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Escola Estadual de Educação Profissional - EEEP Ensino Médio Integrado à Educação Profissional Curso Técnico em Agrimensura Psicologia do Trabalho

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Escola Estadual deEducação Profissional - EEEPEnsino Médio Integrado à Educação Profissional

Curso Técnico em Agrimensura

Psicologia do Trabalho

Governador

Vice Governador

Secretária da Educação

Secretário Adjunto

Secretário Executivo

Assessora Institucional do Gabinete da Seduc

Coordenadora da Educação Profissional – SEDUC

Cid Ferreira Gomes

Domingos Gomes de Aguiar Filho

Maria Izolda Cela de Arruda Coelho

Maurício Holanda Maia

Antônio Idilvan de Lima Alencar

Cristiane Carvalho Holanda

Andréa Araújo Rocha

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Técnico em Agrimensura

PSICOLOGIA DO TRABALHO

1

SUMÁRIO

Introdução ..................................................................................................................................................... 02

Histórico “a Psicologia como Ciência” .......................................................................................................... 03

O Conceito de Trabalho ............................................................................................................................... 06

Texto Reflexivo “Trabalho, Alienação e Exploração” ................................................................................... 12

Texto Reflexivo “A Crise da Sociedade do Trabalho” .................................................................................. 13

A Divisão Social do Trabalho ....................................................................................................................... 22

Valores e Atitudes ........................................................................................................................................ 28

Trabalho e Remuneração ............................................................................................................................. 30

Psicopatologias no Trabalho: Aspectos Contemporâneos .......................................................................... 33

As Transformações do Trabalho e do Acidente: Uma concepção Sociopsicológica ................................... 48

Psicologia do Trabalho ................................................................................................................................. 51

Abordagens Psicológicas ............................................................................................................................. 52

Psicologia no Trabalho – Bases do Comportamento Humano - Introdução ................................................ 53

Comportamento Operante X Respondente .................................................................................................. 55

Reforço Positivo e Negativo ......................................................................................................................... 56

A Punição ..................................................................................................................................................... 56

Motivação e Treinamento de Pessoal .......................................................................................................... 58

As Necessidades Psicológicas..................................................................................................................... 60

O Processo de Treinamento ........................................................................................................................ 62

As Relações Humanas e Dinâmica de Grupo .............................................................................................. 65

Desenvolvimento Interpessoal – Treinamento em Grupo ............................................................................ 69

Fundamentos da Psicologia Cognitiva do Trabalho..................................................................................... 71

As Comunicações ........................................................................................................................................ 77

As Regulações ............................................................................................................................................. 86

As Competências ......................................................................................................................................... 91

Texto de Apoio Nº 01 ‘Saúde Mental e Psicologia do Trabalho” ............................................................... 100

Qualidade de Vida no Trabalho - QVT ....................................................................................................... 106

Texto de Apoio Nº 02 “Contribuições da Andragogia na Educação para a Segurança ............................ 110

Psicologia do Desenvolvimento – Sigmund Freud..................................................................................... 116

Jean Piaget ................................................................................................................................................. 117

Lev Vigotsky ............................................................................................................................................... 118

Henri Wallon ............................................................................................................................................... 119

Burrhus F. Skinner ..................................................................................................................................... 120

Albert Bandura............................................................................................................................................ 120

Urie Bronfenbrenner ................................................................................................................................... 121

Bibliografia ..................................................................................................................................................... 51

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INTRODUÇÃO

A Segurança do Trabalho, enquanto ciência multidisciplinar, requer o estudo de muitas outras disciplinas como fundamentação, suporte e apoio às suas ações e entre elas, destacamos a Psicologia do Trabalho, pois pelo estudo e compreensão dessa ciência, podemos compreender melhor os diferentes tipos de comportamentos e personalidades observados nos trabalhadores, nas suas diferentes realidades e poder interferir de modo positivo a fim de identificar, prevenir e neutralizar potenciais situações de risco que possam levar os trabalhadores a provocar ou envolver-se em acidentes do trabalho que possam por em risco a sua vida, o patrimônio das empresas, o meio-ambiente ou a vida dos seus colegas.

VIDA DE GRUPO

“Vida de grupo dá frustração... Porque enquanto educando tenho de romper com minha acomodação quieta,

autoritária... esperando as ordens do educador... e quando elas não vêm, descubro que só eu posso lutar, conquistar, construir meu espaço...

O educador pode possibilitar o rompimento da quietude mas não a ação do

construir, do conhecer. Essa só o educando pode... Vida de grupo dá medo... Porque através do outro constato que sou dono do meu saber. Sou dono da

minha incompetência e portanto responsável pela minha busca-procura de conhecer, de construir minha competência.

Vida de grupo dá desânimo... Porque em muitas situações nos confrontamos com o caos: acúmulo de temas,

processos de adaptação, hipóteses heterogêneas... Cada situação nos demanda uma reestruturação... demanda uma procura de

forma original própria e única adequada ao novo momento. Vida de grupo dá muito trabalho e muito prazer... Porque eu não construo nada sozinho, tropeço a cada instante com os limites do

outro e os meus próprios, na construção da vida, do conhecimento da nossa história.”

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HISTÓRICO

A PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA

A Psicologia é uma ciência que estuda os comportamentos e processos mentais, partindo da sua descrição para a explicação desses comportamentos de modo a poder prever e controlar as respostas comportamentais

Tradicionalmente a psicologia foi referida como o estudo da Alma [psiquê + logos = mente + conhecimento], mas tal interpretação levou a informações erradas baseadas na fé e crenças populares bem como ao surgimento da parapsicologia.

Como atingir o estatuto de ciência?

Esta a questão que se colocou nos finais do século XIX à Psicologia e que obteve respostas diferenciadas, levando diversos autores a definirem objetos e métodos específicos, consoante os problemas estudados.

Os caminhos possíveis para a Psicologia:

• Estudar a consciência ou os comportamentos ? • Os comportamentos são inatos ou adquiridos ? • Estudar os fatos isolados ou numa perspectiva de conjunto ?

Analisando o sofrimento mental do trabalhador como resultado de uma má adaptação do homem ao meio (trabalho) podemos, numa análise mais ampla, concluir que os acidentes ou o adoecimento podem ser resultantes de uma condição inadequada de produção ou de distúrbios de comportamento coletivo do conjunto da classe trabalhadora ou de alguns indivíduos, apresentando uma estreita relação entre o modo de trabalhar e suas condições de vida.

Daí a importância de se estudar a Psicologia do Trabalho como ciência e como

forma de melhorar a produtividade garantindo a sanidade mental dos trabalhadores e sua integridade física.

Esse é o primeiro e maior de todos os mitos relacionados com a Psicologia, defendido conjuntamente por cristãos e não cristãos: a psicoterapia (incluindo aconselhamentos psicológicos com todas suas técnicas e teorias), é uma ciência - o jeito de se entender e socorrer a humanidade, com base em evidências concretas, colhidas de dados consistentes e mensuráveis.

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Ao estudarmos a Palavra de Deus, descobrimos que homens e mulheres de Deus buscam sabedoria e conhecimento em ambos: a Palavra revelada e o mundo físico. Paulo ensina que todos nós somos responsáveis diante de Deus por causa da evidência que a criação dá de Sua existência:

Estudo científico é um caminho válido para se entender as obras de Deus e pode perfeitamente ser usado com enorme benefício em muitas áreas da vida. Ciência verdadeira desenvolve teoria com base em observações. Ela examina cada teoria com rigorosidade para testar se se descreve realidade científica como resposta. O método científico é posto em evidência quando se observam e registram dados comprováveis para chegar a uma conclusão que vai confirmar ou anular a teoria.

Durante a metade do século XIX, filósofos quiseram estudar a natureza humana, aplicando métodos científicos para a observação, registro e tratamento do comportamento humano. Eles criam que se o ser humano pudesse ser estudado sob uma perspectiva comprovadamente científica, sem dúvida teríamos uma fórmula precisa para entender o comportamento presente, predizer o comportamento futuro e alterar os possíveis desvios provenientes da utilização de ferramentas científicas.

Psicologia, em seu maior expoente, a Psicoterapia, tem-se gabado de ocupar uma postura científica. Entretanto, do ponto de vista estritamente científico, ela não tem alcançado, nem de perto, as condições para se enquadrar no campo da ciência.

Na tentativa de avaliar o status da Psicologia, a Associação Psicológica Americana apontou Sigmundo Koch para planejar e dirigir um estudo que foi subsidiado pela Fundação Nacional da Ciência. Esse projeto envolveu 80 dos mais destacados estudiosos que deveriam pesquisar e comparar os fatos, teorias e métodos da Psicologia. Os resultados foram publicados numa série de 7 volumes intitulada Psychology: a Study of Science. A equipe escreveu sobre a ilusão de considerar Psicologia como ciência, nestes termos:

Devido a insistência de se atribuir qualidades científicas à Psicologia, elevando assim a sua credibilidade, a esperança de uma ciência psicológica tornou-se quase indistinguível do fato em si. A história inteira da Psicologia pode ser vista como um intento ritualista de se apropriar dos métodos da ciência a fim de sustentar que a Psicologia é científica.

Koch ainda afirma que "através da história da Psicologia como ciência, o que se tem podido ver como resultado não passa de uma coleção desordenada de dados, sem uniformidade e com resultados caracterizados pelo insucesso, o que não é condizente com os princípios claros e definidos da ciência."

O fato é que aquelas afirmações que descrevem o comportamento humano ou apresentam os resultados provindos de pesquisas comprováveis, podem ser tidas como científicas. No entanto, quando nos movemos do ponto de descrever esse comportamento para o de explicar e tentar mudar isso, nós deixamos o campo da ciência e adentramos o da opinião.

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A mudança de descrição para prescrição é sinônimo de mudança de objetividade para a opinião subjetiva, e opinião sobre o comportamento humano, quando apresentada como sendo absoluta, e conseqüentemente um fato científico, é meramente a evidência clara de uma pseudociência. As diversas opiniões serão resultantes de premissas incertas (opiniões, explanações subjetivas, suposições) o que leva direto a falsas conclusões.

O Dicionário define pseudociência como "um sistema de teorias, suposições e métodos erroneamente tidos como científicos."3 Pseudo ciência ou pseudocientismo inclui o uso de rótulos científicos para proteger e promover opiniões que não são, na sua inteireza, comprováveis ou refutáveis (são confusos). Psicoterapia serve para ilustrar a idéia de pseudociência: se ela tivesse se aprovado como ciência, nós te damos hoje um consenso entre os profissionais a respeito dos problemas comportamentais provenientes das nossas desordens psico-emotivas e como tratá-las. A verdade é que este campo está cheio de teorias e técnicas contraditórias, que quando postas lado a lado expressam a confusão que nega a possibilidade de ser enquadrado no campo da ciência onde a lei da comprovação é imperativo absoluto.

Com tudo isso, a Psicoterapia cresceu e tem crescido muito, apresentando incontáveis explicações a respeito do homem e seus problemas comportamentais. O psicólogo Roger Mills, no seu artigo "Psicologia é insana quando quer fazer-se ciência", escreve:

O campo da Psicologia hoje é literalmente uma confusão. O número de técnicas, métodos e teorias se iguala ao número de terapeutas. Eu tenho visto, pessoalmente, terapeutas convencerem seus clientes de que todos os seus problemas vieram de sua infância, de seus pais, das estrelas, da dieta que adotaram, de seu estilo de vida, de seu passado.4

Com mais de 250 sistemas diferentes de psicoterapia, cada um proclamando superioridade sobre os demais, é difícil de ver um resultado que confirme a pressuposição de que Psicoterapia tenha alguma coisa a ver com ciência.

Os atuais fundamentos da psicologia não são científicos, mas sim a junção de vários pontos de vista filosóficos, especialmente envolvidos com determinismo, comportamento, humanismo, existencialismo e até mesmo evolucionismo. O psiquiatra famoso, E. Fuller Torrey, desabafou-se contra isso com palavras contundentes:

As técnicas usadas por psiquiatras ocidentais estão, com raríssimas excessões, no mesmo nível das técnicas usadas pelos doutores de bruxaria.

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O CONCEITO DE TRABALHO

No dicionário de ciências sociais lemos que o homem se colocou acima do reino animal pelo fato mesmo de sua capacidade criadora; foi definido com muito acerto como “o animal que produz”. Mas o trabalho não é para o homem apenas uma necessidade inevitável. É também o seu libertador em relação à natureza, seu criador como ser social e independente. No processo de trabalho, isto é, no processo de moldar e mudar a natureza exterior a ele, o homem molda e modifica a si mesmo.

Dos primórdios da Humanidade até aos nossos dias o conceito “trabalho” foi sofrendo alterações, preenchendo páginas da história com novos domínios e novos valores. Do Egito à Grécia e ao Império Romano, atravessando os séculos da Idade Média e do Renascimento, o trabalho foi considerado como um sinal de opróbrio, de desprezo, de inferioridade. Esta concepção atingia o estatuto jurídico e político dos trabalhadores, escravos e servos. Com a evolução das sociedades, os conceitos alteraram-se. O trabalho-tortura, maldição, deu lugar ao trabalho como fonte de realização pessoal e social, o trabalho como meio de dignificação da pessoa.

Começamos por apresentar alguns significados das palavras «trabalho» e

«trabalhar» de acordo com o que é definido por um dicionário da língua portuguesa. «Trabalho» significa: “exercício de atividade humana, manual ou intelectual, produtiva”; “serviço”; “lida”; “produção”; “labor”; “maneira como alguém trabalha”. «Trabalhar» é “exercer alguma profissão”; “dar determinada forma a”; “fazer com arte”; “labutar”; “empenhar-se”; “executar alguma tarefa”; “desempenhar as suas funções”.

Apresentamos também uma breve abordagem histórica do conceito «trabalho». BREVE ABORDAGEM HISTÓRICA DO CONCEITO «TRABALHO» Segundo R. Cabral (1983), a palavra «trabalho», na sua origem etimológica,

significa “tripalium, instrumento de tortura composto de três paus ou varas cruzadas, ao qual se prendia o réu” (p. 1774).

Segundo Lobo (2004), a necessidade da delimitação de tal fronteira no que se refere à proteção de trabalho de menores vai de encontro àquelas situações especiais em que “o velho prolóquio de Larcordaire merece acolhimento, funda detença e larga consideração: entre o rico e o pobre e o forte e o fraco é a Lei que liberta e a liberdade que mata” (p.4).

A palavra «trabalho», esclarece o historiador Jacques Le Goff, não existia antes

do século XI. De acordo com Godelier, citado por Correia (1999), o significado da palavra «trabalho», conhecido como “obra a fazer, ou execução de uma obra”, surge somente nos finais do século XV e o significado da palavra «trabalhador» aparece nos finais do século XVII.

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No século XVIII, o trabalho aparece como uma actividade que implica um esforço

penoso. Aliás, José Alberto Correia (1999) refere esta noção sublinhando que ela está “relacionada com significados que nos referenciam o exercício de atividades penosas”.

Para Brito Correia (1981), “a palavra trabalho é usada correntemente com vários

sentidos: a) Esforço ou aplicação para fazer uma coisa, ou como ‘ação que altera a natureza ou a forma de uma coisa’ (Larousse); neste sentido, também um animal pode prestar trabalho; b) Atividade manual ou intelectual própria do homem, frequentemente (mas não necessariamente) penosa e dirigida a um fim útil: não de mero prazer ou como jogo, mas para ganhar a vida (por necessidade); neste sentido, o trabalho contrapõe-se a actividades realizadas por amor do próximo (caridade), para alcançar prestígio (um lugar na vida social), por amor à Pátria (caso do soldado voluntário) ou para glória de Deus (caso dos religiosos);

c) Produto ou resultado dessa atividade (é o sentido usado quando se diz que se vai ‘entregar um trabalho’);

d) Emprego, colocação, lugar ou posto de trabalho;

e) Coletividade dos trabalhadores, isto é, daqueles que se encontram numa particular ‘relação de produção’ ou pertencem a certa classe social; é usado por exemplo, na expressão ‘o capital e o trabalho’ ”(p. 3). De acordo com Giddens (1997), “podemos definir o trabalho como a realização de

tarefas que envolvem o dispêndio de esforço mental e físico, com o objectivo de produzir bens e serviços para satisfazer necessidades humanas” p. 578).

Ariès e Duby (1989) referem que, “o trabalhador era considerado socialmente

inferior, mas também um ser ignóbil” (p. 124). Estes autores referem também que são necessárias algumas chaves de leitura para a compreensão das atitudes antigas perante o trabalho: o desdém pelo seu valor significava desdém social pelos trabalhadores.

Este desdém manteve-se até perto do tempo d’A Cartuxa de Parma; depois, para manter a hierarquia das classes sociais, reduzindo sempre os conflitos, foi necessário saudar no trabalho um verdadeiro valor e um valor de todos; foi a paz social dos corações hipócritas. O mistério do desprezo antigo pelo trabalho reside muito simplesmente no fato de os acasos da guerra social não terem ainda conseguido este provisório armistício de hipocrisia. Uma classe social, orgulhosa da sua superioridade, canta a sua própria glória (é isto a ideologia) (p.124).

De acordo com os mesmos autores, a partir de Marx e Proudhon, a noção de

trabalho tornou-se um valor social universal, um conceito filosófico.

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Poder-se-ia dizer que o «trabalho», tal como hoje o descrevemos, é historicamente recente. O trabalho é fonte de riqueza dos países. As sociedades desenvolveram-se, desde sempre, através do trabalho produzido por agricultores, pescadores, comerciantes, artesãos e operários.

Há uma característica comum, relativamente ao trabalho, que atravessa todos os

tipos de sociedades, desde a escravagista até à industrial passando pela feudal: a subordinação de quem vive do trabalho prestado a outrem, quer seja rei, imperador, senhor feudal, industrial ou entidade patronal. A História mostra-nos que só os países que se organizaram e apostaram nas forças de trabalho atingiram patamares de bem-estar elevados, mas sempre por força daqueles que produziram a riqueza - os trabalhadores. Foi com a Revolução Industrial que a ideia de subordinação de quem vive do seu trabalho se acentuou e que a dependência daqueles que têm como único meio de subsistência os rendimentos do trabalho se efectivou. Consequentemente, ganham expressão as novas necessidades de protecção, uma vez que com a produção industrial em grande escala, os operários deixaram de ter outra fonte de rendimento que não fosse a sua força de trabalho.

Face a esta realidade de dependência econômica, emergiu a necessidade de

assegurar normas de protecção àqueles que, por razões de sobrevivência, ficavam coarctados na sua liberdade de escolha, de decisão.

As primeiras leis protetoras dos trabalhadores por conta de outrém aparecem em

tempos diferentes, de acordo com o grau de desenvolvimento e de capacidade de organização desses trabalhadores. Os trabalhadores constituem a parte mais débil na relação de trabalho. As leis, enquanto normas de protecção dos trabalhadores, são factor de combate à exploração a que os mesmos estão sujeitos.

No seu conjunto, e sobretudo nos países do Norte da Europa, há uma

evolução histórica positiva desde uma situação de proletarização, característica de todo o século XIX, até àquilo que vem a configurar um novo mundo do trabalho em que se vão conquistando melhores condições de vida, de trabalho e de protecção social.

À época da Segunda Guerra Mundial, muitos destes avanços sociais

cristalizaram, abrindo-se, no entanto, uma frente importante de afirmação teórica e prática do direito ao trabalho.

Em Portugal, as primeiras leis protetoras foram publicadas na última década do

século XIX, dirigidas às mulheres e aos menores. Tiveram como fundamento razões higieno-sanitárias, dado que na época da sua publicação as condições de trabalho, de higiene e de sanidade eram de tal forma graves que constituíam um perigo para a saúde pública, e em particular para o desenvolvimento das crianças e das próprias mulheres, tendo em conta a sua função genética na reprodução da espécie.

Foi na linha da proteção dos trabalhadores que esteve a origem da Organização

Internacional do Trabalho (OIT), criada em 1919, em consequência do Tratado de Versalhes, desenvolvendo intensa atividade normativa daí para cá. A Convenção n.º 1 sobre a Duração do Trabalho na Indústria foi publicada nesse mesmo ano de 1919.

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A criação de todos estes instrumentos de proteção não significava que estava

tudo resolvido e que as condições de trabalho fossem as ideais. Convém lembrar que se tratava do trabalho em cadeia, massificado, com ritmos

de produção acelerados e com controlo apertado, o que só por si caracteriza bem a faceta desumanizadora da época. Hierarquizando: não são as pessoas a prioridade, mas a racionalidade econômica a máxima expressão. Segundo Rebollar (1998), a racionalidade económica triunfou de tal modo - convertendo a pessoa que trabalha em produtor-consumidor, ainda que com perda da sua autonomia - que superou a necessidade que teve no princípio de recorrer à repressão. Esta técnica que tipifica a publicidade comercial, passava por persuadir os indivíduos de que os consumos que lhes eram propostos compensavam os sacrifícios a que teriam de se sujeitar para a obtenção de tais bens, e que estes constituiriam um nicho de felicidade privada que lhes permitia afastarem-se da “sorte” comum. Por outro lado, o Estado protetor, o Estado providência oferecia ao trabalhador-consumidor umas compensações sociais pela perda da sua autonomia. Estas compensações assumiam a forma de direito a prestações e a serviços sociais.

Com a evolução das sociedades também os conceitos evoluem. Assim o trabalho

adquire um novo sentido associado à criação de valores úteis. Segundo Manuel Carvalho da Silva (2000), “assume-se a problemática do trabalho tomando este como valor, ou seja, considerando que a sociedade actual sobre a qual nos debruçamos tem o trabalho como referência estrutural e estruturante” (p.39). O mesmo autor considera, ainda, que o conceito «trabalho» é, atualmente, alvo de reflexão necessária e profunda, dado que se assiste a uma grande mutação no que diz respeito às formas de prestação de trabalho.

O Papa João Paulo II (1989) refere que:

Com a palavra trabalho é indicada toda a atividade realizada pelo mesmo homem, tanto manual como intelectual, independentemente das suas características e das circunstâncias, quer dizer, toda a atividade humana que se pode e deve reconhecer como trabalho, no meio de toda a riqueza de actividades para as quais o homem tem capacidade e está predisposto pela própria natureza, em virtude da sua humanidade (p. 7).

Para a Liga Operária Católica - Movimento de Trabalhadores Cristãos – LOC/MTC “o trabalho humano é a chave essencial de toda a questão social” e, por isso, ele constitui o centro das suas prioridades na acção que desenvolve.

� Trabalho justo � Trabalho digno � Trabalho reconhecido

Por “trabalho justo” entende-se, geralmente,” salário justo”.

O salário para ser justo implica ser calculado de forma a permitir uma vida digna para o/a trabalhador/a e sua família.

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O cálculo remuneratório deve integrar os esforços inerentes a esse trabalho, os

riscos que comporta para a saúde e o tempo necessário para a sua execução. “O trabalho deve ser remunerado de tal modo que permita ao homem e à família

levar uma vida digna, tanto material ou social, como cultural ou espiritual, tendo em conta as funções e a produtividade de cada um, e o bem comum”. (G.S.,67)

Quando se refere “trabalho digno”, significa que se fala de “condições de

trabalho”. Trabalhar sem quaisquer constrangimentos, nem discriminações, em razão do sexo, da etnia ou de qualquer minoria. Significa também o exercício pleno da liberdade cívica, como poder reunir-se em associações, sem que daí decorram quaisquer prejuízos para quem nelas participe. Implica ainda proteção da saúde, acesso à segurança social, estabilidade de emprego e um horário e um ritmo de trabalho que lhe permita ao trabalhador e à trabalhadora sentir-se bem e planificar a sua vida.

“É corrente, mesmo em nossos dias, tomarem-se os trabalhadores, em certo

sentido, escravos do próprio trabalho. O que, de nenhum modo, é justificado pelas chamadas leis econômicas. Importa, portanto, adaptar todo o processo de trabalho produtivo às necessidades da pessoa e às suas condições de vida; sobretudo da vida doméstica, em particular no que se refere às mães de família, tendo sempre em conta o sexo e a idade. Facilite-se aos trabalhadores a possibilidade de desenvolverem as suas qualidades e a sua personalidade no próprio exercício do trabalho. Depois de haver aplicado a um trabalho o seu tempo e as suas forças, de uma maneira conscienciosa, todos devem gozar de um tempo de repouso e de descanso suficiente para se dedicarem à vida familiar, cultural, social e religiosa. Devem ainda ter possibilidade de desenvolver livremente faculdades e capacidades, que, no trabalho profissional, não puderam desenvolver muito, por falta de oportunidade”. (G.S. 67).

O trabalho reconhecido significa que quem trabalha deve poder fazer a

experiência de sentir que o seu trabalho é reconhecido e valorizado. Isto é válido não só para o trabalho remunerado, mas também para as numerosas actividades não remuneradas – tradicionalmente assumidas pelas mulheres - tais como tarefas domésticas, prestação de cuidados a crianças, pessoas portadoras de deficiência, pessoas idosas, atendimento a situações de dependência transitória ou prolongada e variadas atividades cívicas e de voluntariado. Daqui surge a chamada “tríade do trabalho”:

- Trabalho remunerado, aquele que é geralmente reconhecido e valorizado. - Trabalho em casa (lides domésticas, educação dos filhos, prestação de

cuidados a doentes e idosos) - Trabalho social (atividades cívicas e de voluntariado), na saúde, na educação,

na cultura, no desporto, na vida associativa… Os dois últimos, porque não são remunerados, também não são valorizados.

Vejamos, por exemplo, as pessoas que trabalham em casa (geralmente mulheres) não têm acesso à segurança social, além de não terem uma remuneração. Do mesmo modo,

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numerosas atividades cívicas e de voluntariado poderiam e deveriam ser remuneradas. Muitas das atividades que hoje são remuneradas começaram por ser “voluntárias”, por exemplo nas Instituições Particulares de Solidariedade Social - IPSS.

A abordagem que aqui apresentamos sobre o conceito de trabalho, provém da reflexão de vários autores. Nela não se limita o conceito de trabalho ao trabalho remunerado como acontece na generalidade com os aparelhos estatísticos, quadros legais e na literatura científica. Na opinião de Heloísa Perista, se restringíssemos o conceito de trabalho apenas à idéia de salário ou pagamento, estávamos a excluir uma parte significativa do trabalho, com particular peso para o trabalho exercido pelas mulheres e que não tem visibilidade na sociedade. Trata-se de “todo o trabalho não pago associado à reprodução, ligado à execução de tarefas domésticas e de prestação de cuidados; tarefas às quais não é atribuído valor social ou econômico e que não são sequer reconhecidas como trabalho”(p.102).

Refletir sobre o conceito de trabalho implica levantar questões à sociedade sobre a sua organização, sobre o funcionamento da economia, das relações laborais e do mercado. Implica ainda questionar a divisão tradicional entre as esferas privada e pública.

Refletir sobre o conceito de trabalho, é refletir sobre os modelos dominantes ao

nível das relações sociais de gênero e o questionamento sobre os princípios e fundamentos da igualdade entre mulheres e homens. A conciliação entre vida pessoal, familiar e profissional é, então, outra das vertentes que não pode deixar de integrar o questionamento sobre uma nova atitude, um novo olhar sobre o trabalho humano.

Na opinião do grupo de trabalho “Economia e Sociedade” coordenado por

Manuela Silva “a conciliação entre o trabalho familiar, o trabalho criativo e o trabalho comunitário com o trabalho mercantil, assalariado ou não, constitui um dos desafios que temos que enfrentar, neste começo de novo século e milênio, quando a prática é generalizada os adultos de uma mesma família procurarem trabalho na atividade econômica. Como lembra João Paulo II: «Dado que temos condições históricas para o conseguir (…) é tempo de introduzir uma nova cultura do trabalho com uma melhor gestão e equilíbrio entre trabalho remunerado e socialmente útil, trabalho e repouso, com uma nova perspectiva sobre as relações humanas e a convivibilidade e uma conversão de estilos de vida e de comportamento de consumos supérfluos e mesmo nocivos» (CA, nº 36).

Sistematizando as contribuições diversas apresentadas até o momento podemos destacar os seguintes elementos constitutivos do trabalho:

a) pressupõe uma ação; b) realizado por homens e mulheres; c) com determinado dispêndio de energia; d) dirigido para um fim determinado e conscientemente desejado; e) exige sempre o uso da inteligência; f) com um auxílio instrumental e g) que, de algum modo produz efeitos sobre a condição do agente.

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Trabalho, Alienação e Exploração

Rodrigo Gurgel Escritor e editor.

O presente texto foi extraído do Caderno do Aluno – Trabalho e Tecnologia, Programa Integrar CNM-CUT (1998)

Em algum momento da evolução humana, ainda não determinado pelos arqueólogos e

antropólogos, o homem – ou seu ancestral –, motivado por algum tipo de dificuldade, observou demoradamente a natureza que o circundava, escolheu um ponto determinado – uma árvore, uma curva de rio, um animal, uma pedra –, mentalmente interrogou-se sobre como poderia transformá-lo de maneira a conseguir resolver seu problema e, após elaborar um plano mental, debruçou-se sobre aquela parcela da natureza e transformou-a segundo a sua necessidade.

Assim nasceu o trabalho, essa atividade proposital, orientada pela inteligência, e produto,

unicamente, da espécie humana. Atividade que não se limita apenas a transformar o material sobre o qual o homem decide operar, mas que busca imprimir nele o projeto que, conscientemente, o ser humano tem em mira.

Para nós, acostumados à civilização do trabalho, na qual a variedade de mercadorias criadas

pelas mãos humanas parece ter chegado a números quase incalculáveis, talvez fique difícil compreender a força e a energia que, naquele momento do nosso passado, foram desencadeadas. Mas, a partir do instante no qual o trabalho deixou de ser uma mera atividade do instinto, passando a ser o reflexo de um plano previamente elaborado, ali teve início a espécie humana, com sua capacidade original e única de transformar a realidade de acordo com os seus desejos. De lá para cá, ela vem criando e recriando não somente o mundo, mas também a sua própria forma de ser e de se comportar.

Cada ser humano é, portanto, proprietário de uma parte da força de trabalho total da comunidade,

da sociedade e de toda a nossa espécie. Força essa que se inclui numa categoria especial, diferente de todas as outras, pelo simples fato de ser humana (pois é um recurso exclusivo da nossa espécie).

Assim, é impossível e inaceitável confundir essa força com qualquer outro meio existente de se

executar tarefas, ainda que os patrões insistam em tratar o vapor, a energia elétrica, os animais, o diesel, a energia solar ou das águas e a força humana como se fossem equivalentes, pois para eles o que interessa é apenas o resultado da produção, ou seja, o lucro.

O trabalho, em sua forma original, passou por séculos de transformação – das formas primitivas

de artesanato e agricultura, até as corporações de ofício da Idade Média, chegando às modernas fábricas – até atingir o complexo sistema de exploração que hoje conhecemos.

Do século XIII, período no qual o capitalismo começou a ser gerado, até os dias de hoje, em pleno

século XXI, o trabalho organizou-se, estruturou-se e alcançou níveis de especialização e lucro nunca imaginados. Pois os processos de trabalho, nos diferentes ramos da economia, têm sido incessantemente transformados pelos patrões, que buscam sempre uma maior acumulação de capital. Contudo, é importante não esquecer que, para o trabalhador que vende a sua força de trabalho, essas transformações nunca representaram algum tipo de melhoria ou ganho duradouro e significativo.

Se, num primeiro momento, ao vender sua força de trabalho para os patrões, aceitando apenas

apertar sempre os mesmos parafusos da linha de produção, o trabalhador é alienado da sua capacidade de criação, da sua capacidade de inventar, depois, quando os mesmos patrões desejam aumentar a produção – ou à medida que os meios de produção se aperfeiçoam –, essa alienação é aprofundada e ampliada, ganhando inclusive contornos científicos.

É o que ocorreu, por exemplo, com a adoção, nos meios industriais, das teorias que propõem

diversos sistemas de normas para o controle e o aumento da produção, conhecidas como fordismo e taylorismo. Se já não havia mais o uso da mente no trabalho – “isso consome tempo”, dizem os patrões –, agora os processos físicos também são executados cegamente, sob o comando dos outros; tudo é cronometrado e os movimentos dos trabalhadores são medidos e reprimidos. O trabalhador se torna, ele próprio, um parafuso ou uma alavanca.

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No mundo injusto do trabalho, um grupo em particular é duplamente atingido: as mulheres, cuja

maioria, após enfrentar a jornada de trabalho na fábrica, vê-se obrigada, por injustos padrões culturais e sociais, a desempenhar uma segunda jornada de trabalho, dedicada aos serviços domésticos. Como se ainda não fosse suficiente, enfrentam também a segregação do emprego – os melhores postos são sempre ocupados por homens – e a segregação salarial – pois mesmo desempenhando funções iguais, as mulheres recebem, na maioria dos casos, salários menores. Dessa forma, as relações de trabalho acabam por reforçar as desigualdades de gênero, que se reproduzem no interior da classe social e desunem homens e mulheres em nome de velhas e ultrapassadas formas de patriarcalismo.

A necessidade de submeter o trabalhador ao trabalho em sua forma capitalista tornou-se um

aspecto permanente da nossa sociedade. Assim, a transformação de homens e mulheres em “força de trabalho”, meros instrumentos do capital, é um processo incessante e interminável. A situação é humilhante para os trabalhadores, seja qual for o seu salário, porque viola as condições humanas do trabalho.

Contudo, homens e mulheres, ainda que explorados, não são completamente destruídos como

seres humanos, preservando suas inteligências e seu poder de crítica e contestação. Serão sempre, portanto, em algum grau, uma ameaça ao capital, por mais enfraquecidos e diminuídos que estejam.

A CRISE DA SOCIEDADE DO TRABALHO

O mundo do trabalho em mutação: as reconfigurações e seus impactos Por Marco Aurélio Santana

Introdução

As últimas três décadas do século XX foram palco de transformações rápidas e radicais que varreram a sociedade contemporânea e cujas reverberações vão sendo sentidas até hoje. Podemos dizer que as épocas de crise e de mudança sempre se prestaram ao aparecimento de prognósticos e avaliações que, por estarem embasados em uma realidade movediça,muitas vezes, acabam por indicar mais as desesperanças ou expectativas dos avaliadores do que cenários realmente existentes. Nos dias atuais, temos, no mercado de análises, um espectro de posições bastante díspares acerca das transformações sofridas pela sociedade em geral e pelo mundo do trabalho em particular. Tais análises têm como um dos dados principais de diferenciação a qualificação dos cursos e sentidos dessas mudanças. Para onde nos levariam? Este artigo visa a indicar alguns eixos das transformações contemporâneas no mundo do trabalho e seus impactos na vida social. Nesse sentido, tomaremos como foco as mudanças nos processos de trabalho, nas formas de contratação e regulação do trabalho e aqueles que seriam seus novos requerimentos em termos de qualificação dos trabalhadores. Mudanças no cenário global As transformações no mundo do trabalho vêm afetando, de modo intenso, as sociedades industriais em todo o mundo. Formas de produção, consideradas superadas pelo desenvolvimento de um capitalismo monopolista, retornam numa outra dimensão, reincorporadas a uma lógica de acumulação que enfatiza a competitividade e a qualidade. O processo de reestruturação das atividades produtivas, principalmente a partir da década de 1970, inclui inovações tecnológicas e novas formas de gestão da força de trabalho. O resultado tem sido um aumento significativo nos índices de produtividade, profundas alterações no relacionamento entre as empresas e nas formas de organização da produção, interferindo nas relações de trabalho e no processo de negociação com as instituições de defesa dos trabalhadores. Essa reestruturação, no entanto, vista por muitos como inevitável na racionalidade do mercado, tem trazido também graves problemas sociais quanto ao nível de emprego e à garantia dos direitos conquistados pelos trabalhadores ao longo do século XX. Ao mesmo tempo que os índices de desemprego se tornam

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elevados, inclusive nas economias centrais, em muitos países do mundo, se aplica uma política de desmantelamento da ação do estado nas áreas sociais. Nos países subdesenvolvidos, a flexibilização das relações de trabalho só faz aumentar o mercado de trabalho informal e o desemprego. Fala-se em globalização. da produção industrial. De fato, as empresas multinacionais, em busca de maiores taxas de lucro, estendem sua presença por regiões geográficas e econômicas que oferecem uma força de trabalho com salários baixos e menos dispêndios com benefícios sociais. No que se refere a inovações tecnológicas e de gestão, estratégias derivadas do chamado modelo japonês., embora efetivas em apenas algumas grandes empresas no próprio Japão, vêm sendo anunciadas como solução para todos os males resultantes da falta de competitividade e das dificuldades no controle da força de trabalho. Novas formas de gestão se associam ao anúncio da modernidade.. No Brasil e na América Latina, aparecem como o caminho inexorável da produção industrial e expressões, como qualidade total., just in time, etc. passam, de repente, a fazer parte do vocabulário das empresas, que impingem aos trabalhadores um discurso .civilizador. sobre a necessidade de aderir aos novos tempos. A exigência de maior competitividade vem introduzindo estratégias de racionalização e redução de custos com sérias conseqüências para os níveis de emprego. Postos de trabalho, que tradicionalmente garantiam estabilidade, se reduziram drasticamente. A insegurança passou a fazer parte do cotidiano do assalariado que detém algum tipo de emprego formal. Formas precárias de trabalho, de subcontratação, passaram a ser utilizadas como norma, incorporando-se às práticas das empresas. Fragilizou-se a instituição sindical como representação legítima dos trabalhadores. O desemprego adquiriu dimensões mais amplas, mudando hábitos e trazendo pobreza e desesperança, e o trabalho informal tornou-se uma alternativa freqüente para os excluídos do mercado de trabalho formalizado, principalmente nos países subdesenvolvidos. De forma bastante esquemática, poderíamos indicar, à guisa de introdução, as principais transformações na esfera produtiva: em um cenário crescentemente globalizado, de abertura de mercados e de forte competição internacional, as unidades produtivas de grande porte ficam mais enxutas. e aumentam a produtividade (a chamada lean production); a atividade produtiva passa a exigir trabalhadores polivalentes/flexíveis que, de posse de ferramentas flexíveis, teriam como resultado de seu trabalho um produto flexível; a parcela do trabalho fora do .foco. principal da empresa passa a ser subcontratada de outras empresas (ou terceirizada); o setor industrial perde volume diante do setor de serviços e a flexibilização das atividades produtivas leva também a um aumento da precarização nos contratos de trabalho; na esfera sociopolítica, os sindicatos passam a lutar para se desvencilhar de uma realidade marcada pelo grande porte, pela exterioridade às empresas, pela rigidez e pelo enfrentamento direto, que os estava levando a uma diminuição na sindicalização e a uma dificuldade de competir em velocidade e adequação aos impasses trazidos pela nova realidade. Junte-se a isso o desemprego e a informalização que corroem grandemente o poder de agenciamento das instituições sindicais. Em meio a tantas mudanças, nem mesmo a idéia de Estado permaneceu intocada. Pelo menos desde o segundo pós-guerra, era visão corrente a idéia de que o Estado deveria cumprir não só tarefas referentes ao controle e regulação da economia, mas também de assegurar bem-estar social aos cidadãos (daí o nome welfare state), o que o sobrecarregaria de outros atributos redistributivos. Foi através deste tipo de formulação que o Estado se encarregou do que seriam encargos sociais ligados, por exemplo, à educação e à saúde. Nesse momento de crise da sociedade industrial, passa-se a argumentar que o Estado deve restringir sua intervenção na economia e nos setores sociais. O Estado de bem-estar social ou Estado Providência deveria ceder lugar a um novo formato de Estado, o chamado Estado mínimo. Segundo esta lógica, o Estado deveria reduzir sua inserção na economia, privatizando suas empresas, enxugando seus quadros e repassando ao setor privado a tarefa de gerir a economia sem muitas regulamentações que impedissem o livre trânsito econômico. Mais ainda, quanto ao que seriam as inserções sociais do Estado, deveria imperar a chamada lógica do mercado, de modo que deixasse de pesar sobre os ombros dos agentes econômicos e dos próprios cidadãos, tornando- se mais ágil e dinâmico. Com este quadro de transformações, Claus Offe lançou seu questionamento acerca da validade de se manter a centralidade da categoria trabalho como chave para o entendimento sociológico. Segundo ele, o trabalho estaria deixando de situar- se como o fato social principal. Dessa forma, as esferas do trabalho e da produção diminuiriam radicalmente sua capacidade de estruturação e de organização da vida social, abrindo espaço para novos campos de ação, caracterizados por novos agentes e por uma nova forma de racionalidade. Podemos perceber, então, que, diante desse novo contexto, exige-se cada vez mais explicações da parte dos atores envolvidos, e da parte dos pesquisadores que lidam com temáticas centradas, de alguma maneira, no mundo do trabalho. Em um momento no qual, em escala planetária, a humanidade passa por processos que levam a transformações materiais e simbólicas, a

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velocidade vertiginosa com que muda a realidade tem dificultado ainda mais a sua compreensão e interpretação. O quadro se agrava ao percebermos que se pode estar tentando este movimento com ferramentas teóricas ultrapassadas e que quaisquer formas de proposição e intervenção prático-política dependem de análises e conceituações mais precisas. A sociologia do trabalho, buscando dar conta das transformações quantitativas e qualitativas por que passa o mundo do trabalho, tem levantado uma série de hipóteses com relação às origens, o desenvolvimento e os destinos destas mudanças. Essas alterações foram conceituadas por uns como especialização flexível e por outros como um novo conceito de produção. Além disso, já foram analisadas pela escola da regulação francesa e pelos teóricos do pós-fordismo. O debate gira em torno da crise e continuidade do sistema de produção denominado fordismo, da emergência e vigência de uma nova forma produtiva, vinculada a novos padrões de demanda a especialização flexível . e dos limites e possibilidades de expansão desta nova forma produtiva, muitas vezes identificada com os processos que lhes serviram de base, o toyotismo ou o modelo japonês. Sobressai, no debate, a preocupação com o lugar dos trabalhadores em meio à turbulência atual. Uma grande atenção é dada ao processo de qualificação/desqualificação ao qual estariam submetidos os trabalhadores no processo produtivo, sobre o que se esperaria deles nesses novos processos, e como seriam suas formas de inserção. Além disso, para completar, que tipo de respostas os trabalhadores podem dar em um quadro como este? As interpretações oriundas de tais análises são importantes, na medida em que constroem um mapa que pode servir de orientação na leitura de processos em curso. As novas formas de gestãodo trabalho e da produção têm se implantado, ainda que, de forma desigual, ao redor do globo. Caberia discutir agora algumas linhas interpretativas das transformações mundiais e indicar de que forma as alterações nas lógicas da produção e do trabalho têm se dado na realidade brasileira. A crise do fordismo e a especialização flexível Os estudos voltados à temática do trabalho, tentando dar conta das transformações do sistema fordista, têm apresentado, para além de algumas especificidades, posições variadas que podem ser agrupadas em dois conjuntos: aqueles que defendem a existência de um movimento de superação do fordismo, apontando novos rumos possíveis; e aqueles que sustentam que as mudanças são uma readequação e um ajuste ante a crise do sistema produtivo. Ambas as posições concordam que as mudanças estão relacionadas com uma crise no sistema fordista. É neste contexto que se confrontam noções, tais como as de especialização flexível e de neofordismo, e que também se verifica que tanto o entendimento da crise como seus possíveis desdobramentos têm relação direta com a definição do que vem a ser o sistema fordista. Como lembra David Harvey (1993), a implantação do fordismo é muito mais complexa do que faz supor a mera apropriação do nome de Henry Ford para o processo. Sem desqualificar o papel de Ford que introduziu o sistema de um dia de trabalho de oito horas com o pagamento de cinco dólares aos trabalhadores da linha automática de montagem de carros de sua fábrica neste processo, ele, na verdade, articulou, de forma singular, certas tendências correntes à época. Para além do uso de inovações tecnológicas e organizacionais, bem como do formato corporativo nos empreendimentos de que Ford se apropriou e que já estavam em curso, muitos desde o século XIX, vale lembrar a apropriação que ele faz das idéias de Frederik W. Taylor, centradas na noção de administração científica. Taylor, julgando o trabalhador um ser indolente (natural ou intencionalmente), advogava uma radicalização do processo de separação entre a concepção e a execução do trabalho (à gerência caberia o trabalho intelectual, e ao trabalhador, o manual). Defendia uma decomposição minuciosa do processo de trabalho em movimentos e tarefas fragmentadas e rigidamente controladas pelo tempo, resultando em um maior grau de hierarquização e desqualificação no interior do processo de trabalho. Tudo isso, disposto em uma linha de montagem e com recompensa salarial separada do esforço empreendido pelo trabalhador. Desta forma, se articulam, como idéias formadoras da singularidade do fordismo, a separação entre concepção/execução, a fragmentação/ rotinização/ esvaziamento das tarefas; a noção de um homem/uma tarefa com especialização desqualificante; o controle do tempo de execução das tarefas estritamente orientadas por normas operacionais em um processo onde a disciplina se torna o eixo central da qualificação requerida; pouca ou nenhuma aceitação do saber dos trabalhadores, tendo em vista contribuir para a melhoria do processo produtivo, e, conseqüentemente, do produto; e produção em massa de bens a preços cada vez menores para um mercado também de massa. O exíguo aproveitamento do saber operário teria como rebatimento político-organizacional o fato de que os sindicatos, embora aceitos, fossem pensados sempre como corpos estranhos, essencialmente oponentes e externos à produção, e interessados em estimular o choque de interesses antagônicos entre empregadores e empregados.

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Por mais geral que seja a forma pela qual tentemos reconstruir as características do sistema fordista, dependendo do caminho escolhido, podemos refazê-lo de outras maneiras, acrescentando, retirando ou realçando certas noções. É exatamente pela distinção no entendimento da definição do sistema fordista, de sua crise e de seu destino que podemos lançar luz sobre as noções e posições no debate. Isso se faz mais facilmente tendo como pano de fundo aquilo que seria o paradigma da especialização flexível, sistema produtivo que teria superado o paradigma fordista ou pelo menos, em meio à crise, estaria em vias de superá-lo. Para além da sentida fluidez e amplitude na qualificação de processos que caracterizam a chamada especialização flexível levando-se ao risco de que esta própria conceituação permita dizer qualquer coisa que se deseje ., algumas características podem ser identificadas. Para este paradigma, tendo Michael Piore e Charles Sabel, no livro The second industrial divide (1984), como autores de ponta, a crise do sistema fordista foi deflagrada no pólo do sistema que é externo à produção, isto é, na demanda e no consumo, os quais, ao se instituírem sobre novos padrões de exigência, tornaram o fordismo obsoleto a partir de uma de suas bases. A produção em massa, verticalizada, de produtos estandardizados, teria se defrontado com mercados cada vez mais saturados. Não foi, porém, apenas neste nível que teria havido um estrangulamento. A partir dos anos de 1970, outros mecanismos institucionais que davam suporte ao sistema, como as formas creditícias e a própria noção de estado de bem-estar, só para dar alguns exemplos, também começaram a ser repensadas e restringidas. A resposta à crise não surgia de elementos totalmente inusitados; antes, viria de uma certa recuperação de formas produtivas que sucumbiram, sem se extinguirem, diante do sistema fordista. Aquilo que poderíamos chamar de sistema de manufatura, concorreu com idéias que se articulariam mais tarde no fordismo e, devido, sobretudo, à intervenção de ordem política, sustentada pela visão evolutiva com seu rebatimento tecnológico, acabou sendo derrotada, embora continuasse a existir ao longo do tempo em experiências isoladas. As idéias do sistema de manufatura, nesse novo contexto, auxiliariam teoricamente a compreensão das transformações pelas quais passamos e, na prática, se implementadas, poderiam levar à superação da crise da produção em massa. Se fizermos um recorte na teoria da especialização flexível e tomássemos, como indicamos, a saturação dos mercados e seus novos padrões de exigência como marco de partida, perceberíamos um dos pontos nodais de inflexão do sistema fordista. Sem seus amplos espaços de mercado, tendo que se adaptar à busca de nichos em um grau de concorrência extrema, as empresas teriam que produzir com versatilidade e qualidade. A produção de bens estandardizados precisaria buscar uma tecnologia, um complexo homem/máquina, flexível. Às máquinas e ferramentas flexíveis se agregariam trabalhadores flexíveis. A flexibilização no processo de trabalho imporia o deslocamento da relação um homem/um posto/uma tarefa e a aproximação das etapas concepção, execução e controle, baseando-se na incorporação progressiva da competência dos trabalhadores no processo produtivo. Ao trabalhador parcializado e semidesqualificado ou desqualificado do fordismo, se contrapunha o trabalhador coletivo., organizado em grupos ou .ilhas. que, com a redução da hierarquia gerencial no interior do processo e, muitas vezes, subsidiado pelo suporte microeletrônico, passa a ter sobre si a responsabilidade de agir qualificadamente sobre pontos diversos do processo. Estes ajustes se estabeleceriam também na estrutura das próprias firmas. Seria sensível uma desverticalização organizacional (desmembramento da empresa faz tudo), baseada na focalização em processos e produtos, com respectiva redução no porte e no número dos trabalhadores. Esta desverticalização ou, em muitos casos, descentralização (conforme ocorrido na experiência italiana), baseando-se na cooperação e na confiança, estabeleceria um vínculo interempresas, forçando uma relação mais estreita entre comprador e fornecedor; tendo como pontos principais as noções de qualidade e rapidez, esta última fundamental, tendo em vista que um dos aspectos essenciais do processo é o just in time, isto é, a capacidade de operar com estoques reduzidos de matéria-prima com inputs regulados no tempo. Tendo em vista a inter-relação e a velocidade das trocas e dos fornecimentos, a proximidade geográfica tornou-se ponto essencial, e a constituição de distritos industriais passou a ser uma tendência mundial. Como exemplo destes procedimentos, temos as experiências concretas das pequenas e médias empresas da região da Emilia Romana, a chamada Terceira Itália.; da planta da Volvo, em Kalmar, na Suécia; e do fenômeno mais marcante, a experiência da Toyota, no Japão. Conforme já assinalamos, este tipo ideal de desenvolvimento industrial, puro na teoria, possui forma híbrida na realidade. Nesses termos é que vários autores percebem uma série de possibilidades de implantação e coabitação de processos produtivos. Se a noção de especialização flexível, de alguma forma se encontra presente nas condições identificadas com o chamado pós-fordismo, ela não o esgota. Um problema é que as chamadas teorias pós-fordistas são tratadas homogeneamente, não se dando atenção suficiente às suas diferentes raízes e implicações.

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Processo de trabalho e qualificação: da degradação às competências O debate acerca das modificações no mundo do trabalho tem, como um de seus pontos centrais, aquele que se refere ao papel desempenhado pelos trabalhadores no processo produtivo. As mudanças em curso abriram uma série de indagações acerca dos impactos que trariam para as funções operárias na produção. O livro Trabalho e Capital Monopolista (1977), de Harry Braverman, serviu, ao longo de muitos anos, como lente de análise para a compreensão das inserções dos trabalhadores no processo produtivo. Ele partia da idéia de que o trabalho nos marcos do sistema capitalista de produção era degradado. Haveria uma tendência inexorável no interior do processo de trabalho que levaria a uma desqualificação progressiva, como conseqüência do aprofundamento da divisão do trabalho no capitalismo. Este processo simplificaria ao máximo as tarefas, exigindo-se maior especialização parcial; e menor, ou reduzida, qualificação global. Segundo este autor, o modo de produção capitalista destrói, sistematicamente, todas as perícias à sua volta, dando nascimento a qualificações e ocupações que correspondem às suas necessidades. Toda fase do processo de trabalho é divorciada do conhecimento e preparo especial, sendo reduzida a simples trabalho. Nesse ínterim, as poucas pessoas para quem se reservam instrução e conhecimento, são isentas, tanto quanto possível, da obrigação de simples trabalho. Assim, a modernização tecnológica produziria, no processo de trabalho, dois setores polarizados em termos de suas qualificações: de um lado, um pequeno setor de trabalhadores altamente qualificados; de outro, toda uma massa de trabalhadores desqualificados. Isso se agravaria com a introdução de novas tecnologias que, ao reforçarem os delineamentos da divisão do trabalho, intensificariam a desqualificação da força de trabalho. No processo de trabalho capitalista, se quebraria a unidade natural do trabalho, separando-se a concepção da execução. Frutos de tal separação, teríamos a desqualificação e o controle, marcando a inserção dos trabalhadores no processo de produção capitalista. Ambos visariam a assegurar a subordinação real do trabalho, convertendo força de trabalho em trabalho real. Além disso, para os trabalhadores, significariam a redução de seu grau de interferência/resistência, individual ou coletiva, no processo. As gerências teriam aí um papel destacado no sentido de controlar o trabalho e garantir que a lógica geral se efetivasse. O aumento do controle gerencial se daria com a correlata diminuição da influência operária sobre os meios e a natureza da produção. O controle sobre o processo de trabalho passaria das mãos operárias para a dos capitalistas, promovendo uma alienação cada vez maior dos trabalhadores frente ao processo produtivo. Apesar da análise de Braverman referir-se a um momento no qual o mundo das técnicas de produção dava passos iniciais em termos de sua automação e informatização; nem por isso, suas idéias deixaram de vigorar no cenário atual de transformações, já que, para alguns autores, o mesmo aparato conceitual pode ser usado em ambos os cenários. Para esta perspectiva, as novas formas organizacionais ou tecnológicas surgiriam exatamente da exigência de renovação das técnicas de controle sobre o trabalho, em um contexto no qual o trabalho parcelado e repetitivo entra em crise de eficiência. Devemos assinalar, contudo, que outras pesquisas indicam que as mudanças no mundo do trabalho trazem consigo fenômenos que podem ser relativos a outros processos que não o da desqualificação. É interessante notar que, em alguns casos, tais pesquisas foram realizadas por autores que antes defendiam a visão da polarização das qualificações. Para Horst Kern e Michael Schumann (1984), por exemplo, a racionalização na produção capitalista teria atingido tal ponto que as gerências só conseguiriam aumentar a eficiência do trabalho se flexibilizassem os rígidos contornos da divisão do trabalho. Eles vão questionar a idéia de que só pela redução radical do trabalho vivo e/ou pela desqualificação, se conseguiria obter o máximo de eficiência. Esses mesmos autores chegaram a defender a idéia de que nem o mercado, nem o produto, no estágio de racionalização da indústria, poderiam se compatibilizar com o padrão de racionalização do modelo taylorista-fordista. O incremento da valorização do capital não poderia mais se dar sem uma nova forma de conceber a utilização da mão-de-obra. Nesse quadro, a introdução de novos conceitos produtivos garantiria a tendência, diferentemente do paradigma anterior, para a formação e reprofissionalização da mão-de-obra industrial, bem como para o esmaecimento da rígida divisão do trabalho. Assim, este novo conceito de produção, representaria uma ruptura com o taylorismo e o fordismo, possibilitando indagar se isso não significaria o próprio fim da divisão do trabalho. Em muitos estudos, o chamado modelo japonês virou referência como exemplo maior dos efeitos qualificadores do novo paradigma produtivo que estaria suplantando o fordismo. A forma de organização do trabalho, em algumas empresas japonesas, estaria fundada em um trabalho cooperativo, de equipe, com ausência de demarcação das tarefas a partir dos postos de trabalho sob prescrição individual. Dessa forma, teríamos, como efeito central, o surgimento da polivalência, com rotatividade das

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tarefas. O trabalhador dessas empresas japonesas seria, portanto, o exemplo da polivalência e multifuncionalidade, dando conta dos mais variados aspectos da produção, tais como fabricação, manutenção, controle de qualidade e gestão da produção. As qualificações exigidas neste novo modelo produtivo contrastariam com a lógica geral taylorista, na medida em que se exigiria do trabalhador a capacidade de pensar, ter iniciativa e decidir. Na literatura pertinente, percebemos que uma larga parcela de pesquisadores, apesar das diferenças, tem aceitado o fato de que, neste novo quadro produtivo, a qualificação dos trabalhadores seria uma exigência central para a reprodução do sistema, assim como a desqualificação o fora para o momento anterior. A exigência destas novas qualificações teria colocado em questão a própria maneira de se conceber a noção de qualificação. Helena Hirata (1994) afirma já se reconhecer que os componentes implícitos e não organizados da qualificação desempenham papel também importante junto aos componentes organizados e explícitos, como educação escolar, formação técnica e educação profissional. Todo este processo levaria, em termos teóricos, a uma quase superação da tese da polarização das qualificações, dando surgimento ao chamado modelo da competência. Este poderia ser definido como um novo modelo, pós-taylorista, de qualificação, no estágio de adoção de um novo modelo, pós-taylorista, de organização do trabalho e de gestão da produção. Nele, a qualificação real dos trabalhadores passa a constituir-se a partir de características, tais como o conjunto de competências implementados no trabalho, articulando vários saberes, que seriam advindos de múltiplas esferas. As empresas passariam a utilizar e apropriar-se das aquisições individuais da formação, sobretudo escolar. O modelo da competência, que parece assumir espaço central no debate, ainda está marcado por controvérsias. Para alguns autores, entre eles, Helena Hirata (1994), a noção de competência estaria perdendo a multidimensionalidade contida na noção de qualificação e estaria marcada, política e ideologicamente, por sua origem (discurso empresarial), deixando de lado a idéia de relação social, essencial na definição do conceito de qualificação. Tendo tal indicação em vista, podemos identificar alguns problemas no tocante à inserção dos trabalhadores no processo produtivo gerenciado pela competência. Ela pode reduzir-se a formas que visem a adequar, pura e simplesmente, a forma ção ao atendimento dos interesses e necessidades do capital, dando mais importância aos resultados do que ao seu processo de construção. Além disso, a inserção dos trabalhadores no processo pode se dar sob um ponto de vista individualizante. No quadro geral da ação e organização dos trabalhadores, isso pode representar um grande problema, já que acordos individualizados acabam por enfraquecer as práticas e ações coletivas, minando o poder sindical. O pressuposto do aumento progressivo dos requisitos de qualificação no novo paradigma produtivo, associado ao aumento do desemprego, levou alguns analistas à criação do conceito de empregabilidade. Em torno de tal noção, que toca também ao universo do mercado de trabalho, tem transcorrido parte do debate mais recente sobre a questão da qualificação versus desqualificação. Empregabilidade poderia ser definida como a capacidade da mão-de-obra de se manter empregada ou encontrar novo emprego, quando demitida, em suma, tornar-se empregável. Na visão de Marcia Leite (1997), a noção de empregabilidade seria um deslocamento da idéia de que o desemprego se daria pelo descompasso entre a população economicamente ativa e a oferta de trabalho. O desemprego seria, para esta nova visão, o resultado das inadequações desta população às exigências de qualificação do novo paradigma produtivo. A oferta de trabalho estaria garantida para toda a população economicamente ativa, conquanto houvesse uma adaptação às demandas da nova situação. Alguns argumentos, no entanto, identificam fragilidades na noção de empregabilidade. Um deles se refere ao fato de que, apesar de todos os investimentos feitos na qualificação profissional, não se tem conseguido atenuar as tendências do desemprego. A idéia de que a educação, como uma panacéia, seria a saída para este quadro não tem sustentação ao observarmos o número de pessoas capacitadas, com terceiro grau de escolaridade, que tem encontrado dificuldades para encontrar emprego. Além disso, o treinamento puro e simples da mão-de-obra não parece ter sido suficiente para aumentar as ofertas de trabalho. Mais delicada ainda é a ênfase na responsabilidade individual do trabalhador por sua situação de desemprego. A partir do momento em que se coloca sobre os ombros do desempregado a responsabilidade de tornar-se empregável, acaba-se por justificar sua exclusão do mercado de trabalho pelo fato de ser inadequado quanto às demandas de qualificação exigidas. O caso brasileiro O Brasil não escapou, nos anos de 1990, da onda de reestruturação produtiva que já vinha ocorrendo no mundo industrializado. Novas formas de gestão do trabalho, flexibilização, terceirização, entre outras práticas, têm sido experimentadas pelas empresas brasileiras. É verdade que isso vem ocorrendo de

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modo desigual, e se já é possível identificar alterações no processo produtivo propriamente dito, na maioria dos casos, podemos constatar que as novas estratégias empresariais têm se preocupado mais em cortar custos, eliminando, em definitivo, postos de trabalho, como demonstrado em José Ricardo Ramalho e Heloísa Martins (1994). A precarização do trabalho pode ser considerada uma tendência que se afirma com a abertura de mercado e o aumento da competitividade, além de haver uma tendência à perda na qualidade do emprego e das relações de trabalho. Para além da quase eterna discussão teórica sobre a possibilidade de transferência de modelos de uma realidade à outra, percebemos que, na prática dos indivíduos, há uma busca incansável de exemplos ou experiências que orientem ações, mesmo que em contextos renovados. É sensível na realidade brasileira dos últimos anos, a tentativa por setores empresariais da implantação de novas técnicas de organização e gestão do trabalho e da produção. Ainda que visem ao chamado modelo japonês, acabam por contextualizá-lo em termos de interesses empresariais de curto prazo e/ou da situação nacional, muitas vezes, usando isoladamente métodos e técnicas que antes, articulados, compunham o modelo. O contexto brasileiro não chega a ser o da crise clássica do fordismo em suas claras referências ao mercado saturado. Aqui, o contexto das inovações tem relação direta com a tentativa de acesso ao mercado mundial e seus padrões de preço e qualidade dos produtos e a abertura comercial atabalhoada promovida durante o governo de Fernando Collor. Este processo forçou à competitividade uma economia em grande parte, senão em sua totalidade, desenvolvida sob o guarda-chuva protecionista. A estreiteza de mercado interno impôs também sua contribuição a esse contexto, tendo em vista que, apesar de potencialmente amplo, ele é altamente restringido pela concentração de renda, que transforma o quantitativo em qualitativo, abrindo janelas, nichos de espaços de consumo e alta lucratividade, duramente disputadas. Na disputa de tais espaços, entretanto, as empresas estão precisando lidar, nem sempre de forma satisfatória, com problemas que lhes são tanto de ordem interna como externa. Haveria um escasso dinamismo tecnológico e um correlato atraso relativo da indústria brasileira. Conforme já constatado por Ruy de Quadros Carvalho (1994), isso poderia ser explicado por um padrão de industrialização, marcado pela exploração predatória de mão-de-obra barata e de recursos naturais abundantes e pela manutenção de um protecionismo generalizado e ilimitado no tempo. Deste quadro, resultariam a permanência de processos de trabalho convencionais com pouco espaço e aceitação da inovação e o uso predatório de uma força de trabalho pouco qualificada, que por isso justificaria seu baixo salário. No que diz respeito à baixa qualificação e até mesmo à baixa escolaridade da força de trabalho no País, muitas vezes, utilizada como argumento justificativo dos obstáculos à modernização, devemos chamar a atenção para o fato de que as mesmas foram resultado, entre outros fatores, de uma demanda que vinha sendo formada de há muito, por um processo de recrutamento taylorista. Porém, apesar das limitações, a flexibilização vai ganhando espaço no mundo da produção. Entretanto, isso se dá de forma bastante desigual entre setores produtivos e esferas de relação (empresa, inter-empresa, regulamentação do trabalho, etc.), com resultados também variados. De forma geral, se observarmos a tentativa de implementação da flexibilização via introdução de métodos e técnicas do que já foi chamado de nova escola de gestão da produção (modelo japonês), perceberemos que ela tem enfrentado barreiras, que vão desde o interior fabril até a regulação geral, por parte da intervenção do Estado (ausência de infra-estrutura, política industrial, investimento em qualificação profissional, política salarial, etc.). Assim, , a flexibilização na produção foi marcada pela introdução de sistemas, tais como o just in time, kan-ban e os Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), muitas vezes, isoladamente e com seu sentido transformado. O trabalho, como regra, continuou tendo prescrição individual, via carta de processos, roteiros de fabricação ou ordens orais. A polivalência pareceu ser antes multitarefa do mesmo teor que um desenvolvimento de múltiplas habilidades por uma força de trabalho altamente qualificada. A isso se agregou o fato de que as gerências apresentaram uma grande dificuldade em incorporar a competência dos trabalhadores no processo, deixando explícita uma longa herança de autoritarismo no interior fabril. Com isso, teríamos o desenvolvimento de um processo que adiciona a adoção de novas técnicas e novos métodos às relações de trabalho retrógradas, que tem por base os baixos salários e a falta de procedimentos que visem à estabilização da mão-de-obra. A flexibilização avançou muito, aproveitando-se da flexibilidade preexistente, na esfera da contratação do trabalho. Podemos caracterizar este processo como o que John Humphrey (1994) chamou de flexibilidade defensiva, que deixa a organização da produção intocada e aumenta, sobremaneira, a flexibilidade dos contratos de trabalho. Nesse sentido, vemos pipocar terceirização por todos os lados e das mais variadas formas, intensificando, cada vez mais, o processo de precarização do trabalho. O que está ocorrendo é uma verdadeira exportação de tensões, conflitos e da própria legislação trabalhista para fora das unidades produtivas, já que, mesmo alocados dentro de seu espaço, os terceirizados são trabalhadores de um

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terceiro. Isso se explicita mais quando as grandes empresas transformam as casas de seus funcionários em minifábricas para familiares e amigos em geral, numa cruel reapropriação do trabalho doméstico, corroendo, entre outras, a legislação trabalhista e a representatividade sindical. Tudo isso, com um pano de fundo caracterizado pelo desemprego ampliado e de longa duração. Os trabalhadores, na maior parte das vezes, têm tido pouco espaço para expressar suas posições e imprimir um pouco de suas demandas e perspectivas. Em um contexto como esse, a flexibilização tem sido vista com reservas, quando não rechaçada pelo movimento sindical, que já traz, ao longo de sua história, uma trajetória na qual, pelas circunstâncias, a pró-ação sempre cedeu lugar a propostas reativas e à resistência. Apenas em alguns casos e/ou em alguns setores de ponta, se verifica a intenção de se negociar a implantação das inovações, dando-lhes, inclusive, novos sentidos. As diferentes forças atuantes no meio sindical de nosso país, conforme as suas orientações político-sindicais, têm tentado enfrentar todas essas questões, apresentando, obviamente, sugestões de caráter variado e, muitas vezes, antagônico. Não existe, até aqui, uma proposta que unifique as diversas posições no movimento sindical no sentido do enfrentamento da crise. Elas possuem leituras diversas do quadro em curso e proposições de intervenção também diferentes. Um dos pontos que tem sido recorrente, e polêmico, no debate no interior do movimento sindical, é a preocupação dos trabalhadores com a qualificação profissional e com a disputa de espaços nessa área, questão da qual esteve afastado durante muito tempo e que, apesar das limitações, foi alçada novamente ao primeiro plano. Buscando alternativas: os trabalhadores e suas organizações Embora haja certo consenso na literatura acerca da radicalidade das mudanças em curso e que estas teriam duros efeitos sobre os sindicatos, existe pouco consenso se os impactos seriam tão letais e terminais assim. Uns alegam que há uma crise mundial de sindicalização; outros, qualificando diferentemente os números, apontam o relativismo de tal afirmação. Uns indicam que o legado dos sindicatos como elemento central da representação dos interesses dos trabalhadores está acabado, dando lugar à outras formas identitárias e de representação mais parciais; outros, aceitando, em parte, tal indicação, continuam apontando a importância dos sindicatos na conquista e manutenção de direitos para a classe trabalhadora. É preciso lembrar que a luta dos trabalhadores através da história, se deu sempre de forma bastante particular e especificada, dependendo, sobremodo, do contexto onde buscava atuar. De certa maneira, a ação dos sindicatos experimentou constantes crises e instabilidades, como é do fundamento da existência de qualquer organização em busca do ajuste e adequação de suas formas de estruturação e intervenção. A partir disso, podemos dizer que, diante do quadro de mudanças que varrem a sociedade contemporânea, o sindicalismo não poderia ficar parado, como não está. Talvez não esteja se alterando tão rapidamente como gostaríamos, ou projetamos, mas não podemos dizer que outras perspectivas não estejam se abrindo, apontando para diferentes possibilidades. Dentre essas, já são sensíveis as articulações que têm sido promovidas pelos sindicatos dentro e fora de seu universo, buscando incorporar novos temas e demandas, ampliando, assim, suas esferas e formas de ação. Em um contexto que conjuga informalidade e desemprego, ou, para sermos mais diretos, precarização e aumento da exclusão, em uma lógica que visa a destituir os trabalhadores até mesmo de seus mais elementares direitos, como sobreviveria a máquina de organização sindical sem que muitas de suas premissas sejam alteradas, no sentido de agilizar sua capacidade de dar conta de novas questões, impedindo a corrosão de sua representatividade? A investigação sociológica sobre a crise do sindicato tem levado também à antecipação de cenários, desdobramentos e tendências para o futuro. As alternativas propostas variam, basicamente, entre os cenários que enfatizam mudanças nas atividades sindicais mais tradicionais de representação coletiva e aquelas que sugerem uma ampliação de atividades no sentido de incluir a representação de trabalhadores desempregados, precarizados ou excluídos do núcleo central da produção e até de um sindicalismo comunitário que, com outros movimentos sociais, voltar-se-ia para atender às necessidades dos que se encontram excluídos do mundo do trabalho" (Larangeira, 1998,p.181-3). Isso, a nosso ver, resgataria, em muito, uma tradição que foi se enfraquecendo ao longo da história do movimento operário mundial, por conta de sua institucionalização. Tais indicações, baseando-se em experiências concretas, vão apresentando as novas configurações e práticas que o sindicalismo vem assumindo.

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A idéia de um sindicalismo tipo movimento social, avançada por Moody (1997, p. 5), propõe um sindicalismo mais dinâmico, aberto às novas demandas, de escopo internacional e informado por uma política socialista renovada. Mais que uma estrutura ou uma área de abrangência e jurisdição, bases da organização do sindicalismo de corte industrial, essa idéia traria, em seu bojo, um tipo de orientação. Esse sindicalismo seria democrático, como a melhor maneira de mobilizar os trabalhadores; militante, no sentido de que perceberia que um recuo em qualquer dos pontos de sua rede de lutas levaria tão somente a mais recuos; lutaria pelo poder e pela organização nos locais de trabalho; seria político, embora agindo independentemente dos partidos; multiplicaria o alcance de seu .poder político e social na articulação com outros sindicatos, organizações de bairro ou outros movimentos sociais.; finalmente, lutaria por todos os oprimidos, ampliando seu poder neste processo. Indo ainda mais à frente em termos experimentais alternativos, Osterman et al. (2001), em uma análise menos politizada que a de Moody (1997), assinalam que o sindicalismo do futuro deve assumir uma feição de redes ampliadas. Para os autores, .trabalhadores e suas famílias necessitam e merecem uma voz forte, independente e inovativa nos locais de trabalho, em suas comunidades e nas formulações de políticas nacionais (Idem, p. 96). Este processo vai requerer, além da ampliação de seu escopo, as necessidades e os interesses dos mais variados setores ocupacionais. Mas, para que este tipo de sindicalismo se torne uma realidade, algumas pré-condições deverão ser preenchidas. Além da mudança nas estratégias de recrutamento e manutenção de membros, no sentido de que terão de recrutar e ficar com os indivíduos ao longo de toda sua trajetória profissional, ao invés de perdê-los assim que mudam ou perdem empregos; deve-se buscar uma modificação nas leis trabalhistas e na cultura gerencial, para que incorporem tal possibilidade, permitindo aos sindicatos cumprirem seu novo papel e garantindo aos trabalhadores a liberdade de organização nos locais de trabalho, a mesma que, aliás, eles já possuem na sociedade civil. No caso brasileiro, as buscas de alternativas têm apontado também para diversas propostas e direções. Embora ainda se tenha dificuldade de avaliar com maior profundidade os resultados. desses esforços, já é possível assinalar o desenvolvimento de experiências múltiplas e variadas, nos diversos setores que compõem o movimento sindical brasileiro. Mesmo que não sejam consensuais, elas servem de indicativo das movimentações no novo quadro, no qual a exclusão social e o desemprego assumem papel de destaque na lista de preocupações do sindicalismo de nosso país. A este respeito, podemos indicar, entre outras: A tentativa de articulação com outros movimentos sociais, como, por exemplo, os movimentos pela terra, por moradia e outros relativos à cidadania, justiça etc. A busca da abertura para novos temas e demandas. Tem-se dado, por exemplo, maior ênfase em políticas concretas para as questões de gênero e raça, de cidadania, dentro e fora dos locais de trabalho, e para uma maior atenção à educação dos trabalhadores, a qual agora ultrapassa a formação político-sindical, passando também a discutir a educação geral e profissional. A incorporação de práticas alternativas de organização e negociação. Isso pode ser visto através de práticas que visam a inserir os sindicatos na luta pelas definições de novas institucionalidades, como as Câmaras Setoriais e tentativas recentes de articulação de organização e ações no âmbito regional (por exemplo, o Mercosul). Além disso, tem-se intentado sanar uma dificuldade já tradicional de nosso sindicalismo que diz respeito à manutenção de vínculos e organização de trabalhadores desempregados. A tarefa para os sindicalistas não é das mais fáceis. Terão que, incorporando sua experiência histórica . o que constitui um acervo fundamental conseguir analisar e atuar corretamente na conjuntura presente, olhando o futuro de forma aberta e atenta às novas condições. Nesse sentido, muito de sua cultura político-sindical precisa ser colocada em questão. O sindicalismo, para sobreviver, em meio a tantas ameaças reais ou virtuais, necessita não só ampliar seu espectro com outras demandas e preocupações, como também com formas diversas de luta e estruturação. Isso pode lhe oferecer condições de ser mais propositivo e antecipador de cenários, os quais lutará para construir ou obstar. Desse modo, o sindicalismo continuaria a desempenhar seu importante papel na luta pela conquista e manutenção dos direitos dos trabalhadores, levando em conta incluídos e excluídos do mundo do trabalho. Por certo, não há muitas razões para sermos otimistas, mas nem por isso devemos nos seduzir por um pessimismo paralisante. Nessa nova era das desigualdades em que vivemos, os sindicatos não podem deixar de estar presentes, a um só tempo, garantindo aos trabalhadores um lugar digno na sociedade e pleiteando um mundo mais justo e igualitário.

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Considerações finais As mudanças no mundo do trabalho têm exigido novos requerimentos de processos e de seus trabalhadores. Como podemos ver em muitos casos, tais requerimentos endereçam suas demandas à qualificação e formação dos trabalhadores, o que, porém, é feito de forma individualizada, solicitando investimento e empenho pessoal do trabalhador. A própria noção de educação se vê sob pressão daquilo que seria educar para o trabalho. Não só se submete o que deveria ser uma ótica formativa mais plena e crítica a uma perspectiva mais restrita de determinação da lógica de mercado, como também se impõe ao trabalhador a necessidade (e o risco) de buscar incansavelmente preencher requisitos definidos pela lógica empresarial. Se a educação vem assumindo foro de centralidade nesse debate (e em termos de requerimentos práticos), é necessário que a sociedade como um todo se indague de que formação se está falando e necessitando. O fato de que, possivelmente, tenha ficado para trás a demanda taylorista, substituída pelo operário-boi, não pode, por si só, indicar que as demandas educacionais, feitas pelos novos modelos produtivos sejam positivas para a sociedade em geral e para o trabalhador em particular. Como em todos os demais aspectos, é a sociedade e não o mercado, quem deve definir e guiar os eixos de desenvolvimento social e econômico. A perspectiva de diálogo entre as duas demandas, no qual a social deve ter primazia, parece ser um caminho fértil. Tendo em vista a centralidade atribuída ao trabalho na sociedade moderna, sua relevância em termos da organização social e sua importante dimensão para o pensamento social, uma crise que transforme esse campo tende a trazer modifica ções também em suas diversas dimensões. É o que estamos presenciando. Podemos perceber mudanças substanciais no mundo do trabalho, nas análises sobre ele e mesmo nas formulações políticas dele oriundas ou a ele direcionadas. É provável que os trabalhadores e as suas instituições de representação nunca tenham passado por uma quadra tão adversa. Em um processo conjugado, não só se agravam as condições de vida e trabalho da maioria da população pelo mundo, como também está ameaçada a existência dos organismos responsáveis pela ação que poderia servir de contraponto a esse processo. O trabalho vai sendo precarizado, a legislação de proteção a ele diminui, e suas formas de organização enfrentam sérios desafios. Algumas questões ainda estão em aberto. Como ficará esta sociedade que vinculou grande parcela de sua sociabilidade ao trabalho e agora prescinde dele? Durante muito tempo, foi do trabalho que espraiaram movimentos universalizantes de direitos para toda a sociedade. Será ela, agora, prescindindo daqueles atores, capaz de formular novos direitos inclusivos ou continuará acelerando o passo atual em direção a novas desigualdades e ao aumento da exclusão? Enfim, tais perguntas não parecem ter muitas respostas fáceis, seja no campo da teoria, seja no campo da prática dos agentes sociais.

A DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO

A divisão social do trabalho é o modo como se distribui o trabalho nas diferentes sociedades ou estruturas sócio-econômicas e que surge quando grupos de produtores realizam atividades específicas em consequência do avanço dum certo grau de desenvolvimento das forças produtivas e de organização interna das comunidades. Com a determinação de funções para as formas variadas e múltiplas do trabalho constituem-se grupos sociais que se diferenciam de acordo com a sua implantação no processo de produção. Tais grupos correspondem ao estatuto que adquirem dentro da sociedade e ao trabalho que executam.

Numa fase inicial, a divisão do trabalho limitava-se a uma distribuição de tarefas entre homens e mulheres ou entre adultos, anciãos ou crianças, em virtude da força física, das necessidades ou do acaso, sem que tal conduzisse ao aparecimento de grupos especializados de pessoas com os seus próprios interesses ou características, não originando portanto diferenças de natureza social.

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O desenvolvimento da agricultura originou profundas divisões sociais no trabalho. Os arroteamentos florestais, os grandes saneamentos de zonas pantanosas, a introdução de pesados instrumentos agrícolas, a lavra da terra com a ajuda de animais de tração, tornaram-se trabalhos demasiado pesados que acentuaram uma separação de atividades entre homens e mulheres, com a concomitante passagem do matriarcado ao patriarcado.

Esta mudança abriu uma brecha na organização gentílica e refletiu-se na posse dos bens materiais. A família adquiriu a característica de uma unidade de produção e de transmissão hereditária de bens entretanto acumulados. A divisão social do trabalho entre os sexos tornou-se muito nítida. Os trabalhos domésticos foram-se transformando em ofícios especializados e as mulheres, sobretudo a partir da introdução do arado, terão deixado o trabalho agrícola mais pesado e dedicado mais à horticultura, á recolha de frutos e plantas comestíveis, criação de animas domésticos, à fiação, tecelagem e olaria, atividades concretizadas em áreas muito próximas dos próprios locais de residência. As mulheres ficaram assim excluídas duma participação ativa na vida social e política, situação que ocorreu em todas as civilizações. Não gozavam de qualquer dos privilégios políticos conferidos pela cidadania, não participando em assembléias, na magistratura ou em qualquer posição social comparável. É claro que havia diferenças entre as mulheres escravas, as mulheres de homens livres ou as de membros de nível elevado da sociedade. Mas, mesmo nestes casos, em que as mulheres nada produziam e gozavam de condições materiais excelentes na sua vida quotidiana, a sua existência desenrolava-se meramente num contexto dum sistema de vida patriarcal.

As tribos que povoavam territórios dotados de ricas pastagens tendem a abandonar a agricultura e a dedicar-se à criação intensiva de animais, originando a formação de comunidades nômades. À medida que se desenvolve a atividade agrária, destacam-se as tribos com atividades exclusivamente pastoris. Esta separação contribuiu para elevar sensivelmente a produtividade do trabalho e criou as premissas materiais para o aparecimento da propriedade privada.

A ocupação de todo o tempo de alguns indivíduos na atividade agrícola impede que se dediquem simultaneamente a produzir os instrumentos e os artefatos que lhes são necessários. O uso de novos instrumentos de trabalho mais aperfeiçoados e complexos determina uma especialização que contribuiu para o aparecimento dos artesãos, indivíduos dedicados exclusivamente ao seu fabrico e manutenção. Surgem assim artífices independentes que ocupam a totalidade do seu tempo na criação desses meios de produção, que depois terão de trocar por gêneros alimentícios. O desenvolvimento destas atividades especializadas culmina na separação entre o artesanato e a agricultura, que conduziu à intensificação das trocas diretas internas e, posteriormente, das trocas indiretas através do mercado e, por fim, ao aparecimento da atividade mercantil. Esta especialização do trabalho tende a alargar-se à pesca. O papel dos agricultores-pescadores tende a diminuir para aumentar o de profissionais voltados exclusivamente para esta faina, quer na água doce, quer no mar.

À medida que aparecem profissões diversificadas, acontece que os indivíduos mais concentrados num determinado tipo de atividade têm de recorrer à troca daquilo que produzem pelos objetos que eles próprios não produzem, mas de que precisam a fim de satisfazer as suas necessidades profissionais, além das individuais ou familiares. A intensificação do intercâmbio entre estes grupos de produtores especializados, a formação de excedentes e a entrega de tributos em dinheiro às classes com um estatuto dominante, ampliou a necessidade de produzir artigos destinados à troca, dando lugar à produção com um propósito mercantil e à formação duma classe de mercadores.

A divisão do trabalho desencadeada pelo incremento da atividade comercial, ligada à ampliação das atividades transformadoras e da navegação, deslocou o centro dos interesses econômicos do interior para o litoral. Ao lado da divisão entre agricultores, artesãos e mercadores, passou a existir uma outra, entre trabalhadores rurais e citadinos, que corresponde, total ou parcialmente, à oposição entre o campo e a cidade. Na estrutura urbana observa-se uma distinção entre sectores comerciais, administrativos, culturais, transportadores, artesanais e até agrícolas, fenômeno com menor relevância nos meios rurais.

A divisão social do trabalho manifesta-se também entre trabalho mental e material. O processo geral alcançado a nível bastante elevado de separação entre o trabalho intelectual e o trabalho físico, levou ao surgimento duma elite que escapava ao quadro dos interesses dos diferentes estados.

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As distintas fases de desenvolvimento da divisão social do trabalho contribuíram para elevar sensivelmente a produtividade do trabalho e criar as premissas materiais para o aparecimento da propriedade do solo, da apropriação dos meios e dos produtos do trabalho. Contribuíram igualmente para tornar mais consistente a existência de sociedades baseadas na divisão entre classes dominantes e classes subordinadas.

Sob o capitalismo, a produção especializa-se e tem como objetivo exclusivo a obtenção de lucro. A divisão social do trabalho desenvolve-se espontaneamente, com o avanço desigual dos diferentes ramos de produção, acompanhado duma luta constante competitiva e duma desordem e dissipação do trabalho social. Os limites das economias nacionais são ultrapassados pelo desenvolvimento do comércio internacional, circunstância que dá lugar a uma divisão internacional de trabalho.

MARX define a jornada de trabalho como sendo composta do trabalho necessário e do trabalho excedente. Pelo primeiro, entendemos a quantidade de trabalho, considerado socialmente para a produção do valor de uso, para suprir a necessidade de reprodução do trabalhador. Por trabalho excedente consideramos a quantidade de trabalho executada após e além da produção do trabalho socialmente necessária.

A mais-valia absoluta é a produção excedente, de que o capitalista se apropria, gerada pela

extensão do trabalho além do socialmente necessário à reprodução da força de trabalho. A mais-valia relativa é fruto direto da relação entre trabalho necessário e trabalho excedente;

sendo tanto maior quanto mais o tempo dedicado à produção do excedente adentrar o tempo necessário de trabalho. Ou seja, para a produção da mais-valia relativa é preciso que, através de novas técnicas produtivas, o trabalhador seja levado a produzir, em menos tempo, tudo aquilo que é necessário a repor sua força de trabalho sem que, mesmo assim, se reduza a jornada de trabalho.

Ao elevar a força produtiva do trabalho, o capitalista barateia a mercadoria e o trabalhador. Para aumentar-se a produtividade é necessário alterar o instrumental ou o método de trabalho ou

ambos ao mesmo tempo. O ponto de partida da produção capitalista se dá ao se reunir, para atuação simultânea, um

grande número de trabalhadores, no mesmo local, para produzir a mesma espécie de mercadoria sob o comando do mesmo capitalista.

“Entende-se por cooperação a forma de trabalho em que muitos trabalham

juntos, de acordo com um plano, no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes mas conexos.”

“O motivo que impele e o objetivo que determina o processo de produção

capitalista é a maior expansão possível do próprio capital, isto é, a maior produção possível de mais-valia, portanto, a maior exploração possível da força de trabalho.”

O capital lucra com a cooperação dos trabalhadores pois extrai maior produtividade do fato de

estarem reunidos, coestimularem-se, dispenderem conjuntamente uma quantidade menor de material do que se estivessem separados, por estarem sob a supervisão do capitalista ou seus prepostos.

Após o primeiro passo da produção capitalista, que é reunir um grande número de trabalhadores

num mesmo local, para desempenharem em conjunto determinada tarefa, dispondo de instrumental determinado e sob a égide do capitalista (cooperação simples), o segundo passo é desfazer-se da direta e contínua supervisão por ele exercida e incumbi-la ao que se veio chamar de dirigentes, gerentes, mestres, inspetores, capatazes, feitores, etc.

Alguma tecnologia pode ser considerada imoral, levando em conta seus impactos na sociedade? A tecnologia por si só afeta o modo como nos comunicamos e vivemos?

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O aparecimento de uma nova tecnologia provoca numa sociedade mudanças profundas em todas

as esferas – psíquica, física e sócio-econômica. Esse fenômeno pode ser observado ao longo de toda a história da humanidade, desde o Homo erectus ao Homo sapiens. Foi assim com as civilizações orais, e posteriormente as escritas, com os telégrafos visuais, a invenção da imprensa, a difusão do livro e o surgimento dos jornais, a eletricidade trazendo evoluções como o telégrafo, o telefone, o rádio, a televisão, os satélites, computadores e novas mídias, como a Internet, revelando a evolução do pensamento humano. Aliás, a evolução das tecnologias nada mais é que a evolução do pensar humano, num esforço para criar formas de vencer obstáculos, sendo o tempo e o espaço as dificuldades mais prementes de serem vencidas.

"McLuhan observou freqüentemente que nas circunstâncias em que novas mídias são colocadas em funcionamento na sociedade, elas se espalham como vírus e provocam danos irrestritos, porque permanecem invisíveis” (McLuhan, Eric, 1995).

Nada mais apropriado para se observar este fato que a atual revolução contemporânea das

comunicações, que é apresentada por Pierre Lévy como “uma das dimensões de uma mutação antropológica de grande amplitude” (Lévy, Pierre, 1996).

Surge aí um paradoxo: modernas tecnologias que foram criadas pelo homem para o domínio da

natureza (vencendo distâncias e encurtando espaços de tempo, como já foi dito) tornam-se tão abrangentes – sem fronteiras num mundo globalizado impossibilitam o controle da extensão do seu próprio uso pela humanidade. É o homem perdendo o controle do alcance de suas criações, idealizadas justamente para o controle, ou pelo menos, com possibilidade de controle quase completa.

Talvez seja essa uma das maiores angústias de cientistas, estudiosos e

comunicadores contemporâneos: a impotência de interagir, diante da força das tecnologias contemporâneas em modificar o meio em que se infiltram, que tudo arrastam consigo, como uma correnteza sem destino, deixando perplexos até mesmo os mais ferrenhos tecnófilos.

A impossibilidade de quantificar, numerar, classificar ou até mesmo conhecer profundamente as conseqüências ou influências da inserção das tecnologias contemporâneas na sociedade torna-se um dilema na medida em que, sendo impossível esta classificação, não se pode prever o rumo que tomará a humanidade num futuro muito próximo. Não se trata de conhecer ou estudar as possíveis transformações coletivas mundiais para daqui a 100 anos, mas para amanhã, ou para hoje, porque, com a velocidade vertiginosa da evolução das tecnologias no mundo atual, o futuro passou a ser o momento presente. E nada mais angustiante para a humanidade que não saber o que está acontecendo hoje e nem que caminhos tomará o mundo no próximo minuto. É como caminhar num túnel escuro, sem luz indicando uma rota segura. (Esta imagem ilustra a angústia da ausência do controle).

E o dilema aumenta na medida em que cresce a dependência das pessoas pela tecnologia. O

número de indivíduos que “entram” e se fascinam pelo universo de informações e virtualidade da Internet é cada vez maior. Seria, para essas pessoas, impossível imaginar a vida sem esse veículo que alia comunicação instantânea e entretenimento a baixo custo. A mesma afirmação pode-se fazer dos automóveis, aviões, telefones celulares, TV’s a cabo e outras mídias e tecnologias contemporâneas.

“Quando consideram-se os novos meios de comunicação é importante

compreender que a transformação digital acontece dentro do contexto de fabricação social da sociedade”, afirma Talbot. Langdon Winner explica que a digitalização da sociedade não acontece sem conseqüências, e ele descreve esse processo como um vasto experimento corrente cujas ramificações ninguém ainda compreendeu profundamente.

Determinismo Tecnológico é atualmente a teoria mais popular sobre a relação entre tecnologia e sociedade. Ela tenta explicar fenômenos sociais e históricos de acordo com um fator principal, que no caso é a tecnologia. O conceito de “determinismo tecnológico” foi criado pelo sociólogo americano Thorstein Veblen (1857-1929) e cultivado e aperfeiçoado por Robert Ezra Park, da Universidade de Chicago. Em 1940, Park declarou que os dispositivos tecnológicos estavam modificando a estrutura e as

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funções da sociedade, noção que serviu de ponto de partida para uma corrente teórica em todos os aspectos inovadora.

Desde a Segunda Guerra Mundial, os cientistas têm considerado a tecnologia como um dilema

moral e que seu uso pode causar conseqüências profundas na humanidade e no planeta. Os sociólogos vêem o problema através do aumento da complexidade e da velocidade das mudanças que a tecnologia está trazendo para a sociedade. Segundo eles, as mudanças tecnológicas ultrapassam a habilidade das pessoas e das diversas sociedades para adaptar-se a elas. Para outras, ainda, a tecnologia é vista como uma força dominante na sociedade, colocando obstáculos para a liberdade humana.

De acordo com os deterministas tecnológicos, (como Marshall McLuhan, Harold Innis, Neil

Postman, Jacques Ellul, Sigfried Giedion, Leslie White, Lynn White Jr. E Alvin Toffler), as tecnologias (particularmente as da comunicação ou mídias) são consideradas como a causa principal das mudanças na sociedade, “e são vistas como a condição fundamental de sustentação do padrão da organização social. Os deterministas tecnológicos interpretam a tecnologia como a base da sociedade no passado, presente e até mesmo no futuro. Novas tecnologias transformam a sociedade em todos os níveis, inclusive institucional, social e individualmente. Os fatores humanos e sociais são vistos como secundários” (Chandler, Daniel, 2000).

Harold Innis, historiador e economista canadense, foi o pioneiro nessa nova corrente. O seu

primeiro trabalho no campo da comunicação surgiu na forma de um artigo publicado em 1940, analisando a importância da imprensa para o crescimento econômico. Mas o mais curioso no ensaio foi a forma como Innis o concluiu. Conceito da dimensão do tempo”, acrescentando que o tempo “não pode ser encarado como uma linha reta, mas como uma série de curvas dependentes em parte dos avanços tecnológicos” (citado por Santos, op. cit. 1992, p. 66). O artigo defendia que os jornais, ao exigir que as notícias fossem difundidas rapidamente, estavam alterando a concepção do tempo e do espaço.

Seguidor das idéias de Innis, McLuhan discorda com o comentário de alguns estudiosos que

dizem que tecnologias são por si próprias neutras e que o uso que se faz delas é que é o ponto importante para discussão. Ele sustenta que as máquinas alteram fundamentalmente as relações pessoais e interpessoais, não importando o uso que se faz delas. “O efeito das máquinas tecnológicas foi reestruturar o trabalho humano e associação pela técnica da fragmentação”. McLuhan chama de “sonâmbulos” os que dizem que é o uso que se faz das tecnologias que determina o seu valor. Para ele, o poder transformador da mídia é a própria mídia. “A mensagem de qualquer meio ou tecnologia é a mudança de escala, ritmo ou padrão que introduz na vida humana”

(McLuhan, 1965). A mídia afeta a maneira como os indivíduos agem e interagem na recepção de

suas mensagens, modificando a organização social da vida diária. Segundo o autor canadense, o homem é constantemente modificado pelas suas próprias invenções, mesmo que tais modificações sejam invisíveis. o que verdadeiramente interessa não é o que a rádio ou televisão dizem, mas sim o fato de existirem, trazendo transformações à sociedade. Portanto, para McLuhan, “o meio é a mensagem.”

Jacques Ellul também insiste que a tecnologia carrega consigo seus próprios efeitos,

independentemente de como é usada. Para Ellul, as tecnologias carregam consigo um número de conseqüências positivas e negativas, não importando como e para que são utilizadas. Não é apenas uma questão de intenções. O desenvolvimento tecnológico não é bom ou mal ou neutro. As pessoas tornam-se condicionadas por seus sistemas tecnológicos. Independente de se acreditar que as tecnologias são boas ou más, elas continuarão seu curso fazendo o que sempre fazem: subjugando a humanidade.

Da mesma forma, ele define “A Síndrome de Frankenstein: o homem cria uma máquina para um

propósito particular e limitado. Mas assim que a máquina é construída, nós descobrimos, sempre para nossa surpresa – que ela tem idéias próprias; que ela é capaz não só de mudar nossos hábitos mas... de mudar nossos hábitos mentais”

Na defesa do controle humano sobre a tecnologia, Seymour Melman observa que, nos tempos

modernos, “não há uma única opção tecnológica. Há várias opções” (Melman, Seymour, 1972). Uma tecnologia não cria ou se transforma por si própria. “A tecnologia realmente não pode determinar a si mesma”. A socióloga Ruth Finnegan complementa dizendo que “o meio por si mesmo não pode dar

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origem a conseqüências sociais – ela deve ser usada” (Finnegan, Ruth, 1975). A mera existência de uma tecnologia não leva inevitavelmente ao seu uso.

Raymond Williams argumenta que o Determinismo é um processo social real, mas nunca um

controle supremo, uma previsão total de causas. Ao contrário, a realidade do Determinismo é o estabelecimento de limites e de exposição de forças pelas quais as práticas sociais são profundamente afetadas, mas não necessariamente controladas.

Deve-se pensar no Determinismo não como uma força isolada, ou forças abstratas isoladas, mas

como um processo em que reais fatores determinantes – a distribuição do poder ou do capital, herança social e física, relações entre grupos – estabelece limites e expõe forças, mas nem controla ou prediz totalmente o surgimento de atividades complexas com estes ou aqueles limites, e sob ou contra estas forças” (Williams, Raymond, 1990).

Alguns estudiosos argumentam que, a dominação realmente existe no controle humano da

tecnologia, embora ela deva ser mais social que tecnológica, e as conseqüências do uso da tecnologia não são sempre intencionais, mas que o homem ainda deve ter considerável liberdade de escolha no uso e controle da tecnologia. Num forte contraste com o Determinismo de Marshall McLuhan, que afirma que “o meio molda e controla o grau e forma das ações e associações humanas”, o sociólogo Stuart Hall afirma que “os meios reproduzem a estrutura de dominação e subordinação que caracteriza o sistema social como um todo (Hall, Stuart, in Finnegan, 1975).

Para esta corrente de idéias, alguns estudiosos usam o termo “superdeterminação”, que significa

que um fenômeno pode ser atribuído a vários fatores determinantes. Considerações finais Hoje, quase quatro décadas depois da afirmação “o meio é a mensagem” (1964), de McLuhan ,

vive-se a época da comunicação mediada por computador. Muito se fala sobre o impacto concreto que a tecnologia causa no cotidiano. É perceber, aceitando as idéias do estudioso canadense, como o determinismo tecnológico atingiu o mundo contemporâneo, e perceber as mudanças no seu uso, tentando assim entender as transformações sociais ocorridas. Qualquer mudança tecnológica produz alguma transformação social. E algumas dessas transformações são muito difundidas. Até mesmo fortes críticos do Determinismo Tecnológico, como a socióloga Ruth Finnegan, são capazes de aceitar que uma tecnologia pode ser vista como causadora de grandes conseqüências na sociedade.

Tecnologia é um dos numerosos fatores das mudanças sociais e do

comportamento humano. Criticar o Determinismo Tecnológico não é descartar a importância do fato de que aspectos tecnológicos de diferentes tecnologias de comunicação possibilitam diferentes tipos de uso, ainda que as aplicações potenciais das tecnologias não sejam necessariamente realizadas. Logicamente, numa sociedade onde o grau de interação com outros fatores está evidentemente presente, é difícil justificar uma insistência na tecnologia ou mídia como o fator fundamental das transformações sociais.

Embora concluindo que as evidências parecem não sustentar a hipótese radical do Determinismo

Tecnológico, a socióloga Ruth Finnegan sugere que “há algo para ser dito sobre isto como um caminho para clarear a realidade para nós. No passado, cientistas sociais (com exceção, talvez, de economistas, historiadores e geógrafos) tenderam a negligenciar o significado da tecnologia e da comunicação. Talvez os sociólogos – de quem era esperado que estudassem sobre comunicação – tenderam, no passado, a adotar uma linha anti-tecnológica; eles preferiram seguir Durkheim, um dos fundadores da disciplina da sociologia que enfatiza ‘o social’ como algo autônomo e originalmente independente de todos os fatores mecânicos como a tecnologia.

Nesta atmosfera, é estimulante ter uma contra-visão eficaz. A hipótese radical do Determinismo

Tecnológico é talvez extremista – mas o seu radicalismo ajuda a nos tirar da nossa complacência e dirige nossa atenção para um conjunto de fatos e possíveis conexões causais previamente negligenciadas. Como um modo sugestivo de olhar para o desenvolvimento social o determinismo deve ter seu valor, a pesar do seu fatalismo inadequado”

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VALORES E ATITUDES

Quando não se pode modificar o destino, pode-se tomar uma atitude positiva diante dele. É o que se chama de valor de atitude. A ação resulta da atitude. Sempre podemos escolher nossa atitude interior conforme as circunstâncias. A personalidade do ser humano é conseqüência dessa atitude interior. Quantas pessoas topam com aquilo que não podem mudar e se derrubam! Se eu não posso mudar as coisas, posso mudar minha atitude para com elas. Mas importante que o que nos sucede é o modo como vemos essa situação.

O homem tem que aprender a “aceitar seu destino” e a “lutar contra ele”, contra as adversidades, a desafiar-se. Aceitar não significa estar de acordo com o erro, com a injustiça, etc.; pelo contrário, há de lutar-se contra tudo isso. Quantos, por exemplo, jogam por terra anos e anos felizes de obediência religiosa, por não saberem sair fortalecidos de uma crise, de um deslize, por se esquecerem do amor e do perdão e fazerem prevalecer o seu próprio interesse!

A conduta humana não é predeterminada pelas condições, se não que depende da opção , do esforço, da responsabilidade do próprio homem. Uma senhora fez esta queixa: Não aceitava o fracasso, não aceitava também a si mesma como era, não aceitava os demais como são e gostaria que as coisas fossem diferentes. Tinha três filhos e queria que estudassem num bom Colégio, e também gostaria de construir uma casa de campo, para passar ali as férias, mas como lhe faltasse o dinheiro necessário, não se conformava. Esta atitude da própria rebeldia contra a realidade causava-lhe depressão e vazio interior. Mas eu lhe disse que se não pudesse evitar esses problemas, ela teria que vencer as resistências de seu egocentrismo: de seu egoísmo, amor próprio mal orientado, orgulho, individualismo…, que lhe dificultava o amor a si mesma, e aceitar-se totalmente, a aceitar os demais como são e a aceitar a realidade na ordem objetiva de valores. Venceria essas resistências e superaria o conflito quando, com uma grande humildade (a que é indispensável), tivesse “a coragem de enfrentar a si mesma”: reconhecendo a existência do problema, admitindo que a culpa do mesmo poderia ser sua, aceitando as próprias limitações (todas elas) e as limitações dos outros, aceitando, não o erro, mas a quem erra, tentando reconhecer os valores dos outros.

A possibilidade que tem qualquer pessoa em qualquer situação, por mais desesperada que seja, de transformar sua vida em algo positivo por suas próprias forças, por sua vontade decidida. Temos de posicionar-nos livre e responsavelmente diante do conflito ou do destino. Porque somos condicionados, às vezes há dificuldades no exercício da liberdade com responsabilidade, em tomar as devidas decisões ou atitudes. Mas os condicionamentos não podem determinar-nos, ainda que muitos pensem o contrário.

Não sabemos agüentar, nem aceitar; somos contra tudo e contra todos, reagimos agressivamente, quando temos de ceder nas mínimas coisas. É um dom inapreciável ter de agüentar, sofrer um destino e não ser derrotado por ele, poder aceitar o que se tem de aceitar. Nos falta coragem para uma forte oposição às nossas debilidades, para lutarmos contra nossa insegurança, para combatermos a ambição: para superarmo-nos internamente. Para tomar posição e realizar valores e atitudes, a valoração espiritual é muito importante, pois nos faz enfrentar a vida de outra maneira, a aceitá-la melhor,

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valorar os outros… Como Jesus Cristo que entregou-se à dor e ao sofrimento, oferecendo sua vida, sem condições. Sua entrega total é a renúncia a toda e qualquer atitude egocêntrica. Outro exemplo que nos pode confirmar não ser a conduta humana predeterminada por condicionamentos, senão que depende de livre opção, do esforço e da responsabilidade, é o seguinte:

Um senhor que se sentia inseguro, e era inconstante naquilo que fazia, inclusive na parte afetiva; nenhum negócio lhe saia bem, e quando começava um trabalho, desistia sempre, porque encontrava um certo bloqueio que o impedia de continuar trabalhando, preocupava-se muito, sentia-se com medo, sem forças para trabalhar e era muito negativo. Eu lhe respondi que essa insegurança poderia ser devida a algum fracasso profissional ou afetivo, ao haver sido pouco considerado pelos outros ou muito controlado pelos pais, e que não sabia o que queria, o que acreditava mais na sua incapacidade que nas possibilidades de sua existência. Era necessário tomar uma postura: convencer-se de que precisava lutar contra sua insegurança; saber o que queria para não entrar em conflito com as diversas opções; valorar-se mais; crer na sua capacidade; confiar em si mesmo, pois ao não valorar-se e não confiar ou crer em si estava com medo, se preocupava e tinha um excesso de auto reflexão, o que lhe causava cansaço mental, deixando-o sem coragem para enfrentar obstáculos. Ademais necessitava dar a cada coisa seu tempo. Pois, o tempo do trabalho , é para pensar e ocupar-se do trabalho. O tempo de casa é para pensar e ocupar-se da família, não do trabalho, e assim sucessivamente. Não misturemos as coisas. Mantenhamo-nos a certa distância emocional dos problemas, não nos envolvemos emocionalmente com eles. Resolvamo-los, na hora certa, num horário marcado para isso; entretanto, não esqueçamo-los ou deixemo-los de lado:

Às vezes, a preocupação exagerada, a hiper-reflexão ou o excesso de reflexão sobre si mesmo, além de causar cansaço mental e de tirar, por isso, a coragem para enfrentar os conflitos, faz com que se “somatizam” os problemas, sentindo-se bater forte o coração, dores no corpo, formigamento, calafrios, tremores nas mãos…

O confiar e o crer em nós mesmos ajudará também nossa valoração espiritual, pois sabemos que, como somos à “semelhança e imagem” de Deus, temos dentro de nós poder para mudar nossa vida: liberdade, vontade, capacidade de eleger atitudes e tomar decisões. Se a tudo isto somarmos uns minutos de relaxamento lento e profundo ao oxigenar-se o cérebro, eliminaremos as tensões, teremos mais capacidade para confiar em nós mesmos; para vermos tudo com mais claridade e, por conseguinte, para podermos tomar atitudes e decisões mais corretas. Igualmente isto nos ajudará muito a tomarmos decisões, atitudes durante o relaxamento; de forma convincente, damos a nosso inconsciente sugestões como esta: “Eu tenho capacidade para fazer muitas coisas, quero e irei realizá-las”.

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Trabalho e remuneração

Numa sociedade cada vez mais competitiva e que valoriza cada vez mais a meritocracia (valorização ou recompensa pelo mérito), a vida se tornará cada vez mais difícil para as pessoas situadas na parte inferior das escala das capacidades. Mas, através de muito estudo, percebeu-se que a palavra chave para o desenvolvimento organizacional era MOTIVAÇÃO, pois, é a força propulsora (desejo) por trás de todas as ações de um organismo. Sem motivação não chegamos a lugar algum.

Atualmente, as organizações são movidas pela competitividade do mercado e buscam cada vez mais entender os motivos e razões que influenciam no desempenho de seus colaboradores, deixando de visar apenas à qualidade final de seus produtos e/ou serviços, passando a investir e valorizar seu capital intelectual, já que o sucesso de uma organização depende cada vez mais do envolvimento e comprometimento de pessoas, tornando a compreensão e implementação dos métodos motivacionais, um mecanismo de extrema importância para o desenvolvimento sustentável das empresas.

Este trabalho trata da motivação para ao trabalho e questiona o fato de a remuneração ser ou não um elemento motivador e até que ponto as organizações estão preparadas para sustentar um plano de motivação pela remuneração sem que isso se torne uma bola de neve.

MOTIVAÇÃO NO AMBIENTE DE TRABALHO

O que mais preocupa os executivos na atualidade é atrair, desenvolver e manter talentos. Para as organizações modernas, esse desafio consiste não unicamente na busca de captar e desenvolver novos talentos, mas também em fazer com que essas pessoas se sintam estimuladas a produzir criativamente, idealizando ao mesmo tempo a consecução de metas pessoais e o sucesso organizacional.

As empresas buscam constantemente ter um quadro de funcionários motivado, que "vista a camisa da empresa". Motivado para vender mais, atender melhor e superar metas. É fundamental que as empresas saibam qual o tipo de motivação terá mais efeito sobre a equipe. Muitas acreditam e fazem grandes investimentos em treinamentos, distribuem prêmios, viagens, bônus, etc., tudo como forma de alcançarem o reconhecimento e respeito dos funcionários pela empresa.

Para Bergamini (1997:34), "quanto mais se aprofunda o estudo do comportamento motivacional humano, mais claramente se percebe que a motivação de cada um está ligada a um aspecto que lhe é muito caro, aquele que diz respeito à sua própria felicidade pessoal". Dessa forma, não é fácil a motivar pessoas, uma vez que necessidades diferentes requerem formas diferentes de recompensa e que cada indivíduo já traz consigo, quando ingressa na organização, um conjunto de fatores motivacionais próprios de cada um estreitamente relacionados com habilidades e talentos pessoais. Aqui deve ressaltar-se que os fatores motivacionais além de variarem de indivíduo para indivíduo, também variam ao longo de sua vida e em conseqüência do ambiente de grupo no qual esteja inserido. O que ontem satisfaria o empregado, hoje pode ser motivo para que ele esteja desmotivado. É preciso descobrir de que forma as recompensas constituem fator motivador para o trabalhador, para que as tarefas não lhes pareçam tão-somente imposições, mas que tenham para ele significado.

Motivar passa a ser uma tarefa mais abrangente do que apenas recompensar financeiramente. Torna-se uma busca diuturna e incessante da satisfação e realização através do trabalho. Já não basta pagar mais e, sim, pagar melhor. Pois, uma pessoa motivada é fruto de inúmeros fatores, que somam ou diminuem este sentimento, é o que torna o ser humano capaz de superar qualquer desafio, e no ambiente de trabalho, isto não é

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diferente. Desejos, vontades e instintos nascem da integração do ser humano com o ambiente em que vive.

MOTIVAÇÃO ATRAVÉS DA REMUNERAÇÃO

Nos tempos atuais não é suficiente apenas atrair e formar pessoas capazes de aprender constantemente, e que utilizem racionalmente suas habilidades e competências para lidar com as novas situações que se apresentam. É necessário seduzir, motivar, manter, comprometer, fidelizar esses talentos. Faz-se necessária assim, uma reflexão sobre a falência do atual modelo de remuneração da maioria das organizações, que não fornece suporte para manter um ambiente de compromisso e de motivação entre seus colaboradores.

Estamos vivendo no mundo da flexibilidade, onde cada vez mais as pessoas têm acesso a informação e se tornam mais exigentes. As empresas que querem alcançar resultados diferenciados, inovadores e vencedores deverão, obrigatoriamente, alinhar seu sistema de remuneração com suas estratégias, levando em consideração que o reconhecimento é fruto da arte de diferenciar pessoas e, conseqüentemente, isso é o que gera a mais sólida fidelidade aos resultados da organização.

Um programa bem estruturado de Remuneração deve estar sintonizado com a complexidade organizacional. Fatores como estratégia, estilo gerencial e estrutura compõem um diagnóstico indispensável para a sua criação e implementação, uma vez que cada empresa possui características próprias e necessitam de um plano de remuneração que a elas se ajuste. É parte imprescindível desse diagnóstico determinar o perfil das pessoas envolvidas no processo produtivo e, a partir dos resultados de análise obtidos, compor o melhor programa. As pessoas devem ser recompensadas não pelo cargo que ocupam, mas pelo papel que desempenham, pelos seus talentos, habilidades e pela capacidade de se ajustarem às mudanças rapidamente.

O que ocorre é que a maioria das soluções apresentadas, com o intuito de motivar e fidelizar talentos, é evasiva, apesar do crescente número de especialistas e idéias que surgem no mercado. Assim, ao invés de integrar novas estratégias, novas configurações organizacionais, valores e atitudes pessoais em transformação, muitas empresas continuam simplesmente a incorporar os mais recentes apetrechos da última moda administrativa. Esta é certamente uma das razões para o ínfimo desempenho de alguns planos de incentivos.

INCENTIVAR HABILIDADES E COMPETÊNCIAS

Dentre as diversas maneiras de remunerar trabalhadores, duas se destacam pelo enriquecimento profissional que provoca nos indivíduos e, por conseguinte nas organizações: a remuneração por habilidades e por competências.

Wood Jr. e Picarelli Filho (1999:69) definem habilidade como "a capacidade de realizar uma tarefa ou um conjunto de tarefas em conformidade com determinados padrões exigidos pela organização". A remuneração por habilidades tem como objetivo justamente valorizar indivíduos e grupos pelo uso de suas capacidades, buscando ainda um aperfeiçoamento contínuo destas. Na remuneração por habilidades o que se enfoca é o indivíduo, e não o cargo por ele ocupado; e o fato de sua remuneração estar relacionada ao uso e desenvolvimento de suas habilidades tende a promover a motivação para o trabalho.

O desenvolvimento das habilidades proporciona aos empregados e à empresa um crescimento que se apresenta na forma de vantagens como flexibilidade e adaptabilidade, visão sistêmica, inovação e comprometimento da mão-de-obra, reduzindo a rotatividade e o absenteísmo.

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Embora a remuneração por habilidades não possa ser utilizada em todos os tipos de organização, ficando mais restrita aos grupos de trabalho técnico e operacional, é uma inovação gerencial que promove diferenças quando se trata de enfrentar um mercado globalizado no qual a busca pela qualidade é uma constante, e a informação e o conhecimento aliados ao desenvolvimento podem estabelecer diferenças.

A remuneração por competências cobre a área que a remuneração por habilidades não atinge. Enquanto a remuneração por habilidades trata do trabalho técnico, funcional, caracterizado pela reprodutibilidade e previsibilidade, a remuneração por competências abrange o trabalho administrativo, que se caracteriza pela incerteza, abstração e criatividade.

Para a implantação de um programa de remuneração, baseado em tais conceitos, é necessário primeiramente descobrir que habilidades e competências são essenciais para a organização. Identificá-las é tarefa complexa e árdua, mas não impossível. Requer um trabalho sistematizado de análise da estratégia e competências da organização, para então se determinar que habilidades e competências sejam necessárias nos indivíduos ou grupos. O resultado mostrará o caminho para remunerá-los adequadamente, promovendo a motivação e o compromisso com as metas organizacionais.

CONCLUSÃO

Podemos concluir que na pressa de mudar, muitas empresas simplesmente esquecem, desprezam ou, ainda pior, utilizam mal uma das ferramentas mais eficazes nessa equação de mudança, a remuneração. Não se pode negar que o dinheiro direciona o comportamento, e é fundamental reenquadrar os sistemas de remuneração em uma visão mais ampla e abrangente. Nesse contexto, não se pode mais considerar apenas cargos específicos e resultados financeiros, mas também as pessoas, seu desempenho individual e em equipe, e a visão organizacional, que é mantida por esse desempenho.

Com uma equipe saudável financeiramente, aumentam as chances. Somente com

uma verdadeira reeducação financeira, de hábitos e costumes, poderemos sonhar com uma melhor qualidade de vida hoje e no futuro. Para tanto, é preciso que a organização proporcione ao trabalhador espaço para a criatividade, o progresso e a realização. Este espaço pode ser construído através do enriquecimento do trabalho. É preciso entender as necessidades dos funcionários, não apenas em relação ao trabalho em si, mas, principalmente, no que diz respeito às suas atividades pessoais, aos seus interesses de crescimento profissional e à sua família, inclusive.

PSICOPATOLOGIA NO TRABALHO: ASPECTOS CONTEMPORÂNEOS

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Edith Seligmann-Silva

Doutora em Medicina Preventiva (FMUSP), Prof. Adjunto do Depto. Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração, Escola de Administração de Empresas de São

Paulo/Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV). ¹ Extraímos esta classificação do capítulo “Psicopatologia e Saúde Mental no Trabalho”,

de nossa autoria, que faz parte do livro “Patologia do Trabalho, organizado por René Mendes, na edição atualizada e ampliada de 2003 (Editora Atheneu)

1 INTRODUÇÃO Nesta exposição, procuraremos apresentar algumas considerações sobre a Psicopatologia no Trabalho e alguns dos desafios que tal campo de estudos e de práticas encontra no mundo contemporâneo. Na seqüência, pretendemos mostrar as peculiaridades em que se manifestam, na atualidade, alguns tipos de transtorno mental relacionados ao trabalho. Cabe esclarecer que temos adotado a expressão Psicopatologia no Trabalho (PPT) de preferência à Psicopatologia do Trabalho por considerar que quem sofre e/ou adoece é o ser humano que trabalha. Por mais que, metaforicamente, seja possível falar de um “trabalho mórbido”. Numa perspectiva histórica vemos que o conhecimento da relação entre trabalho e alterações da Saúde Mental é bastante antigo. O reconhecimento da existência de uma psicopatologia no trabalho, igualmente, desde os anos 20 do século passado já mereceu publicações, seja no âmbito do que era denominado Psiquiatria Ocupacional ou, um pouco depois, já sob a designação de Psicopatologia do Trabalho. Nos estudos de psicopatologia, historicamente, sempre houve obscurecimento do papel que é desempenhado, na gênese de transtornos mentais, pelas condições de trabalho e por certos modos de obter incremento de produtividade, conforme foi bem analisado por Doray já há mais de 30 anos (DORAY, 1972). Giovanni Jervis, importante integrante da Psiquiatria Democrática italiana, que já nos anos 60 realizou pesquisas e ações de saúde coletiva voltados para os trabalhadores fabris, muito criticou o reducionismo predominante na teorização e na prática psiquiátricas. É o que exemplifica o seguinte trecho de seu livro “Psiquiatria Y Sociedad (JERVIS, 1981): “Se os transtornos psíquicos, tal e como concretamente se manifestam na vida do indivíduo, são sobretudo o reflexo pessoal parcial de algumas contradições sociais, se também é certo que até agora a psiquiatria tentou, ocultar este fato (esforçando-se por apresentar o sofrimento individual como um fato privado, contingente e vergonhoso) então é hoje necessário que da contradição individual e particular passemos à tomada de consciência do dano coletivo, e a partir deste, a das condições sociais que o geraram.” (p. 68). Vale ainda outro esclarecimento inicial: a noção de sofrimento mental não corresponde à de doença nem à do transtorno mental caracterizado pela nosologia oficial. Existem mecanismos psicológicos de defesa que são acionados nas situações de vida – e portanto, também nas de trabalho – para evitar a ansiedade, o medo, a depressão, as vivências de desproteção ou de sentir-se ameaçado. Anna Freud estudou estes mecanismos (ANNA FREUD, 1968). Podemos exemplificar aqui a repressão (ou recalque) como mecanismo de defesa pelo qual são excluídos da consciência os pensamentos relacionados aos impulsos ou sentimentos perturbadores e/ou socialmente censurados. Outro mecanismo que nos parece oportuno destacar é a negação da realidade, muito utilizada na infância, mas que pode se verificar na vida adulta, quando o indivíduo vivencia a impotência para o enfrentamento de certas situações ameaçadoras ou penosas. O modo pelo qual mecanismos de defesa surgem nas situações de trabalho e assumem caráter coletivo, foi revelado por JAQUES em estudo realizado em uma fábrica inglesa, no início dos anos 50 (JAQUES, 1955). Mais tarde, o fenômeno foi analisado em amplo detalhamento por Dejours, que em vários textos examinou estratégias coletivas defensivas e descreveu a forma pela qual as mesmas chegam a configurar uma ideologia defensiva (por ex., DEJOURS, 1993). Tanto os mecanismos individuais de defesa psicológica quanto as estratégias coletivas defensivas podem amenizar o sofrimento e protelar a eclosão de transtornos mentais. Mas não são defesas duradouras e podem ser rompidas, seja pelo acúmulo dos desgastes, seja por circunstâncias que impactam o trabalhador – como o acidente do trabalho, conforme tivemos oportunidade de constatar em pesquisas, nas quais tivemos ocasião de estudar, ainda nos anos 80, as repercussões do trabalho na saúde mental de operários das indústrias de Cubatão (Estado de São Paulo) e de uma siderúrgica da cidade de São Paulo (SELIGMANNSILVA, 1983 e 1994). Nem todas as defesas psicológicas são negativas do ponto de vista da preservação de saúde mental. É preciso lembrar que uma delas – a sublimação - favorece a saúde e tem o potencial de transformar o sofrimento em prazer. Assume, portanto, um papel vitalizador. Através da sublimação o indivíduo lança mão de sua força criativa para transformar o trabalho e torná-lo significativo. Entretanto para que a

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sublimação tenha lugar é imprescindível um duplo espaço de liberdade - tanto exterior quanto interior à própria subjetividade. A sofisticação e a introjeção psíquica do controle, no presente, estrangulam cada vez mais este espaço. Constatamos, assim, que para que o sofrimento mental relacionado ao trabalho seja limiar da psicopatologia, deverão existir condições desfavoráveis à elaboração de defesas individuais e coletivas. É do que trataremos mais adiante. Do ponto de vista dos estudos epidemiológicos, vêm aumentando o número das pesquisas e análises que demonstram o papel do trabalho na morbidade psiquiátrica, papel este reconhecido pela OIT (Organização Internacional do Trabalho). Na América Latina, destacamos estudos epidemiológicos pioneiros realizados no México por Miguel Matrajt, que uniu ao enfoque socioepidemiológico a análise da sociogênese e da dinâmica subjetiva (MATRAJT, 1994). A historiadora e psicanalista Elizabeth Roudinesco critica o reducionismo dos critérios com que a Classificação de doenças e causas de morte oficialmente adotado no plano internacional – a CID-10. categoriza, em seu capítulo V, os transtornos mentais, apontando a ausência da subjetividade nestes critérios (ROUDINESCO, 2000). A natureza social dos agravos, encontra-se igualmente abstraída, quase sempre, e em especial quando envolve as situações de trabalho. Pois, como já tivemos ocasião de expor anteriormente (SELIGMANN -SILVA, 2003), a classificação oficial reflete bem a hegemonia das ciências naturais e da perspectiva positivista na fixação dos critérios diagnósticos. Procurando contornar essa dificuldade, foi elaborada no Brasil uma lista dos transtornos mentais e do comportamento relacionados ao trabalho publicada, - no contexto de uma lista maior abrangendo Doenças relacionadas ao Trabalho, - no Decreto 3.048/99 do Ministério da Previdência e Assistência Social. A mesma lista integra a Portaria do Ministério da Saúde MS/1.339/1999. São 12 os agravos que compõe a lista, que constitui um passo significativo para o reconhecimento da relação entre situações de trabalho e agravos mentais. (Ministério da Saúde, 2001). Trataremos, adiante, de examinar como alguns destes agravos se colocam diante do cenário contemporâneo. Antes, cabem algumas considerações. 2 RESSONÂNCIAS DA METAMORFOSE CONTEMPORÂNEA SOBRE A SUBJETIVIDADE E SOBRE A PSICOPATOLOGIA Na atualidade, uma discussão perpassa as fronteiras da Psicopatologia no Trabalho e atravessa o campo da Psicopatologia Geral, envolvendo psiquiatras, psicólogos e psicanalistas. Tal discussão parte da percepção de uma transformação na forma pela qual os processos psicopatológicos se constituem, desenvolvem e expressam no contexto das imensas transformações que, no bojo da chamada globalização, atingiram a estrutura e o funcionamento da sociedade (seria preferível, em nossa opinião, não adotar o termo globalização, pois o mesmo passou a ter conotação de uma ideologia que se sobrepôs à ética e em nome da qual tudo se justifica). As metamorfoses observadas na psicopatologia geral decorrem da multiplicidade de transformações de contexto internacional que, afetando a estrutura e a dinâmica social em suas várias esferas e instituições – da família ao Estado – provocam reflexos na vida cotidiana, na sociabilidade e na vida mental em pessoas de todas as idades. No que diz respeito às crianças e adolescentes, as depressões infantis e os dados sobre suicídios e tentativas de suicídio em crianças e adolescentes têm causado enorme preocupação em vários países e, assim como o significativo aumento da prevalência de bulimia e da anorexia nervosa, expressam o impacto, sobre os mais jovens, das pressões que carregam em si injunções de adesão aos valores agora dominantes: competir, maximizar a capacitação para essa competição, ser rápido, esbelto e esperto para tornar-se um vencedor. A expansão das depressões em todas as faixas etárias constitui um fenômeno complexo que tem merecido muitas tentativas de interpretação. A depressão ocupa o primeiro lugar em freqüência no cenário mundial dos transtornos mentais (OMS). É consenso, entre os que estudam a questão, de que esse dado não pode ser dissociado do estreitamento das perspectivas de realização pessoal que decorreu, para muitos, do estrangulamento do mercado de trabalho e do aumento da precarização das relações de trabalho. Na atualidade, além do que se modificou no mundo do trabalho, várias grandes mudanças têm sido consideradas nos impactos produzidos sobre a sociogênese dos distúrbios mentais: mudanças socioambientais, demográficas (migrações, aumento da população idosa), urbanização desordenada, hipertrofia das metrópoles, intensificação da velocidade dos meios de transporte e de comunicação, aumento da violência em muitos contextos, poder das mídias, expansão tecnológica em geral, além de tantas outras que afetaram a cultura – os modos de perceber o mundo e andar na vida.

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As transformações em curso, além de apresentarem reflexos epidemiológicos - isto é, na prevalência e no modo como essas patologias estão distribuídas na população e vinculados a diferentes fatores de risco - também têm sido relacionadas a alterações nas próprias expressões clínicas dos transtornos, isto é, na forma como estes se apresentam, nas pessoas, desafiando a categorização oficial (CID-10). Não podemos nos alongar na descrição das metamorfoses pelas quais a Psicopatologia Geral vem passando. O que desejamos enfatizar, é que além da Psicopatologia no Trabalho, que nos lança novos desafios na atualidade, as transformações contemporâneas também atingiram, mais amplamente, os processos em que se constituem as patologias mentais, e, também - devemos assinalar, apesar de não podermos aqui expandir o tema - as da área psicossomática. 3 A IDEOLOGIA DA GLOBALIZAÇÃO E A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA A reestruturação produtiva tem sido vinculada à chamada globalização econômica e ao desenvolvimento tecnológico. Analisadas conjuntamente por vários autores, globalização e reestruturação produtiva têm sido objeto de numerosos estudos, alguns dos quais também identificaram reflexos para os relacionamentos humanos, para a identidade e para a saúde mental (BAUMAN, 1999 e 2005; GAULEJAC, 1987). O desenvolvimento tecnológico foi apontado como a grande causa da “globalização” e usado como argumento poderoso para justificar a inevitabilidade da reestruturação produtiva em nível internacional e das reestruturações que se desencadearam nas organizações empresariais transnacionais e nacionais. Instaurado o processo de reestruturação em escala internacional, a exclusão social dos que foram considerados excedentes ou “descartáveis” logo se fez sentir. Porém, as reações ou respostas a essas forças “reestruturantes” foram, em grande parte, constringidas pela expansão de uma postura fatalista associada à idéia de inexorabilidade. Mais do que uma idéia, a inexorabilidade se transformou em uma poderosa crença. Vários são os pensadores da atualidade que entenderam a disseminação da crença na inexorabilidade como fruto de uma instrumentação, pelos ideólogos da doutrina neoliberal, na imposição ao mundo contemporâneo de uma ideologia - a ideologia da globalização. Nesta exposição, entretanto, precisamos nos ater aos limites do microssocial e da subjetividade, mas sem esquecer as mediações, que interligam este patamar a estruturas intermediárias e ao panorama internacional. E alertando para que a análise não seja determinista (isto é, interações precisam ser visualizadas, resiliências e resistências podem ter lugar) nem estabeleça um falso isolamento entre os planos macro e micro. 4 A CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE EM SUA RELAÇÃO COM A ÉTICA A economia moderna afastou-se da ética, lamenta o economista Amartya Sen. O autor identifica, nas publicações da economia moderna, “o descaso pela influência das considerações éticas sobre a caracterização do comportamento humano real.” (p.23). Sen contrasta uma vertente da economia que é profundamente vinculada à ética e tem raízes no pensamento de Aristóteles, à corrente agora dominante, centrada na logística, na atenção aos meios de alcançar a riqueza, deixando de lado as finalidades humanas da economia (SEN, 1999). Certamente essa tendência identificada por Sen tem muita relação com as diretrizes empresariais prevalecentes quanto às opções de produção e administração de pessoal. No sofrimento mental relacionado ao trabalho e em suas expressões mórbidas, é a subjetividade do indivíduo que é atingida. A subjetividade é construída ao longo das experiências sociais da existência de cada ser humano. Para visualizar os processos sociais que vão incidir na subjetivação dos empregados, não poderia deixar de ser mencionado o patamar empresarial no qual se definem as políticas internas da organização. Aí são decididas transformações de processo de trabalho, adoção de novos equipamentos poupadores de mão-de-obra e a política de pessoal. É nesse âmbito que se delineiam novas práticas gerenciais e de organização do trabalho que irão impactar nas subjetividades (HELOANI, 2003). As políticas de pessoal assumem grande peso na caracterização da sociabilidade e dos mecanismos psicológicos de defesa dos trabalhadores, conforme já estudado no Brasil por Elizabeth Antunes Lima (1996). Ressaltamos a importância das análises críticas feitas por Eugene Henriquez às atuais políticas de pessoal. Essa crítica também é realizada por autores brasileiros (ENRIQUEZ, 1991 e 1992; DAVEL e VASCONCELOS, 1996). Em recente e magnífico livro – “Ética, Trabalho e Subjetividade” - o médico e sociólogo Henrique Caetano Nardi nos fala das metamorfoses deste processo de subjetivação, a partir de profunda revisão do tema e do estudo de duas gerações de trabalhadores metalúrgicos no Rio Grande do Sul (NARDI, 2006a).

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Conforme Nardi explica em recente entrevista, modo de subjetivação é um conceito tomado de Michel Foucault e, de forma muito resumida, podemos dizer que é a forma predominante como somos conduzidos a nos tornarmos sujeitos de nossos atos pela incitação, imposição ou convencimento com relação aos valores e verdades dominantes em um determinado tempo e em um determinado contexto (NARDI, 2006b). Nardi constata que “ética empresarial, embora ressaltada em quase todos os artigos que traçam o perfil dos executivos, é, entretanto uma ética subordinada a um valor maior, a competitividade.” (p. 119). O autor analisou o discurso da empresa em que trabalhavam os metalúrgicos que entrevistou, encontrando elementos essenciais para identificar os valores impostos à subjetivação dos trabalhadores. Além de valores e verdades impostos, as pressões sociopsicológicas também engendram sentimentos, nos processos de subjetivação que vão criar novas condutas e novas culturas. Poderíamos, então, formular a seguinte questão e tentar respondê-la: Quais os componentes, isto é, os ingredientes, que podemos identificar nos processos de subjetivação que tendem cada vez mais a prevalecer na atualidade? 1. A disseminação do medo. Como escreveu Pelbart, “O medo já não é reação a um perigo iminente, é a tonalidade afetiva dominante.” O medo generalizado acionou a criação de espaços microssociais onde ele impera e passa a gerar novos medos. Como diz o mesmo autor “seria preciso compreeender como um tal microfascismo ‘pega’, ‘funciona’, se alastra, se propaga, dispara consensos, produz intimidação, anestesia, sede de vingança, torpor político...”. Pelbart, neste texto, não focalizava o mundo do trabalho e, sim, escrevia a propósito da “guerra urbana” que eclodiu em São Paulo, em 2006, apontando, como esclarece o subtítulo de seu artigo, que “em tempos de Hezbollahh e guerra urbana, o medo não é efeito de perigo à vista.É o jeito-padrão de reagir ao cotidiano.” (PELBART, 2006). Podemos discernir que diferentes medos dominam o panorama contemporâneo no qual a violência se alastra, atingindo de modo especial os que ainda habitam no interior do mundo do trabalho. O próprio cotidiano de trabalho é cada vez mais impregnado por violência, às vezes explícita, mas predominantemente sutil e perversa. Entre os medos que aí proliferam, vale lembrar que no chão de fábrica ainda subsiste o medo de sucumbir aos riscos de acidente, para os operários pressionados por sobrecargas de trabalho em ritmos cada vez mais acelerados. Mas sobressaem outros medos: medo do desemprego, o medo da exclusão, o medo de não conseguir ser polifuncional ou dominar novos conhecimentos e técnicas; de não agüentar as exigências do trabalho e adoecer; o medo de enlouquecer; o medo de ser desqualificado, prejudicado no desenvolvimento profissional ou na trajetória funcional. E ainda, o medo de ser agredido durante o trajeto ou durante o próprio trabalho. É possível evocar, ainda, o medo de não corresponder ao modelo de super-homem ou super-mulher que é imposto, às vezes conjuntamente, pela família, pela mídia e pelas organizações em que atuam. O medo, permeando as relações interpessoais, abre espaço para a desconfiança que vai impregnar a sociabilidade fora e dentro dos ambientes de trabalho, rompendo ou impedindo laços interpessoais, produzindo isolamento entre as pessoas. Uma desconfiança que está na raiz das manifestações paranóides que se alastram no mundo do trabalho e na sociedade. Sobre o medo, cabe ainda lembrar que, para alguns, se faz presente juntamente com a consciência da própria vulnerabilidade. Mas que suscita, na maioria, os mecanismos individuais e coletivos de defesa que se voltam para abafá-lo, convertendo a vulnerabilidade em imaginária onipotência. 2. Insegurança e incerteza. Nem sempre é possível separar o medo de um amálgama de percepções, entre as quais destacamos as de insegurança e incerteza. Em geral, nestas circunstâncias, o medo coletivo desencadeia vivências individuais de insegurança. Estas, por sua vez, brotam de um conjunto complexo, que não se resume aos medos específicos que acabamos de enumerar. Existe uma outra insegurança, gerada pela incerteza quanto ao futuro, que além de ser gerada pelo conjunto das ameaças percebidas, está também fortemente associada, à insuficiência e ao desmonte do chamado “Estados de Bem-Estar Social”. A propósito da generalização das carências sociais que tem pressionado e transformado os sistemas de proteção social nos países desenvolvidos, Pierre Rosanvallon (1995), em seu livro “A Nova Questão Social”, é bastante esclarecedor quando afirma: “Os fenômenos de exclusão, de desemprego de longa duração, desgraçadamente definem amiúde estados sociais” (p. 27). O autor pontua que, diante da predominância de tais situações de mais difícil reversibilidade, as necessidades de proteção não dizem respeito, meramente, aos riscos sociais que anteriormente eram objeto da cobertura previdenciária para momentos mais transitórios como a doença, o acidente, o desemprego momentâneo. Perplexo, sem ver perspectiva para superar sua desinserção, o indivíduo vivencia a sensação de sofrer uma paralisia na qual se percebe impotente para direcionar seu futuro. Atualmente, ao anseio de escapar da insegurança o indivíduo vê contraposto o discurso que remete seu destino pessoal (e o daqueles para os quais é o/a provedor/a) ao nível global. Da mesma forma, o

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trabalhador que teme o desemprego escuta que o destino dos empregos do setor da economia em que se insere a empresa em que ele trabalha, - e, portanto, seu próprio emprego, - dependem de um patamar “superior”. Resistências individuais ou coletivas são inibidas e desacreditadas (“Não adianta recorrer à hierarquia da empresa nem ao sindicato” ou “Não existe a quem recorrer - o que decide é o mercado global)”. Esta incerteza se agrava nos contextos nacionais onde as estruturas de proteção social ainda não haviam alcançado seu desenvolvimento pleno à época em que se avolumou a onda neoliberal. Nestes países também se desenvolveram pressões e discursos direcionados a uma regressão, em nome da adequação a novos tempos de competitividade, nos quais os indivíduos se autonomizem para cuidar de si mesmos. No Brasil tem estado fortemente ativa uma retórica que vem se voltando para mostrar como obsoleta a proteção que emana da formulação dos dispositivos do Título VIII (da Ordem Social), presente na Constituição de 1988. Muito embora reações importantes tenham surgido a esta retórica, o poder da mesma não pode ser ignorado. Pois além das ameaças regressivas tem sido obstaculizada a regulamentação de vários dispositivos constitucionais importantes para o avanço da proteção social. Ainda para acentuar a magnitude da vivência de incerteza, não pode deixar de ser assinalada a extensão da população que se encontra sem cobertura da Previdência Social, seja por estar em situação de trabalho informal, seja por não ter conseguido inserção no mercado formal, seja, ainda, por viver em desemprego de longa duração. Estima-se que, atualmente, no Brasil, apenas aproximadamente um terço da população economicamente ativa (PEA) possua cobertura (DIAS e MELO, 2003). 3. O apagamento da justiça como valor fundamental (NARDI, 2006). Justiça sempre foi o núcleo da própria ética, assumindo a feição de imperativo ético historicamente consolidado e firmemente inserido na subjetividade. A disseminação da injunção de “competir para sobreviver” aparece como uma explicação insuficiente para que possamos entender a fragilização de um princípio tão essencial e deve estar associada a aspectos de maior complexidade presentes em nosso momento histórico - numa dinâmica que ainda precisa ser melhor conhecida. 4. O individualismo que se sobrepõe à solidariedade (GÉNÉRAUX, 1998; NARDI, 2006; ROSANVALLON, 1995; ZOLL, 2000, entre outros). Trata-se de um individualismo solitário, cuja emergência já vem sendo analisada desde o final dos anos 70. Ele vem permeando a sociedade de um modo difuso, mas assume expressões especiais no mundo do trabalho. O individualismo tornou-se essencial para a internalização do controle. O controle dos trabalhadores que se fazia na gestão tayloristafordista passou por uma transformação na empresa hipermoderna. No livro que Pages e Cols publicaram em 1979 na França (O Poder das Organizações) já era mostrado o deslocamento em que o poder organizacional abandonou parcialmente o controle exterior e passou a comandar a subjetividade, atuando sobre os desejos e as fantasias. Deste modo foi internalizada a dominação. Este livro revelou como se fez a articulação entre os objetivos da direção e as aspirações pessoais. A instrumentação de um individualismo cada vez mais acirrado foi um dos meios utilizados neste processo (PAGÈS et alli, 1987). Oito anos depois, um dos autores deste livro, Vincent de Gaulejac (1987), descreve as engrenagens que têm conduzido ao domínio deste individualismo: “Em nossas sociedades “narcísicas” dominadas pelo modelo de desenvolvimento das sociedades multinacionais que qualificamos como “modelo gerencial” (modèle managerial), os ideais de sucesso social, de promoção individual, de mobilidade individual permanente (ao mesmo tempo profissional e geográfica) correspondem aos dispositivos dominantes de legitimação social: a ideologia da realização de si, do desenvolvimento pessoal é veiculada através da maioria das mídias, das instituições educacionais e das organizações profissionais. Ela atravessa a maior parte das classes sociais” (p. 180). 5 SUBJETIVAÇÃO NOS CONTEXTOS ORGANIZACIONAIS CONTEMPORÂNEOS. A IDEOLOGIA E A CULTURA DA EXCELÊNCIA Na seqüência, passamos a examinar alguns outros ingredientes, mais específicos dos processos de subjetivação que se fazem a partir de diretrizes que nasceram e foram impostas no contexto das grandes organizações – mas que logo atingiram as demais. Assim, para os trabalhadores, eles coexistem com aqueles que atingem toda a sociedade. Consistem em idéias e princípios que fazem parte de uma ideologia que se tornou predominante. Essa ideologia permeia a reestruturação produtiva e ao impregnar as políticas de pessoal, foi inicialmente identificada na origem do quadro clínico que Aubert e Gaulejac denominaram neurose de excelência (AUBERT e GAULEJAC, 1981).

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Nosso ponto de vista é de que desvelaram uma ideologia da excelência que é a face apresentada, no mundo empresarial, pela mesma ideologia da globalização, identificada e analisada por tantos sociólogos da atualidade. Essa ideologia originou o que se pode reconhecer como uma verdadeira cultura (cultura da excelência) na qual os valores instaurados presidem aos comportamentos e passaram a conformar crenças e mitos. Pela importância de levar em conta a variedade dos quadros clínicos ‘que tem se apresentado em íntima vinculação ao fortalecimento de imposições articuladas a tal ideologia, vamos em seguida examinar alguns componentes da mesma. Sem desconsiderar que a força de tais princípios também atinge a própria cultura do entorno social mais amplo, e, portanto, também os indivíduos que estão fora do trabalho (por exemplo, aqueles que estão se preparando para ingressar no mercado de trabalho e que tomam conhecimento destas injunções). Passemos, pois, a examinar os elementos que fazem parte da ideologia da excelência e da cultura que lhe corresponde: 1. competitividade. Como valor maior designado a todos os níveis da organização e diretriz das condutas individuais; 2. flexibilidade. A palavra flexibilidade tem aparecido como um têrmo-chave na retórica que comanda a reestruturação produtiva, passando a assumir a configuração de valor e de princípio imposto simultaneamente às relações sociais de trabalho, aos processos de produção e às pessoas que trabalham. A empresa que não é flexível está condenada a não sobreviver. O assalariado não flexível está sob risco de desemprego. A imposição deste princípio aos trabalhadores tem acarretado prejuízos importantes à saúde mental (SELIGMANN-SILVA, 2001). Um dos pontos a destacar é a forma pela qual sob o império do princípio de flexiblidade - e aqui estamos falando não só da flexibilização e desregulamentação das relações de trabalho - são criados temores (de não conseguir corresponder às exigências de ser flexível , por exemplo), o que leva a ansiedade, bem como as vivências de instabilidade e insegurança. Richard Sennet, refletindo sobre a flexibilidade, concluiu que ela contribui fortemente para a corrosão do caráter que identificou em casos que estudou. O autor mostra que a mudança continuada institui uma superficialidade degradante, pois “as pessoas sentem falta de relações humanas constantes e de objetivos duráveis” (SENNET, 1999, p. 117). Outro ponto é que a exigência de flexibilidade prejudica freqüentemente duas fontes importantes de Saúde Mental: a sublimação e o reconhecimento; 3. o culto à velocidade, à agilidade, a tudo que é “rápido” e “enxuto” (estruturas e pessoas “enxutas” nas organizações) (AUBERT e GAULEJAC, 1981; SELIGMANN-SILVA, 1991). Na exaltação a uma mobilidade que deve ser cada vez mais rápida, também o tempo é atingido: o passado é desvalorizado, vale o que se realiza num presente fugaz, que logo será sucedido por um futuro onde as metas poderão já ser outras. Não se aprofundam, nem reflexões, nem comprometimentos, pois não há tempo para se fixar em nada, logo virá um novo deslocamento; 4. a evitação dos sentimentos: um bloqueio que tem sido estudado no que denominamos síndromes da insensibilidade, que foi evidenciado, por exemplo, no estudo de analistas de sistemas publicado em texto de ROCHA (2000); 5. o apagamento da ética. Dejours nos fala de um sofrimento ético em situações de trabalho nas quais o indivíduo sofre pressões para abandonar seu sentido ético, sofrimento este que pode levar a “estratégias defensivas que se tornem eficazes na atenuação da consciência moral e meio de aquiescência ao exercício do mal.” (DEJOURS, 1999, p. 141). Na violentação da dignidade de subordinados, verificada no assédio moral e em outras circunstâncias, ocorre, por exemplo, este apagamento da ética; 6. a polivalência pode ser vista como outro componente da cultura da excelência. Quando um trabalhador especializado é forçado a passar à condição de polivalente, ele vivencia uma perda importante, que fere seu amor-próprio e sua identidade. A diretriz voltada à polivalência também pode gerar temor e insegurança, pelo receio de não conseguir dar conta de tantas técnicas e atribuições. A polivalência tende a deslocar para plano secundário, em muitos contextos de trabalho e para certas atividades, o valor constituído anteriormente pela competência, desenvolvida ao longo da formação e da experiência profissional. O impacto destes “ingredientes” na subjetividade, abre um leque amplo de possibilidades quanto ao desenvolvimento ou não de um sofrimento mental que venha a tornar-se patológico. E, caso haja adoecimento, irá variar a configuração clínica do mesmo, que poderá ser um quadro psicossomático ou um entre os vários transtornos mentais relacionados ao trabalho. Parece-nos mais apropriada essa reflexão, ao invés de adotar como “rótulo” diagnóstico genérico nas culturas de excelência a expressão neurose de excelência - que consta como alternativa diagnóstica entre as modalidades de transtorno mental consideradas na Lista Brasileira de Transtornos Mentais Relacionados ao Trabalho.

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A Lista de Transtornos Mentais (oficializada) relacionados ao trabalho traz na descrição da categoria “Outros transtornos neuróticos especificados” a observação de que “o grupo inclui transtornos mistos de comportamento, crenças e emoções que tem uma associação estreita com uma determinada cultura.” Essa categoria inclui a neurose profissional, sendo que a neurose de excelência é apresentada como uma das formas clínicas desta (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). Passaremos, na seqüência, a enfocar outros transtornos mentais considerados pela mesma Lista. Não será possível tratar aqui de todos eles. Para os interessados nos transtornos mentais orgânicos referidos pela Lista, em sua maioria relacionados com a exposição a neurotóxicos, sugerimos a leitura do artigo de Camargo, Caetano e Guimarães indicado na bibliografia deste texto (CAMARGO, CAETANO e GUIMARÃES, 2005), além das orientações da própria Lista. Um artigo de Sílvia Jardim e Débora Glina, também constante da bibliografia, traz orientação diagnóstica para o reconhecimento de todas as patologias listadas. 6 EPISÓDIO DEPRESSIVO RELACIONADO AO TRABALHO Roudinesco afirma que a sociedade atual pode ser caracterizada como uma sociedade depressiva, considerando que “a depressão domina a subjetividade contemporânea.” No ano de 1999 a autora escrevia: “às vésperas do terceiro milênio, a depressão tornou-se a epidemia psíquica das sociedades democráticas, ao mesmo tempo que se multiplicam os tratamentos para oferecer a cada consumidor uma solução honrosa” (p.17). Essa depressão, explica Roudinesco, não é propriamente uma doença, mas um estado. Torna-se necessário, assim, distinguir tal estado dos quadros clínicos (individuais) onde uma ação terapêutica se possa fazer útil e é importante a advertência da autora, apoiada em estudo feito por Pierre Juillet, para os riscos da ampliação da definição clínica de depressão - que vem ocorrendo e conduzindo a uma medicalização da sociedade – através do uso indiscriminado de produtos psicotrópicos - na tentativa de amenizar um mal-estar que é de natureza sobretudo social. Discernir, em tal contexto, as formas pelas quais o trabalho atua na gênese e evolução de episódios depressivos aumenta o desafio diagnóstico, desafio que exige, sempre, um estudo acurado do histórico de vida e trabalho para que as correlações sejam identificadas. A gênese de episódios depressivos em sua vinculação ao trabalho se processa, geralmente, articulada a uma perda importante ou a uma sucessão de frustrações verificadas no contexto. As probabilidades de desenvolvimento de episódio depressivo aumentam na falta de apoio social e ausência de alternativas concretas para superação do ocorrido. A não obtenção ou a perda de reconhecimento, gera decepção e pode também desencadear depressão. É o que acontece freqüentemente com pessoas que defrontam uma das seguintes situações: a) trabalhadores que viram suas especialidades serem superadas pelo avanço tecnológico; b) trabalhadores que possuíam especialidades e que sofreram deslocamento para setores ou cargos onde não podiam mais exercê-las, vivenciando desqualificação, e ,em suma, autodesvalorização, mesmo quando os remanejamentos eram feitos sob o disfarce de uma “modernização” em que eram incentivados a se tornarem “trabalhadores polivalentes” (multifuncionais). Outras ocorrências que podem favorecer a patogênese do episódio depressivo são: - sentir-se alvo de injustiça, desconsideração ou humilhação, especialmente, se de forma reiterada e se não houver possibilidade de reagir; - ser preterido sistematicamente ou em ocasiões sucessivas, por ocasião das promoções que ocorrem na empresa ou em eventos nos quais se efetiva reconhecimento público dos funcionários (premiações ou outras), percebendo isto como injustiça; - ser excluído de eventos significativos promovidos pela empresa ou pelo grupo de trabalho do qual faz parte; - ser prejudicado freqüentemente por não receber informações importantes para seu desempenho ou progressão funcional; - sofrer outras formas de discriminação, humilhação ou isolamento no ambiente de trabalho. Evidentemente, várias das possibilidades acima elencadas podem corresponder a uma forma de promover intencionalmente o desprestígio, o aniquilamento moral e a desestabilização emocional do empregado, dentro dos aspectos que atualmente identificam o assédio moral. Margarida Barreto, em tese de doutorado, identificou a correlação entre a reestruturação produtiva e a expansão do assédio moral, bem como da repercussão deste no surgimento de quadros depressivos (HIRIGOYEN, 1998; BARRETO, 2005). Em conflitos gerados na competição pelos cargos que restaram nas empresas que foram reestruturadas, foram rompidos laços de confiança que uniam antigos companheiros de trabalho, provocando prejuízos e

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decepções dolorosas aos preteridos - ou “perdedores” na linguagem adotada em alguns ambientes onde a retórica é a da guerra pela sobrevivência. Por outro lado, tem sido observado que em seqüência às demissões maciças que foram realizadas na reestruturação de muitas empresas, o corte também feriu psiquicamente os funcionários remanescentes, ao romper bruscamente parcerias e solidariedades estabelecidas ao longo de muito tempo de convívio (ATHAYDE, 1997). No atendimento de trabalhadores atingidos por depressão, os relatos dos mesmos identificam muitas vezes que estes pacientes passaram por situações de humilhação no trabalho. É o que já havia sido observado por Barreto, em um amplo estudo sobre trabalhadores de indústrias químicas realizado em São Paulo (BARRETO, 2000). Este estudo evidenciou uma degradação dos relacionamentos interpessoais que feriu a dignidade dos atingidos e acarretou profundas feridas à identidade. Determinadas práticas de avaliação podem assumir conotação de humilhação, quando também atacam a dignidade dos avaliados. Outras vezes, a humilhação se processa na ocasião em que ocorre a apresentação pública dos resultados das avaliações de que os funcionários foram alvo. Existem relatos, denunciados inclusive pela imprensa, de empresas que adotam a prática de ridicularizar publicamente, de modo sistemático, os profissionais de vendas que não obtiveram bons resultados. No amplo leque de circunstâncias em que a depressão brota de situações de trabalho degradadas, assume enorme proporção na atualidade a problemática dos trabalhadores que atuam no setor informal. Uma vez que constituem aproximadamente um terço da PEA (população economicamente ativa), essa questão não pode ser relegada a segundo plano e demanda, além de maiores estudos, medidas urgentes de enfrentamento. A desproteção previdenciária e a ausência de vínculo contratual coexistem, para muitos destes trabalhadores, com condições onde o ambiente e a organização do trabalho os expõem a maiores riscos físicos e mentais. Vivendo em insegurança permanente, acumulando desgastes e vivendo a incerteza quanto ao futuro, muitos destes trabalhadores mergulham no desalento e desenvolvem quadros depressivos diretamente derivados dessas situações de precariedade. Aqui, mais uma vez, os episódios em que sobrevêm humilhações se fazem sentir com freqüência. SINTOMAS: O episódio depressivo pode se apresentar num quadro agudo ou já cronificado. As manifestações predominantes numa depressão são, em geral, o humor triste, o desânimo, as vivências de perda, sentimentos de fracasso, dificuldade de visualizar perspectivas positivas, tendência a se auto-culpabilizar, pensamentos sombrios onde perpassa. Ocorrem, ainda, lentificação do pensamento e dos desempenhos, dificuldade para concentrar atenção, perturbações do sono (freqüentemente insônia no final do período noturno, mas em alguns casos, também, sonolência diurna), dificuldades de tomar iniciativa. Idéias negativas ocupam o pensamento, às vezes perpassam pensamentos de morte. A fadiga mental advém com facilidade diante do prolongamento das atividades. Diante das exigências do trabalho, o indivíduo se sente muitas vezes frágil e incapacitado, mesmo em situações nas quais sua formação e experiência profissionais lhe permitiriam sair-se bem, se não houvesse a depressão. Nestas circunstâncias, as pressões organizacionais – ou a pressão pessoal exercida pela chefia ou mesmo por colegas de equipe – poderão aumentar a angústia e agravar a depressão. Este agravamento será tanto maior quanto mais presente estiver a ameaça de perda da função ou do lugar que o indivíduo ocupa na hierarquia e, pior ainda, a ameaça de perder o emprego. No contexto contemporâneo, as vivências de desesperança são intensificadas com base no conhecimento de uma realidade na qual as alternativas de um novo emprego foram consideravelmente reduzidas - o que desalenta mais ainda quem já se encontra deprimido. Acrescente-se que a falta de perspectivas é ainda mais desanimadora para aqueles trabalhadores que se aproximam dos 40 anos ou que já ultrapassaram esta idade - conforme demonstram os estudos e as estatísticas sobre desemprego e mercado de trabalho. E os trabalhadores sabem disso (SELIGMANN-SILVA, 1997). Estudos epidemiológicos referentes à depressão associada ao trabalho, embora já tenham evidenciado elevadas prevalências deste agravo mental em muitas categorias profissionais (JARDIM e GLINA, 2000) merecem ser expandidos. Patologias que se transformam ou que se associam: deve ser lembrado, ainda, que uma depressão pode desenvolver-se em seqüência a um acidente de trabalho ou associar-se a uma doença profissional ou relacionado ao trabalho ou, ainda, a outras patologias de longa evolução. BORGES (2000), em caixas de estabelecimentos bancários, verificou que as LER/DORT podem evoluir intimamente imbricadas a sintomas depressivos e prejuízos da sociabilidade. Principalmente, diante de seqüelas de um acidente ou do prolongamento de uma doença, o temor de quebra da trajetória de desenvolvimento pessoal e

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profissional bem como, o medo de desemprego são vivenciados com angústia e impotência. É, por exemplo, o que tem sido evidenciado no acompanhamento de numerosos pacientes de LER/DORT. A depressão pode ainda vir a se caracterizar associando-se ao desenvolvimento de outros transtornos mentais relacionados ao trabalho. Destacamos três situações: 1. no transtorno orgânico de personalidade relacionado ao trabalho em que existem agentes químicos do ambiente de trabalho que agridem as estruturas do sistema nervoso e que, entre outras manifestações, determinam também sintomas depressivos. Exemplos, entre outras, são as seguintes substâncias ou seus compostos tóxicos: mercúrio, chumbo, manganês, solventes aromáticos tóxicos, solventes orgânicos tóxicos (JARDIM e GLINA, 2000). Na progressão da patologia ocasionada pelos danos orgânicos e funcionais provocados pela ação neurotóxica dessas substâncias, podem surgir manifestações depressivas, a partir do sofrimento psíquico advindo da percepção do agravamento dos efeitos da intoxicação. Agressões provenientes do trabalho ferem assim, duplamente, atingindo o trabalhador no plano orgânico e no plano subjetivo; 2. em pessoas com diagnóstico de esgotamento profissional (burnout), ao longo da evolução, a sintomatologia pode configurar aos poucos a caracterização de um quadro de depressão crônica, conforme muitas observações clínicas; 3. do mesmo modo, na evolução do estresse pós-traumático relacionado ao trabalho pode vir a inscrever-se um quadro de depressão. Cabe ainda mencionar um achado freqüentíssimo nos serviços de atenção psiquiátrica: trata-se da depressão mascarada pelos quadros clínicos de alcoolismo. O que se revela aí à primeira vista, é a sintomatologia do alcoolismo e só uma abordagem mais aprofundada e prolongada permitirá ao médico ou psicólogo identificar que a busca da bebida alcoólica – que levou posteriormente à dependência alcoólica – foi, em verdade, a busca de um meio de anestesiar o sofrimento ligado a uma depressão relacionada ao trabalho (ou a outro tipo de depressão). Poderá ser caracterizado, então, muitas vezes, um diagnóstico associado: depressão e alcoolismo relacionados ao trabalho. Psicopatologia de confluências, onde o uso de bebida termina por agravar os sentimentos de culpa, aprofundando o quadro depressivo, levando a vivências insuportáveis que irão incrementar a procura da bebida. Poderemos ver mais a respeito no próximo tópico. A prevenção tanto quanto o tratamento da depressão ralacionada ao trabalho exigem, que dentro das empresas e de outros contextos de trabalho, se assuma desvelar e modificar as condicionantes organizacionais responsáveis pela escalada de episódios depressivos que procuramos resumidamente identificar neste tópico. 7 ALCOOLISMO CRÔNICO RELACIONADO AO TRABALHO A dependência de bebidas alcoólicas é problemática de alta complexidade sendo explicada pela interação de fatores biológicos, psicológicos e sociais. Os processos psicossociais assumem importância decisiva nesta questão. Para contextualizar este tópico parece-nos apropriado o seguinte trecho extraído do livro já citado de Elizabeth Roudinesco (2000). Diz a autora: “Todos os estudos sociológicos mostram (...) que a sociedade depressiva tende a romper a essência da vida humana entre o medo da desordem e a valorização de uma competitividade baseada unicamente no sucesso material, muitos são os sujeitos que preferem entregar-se voluntariamente a substâncias químicas a falar de seus sofrimentos íntimos.” (p. 30). Neste texto, Roudinesco está apontando para o uso generalizado de psicotrópicos na sociedade depressiva, mas o que diz se aplica também ao indivíduo oprimido pelo aprisionamento em uma situação de trabalho que se sente impotente (e solitário) para modificar, e que recorre à bebida alcoólica para anestesiar o sofrimento, “esquecê-lo”, vivenciar uma sensação prazerosa e/ou conseguir uma distensão, um relaxamento (pela ação ansiolítica do álcool). O álcool possui propriedades farmacológicas relaxantes, calmantes, anestesiantes, euforizantes, desinibidoras e estimulantes e é, assim, capaz de proporcionar um bem-estar que, embora passageiro, constitui a grande atração que leva milhões de indivíduos à sua utilização. As bebidas alcoólicas também podem funcionar como indutoras do sono, o que faz com que muitas vezes sejam procuradas para ajudar a conciliar o sono em portadores de insônia – inclusive das insônias vinculadas às inquietações do trabalho, o que pode tornar-se um hábito. Nestes casos, não é raro que se estabeleça o percurso que pode levar do hábito à dependência alcoólica. O alcoolismo crônico é considerado como uma síndrome de dependência - dependência que é psicológica e ao mesmo tempo física - o que significa que quando o individuo cessa de incorporar a substância surgem mal-estar e sintomas decorrentes da perturbação na fisiologia (funcionamento do organismo).

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O desenvolvimento do processo mórbido caracterizado pelo estabelecimento da dependência possui ingredientes biológicos, psicológicos e sociais, mas não obstante a complexidade deste processo, tornou-se indiscutível a importância das condicionantes sociais que conduzem ao hábito alcoólico e à dependência alcoólica. Os aspectos atinentes ao trabalho vêm merecendo crescente destaque neste conjunto. Na prática, os pacientes dependentes de bebidas alcoolicas não procuram os serviços de Saúde do Trabalhador e sim, afluem a serviços de Atenção Psiquiátrica em fases mais avançadas da dependência. Em crises de agudização do alcoolismo, são levados a serviços de emergência como prontos-socorros. A explicação da não procura de serviços de Saúde do Trabalhador pelos dependentes pode ser explicada pela fortíssima defesa psicológica de negação da dependência, presente de forma generalizada nestes casos. Desta forma, a caracterização de uma relação entre a dependência alcoólica e o trabalho, quando existe, tende a ser obscurecida pelo modo que se faz a utilização da rede dos serviços de saúde. Pois no atendimento de emergência em geral a anamnese é sumária e não identifica os aspectos laborais. No contexto brasileiro pode ser acrescentado, também, que os conhecimentos de Psicopatologia do Trabalho, de modo geral, ainda passam longe da formação daqueles que atuam em serviços psiquiátricos e de atendimento emergencial. A experiência dos que fazem atendimento de portadores de alcoolismo indica que a prática do uso reiterado de bebida alcoólica é causa de demissão em grande parte das empresas, sem que seja analisada a relação do alcoolismo com o contexto do trabalho. Na situação de desemprego, costuma agravar-se o alcoolismo, ocorrendo muitas vezes a ruptura de laços familiares, o que leva os atingidos à marginalidade. Nos anos 70, seu destino era um rodízio pelos hospitais psiquiátricos. Atualmente, são encaminhados principalmente à rede de cerca de 400 Centros do SUS (Sistema Único de Saúde) que são, especialmente, voltados às questões de alcoolismo e uso de drogas. Não dispomos de informações sobre a formação dos profissionais atuantes nestes centros em Psicopatologia no Trabalho nem às conexões interinstitucionais destes serviços com aqueles que se dedicam à vigilância e atendimento em Saúde do Trabalhador. O alcoolismo é o agravo mental que apresenta a 2ª maior magnitude nas estatísticas mundiais de morbidade psiquiátrica (o primeiro lugar é ocupado pelas depressões). No Brasil, a estimativa é da existência de 12 milhões de adulto em situações de dependência do álcool, segundo publicação da FAPESP (setembro de 2006) na qual é chamada a atenção para uma nova preocupação: o mascaramento da embriaguez alcoólica pelo uso concomitante de bebidas energéticas – que aumentam a euforia e a desinibição. A dependência e o abuso de bebidas alcoólicas se apresentam com relevância na problemática mais geral da violência e na questão mais específica dos acidentes de trânsito. Torna-se extremamente difícil isolar dos contextos de trabalho, as condicionantes sócio-culturais que, a partir do entorno mais amplo, fortalecem a expansão do uso de bebidas alcoólicas. Por exemplo, a propaganda de bebidas alcoólicas, carregada de apelos sedutores. Reforçada pela mídia, a crença na associação entre bebida, virilidade e coragem é, às vezes, utilizada para tentar neutralizar sensações de desalento e fracasso. Lembramos também que nossa cultura ainda está impregnada pelo sentido milenar atribuído às bebidas alcoólicas como elemento de confraternização. Os exemplos são numerosos. No espaço desta exposição é impossível nos estendermos mais a respeito de tantos aspectos sócio-culturais relevantes que indiretamente também influem na problemática do alcoolismo relacionado ao trabalho. Os mesmos contribuem para acentuação do hábito e para o enfraquecimento dos esforços de auto-controle. Ao pensar nas condicionantes da nossa época não podemos deixar de ressaltar, entretanto, a vinculação entre alcoolismo e a violência, presente na realidade social e comprovada por numerosos estudos epidemiológicos que correlacionaram homicídios e outros crimes ao consumo de bebidas alcoólicas. Mas, assim como o alcoolismo pode levar a decorrências violentas, a ingestão de bebidas pode ser também expressão de violência - violência auto-destrutiva, do indivíduo contra si mesmo ou violência indireta contra outros. É somente no nível individual, através de estudos de casos, que estas dinâmicas da violência têm sido identificadas e analisadas. Lesões e mortes provocadas por colisões, atropelamentos e outros acidentes com veículos automotores têm sido analisadas quanto à impressionante relevância que o consumo de bebidas alcoólicas apresenta nos mesmos. Em estudo publicado por Vilma Leyton e colaboradores, são relatados os achados de alcolemia verificados em 2360 vítimas fatais de acidentes de trânsito (colisões e atropelamentos),

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constatando presença de álcool etílico em quase metade (47%) das vítimas mediante os exames realizados no Núcleo de Toxicologia Forense do Instituto de Medicina Legal (IML) de S. Paulo. O estudo das situações de trabalho de motoristas profissionais em sua relação com a dinâmica causal da dependência do álcool ainda é incipiente em nosso país. Da mesma forma, o estudo de acidentes de trabalho em sua relação com alcoolismo mereceria ser pesquisado no Brasil. Já existem pesquisas a respeito, no contexto latino-americano, como a realizada no Chile. Lacerda (2000) chama a atenção para o fato de que muitos acidentes de trajeto relacionados ao uso de álcool são em verdade acidentes de trabalho. O mesmo autor apresenta uma revisão de estudos realizados basicamente nos Estados Unidos, onde foram traçadas correlações entre acidentes de trabalho e uso de bebidas alcoólicas, com o envolvimento do álcool em 25% de todos os acidentes de trabalho e 16% dos acidentes fatais. Estudos epidemiológicos têm revelado importante prevalência de alcoolismo em determinadas ocupações e situações de trabalho. Pesquisas qualitativas analisaram a dinâmica psicossocial que explica tais achados. É possível tentar categorizar essas verificações, mas convêm assinalar que as várias situações que apontaremos constituem terreno fértil não apenas para o alcoolismo, freqüente em todas elas, mas, de modo mais amplo, para o sofrimento mental, que poderá se desdobrar em diferentes formas de adoecimento. Apenas no primeiro grupo de situações, que iremos apresentar em seguida, o alcoolismo tem se mostrado como o transtorno mental mais característico: a) situações em que se realizam atividades socialmente desprestigiadas por envolverem atos ou materiais considerados desagradáveis ou repugnantes. Exemplos: o trabalho dos coveiros em cemitérios, atividades em esgotos, trabalho com lixo e dejetos em geral. Inclui-se nesta categoria também o trabalho de apreensão e sacrifício de cães. Nestas situações as pessoas costumam ser de fato discriminadas e passam a sentir-se “confundidas” e identificadas como componentes do “trabalho sujo”. Um mecanismo possível é o de que a autodesvalorização conduza à auto-agressão por meio do álcool. Nas entrevistas efetivadas em estudos qualitativos, outras explicações têm sido encontradas, mas um agravante concreto tem sido a falta de perspectivas – quanto à capacitação e desenvolvimento profissional. O álcool aparece como forma de “anestesiar” o mal-estar e o sentimento de repugnância. Outro fator que aumenta o risco é o tratamento desrespeitoso e humilhante que estes trabalhadores recebem muitas vezes de suas chefias, suscitando dor e raiva que a bebida deverá “acalmar”. Em outros indivíduos, de modo mais complexo, a bebida servirá à auto-agressão, canalizando contra si próprio a raiva que não pode ser direcionada para o autor da ofensa, porque é necessário preservar o emprego; b) situações em que a tensão gerada é constante e elevada. Englobam vários tipos de atividades tensiógenas: - trabalho perigoso: o perigo pode estar associado a condições em que há elevado risco de acidente, por condições inseguras, ritmos excessivos e desproteção. Recorrer à bebida alcoólica, para estes trabalhadores, seria um recurso para não pensar no perigo, esquecê-lo no intervalo entre as jornadas de trabalho - pois é preciso reencarar o perigo no dia seguinte. Isso ocorre numa prática que muitas vezes é realizada coletivamente, como bem estudou Dejours em operários da construção civil (DEJOURS, 1990); - trabalho intensivo sob altas exigências de desempenho e rapidez; - trabalho que exige auto-controle emocional intenso e continuado; - trabalho repetitivo, monótono, que gera tédio e insatisfação; - trabalho em situações de isolamento. Caso em que se situam vigias que zelam pela segurança de empresas ou residências. Também condutores que viajam por longos períodos, em cabines isoladas, seja em trens ou em outros tipos de transporte. Tivemos ocasião de estudar o problema no sistema ferroviário de São Paulo; - atividades que envolvem afastamento prolongado do lar. Como exemplo temos os trabalhadores de plataformas submarinas e aqueles cujas atividades envolvem viagens continuadas, como acontece no caso dos marinheiros e dos viajantes comerciais. Deve ser enfatizada a importância dos estudos epidemiológicos, que poderão oferecer base importante, sempre que a prevalência do agravo seja indicativa, para estabelecer a relação entre a situação de trabalho e o alcoolismo crônico. Pois se em determinada unidade de uma empresa existem, por exemplo, porcentuais significatiivos de empregados em afastamento por alcoolismo e/ou por patologias derivadas do mesmo - neuropatias, cirrose hepática, gastrite alcoólica, entre outras - essa constatação, juntamente com os achados clínicos e o histórico ocupacional compatíveis, respaldará o diagnóstico de alcoolismo crônico relacionado ao trabalho. Não nos deteremos na exposição do quadro clínico, limitando-nos a lembrar que o que o caracteriza é a perda do controle em relação à ingestão de bebidas alcoólicas e que esta perda pode apresentar-se de forma continuada ou em episódios periódicos que se sucedem no tempo. No capítulo que trata dos

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Transtornos Mentais e do Comportamento relacionados ao Trabalho, o Manual de Procedimentos para “Doenças Relacionadas ao Trabalho” (Ministério da Saúde, 2001) detalha com clareza os critérios diagnósticos, podendo ser destacada a importância de identificar no trabalhador examinado um forte desejo ou compulsão de consumir álcool em situações de forte tensão presente ou gerada pelo trabalho. Outras manifestações são elencadas, sendo uma delas a que diz respeito aos sintomas de abstinência (síndrome de abstinência) - típicos e que aparecem na diminuição ou interrupção do uso da bebida. Ressaltamos, ainda, a seguinte diretriz presente no Manual: As manifestações devem ocorrer juntas, de forma repetida durante período de 12 meses, devendo ser explicitada a relação da ocorrência com a situação de trabalho” (p.176). Reiteramos a freqüência com que na história clínica poderá ser identificada uma depressão prévia à instalação do alcoolismo e que, muitas vezes, já estava relacionada com a situação de trabalho. A irritabilidade e outras alterações do humor geralmente levam a dificuldades e conflitos nas relações interpessoais, tanto no ambiente de trabalho quanto na vida familiar e em outros espaços sociais. O portador de alcoolismo em geral diminui seu desempenho no trabalho e sofre ao sentir que perde credibilidade, que não se confia mais nele. Muitas vezes é concretamente discriminado e acaba sendo demitido por “justa causa”, sem ter oportunidade nem de ver reconhecida a relação entre sua doença e a situação de trabalho nem a de receber o apoio e orientação necessários à recuperação de sua saúde. Em muitas circunstâncias, estas pessoas são submetidas a pressões que as fazem assinar acordos pelos quais são rompidos seus contratos de trabalho. O diagnóstico de alcoolismo para muitos ainda tem o sentido de um rótulo ultrajante. Por isto, e também para não se sentir pressionado a deixar algo que passou a ser sentido como essencial e imprescindível – a bebida – é que aqueles que desenvolveram a adição às bebidas alcoólicas desenvolvem, também, tão intensas formas de negação. Negam a dependência e a necessidade de ajuda para enfrentá-la. Vivenciam uma profunda ferida no amor próprio (ferida narcísica), a dor e a raiva pelas humilhações e muitas vezes também fortíssimos sentimentos de vergonha e tristeza. A dinâmica em que são mobilizados estes conteúdos cresce concomitantemente à incompreensão de seus comportamentos pelos demais, no ambiente de trabalho e nos demais ambientes de sua vida cotidiana. Em muitos casos sobrevêm a separação da família e o isolamento social. A exacerbação do consumo alcoólico pode conduzir, nestas circunstâncias, ao agravamento do quadro mental ou ao coma alcoólico. A psicose alcoólica e o delirium tremens são alguns dos agravos que poderão se apresentar. 8 SÍNDROME DO ESGOTAMENTO PROFISSIONAL (BURN-OUT) - Z73-0 A expressão inglesa burn-out corresponde a “queimado até o final” e foi traduzida para o português como “estar acabado”, na versão brasileira da CID-10. Esta é a denominação de um quadro clínico, que também foi chamado Síndrome do Esgotamento Profissional e que recebe o código Z73-0 na Classificação oficial. Consideramos pejorativa a designação “estar acabado”, por isso utilizaremos aqui as denominações “síndrome de esgotamento profissional” e por já haver se tornado corrente na área “psi”- o termo “burn-out”. Herbert Freudenberger, em seu livro Burn-out, publicado em 1980, associa a síndrome à seguinte representação: um incêndio devastador, um “incêndio interno” (subjetivo) que reduz a cinzas a energia, as expectativas e a auto-imagem de alguém que antes estava profundamente envolvido em seu trabalho. Baseando-se em um grande número de estudos de caso, Freudenberger identificou que especialmente dois tipos de pessoas estão expostas ao “apagão interno” consubstanciado no “burn-out”: 1) indivíduos particularmente dinâmicos e propensos a assumir papéis de liderança ou de grande responsabilidade; 2) idealistas que colocam grande empenho em alcançar metas freqüentemente impossíveis de serem atingidas. Foram já realizados numerosos estudos sobre burn-out, tanto em abordagens epidemiológicas - na Europa, nos Estados Unidos, no Canadá e, mais recentemente, na América Latina - quanto em pesquisas qualitativas. Estes estudos têm analisado profissionais dos setores de educação e saúde. Os profissionais que desenvolvem o burn-out são em sua maioria aqueles que prestam serviços a outras pessoas, especialmente os denominados cuidadores, isto é, aqueles que cuidam de outras pessoas. Têm sido constatadas altas freqüências da síndrome em professores/as, enfermeiras/os, médicos/as e assistentes sociais em diferentes países. Freudenberger também estudou casos de executivos.

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Atualmente, nas empresas, vem sendo observado número crescente de casos da síndrome, a partir da incrementação das grandes mudanças organizacionais que acompanham a reestruturação produtiva. Ela tem incidido em gerentes de vários níveis da administração e em outros executivos. Nestas mudanças, as pressões sofridas continuadamente para que os indivíduos atinjam metas cada vez mais avançadas, adquirem caráter extenuante, podendo levar ao esgotamento profissional. Verificase nestes casos de reestruturação, tanto nas áreas administrativas quanto de produção, a importância assumida pelo sentimento de perda de algo que o indivíduo se sente impossibilitado de reconstituir. No contexto contemporâneo as perdas tornam-se especialmente impactantes quando remetem para a dificuldade de encontrar alternativas, seja dentro do contexto de trabalho que foi transformado de modo a não haver retorno a uma situação anterior (“minha função desapareceu”, “meu antigo setor foi extinto”, “desfizeram a minha equipe”), seja fora da organização, pelo estreitamento do mercado de trabalho. Existem dois tipos principais de perda quando se “encolhe” a estrutura de uma empresa. O primeiro é a perda de uma função, de uma atividade na qual o indivíduo havia desenvolvido experiência e muitas vezes investido criatividade, atividade que era fonte de orgulho profissional e alicerce de identidade. Resulta em insegurança diante dos deslocamentos de cargo e mudança de função. O segundo tipo de perda corresponde à perda afetiva, dos relacionamentos interpessoais e da relação solidária que existia dentro de um coletivo que foi extinto (já falamos a respeito no tópico referente aos episódios depressivos). O quadro clínico da síndrome de esgotamento profissional apresenta como manifestação central uma exaustão que eclode de modo aparentemente brusco, sob forma de uma crise. Freudenberger descreve uma fase prévia à irrupção do “incêndio aniquilador”, na qual se instala uma sensação de tédio que substitui o habitual entusiasmo pelo trabalho aparecendo, também, irritabilidade e mau-humor. O fenômeno central da vivência de esgotamento e exaustão é acompanhado por uma segunda manifestação característica desta síndrome: uma aguda reação emocional negativa, de rejeição, ao que antes, no trabalho, era objeto de dedicação e cuidado. Professoras não suportam mais ver os alunos diante de si; enfermeiras referem não agüentar mais a proximidade dos doentes de quem cuidavam, médicos sentem igualmente esta súbita rejeição pelos clientes, da mesma forma que assistentes sociais sentem necessidade de se afastar das pessoas que esperam atendimento. Instala-se o desinteresse pelo trabalho. Tudo o que, anteriormente, “movia a alma” passa a ser indiferente ou irritante, sobrevém a dificuldade de concentração nas atividades e queda do desempenho - terceira manifestação característica. O indivíduo percebe com inquietação e desânimo esta queda, ao mesmo tempo que diminui seu envolvimento pessoal no trabalho. Uma tonalidade depressiva caracteriza o humor. Há perda de disposição, dificuldade para levantar, alterações do sono, num conjunto de manifestações que costuma exigir um diagnóstico diferencial das depressões. Em alguns casos, a ansiedade pode ser mais evidente que a depressão - que se mantém submersa (FREUDENBERGER ,1980). A insensibilidade, que emerge no que foi identificado como um fenômeno de despersonalização por Maslach (1982), transforma e endurece o relacionamento dos cuidadores com as pessoas que recebem seus serviços (Maslach tem desenvolvido muitas pesquisas sobre burn-out adotando como referencial a teoria do estresse, ao passo que Freudenberger é um psicanalista). Freudenberger (1980) constatou que o esgotamento profissional atinge pessoas que se dedicavam intensamente a seu trabalho. Nas atividades voltadas para a formação e desenvolvimento humano (educadores), bem como na prestação de cuidados de saúde e proteção social em geral, essas pessoas tinham muitas vezes uma história pessoal que evidenciava que se atribuíam uma verdadeira missão e que mantinham expectativas grandiosas quanto ao que almejavam realizar e ao reconhecimento que esperavam merecer. Devemos acrescentar que nestas profissões, sempre existiu, em geral, uma consciência sobre o sentido social e humano de suas atividades, sentido este que é de natureza ética. Saúde e educação constituíam valores intrínsecos que davam sentido a seu trabalho, respectivamente para profissionais de saúde e para professores. Assistentes sociais formaram sua identidade profissional fundamentados na concepção de que proteção social era um direito vinculado à idéia de justiça social, e profundamente integrado à própria idéia da justiça como valor maior, ao qual deveria estar direcionado seu trabalho. Dentro desta perspectiva, podemos entender o esvaziamento subjetivo vivenciado no “burnout” que agora se dissemina no interior das redes institucionais em que atuam estes profissionais, considerando que surgiram ameaças e ataques à preservação do sentido de seu trabalho. Estes constrangimentos estão embutidos em reformulações organizacionais acopladas ou não à introdução de novos recursos técnicos (mas, um alerta: não culpemos as novas tecnologias, o que importa são as decisões quanto aos modos como elas são inseridas no processo de trabalho). Este ataque ao sentido do trabalho se deu, também, pela imposição de métodos e metas que se opõem ou são estranhos à dimensão ética que era inerente a esses tipos de trabalho e explica, assim, a disseminação atual do esgotamento profissional nas categorias mencionadas.

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A imposição de pressões de tempo e exigências de produtividade prejudicam a qualidade do contato interpessoal com os pacientes, na área de saúde e a própria realização dos procedimentos e diagnósticos de uma consulta médica. A burocratização do trabalho das enfermeiras e o volume de registros computadorizados que têm que operacionalizar, impedem que desenvolvam aspectos essenciais de sua profissão, na prestação de atenção direta aos pacientes. Divisamos, assim, a questão da agressão ao sentido do trabalho, no cerne da diferença entre o que foi encontrado por Freudenberger nos anos 70 e o que se verifica na atualidade, quanto ao que desencadeia o processo subjetivo do “burn-out” em professores e cuidadores. O esvaziamento que foi descrito por Freudenberger é preponderantemente o do profissional que se dedicava ao trabalho como à uma causa, encontra incompreensão ou outras dificuldades, continua a esforçar- se, até que advenha, dolorosamente, a percepção de que está “dando murro em ponta de faca” – momento em que ocorre a exaustão e sobrevém a sensação de saturação e fracasso, abrindo dolorosa ferida no amor-próprio (ferida narcísica). A crise ocorre, na atualidade, diante do desmoronamento não apenas de uma visão idealizada de si mesmo e de uma missão (como dizia Freudenberger), mas agora, também diante da percepção de que foi abalado o caráter ético que dava sentido às atividades de educação, saúde e assistência social. Uma observação relevante que tem sido feita é a de que o “burn -out” ocorre principalmente quando o profissional não encontra apoio social para resistir contra pressões que burocratizam, tecnificam artificialmente e esvaziam o sentido de suas atividades. O apoio preventivamente valioso pode ser o constituído no ambiente de trabalho, mas também são significativos os espaços exteriores nos quais o trabalho e o sofrimento possam ser discutidos e repensados, desenvolvendo-se ações solidárias. Existem diversas pesquisas sobre saúde mental dos professores no Brasil. Assinalamos uma acurada análise de repercussões na saúde relacionadas à uma reforma administrativa que impôs diretrizes neoliberais à organização do trabalho e aos conteúdos do ensino, na rede pública da cidade de Vitória. Esse estudo foi realizado por Maria Elizabeth Barros (2001) e, entre outras expressões de sofrimento mental, a autora encontrou nos depoimentos destes professores a percepção de um “esgotamento físico e mental” que os professores relacionavam às mudanças administrativas que haviam sido implantadas. Tal “esgotamento”, ao lado de outros sintomas, havia feito com que vários professores tivessem se afastado da atividade docente em licença médica (BARROS, 2001). As manifestações de desgaste mental que Mary Yale Neves identificou em professoras da cidade de João Pessoa assumiram igualmente configurações “que as aproximavam da síndrome patológica do Burnout.” (NEVES, 2000, p.159). É interessante salientar que tanto Barros como Neves constataram a importância que a sublimação e a criação de um espaço coletivo de discussão assumiram, entre as professoras da rede pública de ambas as cidades, na resistência e superação do caráter patogênico do sofrimento mental. Não encontramos estudos publicados no Brasil sobre esgotamento profissional em uma outra área na qual a ética é ao mesmo tempo princípio e substância, pois a promoção da Justiça configura o objetivo primordial: o sistema Judiciário e o Ministério Público. Finalizando este tópico, para aplicação a questão do “burn-out” entre executivos, desejamos salientar ainda um aspecto: Freudenberger (1980) via uma outra característica psicológica articulada ao elevado nível de auto-exigência de desempenho. É algo que também vale a pena comentar no seu aspecto contemporâneo. Trata-se do esforço destas pessoas em identificar-se a um modelo ideal de profissional do campo a que pertence. Sabemos que, correspondendo a esse anseio por um modelo, mitos foram construídos em muitas organizações. Estímulos evidentes ou subliminares são direcionados para acender a identificação com um modelo que não raro é uma figura mítica no histórico da própria empresa, às vezes, seu próprio fundador (no Brasil, tornou-se clássico o caso da organização Bradesco e da mítica figura do dirigente-herói que serviu de modelo de identificação a milhares de funcionários durante várias décadas - caso este que foi magnificamente analisado por Segnini no livro A Liturgia do Poder (SEGNINI, 1988). Na cena contemporânea, o discurso empresarial, em consonância com os meios de comunicação, veicula, colado ao ideal e à meta de excelência, a imagem de um colaborador autônomo, hiper-responsável e perfeito. O ideal de perfeição é o novo modelo e traz em si a visão de uma saúde e uma disposição inesgotáveis. A imagem é impregnada de onipotência. O empregado – ou colaborador, no novo discurso empresarial - recebe a imposição – feita com sutileza – de uma imagem que extrapola os limites humanos e a identidade pessoal que constituiu ao longo da vida. Fabricada e projetada “de fora”, a imagem ideal é interiorizada e vira auto-imagem. Nesta, é abstraído o ser humano que tem um corpo e uma fisiologia, afetos e víinculos sociais, limites e necessidades próprias ( GAULEJAC, 1987). Existe apenas o “produtor incansável”. No ideal de perfeição fica implícita a idéia de saúde perfeita (SFEZ, 1996; SELIGMANN-

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SILVA, 2001). A persistência continuada em corresponder ao modelo assim interiorizado, negando o próprio desgaste, encontra após certo tempo, seu limite, desembocando na crise de “burn-out”. O grande número de estudos existentes a respeito do burn-out parece evidenciar a magnitude que o problema vem assumindo. Não poderíamos, portanto, esgotar aqui o tema. O Manual de Serviços para Doenças Relacionadas ao Trabalho, do Ministério da Saúde (2001), oferece diretrizes para o diagnóstico clínico, a prevenção e o tratamento da síndrome de esgotamento profissional, assim como para os demais transtornos mentais relacionados ao trabalho. Observações complementares: ao tomar em conjunto as análises feitas a respeito das três patologias, acreditamos constatar que as três se enraízam num mesmo “terreno” coletivo - o estado depressivo que prepondera no panorama psicossocial contemporâneo. Sustentando a imersão neste estado depressivo aparecem os medos e a incerteza. As características pessoais e situacionais de cada trabalhador presidem às interações que direcionam o desenvolvimento patológico para uma das três expressões clínicas do sofrimento mental vinculado ao trabalho que aqui tentamos estudar; nosso plano inicial com relação a esta exposição era incluir o estresse pós-traumático relacionado ao trabalho, o que não seria possível pelo tempo disponível. Resumimos brevemente: é um transtorno decorrente da vivência de uma agressão psíquica desencadeada por um evento violento: por ex: testemunhar ou passar por um acidente grave, testemunhar ou ser vítima de assalto ou outro tipo de agressão física, encarar cenas onde a violência deixou corpos mutilados ou pessoas mortas. A sintomatologia se inicia, geralmente, após um período de latência, inclui revivescências da cena traumática (fenômenos de flash back ) e também a ocorrência de sonhos repetidos referentes a mesma cena. O quadro se acompanha de ansiedade e pode desenvolver-se associado a um quadro depressivo. 9 OBSERVAÇÕES FINAIS A violência identificada: as origens dos processos psicopatológicos que acabamos de descrever, além da relação com o trabalho compartilham uma outra vinculação - a relação com a violência. Às vezes uma violência evidente que passa pela ameaça e pela humilhação ou que se materializa em condições ambientais de trabalho que atacam a dignidade humana. Outras vezes, uma violência sutil - violência psicológica que se infiltra nas mentes através da imposição dos discursos e das invectivas de que tratamos aqui. A violência, na atualidade, é considerada um problema de saúde pública pela Organização Mundial de Saúde (DAHLBERG E KRUG, 2006). Consideramos, - a partir da análise dos processos sociais e psicológicos, que instauram os transtornos psíquicos relacionados ao trabalho - que na Psicopatologia no Trabalho estamos nos defrontando com uma problemática de violência que precisa deixar de ser invisibilizada e passar a ser tratada como uma questão de Saúde Pública. Formação profissional e outros desafios: os desafios que a Psicopatologia no Trabalho apresenta às políticas públicas são muitos. Gostaríamos de enfatizar a importância da inclusão do tema Psicopatologia do Trabalho na formação dos profissionais dos diferentes setores que poderão, integradamente, desenvolver ações para superar a expansão dos problemas que aqui foram expostos. Existe também um desafio político e um desafio aos meios de comunicação para inclusão do assunto em seus projetos e ações. Seria ingênuo considerar que o setor da saúde e seus profissionais poderão, sozinhos, dar conta das questões de Psicopatologia do Trabalho. Aqui, como nos outros graves problemas de saúde que atingem os trabalhadores, faz-se necessária uma ação interinstitucional e a participação informada da sociedade.

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AS TRANSFORMAÇÕES DO TRABALHO E DO ACIDENTE UMA CONCEPÇÃO SOCIOPSICOLÓGICA

Procuraremos estudar agora uma noção moderna do acidente do trabalho no seu

contexto histórico, fornecido pelo movimento de sociedade pré-industrial a uma sociedade industrial. Esta noção teoriza as causas dos acidentes em termos de condições inseguras e de atos falhos, e está na base das abordagens que dominam a prevenção de acidentes hoje. Esta noção está agora entrando em colapso.

Delinea-se uma teoria sociopsicológica da produção dos acidentes do trabalho na

qual os acidentes são concebidos como produtos de relações sociais e psicológicas do trabalho. Postula-se que uma perspectiva sociopsicológica tem um papel a desempenhar na construção de novas práticas de prevenção.

Tom Dwyer Professor do Departamento de Ciências Políticas do Instituto de Filosofia e Ciências humanasda Unicamp-SP, coordenador do

Programa de Pós-Graduação do Departamento de Ciências Políticasdo IFCH/UNICAMP – área Sindicalismo e Trabalho.

1. INTRODUÇÃO Os atuais métodos de análise dos acidentes do trabalho e as tentativas de reduzi-los não têm sido

muito eficazes na opinião de pesquisadores importantes. Isso tem levado à sensação generalizada de que “na pesquisa dos acidentes do trabalho, são necessárias teorias radicalmente novas”. O problema é sério. N década de 1980, mais de dez milhões de brasileiros tiveram algum tipo de acidente do trabalho, duzentos e sessenta mil vítimas foram condenadas a invalidez permanente e quarenta mil encontraram a morte. Isto é o que contam os dados oficiais, muito pouco confiáveis.

Mas os trabalhadores não são os únicos ameaçados pelos acidentes produzidos pela indústria moderna. Em casos com Chernobyl, Bhopal, Goiânia, etc. grandes populações civis, futuras gerações e o meio ambiente ficaram ameaçados. E os recursos gastos em internações relacionadas aos acidentes são enormes: legislação, fiscalização pelo governo, engenharia de segurança, medicina do trabalho, ergonomia, indenizações das vítimas. Por toda parte, estão sendo levantadas dúvidas quanto a eficácia de muitas dessas intervenções. Com isso, o acidente do trabalho está começando a ser percebido de uma forma totalmente nova, que rompe com a tradição herdada da sociedade industrial.

Na Europa pré-industrial, os acidentes foram produzidos e as suas conseqüências tratadas essencialmente na esfera privada. Como outros tipos de infortúnio, o acidente parece ter sido identificado como punição pelo pecado – essa era uma das noções de “causa” mais comuns. As conseqüências no que diz respeito à ajuda prestada às vítimas e suas famílias foram tratadas pelo sistema corporativo e pelas redes de apoio aos familiares. O advento do sistema industrial foi acompanhado pelo desmoronamento desse antigo sistema de processamento das conseqüências dos acidentes.

A industrialização trouxe também o declínio de um mundo de produção em pequena escala dominado, de um lado, pelo trabalho artesanal e, de outro, pelo uso intensivo da força física humana no trabalho. Surgiram locais de trabalho em grande escala, novas formas de trabalho industrial e o recurso crescente à energia mecânica, ao vapor e, mais tarde, a energia elétrica. Alguns fatores se combinaram para transformar não só a produção dos acidentes, mas também o tratamento das suas conseqüências numa questão de ordem pública. Com base em pesquisas sobre a Inglaterra – berço da civilização industrial – esses fatores podem ser parcialmente resumidos como: mudança no valor atribuído à vida, crescimento da alfabetização, desenvolvimento da imprensa, ação de movimentos sociais, conversão de movimentos sociais em forças políticas, desenvolvimento de uma burocracia baseada em princípios de uma autoridade legal – racional, aliança entre a ciência e a indústria, ação do movimento sindical, ampliação do direito de voto, indignação do público com o sistema industrial e com os grandes danos produzidos por ele. Um impulso a estas forças foi dado no começo do século XX pelos grandes desastre nas minas de carvão, em vários países com muitas mortes de trabalhadores.

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O problema político dos acidentes do trabalho passa a ser resolvido pela construção de um importante aparelho estatal com estruturas administrativas e legais, que divide as atividades industriais em áreas definidas em termos burocráticos e muitas vezes sobrepostos, como: carvão, construção civil, tecelagem, higiene industrial e, em tempos mais recentes, petroquímica e nuclear. Com a legislação da segurança do trabalho, são fixadas normas e contratam-se funcionários para fiscalizar o seu cumprimento; e as infrações são levadas à justiça. O estado desenvolve e aplica medidas legislativas que garantem indenizações calculadas de uma maneira mecanicista às vítimas e, em casos específicos, pode permitir que as reclamações por danos suplementares sejam feitas, levadas a tribunais e julgadas. Assim, a intervenção do Estado fornece um mercado para funcionários e profissionais. Os empregadores tomam suas próprias medidas e, com freqüência, de modo independente de requisitos legais. Assim geram um mercado para técnicos e profissionais: médicos, enfermeiros, psicólogos, engenheiros e técnicos de segurança e e outras categorias especializadas que intervêm no local de trabalho. Nas universidades, criam-se e desenvolvem-se sub-disciplinas e, mais tarde, disciplinas especializadas para lidar com os acidentes.

São várias as mudanças ocorridas nessas instituições ao longo dos primeiros dois terços desse século. Elas crescem muito, expandem seu raio de ação e os focos de suas intervenções tornam-se cada vez mais variados. As instituições desenvolvidas nesses países foram, em seguida “exportadas” para os países em desenvolvimento. Pode-se dizer que, em geral, nos países industrializados mais avançados, um clima de paz e harmonia prevaleceu nessa questão dos acidentes do final da I guerra mundial até o final da década de 1970. Essa é uma medida do êxito político da estrutura institucional construída. Todavia, o êxito das instituições de prevenção no cumprimento de sua finalidade social declarada é menos evidente a partir da década de 1950 até o final da década de 1960, os índices de acidentes cresceram em alguns desses países.

Neste último terço do séculoXX, são constatadas práticas baseadas no século IX e práticas emergentes que buscam a dominação no século XXI. Elas estão lado a lado e, frequentemente, em conflito umas com as outras.

É dentro desse contexto que se situa o esforço de se criar uma sociopsicologia da produção dos acidentes do trabalho. É um esforço que se apóia em conhecimentos gerados pelas disciplinas que, por meio de legislação e de práticas adotadas pelas empresas, dominam a prevenção dos acidentes – essencialmente a engenharia (que teoriza que acidentes são produzidos por “condições inseguras”) e a psicologia (que resgatando a noção antiga do pecado, teoriza que acidentes são produzidos por “atos falhos”). A abordagem sociológica opõe-se a essas perspectivas. Os acidentes não são produzidos nem por “atos falhos” nem por “condições inseguras”, mas por relações sociais do trabalho.

A relação social do trabalho é a maneira pela qual é gerenciado o relacionamento entre uma pessoa e seu trabalho. Numa teorização que retoma diversas categorias da sociologia clássica as relações do trabalho podem ser teorizadas como existindo em três níveis dentro de uma organização: rendimento, comando e organização.

2. ALGUNS ELEMENTOS DA TEORIA O nível de rendimento produz acidentes por meio de fatores como incentivos, excesso de carga

horária, incapacidade de trabalhadores mal nutridos/treinados de executar tarefas com segurança. Nenhum desses fatores me si causa acidentes e os efeitos podem ser bastante diferentes de uma fábrica ou setor para outro. Um estudo canadense não mostra, por exemplo, qualquer ligação entre incentivos financeiros e acidentes. Um tal resultado parece estar em contradição com estudos feitos nas minas e no setor madeireiro sueco, onde reduções de taxas de acidentes entre 30% e 95% foram constatados após a abolição de incentivos financeiros. Essas diferenças ocultam um detalhe: para que o incentivo seja eficaz as pessoas têm que ser orientadas a trabalhar mais para ganhá-los; para que os incentivos produzam mais acidentes os trabalhadores precisam assumir riscos maiores para obtê-los.

Quando submetidos a relação de trabalho extra, as pessoa trabalham um número maior de horas do que é seguro, trabalham além das suas capacidades físicas e, em conseqüência, se acidentam. No entanto, as demandas de tarefas diferem de um setor para o outro, e os trabalhadores tem capacidade também diferenciadas. Na França, Solins calculou que o acréscimo de uma hora de trabalho por dia resultou no aumento de 30% de acidentes na metalurgia. No entanto, não foi constatado um aumento significativo na construção ou no vestuário. Em função de uma capacidade física menor, a taxa de acidentes, em um grupo de trabalhadores mulçumanos na construção civil francesa, aumentou em quase 40% durante o período de jejum do Ramadan. É evidente que, se os empregados tivessem mudado o

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planejamento do trabalho para levar em conta esse fator muitos acidentes teriam sido evitados. Cito ainda um caso mais espetacular ocorrido na Inglaterra: um acréscimo na semana de trabalho, de 60 para 72 horas, foi acompanhado de uma elevação de 250% dos acidentes.

No nível de comando, destacam-se duas relações sociais distintas: desinteresse do grupo de trabalho e o autoritarismo. Os trabalhadores podem ser chamados a executar tarefas cujo êxito dependa da integração, coordenação e qualidade de comunicação entre eles. Nessa situação, qualquer problema de comunicação pode criar dificuldades. Estudos europeus atribuem entre 5% e 10% de todos os acidentes à relação social que chamam de desintegração do grupo de trabalho. Na extinta União Soviética, assistimos a uma profunda decomposição social. A grande preocupação é que isso abale a cooperação necessária para operar com segurança as centrais nucleares.

Quando os trabalhadores são levados, por medo de punição a executar tarefas que julgam perigosas, os acidentes que daí decorrem são atribuídos à relação social do autoritarismo. A principal força para combater o autoritarismo é um movimento sindical forte. Nos campos britânicos de petróleo no mar do norte, Carson atribui os altos índices de acidentes justamente à ausência de sindicatos fortes. Turner relatou um aumento de 40% na taxa de acidentes de uma fábrica de automóveis após a demissão de um grupo de pessoas que a gerência rotulava de “agitadores”.

Em nível de organização, o trabalho é produzido pelo controle sobre a divisão do trabalho. A maioria dos acidentes do trabalho nos países industrializados são produzidos neste nível e podem se destacar duas relações sociais importantes. A falta de qualificação ocorre quando um trabalhador atua sem ter conhecimento suficiente sobre a tarefa que está sendo executada. Esta relação produz acidentes, com uma certa freqüência em trabalhadores sem treinamento adequado ou quando trabalhadores são deslocados de suas tarefas habituais. De acordo com vários estudos, em certas empresas, até 50% dos acidentes podem ser prevenidos com uma melhor qualificação da mão de obra.

Quando os trabalhadores não têm conhecimentos adequados para evitar efeitos de eventos produzidos fora do alcance da própria tarefa, podemos dizer que seu trabalho está sendo gerenciado pela relação social de desorganização. A NASA tinha conhecimento do estado precário da peça que rompeu e levou a explosão Challenger, mas a desorganização da agência espacial americana levou a tomada da decisão de lançar a nave espacial sem o que o estado da peça fosse comunicado aos astronautas. Na central nuclear Three Mile Island, o conhecimento sobre o desempenho do reator não estava disponível de tal forma que fosse possível aos trabalhadores impedir a tempo o acidente.

Esta teorização é baseada na hipótese de que a gerência do relacionamento entre o trabalhador e os perigos de seu trabalho em cada nível está associada a uma mudança na produção de acidentes. Esta é a hipótese chave - que forma a base de uma abordagem sociopsicológica da prevenção dos acidentes. Em tempos recentes, esse tipo de abordagem está ajudando a produzir novas idéias de como reduzir os acidentes, idéias que as abordagens tradicionais vindas da psicologia e da engenharia seriam incapazes de produzir sozinhas.

3. A TRANSFORMAÇÃO DO TRABALHO E DO ACIDENTE Nos países desenvolvidos, o surgimento de acidentes associados a certos processos “intensivos

em conhecimentos” e que podem ser rotulados de “pós-industriais” (p. ex. energia nuclear, determinados produtos químicos perigosos, engenharia genética) criam uma nova ameaça que grandes acidentes representam pra as populações civis, gerações futuras e para o sistema ecológico. Este é um fator que, a exemplo do que aconteceu com o universo dos acidentes no desenrolar da sociedade industrial, leva a um novo contexto. O crescimento do movimento ecológico, sua conversão em força política e a cobrança crescente no sentido de que profissionais ajam em função de princípios éticos ao invés de agirem de acordo com os interesses de seus patrões são fragmentos desse contexto que estão forçando uma transformação na maneira pela qual é encarado o acidente. O fato de que os custos dos grandes acidentes recaem sobre a sociedade como um todo é outro fator que está influenciando as mudanças.

É esta transformação – e também o reconhecimento de que os custos dos acidentes do trabalho de todos os tipos estão estimados em 4% do PNB nos países avançados ( a mesma proporção paga pelo Brasil em juros para os seus credores externos) – que é em parte responsável pelos rápidos avanços que se observam em diversos campos do conhecimento. Assim, por exemplo, para compreender a segurança em centrais nucleares, a engenharia está sendo obrigada a buscar conhecimento de natureza sociopsicológica.

A noção dos acidentes, de sua prevenção e indenização é produto de uma complexa articulação de processos sociais e psicológicos. O colapso dessa mesma noção é igualmente complexo. Um certeza:

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forças sociais já estão operando para fazer com que o futuro dos acidentes sejam muito diferentes do seu passado.

Atualmente, pode-se detectar o esfacelamento das bases do tratamento dos acidentes desenvolvidos ao longo do século. Nos países avançados, observa-se que as certezas que as disciplinas e profissões ligadas a segurança tiveram no passado tornam-se mais tênues. É possível sentir as repercussões disso, no Brasil, em congressos e revistas especializadas. E, mesmo na ausência de estudos precisos pode-se levantar a hipótese de que o perfil das relações sociais de trabalho é de natureza diferente daquele que produz acidentes em países do primeiro mundo. Quando o salário for suficiente para o sustento adequado, os trabalhadores vão ficar menos sujeitos ao trabalho extra. Onde os sindicatos forem fortes o suficiente para exigir segurança no trabalho, a relação do autoritarismo produzirá menos acidentes. E onde o empresariado relacionar a prevenção dos acidentes à produtividade da empresa pode-se esperar menos organização e menos falta de qualificação. É preciso desenvolver uma reflexão baseada em estudos que procure captar a realidade da produção social dos acidentes no Brasil.

A Sociopsicologia do trabalho – disciplina que tem contribuído tanto para esclarecer dinâmicas do funcionamento de organizações, produtividade, qualidade, uso de poder e, para fundar noções modernas da gerência de recursos humanos e de relações industriais começa agora voltar suas atenções para a questão dos acidentes do trabalho. Pode apostar: aceitação ampla de uma noção simples – a de que os acidentes são produzidos por relações sociais de trabalho e são prevenidos por mudanças nessas relações – trará uma contribuição muito importante para o tratamento desse fenômeno trágico.

Psicologia do trabalho

Psicologia do trabalho é uma ramificação da Psicologia que abrange as áreas de Psicologia Organizacional, Psicologia do Trabalho e das Empresas e Gestão de Recursos Humanos.

Organização

De acordo com a definição de Daft, organizações são entidades sociais, dirigidas por metas, desenhadas como sistemas de atividades deliberadamente estruturadas e coordenados, ligados ao ambiente externo.

Metáforas

Máquinas: As organizações são "máquinas feitas de partes que se interligam, cada uma desempenhando seu papel, claramente definido, de relações coordenadas com funcionamento semelhante as máquinas, rotinizada, eficiente, confiável e previsível".

Organismos: São dependentes da satisfação de suas necessidades, são sistemas abertos, onde necessitam de cuidadosa administração para satisfazer e equilibrar necessidades internas.

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Cérebro: Processam informações, são capazes de aprender, processando informações, de comunicação e de decisões.

Cultura: São lugares onde residem idéias, valores,normas, rituais, crenças que sustentam socialmente, produzindo significados comuns.

Sistema político Moldados pelo conjunto de interesse, conflitos e jogos do poder.

Prisão Psíquica: Podem tornar-se limitadoras, constrangedoras da criação e da inovação.

Fluxo e transformação: Característica permanente é a mudança (transformação), ganhando estabilidade mas sempre se mudando.

Instrumento de dominação: As pessoas são usadas e exploradas para atingir os fins organizacionais.

Abordagens Psicológicas

Cognitivista

"Sistemas de comportamento, cooperativo planejado, alocando os membros com relativa certeza do que os outros irão fazer".

Contribuições

• Limites humanos em processar informações • Decisões programadas e não programadas

Limitações

• Interesses pessoais frente aos interesses organizacionais • As tomadas de decisões não chegam a ser compreendido

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Culturalista

"Mini-sociedades com padrões distintos de cultura e subcultura, apoiadas em normas operacionais, exercem influencias decisivas na habilidade em lhe dar com desafios".

Contribuições

• Destaca influencia do lado humano da organização no desempenho da mesma • Reestrutura conceitos clássicos como o de liderança

Limitações

• Leituras simplistas dos processos culturais • Marginalização de questões de poder nas organizações

BASES DO COMPORTAMENTO HUMANO

1 - Introdução

Estuda-se a psicologia tendo em mente a ciência do comportamento.

O termo comportamento, porém, está longe de ser entendido pelos cientistas como ele o é na linguagem popular. Em ciência ele é aplicado de forma muito extensa a uma ampla escala de atividades, que incluí:

• atividades que são diretamente observáveis e registráveis (pôr exemplo, ligar uma maquina, andar, etc.);

• processos fisiológicos dentro do organismo (pôr exemplo, batidas do coração, alterações eletroquímicas que tem lugar nos nervos);

• processos conscientes de percepção, sensação, sentimento e pensamento (pôr exemplo, a sensação dolorosa de um choque elétrico, a identificação correta de uma palavra projetada rapidamente na tela).

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Os psicólogos estão envolvidos na investigação do comportamento e, como consequência da compreensão adquirida, tentam predize-lo e influencia-lo.

Em primeiro lugar, suponha-se que exista uma ordem no Universo, e, dentro desta ordem, uma relação entre fenômenos. Nota-se que uma determinada causa produz um efeito específico.

Encontrar-se aí então, uma relação funcional entre os fenômenos. Observa-se, dessa forma, que o interesse esta voltado para as causas de certos comportamentos humanos. Qualquer condição ou evento observável que tenha algum efeito demonstrável sobre o comportamento, deve ser considerado. Descobrindo e analisando as causas, pode-se prever o comportamento, e passa-se a poder controlar o comportamento, na medida em que se pode manípula-lo.

Concluí-se daí que os comportamentos emitidos são respostas, eficientes ou não, a agentes externos comumente denominados estímulos.

Podem-se citar tanto comportamentos emitidos que são básicos e eficientes, como aqueles que são inadequados e ineficientes.

No primeiro caso encontram-se desempenhos tais como: alimentar-se, encontrar abrigo e procriar.

Alguns desempenhos, porém, são respostas inadequadas a certos estímulos. No reino animal não racional, constata-se que os "erros" mais freqüentes nos comportamentos básicos emitidos acontecem quando o animal é colocado em ambiente artificial. O passarinho que nasceu e viveu na floresta, morre ao tentar, calmamente, bicar restos de comida numa movimentada rua da cidade grande. Este comportamento já não é emitido pelo passarinho que nasceu e viveu na cidade grande e aprende a fugir ou evitar os carros.

Parece que já se pode traçar um paralelo entre o exemplo acima e as respostas inadequadas que resultam em acidentes do trabalho.

O passarinho da cidade grande aprendeu a evitar os carros. São muitos as situações em que se usa o verbo aprender. Aprendemos a distinguir uma voz cortês de outra zangada. Aprendemos que certos objetos cortam, queimam, picam ou machucam os dedos, se não forem manejados corretamente. Aprendemos como liderar em certas situações. Aprendemos a ter medo do motor do dentista. Aprendemos as tabuadas, e assim pôr diante.

Nota-se, pelos exemplos acima, que as aprendizagens são diferentes, levando-nos a idéia de como é difícil se definir aprendizagem. A ciência ainda tem um longo caminho a percorrer neste sentido. Alguns princípios ou leis gerais, porém, emergiram recentemente nos estudos da natureza humana. Estes princípios ou leis não são difíceis de serem entendidos e, se bem compreendidos, constituem um poderoso instrumento na analise de comportamentos de todos os tipos.

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2 - Comportamento Operante e Respondente

Antes de se começar a análise dos princípios, é preciso distinguir entre dois tipos de comportamento: o Respondente e o operante.

O comportamento Respondente (reflexo) incluí todas as respostas dos seres humanos e de muitos organismos, que são eliciadas (produzidas) pôr modificações especiais de estímulos do ambiente.

Manifesta-se sempre que as pupilas se contraem ou dilatam, em resposta a modificações na iluminação do ambiente; sempre que uma lufada de ar frio arrepia a ele; sempre que se estremece em conseqüência de um susto; e em muitas outras maneiras.

O comportamento operante (voluntário) abrange uma quantidade maior de atividades humanas - desde o espernear e balbuciar do bebê de colo até as mais complicadas habilidades e poder de raciocínio do adulto. Incluí todos os movimentos de um organismo dos quais se possa dizer, em algum momento, tem um efeito sobre ou fazem algo ao mundo em redor. O comportamento operante opera sobre o mundo. Quando se apanha o lápis, quando se faz sinal para que o ônibus pare ou nele se sobe, quando se fala ao subordinado - em todos estes, e em milhares de outros atos da vida cotidiana, está-se exemplificando o comportamento operante.

Algumas vezes o efeito do comportamento operante sobre o mundo exterior é imediato e óbvio, como quando se chuta uma bola. As modificações do mundo podem, assim, ser observadas pelas pessoas. Em outras ocasiões, porem, tal não é o caso. Quando alguém fala consigo mesmo, em voz alta ou silenciosamente, quando se disca um numero de telefone e ninguém atende, não é fácil ver exatamente como o ambiente foi alterado pelo que se fez. Só quando se observa a história destes comportamentos é que se descobre que, neste ou naquele momento, alguma forma da resposta em questão realmente fez com que as coisas acontecessem.

A diferença entre comportamento operante e Respondente está em que os respondentes são evocados automaticamente pelos seus próprios estímulos especiais. Luz nos olhos faz a pupila contrair-se, comida na boca produz salivação, e assim pôr diante. No caso dos operantes, entretanto, não há, no início, nenhum estímulo específico. Não sabemos quais os estímulos específicos que fazem com que o trabalhador de uma industria faça este ou aquele determinado movimento com o braço, o pé, a perna ou a mão. É pôr esta razão que se fala que o comportamento operante é emitido ("posto fora") ao invés de eliciado ("tirado de").

2.1 - Condicionamento Respondente

Um dia, Chico ligou calmamente a máquina em que trabalhava há alguns anos, no meio do trabalho, fez um movimento em falso e a máquina prendeu sua mão, causando forte dor. Deste dia em diante, Chico começava a suar quando apenas ouvia o barulho da máquina.

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Este é um exemplo de aprendizagem que ilustra o "reflexo condicionado". Este principio poderá ser enunciado como se segue: se um estímulo neutro (barulho da máquina antes de Chico machucar-se) for pareado um certo número de vezes a um estímulo eliciador (a dor do machucado), aquele estímulo previamente neutro irá evocar a mesma espécie de resposta.

No exemplo citado, este condicionamento ocorreu muito rapidamente; só um pareamento ocorreu. Isto não teria acontecido se certos fatores temporais não tivessem sido observados. Pôr exemplo, se o estímulo eliciador (dor do machucado) tivesse vindo minutos depois, ao invés de segundos, ou depois de a máquina haver sido desligada, o condicionamento poderia ter sido lento ou não haver ocorrido.

2.2 - Condicionamento Operante

Comecemos a apresentar este principio com um exemplo: João está lidando com uma pesada máquina de cortar, que, para funcionar, possui um botão de proteção. João tem de apertar o botão com uma das mãos e receber o produto cortado com a outra. A finalidade do botão mencionado é proteger a mão do trabalhador para que, num ato de distração, ele não a coloque na máquina.

Um dia, João colocou um palito que mantinha o botão abaixado e verificou que, em vez de produzir 100 quebra-cabeças numa tarde, conseguiu apresentar 150 a seu chefe, que o elogiou muito. Deste dia em diante era vez mais freqüente observar João trabalhando com o palito no botão e a mão desprotegida.

Este caso ilustra um poderoso príncipio do comportamento, o qual Thorndike denominou LEI do EFEITO.

Em essência, esta lei enuncia que "um ato pode ser alterado na sua força pelas suas conseqüências". O ato, no nosso exemplo, foi o de colocar o palito no botão de segurança; o reforçamento deste ato foi observado no aumento da freqüência de seu aparecimento e a conseqüência do ato foi o aumento na produção e a aprovação do chefe.

Falamos, então, na aprendizagem pôr efeito" como condicionamento instrumental ou operante e freqüentemente, medimos a sua força em termos da freqüência com que ocorre no tempo, quando o organismo é livre para responder à vontade.

Este condicionamento operante pode ser representado da seguinte maneira: Rà S R é a resposta (colocar o palito); à significa "leva a", S é o estimulo reforçador, o elogio do chefe pelo aumento na produção.

3 - Reforços Positivo e Negativo

O elogio do chefe não é, obviamente, o único tipo de estímulo reforçador que pode ser usado para condicionar uma resposta operante tal como colocar o palito no botão que protege a mão do trabalhador. Na verdade, é apenas um dos membros de uma família dos reforçadores: os reforçadores positivos. Estes estímulos, quando apresentados, fortalecem o comportamento que os precede.

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Assim como há reforços positivos, há reforços negativos, que podem ser usados para condicionar o comportamento operante. Alguns estímulos fortalecem a resposta quando são removidos. Isto acontece, pôr exemplo, quando um operário tira o sapato porque esta com pedrinhas dentro; trabalha assiduamente para evitar o desconto mensal; usa o protetor auricular para eliminar o ruído demasiado forte - em todos estes casos, o que o reforça é ficar livre da estimulação. Pode-se então, dizer que o estímulo reforçador negativo fortalece a resposta que o remove. Mas é também o estímulo que enfraquece a resposta que o produz. Suponhamos que João tivesse recebido uma reprimenda do chefe e ameaça de ser despedido caso colocasse novamente o palito no botão. O comportamento obviamente se enfraqueceria. De um modo geral foi constatado, com seres inferiores, que choques fortes, luzes intensas, sons agudos, etc, suprimem todo comportamento que os produz. A supressão poderá não durar muito, especialmente se o organismo for deixado na mesma situação depois de ter sido interrompido o reforço negativo.

A maneira, porém, de eliminar comportamentos condicionados e fazê-lo através da extinção - suspensão do reforçamento. Se o reforço for retirado, a resposta voltará, eventualmente, a sua freqüência original. Algumas vezes a extinção é rápida, outras, bem vagarosa. Terá um operário de sempre ter medo de falar quando está na presença do chefe? Provavelmente não.

4 - A Punição

Um recurso comumente usado para apressar a extinção de um operante fortemente condicionado é a punição. A punição difere do reforçamento negativo. Na punição, a apresentação de um estímulo aversivo faz com que a resposta diminua de freqüência, enquanto que no reforçamento negativo, o desempenho aumenta de freqüência quando o estimulo é removido.

Assim, ainda com relação ao exemplo mencionado, João recebe uma punição: é suspenso pôr 2 dias e passa a ser constantemente vigiado pelo chefe imediato. Não resta duvida de que muitos comportamentos no mundo foram eliminados através da punição. A prática, porém, deste procedimento é desaconselhada pôr varias razões.

Em primeiro lugar, porque o comportamento volta à freqüência inicial na ausência do agente punitivo. O indivíduo passa a emitir o comportamento para evitar o estímulo aversivo e não para atender às suas necessidades ou às de seu grupo.

Em segundo lugar, o indivíduo associa o estímulo punitivo a outros estímulos que acontecem simultaneamente. Assim, a máquina se torna aversiva a João, como talvez o companheiro que estava ao seu lado na hora da punição, e também a figura do chefe. O lugar, pôr exemplo, pode vir a provocar medo, e o medo põe fim a outras coisas - pôr exemplo, trabalhar na máquina com a mesma eficiência anterior.

O que acabou de ser relatado nos mostra que o comportamento, embora complexo, possui certas bases ou leis que o determinam. O papel do psicólogo esta em encontrar, no universo, uma ordem, uma relação entre os fenômenos comportamentais. Feito isto, é possível se organizarem os fatores que determinam um certo desempenho. Uma vez de

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posse desta organização é possível se traçar uma previsão do que irá ocorrer quando as condições estudadas se manifestarem.

O psicólogo, assim, pode prever a ocorrência de um determinado comportamento. E uma vez nesta condição, utilizar-se dos princípios e leis gerais para efetuar o controle do mencionado comportamento.

MOTIVAÇÃO E TREINAMENTO DE PESSOAL

1. Introdução

Como já foi mencionado, em "Bases do Comportamento Humano", o ato inseguro pode ocorrer devido a não adaptação do indivíduo a máquina ou ao emprego. Existe uma alta probabilidade desta não adaptação surgir como conseqüência do desconhecimento e/ou falta de motivação do empregado. Conclui-se daí que um treinamento se faz necessário a fim de que se transmita aos empregados os conhecimentos relativos à tarefa que ele irá desempenhar e às máquinas que irá operar, no próprio ambiente de trabalho.

Este texto analisará alguns aspectos do treinamento e esclarecerá o que se entende por motivação e como esta influi no bom desempenho do empregado.

Para que se elabore um programa de treinamento, torna-se necessário um exame dos motivos que levam as pessoas a emitir certos desempenhos que são desejados, ou a não emitir tais desempenhos.

Um motivo é qualquer coisa que inicia um comportamento. Há duas classes de motivos: impulsos ou necessidades, e incentivos.

Incentivos são objetos ou condições do ambiente que estimulam o comportamento. Assim, um empregado pode não sentir a necessidade de usar óculos de segurança, mas usa-lo com freqüência, após ter presenciado o colega ao lado perder a vista.

Os impulsos ou necessidades, se dividem em duas classes:

a) Impulsos não aprendidos, ou primários, tem sua origem em processos orgânicos internos, que podem ser identificados. A fome é um exemplo.

b) Impulsos aprendidos são aqueles que se adquire através da aprendizagem.

Desejos de aprovação, realização e competição são exemplos destes impulsos adquiridos através de reforçamento recebido dos pais, professores e outros agentes reforçadores.

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Assim, pode-se afirmar que os reforços utilizados para implantar impulsos em uma pessoa são os incentivos. Os incentivos serão, por exemplo, utilizados por um técnico de segurança para encorajar, ou desencorajar um empregado a agir de uma determinada maneira. Podem ser positivos, como os prêmios, ou negativos como as punições.

Suponhamos que Marcelo chega preocupado na fábrica e vai começar a trabalhar sem os seus óculos de segurança. Ao dirigir-se para a máquina, encontra uma série de cartazes colocados pelo supervisor advertindo o trabalhador dos perigos do trabalho sem o mencionado equipamento. Lembra-se, a partir daí, dos equipamentos e os coloca.

Os cartazes funcionaram como incentivos para o impulso de Marcelo, de colocar o óculo de segurança. Torna-se interessante, então, que um indivíduo esteja motivado para o seu trabalho, ou seja, exiba um impulso em direção a esse trabalho.

Neste caso, ele tem necessidade de emitir certos desempenhos e o resultado do trabalho, em contra-partida, satisfaz suas necessidades.

As três principais características do comportamento motivado são:

a) Excitação - o motivo torna o indivíduo mais ativo e inquieto. Excitação é o comportamento repleto de energia.

b) Direção - o comportamento motivado tem propósito, intenção. O indivíduo motivado tem direção, ou seja, um objetivo, uma meta.

c) Sentimento de vontade ou desejo - o sentimento de querer ou desejar é experimentado na forma de tensão, esforço e expectativa. Quando o objetivo é alcançado a tensão e o esforço desaparecem junto com a atividade.

Concluímos, portanto, que um indivíduo que exiba um comportamento motivado, estará indo de encontro à satisfação das suas necessidades. Exemplificando, impulsos primários como a fome, levam o indivíduo a comer.

Este trabalho deterá, por mais algumas linhas, nos impulsos aprendidos, pois estes podem ser manipulados pelo homem.

Existem varias teorias sobre as possíveis fontes dos motivos aprendidos.

Uma delas é a teoria das tensões corporais que afirma que todos os impulsos originam-se em desconfortos físicos. Varias objeções foram colocadas a essa teoria.

Outra teoria considera o deslocamento, que é a substituição de uma forma de satisfação menos direta por outra mais direta. Por exemplo, a tensão causada por uma briga conjugal é deslocada para outros canais, tais como agressividade no emprego.

Há ainda uma terceira teoria que estuda o condicionamento e afirma que uma pessoa aprende maneiras especificas de satisfazer seus impulsos, por causa dos reforços que recebe ao emitir de terminados comportamentos. Por exemplo, uma pessoa aprende a

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buscar o poder porque o exercício do poder lhe traz recompensas materiais. Assim, um ex-diretor da empresa, vai procurar retornar ao cargo porque enquanto desempenhava a função obtinha reforços como admiração, estima e alto salário.

São muitas as teorias que decorrem sobre as fontes dos motivos aprendidos. Resta-nos citar alguns destes motivos, mais especificamente, aqueles que levam a pessoa a comportar-se de uma ou outra maneira.

Experimentos feitos por Crowne e Marlowe constataram a existência da necessidade de sentir-se aprovado, no homem. Esses autores concluíram por exemplo, que uma forte necessidade de aprovação surge da vontade de se vencer um nível baixo de auto-estima. Assim, se um supervisor constata que um empregado tem muita necessidade de receber aprovação para se sentir motivado, poderá incentivar a auto-estima dessa pessoa, ressaltando aspectos positivos de seu comportamento.

Outros experimentos versam sobre a necessidade de realização e a motivação para a tarefa.

Neste artigo, usou-se constantemente os termos impulso e necessidade sem distinção. Na verdade, o impulso refere-se mais a fonte do comportamento motivado e a necessidade refere-se a finalidade do comportamento. Então, uma pessoa pode necessitar de alimento (necessidade) sem estar motivada a procurar o alimento (impulso). Nutricionistas, por exemplo, preocupam-se com as necessidades nutricionais e não com o impulso da fome.

2 - As necessidades psicológicas

Em primeiro lugar, é conveniente esclarecer que não há um modelo universal satisfatório de saúde psicológica, o que torna difícil especificar quais necessidades deverão ser satisfeitas. Outra dificuldade é que a pessoa pode, prontamente substituir uma necessidade psicológica por outra. pode-se compensar a deficiência de uma necessidade satisfazendo-se uma outra necessidade. Pesquisas tem mostrado que as necessidades psicológicas formam uma hierarquia: algumas necessidades tem prioridade sobre outras. Quando necessidades prioritárias são satisfeitas, outras aparecem. Henry Murray selecionou vinte necessidades básicas e Erick Fromm especificou cinco necessidades humanas universais. E foi Abraham Maslow (1967) quem apresentou a "Teoria da Hierarquia das Necessidades".

Maslow considera dois tipos de necessidades existentes no homem: as necessidades básicas (fome, sede, sexo, segurança, realização) e as meta-necessidades, que são qualidades espirituais tais como justiça, bondade, beleza, ordem e unidade.

É com as necessidades básicas que Maslow constrói a hierarquia que se visualiza a seguir:

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Necessidades Básicas

Analisaremos, a seguir, as necessidades acima mencionadas.

2.1 - Necessidades fisiológicas

Essas necessidades representam a base da pirâmide por terem força maior. Somente quando satisfeitas, o indivíduo passará a sentir necessidade de segurança, que é o próximo degrau da escala. Essas necessidades fisiológicas, básicas para a manutenção da vida são: alimento, roupa, abrigo, etc.

2.2 - Necessidades de segurança

Fundamentalmente é a necessidade de estar livre de perigo físico, de medo e privação de necessidades fisiológicas básicas.

2.3 - Necessidade de aprovação social

Como o homem é um ser social, ele tem necessidade de participar de grupos e ser aceito pelas pessoas. Depois que um indivíduo começa a satisfazer sua necessidade de

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participação, geralmente deseja ser mais do que apenas um membro do grupo. Sente a necessidade de estima.

2.4 - Necessidade de estima

É a necessidade que as pessoas tem tanto de amor próprio quanto do reconhecimento dos outros.

A satisfação de tais necessidades traz sentimentos de auto-confiança.

2.5 - Necessidade de auto-realização

No topo da pirâmide encontra-se a necessidade de auto-realização. É a necessidade de realizar o máximo do potencial individual próprio.

Uma pessoa que busca a auto-realização está caminhando em direção ao uso das suas potencialidades, talentos e capacidades.

Observa-se, assim, que existe una hierarquia de necessidades no homem. Portanto, se um homem não tem satisfeitas as suas necessidades fisiológicas, ele não vai possuir a consciência das necessidades de estima, por exemplo.

3 - O Processo de Treinamento

Suponha-se um empregado recém-contratado para determinado serviço. Obviamente, ele deverá ter passado por um processo de seleção, de maneira que a adequação homem-função tenha sido conseguida. Logo após, esse homem passará por um treinamento, rápido ou não, conforme o nível de conhecimento e complexidade que apresente a função e do ambiente de trabalho.

Como seria definido esse treinamento? Osvaldo de Barros Santos coloca: "O treinamento profissional consiste na aplicação de um conjunto de princípios teóricos oriundos de Pedagogia visando a aprendizagem de novas respostas a situações específicas, a extinção de outras, indesejáveis nas mesmas situações e a preparação do organismo para futura ampliação do seu repertório de respostas".

Analisando a definição acima, por partes, conclui-se que:

a) O treinamento visa à aprendizagem através da aplicação de recursos externos.

b) A aprendizagem consiste na aquisição de novas respostas a situações específicas. Estas novas respostas incluem a extinção de respostas não desejadas numa certa situação, a ampliação do futuro repertório de respostas do organismo e a emissão de respostas adequadas a determinadas situações.

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Uma questão a ser considerada pelas empresas, seria a contratação de pessoal já habilitado ou eficiente para determinada tarefa. As despesas com treinamento seriam, portanto, eliminadas. Por outro lado, vale a pena considerar que toda atividade esta inserida num panorama próprio da empresa, o que, de certa forma, confere características próprias a cada tarefa. pesquisas sobre o assunto mostram que os grupos treinados são de 10 a 40% mais eficientes do que os grupos não treinados.

Uma vez aceita a necessidade do treinamento passa-se a sua elaboração propriamente dita.

São oito os passos apontados para a implantação de um processo de treinamento:

1º passo - Levantamento de necessidades.

2º passo - Definição de objetivos específicos: descrever a função e o comportamento desejável

3º passo - Analise do trabalho: identificar pontos críticos nas tarefas e no pessoal a ser treinado.

4º passo - Determinação do modelo de treinamento: do tipo escolar ou formal e do tipo informal, no trabalho.

5º passo - Determinação dos métodos e processos: informativos, cognitivos, comportamentais, centrados na pessoa, etc.

6º passo - Implantação e custo: local , pessoal docente, participantes, material, equipamento, etc.

7º passo - Execução: observação progressiva dos efeitos.

8º passo - Avaliação: estudo sobre os resultados obtidos, pessoal e material utilizados.

As necessidades que uma empresa possui, de um programa de treinamento, são basicamente de três tipos:

1º - Necessidade de preparação prévia e de adaptação inicial. Esta necessidade pode ser atribuída ao antigo empregado que passa a outras funções ou ao novo empregado. O treinamento pode ocorrer antes do exercício do cargo ou função ou durante a fase inicial do trabalho, quando muitas duvidas surgem.

2º - Necessidade de correção, isto é, de eliminação de desempenhos tais como erros, imperfeições e atrasos de produção que, no caso de segurança do trabalho, levam ao acidente.

Os desempenhos observáveis, que levam a essa necessidade, são: erros e imperfeições, absenteísmo, problemas de relacionamento, rotatividade de pessoal, acidentes, redução da produtividade, reclamações do consumidor, etc.

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3º - Necessidade de desenvolvimento, ou seja, preparação dos indivíduos para o futuro e para a satisfação pessoal. O treinamento aplicado aos grandes técnicos e administradores.

A ausência de pessoal-chave em certos momentos, em certos setores, é um problema com o qual se deparam as empresas.

O rodízio de empregados pelos vários setores soluciona o problema do imprevisto anteriormente mencionado. Homens-chave não podem omitir-se, deixando de treinar sucessores. Nesse caso, surge a necessidade de desenvolvimento através do treinamento.

Outros exemplos que satisfazem esta categoria de necessidades são a integração psicológica do empregado na organização; a elevação de seu nível cultural e do "status" da empresa e dos empregados; o incentivo à criatividade como recurso para solução de muitos problemas; a adaptação a novos sistemas e métodos de trabalho, e ao uso de instrumental e dispositivos mais sofisticados; a atualização do pessoal em novas técnicas, diante da evolução tecnológica; a promoção de empregados a postos de maior complexidade ou de outra especialização; o contato direto dos empregados com a clientela para perceberem suas tendências para o futuro.

A descoberta de carências, neste nível, exige muito trabalho e atenção. Organizações já foram destruídas porque seus elementos não souberam enfrentar rápidas mudanças. A atenção ao homem como pessoa e não como mero produtor poderá elevar a motivação dos elementos e colocar a empresa numa posição de vanguarda, tanto no que diz respeito ao bem estar social quanto à produção.

O progresso profissional , a assistência e o reconhecimento pelo trabalho que se faz são variáveis comprovadamente relevantes nos estudos sobre motivação. Um treinamento nessa linha fará com que os profissionais da empresa mobilizem melhor os seus recursos, em benefício, não somente de si próprios mas também da organização.

Existe um ponto, porém, que ainda não foi mencionado e é de suma importância para a análise do treinamento. É imperiosa uma descrição pormenorizada das tarefas e operações da empresa. Somente com essa descrição, pode-se visualizar o desempenho desejável para cada tarefa ou operação. É a partir de desempenho desejado, proceder ao processo de treinamento para que tal desempenho seja obtido. Durante o processo de treinamento, reforçar cada desempenho que esteja próximo ao comportamento desejado, é um principio fundamental.

No que diz respeito à segurança, os responsáveis pelo treinamento deverão fazer ressaltar os comportamentos seguros, chegando a transmitir a noção de que tais comportamentos vão de encontro às necessidade básicas do homem. Assim, reforçados os desempenhos seguros, estes irão aumentar de freqüência até atingirem o ponto em que elogios (reforços) não serão mais necessários, pois, o objetivo básico do trabalhador será o comportamento seguro apenas para satisfazer a sua necessidade de preservação enquanto ser humano.

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RELAÇÕES HUMANAS E DINÂMICA DE GRUPO

1 - Introdução

Vivemos num tempo em que o avanço dos transportes, da urbanização, da comunicação de massa, da tecnologia e da informática coloca o ser humano em maior contato com o mundo, com a sua própria nação e consigo mesmo.

No entanto, toda essa evolução dificulta, de certa forma, o envolvimento entre os seres humanos, pois a atenção do homem está voltada para a tecnologia, muito mais do que para as relações humanas. Este distanciamento do homem para com o próprio homem gera insatisfações, angustias, vazios e ansiedade nos indivíduos.

Podemos ver um lado positivo em nossa época, que é a tendência de, ao nos isolarmos, sermos levados a tomar consciência de nós mesmos. Quanto maior a nossa disponibilidade em relação a nós mesmos, maior abertura teremos para com os outros e cada vez mais o nosso ser pessoal se tornará social. Isto porque já não teremos receio dos outros e/ou do ambiente, pois o ser pessoal aprendeu a lidar consigo mesmo.

Durante toda a vida, somos afetados pôr nossa habilidade de nos relacionarmos com outras pessoas, quer com indivíduos quer com grupos. É uma das habilidades mais importantes que o ser humano pode desenvolver e a comunicação interpessoal.

Podemos ajudar o indivíduo a abrir-se para uma experiência total de si mesmo, para um relacionamento humano eficaz e para ser um comunicador mais eficiente, oferecendo-lhe a oportunidade de estabelecer bons relacionamentos dentro do grupo ao qual pertence, seja este profissional, familiar, social, religioso, político, etc. Em tal grupo, o indivíduo deve ser respeitado como uma pessoa específica, com suas inibições, frustrações, angustias, satisfações, ansiedades, enfim, pela sua individualidade enquanto ser humano.

2 - Relações Humanas

Comumente, entende-se a expressão "relações humanas" como sendo os contatos que se processam, em todas as situações, entre os seres humanos.

Muitas pessoas podem falar sobre relações humanas, discuti-las em conferências, discursos e mesmo em conversas informais, mas não são capazes de concretizar essas relações.

Efetuar "relações humanas", significa, portanto, muito mais do que estabelecermos e/ou mantermos contatos com outros indivíduos. Significa entender o

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relacionamento entre as pessoas, compreende-las, respeitando a sua personalidade, cuja estrutura é, sem duvida, diferente da nossa.

Além de compreender os indivíduos, precisamos ter flexibilidade de ação (comportamento), ou seja, adequar o nosso comportamento, apropriadamente, a uma situação dada, com determinadas pessoas.

Dentro de um sistema empresarial, existe a organização técnica e a organização humana. Estas organizações estão inter-relacionadas e são interdependentes.

A organização humana de uma fabrica é muito mais do que um simples conjunto, um agrupamento de indivíduos, pois cada um deles tem seus próprios sentimentos, interesses, desejos, frustrações, necessidades físicas e sociais, associados a sua própria história de vida. Tais indivíduos, dentro desse sistema empresarial, estabelecem freqüentes inter-relações, cada qual com uma forma particular de se comunicar.

É claro que uma grande parte dessas relações é criada pelas características do trabalho, como, por exemplo, os técnicos de segurança que, por imposição de suas próprias tarefas, passam a maior parte do tempo estabelecendo e mantendo contatos com todos os operários das varias seções da fábrica. Quase toda a atividade executada pelos técnicos de segurança envolve relacionamento com outras pessoas. Por este motivo, ele deve estar atento a essas relações, deve procurar manter um ambiente, onde as comunicações possam se processar de forma aberta, confiante e adequada.

Um ponto importante, que devemos levar em consideração, são as diferenças entre as pessoas. Saber que cada pessoa é especifica, original e possui reações próprias; que, em sua formação, cada uma foi marcada por realidades diferentes: meio familiar, escolar, cultural, social profissional , etc, e que cada indivíduo atuará em função de sua própria experiência de vida.

Devemos saber, também que toda pessoa tem necessidades que dirigem o seu comportamento, as quais ela procura constantemente satisfazer. Não só as pessoas são diferentes entre si, mas também as necessidades variam de indivíduo para indivíduo.

Esta grande diversidade pode se constituir em uma imensa riqueza humana, mas, de início, pode ser fonte de oposições violentas entre os indivíduos.

Por estes motivos, devemos estar aberto para respeitar tais diferenças.

Outro fator relevante é o que se refere aos Juízos de Valor acerca das pessoas. Normalmente, temos tendência para julgar os atos e as palavras dos outros em função da nossa própria experiência e de certos preconceitos. Este conformismo no julgamento é muito grave, pois nos arriscamos a classificar as pessoas por categorias e de forma definitiva. Deixamos, pois, de perceber o indivíduo tal como ele é, e de manter o diálogo, se não reagirmos rápida e eficazmente contra este tipo de atitude.

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Outro ponto a ser considerado é o Uso da Linguagem. A nossa linguagem pode constituir um obstáculo a comunicação e consequentemente afetar o relacionamento humano. E preciso, sempre, nos colocarmos no lugar da pessoa que esta nos ouvindo.

Devemos usar um vocabulário adaptado à realidade com a qual estamos trabalhando, um vocabulário compreensível para todos.

Um outro aspecto a ser focalizado é a Falta de Abertura. Muitas vezes, temos uma idéia ou tomamos uma posição para a qual tentamos, simplesmente, obter a aprovação dos outros, sem ouvi-los, sem dar atenção ao que eles pensam e dizem. Se nós fecharmos sobre nós mesmos, ficaremos limitados ao monologo, deixando de receber e aprender muitas informações valiosas para o nosso crescimento, e mesmo o aperfeiçoamento humano, em geral , estará sendo prejudicado.

Estar disponível em relação ao outro exige um esforço permanente, mas compensador, porque, só assim, poderemos manter um autentico e profundo relacionamento, que invariavelmente gera satisfação.

Como podemos observar, se as verdadeiras relações humanas são proveitosas e importantes de se praticarem pois evitam comportamentos desajustados que foram gerados por insatisfações; mantém o bem-estar individual e coletivo e, acima de tudo, proporcionam segurança, paz e tranqüilidade aos indivíduos e à empresa.

3 - Dinâmica de Grupo

Kurt Lewin, psicólogo alemão, e reconhecido por todos no campo da Psicologia de Grupo foi um dos primeiros teóricos e experimentadores das leis dinâmicas que regem o comportamento dos indivíduos em grupo.

Para este autor, todos os grupos devem ser compreendidos como totalidade dinâmicas que resultam das interações entre os membros.

Estes grupos adotam formas de equilíbrio no seio de um campo de forças, tensões e pelo campo perceptivo dos indivíduos". Estas forças, tais como: movimento, ação, interação, reação, etc., é que constituem o aspecto dinâmico do grupo e, consequentemente, afetam a sua conduta.

A Dinâmica de Grupo como disciplina moderna dentro do campo da Psicologia Social, estuda e analisa a conduta do grupo como um todo, as variações da conduta individual de seus membros, as reações entre os grupos ao formular leis e princípios, e ao introduzir técnicas que aumentem a eficácia dos grupos.

No campo da Psicologia Social, o grupo pode ser definido como uma reunião de duas ou mais pessoas que compartilham normas, e cujos papeis sociais estão estritamente intervinculados.

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No campo da Dinâmica de Grupo, os grupos são classificados em primários e secundários.

O grupo primário é composto por um número reduzido de pessoas que se relacionam "face a face", ligadas por laços emocionais com relações diretas, mantendo-se um processo de associação e cooperação íntima. Exemplo: grupo de amigos, grupo familiar, grupo de estudo e o próprio grupo de trabalho.

O fato de um grupo ser pequeno, não significa sempre que é um grupo primário. Para que exista, é preciso que haja interação entre os participantes, no qual cada membro deverá perceber cada um como pessoas individuais.

Nos grupos secundários as relações se mantém mais frias, impessoais e formais. Estas se estabelecem através de comunicações indiretas, como é o caso das empresas, instituições, etc.

O comportamento do grupo depende em grande parte do número de participantes. Este é um fator importante, no que diz respeito a produção e ao nível de desenvolvimento grupal.

A delimitação exata de um pequeno grupo e de um grande grupo, varia segundo os diferentes autores. Estudiosos no assunto são unanimes em afirmar que o pequeno grupo não deve ultrapassar de 20 participantes, e que o ideal para a sua constituição é de 5 a 12 elementos, possibilitando assim, maior coesão, interação e participação.

4 - Objetivos da dinâmica de grupo

a) ajudar o indivíduo a adquirir e desenvolver comportamentos mais funcionais que os utilizados até o momento;

b) colaborar com o indivíduo no sentido de descentra-lo de si mesmo e situa-lo em relação aos outros;

c) levar o membro do grupo a se perceber honestamente, em uma autocrítica objetiva e construtiva, onde o indivíduo terá possibilidades de perceber e solucionar seus problemas;

d) ajudar o indivíduo a perceber o seu crescimento como algo positivo, dando ênfase ao potencial de cada um;

e) oferecer condições para que o indivíduo tenha noção do seu próprio valor;

f) levar o membro do grupo a um nível de responsabilidade individual pelos seus atos;

g) desenvolver no indivíduo tolerância consigo e com os outros;

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h) levar o indivíduo a respeitar a variedade de opiniões e atos que existem nas pessoas;

i.levar o indivíduo a integração e ajustamento nos grupos em que participa para uma atuação cada vez mais satisfatória, e uma participação cada vez maior.

5 - Desenvolvimento interpessoal - Treinamento em grupo

Todo grupo é composto por pessoas que diferem uma das outras em sua maneira de ser e de executar um trabalho.

Os indivíduos trazem para o grupo certas características que lhes são peculiares tais como: interesses, aptidões, desejos, inibições, frustrações, em outras palavras, suas personalidades.

Todas essas características atuam como forças na dinâmica de grupo. Outras forças podem resultar da interação das pessoas. A integração e a transformação de todas essas forcas é a própria Dinâmica Interna do Grupo, e uma das forças internas mais importantes é a participação, o empenho pessoal e psicológico dos indivíduos no grupo.

Quanto maior essa participação, mais favoráveis serão as atitudes dos indivíduos para com o grupo e tanto maior seu interesse pelo grupo.

As pessoas que mais participam, são as que compreendem as finalidades e funções básicas do grupo, sentem-se seguras no desempenho de suas funções, conhecem a importância delas para o objetivo final e o funcionamento do grupo.

A vida de um grupo passa por varias fases, e em cada uma delas, os membros atuam de formas diferentes, tanto em relação à etapa de vida do grupo como em relação aos demais membros.

Dependendo do tipo de grupo (formal, informal, profissional, social, treinamento, etc.) e da fase em que se encontra, haverá certas funções a serem executadas por seus componentes.

Algumas funções soam mais genéricas que outras, existindo em todos os grupos, e são desempenhadas pelos membros, para que o grupo possa mover-se ou progredir em direção às suas metas.

O complexo processo de interação humana, exige de cada participante um determinado desempenho, o qual variará em função da dinâmica de sua personalidade e da dinâmica grupal na situação, momento ou contexto.

Em todos os grupos em funcionamento, seus membros podem desempenhar eventualmente, alguns papeis nao-construtivos, dificultando a tarefa do grupo, criando obstáculos e canalizando energias para atividades e comportamentos não condizentes com

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os objetivos comuns do grupo. Estes papéis correspondem às necessidades individuais, às motivações de cunho pessoal , à problemas de personalidade, ou, muitas vezes, decorrem de falhas de estruturação ou da dinâmica do próprio grupo.

• Responsabilidades de um bom participante

Podem ser diversas as razões que motivam a nossa participação numa dinâmica de grupo, ou qualquer tipo de grupo, mas devemos estar abertos e atentos para os seguintes pontos básicos:

• ajudar a estabelecer um clima positivo no grupo, tentando, quando possível, auxiliar os outros, sendo cooperativo;

• participar e contribuir para as discussões; • ter consciência das suas necessidades; • visar principalmente as necessidades grupais; • perceber como as interações individuais afetam o grupo; • auxiliar os participantes quando estes tiverem dificuldade em comunicar-se; • respeitar os membros do grupo como seres humanos; • manter o dialogo e não o monologo; • discutir as dificuldades que você tem em relação ao grupo; • controlar as reações agressivas; • expor com clareza as sugestões e pontos de vista; • não permitir que você ou outros membros, assumam papeis de ajudante; • comunicar-se clara e objetivamente; • ouvir e atender o outro participante; • integrar-se totalmente a vida do grupo, sem perder a sua própria

individualidade e originalidade.

7 - Papel do coordenador na Dinâmica de Grupo

O coordenador da Dinâmica de Grupo deve ser acima de tudo um educador. Sua tarefa prioritária é criar condições tais, que os treinandos possam aprender e crescer como pessoas, confiando em si e nos outros, como recursos valiosos para a aprendizagem.

Isto é possível quando o coordenador expressa expectativas positivas e incentiva a participação de cada treinando; quando e capaz de aprender com os outros membros a fornecer e receber informações; quando respeita e aceita todos os membros do grupo.

Deve ouvir atentamente, todas as pessoas do mesmo modo, mesmo que tenha idéias preconcebidas sobre este ou aquele participante.

A vida do grupo será mais fecunda se cada membro do grupo e coordenador fornecer a sua contribuição, colocando a serviço de todos a competência e as qualidades que possui.

A integração não se realizará no interior de um grupo e, em conseqüência, sua criatividade não poderá ser duradoura, se as relações interpessoais entre todos os membros do grupo não estiverem baseadas em comunicações abertas, confiantes e adequadas.

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FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA COGNITIVA DO TRABALHO

1 – Considerações gerais sobre os comportamentos do homem no trabalho

O objeto da psicologia do trabalho é o estudo dos comportamentos do homem na realização de suas atividades de labor. Introduziremos, neste capítulo, a necessidade de referenciarmos as contribuições fundamentais dadas pela teoria psicológica a este estudo.

Em psicologia, o termo atividade se alinha conceitualmente às diferentes abordagens que procuram explicar a natureza do comportamento e sua previsibilidade social. A busca pela elaboração de modelos que permitam compreender os comportamentos do homem, de um lado, como um sistema de recepção e tratamento da informação, e de outro lado, como um sistema de transformação de energia, produziram diferentes formulações sobre o desempenho das pessoas naquilo que elas fazem ou se proponham a fazer.

A visão de "homem" movido por determinantes internas (solicitações) ou submetido à condicionantes externas (cargas de trabalho), originou, na psicologia do trabalho, concepções que contemplam ambas as definições. Na verdade, o trabalho pode ser visto como um subsistema menor das coisas que fazemos para aliviar nossas tensões, mas também pode representar a atividade principal de realização objetiva do ser humano. De uma forma ou de outra, o trabalho é incorporado subjetivamente no nosso modo de perceber e fazer as coisas que necessitamos. Além disso, podemos dizer que a diferença entre o trabalho formal (tarefa) e o trabalho real (atividade), elemento fundamental do estudo do comportamento do homem no trabalho, permite definir níveis da análise das atividades de trabalho, que podem servir à teoria psicológica geral.

Segundo esta ótica, analisaremos três grandes campos interdependentes, relativos ao estudo das atividades de trabalho:

a. As comunicações: para agir é necessário efetuar trocas de informações sobre o estado da situação na qual nos encontramos;

b. As regulações: toda ação consiste em reduzir a diferença entre um estado desejado de uma determinada situação e o estado atual no qual nos encontramos;

c. As competências: as modalidades e as possibilidades de reduzir esta diferença dependem diretamente das habilidades cognitivas e sensório-motoras que o sujeito dispõe.

2 - Os níveis de análise dos comportamentos do homem no trabalho

Em um primeiro nível de análise, os comportamentos do homem no trabalho podem ser definidos como modos operativos, desenvolvidos pelo sujeito para reduzir a distância entre o trabalho formal e o trabalho real. Esta distinção, no entanto, não explica os mecanismos e os processos utilizados para reduzir esta distância.

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Todavia, é necessário, num segundo nível de análise, assinalar as diferentes componentes desses comportamentos que constituem o trabalho real. No entanto, esta apresentação em termos de componentes dos comportamentos do homem no trabalho, não leva em consideração o aspecto essencial, ou seja, a dinâmica decorrente da interação entre os diversos elementos. Por isso, nós apresentaremos, num terceiro nível de análise, um modelo que tenta restituir essa dinâmica dos comportamentos do homem no trabalho.

2.1 – Do trabalho formal ao trabalho real

A partir da distinção dos diferentes tipos de tarefas e dos diferentes circuitos de regulação, pode-se mostrar que os comportamentos do homem no trabalho podem ser analisados segundo um modelo clássico, tradicional, relativo a estrutura geral das atividades do homem no trabalho. Esta distinção faz surgir três níveis de análise para os comportamentos do homem no trabalho que são esquematizadas na figura 3.1:

Trab Trabalho humano Diferentes Tipos de Tarefas Modelo Geral de Comportamento

Traba Trabalho formal Tarefa prescrita Situação de trabalho: prescrição

Trabal Trabalho mental Tarefa Induzida /Tarefa atualizada Atividade mental:

raciocínios e inferências

Trabalho real Tarefa realizada Respostas:ação

Figura 3.1 - Os diferentes níveis da tarefa

Lembremos que nem todas estas respostas estão dirigidas, diretamente, pelo trabalho que se realiza. Os comportamentos "colaterais", que são um tipo de respostas "parasitas", traduzem, às vezes, o aumento de conflitos ou tensões no trabalho e são de importância capital para a análise do mesmo.

Esta diferenciação de níveis tem consequências importantes para a análise dos comportamentos do homem no trabalho. O que é central não é o que é mais visível. A tarefa induzida e a tarefa atualizada só podem ser deduzidas, e elas o serão a partir das diferenças constatadas entre o que o sujeito deve fazer (tarefa prescrita), e o que ele realmente faz (tarefa realizada).

De fato, a pesquisa científica clássica, que exige a observação de algo que seja "observável", não é suficiente para que possamos deduzir, a partir das entradas (situação de trabalho) e das saídas (comportamentos observáveis), o trabalho mental. Assim, necessitamos de modelos que nos permitam orientar a observação dessas diferenças e interpretá-las.

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2.2 – As componentes do comportamento do homem no trabalho

Compreender essas "diferenças", supõe possuir uma concepção de atividade do trabalho. Para isto nos basearemos, inicialmente, nos trabalhos de Faverge (1972), que distingue quatro componentes fundamentais no desenvolvimento das atividades do homem no trabalho: motora, informacional, regulatória e intelectual.

Segundo este autor, trabalhar consiste em:

a. Realizar gestos (atividade motora);

b. Detectar informações sobre o objeto de trabalho (ou através de uma interface), tratar essas informações, e responder sobre o objeto (ou através de uma interface), isto é, assegurar uma comunicação entre o homem e o objeto de trabalho (atividade informacional);

c. Manter uma variável em um valor de norma ou controlar para que ela não se desvie desse valor (atividade regulatória);

d. Colocar em ação formas de pensamento, utilizar algorítimos ou heurísticas, usar técnicas e estratégias, tomar decisões (atividade intelectual).

Para algumas atividades profissionais, a distinção destes quatro níveis é evidenciada sem maiores problemas. Por exemplo, o trabalho de um médico cirurgião ou de um carpinteiro artesão comporta estas quatro componentes. Todavia, para algumas profissões em que exista uma forte oposição trabalho manual x trabalho intelectual, normalmente, nos polarizamos em uma destas componentes e desprezamos as outras. Por exemplo, se analisarmos a atividade de um jornalista, privilegiaremos os aspectos de comunicações, processos de pensamento.

As atividades gestuais, ainda que sejam menos importantes quando se pensa em atividades mentais, podem ser um dos pontos chaves na solução dos problemas provocados por este tipo de atividade. Numerosos estudos mostram que a manipulação dos instrumentos em profissões associadas ao estudo ou a compreensão de textos, podem ter, nos gestos que se realizam, a origem das dificuldades encontradas.

Inversamente, a análise dos trabalhos ditos "manuais", que se centraliza nos aspectos gestuais, também não podem ser plenamente compreendidos sem o concurso do intelectual. O essencial situa-se ao nível da detecção das informações e da regulação das atividades de trabalho.

Um belo exemplo é dado por Ombredane e Faverge (1955), sobre o trabalho do pedreiro colocando tijolos. Na fase de aprendizagem desta profissão, insiste-se sobre a manipulação da colher, do tijolo, da argamassa. Todos os tipos de instruções e indicações são fornecidas sobre a posição da colher de pedreiro, sobre o posicionamento dos tijolos, sobre a maneira de aplicar a argamassa. Faverge observa que, mesmo respeitando escrupulosamente estas instruções, o aprendiz tem tendência em cometer erros no trabalho realizado, parecendo não compreender as regras. Os tijolos não ficam bem alinhados, a superfície da parede não fica plana e assim por diante. Para corrigir estes erros, Faverge mostra que a solução não consiste em efetuar melhor os gestos, como pensa o senso

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comum, "no início é normal eles ficarem um pouco desajeitados", mas sim descobrir referências visuais e buscar informações que permitirão assentar corretamente o tijolo. Em outros termos, a habilidade do pedreiro repousa na sua "visada", que é a habilidade que ele desenvolve para nivelar o assentamento dos tijolos. Qualquer que seja a situação de trabalho analisada, é necessário buscar o significado e a importância dessas quatro componentes na atividade do sujeito observado.

A evolução tecnológica tem permitido o aparecimento de um considerável número de novos dispositivos técnicos, produzidos em vários países. Se na análise das atividades de trabalho, relativas ao uso desses dispositivos, nos centralizarmos unicamente sobre os gestos, como por exemplo de um operador de máquinas com comandos numéricos automatizados, ficamos com dificuldades para definir os parâmetros que ele deve controlar para a produção correta de uma peça.

Todavia, sem negar o caráter particularmente inovador das pesquisas de Faverge, que marcaram fortemente a psicologia do trabalho, esta distinção apresenta dois inconvenientes. O primeiro, diz respeito a sua relativa discrição sobre os processos de pensamento. Isto se explica pelo fato de que Faverge efetuou suas pesquisas antes do avanço das ciências cognitivas. O segundo, diz respeito ao fato que Faverge distinguiu quatro componentes, mas não detalhou praticamente nada como estes quatro níveis se articulam.

2.3. A dinâmica dos comportamentos do homem no trabalho

Rasmussen (1981), propôs um modelo para analisar a dinâmica dos comportamentos do homem no trabalho, de um sujeito operando um dispositivo técnico.

Este modelo apresenta as seguintes vantagens:

a. Continuidade: o modelo apresenta uma continuidade cognitiva em relação aos modelos anteriores utilizados em psicologia do trabalho;

b. Clareza: o modelo apresenta uma clareza graças a um formalismo simples e conceitos claramente definidos;

c. Operacionalidade: o modelo é suficientemente flexível para considerar uma grande diversidade de situações de trabalho.

Pelas razões expostas, houve uma grande difusão deste modelo na comunidade científica de ergonomia, da qual encontraremos exemplos de utilização em Leplat (1985), e na obra de Hoc (1988), com uma formalização para os sistemas de apoio nos processos de tomada de decisão, e na obra de Falzon (1989), apoiando o estudo das linguagens técnicas utilizadas pelos sujeitos em situações de trabalho específicas.

O modelo pode ser caracterizado por meio dos seguintes aspectos essenciais:

a. Apresenta uma formalização das diferentes fases no tratamento das situações de trabalho;

b. Distingue, à partir de possíveis saídas de cada uma das fases-chaves, três grandes tipos de comportamentos;

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c. Associa, à um destes comportamentos, uma categorização das informações prestadas pelo sujeito.

Na análise, como na planificação, Rasmussen distingue o tratamento do resultado. Para ir do sinal à ação, o sujeito pode usar "atalhos" (habilidades, regras) ou percorrer o conjunto do circuito (conhecimentos).

2.3.1 – As fases da atividade:

Duas grandes fases, contendo várias etapas, podem ser distinguidas. A primeira é uma fase de "análise" que conduz à um diagnóstico da situação. Esta fase compreende a ativação, observação, categorização, interpretação e diagnóstico. A partir do diagnóstico, inicia-se a segunda fase, que consiste na "planificação da ação", que compreende a avaliação, a definição da tarefa, a definição dos procedimentos, conduzindo à execução do trabalho.

Fase I – Análise da situação

1. Ativação: um sinal atrai a atenção do sujeito e o conduz a orientar seus sentidos em direção à origem deste sinal, o que o leva a um estado de alerta.

2. Observação: a partir deste estado de alerta, o sujeito vai coletar dados sobre o dispositivo técnico controlado, os sistemas de apresentação de informação e de apoio à decisão, e sobre o meio ambiente de trabalho.

3. Categorização: o sujeito dispõe assim de um conjunto de dados que vai lhe permitir decodificar e coordenar a situação até construir uma representação mental quanto ao "estado do sistema".

4. Interpretação: esta fase consiste em determinar as causas e as conseqüências associadas ao estado do sistema.

5. Diagnóstico: é o conjunto de soluções possíveis a serem tomadas para agir sobre as causas, modificando as conseqüências que o estado do sistema possa ter sobre a produção.

Fase II – Planificação da ação

1. Avaliação: em função das características da situação (ambientais, organizacionais e técnicas), o sujeito avaliará as diferentes soluções e escolherá a melhor estratégia, aquela que melhor satisfaça o conjunto de critérios contraditórios (critérios de saúde e critérios de produtividade).

2. Definição da tarefa: o sujeito vai, dentro do cenário estabelecido por essa estratégia, fixar objetivos e determinar os meios para alcançá-los. Encontramos aqui o conceito de "tarefa atualizada".

3. Definição do procedimento: definidos os objetivos e os meios para alcançá-los, são estabelecidos dois tipos de procedimentos. Alguns já são pré-construídos, outros serão elaborados para se fazer face a especificidade da situação. Qualquer que seja o tipo de procedimento, eles consistem em uma seqüência ordenada de operações a serem efetuadas.

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Esta fase de planificação, desencadeia-se na "execução" dos procedimentos, quer dizer, na realização da tarefa.

2.3.2. Os tipos de comportamentos do homem no trabalho:

Rasmussen distingue três tipos de comportamentos:

a. Os comportamentos baseados em habilidades (skills): essencialmente sensório-motores, que são acionados automaticamente por situações rotineiras e se desenvolvem segundo um modelo interno não consciente e adquirido previamente;

b. Os comportamentos baseados em regras (rules): que são sequências de ações controladas por regras interiorizadas por aprendizagem. Essas regras apresentam um certo grau de variabilidade.

c. Os comportamentoss baseados em conhecimentos (knowledge): que aparecem nas novas situações, para as quais não existem regras pré-construídas.

As habilidades são pouco sensíveis às condicionantes do meio ambiente e permitem reações rápidas, podendo se desenrolar paralelamente com outras atividades. Podem, certamente, originar uma ação que seja resposta inadequada ao estado do sistema.

Um susto ao volante de um veículo gera uma reação do motorista de pisar mais fundo no acelerador o que, dependendo do que estiver a frente, pode ser um desastre. Por outro lado, a experiência permite que se dirija um carro, ou se reaja a uma situação de emergência, quase que de forma inconsciente.

Os comportamentos baseados em regras são seqüências de ações controladas por normas memorizadas por meio da aprendizagem. Contrariamente às anteriores, estes comportamentos supõem uma execução e, uma coordenação das mesmas, pois correspondem a situações familiares, mas que tem um certo grau de variabilidade.

A interpretação desses comportamentos varia segundo os autores. Para alguns (Valax, 1986), o controle da seqüência da ação é automático e inconsciente, pois existe, por parte do sujeito, a interiorização de procedimentos complexos. Para outros (Falzon, 1989) o sujeito é susceptível de verbalizar esses tipos de comportamentos, o que permitirá uma explicitação das regras: ele tem "consciência do que faz". Veremos, na seqüência, que esta oposição pode ser proveitosa no plano da pesquisa em ergonomia cognitiva.

Os comportamentos baseados em conhecimentos (knowledge) aparecem em situações novas para as quais não existem regras pré-construídas. Esses tipos de comportamentos correspondem ao percurso do conjunto de etapas descritas pelo esquema de Rasmussen. Elas estão mais ligadas aos esquemas do sujeito do que à própria tarefa. Uma mesma tarefa pode ser familiar para um sujeito experiente e totalmente nova para um aprendiz.

A linearidade de um esquema não significa que a atividade também seja linear, o sujeito pode proceder ajustamentos sobre as diferentes etapas, completar dados, rever sua categorização, rever suas escolhas de estratégias, procedimentos.

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2.3.3. Os diferentes tipos de informações

A última característica do modelo de Rasmussen é que ele associa, a cada um dos comportamentos, uma significado particular quanto as informações tratadas:

a. As habilidades (destreza) são ativadas por "sinais";

b. As regras são ativadas por "signos";

c. Os conhecimentos são ativados por "símbolos".

Esta distinção emprega os termos utilizados em lingüística, ao qual retomaremos no parágrafo consagrado aos problemas da terminologia empregada nas comunicações. Para complementar as concepções de Faverge e de Rasmussen, ressaltamos três pontos chaves do comportamento do homem no trabalho: as comunicações, as regulações e as competências intelectuais. Cada uma destas componentes não devem ser dissociadas das duas outras, na análise das atividades de trabalho.

3 – As comunicações

A psicologia do trabalho consagrou numerosos trabalhos ao problema das comunicações (De Montmollin,1983). Isto supõe que, num primeiro momento seja delimitado o campo relativo as comunicações dentro do trabalho e que sejam, num segundo momento, determinados os níveis de aproximação das comunicações.

3.1 – A problemática das comunicações de trabalho

3.1.1 – Definições

O campo coberto pela noção de comunicação não está claramente definido. Uma das tentativas mais interessantes para delimitá-lo é aquela de Van Cranach (1973), que distingue as informações, as interações e as comunicações propriamente ditas.

A informação é um dado pertinente que um sujeito, ou uma máquina, deduz da observação de um outro sujeito, ou de uma outra máquina. O efeito do tratamento das informações, pode se traduzir por uma modificação no comportamento dos sujeitos, ou das máquinas. Quando isto acontecer, chamamos então interação, para designar a influência de um determinado elemento, um sujeito ou uma máquina, sob um outro, quaisquer que sejam os meios utilizados para exercer esta influência.

A comunicação é uma situação particular de interação e que se define pela utilização de códigos previamente elaborados:

a. Informação: qualquer dado que sirva como um sinal, que chame nossa atenção;

b. Interação: quando o homem ou a máquina, devido a informação recebida, alteram o seu comportamento;

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c. Comunicação: quando a interação se dá por meio de códigos previamente elaborados.

Os códigos são normas compartilhadas por um grupo, cuja aquisição é necessária para comunicar-se. Um primeiro tipo de problema diz respeito a natureza dos códigos que pode ser muito variado. Os códigos não são todos verbais e lingüisticos. Podem existir outros códigos que utilizam o canal auditivo, como o código morse. O canal visual pode também utilizar outros códigos além dos lingüisticos, como os gestos. Na marinha e na aeronáutica, nos transportes, temos a cor e os gráficos. A inclinação do corpo, a posição de lotus, etc. Existem até códigos "tácteis" usados para curtir peles, ou "olfativos", para os que trabalham com perfumaria, além dos que utilizam repertórios normalizados, Recorrer à lingüistica para analisar estes códigos é, portanto, difícil, na medida em que esta disciplina se preocupa, essencialmente, com as linguagens ditas "naturais".

A lingüística e a semiologia se interessam pelas linguagens, que são os mais importantes dos códigos e, portanto, serão úteis à psicologia do trabalho na compreensão das comunicações que se estabelecem no ambiente de trabalho. Por outro lado, nesse ambiente, os desenvolvimentos técnicos fizeram com que a linguagem "natural" fosse substituída por um conjunto de outros códigos. Nos diálogos com as máquinas, por exemplo, empregamos displays, painéis de sinalização e de comandos, dentre outros. Nas comunicações à distância, como no rádio, telefone e nas mensagem em terminais de vídeo, outros fatores devem ser considerados.

Um segundo tipo de problema, refere-se ao caráter de normalização, que não significa que os códigos sejam necessariamente explícitos. Tanto ao nível da aprendizagem como ao nível de sua utilização, os códigos podem ser explícitos conscientemente (códigos secretos) ou não (os códigos são tão interiorizados que lhes explicamos para os iniciantes que devem aprender por meio de impregnação).

Veremos que, em situações de transferências de tecnologias, esses códigos implícitos apresentam numerosos problemas para os sujeitos de uma determinada cultura. Devemos ensinar esses códigos aos sujeitos que não tiveram impregnação cultural.

3.2 – Comunicações homem - máquina ou homem - homem?

Dentro de uma situação de trabalho, as comunicações foram, durante muito tempo, consideradas somente sob o ângulo da comunicação homem - máquina, o que apresentava um duplo inconveniente:

1. Em primeiro lugar, isto causou uma centralização nos códigos técnicos e sobretudo no caráter físico dos códigos: legibilidade, acessibilidade, limiar de percepção. Todavia os problemas de inteligibilidade e de interpretação das mensagens, são também importantes para os comportamentos do homem no trabalho, o que implica na necessidade de análises psicolingüísticas, o que foi bastante raro em psicologia do trabalho até os anos 80.

2. Por outro lado, o desenvolvimento da informática, fez com que os códigos técnicos sejam, cada vez mais substituídos por linguagens "naturais", tornam este nível limite de análise ainda mais obsoleto.

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A questão agora, é de saber em quais condições a linguagem "natural" pode substituir as linguagens técnicas ou, dito de outra maneira, através do que uma linguagem natural torna-se uma linguagem técnica?

O segundo inconveniente da análise clássica (tradicional) das comunicações homem - máquina era a de centrar-se sobre uma dimensão intra-individual. Sob a influência da evolução técnica, que faz com que as máquinas e os homens estejam cada vez mais interconectados, a necessidade de abordar as comunicações homem - homem é, cada vez mais, solicitada à psicologia do trabalho. Esta preocupação sempre existiu. Por exemplo, trabalhos que centralizam-se nas funções cognitivas dos líderes tentaram referir-se as características da competência comunicacional (Barge & Hirakawa, 1939).

Porém, privilegiando o aspecto "atividade", trabalhar a dimensão inter-individual é mais importante, pois os comportamentos do homem no trabalho supõe, segundo a distinção de Savoyant (1977), uma "cooperação" dos sujeitos entre si e uma "co-ação", quer dizer, uma coordenação de ações.

3.3 – A função das comunicações no trabalho

Seguindo-se uma velha distinção, diremos que as comunicações preenchem dois grandes tipos de função no trabalho:

1. A primeira é motivacional, permite, de um lado, a melhoria das relações sociais e, de outro lado, a emergência de soluções técnicas, na medida em que os sujeitos possam expressar-se em relação a atividade. No entanto, esses tipos de comunicações não possuem, como único objetivo, mobilizar os sujeitos. Segundo algumas experiências que as áreas de qualidade realizaram, as comunicações mantém, também, relações diretas com a atividade de produção. V. De Keyser (1983), mostra que a pobreza das comunicações sociais, fato que é comum em alguns postos de trabalho e setores das organizações, isolam os sujeitos, sem deixá-los, assim, mais eficazes, conduzindo à uma perda de confiança no sistema.

2. A segunda função das comunicações é a de ser operacional, quer dizer, assegurar o fluxo das informações necessárias para que se estabeleçam a interação das operações exigidas à produção. Numerosas categorizações de comunicações existem, centradas sejam sobre o conteúdo do trabalho, ou sobre estes aspectos coletivos.

Savoyant & Leplat associam estes dois aspectos levando em consideração a dimensão coletiva do trabalho, sempre colocando em evidência o papel dos sujeitos sobre a organização. Estes autores definem cinco tipos de comunicações:

a. As comunicações de orientação geral, anteriores à execução efetiva da ação;

b. As comunicações do tipo comentários de sua própria atividade, em que os sujeitos verbalizam, no decorrer da realização da ação, alguns elementos relativos a sua própria atividade. Estas tem por objetivo, fornecer aos outros sujeitos, elementos necessários para uma realização coordenada das operações;

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c. As comunicações de direcionamento, em que o sujeito define elementos da atividade de um outro sujeito;

d. As comunicações de acionamento das operações, que definem os momentos de execução das operações;

e. As comunicações de controle, que são empregadas para verificar a compatibilidade das ações e das operações.

Winograd (1988), propôs uma categorização bem parecida, mas com um caráter mais geral. Ele distingue as comunicações de "execução", de "clarificação", de "confrontação das soluções" e de "orientação". O problema proposto permite abranger os aspectos relativos ao papel das comunicações no trabalho. Servirá de guia para toda análise do trabalho. No entanto, não trata do que faz a especificidade das comunicações em relação as informações e em relação as interações, a estrutura do código e as linguagens utilizadas.

3.2 – Estrutura dos suportes de comunicação de trabalho

De fato, é necessário dispor de instrumentos que permitam ao engenheiro de produção analisar estes suportes de comunicação. Estudaremos aqui algumas referências simples que permitirão resolver questões importantes para a atividade do sujeito. Por exemplo: "um desenho é bem melhor que muitas explicações"; ou que tipo de relação mantém a linguagem "padronizada", porém formal, com a atividade real do sujeito? Dois níveis de análise são necessárias, um "semiológico", centrado nas unidades elementares da linguagem natural ou técnica e outro "psicolinguístico", centrado ao nível pragmático do uso da língua.

3.2.1 – Sistema de sinais

Se as comunicações baseiam-se em códigos, então, três tipos de abordagens são possíveis:

1. Abordagem semiológica: segundo Saussure (1916), o signo é uma convenção que liga o significante ao significado. Os signos são categorizados em função do grau de arbitrariedade:

1. Os signos: não lembram nenhuma das características do significado;

2. Os ícones: apresentam uma semelhança física com o significado;

3. Os índices: são sinais levantados diretamente do significado.

2. Abordagem funcional: pode-se categorizar os sinais utilizados tendo em vista a função que exercem na atividade de trabalho:

1.Os Sinais: habilidades; 2. Os Signos: regras; 3. Os Símbolos: conhecimentos.

Abordagem em função da experiência: a primeira consequência da experiência do sujeito consiste em uma substituição gradativa dos sinais, oficialmente previstos pela

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organização, por sinais informais, oficiosos. Os indícios detectados diretamente sobre o meio ambiente de trabalho são exemplos desta substituição, fruto da experiência. Uma segunda consequência é a respeito da variação na natureza dos sinais utilizados. No início da aprendizagem o sujeito utiliza informações verbais, que repete mentalmente e que são prejudicadas quando interrompido. Num segundo momento, o sujeito é capaz de responder questões, mas não pode trabalhar de olhos vendados, porque ele se utiliza de informações visuais. Enfim, na última fase, o sujeito pode agir de olhos vendados porque ele se utiliza de informações proprioceptivas que liberam a visão para detectar outras informações.

1) Abordagem semiológica: do significante ao significado:

Os sinais são categorizados em função do grau de arbitrariedade da relação entre o significante e o significado. Os sinais são arbitrários pois o significante não lembra nenhuma característica do significado. A linguagem natural é baseada em sinais - símbolos (por exemplo as palavras árvore, bobina). Todavia, o arbitrário do sinal se encontra nos sinais que não são lingüisticos, no senso estrito. Encontramos numerosos exemplos de códigos arbitrários no trabalho, como os códigos gráficos, de cores, relativos ao movimento de um cursor ou de uma agulha ou ponteiro. Os estereótipos ergonômicos que já vimos, são um exemplo desta codificação convencional. No trabalho, os sinais podem associar figuras (sinais) lingüisticas e gráficos, como, por exemplo, a placa de "PARE" no código de trânsito.

Os ícones apresentam uma semelhança física com o objeto ao qual se referem. Podemos distinguir, neste nível, ícones no senso estrito, como uma representação do objeto (por exemplo: o desenho de um carro em uma placa de código de trânsito, uma vasilha de óleo para indicar um líquido lubrificante) e dos símbolos, que são uma representação do objeto, mas que servem-se de convenções arbitrárias (por exemplo: cartas, diagramas, esquemas de circuitos).

Os índices são sinais levantados preliminarmente em uma situação de trabalho, pois eles correspondem a um prolongamento direto do objeto (por exemplo: a cor do metal indicando sua temperatura; a imagem do desfile de árvores indicando a velocidade de um trem). Os índices são pessoais e construídos a partir da experiência do sujeito. Deste ponto de vista, não podem ser considerados como códigos compartilhados, pelo menos oficialmente. Os índices merecem, no entanto, a atenção da psicologia do trabalho, pois veremos que constituem a base de um grande número de "saber-fazer".

A categorização dos sinais segundo a perspectiva de Saussure é, portanto, útil, pois permite questionar um certo número de problemas que dizem respeito a concepção dos instrumentos de trabalho. Numerosos estudos, por exemplo, tentaram comparar a eficácia relativa destes diferentes códigos. Infelizmente, os resultados são contraditórios. Se os ícones necessitam de aprendizagens menos difíceis que os sinais, apresentam um grau de generalidade menor e, dificilmente, permitem elaborar sintaxes complexas. Mas, fundamentalmente, o que foi proposto por Saussure, revela-se insuficiente do ponto de vista do engenheiro projetista, pois despreza a atividade do sujeito com os códigos.

Constatamos que, desde os anos 80, há um grande interesse pelos trabalhos de Pierce que introduziu ao trabalho de Saussure, no final do século XIX, os termos "representação", "objeto" e "interpretação". O objeto real, imaginável ou inconcebível,

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corresponde ao significado (uma bobina, uma vela: elementos mecânicos). A representação, imagem sonora ou visual de uma palavra, corresponde ao significado (bobina). O interpretante é uma imagem mental associada ou não a um termo e que fará corresponder, ou representar, o objeto (bobina = peça do motor receptáculo do fio).

Morris (1955), devido ao interesse pelos trabalhos de Pierce, propôs uma leitura interessante da noção do interpretante, que considera o sujeito como "intérprete", assegurando a mediação entre a representação e o objeto. Os lingüistas contestaram esta interpretação que atribui o processo de significado ao sujeito e não à um sinal (ou figura) lingüistico, mas, esta concepção parece fecunda para o psicologia do trabalho, pois fornece um "status" mais sólido às tentativas de categorização funcional dos sinais.

Estes sinais, portanto, não vão mais ser analisados em função de suas características físicas mas, sim, em função do uso que o sujeito faz deles.

2) Abordagem funcional

Podemos categorizar os sinais utilizados levando-se em conta à função que eles preenchem na atividade de trabalho. Diferenciaremos assim os "descritores" dos "prescritores" (Weill-Fassina, 1979). Os primeiros, fornecem informações sobre o estado da situação de trabalho e sobre suas variações, mas não indicam as ações a serem executadas para tratar, lidar, com esses estados. Os segundos, em compensação, indicam, sob a forma de senhas (instruções) e de regras mais ou menos imperativas, as ações a serem executadas. Esta categorização, útil por colocar em ordem os sinais que o sujeito encontra, é muito centrada nos aspectos formais do trabalho e não considera a atividade mental do sujeito.

De um ponto de vista funcional, porém, integrando o funcionamento do sujeito, lembremos da categorização de Rasmussen (1989) que associa a cada um dos três comportamentos (habilidades, regras e conhecimentos), três tipos de informações (sinal, signo e símbolo).

Um sujeito que encara pela primeira vez um problema de "lonas de freio gastas", trata o piscar do alarme do painel do carro, como um símbolo e mobiliza conhecimentos. Um motorista experiente indentificará imediatamente esta informação se ela ocorrer e, neste caso, o alarme será tratado como um sinal.

Este exemplo mostra que o tipo de informação detectada anteriormente, está relacionada a sua utilização e a experiência do sujeito. Esta perspectiva é reforçada pela consideração de trabalhos mais antigos que mostram que o "status dos sinais", utilizados no trabalho, estão relacionados a evolução da competência do sujeito.

3) Abordagem em função da experiência

Uma primeira conseqüência da experiência do sujeito é a gradativa substituição de sinais oficialmente previstos na concepção da situação de trabalho por sinais informais ou oficiosos. Os índices levantados diretamente sobre o ambiente de trabalho são um exemplo desta substituição, que é fruto da experiência. Estes processos ainda são freqüentes, mesmo

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em situações tecnologicamente mais avançadas, que tendem à eliminá-los, cada vez mais, levando ao desaparecimento da destreza, da habilidade manual e do saber-fazer dos sujeitos. Da mesma forma, abrange domínios extensos. Em uma situação de formação, por exemplo, o professor pode perguntar: "Vocês compreenderam"?, e receber sinais oficiais positivos e, ao mesmo tempo, perceber sinais informais (posturas, mímicas), que, às vezes, contradizem o que a voz afirma. Só a experiência lhe permitirá decodificar (interpretar) estas contradições. Estes sinais são pouco conhecidos e possuem uma aprendizagem de difícil formalização, o que não significa que devam ser desprezados.

Um segundo tipo de substituição diz respeito à variação na natureza dos sinais utilizados. Trabalhos muito antigos de Lancu, citados por Faverge (1972), colocam em evidência três etapas na recepção de informações. No início da aprendizagem, utilizamos informações verbais que repetimos mentalmente, fazendo com que se falarmos com o sujeito, ele interrompa sua atividade. Num segundo momento, o sujeito é capaz de responder às questões mas não pode trabalhar com os olhos fechados, pois utiliza informações visuais (olhar sua alavanca de marcha, seu teclado, sua tela, suas mãos e seus pés). Enfim, na última fase da aprendizagem, o sujeito pode agir com os olhos fechados pois ele utiliza informações proprioceptivas. Receptores de informações situados ao nível ósteomuscular liberam a visão para que esta possa captar outras informações existentes na situação de trabalho. O motorista presta atenção unicamente na estrada, o digitador o texto a ser digitado e a dançarina dança com os olhos fechados.

Se é difícil formalizar sinais proprioceptivos, que são internos ao sujeito, em compensação é inútil sobrecarregar o sujeito com informações verbais ou visuais, para as quais ele pode efetuar substituições. É necessário privilegiar, na formação, os sinais proprioceptivos, interditando, assim, verbalizações mentais (enviar mensagens sonoras ao aprendiz) de um lado, e de outro lado, incentivar a tomada de informações visuais ("olhe a estrada", "observe sua posição", "a postura da cabeça da dançarina"). Se tiramos, assim, os canais auditivos e visuais desta tomada de informações permitiremos antecipações e avaliações sobre outros aspectos da tarefa. Esta análise do papel ativo do sujeito não se limita aos aspectos semiológicos, influencia, também, ao nível da dinâmica da comunicação.

Outra questão é a do diálogo homem - máquina, decorrente da evolução tecnológica. Existe uma disputa entre os que defendem e os que são contra o uso de linguagem natural. Winograd (1984), sistematizou as ambiguidades da linguagem natural e suas consequências no campo da informática:

TIPOS DE AMBIGUIDADES EXEMPLOS

1. Lexical A pesca está boa?

2. Estrutural A pequena quebra o vidro.

3. Estrutural profunda Paul faz comer as galinhas.

4. Semântica Davi quer casar uma norueguesa.

5. Pragmática Ela deixou cair o prato sobre a mesa e quebrou.

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Alguns desses elementos, dentro de um contexto, permitirão ao homem compreender esta frase, quer dizer, escolher entre duas interpretações possíveis, ao passo que, para uma máquina, compreender, ou decifrar tais ambiguidades, exigirá numerosas linhas de programas. Estabelecer um diálogo, em linguagem natural, entre um homem e uma máquina, supõe, portanto, que seja resolvido o caráter ambíguo de um grande número de proposições.

A utilização de uma linguagem natural nas interações homem - máquina se revela, portanto, difícil, pois necessita programas de computador muito complexos. Por outro lado, numerosas experiências (citadas por Falzon 1989), mostram que a linguagem natural não é, forçosamente, mais eficaz do que as linguagens técnicas codificadas e que sujeitos, tendo que escolher entre uma linguagem técnica e uma linguagem natural, não escolheriam, forçosamente, a natural. Por exemplo, na utilização do tratamento de texto os sujeitos em certas condições retornam rapidamente aos códigos das máquinas depois de já terem recorrido aos comandos em linguagem natural.

Observações simples se opõem a estes argumentos que são contra a utilização da linguagem natural. A população que utiliza equipamentos de informática, está cada vez mais numerosa. Portanto, será lógico utilizar, para essas interações, uma linguagem mais conhecida, mesmo se esta apresenta inconvenientes. O exemplo dos programadores e analistas de sistemas, especialistas em um determinado tipo de linguagem, demonstra o quanto é complexo passar para outros, que não dominam estes formalismos, estas informações.

Enfim, é necessário considerar que todo instrumento é apenas um meio para se cumprir as tarefas. É portanto, desejável que o sujeito não perca um tempo considerável, só para aprender a falar com sua máquina, sobretudo se mudamos seguidamente a linguagem dessa máquina (a evolução é rápida nesse campo) e ele deva reaprender, a cada vez que surja uma nova linguagem de comando.

Para sair do dilema, linguagem técnica ou natural, a tendência é recorrer à linguagens restritas que são dialetos derivados da linguagem natural. Esta posição se apoia no fato que existe uma tendência natural à restringir a linguagem desde que sejamos especialistas em um determinado campo.

Em todas as profissões existem gírias que são deformações da linguagem natural. O engenheiro usa as gambiarras, o mesmo acontece em atividades antigas como a construção e a marcenaria, ou na linguagem do pedreiro ou do carpinteiro.

Estas linguagens não tem como objetivo um esoterismo. Elas foram construídas, progressivamente, pela experiência profissional, com vistas a uma maior eficácia. Esta dupla característica, conduziu Falzon (1989) a designá-las como linguagens operativas, por analogia às imagens operativas definidas por Ochanine (1978).

As vantagens dessas linguagens restritas, derivadas da linguagem natural, são inegáveis. Tomando emprestado o vocabulário natural, que é de aprendizagem mais fácil e agradável, é possível, assim, transferências de uma aprendizagem à outra, criticando as

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estruturas sintáxicas da língua, evitando erros de interpretação. Seu caráter restrito, enfim, diminuirá os custos em termos de programação.

A questão que se coloca, então, é aquela das modalidades de restrição impostas por essas linguagens. Uma primeira tendência consistiu em definir as restrições a serem impostas a linguagem natural para torná-la mais aceitável por parte dos sujeitos.

Toda uma corrente de pesquisa, dentro da ergonomia (Valentim & Lucangsang, 1987), produziu regras para deixar essas linguagens de interface mais homogêneas, compatíveis entre si, com um nível otimizado de informações, com o objetivo de ser ao mesmo tempo compreensível e de fácil utilização pelo sujeito.

Este esforço de normalização é interessante. No entanto, esta perspectiva é muito formal e não se apóia na atividade real dos sujeitos que restringem, naturalmente, a sua linguagem.

Como assinala Falzon, "ao invés de estudar as restrições específicas da linguagem natural, por que não estudar as restrições naturais da linguagem específica já utilizada pelos sujeitos?" Isto permitirá dispor de vocabulários e sintaxes apropriados à tarefa real, no caso da informatização, e de formular, sobre um plano mais geral, recomendações realistas sobre a concepção das linguagens restritas. Falzon não propõe leis sobre a adaptação linguagem natural em situações específicas, mas alguns pontos chaves emergem de seus trabalhos sobre as linguagens operativas. Sobre o plano lexical, o tamanho do vocabulário deve ser reduzido, não necessariamente os mais frequentes da linguagem. Por outro lado, alguns termos específicos devem ser criados. Exemplos desses vocabulários, particulares à um determinado corpo profissional, existem em abundância. Um gato, segundo um morador de uma favela, não é, necessariamente, um mamífero doméstico mas, bem diferente, uma ligação clandestina de energia.

Sobre o plano sintático, as restrições compreendem o número de regras e sua complexidade. Elas são menos numerosas e mais simples do que aquelas da gramática natural. Essas regras variam de uma linguagem operativa à outra, podendo haver a criação de regras específicas.

A educação que possibilita a compreensão dessas gramáticas, consiste em um problema árduo, demandando pesquisas interdisciplinares como especialistas de linguística e de psicologia.

Sobre o plano semântico, as restrições objetivam fazer desaparecer as ambiguidades da linguagem natural assinaladas por Winograd (1984) e que, a linguagem natural elimina pelo contexto do texto ou, da conversação.

Um tratamento pelo contexto torna-se difícil, pois as restrições decorrentes desta análise se traduz pelo uso de léxicos monosêmicos unívocos, seja pela criação de léxicos específicos, com o objetivo de evitar as ambiguidades da língua. Um físico não dirá bobina, mas solenóide para distinguir um tipo particular de bobina. Aplicação, em matemática, circunscreve um campo conceitual bem mais preciso que o existente nas linguagens correntes.

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As restrições semânticas decorrem também da orientação fixada pela tarefa, e da representação que o sujeito faz da mesma. Esses elementos definem um universo restrito para as interpretações possíveis da mensagem, que exerce o mesmo papel que o contexto da linguagem natural.

Sobre o plano pragmático, o que deve ser feito em função do que é dito, as restrições ocorrem em função de um conjunto de regras de uso e de referências convencionais de um contexto particular. Por exemplo, o empregado do serviço de informações do aeroporto saberá decodificar a mensagem "eu quero ir ao Rio de Janeiro", não como uma declaração, mas como um pedido de horários, de fornecimento de passagens, etc Essas regras são chamadas de contrato de comunicação (Ghiglione, 1936), e visam permitir uma coordenação espontânea e eficaz das conversações correntes, na medida em que estas se baseiem sobre uma representação compartilhada da situação.

Concluindo, as linguagens apresentadas não são nem amostras, nem um sub conjunto da linguagem natural mas, um sistema construído por deformações da mesma com o acréscimo de elementos particularmente eficazes para a compreensão das mensagens que fluem nas atividades de trabalho.

A análise dessas linguagens permitirá que se construam linguagens de interação homem - máquina bem mais adaptadas e, além disso, possibilitará a compreensão dos elementos determinantes colocados em jogo na regulação e na resolução de problemas no decorrer das atividades de trabalho.

3 – As regulações

A abordagem da atividade do sujeito em termos de regulação, foi, durante muito tempo privilegiada pela psicologia do trabalho. Segundo esta concepção, o sujeito é considerado como um regulador do sistema.

A regulação foi definida por Piaget como "o controle reativo que mantém o equilíbrio relativo de uma estrutura organizada ...". Uma primeira questão consiste em se perguntar em quais elementos do sistema é mantido o equilíbrio? Uma segunda questão, considerando este equilíbrio como um processo, será necessário perguntar qual a dimensão temporal das regulações? E, numa terceira questão, categorizaremos as regulações.

3.1. A natureza das regulações

O sujeito, no desenvolvimento de uma atividade de trabalho, preenche uma dupla função, a de comparador - regulador, no sistema trabalho.

3.1.1. O desvio e a norma

A função comparador é aquela que permite ao homem avaliar o desvio entre o estado esperado (ou desejado) e o estado observado do sistema num determinado momento. Coloca-se então, o problema dos valores dos desvios admitidos pelo sujeito. Estes, são

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determinados, de uma parte, pela percepção da situação e, de outra parte, pela definição das normas pelas quais serão avaliados os desempenhos do sistema.

Essas normas podem se diferenciar em função do nível da tarefa (prescrita ou induzida). Em alguns grupos, existem normas implícitas de produção que é aconselhável não ultrapassar por excesso de zelo. Em outros casos, em particular devido a pressão quando se ligam alguns elementos à questão salário, as normas podem ser super avaliadas. Nesses dois casos, existe um jogo social que conduz a negociações, explicitas ou não, sobre o valor destas normas. Em outras situações, uma competição, às vezes entre sujeitos, às vezes no sistema técnico, se instala, e faz subir muito o valor destas normas.

De Keyser (1983), mostra como os trabalhadores de uma siderúrgica tentam "vencer" o computador. Segundo ela, "o aperfeiçoamento de estratégias observadas, a destreza, a tensão quase que eufórica na hora em que o sujeito consegue imobilizar o computador, e pegá-lo em flagrante delito de ignorância, testemunha uma competição a fim de afirmar sua identidade e reforçar a coesão do grupo".

As normas não são, portanto, elementos objetivos, resultam de representações individuais e coletivas. Quanto às regulações que se estabelecem pelo desvio das normas, inscrevendo-se num jogo social, elas não serão individuais, mas coletivas.

3.1.2 – O intensivo e o cognitivo

A função regulador pode ser considerada em dois níveis. O sujeito pode ser considerado como um regulador do sistema sócio-técnico, istoé, recuperando os desvios em relação às normas. Podemos considerá-lo, ainda, como regulador de sua própria atividade, quer dizer, modificando seu procedimento de trabalho a fim de diminuir sua carga de trabalho, seu stress.

Leplat (1975), distinguiu dois circuitos de regulação: um circuito cognitivo, que se centraliza sobre o desvio entre os objetivos visados e os resultados obtidos, e um circuito intensivo que trata da carga de trabalho. Nesse quadro dois tipos de regulação são possíveis para o circuito cognitivo:

1. Um circuito cognitivo: Regulação funcional: pequeno desvio

Regulação estrutural: grande desvio

2. Um circuito intensivo: Relativo à carga de trabalho

Uma regulação funcional do desvio entre os objetivos e os resultados é reduzido sem mudança de método de trabalho. Uma regulação estrutural é colocada em jogo quando os desvios são importantes: ela se traduz por tentativas de modificações dos objetivos, por mudanças de métodos de trabalho.

Se essas tentativas de redução dos desvios não der certo, a carga de trabalho, o stress, podem aumentar. Neste caso, um segundo circuito de regulação pode ser ativado. O

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stress foi incluído, aqui, de uma maneira geral. Todos os efeitos de trabalho sobre o homem podem se acentuar caso não se tenha sucesso.

Se os efeitos do trabalho ficarem abaixo de um limite aceitável, o sujeito poderá intensificar sua produção sem mudar de métodos. Mas se os efeitos ultrapassarem os limites aceitáveis, como é o caso da figura de regulação estrutural, então o sujeito mudará de método para recolocar estes efeito abaixo do limite.

É necessário notar que, para os objetivos de produção, o limite aceitável não é um dado objetivo. Os sujeitos podem aceitar agressões que seus organismos não suportarão e que, futuramente, poderão acarretar perturbações distintas na saúde do sujeito.

3.1.3. Prevenção ou produção

Esta distinção, estabelecida por Faverge (1972), consiste na idéia de que o sujeito deve, num sistema de produção, preencher uma dupla tarefa. Ele deve, em primeiro lugar, atingir os níveis de produção determinados e, simultaneamente, manter um bom estado de funcionamento e de segurança das instalações nas quais atua.

As estratégias desenvolvidas para manter este nível de produção determinam uma regulação de produção. Todo desvio, toda diferença, entre uma situação considerada normal e um estado degradado do sistema, ao nível da instalação, determina uma regulação de prevenção.

Numerosos exemplos no campo da segurança, são dados por autores a fim de ilustrar esta oposição. Faverge, em um estudo sobre os trabalhadores de uma mina de carvão, mostra as contradições entre a regulação de produção (cortar = produzir o máximo de carvão) e a regulação da prevenção.

Cellier (1980), em uma tese de doutorado sobre a regulação entre a função de produção e a função de prevenção, mostrou que os agricultores manifestam estes dois tipos de regulação e, que, numerosos acidentes acontecem devido ao fato que a função produção é sempre privilegiada, custe o que custar.

No entanto, estes exemplos não parecem demonstrar que existam diferenças entre esses dois tipos de regulações e as anteriormente citadas, regulação cognitiva e regulação intensiva. Poderemos considerar que a regulação de prevenção e a regulação intensiva determinam os mesmos processos e que não correspondem a coisas distintas.

O sujeito que não perde o seu tempo para colocar o óleo lubrificante, pois senão atrasará a sua produção, correrá o risco de queimar o motor. O motorista que não troca as pastilhas do freio para não perder a hora marcada, são exemplos da não regulação de produção em detrimento da regulação do sistema.

Estas distinções sobre a natureza, particularmente complexa, da regulação, são úteis para a análise da atividade de trabalho. Elas devem ser consideradas como instrumento de classificação, e não como realidades separadas desta atividade.

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3.2 – A dimensão temporal das regulações

As distinções anteriores fazem emergir a relevância da dimensão temporal. Alguns trabalhos tentaram sistematizar esta dimensão temporal.

3.2.1 – Intimação ou parada?

Uma primeira distinção coloca em evidência a importância da consideração do tempo nas regulações. Quando as regulações são funcionais, quando tratam de pequenos desvios, não causarão mudanças do modo operativo e, neste caso, a importância da dimensão temporal será reduzida. Em compensação, nas regulações estruturais, quando temos desvios maiores, e é necessário mudanças do modo operativo, planejar a dimensão temporal tornar-se-á essencial.

Sem fazer referência, explicitamente, a esta dimensão temporal, Faverge (1990), percebeu este problema, distinguindo uma regulação de intimação de uma regulação por parada. Modificando levemente as definições de Faverge, podemos fazer aparecer esta dimensão temporal.

Nas regulações de intimação, o sujeito mantém a produção próximo da norma, por meio de micro ajustamentos. Nas regulações por paradas, os desvios em relação à norma podem atingir um valor tal que só serão corrigidos drasticamente.

3.2.2 – Assíncrona ou síncrona

De Keyser (1983) formalizou a intervenção da dimensão temporal na regulação, distinguindo uma regulação assíncrona de uma regulação síncrona. A primeira consiste em uma distribuição desigual da produção sobre a jornada de trabalho. Alguns períodos serão carregados para permitir uma recuperação da produção, e outros serão relativamente mais tranquilos.

Sujeitos que devem se levantar muito cedo devido a determinados aspectos da produção, por exemplo, preparação e tempo para colocar em funcionamento as instalações, podem aproveitar as fases de repouso, durante a jornada de trabalho, para recuperar eventuais desvios.

A regulação síncrona baseia-se na pluralidade das estratégias que o sujeito pode dispor, dentre as quais, num determinado instante, ele poderá escolher, para atingir a norma de produção, sempre mantendo um nível de segurança aceitável.

De Keyser dá como exemplo de regulação sincrônicas as modificações dos modos operativos do controlador da navegação aérea quando o número de aviões a aterrizar aumenta.

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3.2.3 – Antecipação ou retroação:

=Partindo-se da distinção empírica entre dois tipos de regulações, funcional e estrutural, de um lado e das considerações sobre a regulação e controle de atividades, de outro lado , podemos distinguir, pela planificação, dois tipos de funções:

a. A retroação: que intervém depois da execução. Se um desvio é produzido, o sujeito aumenta sua produtividade na fase seguinte, para poder alcançar o objetivo previsto. Estas regulações são de ordem funcional;

b. A antecipação: corresponde à regulação propriamente dita. Consiste em receber os planos da atividade e corrigi-los se os resultados não estão conforme o plano. Estas regulações são de ordem estrutural.

Para passarmos da questão da regulação para os problemas da competência é necessário, para facilitar esta transição, algumas indicações sobre os processos de regulação.

3.3 – Os processos dentro das regulações

Podemos levantar três grandes tipos de problemas à propósito dos processos de regulação:

3.3.3.1 – Controle, autonomia e compromisso:

a. regulação de controle: corresponde, segundo Reynaud (1988), à uma regulação baseada em regras que surgem da hierarquia. Situa-se ao nível de tarefa prescrita e pressupõe um funcionamento explícito e formal dos sujeitos.

b. regulação autônoma: é baseada em regras produzidas pelos próprios sujeitos dentro da organização. Situa-se nos níveis informais da tarefa.

c. regulação de compromisso: é baseada em regras que são objeto de negociação mais ou menos formal e explícita, e faz retornar ao problema do poder dentro da organização.

3.2 – Regulação intra-individual e regulação inter-individual:

Se todo mundo concorda com a necessidade de considerar a dimensão coletiva do trabalho, quer dizer, fazer reinar um bom entendimento entre os sujeitos, dentro de uma determinada organização, então, de forma análoga à distinção entre comunicações sociais e comunicações operacionais, podemos falar de uma regulação social e de uma regulação operacional.

Em seqüência ao impulso dado pelos estudos de Savoyant (1977), os trabalhos de Navarro (1984, 1991), que associam as formalizações sobre a resolução de problemas com a regulação da carga de trabalho, nos permite distinguir quatro grandes tipos de processos de regulação, em caso de sobre carga.

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a. Regulação por supressão de tarefas secundárias: o abandono dessas tarefas secundárias pode causar repercussões sobre outras tarefas asseguradas por outros sujeitos;

b. Regulação por acúmulo de tarefas: quando um sujeito atinge um alto nível de competência, ele é capaz de fazer várias coisas ao mesmo tempo, até ajudar um colega;

c. Regulação por transporte: quando sua própria produção permite ao sujeito adiar algumas tarefas, que podem deixar "deficiente" as equipes que esperam por esta produção;

d. Regulação por transferência: um sujeito que está super atarefado dá um parte de sua tarefa para um colega que não esteja muito carregado. Trata-se de uma verdadeira cooperação.

Esta tipologia torna-se descritiva. As condições de encadeamento destas regulações, e os mecanismos colocados em jogo, continuam como um problema complexo que se dirige para a competência e conhecimentos dos sujeitos.

4 – As competências

Este campo é muito amplo e, com a emergência da psicologia cognitiva, não se pode resumir, em apenas um parágrafo, a concepção do funcionamento intelectual do homem no trabalho. O objetivo aqui, será de fornecer algumas referências escolhidas, em função de sua operacionalidade, já demonstrada no estudo das atividades do homem no trabalho.

A escolha do modelo de Rasmussen, que estrutura este capítulo é um exemplo. Pode não ser o mais válido ou o mais sofisticado, mas é o modelo que melhor convém para considerarmos as atividades cognitivas do homem no trabalho.

Deste ponto de vista, a competência dos sujeitos será considerada como um conjunto de recursos disponíveis para fazer face à uma nova situação no desenvolvimento de uma atividade de trabalho. Estes recursos são constituídos por conhecimentos estocados em memória e por meios da ativação e de coordenação desses conhecimentos.

A noção de competência é, portanto, colocada no seu senso clássico (as potencialidades do sujeito), sendo oposta à noção de performance"que é a tradução total ou parcial da competência de uma determinada tarefa.

4.1 – A natureza dos conhecimentos

Lembramos a distinção feita por Richard (1990), entre as "representações circunstanciais da imagem construída num dado momento da situação de trabalho" e os "conhecimentos", regras permanentes, estocadas na memória do sujeito. Neste sentido, falaremos de conhecimentos, distinguindo diferentes tipos.

4.1.1 – Os conhecimentos gerais:

Estes conhecimentos não são específicos a uma determinada tarefa, em um dado momento. O teorema de Pitágoras, cujo conhecimento geral especifica que "o quadrado da hipotenusa é igual a soma dos quadrados dos catetos", não permite ao carpinteiro resolver diretamente o problema de ortogonalidade entre o forro e a aresta do telhado. É necessário

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notar que a especificação não depende do conhecimento em si, mas da tarefa. A vantagem desses conhecimentos é que eles podem ser aplicados em várias situações. O teorema de Pitágoras permite resolver problemas de mecânica, ótica, arquitetura , etc.

4.1.2 – Os conhecimentos operativos:

São conhecimentos específicos à um tipo de trabalho. Resultam do armazenamento na memória de longo termo de traços e características de situações que já encontramos anteriormente. A representação circunstancial da situação já encontrada várias vezes tona-se em uma estrutura permanente que será aplicada assim que a situação acontecer novamente. Não se trata de uma memória episódica, no sentido em que não nos lembramos de um acontecimento, mas sim de uma memorização operativa, no sentido em que são elaboradas regras que serão ativadas em situações específicas. Esses conhecimentos podem ser (ou não) uma instância particular de conhecimentos gerais, mas sem que o sujeito tenha, forçosamente, consciência disso.

Ochanine (1978), propondo o conceito de imagens operativas, prescreveu os traços essenciais desses conhecimentos. Eles se caracterizam, em primeiro lugar, pelo sua concisão, que corresponde a uma seleção de traços pertinentes em relação aos objetivos usados numa tarefa particular e, em segundo lugar, por deformações funcionais, que consistem em uma acentuação dos elementos salientes e pertinentes para a ação e, ao mesmo tempo, uma ocultação dos elementos inúteis.

Ochanine mostra, a título de exemplo, a maneira pela qual os médicos, a fim de diagnosticar certos distúrbios, constróem uma imagem mental deformada da glândula tireóide que não corresponde nem à sua anatomia, nem às esquematizações formais. Eles obtêm esta imagem operativa por meio de modelagem.

4.1.3 - Os conhecimentos rotineiros:

Falzon (1989), apoiando-se sobre a noção de habilidade de Rasmussen (1983), propõe isolar uma classe particular de conhecimentos operativos, que ele designa sob o termo de conhecimentos rotineiros na medida em que se caracterizam por uma grande repetitividade. Quando um sujeito mobiliza frequentemente um conhecimento operativo em uma situação onde as características variam pouco, constrói-se um verdadeiro automatismo. Para Falzon, estes conhecimentos rotineiros podem ser o resultado de um processo de petrificaçao de um estado particular, de um esquema operativo.

4.1.4 – Automatismo e inconsciência

A distinção entre três formas de conhecimento é interessante, mas coloca dois tipos de problemas. O primeiro é de ordem terminológica. Os conhecimentos rotineiros (as habilidades) e operativos (as regras) são inconscientes, não controláveis ou automáticos. O termo inconsciente tem um status particular em psicologia, significa que o sujeito não tem acesso direto à significação de seu comportamento. Segundo esta perspectiva, conhecimentos operativos podem ser inconscientes, no sentido em que o sujeito é incapaz, de um lado, de ter um acesso direto aos mesmos e, de outro lado, determinar em que condições estes podem nos ajudam a tomar decisões. Porém, outros conhecimentos

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operativos (exemplo: se chove, então: 1. pegar o guarda chuva; 2. Sair e 3. Abrir o guarda-chuva) podem ser conscientes e automáticos.

Com o desenvolvimento da inteligência artificial e dos sistemas especialistas, verificou-se que a aquisição dos conhecimentos é um problema difícil, cuja solução está condicionada, não por soluções técnicas, mas por uma conceitualização dos conhecimentos.

4.2 – A memória nos comportamentos do homem no trabalho

A memória, considerada como um lugar de estocagem das representações e dos conhecimentos, constitui um domínio importante da atividade do sujeito. A compreensão dos processos e dos mecanismos envolvidos é importante para a psicologia do trabalho. Avaliar as capacidades mnésicas de um sujeito no momento de sua adaptação ao trabalho e das estratégias para recuperação de informação, pode ser extremamente importante em algumas situações. Distinguiremos vários tipos de memória, antes de consideramos a forma pela qual a psicologia do trabalho delas se utiliza.

4.2.1 – Os diferentes tipos de memória:

1. Os registros sensoriais: os registros sensoriais caracterizam-se pela conservação de informações por um dos órgãos dos sentidos durante alguns décimos de segundos. A informação percebida não é transformada e é totalmente volátil. Corresponde ao nível da "ativação" segundo o modelo de Rasmussen. Não se trata, no entanto, de memória no sentido estrito, pois não existe nem estocagem, nem tratamento.

2. As duas memórias: distinguiremos dois tipos de memória: a memória de curto termo (M.C.T.) e a memória de longo termo (M.L.T.). A M.C.T. designa o conjunto dos processos que permitem conservar uma informação durante o tempo necessário para a execução de uma ação. Na M.L.T., são estocados o conjunto de acontecimentos e conhecimentos que um sujeito acumulou no decorrer do tempo. Se a diferença temporal aparece claramente entre as duas memórias, em compensação, a diferença de natureza é menos evidente, pois algumas informações da M.C.T. se encontram na M.L.T. A noção de memória de trabalho (Baddeley & Hidch, 1974) pode substituir a de M.C.T. pois traduz melhor o fato de que existem dois processos dentro desta memória, um de estocagem e outro de tratamento.

4.2.2 - A memória de trabalho:

A memória de trabalho tem capacidade de estocagem limitada. O número de unidades retidas, assim como o seu tempo de conservação, depende, por um lado, do significado das unidades a memorizar e, de outro lado, de uma atividade de auto-repetição que permite conservar as informações. Para o projeto de mensagens em um terminal de vídeo, alarmes, suportes de informações temporários, necessitamos respeitar as seguintes regras:

1. não ultrapassar um grande número de informações;

2. não dissociar (no tempo), a detecção de uma mensagem, do momento em que ela deve ser tratada;

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3. evitar (no caso de forte solicitação da memória) recobrir, ocultar tarefas que possam bloquear o processador central de repetição mental.

Quanto à estrutura das mensagens, estas devem considerar o efeito de ordem das unidades a serem memorizadas. As unidades colocadas no início e no final de mensagem são bem mais retidas do que as unidades colocadas no meio.

4.2.3 – Diferentes tipos de memória de longo termo:

A memória de longo termo pode ser caracterizada em função de diferentes modos de representação da realidade: uma primeira distinção opõe uma memória procedural a uma memória proposicional ou declarativa (Anderson, 1983).

A primeira é constituída pelo conjunto de nossos conhecimentos sobre a maneira de cumprir nossas atividades, sobre nossa maneira de fazer. A memória procedural, cujos mecanismos são difíceis de compreender, foi objeto de poucas investigações.

A memória proposicional é constituída pelo conjunto dos conhecimentos que nós possuímos sobre o estado do mundo (os fatos, as casas, os seres). Corresponde aos conhecimentos gerais, sobre o qual já falamos anteriormente. A memória proposicional está subdividida em dois grandes sistemas: a memória episódica e a memória semântica (Tuluing, 1976). Dentro da primeira estão estocadas as lembranças, acontecimentos pessoais, que estão organizados em função de suas relações temporais e contextuais com outros acontecimentos.

A memória semântica é mais geral e mais abstrata, contendo conceitos que formam estruturas organizadas em rede. Esta memória é considerada como contendo informações essenciais na utilização das linguagens.

Segundo Tuluing, os dois sistemas de memória funcionam diferentemente, por exemplo, o esquecimento é mais importante dentro da memória episódica (um acontecimento procura o outro) ao passo que o conteúdo da memória semântica é bem mais estável, mesmo se esta se enriquece continuamente.

No entanto, os dois sistemas estão em forte interação: os acontecimentos são percebidos através do filtro dos conceitos e o lembrar-se de um acontecimento marcante, reforçará a retenção de um conceito.

Codificação e recuperação: a organização e a estruturação da memória estão em função de dois processos: a codificação, que transforma uma informação em um traço mnésico, e a recuperação que permite ir procurar e identificar as propriedades de um objeto semelhante àqueles existentes na M.L.T.

Uma segunda fase consiste em um processo de organização, baseada em uma codificação relacional, reagrupando os traços memorizados em uma rede, já constituída na M.L.T. Esta organização conta com redes hierárquicas, no sentido em que se organizam do geral para o particular, passando por classes intermediárias ligadas por relações de inclusão.

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Estas redes semânticas da M.L.T. não são reprodução de taxionomias formais. Elas resultam de relações que se articulam com a atividade do sujeito. A figura 4.5, ilustra a diferença que poderá existir entre uma classificação de animais de um zoológico (próxima de uma taxionomia formal) e aquela que um agricultor usaria.

As redes semânticas fundadas sobre as relações funcionais (como é o caso do exemplo) ou sobre relações perceptivas (cor, forma, tamanho), apresentam numerosos problemas sobre a atividade do sujeito. Se a organização do material a ser memorizado facilita a codificação relacional é ilusório, então, acreditar que a apresentação do material sob forma de taxionomia formal, seja uma solução.

Um segundo problema consiste na distinção entre relações perceptivas e relações funcionais. As primeiras não conduzem a um nível menor de competência pois critérios perceptivos podem ser funcionais (Exemplo: nos trabalhos de controle os critérios perceptivos são, funcionalmente, muito eficazes). A recuperação das informações que permite ir buscar e identificar as propriedades de um objeto, causará uma interação entre o reconhecimento, objeto presente, ou a lembrança, objetivo ausente.

A codificação exerce um papel fundamental na recuperação, determinando assim as atividades de trabalho. Sugerimos uma ligação entre os tipos de codificação e a recuperação. O reconhecimento parece pertencer a uma codificação perceptiva, ao passo que, para a lembrança, os dois tipos de codificação seriam igualmente necessárias.

4.2.4 - A memória operacional:

Não devemos assimilá-la à noção de memória de trabalho. A memória operacional é uma memória específica à realização de uma tarefa ou de uma subtarefa particular. Ela tem, portanto, uma duração de vida transitória ligada à duração desta tarefa. Quando esta termina, ela se volatiliza.

A memória operacional que fez assimilar à memória de trabalho foi, de um lado, a brevidade de sua duração e, de outro lado, a natureza fugaz dos dados que ela trata. A memória operacional constitui um quadro mais amplo do que a memória de trabalho.

4.3 – Heurística e raciocínio

Se dentro de um grande número de situações, os comportamentos do homem no trabalho são baseados em habilidades ou em regras, o sujeito deve, às vezes, elaborar procedimentos para resolver problemas não habituais, incomuns, na produção. Com a evolução dos sistemas técnicos de produção, esta demanda pelo raciocínio do sujeito, será cada vez mais frequente.

4.3.1 – Problemática geral:

Para considerar os comportamentos baseados em regras algorítimicas, a descrição da atividade do sujeito em termos de memorização e conhecimento é suficiente, em compensação, a compreensão dos comportamentos baseados em heurísticas, se mostra bem mais complexo.

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O modelo de Rasmussem é insuficiente, pois não diz praticamente nada sobre os mecanismos de busca, de elaboração e validação das hipóteses utilizados pelo sujeito. Para abordar esta questão, a ergonomia pode se apoiar nos modelos do raciocínio humano produzidos pela psicologia cognitiva.

Como vimos, alguns autores utilizam a teoria operatória de Piaget para considerar a atividade do sujeito. Alguns exemplos de estudo tratam da regulagem de osciloscópios, ou da resolução de problemas de geometria.

Os trabalhos sobre raciocínio em situação de trabalho, oscilam entre a adaptação dos modelos teóricos e a produção de modelos específicos à disciplina:

a. Existe um grande número de pesquisas que podem ser classificadas como artificiais. A situação de trabalho é simulada, quando não é caricaturizada;

b. As regras produzidas pela psicologia do trabalho são sempre ameaçadas pela contingência de situações diferentes daquelas em que elas foram elaboradas.

A ultrapassagem dessas contradições só será possível se nos apoiarmos sobre a idéia geral de que o sujeito humano é um sistema de recepção e de tratamento de informação, cujo desempenho possui limitações. Esta problemática é compatível com as concepções gerais do papel do sujeito e também é operacional, pois nos permite reter concepções sobre a estrutura dos conhecimentos que participam desta atividade de filtragem das informações e das hipóteses.

4.3.2 - A estrutura dos conhecimentos:

A estrutura dos conhecimentos podem ser formalizadas com a ajuda de dois tipos de modelos:

1. Os modelos proposicionais, que definem conceitos e suas relações, considerando a visão de mundo do sujeito;

2. Os modelos esquemáticos, que fazem referência as noções de esquemas, permitindo, assim , compreender a filtragem da informação como base nas inferências do sujeito.

Estudaremos o segundo modelo, pois Valax mostrou a utilidade do mesmo para a análise dos comportamentos do homem no trabalho.

A diferença essencial dos conhecimentos advém do fato que eles foram formalizados dentro de diferentes campos disciplinares. De uma maneira geral esses conhecimentos são construções mentais que permitem, à partir de um reduzido número de informações, elaborar hipóteses sobre a situação vivenciada pelo sujeito.

Uma vez elaboradas, estas hipóteses guiam os trabalhadores na busca de informações sobre os pontos que resultam no reforço da hipótese, ou na sua rejeição . Nesse último caso uma nova construção mental é iniciada.

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Esta generalização do esquema é devido a sua organização em blocos de unidade aglomeradas, que definem os limites dos valores aceitáveis para cada situação. Estas unidades aglomeradas, constituem blocos de conhecimentos estocados em memória e independentes uns dos outros. O sujeito possui, assim, uma grande variedade de esquemas. O agricultor, por exemplo, terá esquemas cooperativos.

Neste sentido, os esquemas são diferentes dos conceitos, pois, eles definem relações nas redes semânticas. Se os elementos constitutivos de um esquema são também ligados entre si, suas relações não são então conceituais, mas pragmáticos e estatísticos .

Restaurante é um esquema quando, definido por um cenário, associa pragmaticamente vários elementos, ao passo que é um conceito quando definido por um certo número de propriedades físicas e funcionais, situando-se em uma rede semântica.

Os esquemas são especificados pelos valores limites e, pelas suas inte-relações. Neste sentido, essas diferentes unidade são ditas valores constantes do esquema. Desses valores restritos decorre um primeiro aspecto interpretativo dos esquemas.

Se, numa situação de trabalho, um valor observado está fora dos limites, (por exemplo, todos os convidados tem menos de 20 anos), ou se não existe correlações sobre certas variáveis (por exemplo os convidados tem mais de 20 anos mas são 11h30) então o esquema (restaurante) é rejeitado e um outro esquema é ativado (cantina ou restaurante universitário).

O segundo aspecto dos esquemas é que eles permitem inferir variáveis ausentes, atribuindo a estas valores correspondentes aos valores restritos, (por exemplo, o preço, as modalidades de escolha, os possíveis clientes).

Eventualmente o esquema pode conduzir a busca de novas variáveis e valores. Esta busca poderá ser acentuada pela existência de sub-esquemas, quer dizer, pelo entrosamento dos esquemas entre si. (por exemplo, restaurante universitário, cantina, "fast-food", podem ser sub-esquemas de restaurante).

Os esquemas permitem ao sujeito compreender a situação e formalizar hipóteses, fazer inferências. Eles participam, portanto, do raciocínio e do modo de funcionamento. Parecem Ter um duplo filtro: seleção de informações sobre a situação de trabalho, seleção e ativação dos blocos de unidades armazenados na memória interna:

1. Os "scripts": tratam de especificações dos acontecimentos dos esquemas. Shank & Abelson (1977), consideram que a um esquema (restaurante) podem corresponder scripts pessoais, segundo o papel que cada um, na situação considerada (cozinheiro, garçon, cliente). As diferenças de scripts podem ser a origem das dificuldades (por exemplo, quando pensamos no esquema operação e, no script do cirurgião, dos anestesistas...). Distinguimos também scripts instrumentais, que correspondem a uma seqüência invariante de operações (por exemplo, receita de cozinha, o procedimento para fazer funcionar um microcomputador). Os scripts não são diferentes estruturalmente dos esquemas e apresentam o mesmo papel de duplo filtro. Confrontado com uma situação, um sujeito detecta informações que ativam um

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script que possibilita a produção de hipóteses, conduzindo a seleção de novas informações que reforçam o script e permitem a seqüência da investigação.

2. Os "frames": os frames se parecem, também, com os esquemas, mas distinguem-se destes sobre dois pontos que assinalam uma maior abstração. Designam construções mentais adquiridas por experiências e que agrupam conhecimentos de diversas origens. (por exemplo, o diagnóstico médico se assemelha a um frame, enquanto a consulta seria mais um tipo de esquema). Em segundo lugar, os frames distinguem-se dos esquemas, pelo fato que podem manter relações estreitas entre si. Porém, tanto os frames como os esquemas, permitem a produção de hipóteses por meio da procura de informações e, no caso de não validade, dão lugar a atuação de novos frames.

4.3.3 - A filtragem cognitiva em situação de trabalho:

A operacionalização destas noções, para considerarmos a atividade do sujeito nas situações de trabalho, nos ajuda a analisar problemas de confiabilidade, ou seja, a análise dos erros cometidos pelos sujeitos.

Um primeiro tipo de erro pode originar-se de um defeito, seja de ativação (ex. um esquema é ativado no lugar de um outro), seja no desenvolvimento da ação. Por exemplo, esquecer de desenvolver um esquema. Chamamos um médico para uma emergência. Ele se precipita e percebe que está a caminho do hospital, um trajeto ao qual está habituado e não aquele que o leva ao seu doente. Ele já viu este doente mas, na correria, esqueceu a ficha.

Um segundo tipo de análise comporta a natureza dos julgamentos efetuados pelo sujeito ao acionar os mecanismos de raciocínio.

Reason (l989), propôs uma conceituação que prolonga o modelo de Rasmussen e completa os modelos esquemáticos. Ele distingue dois filtros, um do tipo semântico (similary matching) e outro do tipo estatístico (frequency gambling).

a. Os filtros semânticos: a comparação por similaridade (similar). O sujeito extrai da situação de trabalho um conjunto de informações que lhe permitem estabelecer o estado do sistema em que se encontra, a representação. Este estado é, em seguida, comparado aos conhecimentos estocados na memória, os esquemas. A relação dialética entre as amostras de informações e a ativação de esquemas, podem ser a origem de dois tipos de erros. Na ativação do esquema nos "enganamos" na adequação do estado ao esquema. Nas amostras de informações que extraímos da situação de trabalho, só percebemos as informações que estão de acordo com o esquema. Um educador (E) confrontado com um adolescente (A) que lhe coloca pequenos problemas, observa que (A) "fica vermelho, baixa os olhos.." (E) pensa; "Não é possível, ele mente.!" e (E) se lança em investigações para compreender porque ele mente. Num determinado momento, um outro adolescente abre a porta e diz, fulano "foi eu quem ..." e (E) pensa: (A) está inocente, e muda sua maneira de questioná-lo.

b. O filtro estatístico: (especulação sobre a freqüência). A idéia subjacente ao filtro estatístico é que o sujeito faz amostras das informações em função do conhecimento da estrutura estatística do ambiente (meio, arredores) que ele interiorizou. Iosif ( l968) e Crossman (l974), citado por De Keyser (l990), mostraram, a partir de estudos sobre sujeitos utilizando quadros sinópticos, que a freqüência e a regularidade dos acontecimentos

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aparecendo sobre estes quadros, condicionam a seleção das informações. Partes da instalação freqüentemente perturbadas, serão seguidamente verificadas a partir de tomadas de informações do ambiente. Em compensação, uma informação que aparece regularmente, mas não com freqüência, será menos verificada no ambiente exterior. O sujeito baseia-se, então, em esquemas interiorizados. Iosif acrescenta que um "coeficiente pessoal de prudência" afeta a natureza deste filtro estatístico. No prolongamento desses trabalhos, Reason considera que a especulação sobre a freqüência, consiste em privilegiar a hipótese que tem mais chance de se realizar. Por exemplo, um sujeito de sala de controle não verifica mais certos alarmes se a probabilidade de estes estarem ligados a um acontecimento grave for pequena. Este tipo de filtragem causa um risco de erro, no caso em que o sujeito não presta atenção ao alarme e que um acontecimento pouco provável se produza.

A distinção destes dois mecanismos responde mais à necessidade de compreendê-los do que ao que acontece na prática. Na realidade das situações de trabalho, eles são fortemente associados, sendo difícil precisar qual foi acionado.

4.4 – Experiência e competência

Pode parecer paradoxal abordar a noção de experiência sob o tema da competência. Se observarmos a experiência como um conjunto de mecanismos mobilizados por um sujeito, a fim de alcançar um alto nível de performance, então a análise da noção de experiência em relação com a competência parece justificada. Nesta perspectiva três tipos de análise são possíveis. Em primeiro lugar os especialistas são considerados como pessoas que, particularmente, apresentam êxito. O exame de suas características, permite responder à questão da ligação entre a estruturação dos conhecimentos e a competência, objeto deste parágrafo.

Em segundo lugar, é legitimo se perguntar sobre a estocagem e a conservação dos conhecimentos pelos especialistas. A maior parte dos trabalhos sobre a experiência marcam uma forte relação entre o desempenho e a organização mnésica.

Enfim, de maneira mais conjuntural, o interesse pela experiência, nas situações de trabalho, se manifesta cada vez mais, não somente nas situações tratadas pela inteligência artificial (IA) e pelos sistemas especialistas mas, também, na questão da recuperação do saber dos profissionais"que se aposentam ou que são substituídos por sistemas automatizados.

A partir dos trabalhos de Caverni (l988), Chi, Glaser e Farr, (l988), podemos destacar três características essenciais da experiência numa perspectiva psicológica.

4.4.1 A experiência como base para a competência:

Esta característica que constitui a essência da experiência revela três aspectos. A eficácia maior do especialista se traduz por uma maior rapidez e um número menor de erros na execução de tarefas em relação aos novatos.

Na execução de uma tarefa simples como a digitação, a velocidade resulta de uma motivação na prática diária intensiva que permita a aquisição de habilidades

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automáticas, movimentos mais rápidos dos dedos, mudanças nas tomadas de informações, e que libera as capacidades mnésicas para outras tarefas. O digitador se torna especialista quando pode fazer várias coisas de uma só vez (Gerter, l988).

Nas tarefas mais complexas, a explicação de maior rapidez é devido ao fato de que a procura, a pesquisa de soluções, é menos intensiva num especialista que possui modelos pré-construídos do que nos novatos. Por exemplo, os motoristas de táxi, encontram mais rapidamente uma rua desconhecida, pois possuem esquemas para fazer face a tal dificuldade. De maneira mais geral, os especialistas são mais lentos nas fases iniciais de resolução de problemas, porém mais rápidos no conjunto da tarefa.

A competência é limitada. O especialista destaca-se no seu próprio domínio, mas não está seguro que possa transferir sua competência para outros setores da produção. Essas análises adotam pontos de vista interessantes, porém restritivos.

Os segundos tentam analisar, dentro de uma perspectiva mais sistêmica, os resultados das comportamentos do homem no trabalho em suas inter-relações com as exigências e as atividades do sujeito. É o caso das pesquisas sobre a segurança e confiabilidade de sistemas de produção complexos.

TEXTO DE APOIO Nº 01 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(2) 2003 102

SAÚDE MENTAL E PSICOLOGIA DO TRABALHO

Resumo: Este artigo objetiva, mediante algumas incursões teóricas e de uma análise sociopsicológica, discutir a forma como o trabalho está organizado em nossa sociedade, bem como as repercussões psíquicas provocadas pelo trabalho sem sentido. As condições e as exigências do mercado de trabalho na atualidade rotinizam eamortecem o sentido da vida, deixando no corpo as marcas do sofrimento, que se manifestam nas mais variadas doenças classificadas como ocupacionais, além de atentar contra a saúde mental.

Palavras-chave:

psicodinâmica; trabalho; saúde mental.

JOSÉ ROBERTO HELOANI

CLÁUDIO GARCIA CAPITÃO

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Um dos objetivos mais recentes da saúde mental não se restringe apenas à cura das doenças ou a sua prevenção, mas envidar esforços para trabalhar em excesso e a divertir-se muito pouco; outras, pelo contrário, passam os dias a divertirem-se; outras ainda não conseguem fazer nem uma coisa nem outra. Sabe-se hoje que tanto o trabalho, quanto a diversão em proporções satisfatórias são critérios para avaliar um funcionamento psíquico saudável.

Na realidade, ao contrário do que muitos possam supor, a organização do trabalho não cria doenças mentais específicas. Os surtos psicóticos e a formação das neuroses dependem da estrutura da personalidade que a pessoa desenvolve desde o início da sua vida, chegando a certa configuração relativamente estável, após o período de ebulição da adolescência – quando as condições sociais são relativamente favoráveis –, antes mesmo da pessoa entrar no processo produtivo. No entanto, “o defeito crônico de uma vida mental sem saída mantido pela organização do trabalho, tem provavelmente um efeito que favorece as descompensações psiconeuróticas” (Dejours,1992:122).

Atualmente, observa-se uma pressão constante contra a grande massa de trabalhadores existente em quase todo o mundo. Uma ameaça com objetivo certeiro faz com que milhares de pessoas sintam-se sobressaltadas, pois a implementação de recursos que tenham como resultado melhores condições de saúde para a população.

Na visão de Bleger (1984), não interessa apenas a ausência de doenças, mas o desenvolvimento integral das pessoas e da comunidade. A ênfase, então, na saúde mental,desloca-se da doença à saúde e à observação de como os seres humanos vivem em seu cotidiano.

Para Dejours (1994), a psicopatologia tradicional está alicerçada no modelo clássico da fisiopatologia das doenças que afetam o corpo. Dedica-se, exclusivamente, ao diagnóstico das doenças mentais, dos transtornos mentais orgânicos, da esquizofrenia, dos transtornos do humor e dos inúmeros transtornos de personalidade. O debate, porém, que este artigo pretende explorar abrange as condições de milhares de pessoas sem imunidade que, embora suportem as pressões, conseguem, de alguma forma, escapar de um transtorno psicótico severo, mas que se mantêm, por assim dizer, no campo da normalidade.

Não é raro encontrar pessoas que, por uma condição de sua psicodinâmica interna, possuem a propensão a transtornos mentais.

SAÚDE MENTAL E PSICOLOGIA DO TRABALHO

a ferramenta de que dispõem, sua força de trabalho, pode ser dispensada a qualquer momento.

O desprezo assola o universo do trabalho e traz conseqüências drásticas para todos os que têm em seu trabalho sua única forma de sobrevivência.

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Contudo, a força de trabalho exigida precisa de especial qualificação, mesmo que seja, como antigamente, para apertar um simples botão. Assim, para a maior parte das atividades, exige-se um trabalhador complexo, que saiba muito mais além do que seria preciso para a execução de determinada tarefa.

Acompanhando a tecnicidade do mundo, vai-se, paulatinamente, necessitando de um trabalhador com maiores habilidades, ágil, que saiba lidar com uma nova representação de mundo, mesmo que seja para ocupar um cargo simples como o de telefonista. Essa pessoa tem de dominar sua língua, em alguns casos outro idioma, tem de ter rapidez tanto manual, como na voz e na mente, além de uma bagagem de informação disponível enquanto recurso pessoal para, ante qualquer dificuldade, utilizá-la.

Assim, o mundo do trabalho torna-se, de forma rápida e surpreendente, um complexo monstruoso, que se por um lado poderia ajudar, auxiliar o homem em sua qualidade de vida, por outro lado – patrocinado pelos que mantêm o controle do capital, da ferramenta diária que movimenta a escolha de prioridades –, avassala o homem em todos os seus aspectos.

Alguns são absorvidos, exigidos, sugados. Outros alçados a postos de poder e de liderança que reproduzem o capital virtual.

Outros, por assim dizer, alguns milhões, são jogados como a escória cuja água benta do emprego, da possibilidade do trabalho, não veio a salvar. Esse princípio de realidade adentra e fere o psiquismo humano, fazendo com que as pessoas sintam-se exigidas; o sentimento de impotência e de desvalorização, que leva as pessoas pouco resistentes a degenerar-se rapidamente, avilta de si qualquer potencial humano que pudesse se somar às conquistas da civilização.

PARADOXOS DO TRABALHO

A barbárie do capital instaura na contemporaneidade a desumanidade das relações humanas, que se desqualificam quase totalmente, surpreendendo com a forma e a fôrma na qual o homem atual vai colocando-se.

O capital, por meio do trabalho, organiza e estrutura o mundo. Só que hoje ele não tem mais nomes, expressa-se por Fundos. As empresas são gerenciadas por executivos, não mais por seus donos. Podem mudar de cidade, de nome, de país, de ramo de atividade, deixando seus trabalhadores

em pleno mar de incertezas e retirando-lhes a identificação com sua prática diária e com a empresa para a qual trabalham.

No pensamento e análise precisos e pontuais de Ianni (2000), é principalmente no neoliberalismo que se dá a dissociação entre o Estado e a sociedade civil, adquirindo o primeiro características de um aparelho administrativo das classes e grupos que detêm o poder, configurando-se como blocos dominantes em escala mundial. O que se observa é um

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Estado comprometido com a possibilidade de facilitação da produção e dos mercados, tendo em seu bojo a fluidez do capital produtivo e especulativo, da alta tecnologia, da informática, etc. No entanto, sempre em sintonia com as políticas geradas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (Bird), Organização Mundial do Comércio (OMC), Grupo dos 7, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) comprometidas em facilitar e incrementar a produção, com praticamente nenhum cuidado em relação aos resultados de suas políticas, sua repercussão social ou conseqüências diretas na vida de milhões de pessoas. Se o homem passa a maior parte de seu tempo trabalhando, suas relações pessoais fora de casa deveriam ter um valor afetivo de extrema importância. No entanto, as relações de companheirismo e de amizade no trabalho não

se concretizam, pois elas são passageiras, imediatas, competitivas e as ligações afetivas, os vínculos não podem estabelecer-se, já que com cada alteração rompem-se os laços, perdem-se as pessoas e daí, além do castigo do desemprego, há a solidão, a perda irreparável.

Fala-se em corrosão do caráter porque ninguém, nem os que teriam todas as razões para estarem satisfeitos com o sistema já que representam seu próprio ideal, encara seu emprego num horizonte a longo prazo. O comportamento de curto prazo, como Sennett (1998) observou, distorceu qualquer senso de realidade, confiança e comprometimento mútuo. As empresas descartam seus funcionários e os que podem fazem o mesmo. As pessoas parecem não mais estarem preocupadas com o significado do seu trabalho ou com a oportunidade de vivência e troca coletiva. A preocupação volta-se para a acumulação de um valor de troca, como se todos se convertessem em uma ação de mercado, cujo preço é julgado por outrem. A verdadeira identificação com o trabalho parece viver de um objetivo que não chega a concretizar-se: acumula-se aprendizado, dinheiro, experiência, aumentam-se as páginas do currículo, tudo para o próximo processo seletivo já que o trabalho atual será apenas momentâneo.

No presente, ao contrário da classe de mineiros descrita em Germinal, por Zola, o que encontra-se são pessoas isoladas, esquizóides, que olham o colega como alguém não confiável, não só pelo fato do que o outro realmente é, mas, muito mais, pelo que representa: sofrimento e dor.

No universo pós-moderno “são muitos os que colocam em plano muito secundário, ou simplesmente esquecem, o povo, as classes, os grupos e os movimentos sociais, assim como as correntes de opinião pública e os jogos das forças sociais [...] Em especial, esquecem as formas de organização social e técnica do trabalho, compreendendo as condições sob as quais se desenvolvem e realizam a produção, distribuição, troca e consumo, processos com os quais se funda uma parte fundamental da ‘fábrica’ da sociedade, em escala nacional e mundial” (Ianni, 2000).

Retrocedendo na História, assim como sugere Marx (1996), mais dependente aparece o indivíduo, e, conseqüentemente também o indivíduo produtor e o conjunto ao qual pertence. De início, esse aparece de um modo ainda bastante natural, no seio da família e da tribo, esta uma família ampliada. Mais tarde, surge nas inúmeras formas de comunidade resultantes do antagonismo e da fusão das tribos. Somente no século XVIII, na “sociedade burguesa”, é que as diversas formas do conjunto social passaram a apresentar-se ao indivíduo como simples meio de realizar seus fins privados, como necessidade exterior.

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Todavia, a época que produz esse ponto de vista, o do indivíduo isolado, é precisamente aquela na qual as relações sociais (e, desse ponto de vista, gerais) alcançaram o mais alto grau de desenvolvimento. Não pretende-se nesse breve artigo sobrepor o homem atual àquele encontrado no século XVIII, no que se refere, por exemplo, ao trabalho e à forma como ele se organiza.

Mas, ao contrário, esclarecer algumas das determinações históricas que fizeram com que o trabalho fosse e tivesse a forma atual e porque a relação com o trabalho deve ser de sofrimento, de pena a ser cumprida, de trabalho forçado e não algo ego-sintônico, motivado e prazeroso. Seriam apenas as relações de propriedade e de exploração? Ou a própria produção cria aquele que consome, que, por sinal, cria a própria Produção.

Para Marx (1996:31), “a produção é também imediatamente consumo. Consumo duplo, subjetivo e objetivo. O indivíduo, que ao produzir desenvolve suas faculdades, também as gasta, as consome, no ato da produção, exatamente como a reprodução natural é um consumo de forças vitais”.

Se a produção coincide com o consumo dos meios que obrigatoriamente foram utilizados e gastos para que ela ocorresse, o próprio ato de produção vai ser, como se verá, em todos os seus momentos, também ato de consumo. O resultado, em síntese, é que a produção é consumo, e que, imediatamente, é produção. “Cada qual é imediatamente seu contrário. Mas, ao mesmo tempo, opera-se um movimento mediador entre ambos. A produção é mediadora do consumo, cujos materiais cria e sem os quais não terá objeto. Mas o consumo é também mediador da produção ao criar para os produtos o sujeito, para o qual são os produtos”

(Marx, 1996:32).

Para entender quais as determinações históricas da relação homem x trabalho na modernidade, tem-se de penetrar na “máquina” que tece sua trama nevrálgica, a produção que cria seu produtor e consumidor, com base no momento em que foi gerada.

Então, o trabalho configura-se como o representante da força dos impulsos que o homem emprega para executá-lo, para poder ou não consumir o que foi por ele produzido, abrindo possibilidades de constituição de subjetividades, correspondentes a cada época histórica, que tem, por domínio, uma forma de produção.

Sujeito, trabalho, produto, consumo, lucro. Elementos constitutivos de um intrigante eixo gravitacional, em que consumidor e produto mantêm uma relação eqüidistante.

Para Adorno e Horkheimer (apud Rouanet, 1983:147) “a atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural moderno não precisa ser reconduzida a mecanismos psicológicos. Os produtos mesmos, a partir do mais típico, o filme falado, paralisam aquelas faculdades por sua própria constituição objetiva. São feitos de tal forma que sua compreensão adequada exige rapidez de reflexos, dotes de observação, competência específica, mas também a absoluta suspensão da atividade mental do espectador, se este não quer perder os fatos que se desenrolam diante de seus olhos... o espectador não deve trabalhar com a própria cabeça; o produto prescreve todas as reações: não por seu contexto objetivo – este se esvai no momento em que é submetido ao

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pensamento – mas através de sinais. Toda conexão lógica, que exija esforço intelectual, é escrupulosamente evitada”. O produto posiciona o consumidor na mesma situação de uma linha de montagem e não se restringe apenas a filmes, mas a amplo universo de necessidades criadas, consumidas sem qualquer reflexão, como se os efeitos da paralisia mental sofrida na produção fosse transferida em gênero, número e grau, para aquele que o adquire.

SAÚDE MENTAL E PSICOLOGIA DO TRABALHO

No que se refere à produção, e por que não dizer o mesmo para o consumo, a situação que se encontra na atualidade não surgiu por geração espontânea, mas ocorreram marcos no capitalismo, que, para melhor rendimento e maior produção, desenvolveu métodos, muitos dos quais, aperfeiçoados em diversas versões. Taylor (apud Heloani, 1994) formulou uma forma de organização do trabalho caracterizada pelo amplo funcionamento das tarefas e concomitante o monitoramento dos movimentos dos trabalhadores. Tal forma rígida de controle objetivava a eficiência como meta e princípio. O modelo de Taylor, por seu lado, foi aperfeiçoado por Henry Ford, que desenvolveu a concepção de linha de montagem.

O trabalho, então, é dividido de tal forma que o trabalhador possa a ser abastecido de peças e componentes através de esteiras, sem precisar, desse modo, movimentar-se. A administração

do tempo passa a se dar de forma coletiva, pela adaptação do conjunto dos trabalhadores ao ritmo imposto pela esteira. O fordismo não se limitará apenas à questão disciplinar no interior da fábrica. Ele incorporará, tal como o taylorismo, um projeto social de “melhoria das condições de vida do trabalhador”. O projeto social fordista revela-se um projeto político que objetivava assimilar o saber e a percepção política do trabalhador para a organização. Até a crise do paradigma taylorista-fordista de produção, o modelo de Recursos Humanos e a própria concepção de administração estiveram articulados com concepções oriundas da engenharia, especialmente com a de produção, como também, com a lógica militar, expressa tão bem pela utilização de vocábulos pertencentes à caserna, tais como: logística, tática, estratégia, etc.

Em conseqüência das transformações sociais e das ocorridas no cerne do capitalismo, a abordagem da engenharia foi perdendo espaço e começou a ser questionada à medida que o modelo fordista de desenvolvimento entra em crise – perde sua eficácia – em fins dos anos 60 e começo dos 70.

Tal mudança não foi produto simples e acabado de uma visão mais humanista ou de um longo e bem-cuidado processo de conscientização, mas conseqüência de uma necessidade premente de responder a uma nova estrutura econômica e a um novo modo de regulamentação social; em suma, a uma nova realidade que se apresentava e que exigia respostas rápidas por parte do capital.

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QUALIDADE DE VIDA

Hoje, o discurso manifesto encontrado nos folhetins que tratam das relações do trabalho parece demonstrar insistente preocupação com a melhoria da qualidade de vida dos que trabalham. Todavia, encontra-se uma política mundial de ajuste de custos que leva governos e empresas a minguarem as conquistas sociais alcançadas no último século pela classe trabalhadora.

Embora não exista uma definição consensual sobre a expressão “Qualidade de Vida no Trabalho (QVT)”, o termo vem sendo utilizado com diferentes conteúdos e significados – sua origem, segundo Trist (1981), concerne a uma conferência internacional sediada em Arden House, em 1972, cujo tema principal versava sobre os “Sistemas Sociotécnicos”. Não obstante, já no final da década de 50, quando o capital americano promove uma recessão para organizar o seu parque industrial, observa-se certa preocupação com esse assunto nos países que ditavam a política do capitalismo. Não teria portanto o “movimento” de QVT sua verdadeira origem nas conseqüências sociais da primeira retração econômica significativa após a Segunda Guerra Mundial nos EUA? É o que parece, ainda que tais mazelas só possam ser conhecidas e sentidas em sua real magnitude na crise do modelo de desenvolvimento fordista dos anos 60 e 70. O que se constata é que a qualidade de vida do trabalhador, especialmente dos que vivem no terceiro mundo, vem-se degradando dia após dia. Doenças até então inexistentes ou restritas a certos nichos empresariais, como a LER/DORT tornaram-se comuns a todos, e espalharam-se como doenças infecto-contagiosas, tornando impossibilitados, para o trabalho, milhares de trabalhadores. As Lesões por Esforços Repetitivos (LER) ou Distúrbios Osteomusculares (Dort) relacionados ao trabalho são nomenclaturas

utilizadas para designar inúmeras doenças, entre as quais tenossinovites e tendinites, ou seja, inflamações que se manifestam nos tendões e nas bainhas nervosas que os recobrem; são afecções que podem acometer músculos, tendões, nervos e ligamentos de forma isolada ou associada, com ou sem a degeneração de tecidos, e que pode ocasionar a invalidez permanente. Em geral, não são facilmente diagnosticadas – o que prejudica o processo de tratamento – e afetam sobretudo trabalhadores do sexo feminino, das mais variadas atividades, com maior incidência entre os dezoito e trinta e cinco anos. Parece até que, pelo encolhimento do mercado de trabalho, as lutas dos trabalhadores restringem-se apenas à sobrevivência, assim como o quadro histórico encontrado no início do século passado, em que a luta era para não morrer, não importando o preço que teria de ser pago... viver como um estado apenas emergencial.

No entanto, se a qualidade de vida do trabalhador é vista, pelo menos como uma política de relações públicas, ou como uma meta quase recorrente, deve-se perguntar o que no trabalho pode ser apontado como fonte específica de nocividade para a vida mental. A trama em que essa questão está envolta é quase evidente: a luta pela sobrevivência leva a uma jornada excessiva de trabalho, e as condições em que o trabalho se realiza repercutem diretamente na fisiologia do corpo. O rompimento de vínculos de relações fundamentais para manutenção e fortalecimento da subjetividade humana atua de certa forma que pode desencadear o assédio moral, o qual tem sido compreendido, atualmente, como a exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho; e passam a ser mais desestabilizadoras. Mesmo assim, logo as relações ficam mais desumanas e aéticas, nas quais predominam os desmandos, a

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manipulação do medo, a competitividade desenfreada e os programas de qualidade total associados à produtividade e dissociados da QVT. A qualidade total sem qualidade de vida não é integral, mas parcial. O trabalho como regulador social é fundamental para a subjetividade humana, e essa condição mantém a vida do sujeito; quando a produtividade exclui o sujeito podem ocorrer as seguintes situações: reatualização e disseminação das práticas agressivas nas relações entre os pares, gerando indiferença ao sofrimento do outro e naturalização dos desmandos administrativos; pouca disposição psíquica para enfrentar as humilhações; fragmentação dos laços afetivos; aumento do individualismo e instauração do pacto do silêncio coletivo; sensação de

inutilidade, acompanhada de progressiva deterioração identitária; falta de prazer; demissão forçada; e sensação de esvaziamento.

As condições laborais, bem como as relações diretas entre os trabalhadores, influenciam diretamente a qualidade de vida. Essa, portanto, torna-se, nessa perspectiva, estratégica para a sobrevivência e desenvolvimento futuros das organizações. Como a produção estimula o consumo e ao mesmo tempo inventa o sujeito para o qual ela se destina, deve, então, esse sujeito, receber os impactos diretos da organização do trabalho. Resta, então, deduzir que, em grande parte, o sofrimento mental do trabalhador é conseqüência direta dessa organização, isto é, da divisão do trabalho, do conteúdo da tarefa, do sistema hierárquico, das modalidades de comando, das relações de poder, etc.; de todo um aparato que modula a percepção, o controle dos impulsos, as

possibilidades de apreensão e a reflexão do que produz e que também se consome nas tarefas que executa.

O SOFRIMENTO DO TRABALHO

Dejours (1992) afirma que executar uma tarefa sem envolvimento material ou afetivo exige esforço de vontade que em outras circunstâncias é suportado pelo jogo da motivação e do desejo. A vivência depressiva em relação ao trabalho e a si mesmo alimenta-se da sensação de adormecimento intelectual, de esclerose mental, de paralisia da fantasia e da imaginação; na verdade, marca de alguma forma o triunfo do condicionamento em relação ao comportamento produtivo e criativo. Para esse pensador, no que diz respeito à relação do homem com o conteúdo significativo do trabalho, é possível considerar, esquematicamente, dois componentes: o conteúdo significativo em relação ao sujeito e o conteúdo significativo, pode-se assim dizer, em relação ao objeto. Quando o progresso e o avanço dessa relação são bloqueados por algum motivo ou circunstância, observa-se a incidência do sofrimento.

O sofrimento, por seu turno, é desdobrado: o ponto de incidência proveniente das ações mecânicas, conteúdo ergonômico da tarefa, é o corpo e não o aparelho mental; esse último será afetado pela insatisfação propiciada pelo conteúdo significativo da tarefa a ser executada, transformando em sofrimento bem particular, cujo alvo, antes de tudo, é a subjetividade, ou seja, a mente.

Freud (1987a), ao descrever o desenvolvimento psíquico, relata que uma criança recém-nascida ainda não diferencia seu ego do mundo externo como origem das inúmeras

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sensações que são vivenciadas por ela; apenas, com o passar do tempo, e progressivamente, vai aprendendo a fazer tal diferenciação, reagindo de modo adequado aos estímulos correspondentes. Por seu lado, o ego, movido pelo princípio do prazer, tenta afastar as sensações desprazerosas, denotanto uma tendência a isolar e a projetar para fora de si tudo o que pode ser fonte de desprazer.

Num estágio de maior integração, o ego, com a ação deliberada das atividades sensórias e da ação muscular correspondente, consegue diferenciar entre o que é interno e o que origina-se do mundo externo, estabelecendo dessa forma as condições para a introdução do princípio de realidade. Por meio desse último, o ego pode localizar o sofrimento surgindo de três direções: de nosso próprio corpo, do mundo externo e da nossa relação com as outras pessoas.

SAÚDE MENTAL E PSICOLOGIA DO TRABALHO

Esses desdobramentos na evitação do sofrimento por parte do ego podem também ocorrer em relação ao trabalho, tanto do ponto de vista físico quanto mental. O trabalho, não só como uma condição externa, pode propiciar sofrimento insuperável para o ego, empobrecendo-o e restringindo sua ação a mecanismos defensivos repetitivos e ineficazes, não lhe possibilitando aferir, de acordo com suas atividades, a satisfação de determinadas pulsões, que, não satisfeitas, tensionariam o aparelho psíquico, gerando angústia, estados depressivos, ansiedade, medos inespecíficos, sintomas somáticos, como sinais marcantes

de sofrimento mental, com o agravante de que um ego debilitado e frágil não consegue diferenciar, pela sua condição, a origem de seu sofrimento.

Dejours (1994) distingue dois tipos de sofrimento: o sofrimento criador e o sofrimento patogênico. Este último surge quando todas as possibilidades de transformação, aperfeiçoamento e gestão da forma de organizar o trabalho já foram tentadas, ou melhor, quando somente pressões fixas, rígidas, repetitivas e frustrantes, configuram uma sensação generalizada de incapacidade. Todavia, quando as ações no trabalho são criativas, possibilitam a modificação do sofrimento, contribuindo para uma estruturação positiva da identidade, aumentando a resistência da pessoa às várias formas de desequilíbrios psíquicos e corporais. Dessa forma, o trabalho pode ser o mediador entre a saúde e a doença e o sofrimento, criador ou patogênico. Assim, prazer e sofrimento originam-se de uma dinâmica interna das situações e da organização do trabalho. São decorrências das atitudes e dos comportamentos franqueados pelo desenho organizacional, cuja tela de fundo constitui-se de relações subjetivas e de poder. Pela condição de funcionamento mental estabelecida, o sujeito perde sua autonomia e, por conseqüência de um ego debilitado, não tem forças para realizar o trabalho de reflexão em que está envolvida toda sua existência, pois “as variáveis de personalidade mais relevantes na determinação da objetividade e racionalidade da ideologia são as pertencentes ao Ego, a parte da personalidade que avalia a realidade, integra as demais instâncias, e opera da forma mais consciente. É o ego que percebe as forças na racionais que atuam na personalidade, e se responsabiliza por elas” (Adorno; Horkheimer, apud Rouanet, 1983:170).

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Nesse sentido, abre-se ao psicólogo, e aos demais profissionais de saúde mental, um campo enorme de estudo, não apenas de denúncia. As condições e as exigências do mercado de trabalho na atualidade rotinizam e amortecem o sentido da vida, deixando no corpo as marcas do sofrimento, que se manifestam nas mais variadas doenças ditas ocupacionais, além de atentar contra a saúde mental, em especial quando o psiquismo anquilosado em sua mobilidade faz com que a mente seja absorvida em formas de evitação do sofrimento. No entanto, as organizações cobram de seus psicólogos e das escolas que os formam um rápido ajustamento de suas metodologias e de suas estratégias de ação. Isso tem feito com que grande parte dos psicólogos organizacionais abracem novamente (sem nenhuma crítica, com pouquíssima reflexão) idéias, princípios e pressupostos vindos das teorias administrativas, tais como as chamadas

“Teorias da Qualidade”, verdadeiro fetiche pós-moderno, pois nada mais são do que a reatualização de alguns princípios da década de 30, bem untados com uma eficiente metodologia quantitativa desenvolvida na década de 50, aproveitada nos anos 70 e aperfeiçoada na década de 80. Na realidade, com o esvaziamento da área de Recursos Humanos, em razão das reengenharias, processos de downsizing e congêneres, alguns psicólogos estão-se transformando em consultores internos, assessorando treinamento e seleção e passando da posição de linha para a de staff, que além de ser, no cômputo geral, menos custosa, possui a vantagem do não envolvimento direto com os trabalhadores.

Como nas organizações pós-fordistas houve uma maquiagem no que concerne ao controle. Agora o psicólogo não regula o processo, o controle é por resultados, o compromisso é com a qualidade e esse profissional deve voltar sua atenção para a auto-regulação do trabalhador. Essa sim é sua função! Não há nada de mais democrático ou participativo nisso em relação à concepção taylorista/fordista. O que existe é a substituição do controle externo do desempenho pelo controle interno dos próprios funcionários mediante eficiente trabalho de comunicação no qual o psicólogo, sem dúvida, poderá vir a ser protagonista, pois compete a ele, agora, instruir as equipes nesse sentido.

Nas empresas pós-fordistas, signatárias do neoliberalismo, a matéria-prima principal são as pessoas; a moeda mais importante é o signo e o símbolo, e a manipulação dos processos psicodinâmicos constitue a principal tecnologia. Essas são algumas das ferramentas da empresa pós-moderna (se é permitido o neologismo). Substituíram o chicote, o supervisor e os testes psicológicos pela ilusão da integração e da participação. É a tentativa da construção de uma nova subjetividade que encontra no projeto neoliberal a sementeira do individualismo e da barbárie.

CONCLUSÃO

Pelos problemas aqui abordados, as questões que envolvem a psicodinâmica do trabalho tornam-se pontos fundamentais de preocupação para os que lidam com Saúde Pública, sobretudo quando se sabe que a separação entre mente e corpo é apenas uma questão semântica, didática, e que o conceito de saúde vai muito além do que a mera ausência sintomática de doenças. Quanto à psicologia, concorda-se com Freud (1987b:61) quando assinala que “um psicólogo que não se ilude sobre a dificuldade de descobrir a própria orientação neste mundo, efetua um esforço para avaliar o desenvolvimento do

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homem, à luz da pequena porção de conhecimentos que obteve através de um estudo dos processos mentais de indivíduos durante seu desenvolvimento de criança a adulto”. Não se pode ser fiador de futuras ilusões para a grande massa de trabalhadores, que sofre com o trabalho ou com a sua falta. O trabalho não pode ser uma negatividade da vida, mas, muito pelo contrário, sua expressão, coisa que o capitalismo, em suas mais variadas versões apresentadas no decorrer da história, não permitiu que ocorresse. Eis a Esfinge que cabe ao homem contemporâneo decifrar, para não ser definitivamente devorado por ela.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BLEGER, J. Temas de psicologia: entrevista e grupos. São Paulo:

Martins Fontes, 1989.

DEJOURS, C. Psicodinâmica do trabalho. São Paulo: Atlas, 1994.

_______ . A loucura do trabalho. São Paulo: Cortez, 1992.

_______ . Repressão e subversão em psicossomática: pesquisa psicanalítica

sobre o corpo. Rio de Janeiro: Zahar, 1989.

TEXTO DE APOIO Nº 02

Contribuições da Andragogia na Educação para Segurança - Abr/2009

Karla Maria Mikoski - Psicóloga pela PUCPR (CRP 08/09399). Consultora da Comportamento -

Psicologia do Trabalho. Especialista em Gestão em Psicologia Organizacional pela FAE Business School

- Curitiba. [email protected]

Na busca constante em garantir o “acidente zero” as empresas têm procurado no mercado os mais diferentes métodos, técnicas e recursos, em especial aqueles que possam trabalhar com uma parte da segurança com a qual as empresas não estão acostumadas: o comportamento. As empresas que se propõem a desenvolver uma Cultura de Segurança, mesmo sem ter muita clareza sobre como fazer isso acontecer, assumem uma responsabilidade importante, a de educar seus funcionários para agir preventivamente. A educação tratada aqui, diz respeito a aquisição de novos modelos mentais, hábitos e comportamentos, uma vez que a cultura ocidental, em especial, é muito pouco preventiva. Basta fazer um exercício simples para confirmar esta afirmação: Normalmente, em que momento procuramos um médico? Quando vamos em busca de uma academia de

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musculação? Em que momento levamos nossos carros às oficinas mecânicas? Provavelmente as respostas à essas perguntas são afirmações de uma reação a um ocorrido, ou seja, vamos ao médico quando estamos doentes, procuramos uma academia quando estamos com sobrepeso e levamos o carro na oficina mecânica somente quando ele apresenta algum problema. Se ampliarmos um pouco este pensamento, poderemos identificar inúmeras atividades, processos decisórios e soluções de problemas dentro de uma empresa que seguem este mesmo padrão de funcionamento. Porém, isso não quer dizer que há um desleixo, tão pouco sinal de preguiça, mas são comportamentos fruto de modelos que nos ensinaram a agir assim. Dentro da nossa cultura, o “jeitinho brasileiro” demonstra claramente que somos estimulados a agir depois que um problema ocorreu ou deixar para fazer as tarefas em cima da hora, sem nenhum planejamento. Logicamente temos algum ganho ao agir assim. O povo brasileiro é considerado um dos mais criativos e flexíveis, justamente por estas características. Mas o fato é, que para uma empresa que pretende atingir uma Cultura de Excelência em Segurança do Trabalho, este padrão de comportamento precisa ser alterado. A educação para a prevenção é um caminho que ajuda, e muito, as empresas a modificarem, mesmo que a longo prazo, os comportamentos reativos dos funcionários de todos os níveis hierárquicos. É importante ressaltar a questão dos níveis hierárquicos, pois na maior parte das vezes, quando se trata de mudança de comportamento, automaticamente se pensa em como fazer para modificar o comportamento das pessoas que estão no “chão de fábrica”. Entretanto, o comportamento destas pessoas do “chão de fábrica”, via de regra, são reflexo do comportamento da alta hierarquia. Para uma mudança real e construção de uma Cultura de Segurança forte e sólida, é fundamental que todos os funcionários de uma empresa se coloquem como partes ativas no processo de mudança de comportamento organizacional. Voltando à questão da educação, várias empresas já sabem que este é um caminho possível. Entretanto, apesar de disponibilizarem uma carga horária de treinamentos e cursos grande aos seus funcionários, não percebem nenhuma melhoria em termos de comportamento, ou seja, o resultado de todo este investimento, em geral, não aparece. Além disso, as agendas das lideranças estão repletas de reuniões e prática de ferramentas que se propõe a educar as pessoas para segurança, e ainda assim, cadê o resultado? A dificuldade identificada reside no modelo de educação utilizado dentro da maior parte das empresas, pois normalmente não há nenhum tipo de preparo para que os funcionários sejam educadores, para que tenham um mínimo de conhecimento e habilidade sobre métodos, técnicas e recursos para ajudar as pessoas a aprender. Assim, cada funcionário que tem a missão de “ensinar” alguém, utiliza os modelos e referências de professores – entendendo professores como aqueles que participaram da educação formal e da educação familiar - que teve ao longo da sua vida, que podem ter sido bons ou ruins. E então, cada um faz o melhor que pode para tentar ensinar seus conhecimentos aos outros. Mas o “melhor” que cada um pode oferecer, talvez não seja o bastante para educar as pessoas ou ajuda-las a agir preventivamente. Neste processo de educação em que cada um faz o melhor que pode, utilizando seus referenciais, o modelo é normalmente de uma educação voltada para aprendizagem de crianças, que passa por um processo de dependência. Na escola, bem como na convivência familiar, quando se aprende algo foi por que alguém ensinou. A figura do “professor” dentro do processo de educação tradicional – aquela que a maior parte das pessoas está habituada a encontrar - é o detentor de todo o saber e conhecimento, ou seja, é o centro das atenções no processo educativo. Todavia, dentro de uma empresa não temos crianças trabalhando. São pessoas adultas com certo grau de autonomia sobre a sua própria vida, que trazem consigo uma bagagem com o conhecimento e experiência que conseguiu adquirir ao longo de sua trajetória de vida. Neste cenário, vemos acontecer e se repetir dentro das empresas situações como a que está

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descrita a seguir: Um funcionário é contratado na empresa X. Passa por uma semana de integração.ü A partir do momento que começa a trabalhar, participa todos os dias de um DDS – Diálogo Diário de Segurança. Faz sua APR – Análise Preliminar de Risco todos osü dias. Libera a sua PT – Permissão para Trabalho.ü Trabalha seguindo asü normas de segurança. Participa, em média, de uma hora de treinamento porü mês. Certo dia ele se acidenta.ü Reúne-se uma comissão para investigar.ü Esta comissão chega à conclusão que uma das causas que levou o acidente aü acontecer foi a “baixa percepção de risco” do acidentado. Quais sãoü normalmente os planos de ação para esta causa? Divulgação no DDS e retorno do funcionário para a sala de aula para re-treinamento. E assim forma-se um círculo vicioso que envolve uma série de lacunas no processo educativo da empresa, desde a integração, passando pelo DDS e outras ferramentas que se propõe a fazer educação para segurança. Isso não quer dizer que o processo atual está completamente errado e que será necessário acabar com tudo e reconstruir um modelo de educação a partir do zero. Mas precisa existir um contínuo entre a educação de crianças e adultos. Aproveitando alguns modelos e técnicas da educação de crianças e principalmente incrementando os processos educativos com as considerações, técnicas e modelos de uma educação para adultos, a qual atribui-se o nome de andragogia. E qual a diferença entre a educação de adultos e a educação de crianças? Existem várias diferenças e uma semelhança na forma como adultos e crianças aprendem. A semelhança diz respeito a uma forma de aprendizagem conhecida dentro da psicologia comportamental como modelação, que explica um modelo de aprendizagem por imitação. Crianças e adultos tendem a imitar os comportamentos (independente da qualificação deste comportamento) das pessoas que são seus referenciais na vida, na escola, no trabalho e no lazer. Isso explica porque, com razão, muitas empresas adotam a “liderança pelo exemplo”. Por mais incômodo que isso possa parecer, a modelação funciona. Basta uma simples análise nas pessoas ao seu redor para encontrar a fonte de vários dos seus comportamentos. Sobre as diferenças entre a andragogia (educação de adultos) e a pedagogia (educação de crianças), pode-se dizer que a segunda tem o foco da educação na figura do professor, enquanto a segunda, tem o foco no aprendiz. Somente por esta distinção, o processo de educação e aprendizagem adquire uma série de diferenciações, como por exemplo: passa a ser um processo ativo, indepentende ou auto-direcionado, realizado por meio de questionamento e troca de experiências e conhecimentos dos aprendizes, gerando uma mudança de comportamento e hábitos, satisfação pela aprendizagem, e facilitado pela figura de um instrutor. 2007). De forma geral pode-se dizer que a diferença básica está na mudança de um processo dependente para um processo autodirecionado, independente ou interdependente. É impossível considerar que um adulto não sabe nada. O processo andragógico, que parece ser o mais apropriado na educação de adultos, prevê que a relação entre educador e aprendiz dentro do contexto educativo precisa ser de igualdade e respeito, para que os conhecimentos e experiências do aprendiz possam ser consultados e considerados neste processo, dessa forma o resultado (a aprendizagem) é uma simples conseqüência. O professor da USP e doutor Gilberto Teixeira apresentou algumas características do estilo de aprendizagem dos adultos e suas conseqüências, veja:

1. Adultos possuem uma razoável quantidade de experiências. Conseqüências: os adultos podem ser usados como "recursos de aprendizagem"; as estratégias de aprendizagem de adultos devem encorajar troca de idéias e experiências.

2. O corpo dos adultos sendo relativamente muito maior que os das crianças está sujeito a maiores pressões e estímulos gravitacionais. Conseqüência: O conforto físico é importante

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para a aprendizagem de adultos; muito pouco conforto ou em excesso podem ser desastrosos.

3. Adultos possuem conjuntos de hábitos fortemente sedimentados. Conseqüência: os hábitos e gostos dos adultos devem ser na medida do possível considerados e atendidos.

4. Adultos tendem a ter grande orgulho de si próprio. Conseqüência: os adultos respondem muito bem as oportunidades de desenvolvimento, auto-direcionamento e responsabilidade no seu processo de aprendizagem.

5. Adultos em geral têm coisas tangíveis a perder. Conseqüência: a ênfase deve ser na promoção do sucesso em lugar de revelar as deficiências.

6. Adultos têm que tomar decisões e resolver problemas. Conseqüências: a aprendizagem centralizada em problemas pode ser mais efetiva e é mais agradável.

7. Adultos tendem a ter grande número de preocupações e de problemas a resolver fora da situação de aprendizagem. Conseqüência: as demandas da experiência de aprendizagem não devem ser irreais; deve haver um balanceamento adequado entre o tempo necessário para apresentação da situação de aprendizagem e o tempo necessário para a obtenção da aprendizagem.

8. Os adultos na sociedade moderna são cada vez mais pressionados por grande número de opções. Conseqüência: aprender a decidir é uma aptidão importante.

9. Os adultos tendem a ter comportamento grupais consistentes com suas próprias necessidades. Conseqüência: usualmente os adultos adotam aqueles comportamentos que façam com que suas necessidades sejam atendidas pelo grupo. Devem ser cultivados os comportamentos que sejam úteis aos indivíduos e aos grupos.

10. Adultos tendem a ter bem sedimentadas suas estruturas emocionais consistindo de valores, atitudes e tendências. Conseqüência: mudanças são perturbadoras. É mais provável obter mudanças de comportamento em um ambiente não ameaçador e onde exista em alto grau a participação e o engajamento.

11. Adultos tendem a ter bem desenvolvidos seus "filtros" seletivos dos estímulos. Conseqüência: a maioria dos adultos só ouve aquilo que deseja ouvir. O ensino para ser eficaz deve focalizar em mais de um sistema sensorial para que possa penetrar nos "filtros" que o adulto usa para barrar aqueles estímulos que ele considera desagradáveis, desinteressantes ou perturbadores.

12. Os adultos tendem a responder bem a "reforços" negativos ou positivos de aprendizagem. Conseqüência: os "reforços" de aprendizagem (tanto negativos como positivos) devem ser usados em gradações variadas.

13. Adultos tendem a ter impressões e opiniões muito sedimentadas sobre situações de aprendizagem. Conseqüência: só boas e bem sucedidas experiências de aprendizagem encorajam a formação de atitudes positivas.

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14. Os adultos na sociedade moderna têm um receio íntimo de fracassar e ser substituído. Conseqüência: a situação de aprendizagem deve dar oportunidades de desenvolver auto-confiança e novas aptidões.

Estas características citadas pelo professor Gilberto, são facilmente encontradas no cotidiano das empresas, especialmente quando se faz uma análise dos processos de educação para segurança. Muitas vezes tentando ensinar a segurança com modelos do que “não deve” ser feito, expondo os alunos e até mesmo, com certa incoerência do próprio facilitador de aprendizagem – tem um discurso muito adequado sobre a segurança, mas a sua prática não condiz com o discurso. Neste sentido, as empresas que desejam obter resultados mais consistentes dos seus processos educativos, em especial os ligados à segurança do trabalho, precisam revisar alguns aspectos de suas ferramentas educativas, conforme segue: 1) O objetivo: fazer algumas perguntas antes de lançar uma ferramenta ou campanha educativa pode fazer total diferença. São elas: qual o objetivo que pretende alcançar com esta ação? O que espera obter como resultado? Estabelecer o objetivo das suas ações é uma etapa fundamental para que todas as estratégias planejadas levem o aprendiz a alcançar o resultado que se almeja. Por exemplo, uma empresa precisa ter uma integração de funcionários, que conceitualmente serve para “integrar” o funcionário à empresa, ou seja, para que ele tome contato com a organização, conheça regras básicas, seus direitos, visite pontos principais da empresa (como refeitório, local de registro do cartão ponto, ponto de encontro de emergências, local de espera de condução, etc). Porém, por falta de estabelecer um objetivo claro sobre este processo de integração, às vezes as empresas começam a aproveitar o tempo destinado à integração “recheando” com treinamentos técnicos ou obrigatórios. E então, passa a entender que o funcionário que passou pela integração está apto, capacitado, hábil para exercer determinada função, pois já recebeu o treinamento (durante a integração). Porém, o funcionário que está em integração, na maior parte das vezes, não conhece absolutamente nada sobre a empresa e seu funcionamento, tão pouco sobre a sua atividade, e então, aquele treinamento técnico que ele recebe, não está contextualizado e o aprendizado fica fortemente prejudicado. Daí a importância de se ter clareza sobre o objetivo de cada ação, para que não exista uma tentação de aproveitar uma ferramenta educativa para fazer ações, trazer informações ou experiências que entrem em conflito com os objetivos estabelecidos inicialmente. Como já dizia Sêneca “Nenhum vento sopra a favor de quem não sabe pra onde ir”. 2) Considerar a experiência e o conhecimento do aprendiz: conhecer o público para o qual você está propondo uma ação educativa e em especial, o que ele sabe, pensa ou fantasia a respeito de determinado assunto que será tratado é ponto fundamental para engajar o público (ou aprendiz) em um processo educativo. Este é um aspecto em que a andragogia vem contribuir fortemente com as aprendizagens dentro das empresas. Para ficar mais claro, segue um exemplo: digamos que um soldador tenha acabado de ser contratado na empresa X. O nome deste soldador é João e ele já tem 8 anos de experiência como soldador. Depois de passar pela integração da empresa X, o João chega ao seu setor de trabalho, onde é recebido por um padrinho, o Francisco, que já trabalha na empresa X há 16 anos e será responsável por treinar o João. A forma que tradicionalmente este tipo de treinamento acontece é o Francisco (no local de trabalho) apresentar de forma oral e demonstrar através de exemplo a forma como a atividade de soldador deve acontecer na empresa X, seguindo um padrão e normas definidas. Neste formato, o João – funcionário novo – recebe as informações de maneira passiva e aos poucos vai tentando adaptar-se às novas normas,

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lutando contra hábitos antigos ou formas de fazer que para ele (João) são mais eficazes. Quando se trata de uma abordagem com um cunho andragógico, que considera a experiência e conhecimento anterior do aprendiz, o treinamento pode se dar da seguinte forma: o Francisco recebe o João e antes mesmo de falar e dar exemplo sobre como a atividade de soldador deve acontecer ali naquela empresa, ele preocupa-se em saber o que o João já sabe sobre a atividade de solda, pede a ele que demonstre a forma que trabalha, que normas é acostumado a seguir. Dessa forma, o Francisco consegue fazer uma comparação entre o que o João conhece e faz e as normas da empresa X, e assim, identificar quais as informações são novas para ele, que tipos de hábitos o João tem e precisará modificar para trabalhar na atividade de soldador. O trabalho do Francisco como instrutor será de ajudar o João a aprender o que lhe falta e não de ensinar algo a ele (pois ele já possui um conhecimento). A diferença nestes dois processos é sutil, porém, na prática, o resultado pode trazer benefícios bem distintos, como: aprendizagem efetiva, cumprimento das normas e procedimentos, maior confiança interpessoal e melhoria no clima de trabalho. 3) Oportunizar troca de experiências: os aprendizes adultos aprendem aquilo que desejam, se interessam ou que consigam aplicar na sua prática, portanto, criar oportunidade de trocas entre os aprendizes é uma excelente maneira de despertar o interesse e demonstrar aplicação prática do assunto tratado. Veja o exemplo a seguir: Os DDS’s (Diálogos Diários de Segurança) são conduzidos por uma pessoa, que normalmente lê um texto ou faz um discurso sobre uma série de assuntos relacionados com a segurança. Assuntos estes, que são de suma importância, porém, parece que o público do DDS (os aprendizes) nem sempre dão a devida importância. Porque será que isto acontece? Os aprendizes estão em uma posição passiva no processo de aprendizagem. O que eles precisam fazer em um DDS que alguém lê um texto ou faz um discurso? Precisam somente ouvir. E quando ouvem, muitas vezes vão acumulando críticas e contrariedades dentro de si. Para que este processo resulte em aprendizagem, o condutor do DDS pode experimentar, ao invés de ler um texto ou discorrer sobre determinado assunto, provocar uma discussão, trazendo uma questão (uma pergunta) para ser debatida pelos participantes. Esta questão deve ser relacionada ao dia a dia de trabalho deles, às tarefas, aos riscos que correm, pois dessa forma, cada um pode contribuir com a sua experiência para construir um conhecimento em conjunto. 4) Avaliação qualitativa dos processos: gerar metodologia e indicadores que possam revelar com que qualidade os processos educativos estão acontecendo dentro das empresas é também uma forma de aprimorá-los. Hoje é bastante comum encontrar as empresas apontando quantas horas de treinamento cada funcionário recebeu ao longo de um ano, quantos DDS cada setor realizou no mês, quantas observações e abordagens comportamentais cada gerente realizou naquela semana, etc. Mas, muito difícil encontrar as empresas que fazem uma avaliação qualitativa dos seus processos. É perfeitamente possível bater a meta de realizar 44 horas de treinamento por funcionário, mas qual foi o aprendizado que ele teve nestas horas de treinamento? Como ele colocou este aprendizado em prática? Agregou algum conhecimento à equipe de trabalho, à forma de gestão, etc? Estas são perguntas que precisam começar a despertar o interesse das empresas, para garantir processos educativos mais consistentes e eficazes.

Os exemplos citados em cada um dos itens de revisão para os processos educacionais descritos acima, são meramente ilustrativos e podem ser ampliados para qualquer ferramenta educativa que a empresa possui. A revisão destes itens pode trazer muitos benefícios, porém aconselha-se que a empresa sempre conte com a ajuda de um especialista da área

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educativa, pois existe uma forte tendência de manter o modelo mental atual, pois o processo sensório perceptivo está mergulhado neste modelo e precisa ser estimulado de forma diferente, compreendendo razões técnicas e também através de experiências e até mesmo emoções que possam modificar um determinado padrão de funcionamento. É importante frisar que este artigo não pretende diminuir a importância da pedagogia ou defender a andragogia, mas ao invés disso, colocar luz sobre um modelo educativo que a maior parte das pessoas não tem contato e gerar um movimento neste sentido, afinal de contas, a pedagogia já está presente no nosso contexto educativo. Lançar mão de estratégias que apresentem um contínuo entre a pedagogia e a andragogia parece ser o ideal para realizar processos de educação e aprendizagem efetivas, especialmente de adultos. E para isso, é necessário amplo conhecimento sobre aqueles que precisam aprender e suas necessidades. O que não parece ser uma tarefa fácil ou simples. É preciso uma boa dose de dedicação e comprometimento para ajudar as pessoas a aprender e talvez por isso, grande parte dos processos educativos estejam fadados à falência.

Fica aqui um convite aos leitores para aprofundar os seus conhecimentos e habilidades sobre a andragogia e permitir-se experimentar um novo modelo, que pode trazer uma satisfação inédita para quem aprende, e também para quem ensina.

Psicologia do Desenvolvimento Contribuições Teóricas

Sigmund Freud (1856-1939)

· Propõe, à data, um novo e radical modelo da mente humana, que alterou a forma como pensamos sobre nós próprios, a nossa linguagem e a nossa cultura. A sua descrição da mente enfatiza o papel fundamental do inconsciente na psique humana e apresenta o comportamento humano como resultado de um jogo e de uma interação de energias.

· Freud contribuiu para a eliminação da tradicional oposição básica entre sanidade e loucura ao colocar a normalidade num continuum e procurou compreender funcionamento do psiquismo normal através da gênesis e da evolução das doenças psíquicas.

· Estudo do desenvolvimento psíquico da pessoa a partir do estádio indiferenciado do recém-nascido até à formação da personalidade do adulto.

· Muitos dos problemas psicopatológicos da idade adulta de que trata a Psicanálise têm as suas raízes, as suas causas, nas primeiras fases ou estádios do desenvolvimento.

· Na perspectiva freudiana, a “construção” do sujeito, da sua personalidade, não se processa em termos objetivos (de conhecimento), mas em termos objetais.

· O objeto, em Freud, é um objecto libidinal, de prazer ou desprazer, “bom ou mau”, gratificante ou não gratificante, positivo ou negativo.

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· A formação dos diferentes estádios é determinada, precisamente, por essa relação objectal. (Estádios: Oral, Anal, Fálico, Latência, Genital)

A sua teoria sobre o desenvolvimento da personalidade atribui uma nova importância às necessidades da criança em diversas fases do desenvolvimento e sobre as consequências da negligência dessas necessidades para a formação da personalidade

Jean Piaget (1896-1980)

· Jean Piaget (1896-1980) foi um dos investigadores mais influentes do séc. 20 na área da psicologia do desenvolvimento. Piaget acreditava que o que distingue o ser humano dos outros animais é a sua capacidade de ter um pensamento simbólico e abstracto. Piaget acreditava que a maturação biológica estabelece as pré-condições para o desenvolvimento cognitivo. As mudanças mais significativas são mudanças qualitativas (em género) e não qualitativas (em quantidade).

· Existem 2 aspectos principais nesta teoria: o processo de conhecer e os estádios/ etapas pelos quais nós passamos à medida que adquirimos essa habilidade.

· Como biólogo, Piaget estava interessado em como é que um organismo se adapta ao seu ambiente (ele descreveu esta capacidade como inteligência) - O comportamento é controlado através de organizações mentais denominadas “esquemas”, que o indivíduo utiliza para representar o mundo e para designar as acções.

· Essa adaptação é guiada por uma orientação biológica para obter o balanço entre esses esquemas e o ambiente em que está. (equilibração). Assim, estabelecer um desequilíbrio é a motivação primária para alterar as estruturas mentais do indivíduo.

· Piaget descreveu 2 processos utilizados pelo sujeito na sua tentativa de adaptação: assimilação e acomodação. Estes 2 processos são utilizados ao longo da vida à medida que a pessoa se vai progressivamente adaptando ao ambiente de uma forma mais complexa.

o Capta as grandes tendências do pensamento da criança

o Encara as crianças como sujeitos activos da sua aprendizagem

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Lev Vygotsky (1896-1934)

· Lev Vygotsky desenvolveu a teoria socio-cultural do desenvolvimento cognitivo. A sua teoria tem raízes na teoria marxista do materialismo dialéctico, ou seja, que as mudanças históricas na sociedade e a vida material produzem mudanças na natureza humana.

· Vygotsky abordou o desenvolvimento cognitivo por um processo de orientação. Em vez de olhar para o final do processo de desenvolvimento, ele debruçou-se sobre o processo em si e analisou a participação do sujeito nas actividades sociais → Ele propôs que o desenvolvimento não precede a socialização. Ao invés, as estruturas sociais e as relações sociais levam ao desenvolvimento das funções mentais.

· Ele acreditava que a aprendizagem na criança podia ocorrer através do jogo, da brincadeira, da instrução formal ou do trabalho entre um aprendiz e um aprendiz mais experiente.

· O processo básico pelo qual isto ocorre é a mediação (a ligação entre duas estruturas, uma social e uma pessoalmente construída, através de instrumentos ou sinais). Quando os signos culturais vão sendo internalizados pelo sujeito é quando os humanos adquirem a capacidade de uma ordem de pensamento mais elevada.

• Ao contrário da imagem de Piaget em que o indivíduo constrói a compreensão do mundo, o conhecimento sozinho, Vygostky via o desenvolvimento cognitivo como dependendo mais das interacções com as pessoas e com os instrumentos do mundo da criança

• Esses instrumentos são reais: canetas, papel, computadores; ou símbolos: linguagem, sistemas matemáticos, signos.

Teoria de Vygotsky do Desenvolvimento Cognitivo

· Vygostsky sublinhou as influências socioculturais no desenvolvimento cognitivo da criança:

n O desenvolvimento não pode ser separado do contexto social

n A cultura afecta a forma como pensamos e o que pensamos

n Cada cultura tem o seu próprio impacto

n O conhecimento depende da experiência social

· A criança desenvolve representações mentais do mundo através da cultura e da linguagem.

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· Os adultos têm um importante papel no desenvolvimento através da orientação que dão e por ensinarem (“guidance and teaching”).

· Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) – intervalo entre a resolução de problemas assistida e individual.

· Uma vez adquirida a linguagem nas crianças, elas utilizam a linguagem/discurso interior, falando alto para elas próprias de forma a direccionarem o seu próprio comportamento, linguagem essa que mais tarde será internalizada e silenciosa – Desenvolvimento da Linguagem.

Henri Wallon (1879 – 1962)

· Wallon procura explicar os fundamentos da psicologia como ciência, os seus aspectos epistemológicos, objetivos e metodológicos. - Considera que o homem é determinado fisiológica e socialmente, sujeito às disposições internas e às situações exteriores.

· Wallon propõe a psicogénese da pessoa completa (psicologia genética), ou seja, o estudo integrado do desenvolvimento.

o Para ele o estudo do desenvolvimento humano deve considerar o sujeito como “geneticamente social” e estudar a criança contextualizada, nas relações com o meio. Wallon recorreu a outros campos de conhecimento para aprofundar a explicação dos factores de desenvolvimento (neurologia, psicopatologia, antropologia, psicologia animal).

· Considera que não é possível seleccionar um único aspecto do ser humano e vê o desenvolvimento nos vários campos funcionais nos quais se distribui a actividade infantil (afectivo, motor e cognitivo).

· Vemos então que para ele não é possível dissociar o biológico do social no homem. Esta é uma das características básicas da sua Teoria do Desenvolvimento.

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Burrhus F. Skinner (1904 – 1990)

· Psicólogo Americano, conduziu trabalhos pioneiros em Psicologia Experimental e defendia o comportamentalismo / behaviorismo (estudo do comportamento observável).

· Tinha uma abordagem sistemática para compreender o comportamento humano, uma abordagem de efeito considerável nas crenças e práticas culturais correntes.

· Fez investigação na área da modelação do comportamento pelo reforço positivo ou negativo (condicionamento). O condicionamento operante explica que um determinado comportamento tem uma maior probabilidade de se repetir se a seguir à manifestação do comportamento se apresentar de um reforço (agradável). É uma forma de condicionamento onde o comportamento acabará por ocorrer antes da resposta.

· A aprendizagem, pode definir-se como uma mudança relativamente estável no potencial de comportamento, atribuível a uma experiência - Importância dos estímulos ambientais na aprendizagem

Albert Bandura (1925-presente)

· É, tal como Skinner, da linha behaviorista da Psicologia. No entanto enfatiza a modificação do comportamento do indivíduo durante a sua interação. Ao contrário da linha behaviorista radical de Skinner, acredita que o ser humano é capaz de aprender comportamentos sem sofrer qualquer tipo de reforço. Para ele, o indivíduo é capaz de aprender também através de reforço vicariante, ou seja, através da observação do comportamento dos outros e de suas consequências, com contacto indireto com o reforço. Entre o estímulo e a resposta, há também o espaço cognitivo de cada indivíduo.

· É um dos autores associado ao Cognitivismo-Social, uma teoria da aprendizagem baseada na ideia de que as pessoas aprendem através da observação dos outros e que os processos do pensamento humano são centrais para se compreender a personalidade:

· As pessoas aprendem pela observação dos outros.

· A aprendizagem é um processo interno que pode ou não alterar o comportamento.

· As pessoas comportam-se de determinadas maneiras para atingir os seus objetivos.

· O comportamento é auto-dirigido (por oposição a determinado pelo ambiente)

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· O reforço e a punição têm efeitos indiretos e impredizíveis tanto no comportamento como na aprendizagem.

· Os adultos (pais, educadores, professores) têm um papel importante como modelos no processo de aprendizagem da criança.

Urie Bronfenbrenner (1917 – presente)

· Um dos grandes autores que desenvolveu a Abordagem Ecológica do Desenvolvimento Humano: o sujeito desenvolve-se em contexto, em 4 níveis dinâmicos – a pessoas, o processo, o contexto, o tempo.

· A sua proposta difere da da Psicologia Científica até então (70’s): privilegia os aspectos saudáveis do desenvolvimento, os estudos realizados em ambientes naturais e a análise da participação da pessoa focalizada no maior nº possível de ambientes e em contacto com diferentes pessoas.

· Bronfenbrenner explicita a necessidade dos pesquisadores estarem atentos à diversidade que caracteriza o homem – os seus processos psicológicos, a sua participação dinâmica nos ambientes, as suas características pessoais e a sua construção histórico-sócio-cultural.

· Define o desenvolvimento humano como “o conjunto de processos através dos quais as particularidades da pessoa e do ambiente interagem para produzir constância e mudança nas características da pessoa no curso de sua vida" (Bronfenbrenner, 1989, p.191).

· A Abordagem Ecológica do Desenvolvimento privilegia estudos longitudinais, com destaque para instrumentos que viabilizem a descrição e compreensão dos sistemas da maneira mais contextualizada possível.

Bronfenbrenner - Abordagem Ecológica do Desenvolvimento Humano: o sujeito desenvolve-se em contexto, em 4 níveis dinâmicos – a pessoas, o processo, o contexto, o tempo.

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BIBLIOGRAFIA Arendt, Hanna. A condição humana. Editora Forense Universitária, SP/RJ, 7ª

edição revista, 1995.

Braverman, Harry. Trabalho e capital monopolista. Editora Zahar, RJ, 3ª edição,

1981.

Ely, Helena Bins. Feminino e masculino na especialização flexível (trabalho

apresentado no Instituto Cajamar, em outubro de 1993).

Hirata, Helena. Relações sociais de sexo e divisão do trabalho (sem referências).

Lafargue, Paul. O direito à preguiça. Editora Hucitec, SP, 2ª edição, 2000.

Hino do Estado do Ceará

Poesia de Thomaz LopesMúsica de Alberto NepomucenoTerra do sol, do amor, terra da luz!Soa o clarim que tua glória conta!Terra, o teu nome a fama aos céus remontaEm clarão que seduz!Nome que brilha esplêndido luzeiroNos fulvos braços de ouro do cruzeiro!

Mudem-se em flor as pedras dos caminhos!Chuvas de prata rolem das estrelas...E despertando, deslumbrada, ao vê-lasRessoa a voz dos ninhos...Há de florar nas rosas e nos cravosRubros o sangue ardente dos escravos.Seja teu verbo a voz do coração,Verbo de paz e amor do Sul ao Norte!Ruja teu peito em luta contra a morte,Acordando a amplidão.Peito que deu alívio a quem sofriaE foi o sol iluminando o dia!

Tua jangada afoita enfune o pano!Vento feliz conduza a vela ousada!Que importa que no seu barco seja um nadaNa vastidão do oceano,Se à proa vão heróis e marinheirosE vão no peito corações guerreiros?

Se, nós te amamos, em aventuras e mágoas!Porque esse chão que embebe a água dos riosHá de florar em meses, nos estiosE bosques, pelas águas!Selvas e rios, serras e florestasBrotem no solo em rumorosas festas!Abra-se ao vento o teu pendão natalSobre as revoltas águas dos teus mares!E desfraldado diga aos céus e aos maresA vitória imortal!Que foi de sangue, em guerras leais e francas,E foi na paz da cor das hóstias brancas!

Hino Nacional

Ouviram do Ipiranga as margens plácidasDe um povo heróico o brado retumbante,E o sol da liberdade, em raios fúlgidos,Brilhou no céu da pátria nesse instante.

Se o penhor dessa igualdadeConseguimos conquistar com braço forte,Em teu seio, ó liberdade,Desafia o nosso peito a própria morte!

Ó Pátria amada,Idolatrada,Salve! Salve!

Brasil, um sonho intenso, um raio vívidoDe amor e de esperança à terra desce,Se em teu formoso céu, risonho e límpido,A imagem do Cruzeiro resplandece.

Gigante pela própria natureza,És belo, és forte, impávido colosso,E o teu futuro espelha essa grandeza.

Terra adorada,Entre outras mil,És tu, Brasil,Ó Pátria amada!Dos filhos deste solo és mãe gentil,Pátria amada,Brasil!

Deitado eternamente em berço esplêndido,Ao som do mar e à luz do céu profundo,Fulguras, ó Brasil, florão da América,Iluminado ao sol do Novo Mundo!

Do que a terra, mais garrida,Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;"Nossos bosques têm mais vida","Nossa vida" no teu seio "mais amores."

Ó Pátria amada,Idolatrada,Salve! Salve!

Brasil, de amor eterno seja símboloO lábaro que ostentas estrelado,E diga o verde-louro dessa flâmula- "Paz no futuro e glória no passado."

Mas, se ergues da justiça a clava forte,Verás que um filho teu não foge à luta,Nem teme, quem te adora, a própria morte.

Terra adorada,Entre outras mil,És tu, Brasil,Ó Pátria amada!Dos filhos deste solo és mãe gentil,Pátria amada, Brasil!