ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES CURSO DE...
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CENTRO UNIVERSITÁRIO DA CIDADE
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES
CURSO DE JORNALISMO
A EXPECTATIVA DO MERCADO EM RELAÇÃO À IMPLEMENTAÇÃO DO RÁDIO DIGITAL NO BRASIL
Michel Menaei
UniverCidade Rio de Janeiro
Dezembro / 2007
A EXPECTATIVA DO MERCADO EM RELAÇÃO À IMPLEMENTAÇÃO DO RÁDIO DIGITAL NO BRASIL
Michel Menaei
Monografia apresentada ao Curso de Jornalismo do Centro Universitário da Cidade, como requisito parcial ao título de Bacharel em Jornalismo, sob a orientação da Professora Sílvia Nogueira.
UniverCidade Rio de Janeiro
Dezembro / 2007
A EXPECTATIVA DO MERCADO EM RELAÇÃO À IMPLEMENTAÇÃO DO RÁDIO DIGITAL NO BRASIL
Michel Menaei Aprovado em: 17/12/2007 Orientadora: Sílvia Nogueira ____________________________ Grau: 9,0 Avaliador: Dylmo Elias ____________________________ Grau: 9,0
Dedico este trabalho primeiramente a meus pais e familiares e a todos que, de uma forma ou de outra, ajudaram a me tornar a pessoa que sou hoje.
Agradeço à minha orientadora Sílvia Nogueira, ao professor Dylmo Elias, que me despertou a paixão por esse veículo tão fascinante, que é o rádio, ao professor Marcelo Bebiano, que me incentivou na finalização do projeto, à diretora Ana Lagôa, pela confiança e à minha amiga Marsele Medeiros, principal incentivadora que eu trocasse o curso de Engenharia da Computação por Comunicação Social.
RESUMO
As novas tecnologias invadem cada vez mais o nosso universo. A TV digital já é uma
realidade, e o rádio deve seguir o mesmo caminho.
O rádio teve sua primeira transmissão no Brasil em 1922, com o discurso do então
presidente Epitácio Pessoa; e de lá pra cá, várias mudanças ocorreram, inclusive com a
chegada da televisão, que se acreditava que daria fim àquela caixinha de surpresas.
Mas o rádio se transformou e se sustenta até os dias de hoje, acompanhando as
tendências do mercado.
A tecnologia tende a convergir cada vez mais para um menor número de dispositivos e
talvez o rádio digital, como supomos nos dias de hoje, não se torne realidade aqui no país tão
rapidamente o quanto pensamos.
SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 7 1. A HISTÓRIA DO RÁDIO NO BRASIL ................................................................ 8 1.1. A Invenção do Rádio .................................................................................................. 8 1.2. O Surgimento do Rádio no Brasil .............................................................................. 9 1.3. A História da Rádio AM no Brasil ........................................................................... 11 1.4. Influências do Surgimento da Tevê no Rádio .......................................................... 15 1.5. A História da Rádio FM no Brasil ............................................................................ 16 2. A SAÍDA DIGITAL ............................................................................................... 19 2.1. As diferenças entre o AM, a FM e a Transmissão Digital ....................................... 19 2.2. Principais Padrões de Transmissão Digital .............................................................. 21 2.2.1. IBOC: O Padrão Norte-Americano .......................................................................... 21 2.2.2. DAB: Um dos Padrões Europeus ............................................................................. 21 2.2.3. DRM: O Outro Padrão Europeu ............................................................................... 22 2.2.4. ISDB-T: O Padrão Japonês ...................................................................................... 22 3. A ENCRUZILHADA DIGITAL ........................................................................... 23 CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 25 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 27 Bibliográficas ........................................................................................................................... 27 Eletrônicas ................................................................................................................................ 27 ANEXO .................................................................................................................................... 29
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INTRODUÇÃO
O estudo a seguir pretende mostrar as conseqüências da transformação do rádio
analógico em rádio digital aqui no Brasil. A televisão acabou de se tornar digital aqui no país,
pelo menos em São Paulo, em 2 de dezembro de 2007 e a tendência é que o rádio siga o
mesmo caminho.
Toda mudança de tecnologia merece um estudo mais apurado para que se possa tirar o
melhor proveito dessa transição e para isso este trabalho pretende explicar de forma fácil as
diferenças entre os padrões de transmissão existentes nos dias de hoje, além de colher
opiniões de especialistas no assunto para que seja possível que se faça uma reflexão acerca
desta mudança.
Como este assunto começou a ser abordado no Brasil há relativamente pouco tempo,
setembro de 2005, há poucas fontes bibliográficas sobre o tema, mas os estudos vão ser feitos
em cima de entrevistas com pessoas que façam parte direta ou indiretamente deste processo.
Para situar o leitor, a história do rádio é contada desde a primeira irradiação em 1922,
passando pela criação do AM, o surgimento da FM, sendo ainda traçado um paralelo com a
invenção da tevê e como esse fenômeno vai refletir junto ao rádio.
Em seguida, será traçada uma breve pesquisa sobre os principais padrões digitais
adotados no mundo, além de se tentar entender qual seria o melhor padrão para o Brasil, ou
ainda, se seria melhor a criação de um padrão próprio.
O estudo da escolha do padrão leva em conta a rapidez da evolução tecnológica,
mostrando que a convergência talvez seja o grande caminho das mídias digitais.
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1. A HISTÓRIA DO RÁDIO NO BRASIL
1.1. A Invenção do Rádio
O inglês James Clerck, professor de física experimental, é considerado o pai do rádio
como teoria, quando em 1863 demonstrou a existência das ondas eletromagnéticas. Foi a
partir da teoria de Clerck que o alemão Henrich Rudolph Hertz desenvolveu as experiências
que fizeram saltar através do ar faíscas elétricas entre duas esferas de cobre, demonstrando
empiricamente a teoria do inglês. E graças a isso, os antigos quilociclos passaram a ser
denominados de ”Ondas Hertzianas”, ou “Quilohertz”.
Mas aquele que seria conhecido definitivamente como o pai do rádio seria o italiano
Guglielmo Marconi, que no final do século XIX demonstrou o funcionamento de seus
aparelhos de emissão e recepção de ondas em Londres, Inglaterra, e acabou por inventar o
telégrafo sem fio, que foi a primeira mídia de longa distância independente de fios.
O telégrafo sem fio não transmitia sons, mas apenas um ruído agudo, que era gerado
por um contato elétrico intermitente. Este ruído foi dividido em “letras”, criadas através de
um código de toques que levou o nome de seu inventor Samuel Morse. O Código Morse
possibilitava apenas a transmissão de frases curtas, o que fez nascer a expressão “linguagem
telegráfica”, podada de tudo o que poderia parecer supérfluo. Ainda no século XIX, em 1897,
Oliver Lodge inventou o circuito elétrico sintonizado, que possibilitava a mudança de sintonia
selecionando a freqüência desejada. Isso possibilitou a existência de mais de um “canal”, por
onde mais de uma mensagem poderia ser transmitida e recebida ao mesmo tempo. Mas foi no
século seguinte que a transmissão por ondas ganharia seu maior e mais importante reforço.
Com o surgimento de diversos aparelhos que melhoraram a freqüência, a transmissão e a
recepção das ondas hertzianas, conseguiu-se enviar não apenas os toques agudos do Código
Morse, mas também sons naturais como vozes humanas e música.
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Sobre esse detalhe, é curioso focar na figura do padre brasileiro Roberto Landell de
Moura, nascido no Rio Grande do Sul em 21 de janeiro de 1861, e que em 1893 apresentou na
cidade de São Paulo alguns aparelhos criados por si, como o “Anematófono”, que nada mais
era que um telefone sem fio, o “Teletiton” (telegrafia fonética, sem fio, com o qual duas
pessoas podem comunicar-se sem serem ouvidas por outras) e o “Edífono”, um aparelho
destinado a depurar as vibrações indesejadas da voz fonografada, reproduzindo-a com mais
pureza. Em 1900 ele registrou no Brasil as suas criações e em 1904 Landell de Moura
desembarcou nos Estados Unidos, onde patenteou o telégrafo sem fio, o telefone sem fio e
para o transmissor de ondas sonoras.
E foi também nos Estados Unidos que Lee Forrest instalou a primeira “estação-
estúdio”, na cidade de Nova York, em 1916. Aquele ano ficaria marcado como o da primeira
transmissão de um programa de rádio. Ele continha falas de grandes conferencistas, música de
câmara executada ao vivo e gravada. Aconteceu também o primeiro jornal radiofônico, com a
transmissão da apuração eleitoral para a presidência.
1.2. O Surgimento do Rádio no Brasil
O ano de 1922 deveria ser o grande ano das comemorações pelo centenário da
Independência do Brasil. Só faltou combinar com uma boa parte do povo.
O ano começou com um bando de artistas e intelectuais com fama de malucos a querer
virar de ponta-cabeça todos os padrões culturais do Brasil. A Semana de Arte Moderna,
ocorrida em São Paulo, duraria mais do que os sete dias habituais, embora a reação de
imprensa e de boa parte dos formadores de opinião tenha sido a pior possível. Mas na Capital
Federal, tudo corria para a grande apoteose de setembro, quando se completariam os cem
anos.
Mas o clima de festa não impediu a eclosão de revoltas militares em quartéis de todo o
país. Até mesmo no Rio de Janeiro, capital cultural, financeira e política do Brasil, um
punhado de jovens oficiais do Exército se levantou contra o governo do presidente Epitácio
Pessoa e em 5 de julho tomou o moderno Forte de Copacabana, de onde tentaram bombardear
posições legalistas e promover uma revolução.
O levante terminaria de maneira trágica e patética, com o desfile mortal de apenas 17
militares sobre as pedras negras e brancas recém assentadas naquela que se tornaria mais tarde
a calçada mais famosa do mundo. Com a adesão de um civil, os famosos Dezoito do Forte
enfrentaram milhares de soldados do governo, que abriram fogo e mataram 16 deles.
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Mesmo assim, pouco mais de dois meses depois do banho de sangue em Copacabana,
os cariocas puderam se maravilhar com a festa que o governo preparara. Em nome do
centenário, até mesmo o perfil geográfico da cidade foi severamente modificado, com o
arrasamento daquele que havia sido o local do primeiro povoamento do Rio de Janeiro, o
Morro do Castelo.
No local onde antes existira a colina histórica, agora passavam milhares de visitantes
todos os dias. Era a Exposição Nacional, onde cada estado e alguns países convidados
mandaram erguer palácios que serviam como local de exposição para os seus produtos típicos
e manifestações folclóricas.
A efeméride criou uma situação desagradável para o governo da República. Exaltar a
Independência seria relembrar um passado monárquico ainda vívido nas mentes do povo. Em
pouco mais de trinta anos, a jovem república (que naquela época ainda nem desconfiava que
um dia seria chamada de “Velha”) ainda temia as nostalgias populares pela coroa. A Princesa
Isabel, neta do proclamador da independência, morrera exilada há menos de um ano e nas
estampas comemorativas dos festejos as imagens dos ex-monarcas, duques e barões, bem
como as Armas Imperiais, disputavam espaço com os símbolos republicanos e a escassez de
barbaças do novo regime para agaloar as decorações.
Aquela manhã de quinta-feira amanheceu chuvosa, mas a multidão acorreu à nova
Esplanada do Castelo para testemunhar o desfile comemorativo pelo feriado. À frente do
palanque onde estavam lado a lado o Presidente da República Epitácio Pessoa, o Rei da
Bélgica Alberto I – convidado de honra – e o Conde D’Eu (viúvo da Redentora dos Escravos),
passaram velhos veteranos da Guerra do Paraguai e alguns dos soldados brasileiros que foram
convocados para o conflito mundial na Europa, para onde seguiram em 1917 e onde não
chegaram a dar nem um tiro. E, em meio a tanta festa, poucos dos presentes prestaram atenção
às cornetas que haviam sido colocadas no alto dos belos postes de iluminação das ruas. Após
o desfile, aquelas estranhas flores metálicas exalaram um estranho ruído, que vagamente
lembrava algumas palavras. Com exceção dos responsáveis pela novidade, ninguém mais
imaginaria que aquele dia testemunharia o surgimento da radiodifusão no Brasil.
Falou através daquelas cornetas, que transmitiam o sinal gerado de uma estação
técnica instalada na Praia Vermelha e difundido por uma antena colocada no alto do
Corcovado (ainda sem o Cristo), o próprio Presidente da República, além da execução de
discos de marchas militares e de árias operísticas populares. Mas a péssima qualidade do som
fez daquela novidade tecnológica pouco mais que uma incômoda e pouco interessante
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novidade, perdida entre todas as outras que a Exposição proporcionava ao conhecimento do
distinto público. Eram pouco mais que oito da noite.
Ecoando ligeiramente a novidade, o jornal A Noite descreveu assim o nascimento do
rádio no dia seguinte: “Uma nota sensacional do dia de ontem foi o serviço de radiotelefonia e
telefone alto-falante, grande atrativo da Exposição. O discurso do Senhor Presidente da
República, inaugurando o certame, foi assim, ouvido no recinto da Exposição, em Niterói,
Petrópolis e em São Paulo, graças à instalação de uma possante estação transmissora no
Corcovado e de aparelho de transmissão e recepção, nos lugares citados”.
1.3. A História da Rádio AM no Brasil
Mesmo com a menção jornalística, o rádio não despertaria grandes interesses em
muitas pessoas. Mas dentre estas poucas que perceberam o potencial daquela estranha
invenção havia um individuo: Edgard Roquette Pinto.
Médico legista, antropólogo, etnólogo e escritor – então com seis livros publicados –
Roquette Pinto percebeu o potencial que o rádio tinha na difusão de material educativo e
cultural. Os equipamentos das companhias norte-americanas Westinghouse e Western
Electric, que foram utilizados naquela transmissão pioneira, foram posteriormente doados ao
Governo Federal. Roquette requereu então a doação daqueles aparelhos para si, para que
pudesse nascer uma emissora cultural e científica. Mas os meandros e papelórios dos
labirintos burocráticos nacionais foram apenas a primeira das muitas dificuldades enfrentadas
até que nascesse a primeira emissora radiofônica brasileira, em 20 de abril de 1923.
“Tudo começou com fortes semelhanças a uma geringonça infantil. Uma vara de bambu, plantada no jardim, servia de antena. Dela escorriam fios de cobre que iam até a sala e se enfiavam numa bobina de papelão, a qual devia ser o aparelho. Deste saíam uma tomada de terra, ligada à torneira da pia, e um fone comum, de telefone, para ser aplicado à orelha.” (http://www.sergipe.com.br/balaiodenoticias/reportagema76.htm, em 16 de outubro de 2007).
A Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, pomposa denominação da emissora fundada por
Roquette Pinto juntamente com Henrique Moritze, mal escondia a precariedade daqueles
primeiros tempos. Além disso, mal havia aparelhos receptores pela cidade. A solução
encontrada por Roquete foi a criação de um “rádio clube”, um grupo de associados que
pagavam uma mensalidade para manter a programação no ar e que tinham o poder de
interferir na programação, com a cessão de gravações e de textos a serem transmitidos. A
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experiência de ouvir rádio ainda não era coletiva, pois o som era ouvido através de pequenos
fones, semelhantes ao de um telefone da época ou dos hodiernos “walkmans”. Esta
configuração nasceu graças à Grande Guerra Mundial, quando os aparelhos da companhia
Westinghouse, destinados ao front para comunicação entre os soldados, passaram a ser
comercializados ao público comum. A própria empresa instalou uma antena no pátio de sua
fábrica e passou a transmitir música popular para insuflar as vendas. Entre 1919, apenas um
ano após o término da guerra, e 1922, já existiam 382 emissoras de rádio nos Estados Unidos.
Nascia a época que seria conhecida como “A Era do Rádio”.
Mas naqueles primeiros anos no Brasil, a radiodifusão ainda demoraria a passar da
fase experimental e amadorística das rádios-sociedades para o rádio comercial tal como o
conhecemos até os dias de hoje. Foram dez anos até que o Governo Federal autorizasse a
veiculação de anúncios comerciais através do rádio. Foi quando se adotou o modelo norte-
americano de concessão de canais a particulares, de 1926, eliminando o velho esquema dos
clubes de ouvintes e de emissores.
Aqueles dez anos entre a festa do Centenário e o ano de 1932 foram bem mais longos
do que as folhinhas poderiam prever. Diversas revoltas geraram o movimento tenentista, que
sacudiria as estruturas da república até que esta caísse de podre em outubro de 1930. Antes,
em 1929, uma crise econômica mundial provocada pela quebra da Bolsa de Valores de Nova
York correu o mundo e deixou um rastro de empresas quebradas, investidores falidos e
desesperança popular. O Brasil, então nas mãos do governo provisório de Getúlio Vargas,
enfrentou em 1932 uma guerra civil entre o estado de São Paulo e o restante da federação.
Mas os projetos de industrialização de um país ainda eminentemente agrário e produtor de
matérias primas necessitavam de um plano de integração nacional. E o rádio seria o veículo
perfeito para a condução de um ideário centralizado para todos os grotões. Nas cidades, cada
vez maiores e mais importantes, o comércio movimentava grandes capitais. Não foi à toa que
o primeiro jingle do rádio nasceu do anúncio de uma prosaica padaria carioca. O compositor e
cartunista Antônio Nássara improvisou uma cançoneta para exaltar os serviços de um
estabelecimento do bairro de Botafogo, a Padaria Bragança: “Ai, o padeiro desta rua / tenha
sempre na lembrança / não me traga outro pão / que não seja o Pão Bragança”.
E o potencial de lucros que o rádio comercial apresentava fez com que rapidamente os
dez anos de rádio amadorístico fossem superados com folga. Nasceram as primeiras grandes
estações, vinculadas a grandes empresas ou grupos financeiros. Já a velha estação de Roquette
Pinto, por vontade do próprio, preferiu continuar com seu caráter educativo e cultural, até ser
doada ao Ministério da Educação e Cultura. Surgiram as rádios Mayrink Veiga (da tradicional
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família de comerciantes de armas), a Philips (dos fabricantes de aparelhos receptores) e a
Record e Cruzeiro do Sul, apenas para citar algumas.
Paralelamente, a popularização do acesso aos aparelhos de rádio fazia o poder
midiático do rádio crescer de maneira assustadora. Naquele fatídico ano de 1932, já não era
impossível comprar um rádio: um aparelho custava em torno de oitenta mil-réis e o salário
médio de uma família de trabalhadores não ficava longe de quinhentos mil-réis por mês.
Houve também uma grande evolução no próprio aparelho. Já não se viam mais nos
grandes centros o velho rádio de galena, com fones individuais, tal como descrito por Ruy
Castro acima. Os rádios eram agora grandes peças decorativas, símbolo de status pessoal e
com lugar garantido na decoração das salas de estar. Eram feitos em madeira envernizada,
com detalhes decorativos seguindo os padrões estéticos da época. Os alto-falantes eram
ocultados atrás de aberturas cuidadosamente trabalhadas no corpo do aparelho, com tecido de
qualidade e visores de vidro para as estações. Novos materiais como a baquelite – um
antepassado do plástico e que era utilizado na confecção dos botões dos rádios – entraram no
linguajar cotidiano do povo.
Surgiram também vocabulários novos. Palavras importadas como “speakers”
(locutores) entraram no cotidiano e no imaginário coletivos. E estes speakers logo alcançaram
enorme sucesso e uma colocação de fama que ombreava com a dos astros do cinema.
Também os artistas encontraram no rádio a plataforma perfeita para a popularidade. Nomes
como Carmen Miranda, Francisco Alves, Linda Batista e Mário Reis jamais teriam sido
eternizados se não fosse a gigantesca popularidade adquirida nos programas de rádio.
O formato do rádio no Brasil sofreria algumas modificações, mas a trindade música,
lazer e informação jamais se desconectariam do rádio AM, lídimo representante destes tempos
áureos. Embora a diferenciação entre AM e FM só fosse surgir quando da introdução desta
última, em 1970 (no Brasil) o rádio desta “Era de Ouro” já trabalhava com esta tecnologia,
ainda tão popular nos dias de hoje. Na época, a freqüência modulada ainda não existia, e as
transmissões estavam sujeitas às intempéries naturais, bem como às interferências de outros
fatores.
Mas para o “distinto público”, o rádio até então era o que era: uma porta aberta para
todo um universo de novidades. O rádio modificou hábitos, horários, gostos, vocabulários,
relações e maneiras de pensar. O poder que aquelas caixas mágicas adquirira era tão grande
que o governo passou a apostar ainda mais no rádio. A partir da década de 1940, quando
Vargas passou de um governo provisório para um governo ditatorial, com um breve
intermezzo constitucional, as emissoras comerciais passaram a contar com a concorrência da
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Rádio Nacional, uma rádio estatizada e que pagava os melhores casts entre o meio artístico.
Um artista jamais poderia dizer que fazia sucesso antes de entrar para a Nacional. Instalada no
alto do prédio mais alto e moderno do Rio de Janeiro, o Edifício A Noite, na Praça Mauá, a
Rádio Nacional concentrou os maiores cartazes de todas as áreas artísticas brasileiras das
décadas de 40 e 50. A fina flor da música, do humor, da dramaturgia e do jornalismo
encontrou na emissora as condições ideais para fazer nascer novos paradigmas coletivos de
gostos. Os recursos estatais somados aos comerciais fizeram dela a emissora mais rica e
prestigiosa do Brasil, dificultando e muito as poucas rádios que tentassem competir com ela.
Ainda assim, no âmbito privado, a Rádio Tupi (ou Tupy, conforme a grafia da época),
cujo slogan era “O Cacique dos Ares”, se apoiava em todo o poder da sempre crescente cadeia
de jornais dos Diários Associados, o grandioso império que o jornalista paraibano Francisco
de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello (1892-1968) vinha construindo desde o final da
década de 1910. Foi também através dos microfones da Tupi que aquele novo estilo de vida
nascente pôde chegar até as grandes massas.
Aquela década estava fadada a terminar de maneiras inimagináveis. Ao final dos anos
30, com a ascensão dos regimes totalitários na Europa, o mundo se via entre três fortes
correntes: a comunista, representada pela União Soviética; a nacional-socialista-fascista,
representada pela Alemanha e Itália e a liberal, representada pelos Estados Unidos. Este
mundo, partido em três, chegou aos finalmentes em setembro de 1939, quando um acordo
entre Hitler e Stalin possibilitou a invasão da Polônia e a eclosão de mais um conflito
mundial.
O Brasil se encontrava sob a esfera de influência americana, o que fez com que
desembarcasse aqui, em 1941, os representantes do Birô Interamericano, um órgão criado um
ano antes pelo presidente Franklin Delano Roosevelt e que se destinava a coordenar os
esforços americanos no plano da integração das relações econômicas, culturais e estratégicas
no continente. Chefiado pelo magnata Nelson Rockefeller, o órgão trouxe o american way of
life, ou seja: um estilo de vida compatível com o consumo de produtos tipicamente norte-
americanos: filmes de Hollywood, refrigerantes, eletrodomésticos, cosméticos, vestuário,
música etc. E numa época anterior à televisão, o rádio foi o portal por onde desfilaram estes
produtos ante os corações e mentes dos brasileiros. Para Assis Chateaubriand, desde sempre
um entusiasta leal do liberalismo, a Segunda Guerra foi a oportunidade de captar grandes
contratos com os produtores destes novos objetos de consumo, o que lhe deu ainda mais poder
e possibilidades de crescimento. A Tupi do Rio de Janeiro já se expandira para São Paulo –
cidade que cada vez mais se firmava como grande centro econômico do Brasil – e em outras
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capitais a Cadeia Associada fincava pés (ou antenas), mantendo emissoras com programação
parecida e com seus característicos nomes indígenas.
O término do conflito, em 1945, firmou de vez todo aquele arcabouço cultural surgido
pouco antes. A vitória das democracias afastou do mundo a sombra nazi-fascista, mas o
surgimento da Guerra Fria fez aumentar ainda mais a presença cultural norte-americana no
Brasil. Os cinco últimos anos da década seriam testemunhas também da queda da Ditadura
Vargas e do regime do Estado Novo, decalque dos regimes fascistas europeus. A bonança
econômica adquirida com a venda de matérias primas para um mercado militar sedento
também possibilitou um acúmulo de capital suficiente para trazer para nós produtos de
consumo rápido e apoiados em grandes mobilizações publicitárias: gomas de mascar,
refrigerantes, brinquedos, discos, automóveis... Todos estes produtos dependiam do rádio para
serem promovidos e caírem no gosto popular. O próprio rádio sofreu grandes modificações.
Diminuíram de tamanho e se tornaram portáteis. A madeira e a baquelite deram lugar à
matéria plástica na confecção dos corpos dos aparelhos, e as incômodas válvulas – grandes
peças que alimentavam os rádios e que demoravam a esquentar – foram substituídas pelo
rádio elétrico ou à pilha.
O trepidante Assis Chateaubriand, ou simplesmente Chatô trouxe, em 1950, um
aparelho que seria o primeiro – e até hoje único – grande concorrente do rádio: a televisão.
Houve muita gente que vaticinou a morte do rádio em decorrência da rápida popularização da
nova mídia. E acertaram em parte, porque morreu um rádio, mas nasceu outro em seu lugar.
1.4. Influências do Surgimento da Tevê no Rádio
O surgimento de novas mídias sempre suscita o temor da morte das mídias anteriores.
Em ao menos um caso isto ocorreu, com a sonorização do cinema, no final da década de
1920, quando praticamente toda a geração anterior de artistas e realizadores enfrentou o
ocaso. Entretanto, o surgimento das primeiras emissoras de televisão foi guindado pelo rádio,
que emprestou o linguajar, o know how e muitos de seus profissionais e artistas.
Tecnicamente, a transmissão e a recepção da televisão era prima-irmã das radiofônicas. Mas a
imagem ocasionou uma produção imensamente maior por parte das emissoras, que passaram a
ter de se preocupar com cenários, figurinos, maquiagem etc. E o que era mistério e encanto
apenas na forma de sons teve de se adaptar a novos paradigmas.
Essa analogia pode ser feita para se tentar comparar a evolução da rádio FM em
relação à rádio AM. O conteúdo do rádio precisava mudar, se adaptar, para que esta mídia não
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morresse. Afinal de contas, a dramaturgia radiofônica migrou para a televisão. O vácuo criado
precisava ser preenchido com conteúdo diferenciado. O rádio precisava ser reinventado.
Além disso, a realidade do planeta mudou. O mundo passou por uma guerra mundial,
ainda passava por uma renovação cultural e o Brasil era cada vez mais influenciado pela
cultura norte-americana.
1.5. A História da Rádio FM no Brasil
A FM (freqüência modulada) começou a ser utilizada no Brasil em meados do século
XX ainda como um link entre a emissora e o transmissor. Ou seja: ao invés de transmitir a
programação diretamente ao ouvinte, era apenas um canal que levava a informação dos
estúdios à antena para que o sinal pudesse ser levado em AM aos ouvintes. A pouca
quantidade de informação a respeito da origem da FM se deve à pouca importância que este
padrão possuía na época.
No fim da década de 60, o governo resolveu reestruturar a produção radiofônica em
FM cassando as concessões dadas anteriormente e redistribuindo-as para que outros
empresários pudessem usar esta tecnologia para transmissão direta ao ouvinte.
A rádio Difusora FM foi a primeira emissora brasileira a operar em freqüência
modulada. “A programação para pessoas ricas e inteligentes incluía música popular
brasileira, internacional e erudita, transmitida das 7 às 22h, quando iniciava um programa
dedicado ao jazz.” (FERRARETTO, p. 156).
Analogamente ao surgimento do próprio rádio, o sistema FM também nasceu com este
caráter elitista. Poucos eram os brasileiros que então tinham acesso econômico a compra de
um aparelho capaz de receber a freqüência modulada. O slogan da Difusora FM “para pessoas
ricas e inteligentes”, bem como sua programação dedicada, em grande parte, à música erudita
e ao jazz, remete aos rádios-clubes da primeira geração radiofônica do Brasil.
Tal situação prevaleceria ainda por muito tempo. Em parte, pela razão já apresentada.
Noutra parte, por esta tecnologia ter surgido justamente no período de vácuo entre o
surgimento da televisão, em que, cada vez mais popular, a tevê avançava sobre um público
que ainda se dividia entre a nova mídia e os velhos hábitos adquiridos com o rádio.
Ao longo dos anos sessenta e em boa parte da década seguinte, as rádios FM
adotariam este mesmo perfil em todo o país. Ainda que o rádio já não fosse mais visto como o
principal meio de comunicação e informação, eram as emissoras AM que ainda concentravam
em si a maior parte do público ouvinte.
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Tal situação começaria a se modificar com o barateamento dos sistemas de som
capazes de receber as rádios FM. Com isso, deixou de se justificar a existência de emissoras
com caráter tão restritivo como o exibido pela Difusora, dos primórdios da FM.
Em 1977, com o lançamento da Rádio Cidade, o Brasil passou a adotar na FM uma
programação baseada no modelo norte-americano, ou seja, uma rádio essencialmente musical,
com a presença de locutores bem humorados, que brincavam, faziam sátiras e interagiam com
o ouvinte. De acordo com o livro “No ar: o sucesso da cidade”, de Fernando Mansur, o
sucesso da Cidade FM se justificou pela programação, voltada quase que exclusivamente ao
público jovem. Liderança absoluta na audiência, a Rádio Cidade passa a ser copiada por
diversas emissoras em todo o país.
Os anos oitenta já começariam com esta nova linguagem para o rádio FM. Ao mesmo
tempo, foi se firmando a grande diferença de estilos entre AM e FM, pois que as emissoras
AM permaneceram com seu velho linguajar, com menos música e mais informação. É o
caráter, aliás, que vem sendo mantido até os dias de hoje.
Após um longo e conturbado período em que os militares deram as cartas em termos
políticos no Brasil, a década de 80 despontou com novos padrões de comportamento e gosto.
A cultura de massas despejava música cada vez mais “fácil” e a tevê se tornou a mídia
definitiva por excelência. Excetuando-se as poucas novidades em matéria radiofônica –
sempre esparsas, conforme abordamos acima – o rádio brasileiro vivenciou seus piores – e na
visão de muitos, derradeiros – momentos.
As duas últimas décadas do século XX no rádio conheceram apenas uma única
renovação de conteúdo, que foi a criação das redes de notícias em AM. A iniciativa partiu das
Organizações Globo, a holding criada por Roberto Marinho e já então o maior grupo de
telecomunicações do Brasil e um dos maiores do mundo, com a criação da Central Brasileira
de Notícias (CBN), que ocupou uma emissora AM com uma programação de 24 horas diárias
de jornalismo noticioso. O longo período que vai da inauguração da emissora até que fosse
possível para seus donos extrair algum lucro foi seguido pela criação de uma congênere, a
Band News, do grupo paulistano Bandeirantes, de propriedade da família Saad.
Além disso, absolutamente nada de novo foi criado no rádio brasileiro naqueles anos.
Mas devemos destacar o que foi criado “de velho”.
A redemocratização do Brasil na primeira metade da década de 80 foi seguida da
emergência de novos grupos políticos, que passaram a mirar no rádio o veículo perfeito para
uma propagação simples, rápida e barata de propaganda. Graças a isso, as concessões de
emissoras de rádio se tornaram moeda de barganha entre setores governamentais e grupos
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políticos regionais. O governo de José Sarney (1985-1990) foi o mais pródigo em concessões
de rádio. O então ministro das comunicações Antônio Carlos Magalhães – ele próprio
possuidor de emissoras de rádio e TV -- celebrizou-se neste sentido.
Com isso, o rádio, em especial o rádio AM, perdeu o pouco que ainda lhe restava de
independência e dinamismo, para se transformar em mero repetidor de conteúdo previamente
determinado por “formas” políticas.
Outro grupo que também se aproveitou – e muito – da febre concessória daqueles anos
foram as igrejas evangélicas. As emissoras viraram uma extensão dos púlpitos, levando as
prédicas religiosas muito além do alcance das igrejas, e servindo também aos interesses
políticos de seus líderes e “bispos”.
Por essas e outras, o século XXI despontou no Brasil com um rádio emasculado,
obscurecido como instrumento propagador de material “suspeito” e distante anos-luz dos
meios formadores de opinião (no caso das AMs), ou como mero entretenimento temporário,
como fornecedor de música para se ouvir nos carros e em salas de espera (FMs). Em menos
de um século de existência, o rádio era apenas uma tecnologia obsoleta, tão ultrapassada
quanto as vitrolas que por muitos anos vinham acopladas aos aparelhos transmissores.
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2. A SAÍDA DIGITAL
2.1. As diferenças entre o AM, a FM e a Transmissão Digital
Conforme exposto no capítulo anterior, as diferenças estilísticas entre os linguajares
das emissoras AM e FM são gritantes. Na AM, a figura do comunicador importa, e muito, ao
ouvinte, que tem na rádio uma companhia para passar o dia. O comunicador conversa com o
ouvinte, interage, coloca o ouvinte pra falar no ar; muitas vezes o comunicador passa a fazer
parte da vida do ouvinte, que se sente à vontade para criticar, dar sugestões e interferir
diretamente na programação da emissora. A rádio AM também transmite muito mais
informação, muito mais notícias que afetam diretamente o cotidiano do espectador.
Na FM, o comunicador é, geralmente, um DJ que anuncia as músicas que estão nas
paradas de sucesso dentro de cada segmento. Quase não transmite informações. As rádios FM
têm programação musical segmentada. Cada ouvinte sabe em que estação vai encontrar o
estilo de música que mais lhe agrada. A qualidade superior da transmissão em FM fez com
que a programação musical se tomasse a grande atração.
No entanto, a decadência do rádio como mídia preferencial impôs aos proprietários
dos grandes grupos de comunicação – todos eles também proprietários de emissoras
radiofônicas – uma reflexão sobre os fatores que levaram o rádio a tal estado, e a
experimentação de possíveis soluções para a encruzilhada.
A saída aparentemente se encontrava fora do país. No exterior, experiências com uma
nova forma de transmissão dos sinais de rádio pareciam estar revolucionando não apenas o
modo como o rádio era feito, mas até mesmo o modo como o rádio era ouvido.
Como toda revolução, o rádio digital não começou por si só. Ele foi o resultado natural
do avanço na tecnologia digital experimentada pelo planeta nos últimos anos do século
passado.
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O rádio digital surgiu dentro desta esfera maior de revolução tecnológica. No Japão,
em boa parte da Europa e nos Estados Unidos já era uma realidade desde os primeiros anos do
século. E não demoraria para que os primeiros olhos brasileiros focassem nele.
Ao contrário de oitenta e três anos antes, quando a estréia em caráter experimental do
rádio no Brasil se deu quase sem nenhum alarde da imprensa, no dia 23 de setembro de 2005,
os jornais destacavam a estréia do rádio digital no país, e com antecedência:
“O rádio digital marca sua estréia no Brasil no próximo domingo, dia 25. Das cerca de 30 emissoras que pediram a autorização para a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a CBN (São Paulo), Tiradentes (Belo Horizonte), Gaúcha e Itapema FM (Porto Alegre) conseguiram. A digitalização dá ao AM qualidade de som semelhante à do FM. E a qualidade das emissoras FM passa a ser igual à do CD. O sistema permite, também, distribuir informações em formato de texto junto com o som. Assim, dados como nome da música, compositor e intérprete podem ser exibidos no visor dos aparelhos de rádio, bem como informações de trânsito, previsão do tempo e outras”. (http://tecnologia.terra.com.br/interna/0,,OI678704-EI4799,00.html, em 16 de outubro de 2007).
Naquele ano de 2005 a experiência não passaria disso. Não havia no Brasil aparelhos
capazes de captar o novo sinal e o que era uma promessa “para o final do ano” foi
procrastinada pelo menos até 2008, tudo em nome dos testes.
Ao contrário de 1922, quando a ação dos rádios-clubes possibilitou a entrada
relativamente rápida de aparelhos importados no país e até ensinava como construir
receptores em casa com materiais simples e baratos, o rádio digital no Brasil esbarrou em
problemas de ordem econômica. Mesmo no final de 2007 ainda não havia previsão do
estabelecimento do padrão definitivo de rádio digital, tampouco de como o governo pretendia
viabilizar a nova tecnologia.
As vantagens do novo sistema, entretanto, passaram a ser cantadas em verso e prosa
com bastante freqüência em toda a mídia brasileira. De fato, o rádio digital, tal como se
apresenta em diversas partes do mundo, representaria uma renovação e tanto.
Fazendo uma analogia, a rádio digital vai ser a evolução da FM. A transmissão digital
vai poder gerar, em uma mesma estação, até quatro canais diferentes de áudio, que vão poder
dar a liberdade para que o ouvinte escolha exatamente o que ele quer ouvir. Além disso, há a
qualificação do som, onde as FMs passarão a ter um som semelhante aos dos CDs e as AMs
uma qualidade semelhante à das atuais FMs.
Outra vantagem será a da multiplicação de bandas. Na mesma freqüência onde hoje
um receptor pode captar apenas uma rádio, com a digitalização, será possível instalar até
quatro rádios diferentes.
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Com tudo isso, a idéia do rádio digital desembarcou em terras brasileiras com muito
entusiasmo. Em setembro de 2005, quando as primeiras experiências foram efetuadas, o
Governo Federal “vendeu” a novidade como uma rota inescapável para a mídia, a exemplo da
TV digital, que estrearia em dezembro de 2007.
Também como no caso da TV digital, o rádio digital opera no mundo em diferentes
padrões de transmissão. Muito além de meras diferenças técnicas – que talvez nem fossem
interessantes de serem abordadas nesta monografia –, tais diferenças afetam diretamente o
modo e a utilização da mídia como um todo pelos seus consumidores.
Uma tabela (anexo 1) exemplifica os diferentes padrões de rádio digital pelo mundo.
As diferenças entre eles serão abordadas a seguir.
2.2. Principais Padrões de Transmissão Digital
2.2.1. IBOC: O Padrão Norte-Americano
O padrão norte-americano (IBOC, ou In-Band On Channel), se caracteriza pela
“simplificação” de sua emissão. Sua idéia básica é a de transmitir o sinal digital dentro do
mesmo canal do sinal analógico. Na visão de seus autores, as estações de rádio poderiam
migrar para a tecnologia digital quando fosse conveniente sem interromper ou prejudicar o
modo analógico.
2.2.2. DAB: Um dos Padrões Europeus
O padrão europeu 1 (DAB, ou Digital Audio Broadcast, ou ainda Eureka 147),
começou a ser desenvolvido em fins dos anos 80, por um pool de técnicos britânicos
(European Broadcasting Union), alemães (Rundfunktechnik Institut e Fraunhofer) e franceses
(Centre Commun d'Études en Télédiffusion et Télécommunications), e foi lançado
oficialmente em 1997. Diferentemente do sistema norte-americano, ele não permite a sua
transmissão paralelamente com o sinal analógico. No entanto, ela permite a colocação de até
64 programas diferentes por freqüência, embora o usual atualmente seja de apenas seis a oito.
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2.2.3. DRM: O Outro Padrão Europeu
O padrão europeu 2 (DRM, ou Digital Radio Mondiale), surgiu em 1996 numa
reunião da qual participaram alguns dos maiores radiodifusores internacionais e fabricantes de
equipamentos com objetivo de salvar o AM. É o único sistema digital padrão aberto do
mundo para ondas AM (curtas, médias e longas) que cobre atualmente transmissões para
bandas abaixo de 30MHz (também conhecido como AM Digital). E fornece qualidade de
áudio próximo a FM. Ao contrário dos sistemas que requerem uma alocação nova de
freqüência, o DRM usa faixas de freqüências existentes do transmissor AM, ou seja, também
não requer mudança na banda de emissoras AM que utilizamos por ora.
2.2.4. ISDB-T: O Padrão Japonês
O padrão japonês (ISDB-T, ou Integrated Services Digital), teve início em 2003
quando a DRP (Digital Radio Promotion Association) obteve licença para iniciar as
transmissões nas cidades de Tóquio e Osaka.
Destes quatro padrões, os mais cotados para serem adotados no Brasil são o americano
(IBOC) e o europeu 2 (DRM). Entretanto, todos eles esbarram em uma série de dificuldades
de ordem técnica e local.
As dificuldades do padrão IBOC começam pela existência de royalties pela sua
utilização. O pagamento de direitos autorais à matriz americana acarretaria um custo que em
um país em vias de desenvolvimento como o Brasil só afastaria o público consumidor. Já no
caso do padrão DRM, ele só abrange as emissoras AM, o que segregaria todo o seguimento de
emissoras FM.
Estes fatores acarretaram o atraso na anunciada implantação do rádio digital em nossas
terras. No próximo capítulo serão abordados os interesses políticos na aceleração deste
processo e os fatores que geram uma considerável descrença por parte dos especialistas em
rádio na saída digital.
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3. A ENCRUZILHADA DIGITAL
A solenidade de inauguração do sistema de TV digital brasileiro acontecida em
Brasília, na noite de domingo, 2 de dezembro de 2007, foi coberta por praticamente toda a
mídia nacional como a primeira grande revolução tecnológica sofrida pela televisão desde
1950. De fato, a TV digital já é uma realidade no Brasil, ao contrário do rádio.
Razões históricas para esta “ultrapassagem” são inúmeras e já abordadas por este
trabalho. Mas o exemplo da implementação da TV digital no Brasil – com padrão próprio –
poderia servir de exemplo para a reformulação do rádio, guardadas as óbvias diferenças.
A viabilidade da TV digital desde já se torna evidente, dado o grau de importância que
esta mídia adquiriu ao longo dos últimos 50 anos. Caminho diametralmente inverso trilhou o
rádio. E o abandono do rádio é o que torna a implementação da digitalização tão penosa a
curto, médio e, talvez mesmo longo prazo.
As razões são muitas, e embora haja fatores que talvez desmintam a hipótese deste
trabalho, as opiniões de todos os especialistas ouvidos na elaboração desta monografia
confluem para uma única conclusão. Vamos a elas:
Segundo entrevista com Carlos Dunshee Townsend1, o rádio digital no Brasil
enfrentaria dificuldades de várias formas. Ao contrário dos casos europeu e norte-americano,
em que há uma saturação de emissoras, aqui no Brasil o rádio sempre foi extremamente mal
tratado. Na época da fundação da Rádio Cidade, por exemplo o rádio detinha seis por cento
do bolo publicitário; hoje com a internet e as novas mídias digitais, esta fatia representa cerca
de dois por cento, afirma Townsend.
Além disso, esse processo de adaptação custaria caro às emissoras de pequeno e médio
portes. As emissoras que tenham transmissores um pouco mais modernos poderiam até mudar
1 Carlos Dunshee Townsend é Radialista, produtor, programador, operador, sonoplasta, locutor e empresário. Foi o criador da Rádio Cidade 102,9 RJ. Passou ainda pela Rede Transamérica Fm, Rede Manchete, Rede Cidade, Jornal do Brasil e Jovem Rio.
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uma ou outra peça, mas quem tenha transmissores bem antigos, deveriam trocar o
transmissor. E isso só será possível com dinheiro, que vem dos anunciantes.
Luiz Artur Ferraretto2, também em entrevista, acredita que os testes que vêm sendo
feitos atualmente por algumas emissoras não passaram por uma padronização. É como se
comprasse um novo aparelho e se brincasse com ele. Ainda segundo Ferraretto, os testes
necessitam de base científica, além de serem utilizados mais padrões, além do IBOC e do
DRM, mesmo que sejam mais caros. Os testes deveriam ocorrer em emissoras de pequeno,
médio e grande portes, sejam em emissoras educativas ou comerciais e ainda deveria ser
levado em consideração a topografia de cada região do país, que possui uma dimensão
continental.
Além de todos esses fatores, Ferraretto destaca que o alcance em AM no padrão IBOC
fica reduzido a um quarto do alcance que temos hoje em padrão analógico e o delay (atraso)
pode chegar a até doze segundos, ou seja, quem leva seu radinho de pilha a uma partida de
futebol, só vai escutar o gol segundos depois. E pra terminar, a energia utilizada seria muito
maior, não sendo suficiente a utilização de pilhas simples como utilizamos hoje.
Adilson Cabral3 também não acredita que o momento esteja favorável para a
implantação do novo sistema, já que os testes até então realizados não apresentaram o
resultado que o mercado esperava. Destaca também que se o Brasil passasse a testar um
padrão próprio, em larga escala, que pudesse ser recebido pelos mp3 ou mp4 players, talvez o
cenário pudesse ser diferente.
2 Luiz Artur Ferraretto é professor do curso de Comunicação Social da Universidade Luterana do Brasil, em Canoas, no Rio Grande do Sul. É doutor em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Foi repórter da Rádio Gaúcha e gerente de Radiojornalismo da Rede Bandeirantes/RS. 3 Adilson Cabral é professor de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (UFF), doutor e mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo e publicitário.
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CONCLUSÃO
A transição de tecnologia no rádio do padrão analógico para o digital vai acontecer um
dia ou outro. É inevitável. O que não pode acontecer é uma mudança pré-matura sem que
diversos testes sejam feitos, envolvendo todos os padrões existentes, além de, quem sabe, a
criação de um padrão brasileiro.
A tecnologia caminha de maneira muito rápida. Com a invenção de players cada vez
menores, onde o usuário escolhe o que quer ouvir e o quer descartar, o mercado deve ficar
atento em como vai ser possível continuar sustentando as emissoras de rádio.
Nas rádios AM, a figura do comunicador ainda é importante, até pelo perfil da maioria
dos ouvintes dessa freqüência, mas esse tipo de ouvinte ainda não teria condições, hoje, de
comprar um novo receptor. Os preços ainda estão fora da realidade do nosso país.
Já nas rádios FM, a figura do comunicador, que serviria para interagir com o jovem
ouvinte, se torna cada vez mais desnecessária, já que o mundo virtual promove essa
interatividade através de páginas de relacionamento, programas de bate papo e fóruns de
discussão. Cada vez mais o celular (que quase não é mais chamado de telefone) vai ser capaz
de executar mais e mais funções.
A criação de um padrão digital vai exigir que tanto os ouvintes quanto as emissoras
invistam em novos aparelhos para que essa transmissão se torne possível, além do que,
dependendo do padrão que for adotado, o alcance pode ser reduzido.
Rádios comunitárias e de médio e pequeno portes tendem a sumir do dial ou se
transformarem em rádios de internet, ratificando a idéia da convergência.
Da forma que o processo vem sendo dirigido, o número de emissoras tende, portanto,
a diminuir, pois somente as emissoras de grande porte terão plenas condições de adaptação
dentro da nossa realidade econômica.
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A convergência já está se transformando em realidade. Hoje, em aparelhos celulares,
já é possível escutar rádios em FM, rádios online ou ainda baixar apenas as músicas que se
quer ouvir, tudo através da internet e este talvez seja o futuro da informação digital em nosso
país.
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REFERÊNCIAS
Bibliográficas
FERRARETTO, Luiz Artur. Rádio: o veículo, a história e a técnica. Porto Alegre: Editora
Sagra Luzzatto, 2001.
MANSUR, Fernando. No ar, o sucesso da Cidade: a que pegou todo mundo de surpresa.
Rio de Janeiro: Editora JB. 1984.
MOREIRA, Sônia Virgínia. O rádio no Brasil. Rio de Janeiro: Mil Palavras, 2000.
VIANA, Gustavo. Mercado publicitário aposta no “renascimento” do rádio. Gazeta
Mercantil, São Paulo: 21 nov. 2007, p. C4
Eletrônicas
O JORNAL DOS QUE NÃO SABEM LER. Balaio de Notícias, Sergipe. Disponível em:
http://www.sergipe.com.br/balaiodenoticias/reportagema76.htm. Acesso em 14 set. 2007.
UMA BREVE HISTÓRIA DO RÁDIO AM NO BRASIL. Sindicato dos Trabalhadores em
Empresas de Radiodifusão e Televisão no Estado de São Paulo, São Paulo. Disponível em:
http://www.radialistasp.org.br/hist_radio.htm. Acesso em: 16 out, 2007.
RÁDIO DIGITAL ESTRÉIA DOMINGO NO BRASIL. Terra Tecnologia. Disponível em:
http://tecnologia.terra.com.br/interna/0,,OI678704-EI4799,00.html. Acesso em: 16 out. 2007.
28
RÁDIO DIGITAL. Wireless BR. Disponível em:
http://www.wirelessbrasil.org/wirelessbr/index.php?option=com_content&task=category&sec
tionid=24&id=66&Itemid=105. Acesso em 28 out. 2007
BRASIL PODE TER DOIS PADRÕES PARA O RÁDIO DIGITAL. Folha Online.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u305899.shtml. Acesso em
29 nov. 2007
ANATEL NÃO DEFINE PADRÃO DE RÁDIO DIGITAL. Info Online. Disponível em:
http://info.abril.com.br/aberto/infonews/082007/28082007-1.shl. Acesso em 02 dez. 2007
PADRÃO AMERICANO DE RÁDIO DIGITAL PODE PREJUDICAR INDÚSTRIA
ELETRÔNICA BRASILEIRA, AVALIA ASSOCIAÇÃO. Agência Brasil. Disponível em:
http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/09/12/materia.2007-09-12.7939525030/view.
Acesso em 03 dez. 2007
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ANEXO
30
COMPARAÇÃO ENTRE OS PADRÕES
Padrões Codificação de Áudio Tec. de
Modulação Faixa de Freqüência Interatividade Utilização atual
IBOC HDC (Proprietário) OFDM AM – 530 - 1.600 KHz FM - 87.5 - 108.0 MHz
Suporta Estados Unidos
DAB MPEG-1 e MPEG-2 COFDM 30MHz a 3GHz Banda
(I,II,III e L) Suporta
Europa, Ásia, Canadá
DRM Mpeg4 CELP, Mpeg4
ACC e HVXC OFDM Abaixo de 30 MHz Suporta Europa e África
ISDB-T MPEG-2 ACC COFDM 189-192MHz e 2,535 a
2,655 GHz Suporta Japão
Fonte:
http://www.midiacom.uff.br/~debora/fsmm/trab-2006-1/apres_radiodig.pdf – página 21