009) uma das possibilidades de tratamento é o surgimento de uma

alteridade, oferecendo a criança um lugar dentro do discurso como sujeito, mas

permitindo-a, escolher se aceita-o ou não. Para isso, deve-se manejar a particular

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transferência do autista ao Outro não barrado, utilizando de estratagemas, ou

estratégia de engano, para não abordar a criança diretamente, sendo o analista

quase invisível. Essa estratégia implica no analista não se colocar no lugar do Outro,

além de permitir a esvaziação do Outro não barrado pelo sujeito. Isto pode se dar

pela tentativa de introduzir um terceiro para barrar o gozo do Outro onipotente. O

analista deve ocupar o lugar de objeto, considerando que este não se constitui como

tal na psicose. “O analista não deve preocupar-se em normatizar, pedagogizar, pelo

contrário, quer fazer surgir a singularidade.” (AZEVEDO, 2009, p.146). Em seu

desejo, portanto, o analista, deve colocar a criança autista ao trabalho, acreditando

que é possível constituir uma alteridade (relação com o outro), onde tudo é

indiferenciado.

2.5.1 Posição do analista na clínica com autistas Vimos que a criança autista apresenta-se com poucos recursos psíquicos. Não há

egoização e, não há acesso ao simbólico. Surge a questão, como manter distância,

evitando o horror e a angústia da transferência com um Outro não barrado, invasor?

Azevedo (2009) apresenta um possível lugar para o analista no tratamento de

crianças autistas. Segundo ela, o único lugar para o sentimento do analista é do

morto. Não se dirige o paciente, mas o tratamento. Nessa relação, analista/autista,

ambos pagam. O analista paga com a sua própria palavra, com a sua própria

pessoa e com o seu próprio ser. Ele situa-se em sua falta-a-ser. O lugar do analista,

portanto, deve seguir o tripé de Lacan: tática, estratégia e política - lugar da

interpretação, o ponto da transferência e como agir com seu ser.

Para Lacan em A direção do tratamento e os princípios de seu poder (1958) a

interpretação não aparece. Ela se fundamenta no fato do inconsciente ser

estruturado em linguagem, funcionando de acordo com as leis das línguas faladas.

Existem intervenções imaginárias. O que aparece na interpretação é o elemento

faltante do Outro, articulado com o intervalo dos significantes. Pelo fato de um

significante não significar-se a si mesmo, surge a dimensão metafórica, ou seja, um

aparece no lugar de outro produzindo significação.

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No autismo, vimos que a falta vem a faltar, não há intervalo entre significantes. As

palavras têm um peso muito sério. Assim, elas não podem ser usadas. Azevedo

reflete sobre a possibilidade de uma tática para tornar as palavras mais leves no

autismo. Para isso, ao invés de interpretar, deve-se notificar a mensagem do sujeito.

Azevedo (2009) enfatiza Lacan ao afirmar que é a partir de sua análise que um

analista pode autorizar-se a si mesmo. Não há identificação no autismo. Há excesso

do Outro que lhe invade, fazendo a criança autista tampar os ouvidos. A voz e o

olhar do analista são insuportáveis para elas. Mahler (1952) sugere que o analista

aborde indiretamente a criança, de costas, cantarolando. Deve-se tornar invisível,

visto algo poder acontecer ao desviar a atenção da criança. O Outro não tem lugar

no tratamento do autismo.

A política de Lacan (1958) relaciona-se ao desejo do analista, presente no

movimento psicanalítico desde muito cedo. Cabe, a ele, então, ouvir, não auscultar.

Seu desejo é antinômico à noção de compreensão. Sua formação articula-se a

douta ignorância, e essa ignorância deve ser entendida como o amor e o ódio, uma

paixão do ser, iluminando a falta-a-ser.

Assim, para Azevedo (2009) o analista não pode querer ensinar, compreender ou

querer a fala da criança. Não deve pedagogizar. Ele deve ignorar o que se sabe.

Ele não ocupa o lugar de sujeito, mas de objeto, tornando possível a singularidade.

.

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CAPÍTULO 3 - TEMPLE GRANDIN – UMA MENINA ESTRANHA

"Você não sabe que a maneira que você pensa

é diferente até que você começa a questionar

as pessoas sobre como você pensa."

Temple Grandin

Neste capítulo será apresentada a autobiografia intitulada por Uma menina estranha

– autobiografia de uma autista de Temple Grandin e Margaret M. Scariano (1999) e

do filme: Temple Grandin, dirigido por Mick Jacson (2010). A história de Temple

Grandin é apresentada de maneira clara, singela e com um toque de humor.

Temple Grandin nasceu em Boston (EUA) no dia 29 de agosto de 1947. Primogênita

de quatro filhos. Foi diagnosticada como Autista aos três anos, sete anos após a

descrição dos sintomas por Leo Kanner (1943).

Como em poucos casos do diagnóstico do transtono, Grandin graduou-se, mas

diferentemente de outras pessoas com o mesmo diagnóstico, estudou psicologia, na

tentativa de autoconhecer-se. Ela conseguiu “passar para o outro lado, além das

trevas, tateando no escuro”. (GRANDIN; SCARIANO, 1999, p. 20). Publicou várias

obras, e em sua autobiografia, ela pontua questões sobre o autismo, relacionando

teoria e sua vivência. É uma obra enriquecedora.

Temple Grandin, em seu livro autobiográfico, Uma menina estranha – autobiografia

de uma autista (1999) se considerava uma “menina estranha”. Quando nasceu, sua

mãe contava com 19 anos de idade, e se lembra que a recém-nascida era normal e

saudável, quieta e bem-comportada. Aos seis meses, sua mãe percebeu que ela

não se aninhava e ficava rígida, passando a arranhá-la quando tentava carregá-la.

Embora lhe fosse assustador, não entendia o porquê da diferença do

comportamento de sua filha em relação aos outros bebês. Até seus três anos e meio

de idade a criança só gritava, assobiava e murmurava de boca fechada, embora

entendesse o que as pessoas lhe diziam. A ausência da fala, a voz inexpressiva,

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com pouca inflexão e nenhum ritmo preocupavam sua mãe. Tinha dificuldade de

olhar alguém nos olhos, o que conseguiu somente depois de adulta.

Segundo Campanário (2008) no autismo, para Kanner, o retraimento ocorre no início

do desenvolvimento com dificuldades de relacionar com os outros. E quanto mais

cedo o diagnóstico, maior a probabilidade de sucesso no tratamento.

Apresentava outros sintomas do transtorno autista, conforme descrito pelo DSM IV

(2002), como girar como um pião, o qual lhe dava a sensação de poder, de controle

sobre as coisas, pois ela era capaz de fazer a sala girar. Era extremamente sensível

a ruídos, o que lhe causava desconforto extremo. Brincava de modelar fezes ou

servia-se delas para agredir as pessoas em seus acessos de raiva. Urinava em

locais impróprios, como no tapete da sala ou na cortina, mesmo com a proibição de

sua mãe.

Sua mãe, na tentativa de recuperar a filha, retirando-a de seu mundo fechado, a

matriculou aos os cinco anos no jardim da infância, fato que lhe provocou emoções

contraditórias. Novos lugares a deixavam perturbada e ela era alheia à vida social.

Ora ela se refugiava em seu mundo interior, ora era impulsiva que ela mesma se

assustava.

A socialização faz parte do ser humano, e a educação é uma forma de incorporação

do homem à sociedade, como nos diz Freitas (2008). Daí a importância da atitude

da mãe de Grandin em inserí-la no meio social, na escola, mesmo que isso

causasse à criança certo desconforto. Visto, conforme Pereira (2009), a escola,

paralelamente, à família e à religião serem canais de conservação de valores e

conceitos.

Na escola Temple “percebeu” que seu raciocínio não se enquadrava no tipo de

ensino, em que as “coisas ou são brancas ou são pretas, ou estão certa ou erradas”

(GRANDIN; SCARIANO, 1999, p. 35). Tinha (e ainda tem) dificuldade de ritmo, não

consegue realizar duas atividades motoras simultaneamente. Não conseguia

entender matemática, usar a caneta tinteiro, muito menos entregar seus trabalhos

limpos. Sua capacidade de leitura era mediana. Muito criativa, tinha grande

habilidade para fazer trabalhos com madeira e costura.

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Estudos de Campanário (2008) crianças autistas podem ser superdotadas em áreas

específicas e possuir dificuldades em atividades básicas da vida. A percepção de

Grandin, ou seja, a forma de dar sentido aos estímulos de acordo com seu histórico

pessoal (FREITAS, 2008) era diferente do padrão de normalidade esperado dentro

do contexto escolar. Não lhe faltava inteligência, como Piaget (1982) conceituou, a

organização com função de estruturar o universo como o organismo estrutura o

meio, ou como Borges (2008) capacidade de compreender e conhecer o mundo.

Temple compreendia e organizava o mundo a sua maneira, e sua inteligência mais

acentuada é a inteligência fluída, a qual é pouco influenciada pela cultura, sendo a

extensão e a profundidade dos conhecimentos que a pessoa tem, promovendo-lhe

raciocínios além do que lhe é apresentado (PRIMI, ALMEIDA, 2000).

Desde a segunda série sonhava e devaneava em um aparelho mágico que

estimulasse seu corpo, pressionando prazerosamente seu corpo, na tentativa de

suprir o quanto seu sistema nervoso danificado ansiava por estímulos tácteis. Ao

mesmo tempo em que desejava ser abraçada, fugia dos abraços, pois tinha a

sensação de estar sendo engolida.

Temple sentia “como se uma porta de vidro me separasse do mundo do amor e da

compreensão humana.” (GRANDIN; SCARIANO, 1999, p. 38). Os estímulos tácteis

são ansiados pelos autistas, mas eles se retraem diante deles, pois lhes causam dor

e confusão. Somente aos trinta anos, Temple conseguiu trocar aperto de mão e

olhar diretamente nos olhos. Quando criança, ela se consolava enrolando em

cobertores e almofadas. As atitudes de Grandin coadunam com os dizeres de

Azevedo (2009) no qual os autistas encontram-se em dois mundos, o da relação

com o outro, e o mundo autista. Desta forma, como Ferreira (2000) nos apresenta no

autismo há montagem lógica onde existe sujeito, alguém que demanda e deseja

inserida no discurso e dentro da linguagem.

Na época da escola, Temple teve uma amiga. Ela a aceitava com seu jeito estranho,

achava-a divertida e que nunca Grandin era chata. Porém, vários outros colegas

criticavam-na, levando-a a acessos de raiva. E em outros momentos, “vingava-se”.

Era estigmatizada pelo comportamento extravagante e impulsivo, pelos seus

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ataques de raiva, pelo péssimo desempenho acadêmico, mas era reconhecida pelos

seus talentos criativos.

De acordo com Borges e Furtado (2008) as dificuldades ou os distúrbios de

aprendizagem podem ser causados por fatores emocionais, sensoriais, físicos e

neurológicos, o que eventualmente, reflete no péssimo desempenho acadêmico da

jovem autista.

Enquanto menina apresentava acessos de risos incontroláveis, fixava-se em

movimentos ou palavras, repetindo-os incansavelmente. Repetia assuntos

relacionados a sexo, o que causava transtorno no meio escolar. Na adolescência,

sua mãe relata ao medico que a filha em ambiente seguro, onde se sente amada e

apreciada, tem o comportamento compulsivo atenuado. No contrário, até sentir e

perceber os limites, costumava apresentar comportamentos bizarros.

A mudança de escola causou insegurança em seus pais, que pediram nova

orientação ao médico da filha. Sua mãe pensava que precisava prepará-la para se

virar sozinha, servindo-lhe de bengala por tempo longo.

Nesta época, Grandin foi muito infeliz, lembrando-se pouco desse período. Foram

muitas mudanças, mais colegas na sala e um professor para cada matéria. Não

conseguia assimilar abstrações e conceitos. Aborrecia-se quando não entendia algo,

e consequentemente comportava-se mal. Preparava brincadeiras para agitar a

turma, aliviando o tédio das aulas. A coordenação do colégio conversou com sua

mãe sobre suas notas baixas e seu mau comportamento. Esse fato a fez pedir

auxilio ao psiquiatra, o qual interviu, oferecendo préstimo à equipe escolar e

escrevendo uma carta á escola descrevendo sua paciente: Temple é uma criança de inteligência muito alta, com problemas tais que não consegue liberar seu afeto e fazer criativo de sua inteligência (...) não é psicótica, nem de longe. Pode ser chamada de criança neurótica – tem uma organização da personalidade bem formada e os instrumentos de controle para conservar essa organização, exceto em casos de extrema tensão. Ainda está em processo de desenvolvimento dos aspectos mais saudáveis de sua personalidade, e as flutuações que podem ser observadas parecem ser parte desse processo de amadurecimento. Ela percorreu um longo caminho (...) é uma jovem de potencial enorme, uma imaginação fora do comum (...) suas esquisitices tendam a torná-la um tanto saliente. (...) ela vai entrar na adolescência, e acabou de deixar uma escola onde seus piores aspectos eram bem conhecidos, uma escola que lhe dava apoio incondicional e também acompanhava com sincero prazer o progresso que ela fazia. (GRANDIN, SCARIANO, 1999, P. 66)

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Segundo Villa (2010) a estranheza do autismo amedronta muitas pessoas e

profissionais. Isto aconteceu com esta escola, levando-a a não acolher a jovem

Temple da forma que ela precisava, de acordo com suas peculiaridades. Para

Moreira e Candau (2003) a escola é transmissora de cultura e ela deve ensinar e

estimular o aluno a aprender por si, visto que aprender faz parte do psiquismo e a

motivação ser essencial ao processo de aprendizagem (ALVES, 2007).

Seu progresso era notado, tentava se enturmar, assistia TV, lia livros de ficção

científica e era fascinada por aeromodelos. Mesmo assim, Grandin, foi expulsa da

escola após 2 anos e meio devido seus ataques de raiva. Sua mãe, mais uma vez,

ficou do seu lado. Ela foi matriculada em uma escola menor, recebendo atenção e

sendo considerada como um indivíduo.

Em 1960, Temple foi para a nova escola Mountain Country School, fundada para

acolher crianças bem-dotadas, intencionando a desenvolver o potencial da criança

ao máximo. Na escola havia animais, aulas trabalhos manuais, acampamentos e

canoagem, além de música, teatro, agricultura, balé, boliche, pesca, natação, esqui,

patinação. Ela ficou eufórica. Alojou-se em um quarto, no folheto da escola era

prometido a oportunidade de aprender as matérias escolares e o desenvolver

emocionalmente.

Em seu primeiro dia nessa escola, uma colega furou a fila no refeitório. Temple

reagiu socando o rosto da moça. Uma senhorita a recolheu, segurando-lhe pelos

braços (Temple não se incomodou), pediu explicações. Olhando nos olhos da

menina, a Senhorita lhe falou que “bater não é a maneira de lidar com

desentendimentos”. (GRANDIN; SCARIANO, 1999, p. 75) e que a escola não

toleraria nenhum tipo de violência. Embora alertada, a jovem continuou resolvendo

suas questões com acessos de raiva e socos. Nesses momentos, ela era castigada

sem poder montar a cavalo, que tanto amava, por uma semana, o que a curou do

seu espírito brigão.

Melhorou alguns aspectos e acentuou outros, como a fixação e a necessidade de

manter o ambiente da mesma forma, usava a mesma roupa. A menstruação causou-

lhe crises de pânico, “sentia-se como um moinho de vento em meio a um vendaval”.

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(GRANDIN; SCARIANO, 1999, p. 76) Em sua mente, fantasias borbulhavam, seu

comportamento impulsivo e a dificuldade de relacionar acentuaram. Só não era a

última em biologia.

Apresentava sintomas do “medo do palco”, em momentos como ouvir toque do

telefone ou receber carta, bem como em excursões, por hipersensibilidade.

Medicações não atenuavam seus tremores. Ficava ansiosa em períodos específicos

do dia. Coceiras davam-lhe a sensação de ser perseguida por um assaltante. Ela

estava “presa num labirinto de sintomas fisiológicos que perturbavam, destruíam e

desfaziam quaisquer conquistas. (GRANDIN; SCARIANO, 1999, p. 78)

Aos dezesseis anos, Temple procurava uma forma para aliviar seus nervos, quando

houve um passeio a um parque, brincou no Rotor (brinquedo que gira e exerce

pressão sobre o corpo devido à força centrípeta), no início teve medo e sensação

ruim, mas aos poucos era tomada por grande sensação de prazer. Fixou no

brinquedo, insistiu na escola para colocassem um aparelho igual. Chegou a escrever

cartas ameaçadoras, como se fosse outra pessoa, Alfred Costello, o Sombra.

Temple diz que em seu estado delirante, sabia que o Sombra era fruto de sua

imaginação.

Nesta época, em um culto, Grandin ouviu a falar na porta da salvação. Como ela

precisava de símbolos concretos para conceitos abstratos, buscou pela sua porta

concreta por vários dias, até que a achou, uma portinhola que dava para o telhado.

Entrou e permaneceu longo tempo observando o céu, a lua, as estrelas. Era a sua

porta. A moça passou a ir ao telhado e observar o céu todas as noites. Era seu local

sagrado. Tinha passado para uma nova vida. Após um ano foi proibida de ir lá.

Passou a ir, não por necessidade, mas pelo prazer da intransigência. Esta

passagem ilustra Azevedo (2009) ao dizer que a palavra no autismo tem peso, são

tomadas como coisa, sem metáfora, sem traço unário do simbólico.

O professor de psicologia, Sr. Brooks, modificou a vida da jovem autista. Ele falava

de comportamento animal. Apresentou o enigma do quadro distorcido, que Temple

fixou nele, por seis meses, até compreendê-lo.

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Para Grandin, atrás de sua porta, havia várias pessoas compreensivas e dedicadas

que sem elas seu destino seria uma escola para retardados, como disse seu pai.

Sua mãe sempre a defendeu e fez tudo para ajudá-la, o contrário de seu pai.

Embora autores como Malher (1983), Bettelehim (1987) e Tustin (1984), ao

desconsiderarem a teoria do inconsciente, tratar o autismo como resultado de um

fracasso da relação do bebê do objeto (mãe), e vermos com Laznik (2004) a

importância dos manhês para a constituição do sujeito e com Azevedo (2009) que o

Nome-do-Pai ser instaurado pela mãe.

Um segundo professor, Sr Carlock, não rotulou Temple e canalizava as suas

fixações para projetos construtivos. Disse a ela: “as coisas nem sempre são o que

parecem” (GRANDIN; SCARIANO, 1999, p. 89), o que a enfureceu, sua lógica não

admitia ambigüidades e ela era inflexível. O professor deu-lhe livros de filosofia,

condizente com seus pensamentos à base de símbolos. Um dia, ele lhe disse que o

tom de sua voz estava menos inexpressiva. Temple percebeu, então, que na medida

em que aumentava sua percepção da esfera social o tom de sua voz melhorava.

Grandin diz que graças ao Sr. Carlock, a outros professores dedicados e a fé de sua

mãe, ela começou a estudar. Este professsor ofereceu à Temple um lugar no

discurso como sujeito, fazendo surgir a alteridade, como pontua Azevedo (2009),

para o lugar do psicanalista frente ao autismo.

Na viagem de férias, no verão, na fazenda de sua tia Ann, fez vários trabalhos para

ela. Sua tia era paciente e soube aproveitar a tendência à fixação da sobrinha para

algo construtivo. Lá, Temple viu o brete (equipamento utilizado para prender o gado

a fim de marcá-lo). Quis experimentá-lo, sua tia relutou, mas acabou cedendo. A

jovem autista teve a principio a sensação de ser engolida, como com a tia gorda de

sua infância, mas aos poucos teve uma sensação estimulante e relaxadora.

Em carta de Ann à mãe de Temple, ela dizia:

Temple funciona com símbolos, e quando ela encontra um símbolo que tem o poder de (...) agüentar o peso de alguns de seus medos e frustrações, ela realmente não o larga mais. Ouvi falar à exaustão da “porta” que simboliza o ingresso em novos territórios e experiências, tanto que poderia repetir a historia palavra por palavra. Várias vezes eu a interrompi no meio desse assunto. Ela me deixava acabar minha interrupção e então retomava a história dela, exatamente do ponto em que tinha parado. É verdade que era um pouco irritante, mas Temple é tão fundamentalmente sensata, tão obviamente inteligente e disposta a ajudar com qualquer problema que pudéssemos ter, que ouvi-la era um preço baixo a pagar. (...) o brete do

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gado (...) era um símbolo que reconciliava dois impulsos opostos – o impulso de submeter-se a uma imobilização táctil prazerosa e a relutância oposta em permitir uma pessoa (...) a exerça. (...) um símbolo muito útil para ela na busca de soluções para seus problemas. (...) estou certa de que vai chegar o dia em que vou poder dizer com grande satisfação: “Eu a conheci naquele tempo...” (GRANDIN, SCARIANO, 1999, p. 94)

Ao voltar para a escola, Grandin queria seu brete. O psicólogo a indagou se ela tinha

problema de identidade, perguntando se ela se achava uma vaca. Ela lhe respondeu

com a mesma pergunta, se ele se achava um boi. O uso de sua máquina de pressão

provocava polêmicas entre terapeutas, amigos e parentes. Isso a levou ao

sentimento de culpa, como se seu uso fosse pervertido ou doentio. Ela tinha que

provar o efeito relaxante do brete nas pessoas. Mesmo com muitas dificuldades,

Grandin foi escolhida uma das oradoras na formatura.

Marot (2004) informa que o autismo não tem cura, mas há recursos que podem

ajudar a criança a se tornarem mais independentes o possível. As medicações

usadas são para os sintomas, embora nem sempre sejam eficazes. Cada pessoa

encontra uma forma para compensar suas angústias e ansiedades. Tal como

Grandin, em vários momentos de sua vida, como o rotor, com seus projetos

acadêmicos, com o cavalgar ou com o uso do brete, por exemplo.

Após a formatura recebeu uma carta de sua mãe, que refletia sobre a conversa

sobre o amor. Para ela, o amor é querer fazer as coisas crescerem e participar de

seu crescimento, sem necessidade de sensação interior especial. Bastava o

compromisso, a atenção e a disposição para com o outro. Disse que a amava

porque tinha muito investimento dela na filha e pergunta a filha sobre seu sentimento

com a mãe.

Foi para uma faculdade pequena, próxima a escola anterior, que a auxiliou. O

professor Carlock nos finais de semana continuou a estimulá-la. Construíram um

brete maior e fizeram testes nos alunos, obtendo resultados positivos. Passou a

acreditar que seu brete ajudaria outras crianças autistas. Temple cursava psicologia.

Trabalhou num hospital com crianças perturbadas. Um menino de sete anos tinha

algumas características autistas, embora não tivesse o rótulo. Ele intrigava-a, pois

Grandin se via nele. Ela se sentiu o Senhor Carlock abrindo o mundo secreto de

Jake. Ela atuou tal como seu professor, e como sugere Azevedo (2009) como

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objeto, propiciando o aparecimento da alteridade na relação com a criança. Formou-

se bacharel em psicologia e novamente foi oradora da classe.

Foi, então, para uma universidade, no Arizona. Após 2 anos trocou o curso de

psicologia para o ciência animal., pois trabalhava com animais e acreditou ser mais

coerente. Percebeu que sentia o sentimento do animal ao encostar suas mãos em

seu dorso. Grandin matava o gado com respeito e consideração. Desenvolveu

currais baseando no movimento do gado, o que os acalmava e não estragava a

carne na hora do abate. Escreveu vários artigos. Começou a fazer viagens pelo

mundo desenvolvendo projetos e apresentando palestras. Fez doutorado em Ciência

Animal.

Quando adulta, Temple, conseguiu dominar seus “nervos”. Não se deixa transtornar.

Não discute com as pessoas e quando a situação perturba, vira-se e sai. Sua mente

é visual, então para recordar um conceito abstrato, ou imagens mentais, lê as

informações em sua mente. Confunde algumas palavras com ortografias diferentes.

Utiliza uma medicação que a acalma.

Ela acredita que até os dias atuais, muitos pais e profissionais acreditam que “uma

vez autista, sempre autista”, mas ela se considera uma prova do contrário. Pois, “é

preciso descobrir seus talentos ocultos e desenvolve-los. (GRANDIN; SCARIANO,

1999, p. 140) e qualquer criança precisa de estímulos tácteis, mas as autistas

precisam de mais.

Segundo Grandin e Scariano (1999) autismo é:

Um distúrbio do desenvolvimento. Uma deficiência nos sistemas que processam a informação sensorial recebida faz a criança reagir a alguns estímulos de maneira excessiva, enquanto a outros reage debilmente. Muitas vezes a criança “ausenta” do ambiente que a cerca e das pessoas circundantes a fim de bloquear os estímulos externos que lhe parecem avassaladores. O autismo é uma anomalia da infância que isola a criança de relações interpessoais. Ela deixa de explorar o mundo a sua volta, permanecendo em vez disso em seu universo interior. (GRANDIN; SCARIANO, 1999, p. 18)

As autoras apontam que as causas da “doença” é um mistério, não se sabe ao certo

se a origem é neurológica, fisiológica, trauma-uterino, dano cerebral, rejeição pela

mãe, escassez de certas substâncias. As opiniões dos profissionais se divergem.

Pesquisas indicam que certas partes do sistema nervoso central podem não se

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desenvolver de maneira adequada, alguns neurônios estabelecem conexões erradas

e algumas áreas do cérebro apresentam atividade acima do normal, mas seja qual

for a forma de autismo desenvolvida, os sintomas permanecem.

Elas, ainda, descrevem os sintomas que aparecem nos primeiros meses de vida,

como esquivar-se do toque alheio, ausência de fala com significado,

comportamentos repetitivos, acesso de raiva, sensibilidade a barulhos altos ou

incomuns e falta de contato emocional com outras pessoas, porém em estudo na

Universidade da Califórnia, comprovou que as crianças autistas apresentam um

relacionamento social muito intenso, e é um equívoco dizer que essas crianças não

apresentam reação nenhuma às outras pessoas.

As autoras destacam a questão da inteligência. Há a inteligência cristalizada que

requer treinamento e educação prévia, estimulada no sistema educacional, que

valoriza o excesso de “regurgitamento” de conhecimento. Alguns jovens possuem a

inteligência fluida, processam grande número de informações, encontram padrões

que os outros desconhecem, resultando na marginalização deles, são taxados de

malcomportados ou diferentes, pois “dançam conforme outra música”. (GRANDIN;

SCARIANO, 1999, p. 45)

Segundo Grandin e Scariano (1999) a criança autista se auto-estimula para acalmar-

se. Não há duas crianças autistas iguais, portanto não será o mesmo tratamento que

funcionará com todas elas. É preciso descobrir o que a interessa, não exagerar nas

medicações, amá-las e respeitá-las. Quanto às fixações, deve-se canalizá-las para

algo positivo. Certa dose de obsessão, para Grandin, é útil, pois foi o que a conduziu

ao sucesso.

Grandin sempre muito curiosa, uma verdadeira cientista, desenvolveu a máquina do

abraço, esta que alivia a tensão da necessidade de afeto pelos autistas e sem

agredi-la com o toque de outra pessoa. Para ela, o tratamento é a “escolha do

freguês”, podendo ser com estimulação sensorial, educação, tratamento com

medicação, dietas, suplementos alimentares. A combinação dos diversos tipos de

tratamento favorece o sucesso. Para sua mãe, em qualquer terapia, o ponto mais

importante era o amor, como forma de compensar que o amor que não pode receber

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ou dar em seus primeiros anos de vida. O amor faz Temple “funcionar bem”.

(GRANDIN; SCARIANO, 1999)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa partiu do seguinte problema: como o profissional da psicopedagogia,

pode atuar no ambiente escolar, com crianças autistas, visando o favorecimento da

sua aprendizagem, possibilitando-a a desenvolver a criatividade e potencialidades?

O objetivo geral foi alcançado, pois foi possível analisar como profissional da

psicopedagogia pode contribuir no sentido da inserção e do aprendizado de crianças

autistas no ambiente escolar, pois o ambiente escolar é responsável, também, pela

socialização e promoção das habilidades e criatividades de seus alunos, como

vimos com Pereira (2009). Assim o psicopedagogo deve permanecer atento as

peculiaridades da criança autista, adequando o processo educacional, na medida do

possível, de forma a favorecer a integração da criança ao meio, fazendo-a sentir

aceita e acolhida. Ele deve ser o menos invasor o possível e dar leveza as suas

palavras. As obsessões da criança devem ser deslocadas de modo a favorecer o

desenvolvimento de sua capacidade intelectual latente. Não se deve rotular,

estigmatizar, expulsar, nem abandonar. Deve-se acolhê-la, promovê-la. Tratá-la

como criança, impor limites e apresentar as regras. Não deve desistir delas, deve-se

investir nelas. O amor é uma boa estratégia a ser utilizada no processo. Um amor

que aceita, que respeita o tempo, o ritmo e as singularidades da criança.

O objetivo específico de analisar o caso de amenização dos sintomas do autismo

foi atingido após a leitura da obra de Grandin e Scariano – Uma menina estranha

(1999). Temple Grandin foi diagnosticada com autismo aos três anos de idade, e

embora os embates de sua vida, a dificuldade de relacionar-se e seu modo peculiar

de visualizar e raciocinar o mundo, conseguiu desenvolver-se socialmente, mesmo

que de forma “arcaica”, intelectualmente, ao doutorar-se, escrever livros e ministrar

palestras pelo mundo e profissionalmente. Ela passou para o outro lado, tateando no

escuro, como a própria autora se retrata (GRANDIN, SCARIANO, 1999).

O objetivo específico de compreender o autismo, tanto na ótica da Psiquiatria e da

Psicanálise, foi atingido ao estudá-lo sob o viés de ambas vertentes. Desta forma,

para a psiquiatria o diagnóstico segue os critérios pré-estabelecidos pela DSM IV

(2002). Pela psicanálise o autismo perpassa pelo Outro, seja na relação “ineficiente”

entre mãe e bebê em seu desenvolvimento, seja pela alteridade, como vimos com

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Campanário (2008) e Azevedo (2009). Indiferente de suas causas, não há ainda, um

tratamento medicamentoso específico para o transtorno. Não há cura. O que se

pode é tentar desenvolver as crianças, tornando-as mais independente o possível.

Os medicamentos minimizam alguns sintomas. Sugere-se, então, a

interdisciplinaridade.

Já o objetivo específico de contextualizar o transtorno autista no ambiente escolar

foi possível pela análise da história de Grandin, a qual muito contribuiu, entrelaçando

com o ambiente escolar dito normal. Temple, mesmo ao ser diagnosticada como

portadora do transtorno autista, foi matriculada em uma escola. Ela se sentia e era

considerada pela comunidade acadêmica uma “estranha no ninho”. Foi

estigmatizada, ignorada, menosprezada por alguns. O Estranho que assusta e

amedronta que nos faz deparar com nossos próprios fantasmas, como nos disse

Villa (2010). Neste momento foi possível perceber a interligação de fatores sociais,

emocionais e intelectuais. Desta forma, quando algo não está bem, algum problema

na aprendizagem pode ocorrer. Ela pode ser inteligente e apresentar uma

dificuldade ou algum distúrbio. O primeiro aspecto que não está bem na criança

autista é sua capacidade de socializar-se, de se interagir com o meio. Isto, muitas

vezes, dificulta a interação dos outros com o seu mundo autista. Essa recíproca

dificuldade pode acarretar no distanciamento e na exclusão da criança do ambiente

escolar, o que consequentemente, implicará nos problemas de aprendizagem,

podendo ser revertido mediante uma atenção e um método adequado.

Enquanto que o objetivo específico de verificar como os profissionais da educação

podem intervir/auxiliar na inserção de crianças autistas na escola, como foi retratado

pelos professores Brooks e Carlock, ambos apresentados na obra de Temple

Grandin. Podemos inferir que tais “personagens” são profissionais da

psicopedagogia. Além do aprendizado com Malher (1983) que trata a

pedagogização com crianças autistas como inadequada. Não se devem exigir

respostas prontas, aprendizado e conhecimento seguindo o padrão de normalidade

conhecido de uma criança “normal”. Pontuar, sem interpretar. Chamá-la sempre pelo

seu nome, dando-lhe um lugar, significado e status de sujeito. Seguindo o raciocínio,

não se pode desconsiderar que na relação com a criança autista, fantasmas internos

do psicopedagogo podem florescer, indicando-lhe seu próprio funcionamento

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psíquico, o que pode interferir no manejo do processo. São dois sujeitos. Porém, não

há entre eles relação transferencial, é a transferência do psicopedagogo que estará

em jogo. Este profissional não pode colocar a criança em posição de objeto, é ele

que deve ocupar um lugar de morto, tal como um analista, fazendo surgir a

alteridade. As autoras Malher (1983) e Azevedo (2009) sugerem a utilização do

recurso da música e não direcionar à criança olhando diretamente para ela.

As causas do autismo não são conhecidas, tampouco sua cura, ou mesmo sua

estrutura psíquica. Sabe-se que o autismo não se encontra nem no campo do

simbólico, nem do imaginário. Ele está no real. Resta-nos, então, o manejo, o

cuidado. Um cuidado, muitas vezes, difícil, pois não há uma receita pronta,

considerando não existirem duas crianças autistas iguais no mundo, da mesma

forma que não existem duas pessoas iguais. Cada experiência, uma nova

aprendizagem, um novo processo. Um processo considerado, por muitos, como

fadado ao fracasso, mas que deve ser investido com tentativas de acerto e êxito.

Mesmo assim, o profissional da psicopedagogia pode contribuir no sentido da

inserção e do aprendizado de crianças autistas no ambiente escolar

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