ÕES SOBRE OS NTROLE DA ARIEDADE

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Ido M oreira Neto

ÕES SOBRE OS NTROLE DA ARIEDADE

O R AN S E

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LEGITIM IDADEE

DISCRICIO N ARIEDAD E

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DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO

LEGITIMIDADEE

DISCRICIONARIEDADENovas Reflexões sobre os Limites e

Controle da Discricionariedade

Obra premiada em primeiro lugar pela Ordem dos Advogados do Brasil-RJ -

"Prêmio José Ribeiro de Castro Filho".

3a Edição(Revista e Atualizada)

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I a edição -1989 2a edição -1991 3a edição -1998

© CopyrightDiogo de Figueiredo Moreira Neto

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Moreira Neto, Diogo de FigueiredoM839L Legitimidade e discricionariedade: novas reflexões sobre os

limites e controle da discricionariedade / Diogo de Figueiredo Moreira Neto. - Rio de Janeiro. Forense, 1998

Bibliografia.índice."Obra premiada em 1“ lugar pela Ordem dos Advogados do

Brasil, Seção do Rio de Janeiro - Prêmio José Ribeiro de Castro Filho."1. Legitimidade - Brasil. 2. Discricionariedade - Brasil I. Título. II.

Título: Novas reflexões sobre os limites e controle da discricionariedade.CDU - 342(81)

89-0156 CDU-35(81)

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Estudo em homenagem a MIGUEL SEABRA FAGUNDES

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SUMÁRIO

Ihbhografia do A u l o r ............................................................................................ IX.1l»ím/?fiíra$ e Siglas Usadas ................................................................................ XIV w ffín o .................................................................................................................. XIIINota Introdutória à l a Edição ............................................................................... XVNolu Introdutória à 3a E dição ............................................................................... XVII

C apítulo I - Introdução e justificação do te m a ............................................ 1( apítulo II - Legalidade e legitimidade......................................................... 5Capitulo III - O interesse p ú b lico ................................................................... 11Capítulo IV- Liberdade e poder estatal......................................................... 17( apítulo V - Legitimidade como dever legal ............................................ 25( apítulo VI - Sobre a natureza da discricionariedade ............................ 31( apítulo VII - Discricionariedade e mérito do ato administrativo . . . 45Capítulo VIII - Limites à discricionariedade: realidade e razoabili-

d a d e ......................................................................................................... 49( apítulo IX - Limites de oportunidade à discricionariedade ................ 59

9.1. Existência do m o tiv o ......................................................................... 619.2. Suficiência do m otivo......................................................................... 639.3. Adequabilidade do motivo............................................................... 659.4. Compatibilidade do m o tiv o ............................................................ 669.5. Proporcionalidade do m o tiv o ......................................................... 69

('apítulo X - Limites de conveniência à discricionariedade................... 7110.1. Possibilidade do o b je to ................................................................... 7210.2. Conformidade do objeto ............................................................... 7410.3. Eficiência do objeto ......................................................................... 76

Capítulo XI - Controle judiciário da discricionariedade......................... 79

Suplemento............................................................................................................ 87Cronologia de Autores e O b r a s ...................................................................... 95índice Alfabético-Remissivo............................................................................ 99

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BIBLIOGRAFIA DO AUTOR

I Curso de Direito Administrativo, Ia ed., Rio de Janeiro, Ed. Borsoi, 1971-1972, 2 vols.: Io vol.: Parte Introdutória e Geral, 2o vol.: Parte Especial, Prefácio de Cândido Antônio Mendes de Almeida; 2a ed-, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1974 - com duas tiragens, Prefácio de Miguel Seabra Fagundes; 3a ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1976, revista, atualizada e aumentada; 4a ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1983, revista e atualizada, Prefácio de Paulo Bonavides; 7á ed., 1989, revista e atualizada; 8a ed., 1989; 9a ed., 1990; 10a ed., 1992; 11a ed., 1996 e 2a tiragem em 1997.

J Tribunais Administrativos para o Controle do Poder Público na República Federa­tiva do Brasil (Tese), Rio de Janeiro, Ed. Borsoi, 1971.

1 Introdução ao Direito Ecológico e ao Direito Urbanístico, 2a ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1975-1977.

4 Contencioso Administrativo, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1977.fi O Homem e a Política - Atitudes do Ponto de Vista do Poder, Rio de Janeiro, Ed.

Forense, 1987.fv Ordem Econômica e Desenvolvimento na Constituição de 1988, Rio de Janeiro,

Ed. Apec, 1989.7 Legitimidade e Discricionariedade, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1989 (obra

premiada pela Ordem dos Advogados do Brasil); 2a ed., 1991.8 O Regime jurídico Único dos Servidores Civis, Rio de Janeiro, Ed. Lumen Juris,

1990; 2a ed., 1991.9. Constituição e Revisão - Temas de Direito Político e Constitucional, Rio de Janeiro,

Ed. Forense, 1991.10. Direito da Participação Política, Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 1992.11. Teoria do Poder, São Paulo, Ed. Rev. dos Tribunais, 1993.12. Sociedade, Estado e Administração Pública, Prospectivas Visando ao Realinhamento

Constitucional Brasileiro, Rio de Janeirò, Ed. Topbooks, 1995, obra prefaciada por Roberto Campos.

13. Natureza Jurídica dos Serviços Sociais Autônomos, Brasília, SEBRAE, 1997.

Em co-autoria

1. O Município e o Direito Urbano, Rio de Janeiro, Ed. Instituto Brasileiro de Administração Municipal - Ibam, 1974.

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2. Direito Administrativo da Ordem Pública, I a ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1986; 2a ed„ 1987.

3. Constituição Brasileira - 1988 (Interpretações), Rio de Janeiro, Ed. Forense Universitária, 1988.

4. Constituição de 1988 - O Avanço do Retrocesso, Rio de Janeiro, Ed. Rio Fundo, 1990.

5. A Reengenharia do Estado Brasileiro, São Paulo, Ed. Rev. dos Tribunais, 1995.6. Direito Administrativo na Década de 90, Estudos Jurídicos em Homenagem ao

Professor José Cretella Júnior, São Paulo, Ed. Rev. dos Tribunais, 1997.7. Estudos em Homenagem do Professor Caio Tácito, Rio de Janeiro, Ed. Renovar,

1997.8. Desafios do Século XXI, São Paulo, Ed. Academia Internacional de Direito e

Economia, 1997.

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ABREVIATURAS E SIGLAS USADAS

,|h» abril•' H" agostot 1 ConfrontetllV dezembronl ediçãoINI Editoraj.»n janeiroli.l julhojuu junhom,u marçoM O V . novembron" númerol,p Clt. obra citadaout. outubro

p /pp- página/páginasSA Sociedade Anônimawgs- seguintes1 tomotir tiragemvol. volume

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PREFÁCIO

() livro de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, que ora reaparece em 3a nliij.to atualizada, nasceu, em seu texto original de 1989, premiado pela Ordem tl«i i Advogados do Brasil, como um marco expressivo na literatura jurídica uai ional.

0 capítulo suplementar, acrescido à atual reedição da obra, é um testemu­nho concreto e definitivo da evolução conceituai, tanto na doutrina como na jin imprudência, que, ratificando o indispensável acatamento ao elemento de dualidade na formação do ato administrativo, documenta a necessária correla­ção entre o conceito de legalidade e a razoabilidade, assim como a proporciona­lidade, dos motivos determinantes da decisão administrativa.

Não mais se justifica - como bem acentua o autor - a impenetrabilidade i Io exame do mérito do ato administrativo. Não é lícito esquecer, no diagnóstico da legalidade, que o administrador está subordinado ao precípuo interesse publico que fundamenta sua competência sempre vinculada a uma específica dcídmação, da qual não lhe é permitido desviar-se, sob pena de nulidade de sua manifestação.

Enriquecida com a comprovada demonstração da atualidade da tese, a monografia pioneira consolida sua posição de vanguarda na garantia da legiti­midade substancial da conduta da Administração Pública.

Ontem, como agora, trata-se de estudo de presença indispensável na exata (ompreensão da latitude do poder discricionário em sua convivência com os direitos e interesses dos administrados.

Caio Tácito

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() direito adquire vida quando é aplicado. A norma, produto da vontade, Kii.|ti,mto não vier a ser concretizada por nova manifestação de vontade, ainda mí»*i mto^ra o mundo dos fatos.

0 direito não é, portanto, uma coleção formal de preceitos, articulando-se Muni 'iistema de princípios, de normas e de costumes: mais que isso, é a sua umIiaiç.io histórica.

f assim como a música, que enquanto partitura é apenas notação musical v -.i íHi L i nao é música; somente quando o intérprete a transforma em sons é que* fi jitViHa a existir como realização artística.

1 Ima nova visão do direito parece alçar-se, neste fim de século, resgatando *<« t| momento aplicativo e marcando o ocaso do positivismo jurídico. Há uma oMlnlilaçâo do pragmatismo na preocupação com a finalidade e uma valoriza- ', »( > da axiologia na ênfase dada aos princípios.

I ssa revolução científica do direito coincide - e não fortuitamente - com .1 (cavaliação do Estado, fenômeno universalmente observado, marcando o >li ( limo do conceito do Estado hipertrofiado na política, o malogro do Estado* I* t hem estar social no direito político, a paralisia do keynesianismona economia «-1 » repudio ao paternalismo escravizante na sociologia.

ksse novo direito, mal ou bem, já nos chegou, com todos os seus desafios, na ( onstituição de 1988, presente nas exigências de legitimidade, de moralidade i' de eficiência da ação do Poder Público.

Pode-se criticar esse texto constitucional - e isso faz parte do jogo demo- »i iit ico e é até necessário para seu aperfeiçoamento - mas não se pode deixar de iiplic.i-lo, a pretexto de ser inservível ou confuso, ainda porque, sem que seus pieceitos se convertam em realidades do direito, não se poderá definir ultima- inente quais são os bons e quais os maus.

A Constituição do Brasil ainda está sendo feita: ao momento da vontade abstrata e geral das normas fundamentais deve suceder-se o momento da vontade concretizada: a hora em que atua o intérprete autorizado.

São, portanto, os legisladores ordinários, os administradores públicos e os jui/es, esses intérpretes constitucionalmente autorizados, cada um dentro de sua i ompetência, em oportunidades distintas, com um devido processo próprio e em prosecução de finalidades específicas.

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É nesse novo direito, todavia, que assoma com maior vulto o papel constitucional do juiz: não mais um frio e distante aplicador do direito posto nos textos, descomprometido com os valores e os fins que neles se insere, só aguar­dando a vontade que os vivifica, mas, precisamente, o intérprete que cumpre este papel.

Nesse novo direito, redefinem-se as relações entre a legitimidade e a legalidade e as zonas em que se imbricam e, à luz de valores como moralidade e eficiência, o Judiciário é convocado a dar a última palavra sobre a validade dos atos do Poder Público e a sopesar suas razões de agir.

É nesse novo direito, enfim, que a discricionariedade deixa de ser um homízio da imoralidade, um disfarce do abuso, uma escusa para a ineficiência e um pretexto para a demagogia.

Dessa nova discricionariedade, iluminada pelo novo direito, consentânea com a aplicação axiológica e teleologicamente orientada, é que se trata neste despretensioso ensaio.

O autor Julho de 1989

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Recém havia sido promulgada a Constituição de 1988 e ainda estavam vivos na memória os debates travados em torno do art. 44, do Segundo Substi­tutivo do Relator da Comissão de Sistematização do Projeto de Constituição, no qual se introduzia, em nível constitucional e de forma explícita, os princípios da legitimidade e da razoabilidade como parâmetros centrais de validade dos atos administrativos, quando veio à luz a primeira edição desta obra.

Devo confessar que o estímulo para publicá-la muito devo ao agraciamen- lo com o primeiro lugar do prêmio jurídico "José Ribeiro de Castro Filho", conferido pela Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio de Janeiro, láurea que à época indicava o interesse sobre o tema, bem como às instâncias de colegas da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, aos quais já havia apresen­tado num seminário interno essas idéias, ainda, na década de 80, muito polêmi­cas, gerando acirradas discussões. Todavia, a mais gratificante recompensa para o autor viria'pôsteriormente, com a certeza de ter servido de eventual instru­mento de propagação das técnicas de controle que inaugurariam uma nova etapa no tratamento da discricionariedade no Brasil.

Com efeito, vinculando a discricionariedade à legitimidade da ação do admi­nistrador público, para demonstrar que este, uma vez autorizado a atuar discri- cionariamente, só satisfaz o seu de~oerdeagir quando integra a vontade incompleta da lei para atingir a finalidade nela explícita ou implicitamente contida, dois objetivos então visados foram plenamente atingidos: primeiro, demonstrar que a discricionariedade não era fenômeno exclusivo do Direito Administrativo mas, um instituto juspolítico, em que se fundem e se harmonizam aspectos jurídicos, políticos e técnicos, e, em segundo lugar, contribuir para desmitificar a histórica intangíbilidade do que convencionalmente se denominava de "poder discricio­nário".

Embora metaforicamente se possa falar em "poder discricionário", vem prevalecendo uma percepção da discricionariedade como certa qualidade do poder-dever do agentepitblico, caracterizada pela possibilidade de integrara vontade da lei nos limites e nas condições por ela estabelecidas.

Ainda à época desses acontecimentos, embora a doutrina européia já houvesse caminhado a passos largos no tratamento dessas novas teorias sobre a discricionariedade, havia no Brasil aberta resistência à sindicabiiidade dos

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motivos, bem como à aplicação dos princípios da realidade e da razoabilidade como limites jurídicos impostos ao administrador. Também durante a década de 80, alguns autores nacionais ainda preferiam superar o problema do controle da discricionariedade com uma ampliação da teoria dos conceitos jurídicos indeterminados, defendendo uma forçada identidade entre ambas, hoje não mais suportada por administrativistas de renome.

Assim é que a apresentação do tema de modo sistemático, em forma de monografia, a que se acresceu a oportunidade do tratamento da matéria, contri­buíram para que a primeira edição, de 1989, logo se esgotasse e uma nova surgisse, em 1991, apenas com pequenas alterações, indicando o interesse que as "reflexões sobre os limites e o controle da discricionariedade" haviam suscitado e a força dessas novas idéias, muito mais além do que se poderia então prever, com a comunidade acadêmica jusadministrativa e as cortes judiciárias logo respondendo vigorosamente ao desafio e passando a produzir, ambas as fontes organizadas, doutrina e jurisprudência, no curso desta década, inúmeros estudos e decisões que alteraram radicalmente o tratamento da discricionariedade no Brasil.

É, pois, da produção dessa década, que se inaugura auspiciosamente com duas monografias, dos ilustres administrativistas Maria Sylvia Zanella di Pietro, Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988 (publicada em 1991 pela Editora Atlas) e Celso Antônio Bandeira de Mello, Discricionariedade Administra­tiva e Controle Jurísdicioml (publicada em 1992 por Malheiros Editores), que procurei sumariamente dar uma resenha com um Capítulo Suplementar.

Por fim, duas palavras de agradecimento, a dois Mestres de quem sou humilde devedor no mundo das idéias e no mundo da afeição: a Miguel Seabra Fagundes, pioneiro dos estudos do controle da Administração Pública, incenti- vador de meus trabalhos, prefaciador de meu Curso de Direito Administrativo e a quem dediquei esta monografia, e a Caio Tácito, autor inesgotável sobre o tema, responsável desde minhas primeiras leituras sobre discricionariedade (v. Direito Administrativo. 1975), até o trabalho de desbravamento que ultimamente vem fazendo sobre os limites da razoabilidade (v. "A Razoabilidade das Leis", in RDA, vol. 204; 1-7, abr.-jun. 1996), que prestimosamente me ajudou a ilustrar o Capítulo suplementar e de quem, por acréscimo, mereci um honroso Prefácio especial para esta 3a edição.

O autor.Teresópolis, inverno de 1997.

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INTRODUÇÃO E JUSTIFICAÇÃO DO TEMA

O aperfeiçoamento do Estado de Direito é tarefa permanente tle todos. Isto diz respeito, notadamente, à sua atuação enquanto

ulministrador: o campo do Direito Administrativo.Três temas transcendem ao se meditar sobre o aprimora-

tlento desse ramo jurídico que se aproxima de seu bicentenário: i alirmação do Direito Administrativo como um direito comumdo 1d ministrado em face do poder do Estado; a busca de novos e mais 'licientes meios de participação do administrado tio exercício do u)der do Estado e, quase como uma conseqüência, a pesquisa de Iislituiçoes e técnicas que aperfeiçoem a ação do administrado no uu I role do poder do Estado.

Escolhemos para versar o terceiro tema, retomando o sempre iludi e inesgotável problema da discricionariedade, a partir de iina aproximação juspolítica, isto é, valendo-nos de conhecimen- us c de métodos interdisciplinares para situá-la não apenas como im fenômeno interno do Direito Administrativo, nem mesmo da I eoria Geral do Direito, mas como um fenômeno que se situa na onfluência da Ciência do Direito com a Ciência Política.1

É Celso Antonio Bandeira de Mello que, em mais de uma oportunidade, tem indicado que o estudo da discricionariedade transcende, no seu enfoque científico, ao campo do Direito Administrativo (v. Revista da Procuradoria Geral do Estado da Bahia, n °7 ,1982-1983, p. 25, e Revista de Direito Publico, n1’ 32, nov.-dez. 1974, p. 19, item 7.)

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A partir dessa abordagem, propiciada pelos modernos avan­ços registrados nesses campos, acreditamos que se torna mais fácil e lógico sistematizar uma teoria da discricionariedade que possa atender mais amplamente ao desiderato de aperfeiçoamento das técnicas de controle do ato administrativo.

Mas a essa provocante motivação doutrinária veio somar-se outra mais, imediata e conjuntural, auspiciosamente sobrevinda no curso do processo de reconstitucionalização do Brasil: o trata­mento inovador e construtivo que os estudos e projetos constitu­cionais, desenvolvidos nos anos de 1987 e 1988, deram à admi­nistração pública.

Nos projetos produzidos destacou-se a inserção de princípi­os fundamentais do Direito Administrativo, tais como o da lega­lidade, da impessoabilidade, da moralidade e da publicidade que receberam, assim, um assento sistemático do mais alto nível nor­mativo (art. 37 da Constituição), além de uma geral preocupação com a afirmação da legitimidade da ação estatal.2

Outra importante inovação consistiu em elevar a motivação a condição geral de validade dos atos administrativos, instrumen- tando a aplicação dos princípios substantivos (art. 93, X, da Cons­tituição).

2 Quando este trabalho começou a ser elaborado, a Assembléia Nacional Constituinte discutia, em nível de sua Comissão de Sistematização, o Segundo Substitutivo do Relator do Projeto de Constituição (outubro de 1987), no qual esse tratamento ocupava toda a Seção I, do Capítulo VII, do Título III, "Da Organização do Estado", com um único art. 44, e 14 parágrafos. Assim se lia o caput, a que nos referimos; „"Art. 44 - A administração pública, direta ou indireta, de qualquer dos Poderes, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoabilidade, moralidade e publicidade, exigindo-se, como condição de validade dos atos administrativos, a motivação suficiente e, como requisito de sua legitimidade, a razoabilidade".Em sua redação final o dispositivo, renumerado como art. 37, omitiu as menções à motivação, à legitimidade e à razoabilidade. A legitimidade permaneceu, porém, explicitada no caput do art. 70.

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Acresceu-se, portanto, um interesse imediato e prático em ver­sar os temas propostos - legitimidade e discricionariedade - na expectativa da ampliação em curso dos horizontes técnico-jurídi- i os do controle da administração pública no País e do desenvol­vimento de novas doutrinas a respeito.

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LEGALIDADE E LEGITIMIDADE

A definição do Estado como Democrático e de Direito (art. I o d,i Constituição) pressupõe o reconhecimento de duas distintas ordens de referência ética: a ético-política e a ético-jurídica.

À ordenjetico-polítTcã^oorresponde o conceito de legitimidade r á ordem ático-jurídica), o conceito da legalidade, tal como serão Iratados no presente trabalho.

Ambas as ordens, porém, nada mais representam que disposi­ções estáveis do poder na sociedade; uma ordem legitimada pela estabilização do poder em tomo de valores consensualmente aceitos e uma ordem legalizada pela estabilização do poder positivado em normas coativamente impostas.

Essa abordagem integrada só se tornou possível após meio século de ponderáveis contribuições científicas que realizaram a aproximação e a inter-relação das disciplinas sociais, especial­mente da Política e do Direito, graças à afirmação do poder como categoria fundamental a ambas.1

Embora a legalidade seja a qualidade do produto do poder para o Direito e a legitimidade, a qualidade do produto do poder

1 Miguel Reale sintetiza essa relação temária mostrando que "o problema do poder é o essencial, não só por dependerem dele todos os demais, mas também por ser visto como elemento de instauração do direito, quer pela transformação do antigo, quer pela introdução de novas normas nos sistemas legais vigentes". ("Pluralismo e Liberdade", XIII - O Poder m Democracia, São Paulo, Ed. Saraiva, 1963, p. 208).

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para a Política, e não obstante o alto interesse sempre despertado entre sociólogos políticos, juristas e cientistas políticos, a sistema- tização integrada desses dois temas ainda aguarda um tratamento satisfatório/ apesar de alguns trabalhos clássicos2 3 e modernos4 5 disponíveis.

No Brasil, pelo ineditismo e pelo culto e elegante tratamento dado ao tema, é de justiça destacar a contribuição dejosé Eduardo Faria, iluminada por uma visão política da mais pura inspiração democrática."6

Historicamente, as duas ordens têm aparecido confundidas e raramente distinguidas. O Direito Romano e o intermédio igno­raram a distinção; somente no século XVIII, ela ganhou importân­cia, com os debates pós-revolucionários sobre a legitimidade da monarquia francesa.

Mas apenas em 1922 é que a Sociologia pôs em evidência a ordem legítima, pela pena genial de Max Weber, conceituando-a como um consenso geral sobre sua própria validade.7 Segundo Weber, essa legitimidade pode ser garantida de várias maneiras

2 Paulo Bonavides também registra essa singularidade em seu Ciência Política (6a ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1986, p. 126).

3 Entre os clássicos devemos mencionar a abordagem sociológica de Max Weber (Wirtschaft and Gesellschaft, 1922, ampliada em 1925.), a jurídica, de Carl Schmitt (Legalitãt and Legitimitdt, 1932) e a primeira abordagem cratológica, de Guglielmo Ferrero (The Principies o f Power, 1942).

4 Das abordagens modernas podemos destacar a de Georges Burdeau ('Traité, 1949-1956; Droit Constitutionnel et Institutions Politicjues, 1966, e La Democratie, 1970), Norberto Bobbio (Sur le Príncipe de Légitimité, 1967) e Alessandro Passerin D'Entrèves (Légalité e Légitimité, 1967) - essas duas últimas obras citadas, constantes do vol. 7 dos Annales de Philosophie Poíiticfue, Paris, PUF, 1967, entre outros trabalhos sobre o tema.«.

5 JoséEduardo Faria, Poder e Ilegitimidade - Uma Introdução à Política do Direito, São Paulo, Ed. Perspectiva, 1978.

6 Instigado pelo tema, com parca bibliografia em língua portuguesa, fiz publicar, em 1992, o livro Teoria do Poder, pela Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, como Primeira Parte de um Sistema de Direito Político, ainda em elaboração.

7 Wirtschaft and Gesellschaft.

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* l<issí ficando-as, assim, em garantias subjetivas, com fundamen- emocionais, racionais ou religiosos, e garantias objetivas,

Mpoiadas na convenção ou na lei.8 Estava estabelecida a conexão ‘•ulrc os dois conceitos: a legalidade seria uma legitimidade objeti- f'ininmte garantida, idéia que, quando foi expressa, era original, multidisciplinarmente inovadora e decretava a obsolescência de Iodas as teorias que confundiam ou identificavam os dois i nnceitos, mormente a visão do positivismo jurídico, do qual Carl Vhmitt foi o mais preeminente epígono.9

Recentemente, Norberto Bobbio burilou o conceito weberia- Ho de ordem com uma arguta investigação do dinamismo das telações entre as duas ordens, observando que nenhuma delas é estática em relação aos fatos sociais e, muito menos, entre si.10 11 1 lestaca, daí, o papel do consenso, como técnica social, imprescin- dível à dinâmica política (da legitimidade), para objetivar-se numa dinâmica jurídica (da legalidade) capaz de "maximizar as potencialidades de um sistema político, possibilitando o equilí­brio, evitando o clima de tensão e garantindo o respeito e o ajustamento dos valores que correspondem, no sentimento cole­tivo, à aspiração de justiça" .u

A conclusão, que se impõe, é que os sistemas juspolíticos de alto consenso maximizam a legitimidade e podem funcionar com baixo nível de coerção, enquanto que os sistemas jurídicos de baixo consenso maximizam a legalidade e necessitam funcionar com alto nível de coerção.

Mas um sistema juspolítico, como qualquer outro sistema, vale em função de sua eficiência, isto é, na medida em que satisfaça

8 Max Weber, On Law, Economy and Society, New York, Ed. Simon and Schuster, 1954, Seção 6, p. 5.

9 Cf. Doutrina da Constituição, Perspectiva Histórica da Filosofia do Direito e Legalidade e Legitimidade. Não obstante, Schmitt considerava que Weber teria construído uma doutrina positivista da legitimidade (cf. José Eduardo Faria, op. cit., p. 91).

10 Norberto Bobbio, op. cit., pp. 59-60.11 José Eduardo Faria, op. cit., p. 112.

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ao que dele se requer; tratando-se de um sistema cratológico, o que dele se exige, sob pena de colapso, é que seja eficiente em todo o cicio do poder: destinação, atribuição, distribuição, exercício, contenção e detenção.

A eficiência na destinação e na atribuição do poder, pela cap­tação correta do consenso originário, capaz de assegurar uma nomogênese estável em nível constitucional, quando do estabele­cimento dos fins do Estado em face dos da sociedade e da conse- qüente definição dos poderes que esta transfere àquele e, explícita ou implicitamente, dos que se reserva.

A eficiência na distribuição e no exercício do poder, pela cap­tação adequada do consenso corrente, necessário para garantir o desempenho estável dos Poderes estatais constituídos, em todas as suas modalidades.

A eficiência, enfim, na contenção e na detenção do poder, pela abertura da participação no exercício das funções estatais, de modo a possibilitar a constante retroalimentação consensual do sistema, destacando-se, de modo especial para nosso estudo, a eficiência do subsistema de controle dos atos do Poder Público.

A consideração da legitimidade nessa rica dinâmica juspolítica explica por que certos autores nela enfatizam o próprio fundamento do poder.12

A substância da legitimidade, coincidimos com José Eduardo Faria, está na axiologia que suporta um sistema juspolítico; o conjunto de valores que, aceitos, é capaz de gerar um onímodo poder social que, até certo ponto, poderá minimizar o exercício de sua expressão física - a força.13

12 É o caso de Georges Vedei, na sua Introduction aux Études Pohtiques, e de « / Maurice Duverger, em seu Droit Constitiitionnel et Institutwns Politiques,

apud Paulo Bonavides, op. cit., pp. 119-120.

13 Cf. op. cit., p. 121 ("Nesse sentido", diz o autor, "há até mesmo quem, como a própria Arendt", referindo-se a Hannah Arendt, autora de Crises .da República, "só veja poder onde há autoridade, de tal forma que sem esta última restaria apenas a força opressiva").

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Essa axiologia permeia, portanto, todo o sistema juspolítico; Mibjetivada na sua expressão de legitimidade e objetivada na de legalidade, ela age como sua coluna vertebral, dando-lhe coerên- « i , i e estabilidade em meio a forças sociais simultaneamente coe- •avas e dissociativas, conservadoras e revolucionárias, internas e i slernas que sobre ela atuam.

É nessa axiologia, portanto, que informa a legitimidade e a legalidade, que se haverá de buscar o conceito de interesse público, hmdamental ao desenvolvimento deste trabalho.

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Capítulo III

O INTERESSE PÚBLICO

O poder tem a vocação de servir ao interesse, objeto consci- i•(ilt* da vontade.

Em sua expressão individual, e mais simples, o interesse de i ada um tem como instrumento de sua satisfação o poder individu­al , Um interesse metaindiviâual, todavia, uma vez cometido pelo < Hdenamento jurídico ao Estado, caracteriza um interesse público, necessitando, para dar-lhe atendimento, de uma concentração i latológica adequada, por isso denominada de poder pitblico, ex- | >ressão que no seu sentido adjetivo é sinônima de competência e, no •.eu sentido substantivo, grafada com maiuscula, é o próprio Estado.

Legalidade e legitimidade convergem, necessariamente, pa­ia esse atendimento, detalhando e precisando, de várias formas e em vários níveis, o conteúdo do interesse público de uma socie­dade organizada.

Que o Estado se subordina, portanto, em sua ação, ao interesse público, resulta evidente. Há quem distinga, porém, duas categorias de interesse público: os referidos à sociedade e os atinentes ao próprio Estado, como entidade institucionalmente autônoma; en­tendemos, porém, que esses últimos não são mais que aspectos especiais e secundários de uma mesma natureza de interesses.1

I Rogério Guilherme Ehrharcit Soares, autor de uma erudita monografia sobre oassunto, nega a existência de tais interesses "próprios" da Administração, explicando-os como "parcelas e centros especiais de refração do interesse público primário", uma outra forma de apresentar a posição de que comungamos (in Interesse Público, Legalidade e Mérito, Coimbra, 1950, p. 86).

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Mas, para alcançarmos a confluência conceptual entre o inte­resse público e a discricionariedade, o que se constitui um dos ob­jetivos deste trabalho, devemos aprofundar o primeiro conceito.

Desde logo, o interesse público não deve ser entendido como um somatório de interesses individuais dos membros de uma sociedade. Os interesses individuais e os dos grupos devem ser satisfeitos, respectivamente, pelos indivíduos e pelos próprios grupos; transferi-los ao Estado se tem revelado, sempre e quando ocorreu, um erro histórico; criando, de um lado, uma entidade paternalista e demasiado poderosa e, de outro, uma sociedade dependente, desestimulada, acomodada e debilitada: sintomas de totalitarismo.

Entendemos que o interesse público, cujo atendimento se atribui ao Estado, é qualitativamente diferente do interesse individ u- al e, mesmo, do interesse coletivo dos grupos sociais secundários; não se trata de uma questão de grau de importância mas de sua própria natureza. Desde as primitivas formas de convivência comunitária, o homem descobriu que certos interesses indivi­duais poderiam ser melhormente atendidos se se conjugassem os esforços do grupo. Foi a consciência desse diferenciado interesse coletivo que determinou a evolução da comunidade em so­ciedade.2

A vida em grupos sociais organizados, por seu turno, fez brotar novas necessidades coletivas que, por sua vez, geraram novos interesses sociais, entre os quais o do controle da força (a vis absoluta do poder) e o da condução eficiente da sociedade. Havia necessidade de organizar e de disciplinar os processos do poder: sua concentração, sua destinação, sua atribuição, seu exercício, sua contenção e sua detenção. Estava rasgada a nova e larga estrada do desenvolvimento da Política e do Direito, como disci­plinas gêmeas do poder.

Empregando, aqui, a assentada terminologia de Ferdínand Tõnnies (Genieinshaft unã Gesellschaft), considerada por Miguel Reale como "dado adquirido pela sociologia contemporânea" (op. cit, p. 237).

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Á Política cabe a arte de interpretar os interesses da sociedade e 11»' i I legar a decisões capazes de satisfazê-los; ao Direito, a não menos »Itltc il arte de cristalizar em normas de observância geral e obrigatória a-- vivências sociais.

A captação política dos interesses da sociedade é imediata e• teime a legitimidade,3 enquanto a cristalização jurídica desses mli lesses é mediata e define a legalidade.4

Historicamente, a legitimidade precedeu a legalidade e, por a legitimidade foi ilegal e a legalidade foi ilegítima, numa

«•uilução secular, ora paralela, ora divergente e ora convergente,• i informe as épocas e as sociedades^ até que se fez sentir uma novíssima necessidade social: a deCçonciliá-IaS, pela submissão de inilos os processos políticos ao Direito. Com a consciência desse !i nula mental interesse foi possível estruturar-se uma organização I 'olilka submetida simultaneamente à le i - o Estado de Direito - e ao ui lei esse social prevalecente - o Estado Democrático - fundidos no t onecito constitucionalizado do Estado Democrático de Direito d

A submissão da ação política ao Direito trouxe, como ime­diata conseqíiência, a unificação dos interesses sociais politica­mente definidos e dos interesses sociais juridicamente definidos de nossa sociedade, surgindo o conceito do interesse público com a1* características que hoje conhecemos: interesses coletivos gerais ijiir a sociedade comete ao Estado para que ele os satisfaça, através de ação polüica juridicamente embasada ou através de ação jurídica politi- i omentejunâadad

I A legitimidade pressupõe, portanto, "a capacidade do sistema político para criar e manter a crença de que as instituições políticas existentes são as mais convenientes à sociedade", como se lê na repetida lição de Seymour Martin Lipset (Pohtical Man, New York, Ed. Duubledav, 1960, p. 46).

I A legalidade, entendida como na clássica lição de Cícero, "A Ação Conforme ã Lei" (Coniuncta cum Legibus - De Legibus, 111,1,2).

N Esta também uma proposta constitucional vitoriosa, definitória do Estado Brasileiro (art. 1° da Constituição).

ti A ação política juridicamente embasada é a dicção do Direito; a ação jurídica, politicamente fundada, é a execução administrativa ou judiciária do Direito.

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Em conseqüência, embora mantendo distintos canais e mo­dos de expressão - órgãos Legislativos, da Administração e do Judiciário - o interesse piiblico a que visam é sempre o mesmo.

Ainda que o Estado Democrático de Direito tenha resolvido tão bem a antinomia entre legitimidade e legalidade, esses dois padrões continuam a existir, com funções muito claras, no novo continuum juspolítico: o interesse público, antes ou depois de legislado, é sempre padrão de legitimidade, mas só o interesse pú­blico legislado alça-se a padrão de legalidade.

As dimensões são, portanto, bem distintas: a legitimidade é muito mais ampla que a legalidade, simplesmente porque é impossível, em qualquer sociedade, que a lei defina exaustivamente todas as hipóteses do interesse público.

Assim, por mais extensa, minudente e meticulosa que se expresse qualquer definição jurídica da legalidade, remanescerão sempre miríades de aspectos do interesse público não legislado que, não obstante, por serem legítimos, estarão pendentes de definições políticas derivadas integrativas que, de alguma forma admitida, deverão ser feitas por quem tenha competência e quando surgir a oportunidade e a conveniência de explicitá-las.

A constatação dessa formidável realidade cultural traz como imperiosa necessidade a permanente integração positiva da legitimi­dade na ação jurídica do Estado.

Ora, essa integração ocorre em todos os níveis de dicção e aplicação do Direito, desde o constitucional até o da mais modesta manifestação administrativa concreta. Por vezes, essa integração será normativa: a norma derivada virá integrar a legitimidade definida na norma originária. Por vezes, será concreta: o ato con­creto derivado integrará a legitimidade da norma originária que a vincula. Por vezes, ela será legislativa: a norma legal^derivada integrará a norma legal originária, como ocbrre nas leis infracons- titucionais em relação às suas matrizes constitucionais. Por vezes, será administrativa: a norma ou ato concreto da Administração virão integrar a legitimidade parcialmente definida na norma legal originária. Por vezes, ela será obrigatória: uma condição de exeqüibilidade da própria norma originária, como no caso das

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normas constitucionais que pendem de legislação infraconsti- ludonal ou das leis ordinárias, que dependem de regulamen- MÇiio. Por vezes, finalmente, poderá ser proibida: quando o legislador entender que a definição de legitimidade já por ele j «ositivada na norma é bastante e suficiente para a sua plena e fiel lAecução.

Confirma-se, destarte, que não existe liberdade em nenhum giaii de decisão política. Mesmo uma Assembléia Constituinte, I <or mais independente que seja, por mais inovadora que pretenda

por mais distante ou antagônica da sociedade à qual se proponha organizar e regrar, embora não esteja juridicamente vinculada, não pode ignorar por completo as vigências sociais emergentes como interesse público - está, portanto, jungida à legitimidade/

A partir da Lei Maior, as manifestações infraconstitucionais, de nível em nível, tornam-se cada vez mais vinculadas, tanto em lermos de legalidade quanto de legitimidade, com gradual re­dução do espaço decisório aberto a legisladores, administradores e julgadores.

Não existe, enfim, nem liberdade absoluta no continuum juspolítico, nem vinculação absoluta: todos os atos, por mais adstritos que fiquem a prévios condicionamentos de legalidade, lem sempre um resíduo de apreciabilidade em face do interesse publico/ Nenhum agente do poder estatal pode ou deve agir mecanicamente, com olímpica irresponsabilidade sobre as conse­quências dos seus atos: o resíduo de legitimidade poderá fazer a

/ O próprio Kelsen, em sua monolítica concepção pura do Direito, não pôde prescindir da “Ursprungsnorm" (Allgemeine Staatslehre, 1925, p. 249) como diretriz fundamental vinculativa da própria produção constitucional.

K "Convém, todavia, nunca perder de vista que o conceito de acto vinculado funciona na ciência do Direito Administrativo como um conceito limite e que a realidade desconhece uma situação de total vinculação administrativa" (R. G. Ehrhardt Soares, op. cit., p. 193). "Entendemos que, mesmo nos atos administrativos vinculados, existe uma parcela de merecimento, se bem que in potentia, não utilizável pela autoridade" (J. Cretella Jr., Tratado de Direito Administrativo, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1966, vol. II, p. 201).

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diferença entre o atendimento ou o desprezo do interesse público.910

Nesse continuum11 político-jurídico, enfim, há apenas grada­ções de definições de legitimidade e de legalidade. Das mais elevadas, amplas e abstratas manifestações até as mais chãs, estri­tas e concretas, a vinculação é permanente e inelutável; não fora isso, a política seria o exercício de puro arbítrio e o Direito, o manejo de pura lógica; ambas, proposições absolutas que não têm correspondência no universo das realidades. 9 10 11

9 Ainda em Cícero: "Salus populi suprema lex est" (De legibus, I, 3); ou no lapidar "Summun ius summa (saepe) iniuria" (De officis, 1, 10); ou, para não nos alongarmos, na eterna e elegante lição de Celsus: "Scire leges non est verba earum tenere, sed vim ac potestatem" (De legg., 1, 3).

10 No Direito Administrativo é conhecida a posição de Georges Vedei, para quem não há nem vinculação absoluta nem discricionariedade absoluta, com o que concordamos (v. Droit Administraiif, Ed. Presses Universitaires de France, 1975, p. 319).

11 Esse continuum juspolítico vem sugerido em vários autores como, por exemplo, J. Canasi (Derecho Administrativo, 1972, p. 310), com o mérito de diluir radicalismos dogmáticos e desfazer contradições, lão comuns quando se insiste na estanqueidade temática. Categorizações e classificações são métodos para trabalhar com os fenômenos e nào a própria expressão da realidade.Por esse motivo, desde Rudolf Smend e Hermann Heller "a problemática do Direito e do Estado transcende o puro método jurídico" (in Recaséns Siches, Pcnsamientos Jurídico dei Siglo XX, México, Ed. Porrúa, 1963,1.1, p. 249).

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Capítulo IV

LIBERDADE E PODER ESTATAL

Vem a pêlo, em consequência, examinar as condições de •tntonomia que tem o Estado, nas suas diversas manifestações de jnxter, para definir essas duas categorias do interesse público: a |('j> ítimidade, de modo imediato, e a legalidade, de modo mediato.

Vimos que o poder do Estado resulta da atribuição que lhe faz »i tiOciedade de multímodas expressões de poder por ela gerados, em sinergias associativas, no seu evolvimento histórico-cultural.

Essa atribuição concentrada de poder feita ao Estado tem cará­ter político, pois refere-se à organização e direção da sociedade,1 mas, eom o desenvolvimento e aperfeiçoamento da convivência organiza- dó, passou a ter também caráter jurídico, pois se o submeteu às próprias normas que produziu, daí advindo o Estado de Direito.1 2

1 Política, para alguns, refere-se ao Estado e, para outros, ao poder, mas há, praticamente, consenso que seu campo seja o governo da sociedade, a seleção de objetivos e de ações que hão de orientar e aplicar o poder coletivo, ou, nos termos de Davi d Easton, uma "alocação organizada de valores" (v. Uma Teoria de Análise Política, Ed. Labor, 1968, p. 45).

2 Norberto Bobbio resume magistralmente esta posição ao nos mostrar que uma das características mais indicativas e de geral aceitação nas modernas teorias do Estado é o "duplo e convergente processo de estabilização do Direito e de juridicização do Estado", que deu, como resultado, "a redução do Direito a Direito estatal (no sentido de que não existe outro ordenamento jurídico que aquele que se identifica com o ordenamento coativo do Estado) e, junto, a redução do Estado a Estado jurídico (no sentido de que não existe o Estado senão como ordenamento jurídico)" (v. Dizionario di Política, 2a ed., Ed. Utet, Torino, 1983, p. 334,2a coluna, nossa tradução).

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Em suma, considerando-se as duas características, o poder estatal tem natureza juspolüica.

Trata-se, primeiramente, de investigar se esse poder estatal, uma vez concentrado; atribuído e juridicizado, na expressão de Bobbio, admitirá, em tese, manifestação livre, ou, ao contrário, de alguma maneira estará vinculado a uma prévia definição de valor.

Outra vez, a adoção do método cratológico simplifica-nos extremamente o trabalho quando nos aponta a origem e as etapas de evolução do poder na sociedade. Partindo, como fizemos, do poder individual, sua expressão mais simples e originária, alcan­çamos suas modalidades coletivas e, destas, destacamos a que se caracteriza como poder estatald

O poder individual é uma expressão ativa da liberdade, en­tendida como atributo ôntico da pessoa humana. Suas criações gregárias, as coletividades organizadas, movem-se dentro de espaços que lhes são atribuídos precisamente pela combinação das manifestações dos indivíduos que as integram.

Assim, no sentido filosófico, somente se pode falar de liber­dade em relação ao homem e também esta é sua acepção semântica 3

3 O conceito de poder varia de autor a autor, mas podemos definir quatro elementos que se entrelaçam, em várias combinações, com certa regularidade o poder é uma relação (Carl Friedrich, Harold Lassvvell e Abraham Kaplan, L. Sanches Agesta, Robert Maclver, M. Justo López e Niklas Luhmann); o poder é projeção da vontade (Bertrand de Jouvenel, Benjamim Kidd, Arnold Brecht, Elmer Plieshke e Robert Bierstedt);o poder é uma capacidade de produzir efeitos (Marvin E. Olsen, T. Hobbes, Chinoy Ely, Rollo May, Jean Ladrière, Amitai Etzioni, J. Maritain, Robert Dahl e Karl Deutsch; e, o poder é, em última análise, a própria produção de efeitos (Bertrand Russell, J. Locke, Georges Balandier, Hans Morgenthau e Georges Burdcau). Com esses elementos - relação, vontade, capacidade e efeitos - é possível chegar-se a um conceito geral e multidisciplinar: "Poder é uma relação na qual a vontade tem capacidade de produzir os efeitos desejados"; e, a partir deste, o conceito sociológico: "Poder é uma relação social na qual a vontade tem capacidade de produzir os efeitos desejados"; e, tinalmente, derivar-se o conceito político: "Poder é uma relação social na qual a vontade tem capacidade de produzir os efeitos desejados sobre a direção dá sociedade".

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própria, encontrada como básica nos léxicos.4 A extensão do termo as coletividades e às suas personalizações jurídicas é, todavia, usual no discurso político e jurídico, embora produzindo a falsa impressão de que essas entidades gozam, efetivamente, de uma tuculdade própria de agir.5

Não obstante se reconheça essa utilização a cotio do termo "liberdade", conotado a entidades, personalizadas ou não, da vida social, como nas expressões "liberdade de um grupo", "de uma associação", "de uma empresa" ou "de um Estado", é de sublinhar-se que liberdade é, fundamentalmente, um atributo do poder individual originário, pois o poder coletivo, por ser derivado, já não age livre, mas vinculado àquelas manifestações originárias que o conformaram.

Existe, assim, no poder, uma interligação essencial entre sua existência e sua destinação. A nível individual, a destinação são os interesses pessoais, livremente definidos pela vontade. A nível coletivo, o poder se concentra para realizar uma destinação poli­ticamente definida, de interesses comuns.

No Estado, expressão máxima do coletivo, a concentração do poder está produzida e justificada pela destinação de atender a interesses coletivos definidos como interesses públicos. A atribuição de poder ao Estado é indissociável da destinação do poder do Estado.

,4 única justificação do poder do Estado e do seu exercício não pode ser outra que a sua destinação social no prosseguimento do interesse público. O exercício em contrário ou mesmo estranho a essa destinação será abuso ou desvio do poder a ele confiado.

Por isso, jamais há liberdade na ação do Estado, nem mesmo quando se organiza constitucionalmente, definindo-se a atribui­ção, destinação, exercício, contenção e detenção de poder. O signi­ficado dessa palavra, no uso extensivo que se lhe dá, por vezes,

4 V. Auréiio Buarque de Holanda, Novo Dicionário, I a ed., p. 835.5 Já estava em Florentinus a máxima que o sintetiza: "Libertas est naturalis

facultas eius, Cjuod cuiquefacere libet, nisi si tjiiid vi autiure prohibetur". (L. 4 pr. D. de statu. hom. 1, 5.)

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em expressões tais como "liberdade do Estado" ou "liberdade de um Poder do Estado", deve ser considerado, rigorosamente, no sentido político, como poder atribuído e, no sentido jurídico, como competência.

E aqui, em se tratando do Estado, chegamos a uma primeira conclusão parcial: como a cura e a procura do interesse público são sua razão de ser e justificação, sua capacidade de agir estará sempre vinculada a esse fim, ainda que, num sentido amplo ou figurado, haja alusão a “liberdade" no exercício de suas funções juspolíticas, como a legislação, a jurisdição e a administração.

Esse interesse público, tanto quanto o poder estatal que o serve, como vimos, tem raiz e justificação no atendimento das necessidades, anseios, valores, ideais e aspirações de qualquer sociedade organizada e que conformam seu lastro axiológico, mas são os homens que a compõem, em última análise, a fonte dessas necessidades, anseios, valores, ideais e aspirações, necessitando- se, assim, de canais de expressão para que emerjam: na legitimi­dade e na legalidade.

Na sociedade organizada com fundamento na liberdade de seus membros, uma sociedade democrática, a definição de quais interesses coletivos devam ascender à qualificação de interesse público só pode resultar da manifestação consensual, por unanimidade ou maioria.

Essa é a característica que define o Estado Democrático; já para a configuração do Estado de Direito faz-se mister que tanto as técnicas do consenso quanto as decisões definitórias do interesse público, consoante a elas tomadas, cristalizem-se em normas de observân­cia a todos obrigatória: indivíduos e suas criações coletivas, inclu­sive o próprio Estado - as normas jurídicas.

Há, portanto, estreita relação entre o interesse público e a norma jurídica: esta deve ser a definição estável daquele; um resultado da aceitação consensual e, por isso, de obrigatória observância.0

O interesse público está sempre incorporado à norma, na lição de Giannini {U’£ionc di Dintto Amministralivo, 1950, p. 80).

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Em conseqüência, no Estado Democrático de Direito, o inte­resse público será sempre vinculatório de qualquer manifestação do poder estatal, seja ele constitucional, legislativo, administrativo ou judiciário. De outra forma, estaríamos negando ou a Democra­cia ou o Direito. O que, impropriamente, se denomina de "liber­dade" da ação do Estado, quando se organiza constitucional­mente, quando legisla infraconstitucionalmente, quando admi­nistra ou quando exerce a jurisdição, nada mais são que modali­dades, mais lassas ou mais estritas, de uma única natureza de vinculação.7 8

Cumpre, agora, examinar a liberdade, no sentido comum e desrigoroso que sói encontrar-se em alguns escritos de Direito Público, também em referência às duas categorias defluentes do exposto: como atributo natural, ao homem, e como atribuição social, às entidades de sua criação.

Efetivamente, se se trata da esfera de atividade juridicamente livre, é necessário estabelecer-se a distinção basilar entre aquela que resulta de um exercício da liberdade conatural ao homem, seu inextricável atributo como pessoa, e aquela que decorre de uma atribuição que promana da ordem jurídica.

A primeira espécie não necessita mais que um reconhecimento pelo Direito, enquanto a segunda é uma criação técnica sua.s A primeira não requer outra justificação que a autonomia da vonta­de da pessoa humana, o gozo de seu atributo natural, a naturalis facultas, a que mencionava Florentinus; a segunda, resultando de um poder outorgado, não prescinde de justificação, pois, sendo o Direito uma expressão da vontade social, todos os poderes jurídicos

7 A própria soberania, vista sob esse enfoque cratológico, tampouco é um poder absoluto, como agudamente observa Miguel Reale, mas "O Poder de declarar em última instância a positividade do Direito" (in Pluralismo e Liberdade, op. cit., p. 221).

8 Aqui temos a clássica distinção entre o Diirfen, ou licere, e o Konnen, ou posse, desenvolvida por A. Thon em seu Rechtsnorm und Subjektives Recht (Weimar, 1878, pp. 154 e segs. e 292 e segs.), propondo a designação de gezmhrende Rechtsscitze às regras jurídicas "outorgativas", retomada por G. Jellinekno System der Sabkektiven Õffentlichen Rechte (Tübigen, 1905).

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devem atender a fins socialmente relevantes; toda atribuição social de poder pressupõe, portanto, uma prévia destinação social do poder.

Essa destinação, por ser jurídica, define validade jurídica do agir: o exercício da liberdade natural será válida desde que não exceda os limites da lei, enquanto que o exercício do poder outorgado tem sua validade duplamente vinculada: à lei, que o cria, e à finalidade, que o justifica.

O Estado, como qualquer instituição, só age em função de poderes que lhe são atribuídos. Na verdade, em última análise, a instituição é uma concentração de funções voltadas para certos fins.9 Nessa condição, os poderes que lhe são outorgados, além de vinculados à lei, estão vinculados ao interesse público, finalidade síntese do Estado.

O Kõnnen do Estado resulta de uma atribuição original de poder que lhe vem da sociedade e, por isso, o atendimento do interesse dela é sua suprema lei; vale dizer que a própria legali­dade se assenta na legitimidade.10 11

Ora, a Administração Pública, como modo derivado de atuar do Estado, pois pressupõe que a lei (lato sensu), modo originário, lhe atribua poderes (atribuições genéricas), pela Constituição, e competências específicas, pela lei (stricto sensu), está, em con- seqiiência, duplamente vinculada: à legalidade, que nada mais é que uma legitimidade positivada, e à legitimidade, naquilo que não foi ou não pôde ser positivado.11

9 A Sociologia Política deixa claro essa última relação, como se pode ler em Karl Mannheim: "Poderiamos ir adiante, e dizer que o poder se acha i nvestido na função. A metamorfose é também significativa porque assimila o início do processo mediante o qual se substitui o controle do homem pelo das instituições..." (Liberdade, Poder e Planificação Democrática, São Paulo, Ed. Mestre Jou, 1972, p. 73, nossos grifos).

10 Essa afirmação, é claro, refere-se ao Estado de Direito Democrático, aquele em que se reconhece a soberania do povo e se exige a legitimidade e a legalidade como princípios subordinativos do Poder do Estado.

11 "O certo é que :>e a Administração Pública está sujeita ao império da lei, o Km da atividade administrativa é a realização dos fins públicos e não do Direito", di/-nos Cino Vitta (m "Nozione degli Atti Amministrativi", in Cnm^nnlenza Italiana, 1906, IV, col. 191).

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É verdade que a transição do Estado burguês para o Estado- administrador, da qual a Itália foi seu principal cenário em termos de produção doutrinária, levou uma plêiade de excelentes admi- nistrativistas a buscar uma justificação jurídica para a ampliação dos poderes da Administração, pressionada politicamente a cobrir no­vas áreas e novas modalidades de atuação em prosseguimento do interesse público. Ressurgiram, assim, sob novas roupagens dou­trinárias, as teorias que reconheciam a autonomia da vontade da Administração, colocando-a praeter legem, livre desde que não violasse a lei, fincando sua justificação nas interpretações mais radicais da separação de poderes e, sem dúvida, entre seus defen­sores, a autoridade de Otto Mayer muito estimulou os juristas peninsulares,12 repercutindo, diga-se incidentalmente, até em obras de Direito Público no Brasil.

Por outro lado, é conhecida também a concepção clássica de Laun que distinguiu a objetividade (Objektivitãt) da representação do interesse (Interessenvertretung), em que a primeira é a posição de quem tem a intenção de afirmar objetivamente uma verdade, não importando as conseqüências, enquanto na segunda o que se quer é uma solução subjetivamente concebida para atender a interesses,13 14 daí a concepção do "arbítrio livre" (Das freie Ermessen) como uma escolha alternativa entre fins.11

12 "... apenas os tribunais estão obrigados a proceder segundo a lei, enquanto que a administração está colocada fora da lei, ou mais, acima da lei" (Venvaltungsrecht, 3a ed., 1924, II, § 5o, p. 69 nossa trad.). Na Itália essa posição está em O. Ranelletti (Principii di Diritto Amministrativo, 1912,1, p. 176). U. Forti (Lezioni di Diritto Amministrativo, 1926,1, pp. 10 e segs.), F. □'Alessio (Istituzioni di Diritto Amministrativo, 1932, pp. 1 e 16 e segs.), L. Raggi (Diritto Amministrativo, 1938, I, pp. 21 e segs.) e C. Vitta (Diritto Amministrativo, I, p. 13).

13 Rudolf von Laun, "Objektivitãt und Interessenvertretung", in Scritti giuridici in onorediF. Carnelntti, Ed. Cedam, Pãdua; 1950, vol. I, pp. 65 a 79.

14 A obra que recolhe a teoria desse autor sobre a liberdade da ação administrativa é Das Freie Ermessen und Seine Grenzen (Leipzig u. Wien, 1910).

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Essas posições são insustentáveis porque dissociam o fim público do legislador do fim público do administrador. Seriam dois “fins públicos", quiçá incompatíveis, e, ainda, dois Poderes disjuntivos a persegui-los... proposições que conflitam com a concepção de unidade cratológica do universo juspolítico, hoje dominante no direito Político. Essa unidade é que informa a integridade fundamental do Poder do Estado, a univocidade do interesse público a ele confiado e, em conseqüência, a inteireza desse contimmm legitimidade-legalidade, ao qual, como se expôs, a Administração está sempre duplamente vinculada, embora com relevâncias defasadas: imediatamente, para a legalidade e media- tamente, para a legitimidade.

Como agudamente observou Zanobini, “a lei não é, assim, para a Administração, uma vontade heterônoma: é a própria vontade do Estado, a sua própria vontade; não se trata, é certo, duma volição no sentido próprio, volição concreta e em ato, mas apenas duma volição preliminar".1' Essa volição preliminar vincula sempre a ação da Administração à volição derivada, tanto no seu conteúdo de legitimidade explícito na legalidade definida, quanto no conteúdo de legitimidade nela implícito.

is ( itado no excelente dissertação de doutoramento de Rogério Guilherme I 'hrhiirdt Soares, interesse Público, Legalidade e Mérito, Coimbra, 1955, p. 119.

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Capítulo V

LEGITIMIDADE COMO DEVER LEGAL

Assoma, a este ponto, a necessidade expositiva de precisar-se até que ponto o dever de atender ao interesse público é um dever legal. Em outros termos: como a legitimidade se torna um requisito legalmente exigível da ação administrativa pública e leva à invali­dade os atos que não atendam à finalidade que a expressa.

A legitimidade, embora cònceptualmente seja u n a-a conformidade do agir do Estado ao interesse público recolhido pelos instrumentos juspolíticos da democracia apresenta-se diferentemente, a cada nível de definição positiva, em relação à legalidade.

Para o constituinte, a quem cabe a nomogênese e, portanto, a positivação originária, sua percepção é apenas política, não resul­tando, da ilegitimidade de uma norma constitucional, nenhuma conseqüência a nível de legalidade.

Para o legislador ordinário, ao qual cabe produzir a primeira positivação derivada, sua percepção é parte jurídica, naquilo que a Constituição já a definiu, e parte política, no amplo campo de opções que lhe está aberto, resultando uma ilegalidade sempre que for violada direta ou indiretamente a norma constitucional (,Interessenvertretung, para Laun).

Para o juiz, ao qual cabe aplicar a lei para solucionar conflitos de interesses, a legitimidade está integralmente contida na lega­lidade; sua percepção é apenas jurídica (Objektivitãt, para Laun).

Para o administrador, por fim, ao qual cabe aplicar a lei para promover os interesses públicos confiados ao Estado, a legitimidade tanto poderá estar integralmente contida na legalidade, cabendo-

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lhe, tão-somente, praticar atos vinculados, como apenas parcial­mente nela contida, necessitando praticar atos em que lhe caberá fazer, abstrata ou concretamente, opções legítimas (Interessenvertre- tung, para Laun).

Especificamente, no tocante à Administração, dois autores clássicos, ambos italianos, dedicaram-se ao exame dessas indaga­ções com resultados diferentes. Resta1 defendeu que se a lei confia à Administração a dicção derivada do interesse público, o faz porque está melhor aparelhada para que possa defini-lo otima­mente in concretu: o dever da boa administração só pode levar à satisfação ótima do interesse público, o que supõe que todas as demais opções seriam inválidas. Alessi2 concebeu a vinculação com maior cautela, pois se o inimigo do bom é o ótimo, preferiu aceitar, como suficiente para validação do ato, uma correspondên­cia a "um grau mínimo de interesse público", a que chamou de "legitimidade substancial"; tornaremos a ambos quando exami­narmos os limites à discricionariedade.

Observe-se que, sempre, a intenção do agente administrativo é irrelevante; o que se pretende, não é julgar se há um "bom administrador", mas, objetivamente, se se dá uma "boa adminis­tração"; presume-se que o administrador público atuará com vistas à finalidade pública. Não se está no domínio da autonomia da vontade, mas no da competência, que só pode existir indissolu- velmente vinculada à finalidade pública.

Essa definição sucessiva de interesse público, a originária e a derivada, guardando sua unidade fenomenológica, parece ser a chave para a solução da continência recíproca da legitimidade na legalidade e da legalidade na legitimidade.

I Raffaele Resta, "L'Onere di Buona Amministrazione", in Scritti Giuridici in Onore di Santi Romano, 1940, vol. III, p. 128. "Buona amministrazione esprime im concetto finale: è Vattività amministrativa perfettamente adequa ta nel tempo e na mezzi al fine specifico da raggiungere" (item 14).

? Renatp Alessi, La Responsabilità delia Pubblica Amministrazione, vol. I, pp. 93 o sogs.

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O interesse público originário é a expressão do interesse geral ou do bem comum, como se o prefira, cuja satisfação é constitucio­nalmente cometida ao Estado, atribuindo-se-lhe os necessários poderes para tanto. O interesse público derivado é o definido de modo imediato pela legislação infraconstitucional e, de modo mediato, pela administração pública.

O legislador, portanto, é quem atende imediatamente ao bem comum, uma vez que faz a "prefiguração legislativa de parcelas desse interesse"; e o administrador é quem o atende media- tamente, pois necessita dessa prefiguração abstrata para orientá- lo na satisfação de um interesse público concreto.3

Fácil chegar-se à conclusão de que os pressupostos do ato legislativo (abstração de situações) são distintos dos pressupostos do ato administrativo (concreção intermediária ou final dos pres­supostos estabelecidos pelo legislador).

Ora, o relevo objetivo dos pressupostos estabelecidos pelo legislador na sua definição derivada do interesse público funcionará corno motivo do ato administrativo, vinculando-o por aí. Observe-se que essa colo­cação dispensa a aplicação da tão discutida teoria da causa no Direito Administrativo, ainda que na sua versão objetiva. Com efeito, parece-nos que aquela teoria, além de sua duvidosa aplica­bilidade ao Direito Público, dado seu suposto na autonomia da vontade, tornou-se desnecessária depois das construções sólidas, hoje existentes, enriquecendo a teoria dos motivos.

Entre nós, Cretella vai mais longe e nos ensina que "Não é possível separar de modo absoluto a causa do motivo, quando se trata do ato administrativo. A causa pode ser procurada no próprio fato gerador do ato ou em razões de alta relevância que inspiram os pronunciamentos da administração."4 Em resumo, se ela é causa ejficiens, é motivo; se é causafinalis, éfinalidade ("objetivo

3 V. R. G. Ehrhardt Soares, op. cit., pp. 149-150 (A nomenclatura do autor é um pouco diferente: distingue interesse público primário do secundário).

4 José Cretella Júnior, Tratado de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1966, vol. II, p. 182.

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interior do interesse público que o Estado se propõe a alcançar editando o ato").5 6

Ficamos, assim, com os motivos. Têm eles, ademais dessa excelência lógica, a vantagem de contar com a estruturação domi­nante na doutrina e até na legislação brasileira/ o que não é dado a ser desprezado para os que lidam profissionalmente com o Direito Administrativo.

A teoria da causa não responde, portanto, à preocupação de isolar objetivamente aqueles atos a que falta o atendimento ao interesse público, com vício de legitimidade, sem que importe a intenção do agente administrativo. Sua única utilidade parece ser, assim, nos casos de falseamento intencional do interesse público por parte do agente, o que a confundiría com a teoria do desvio do poder, também esta cumpridamente elaborada e firmemente assente sobre o elemento finalidade.7

A essa altura já se pode adiantar que a vinculação legal do ato administrativo ao interesse público envolve três dos seus tradicionais elementos: a finalidade, o motivo e o objeto.

Sempre que esgotada a sindicabilidade do motivo e a do objeto, passa-se à da satisfação da finalidade.

Ante o exposto, parece ter ficado claro que a legitimidade é definida pelos fins e, desde que tais fins estejam expressa ou implicitamente contidos na lei, torna-se possível traduzi-la em termos de legalidade e, assim, indiretamente, submetê-la a controle.

Podemos adiantar, portanto, que aquilo que o Judiciário pode controlar no ato discricionário não é, diretamente, a sua legitimidade, ou

5 Ibid., p. 182.6 Celso Antonio Bandeira de Mello entende que motivo apenas diz respeito

aos pressupostos de fato e não aos de direito. Sua posição vem bem exposta em artigo indispensável ao estudo da discricionariedade, defendendo a nomenclatura de seu ilustre pai e mestre, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, sobre a elementação do ato administrativo, inclusive da causa (m Revista de Direito Público, n° 33, jan.-mar. 1975, pp. 85 a 98 - "Discricio­nariedade Administrativa e Controle Judicial").

7 V. G. Vedei, Essai sur la Notion de Cause en Droit Administratif Français, pp. 270. 324 e 413.

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seja, não é o mérito do ato que a expressa, mas a sua legalidade, à qual estarão sempre vinculados todos os atos da Administração, expressada na finalidade.

Tomaremos ao tema ao final do trabalho, mas desde já recordamos que os autores não negam que a finalidade seja elemento inafastavelmente vinculado e, tampouco, que o Ju­diciário possa examinar qualquer ato da Administração à sua luz e, se viciado, invalidá-lo: isso posto, o controle indireto de legitimi­dade se reduz ao controle direto da finalidade.

Falta-nos, apenas, para fechar o tema, determinar, com precisão, qual a técnica jurídica mediante a qual se poderá definir a existência de um vício de finalidade, a partir da patologia da discricionariedade.

É que a discricionariedade é uma qualidade de poder de que está investida a Administração para atingir melhor ou mais precisamente a finalidade disposta na lei, o que define o mérito de sua ação; mas esse poder também é concomitantemente, um dever8 e, por isso, essa definição de mérito encontra limites na própria finalidade.

Assim posto, toda tarefa doutrinária voltada ao controle de finalidade se concentra em precisar esses limites, além dos quais não há uso da discricionariedade, mas seu abuso. Não se trata, portanto, de determinar qual a atuação ótima para atender ao interesse público, como defendem alguns autores, mas de identificar as que o desatendem por extravasar dos limites legais do seu exercício; esta é a tarefa a que, em seqiiência, nos propomos.

%

8 R. Resta defende, no seu artigo citado, que a diferença de obrigação (obbligo) para o ônus (onere) está em que a primeira visa à proteção de um interesse privado e o segundo, à proteção de um interesse público (op. cit., p. 112).

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Capítulo VI

SOBRE A NATUREZA DA DISCRICIONARIEDADE

Chegamos, assim, aos umbrais desta selva selvaggia, não obs­tante abimdantemente trilhada.

Com alguns autores, entendemos que a discricionariedade não é um fenômeno confinado à ação do Estado enquanto admi­nistrador, mas se revela, também, enquanto legislador ou juiz; é uma técnica de integração jurídica: um tema que transcende o Direito Administrativo e interessa a todo o Direito Público.1

Ora, se toda e qualquer ação do Estado está, como examinamos> duplamente vinculada - à legitimidade, que é n interesse público não legislado, e à legalidade, que é o interesse público legislado - como situar-se a discricionariedade?

1 Parece convergir nesse sentido o Professor Celso Antonio Bandeira de Mello, a julgar de sua introdução a uma palestra pronunciada em Salvador, Bahia, num Ciclo de Conferências Jurídicas promovido pela Procuradoria Geral do Estado e pela Associação dos Procuradores do Estado da Bahia, publicada na Revista da Procuradoria Geral do Estado n° 7, 1982-1983, pp. 25 e segs. Queremos lembrar, também, que uma ponderável corrente de administrativistas, com dois ilustres mestres peninsulares, Constantino Mortati e Mássimo Severo Giannini, formando como chefs-de-file, vem ensinando que a discricionariedade escapa à esfera do Direito Adminis­trativo e deve ser tratada como um fenômeno da Teoria Geral do Direito e, mais precisamente, da teoria das fontes e da interpretação (v. Nuovissimo Digesto Italiano, verbete "Discrezionalità", V, 1.908 e segs., e II Potere Discrezionale delia Publica Amministrazione, Milão, 1939, p. 120).

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Se discricionariedade importa, mesmo etimologicamente, em opção, sobre que campo ela então recairá: sobre a legalidade ou sobre a legitimidade?

Essas questões, como se evidenciará, ficaram implicitamente respondidas nos itens anteriores desse trabalho, cabendo-nos, agora, fazer emergir os dados específicos que interessam à sua melhor dilucidação.

No sentido amplo, a discricionariedade é a possibilidade jurídica, criada por uma norma originária, para o exercício de uma definição integrativa do interesse público específico nela previsto, por uma nova norma ou ato concreto derivados.2'3

Nesse sentido, em vez de 'liberdade do legislador", "liberdade do poder regulamentar", "liberdade do poder jurisdicional",4 e até "liberdade do governo", deve-se preferir "discrição do legislador", "discrição regulamentar", "discrição jurisdicional" e, ainda, "dis­crição governamental", para exprimir a possibilidade jurídica do exercício de competências legais para integrar definições abstratas ou concretas do interesse público.

2 Esta posição é aparentemente kelseniana, na medida em que evoca a doutrina da formação do Direito por graus, de sorte que "poder discricionário e limitação legal coexistem necessariamente em todo ato" (v. Allgemeine Staatslehre, 1925, pp. 243 e 244), mas a aparência se dissipa quando observamos que as diferenças de gradação, para o grande mestre austríaco, seriam apenas quantitativas, ao passo que, como nós entendemos, as diferenças são também qualitativas em razão da dupla relatividade à legalidade e à legitimidade, conceito este que Kelsennão poderia aceitar, por princípio, no bojo de sua "teoria pura", que havia criado um fosso intransponível entre a Política e o Direito.

3 Voz discordante, registre-se, entre nós, é a de Walter Campaz (in Revista de Direito Público, n°s 47-48, jul.-dez. 1978, p. 34).

4 É a linguagem do excelente Michel D. Stassinopoulos, autor dos mais acatados e relembrados em matéria de discricionariedade por causa do meritório e exaustivo estudo que produziu, em 1954, no seu Tratado dos Atos Administrativos (v., especificamente, o Capítulo IV, §§ 23 e 24, "Traité des Actes Administratifs", Collection de ITnstitutTrançais d ’Athènes, Atenas, 1954, pp. 138 a 141).

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No sentido restrito, todavia, o Direito Administrativo toma o vocábulo para expressar apenas a possibilidade jurídica outorgada pelo legislador ao administrador para integrar a definição do interesse público específico previsto numa norma legal.5

Não obstante, qualquer que seja a extensão considerada, a natureza jurídica da discricionariedade é una e sua função técnica muito simples: integrar um ato abstrato no que seja necessário, em termos de interesse público, para que possa ser executado.

Em outros termos, é a condição de execução do interesse público insuficientemente definido numa lei.

Reunindo essas idéias, para o âmbito do Direito Administra­tivo, podemos oferecer o seguinte conceito:

Discricionariedade é a qualidade da competência cometida por lei à Administração Pública para definir, abstrata ou concretamente, o resí­duo de legitimidade necessário para integrar a definição de elementos essenciais à prática de atos de execução voltados ao atendimento de um interesse público específico.

A discricionariedade é, portanto, uma competência que é co­metida à Administração, em grau e modo que venham a ser indispensáveis para integrar a vontade da lei no atendimento de suas funções de executá-la concretamente.

A definição de resíduo de legitimidade indica, nesse conceito, que o exercício da discricionariedade tem a natureza material de uma opção política, sendo, portanto, um ato de criação e não de mera execução, pois nela ocorre também, ainda que de forma derivada, uma alocação autoritária de valores, o que satisfaz o conceito easto- niano de política. O ato de execução puro, este sim, dispensaria

5 ”11 résulte de ce qni précède que nous ne pouwns chercher le pouvoirdiscrétionnaire que dans la région de la fonciion exécutive", diz Stassinopoulos (op. cit., § 26, p. 144), mas essa afirmação não é mais que uma opção semântica, para reservar a palavra discricionário e suas cognatas à Administração, pois o autor, para negar que a discricionariedade exista fora dela, usa a expressão "liberlé" em relação ao Legislativo e ao Judiciário (op. cit., §§ 24 e 25, pp. 139 a 143) que, como vimos, não é rigorosamente exata, mas de qualquer forma seria ainda mais ampla do que "discrétionnaire”...

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qualquer opção, não necessitando mais que a identificação final de eventuais destinatários.

O campo formal da discricionariedade administrativa está contido no cometimento feito pela lei à Administração Pública, extremando as hipóteses, ainda que fascinantes, da discricio­nariedade no Legislativo e no Judiciário, que escapam ao objeto deste trabalho.

Segue, o conceito, explicando que essa opção de criação, aberta pela lei ao administrador público, é um elemento neces­sário para integrar a definição de todos os elementos essenciais à prática de um ato de execução, aludindo-se, implicitamente, aomotivo e ao objeto.

Na referência ao atendimento de um interesse público espe­cífico, enfatiza-se que esse dois elementos que devem ter seu conteúdo integrado pela Administração, o motivo e o objeto, carac­terizam uma definição derivada e particularizada do interesse público contido na definição originária e generalizada, presente, explícita ou implicitamente na lei. É por essa razão que a definição legal do interesse público deverá sempre existir em qualquer manifestação de vontade administrativa, seja no ato administra­tivo, seja no contrato ou seja no ato administrativo complexo, como um elemento juridicamente vinculado-, a finalidade. Como adiante se exporá, se a finalidade é sempre vinculada, tanto o motivo quanto o objeto é nela que encontrarão os seus limites. Em outros termos: a discricionariedade não pode ser exercida nem contra a finali­dade nem mesmo sem ela, mas, apenas, em favor dela.

Finalmente, esclareça-se, o interesse público, que é o caracteri- zador da finalidade, tanto poderá ser definido em sede administra­tiva de modo concreto como, se necessário, de modo abstrato, con­formando, neste caso, mais uma etapa intermediária para sua con­cretização casuística final, como um ato administrativo normativo.

Esse conceito juspolítico da discricionariedade supera as concei- tuações formuladas sob óptica exclusivamente jusadministrativa e esvazia os dissídios doutrinários situados apenas no campo dogmático da Disciplina. Ao apresentar-se a discricionariedade como um fenômeno que transcende o Direito Administrativo, as teorias “explicativas" de sua natureza jurídica que se fundavam

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em critérios setoriais deste Ramo, desconhecendo esse caráter juspolítico, reveiam-se insatisfatórias e tautológicas, como as que negam qualquer subordinação da discricionariedade às regras jurídicas,0 afirmando que a Administração nela atua como um poder juridicamente desvinculado. Existem, como esta, inúmeras outras teorias, tão bem levantadas e expostas pelo cuidadoso Michel Stassinopoulos/ como a da insindicabilidade, em que se confundem causa e efeito da discricionariedade; a que se funda na distinção entre atos declarativos e constitutivos, do mestre Otto Mayer, mas que nada explica; a da "escolha ", que consiste na opção entre várias maneiras de aplicar a lei; ou a doutrina dos "motivos", que neles vislumbra as situações materiais que, uma vez constatadas, justi­ficam, a cada vez, a aplicação da lei, cabendo, no caso da dis­cricionariedade, uma livre apreciação do administrador^ todas elas parciais, ao ignorarem o plano maior do Direito Público, a nosso ver, a moldura dentro da qual a discricionariedade deve ser considerada, quando não são apenas redundantes ou apelam para a existência de um "poder excepcional" atribuído à Administração." 6 7 8 9

6 Como Miguel S. Marienhoff (Tratado de Derecho Administrativo, Ed. Abeledo-Perrot, 1965, vol. I, pp. 99-100).

7 Traité des Ades Administratifs, op. cit., § 32, III - Le Critère du Pouvoir Discrétionnaire, pp. 157 a 160.

8 Vale a pena ler, a respeito, o artigo "Discricionariedade", de Walter Carnpaz, no qual, pacientemente, examina essas teorias históricas e apresenta o benefício de sua crítica (in Revista de Direito Público n°s 47-48, jul.-dez. 197S, pp. 28 a 37).

9 Parece-nos acertada, portanto, a visão de Celso Antonio Bandeira de Mello, dos poucos que conhecemos que se alteou sobre os horizontes da disciplina para criticar "os mestres merecedores do maior respeito" que falam em poder discricionário como algo intrínseco à própria Administração, como algo que promanaria naturalmente dela. Para mim, em função da própria declaração que constantemente se fez, a discricionariedade nada mais é senão o resíduo de liberdade decisória que resulta de uma forma de legislar sobre certa matéria (in Revista de Direito Público nú 33, jan.-mar. 1975, p. 89). Se se há que falar em "poder discricionário", acrescente-se a essas excelentes colocações, ele só pode ser considerado como uma modalidade, uma maneira de ser ou uma qualidade, enfim, do próprio Poder Estatal e jamais como uma espécie de "atributo" do Poder Executivo.

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Basta ler-se a digressão de um jurista do porte de Victor Nunes Leal, negando a existência do ato discricionário e afirman­do, por outro lado, o poder discricionário, para se constatar que, durante muitos anos, o tema da discricionariedade parecia fechar- se em si mesmo, qual círculo vicioso, ora afirmando-se que pri­meiro existia o poder, depois o ato ou vice-versa, ora negando-se a ambos e apresentando como única realidade a atividade discricio­nária.10 11

Para nós, o tema da discricionariedade, descendendo, como o fazemos, de considerações de Direito Político, abarca, indistin- tamente, toda uma seqüência: poder discricionário" enquanto modo de atuar do poder estatal;12 atividade discricionária, enquanto fun­ção estatal, expressão dinâmica desse poder; e ato discricionário, resultado qualificado do exercício dessa função.13

10 Cf. "Poder Discricionário e Ação Arbitrária da Administração", in Problemas cie Direito Público, 1960.

11 Como na clássica definição de Michoud, citada por Caio Tácito: "II y a pouvoir discrélionnaire toutes les fois quune autorité agit librement, sans que la conâuite à tenir lui soit dictée à Vavance par una règle de droit" (Direito Administrativo, 1975, Ed. Saraiva, p. 65). Observe-se, en passant, que não se trata de um conceito limitado de poder discricionário administrativo.

12 "11 termine 'discrezionalità' compreende tanto il 'potere' discrezionale, quanto 1'attività' discrezionale e l'atto' discrezionale: cioé i tre momenti distinti, ma necessariamente legati fra loro, dei processo che si svolge dal potere (inteso in uno dei sensi in cui il termine può venire adoperato, quale potenzialità conferita alia volontà di um soggetto di produrre con propri comportamenti mutamenti di situazionigiuridiche)eche, attraversolattività necessária al suoesplicarsi,giunge alVemanazione deli' attofinale con cui si concluãe." (C. Mortati, in Nuovissimo Digesto Italiano, Utet, Torino, 1957, vol. V, p. 1.099.)

13 "Nel caso dei potere discrezionale, se è vera la sua connessione necessária con una funzione e quindi con la legge di tale fnnzione, si deve ritenere che esso non sorga mai sulla base di una norma sulla produzione, dato che quella che lo istituisce ha un contenuto non già solamente organizzativo ma altresi materiale, contenendo, anche se solo implicitamente, la direttiva destinata a guidare 1'interprete nella formulazione delYintero precetto.” (C. Mortati, op. cit., p. 1.104).

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Sob essa óptica, a discricionariedade não é um recurso excepcional e derrogatório da vinculação, mas uma técnica ordinária, uma solução normal em face da impossibilidade de tudo se prever na letra da norma.

Pelo exercício da discricionariedade atende-se, simultanea­mente, à lei, pela fidelidade a seus comandos, e ao interesse público diretamente apercebido, pela sua concreção individuada, sem solução de continuidade e sem excepcionalidade derrogató- ria da legitimidade ou de legalidade, pois a lei é o interesse público cristalizado, como o interesse público é a razão de ser da lei, na observação de Cino Vitta (vide nota 11, cap. IV). A lei absorve o interesse público não por uma questão de moral, como propôs Hauriou, mas por uma questão de coerência.

A Administração, ao agir, tem na finalidade, que é o interesse público especificado na lei, um elemento reconhecidamente vinculado.u A legalidade aparece com o padrão legal positivado: a incorpora­ção da legitimidade pela lei, expressando o interesse público espe­cífico que deverá ser atendido quando de sua execução concreta.14 15

Aceito, assim, que o respeito à finalidade é matéria de legali­dade estrita, chega-se comodamente à conclusão de Caio Tácito

14 Respeitável, embora, a opinião de Celso Antonio Bandeira de Mello ("Discricionariedade - Fundamentos - Natureza e Limties", in Revista de Di­reito Público, n° 33, jan.-mar. 1975, p. 93), contrária à posição de que o ato administrativo está sempre vinculado ao fim, por considerar que não existe possibilidade de verificar-se a "concordância capilar entre uma dada situação e uma previsão normativa", ficamos com a maioria dos doutrinadores: a finalidade vincula e pode ser objeto de contrasteamento, pois ou ela virá explicitada na norma exeqüenda ou nela estará implícita, na própria regra de cómpetência. Ora, se a competência é sempre vinculada, podemos concluir que a finalidade, que lhe é xifópaga, também o será, pois à Administração só se atribui competência para perseguir interesses públicos definidos em lei. Em suma: ondejexiste competência, aí está sua finalidade.

15 Não é, porém, simplesmente dessa emanação social que nasce a obediência do administrador aos fins preestabelecidos. Esta obrigação jurídica resulta da incorporação desses fins à própria substância da lei, adquirindo, assim, executoriedade", preleciona Caio Tácito (op. cit., p. 72), demonstrando como ocorre essa vinculação, na sua clássica e tantas vezes citada exposição sobre o desvio de poder (grifo do autor).

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de que a discridonariedade não é , realmente, um "cheque em branco", mas tem limites, além dos quais sua ilegitimidade manifesta-se como ilegalidade. É o que se pretende demonstrar, estabelecendo as hipóteses em que o poder estatal a ser exercitado pela Administração pode ser abusado ou desviado ao arrepio do interesse público, cujo atendimento é sua própria justificação, a pretexto de manejo da discridonariedade.

A discridonariedade, afinal, ela própria, é uma competência e, portanto, um poder vinculado á finalidade que dita a sua existência.

Encerraremos este item com algumas considerações sobre o dever de boa administração implícito na discricionariedade. Elas serão úteis para melhor se entender, adiante, a teoria de limites que será proposta.16

A discricionariedade não pode ser plenamente compreen­dida em nossa proposta, como uma definição residual do interesse público, sem que se tenha em mente o dúplice dever do Estado de agir balizado pela legalidade e pela legitimidade.

A submissão genérica do Estado à lei é o postulado da legalidade, funcionando como um limite externo de sua atuação. O conceito mais resvaladio é o da submissão genérica do Estado ao interesse público, como um limite interno de sua atuação.

A metodologia usual do Direito Administrativo não encom- passa fenômenos dessa envergadura, daí os conceitos de discricio­nariedade girarem em tomo do conceito de mérito administrativo, até com ele os identificando, como são encontrados em manuais acadêmicos da disciplina. Uma abordagem mais ampla, referida ao Direito Político, todavia, auxilia sobremaneira a jorrar luz sobre essas áreas, a partir do conceito á e função estatal.

16 A necessidade de tal construção está exposta rigorosamente no seguinte parágrafo de Celso Antonio Bandeira de Mello: "Visto que não há como conceber nem como aprender racionalmente a noção de discricionariedade sem remissão lógica à existência de limites a ela, que defluem da lei e do sistema legal como um todo - salvante a hipótese de reduzi-la a mero arbítrio, negador de todos os postulados do Estado de Direito e do sistema positivo brasileiro - cumpre buscar os pontos que lhe demarcam a extensão." ("Discricionariedade Administrativa e Controle Judicial"", iti Revista de Direito Piíblico, n° 32, nov.-dez. 1974, p. 24).

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O Estado desenvolve inúmeras funções, maneiras de expres­sar o poder estatal; todas elas devem estar definidas elementar­mente na lei, uma submissão externa que se impõe a si próprio, e dirigidas inexoravelmente ao interesse público, uma submissão interna que se lhe é imposta pela sociedade a que deve servir.

É essa idéia de função, a nosso entender compreendendo a de competência em ação para atingir a um fim, que preside ao universo do Direito Político e, àeinde, ao Direito Administrativo.

Pelo fato de a função englobar competência e finalidade, ga­nha sobressalência o interesse público como limite interno de seu exercício, autorizando-nos a repetir, com Fagiolari, que os pode­res da Administração são comparáveis a poderes fiduciários.17 18

Odete Medauar registra que C. Mortati, Aldo Piras eM. S. Giannini acentuam a conexão entre discricionariedade e função, bem como, em M. Waline e R. Alessi, a relação entre discricionariedade e interesse público.1* Para Alessi, aliás, uma clara concepção de poder, numa relação funcional destinada à realização de interesses determinados.19

Releva, no caso, examinar a derivação dos preceitos no sistema institucional de três graus - constituição, legislação e administração - para determinar-lhes o alcance funcional e seus possíveis vícios.

17 "Le Giurisdizione di Mérito dei Consiglio di Stato", in 11 ConsigUo di Stato, Studi in occasionedei centenário, vol. 111, p. 15, mencionado por R. G. Ehrhardt Soares (op. cit., p. 177), que assim se expressa no mesmo trecho: "A compenetração do interesse público na causa do acto administrativo explica com clareza que possa dizer-se que o interesse público funciona como um limite interno da actividade administrativa e em que sentido deve entender-se esta limitação. É a mesma compenetração que permite qualificar a actividade administrativa como função, o que equivale a dizer, com Fagiolari, que os poderes da Administração se podem denominar poderes fiduciários."

18 "Poder Discricionário da Administração", in Revista dos Tribunais, ano 75, ago. 1986, vol. 610, p. 41.

19 "La seconda delle peculiarità delia posizione delta pubbhca amministrazione... si ricollega alia nozione stessa difinzione: funzione, como si è posto um rilievo, è ilpotere concepito in relazionealla realkzazionedi determinati interessi" (Sistema Istituzionaledel Diritto Amministrativo Italiano, 3'J ed., Milão, Giuffrè Editore, 1960, p. 197).

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O preceito constitucional que não atende ao "interesse" público é ilegítimo; padece de vício de legitimidade; é um mau preceito constitucional; revela um desempenho ilegítimo da função nomo- genética original.

O preceito legal que não atende à constituição é ilegal (no sentido amplo); padece de vício de inconstitucionalidade; revela o desempenho ilegal, no sentido lado, da função nomogenética derivada.

O ato administrativo que não atende à lei (no sentido amplo) é ilegal; padece de vício de legalidade; revela o desempenho ilegal, no sentido estrito, da função administrativa.

O ato administrativo que não atende ao " interesse" público, é ilegítimo; padece de vício de legitimidade; é má administração; revela um desempenho ilegítimo da função administrativa.

Em consequência, para a Administração, persiste o dúplice dever funcional: de legalidade e de boa administração. Em outros termos: ao lado do aspecto atributivo da função, que é o poder, deve conside­rar-se o seu indissociável aspecto limitativo, que é o dever.

Chegamos, assim, à configuração do dever da boa administração. A preocupação com este conceito, que abriu caminho às modernas teorias da discricionariedade e seus limites, muitas delas até recaindo em certos exageros,20 adensou-se no segundo quartel deste século, possivel­mente sob o acicate dos desdobramentos da ação administrativa do Estado nos períodos dos dois grandes conflitos mundiais, que determi­naram, como se sabe, forte concentração de poderes estatais.

20 Algumas, infelizmente, levadas ao extremo de liquidar com a discricionariedade, admitindo controles tão amplos que diluem todo o mérito na legalidade, movidos, embora, seus autores, pelo sadio intento de melhor curar dos interesses dos administrados (Cf. Lúcia Valle Figueiredo, "Discricionariedade: Poder ou Dever?", in Curso de Direito Administrativo, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1986, pp. 120 a 135, espec. 129-130). Não é, todavia, por aí: o que se necessita é uma nítida distinção entre discricionariedade e arbítrio, uma segura teoria de limites e não o derrubamento do que Nino Pappalardo denominou de "uma das pilastras fundamentais do nosso Direito Administrativo". ("In Tema di Invalità deli Atto Amministrativo per Vizi di Mérito", in Scritti giuridici in onore di Santi Roma?io, op. cit., p. 172.)

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A grande extensão dos "interesses" que passaram a ser pú­blicos e, por isso, cometidos à cura do Estado, multiplicou, em pouco tempo, o número de funções administrativas sem que houvesse um aperfeiçoamento, paralelo, dos mecanismos administrativos e judici­ários voltados à qualidade juspolítica dessas funções. De modo espe­cial, a ampliação do campo da discricionariedade, em termos quan­titativos, demandava o aperfeiçoamento doutrinário de seu conceito, com vistas ao estabelecimento de seus precisos limites e de novas técnicas para seu controle.

À hipertrofiado Estado, seguiu-se, como seria de se esperar, um geral e insopitado abuso da função administrativa. A pretexto de desenvolver uma administração "eficiente", o Estado freqüen- temente ultrapassava os limites, mal demarcados, da legalidade e da legitimidade, como se ambas fossem estranhas ou incompatí­veis em relação à eficiência.21

Assim é que, entre as doutrinas que despontaram para atender a essa necessidade teórica, veio à luz, em 1940, a de Raffaele Resta, sobre o ônus da boa administração, que, seguramente, abriu-nos amplas vias para as modernas reflexões sobre esses problemas/2

A própria expressão "boa administração" teve bastante divulgação, chegando mesmo a inspirar uma corrente que exige não apenas a boa mas a melhor administração.23 24'2'1

21 A "efidência" para o tecnocrata tem sentido mais restrito que a eíiriênria juspolítica: para aquele, basta o atingimento ótimo dos objetivos a que imediatamente se propõe o agir do Estado. Para o Direito e para a Política a efiriênda tem mais duas dimensões: a legalidade - conformar-se externa­mente à lei - e a legitimidade - atender intemamente ao interesse público.

22 Raffaele Resta, "L'Onere di Buona Amministrazione", in Scritti ginridici in onoredi Santi Romano, op. cit.

23 A obrigatoriedade da escolha ótima está desenvolvida por Tezner (Das freies Ermessen der Verwaltungsbehõrde, Viena, 1.888, pp. 63 e segs.).

24 Como o quer, entre nós, Sérgio Ferraz, ao que se depreende desta passagem: "Em face de quatro ou cinco hipóteses boas, há uma que é melhor sempre, e essa uma é a única que pode ser adotada, seja pelo administrador, seja pelo juiz" ("Instrumentos de Defesa dos Administrados", in Cursode Dirdto Administrativo, op. cit., p. 167).

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Sem que nos detenhamos sobre as proposições a respeito, parece-nos que existe hoje difundida aceitação, em tese, do con­ceito, embora com nuanças, pois alguns entendem que boa admi­nistração é sinônimo de ótima, enquanto outros se satisfazem com o possível, nas circunstâncias casuisticamente consideradas.

Qualquer que seja a posição relativa que se adote quanto ao dever da boa administração, o seu fundamento sempre há de se buscar no dever geral de atuação do Estado. A Administração, como órgão a que se atribui parcela do poder do Estado, tem o poder-dever de atuar, mas nisso não se esgota o conteúdo desse específico dever: é preciso que sua ação se volte concretamente à satisfação de um "interesse" público; seu dever de administrar não se cumpre cabalmente se não for entendido como um dever de bem administrar.

Ora, é precisamente para que a Administração seja concreta­mente boa, toda vez que a legislação não puder adrede definir, senão em abstrato, o que deverá ser o bom atendimento do ''inte­resse" público, é que existe a discricionariedade.

Se o legislador não estivesse convencido, como em certos casos não estará, de que o administrador pode acrescentar vanta­josamente à definição qualitativa da ação pública que vem na norma agendi, não teria sentido que abrisse espaço para o exercício da discricionariedade. E, pois, um artifício da legislação para que se alcance a boa administração.2̂ 25 26

25 "Como, porém, nos chamados actos vinculados o agente recebe a sua conduta inteiramente prefigurada pelo legislador, que na própria norma indica o conteúdo do acto, isto é, os meios que ele deve adequar ao interesse público proposto, parece que para estes actos o dever da boa administração se dissolvería para ficar em seu lugar apenas um dever de administração. O bom administrador seria o legislador" (R..G. Ehrhardt Soares, op. cit., p. 193), completa, ainda, este autor, o conceito, relativamente aos atos vinculados.

26 De uma certa forma, o raciocínio nos conduz a um outro ângulo para a explicação da discricionariedade: é uma técnica para que o Estado, em sucessivas definições, alcance um atendimento concreto satisfatório de um interesse público específico; uma explicação que contém uma justificação.

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O dever da boa administração, portanto, impõe-se como um princípio não escrito (porque se o fora, seria até gritantemente pleonástico) de que o Estado Democrático de Direito deve bem atender ao "interesse"' público, para cuja realização, enfim, existe. Os poderes do Estado, sejam quais forem, incluindo-se os necessários ao desempenho da função administrativa, estão política e juridica­mente vinculados, por definição, como postulado, à satisfação do "interesse" público, não parcial ou incompleta, mas plenamente.

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DISCRICIONARIEDADE E MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO

O mérito, entendido como atributo incidental do ato adminis­trativo, tem recebido tratamento fragmentário e pouco homogê­neo entre os escritores. Impressiona a diversidade de sua conotação à discricionariedade, ora confundindo-osf ora apresen­tando-os numa relação na qual o mérito aparece como causa do uso de faculdades discricionárias;1 2 ora como iter, o seu próprio uso;3 ora como efeito, o resultado do uso;4 ora um aspecto (ou aspectos) que, por isso, passa a assumir o ato.5

Todas essas apreciações, sem dúvida bem urdidas e intrigan­tes, podem conduzir a conclusões bastante divergentes sobre o mérito. Eis por que optamos, como método, pesquisar-lhe o con­teúdo antes de correlacioná-lo à discricionariedade, tal como já a temos conceituada.

Numa primeira aproximação, declaramo-nos totalmente em concordância com a doutrina que encontra no mérito o "sentido

1 A. Sandulli, in Mcinualle di Diritlo Amministrativo, 2a ed., 1954, p. 231, e G. Mieli, in Principii di Diritto Amministrativo, 1950,1, p. 40.

2 L. Meucci, in Istituzioni di Diritto Amministrativo, 1982, p. 76, e F. D'Alessio, in Istituzioni di Diritto Amministrativo Italiano, 4a ed., 1949, II, p. 438.

3 M. S. Giannini, in Lezioni di Diritto Amministrativo, 1950, p. 100.4 R. G. Ehrhardt Soares, op. cit, p. 212.5 G. Zanobini, in Corso di Diritto Amministrativo, 1939, p. 255 e M. Seabra

Fagundes (aspectos), in O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário, 6a ed., São Paulo, Ed. Saraiva, 1984, pp. 127 e 128, nota 124.

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político" da ação do Estado enquanto administrador, protagoni­zada pelos mestres Seabra Fagundes6 e José Cretella Jr.7

Ora, esse sentido político decorre da função de atender ao inte­resse público, para o desempenho da qual a Administração deve preencher uma definição específica incompletamente feita na lei. Trata-se, portanto, de uma integração administrativa da legitimidade.

Convencionou-se apelidar os vários aspectos definitórios deferidos pelo legislador ao administrador, de maneira sintética, de oportunidade e de conveniência da ação administrativa.8

Ora, se são essas definições, de conveniência e de oportuni­dade, que vão compor o mérito do ato administrativo, a discricio- nariedade exsurge como meio para que essa função possa ser exercida pela Administração.

Ao se compor os conceitos oferecidos, agora sob essa óptica instrumental, pode-se apresentar a discricionariedade como uma técnica desenvolvida para permitir que a ação administrativa defina com precisão suficiente um conteúdo de oportunidade e de conveniência que possa vir a constituir-se no mérito adequado e suficiente à satisfação de um interesse público específico, estabelecido na norma leal como finali­dade. 9

6 M. Seabra Fagundes, in O Controle, op. cit., p. 127, nos seguintes termos: ''O mérito está no sentido político do ato administrativo".

7 J. Cretella Jr., in Tratado de Direito Administrativo, op. cit., vol. II, p. 196, nos seguintes termos: "trata-se de matiz político do ato...".

8 Como exemplos, as colocações de A. Lentini, in Istituzioni di Diritto Amministrativo, 1939, vol. II, p. 81, e de L. Meucci, op. cit., ibid., para a doutrina estrangeira, e José Cretella Jr., op. cit., p. 198, para a nacional Hely Lopes Meirelles acrescenta eficiência e justiça ("Direito Administrativo Brasileiro", in Revistados Tribunais, 12a ed., São Paulo, 1986, p. 115), a nosso ver redundantemente, uma vez que ambas dependerão da oportunidade, avaliada em função dos motivos, e da convivência, em função do objeto, como adiante se exporá.

9 Para Odete Medauar também a "Essência do poder discricionário é a livre escolha de solução ou medida quanto à conveniência e oportunidade para o atendimento do interesse público" (op. cit., p. 44).

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Em outros e sucintos termos: a discricionariedade é uma técnica e o mérito, o resultado.

Ambos se relacionam com a legitimidade: a discricionariedade a definirá nos seus aspectos residuais e o mérito a conterá.

O exercício vicioso da discricionariedade, comprometendo o mérito, é, por isso, a causa do "vício de mérito" e, como sintetiza Giancarlo Coraggio a jurisprudência do Conselho de Estado ita­liano: "o vício de mérito termina como se fosse a mesma coisa que um vício de legitim idade".10 11

O mérito se localiza, na análise elemental do ato administra­tivo, comumente reconhecida e adotada pela doutrina e direito positivo brasileiros, nos elementos motivo e objeto.u

Segundo essa doutrina, três elementos aparecerão sempre vinculados: competência, finalidade e forma e os dois outros, motivo e objeto, alternativamente vinculados ou discricionários, um ou ambos.

Em outros termos, o motivo, "o pressuposto de fato ou de direito que determina ou possibilita o ato administrativo" e o objeto, "a alteração jurídica que se pretende introduzir nas situa­

10 A notícia está na seguinte passagem do autor no verbete "Mérito amministrativo", da Enciclopédia dei Diritto, Milão, Ed. Giuffrè, 1976, p. 144: "Ma in questo modo, si obietta, il "vizio ãi mérito" finisce com 1'essere tutt'uno col vizio di legitimità (v. n 54). Lobiezione in realtà andrebbe ribaltata: noii si vede, infatti, perché dovrebbero distinguersi le duefigure si identiche sono le basi logiche, identiàgli stnimentiformali, identici, salvo leprecedentiprccisazioni,gli effetti. II problema, se vi è. non è que 11 o delia invalidità per vizio di mérito, ma quello delia invalidità tout court come dimostra la storia dei concetto che si è a Inngo dibattuto nel dualismo difettosilà delia fattispecie-inadequatezza teleologica". A nota n° 54 refere-se a E. di Benvenuti, Consiglio di Stato, cit., p. 324.

11 Descartamos teorias discordantes sem maior preocupação, de vez que, desde o aparecimento de O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder ]udidârio, de Miguel Seabra Fagundes, em 1941, a doutrina nacional se tem assentado na adoção da elementação quintipartite, divulgada amplamente na obra de Hely Lopes Meirelles e, até mesmo, positivada na Lei n° 4.717, de 29 de junho de 1965, que regulou a ação popular.

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ções e relações sujeitas à atividade administrativa do Estado"12 tanto podem estar predefinidos na lei quanto poderão ser expres­sados pela Administração, abstrata ou coneretamente.

Só podemos falar de mérito de ato administrativo discricio­nário e ele só existirá como resultado do exercício da discriciona- riedade, como definição da oportunidade e da conveniência, respectivamente, na função de integrar os elementos motivo e objeto. Por isso, denominamos, à oportunidade e à conveniência, dimensões do mérito.

12 V. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, in Curso de Direito Administrativo, 11ed., Rio de Janeiro, Ed, Forense, 1997, pp. 100 e 101.

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LIMITES À DISCRICIONARIEDADE: REALIDADE E RAZOABILIDADE

Afirmamos que a discricionariedade é uma competência para definir administrativamente, no caso, o interesse público.1

Afirmamos que seu exercício tem a natureza jurídica de um poder-dever, indisponível para a Administração.

Afirmamos que a correta definição do interesse público específico é a satisfação da função de bem administrar.

Afirmamos que o interesse público específico está explícito ou implícito na norma legal, que, em certos casos, para ser execu­tada, deve receber a integração administrativa.

Afirmamos, ainda, que o mérito é o resultado do exercício regular de discricionariedade.

Reafirmamos, com Seabra Fagundes, que o mérito é insin- dicável.

Como se vê, são vários os limites que se estabelecem para balizar o exercício regular da discricionariedade, dentro dos quais o mérito é insindicável. A contrario sensu, a extravasão dos limites legais é exercício irregular e, portanto, sindicável.

O exercício legal da discricionariedade pressupõe não só a outorga dessa competência, implícita na lei que obriga a satisfação

1 Realmente é preferível ver na discricionariedade um tipo de competência que identificá-la com um poder específico de administração, conforme já se comentou, até porque facilita a absorção da idéia de que ela pode ser controlada judicialmente quanto a seus limites.

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do interesse público pela Administração, como a existência de um claro legal a ser preenchido, de modo a atendê-lo concreta e diretamente.2

Caracterizado o dever jurídico, pela dupla verificação desses pressupostos, a função discricionária de bem administrar é impera­tiva, inafastável, impostergável e, se desatendida, caracteriza a ilegalidade, seja por ação ou omissão.

A função de bem administrar, demandando o preenchimento da dupla dimensão do mérito, só estará, portanto, satisfeita, nos limites das possíveis soluções concretas que efetivamente cumpram aquele dever.

Esses limites se referem, conseqüentemente, à dupla dimen­são do mérito: oportunidade e conveniência. Estão ambas sujeitas a parâmetros legais. Há, pois, limites quanto à oportunidade, para integrar o elemento motivo, e há limites quanto à conveniência, para integrar o elemento objeto.

A discricionariedade atua como a competência específica para valorar corretamente o motivo dentro dos limites da lei e para escolher acertadamente o objeto, também dentro dos limites da lei. Não importa que qualidades positivas possam ser apontadas à valoração e à escolha realizadas/om dos limites da lei; se isto ocorrer, o ato será nulo. * II

2 Neste sentido, as ponderações de Morta ti: "Dalle considerazioni cheprecedono si desxime che presupposti delia discrezionalità sono, in primo luogo, il carattere funzionale dei potere (intendendo il termine'funzione' in quello dei suoisignificati con cui si esprime il collegamento dei potere con interesse non propri dei soggetto agente, potere che perciò assume il carattere di mumus), da cui deriva 1'obbligo che il suo esercizio si ejfethá in modo da soddisfare la funzione.II secando luogo la mancanza o la incompletezza delle predisposizioni normative relativeai comportamenti da seguire per soddisfare nel singolí casi gli interessi per cui il potere è conferito, con la conseguente esigenza che Yagente ricerchi altre predisposizioni regolative di rapporti cui dà vita, tali da far giungere ad ima decisione idônea nel caso concreto a soddisfare Yinteresse avuto in cura. II carattere ibrido delia discrezionalità deriva appunto dalla commistione àell‘elemento dei vincolo derivante delia finzione, com quello delia liberta nella ricerca dei mezzi a Ura verso cui essa deve trovare soddisfazione". (in Nuovissimo Digesto Italiano, 3*1 ed., Utet, Torino, 1957, p. 1.100).

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É que a valoração incorreta e a escolha desacertada não são irregularidades do mérito - são vícios de finalidade, denominados pela doutrina italiana de "vícios de mérito". Não nos parece a melhor, porém, essa nomenclatura: o vício não reside diretamente na incorreção ou no desacerto da opção discricionária, mas, indi­retamente, na insatisfação do interesse público específico/ implícito no elemento vinculado finalidade.

Essa vnlneração indireta, que parte de um elemento e alcança e vicia outro, já é conceito difundido e de há muito assente na doutrina, pois, como sucintamente prelecionou Caio Tácito, "À liberdade optativa da administração se sobrepõe, no entanto, o elemento de finalidade"... "Um elemento sempre vinculado que não comporta apreciação discricionária."3 4 5

A já vetusta teoria do desvio de finalidade que, segundo M. VValine, remonta, pelo menos, a 1864/ não se deve considerar esgotada, ao exigir que o exercício da discricionariedade não se desvie para atender a fins privados, como ensina esse mestre;6

3 A expressão "interesse público específico", que vimos usando, recolhe-se de Mortati na seguinte passagem, intimamente afinada com a teoria que desenvolvemos: "Sicche il potere discrczionale consiste nella possibüità di una poíiderazione dei valore dello specifico interesse pubblico che si pone come fine da perseguire dalVuffiáo, alia luce di altri interesse (secondari), i quali operano quali elementi che farino variare il valore dellinteresse-fine" (C. Mortati, op. cit., p. 1.102).

4 Caio Tácito, Direito Administrativo, São Paulo, Ed. Saraiva, 1975, p. 67. Mas foi Oswaldo Aranha Bandeira de Mello que, sempre com precisão, aplicou a expressão "ilegalidade indireta", quando, a seu dizer, "ocorre violação circunstancial da lei", em oposição à "ilegalidade direta" ...quando ocorre violação frontal da lei (Princípios Gerais do Direito Administrativo, V ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1969, vol. I, Introdução, p. 430).

5 O autor discute qual seria o arresto pioneiro, tido por alguns como o que julgou o caso Lesbats, de 25 de fevereiro de 1864, e, por outros, como o do caso Vernes, de 16 de maio de 1858, mas menciona, antes da jurisprudência do Conselho de Estado Francês, a da sua Justiça Comum, que declararia a ilegalidade de um regulamento que não tinha outro fim que satisfazer um interesse privado (v. La Notion Judiciaire de VExcès de Poitvoir, p. 243, e o seu Traité Élémentaire de Droit Administratif p. 264).

6 M. Waline, Droit Administratif, 9a ed., Paris, Ed. Sirey, 1963, p. 451.

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nem ao fulminar de ilegalidade a prática de atos "por motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo inte­resse público", como em Hely Lopes Meirelles/ mas, com plena amplitude, alcançando todo e qualquer ato que deixe de atender ao interesse público específico, fixado explícita ou implicitamente na lei.7 8 9

Em outros termos: trata-se de considerar não mais apenas um desvio de finalidade, que seria uma traição da vontade da lei, mas uma insatisfação da finalidade, o descumprimento indireto da von­tade da lei.

Devemos, portanto, estabelecer quais são esses limites à dis- cricionariedade com a precisão possível, de modo que se identifi­quem, na prática do controle, as balizas além das quais vicia-se a finalidade do ato, fulminando-se-o de nulidade; são os limites à oportunidade, relativos ao motivo, e os limites à conveniência, rela­tivos ao objeto.

Essa tarefa, que se nos impusemos, de "diferenciar e ordenar sistematicamente os defeitos no exercício do poder discricioná­rio", diz-nos desalentad ora mente E. Forsthoff, já foi intentada "sem verdadeiro êxito" por diversos autores (referindo-se princi­palmente a Laun, Thoma e W. Jellinek, em sua língua natal); não sabemos se quase 40 anos depois dessa apreciação,' que soa como uma advertência partindo de tão conspícuo luminar, nossa tenta­tiva também estará fadada à mesma sorte. Acreditamos, todavia,

7 H. L. Meirelles, "Direito Administrativo Brasileiro", in Revista dos Tribvnais, 12a ed., São Paulo, 1966, p. 75.

8 "A teoria do desvio de poder teve o mérito de focalizar a noção do interesse público como centro da legalidade do ato administrativo" (Caio Tácito, op. cít., p. 80). Graças a ela, permita-se-nos acrescentar, rompeu-se o tabu doutrinário que encobria todos os aspectos relacionados com o mérito e encadeou-se um sistema sindicáveF mérito-finalidade-legalidade.

9 E- Forsthoff, Tratado de Derecho Administrativo, trad. espanhola de Lagaz Lacambra, Garrido Falia e Gómez de Ortega y Junge, Ed. Instituto de Fstudos Jurídicos, Madri, 1958, p. 138.

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que as circunstâncias são outras, desde o segundo pós-guerra e que, pelo menos, o esforço será construtivo.10

Nossa sistematização parte de dois princípios que ao tempo de Forsthoff não tinham curso e que hoje ganham os mais sérios tratamentos de doutrina e ascendem até aos projetos constitucio­nais. São dois princípios técnicos que não existem autonomamente mas servem de instrumentos para que se afirmem os princípios substantivos. São eles: o princípio da realidade e o princípio da razoabilidade.

O entendimento do princípio da realidade parte de considera­ções bem simples: o direito volta-se à disciplina da convivência real entre os homens e todos os seus atos partem do pressuposto de que os fatos que sustentam suas normas e demarcam seus objetivos são verdadeiros.

São todos os fatos que regularmente ocorrem ou podem ocorrer, na natureza física ou convivencial, e só excepcionalmente e por disposição expressa, a ordem jurídica acolherá ficções ou pre- sunções.

Em outros termos, a vivência do Direito não comporta fan­tasias; o irreal tanto não pode ser a fundamentação de um ato administrativo bem como não pode ser o seu objetivo.

O Direito Público, ramo voltado à disciplina da satisfação dos interesses públicos, tem, na inveracidade e na impossibilidade, rigorosos limites à discricionariedade. Com efeito, um ato do Poder Público que esteja lastreado no inexistente, no falso, no equivocado, no impreciso e no duvidoso não está, por certo, seguramente voltado à satisfação de um

10 De qualquer forma estaremos em excelente companhia na tentativa; a cumprida pesquisa feita por Odete Medauar para seu }á citado e preciso trabalho, Poder Discricionário da Administração, envolvendo as teorias de limites de Alessi, Mortati, Victor Nunes Leal e Caio Tácito, oferecendo, a própria autora, uma lista de nove hipóteses llmitativas, "levando-se em consideração as contribuições dos diversos doutrinadores" que consultou (in Revista dos Tribunais, ano 75, ago. 1986, vol. 610, pp. 43 e 44), mostra que pelo menos as explorações, embora não tenham alcançado o nível de precisão, reclamado por Forsthoff, têm sido inegavelmente válidas.

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interesse público; da mesma forma, o ato do Poder Público que se destine à realização de um resultado fáctico inalcançável não visa a satisfazer a um interesse público.

Sob o padrão da realidade, os comandos da Administração, sejam abstratos ou concretos, devem apresentar sempre condições objetivas de serem efetivamente cumpridos em favor da socie­dade a que se destinam. O sistema legal-administrativo não pode ser um repositório de determinações utópicas, irrealizáveis e ina­tingíveis, mas um instrumento sério dedicado à modelagem da realidade dentro do possível.

O perigo da violação do princípio da realidade é, ainda por cima, a desmoralização da ordem jurídica pela banalização da ineficiência e a vulgarização do descumprimento, além do pesado tributo do ridículo.

A aplicação discricionária do Direito não pode em conseqüên- cia, considerar existente, suficiente ou possível o que não o é.

Mas o entendimento do princípio da razoabilidade leva-nos ainda mais adiante. Não mais se trata, agora, de apreciar, à luz da lógica tradicional, se o que se previu na premissa maior, contida na norma jurídica, se concretiza na premissa menor, dessumida dos fatos. A essa altura, o que se pretende é considerar se deter­minada decisão, atribuída ao Poder Público, de integrar discri- cionariamente uma norma, contribuirá efetivamente para um satisfatório atendimento dos interesses públicos.

A lógica silogística, cujas raízes remontam a Aristóteles, é excelente para explicar a causalidade dos fenômenos e, por isso, tem inconteste importância nas Ciências Descritivas, mas tem reduzida aplicação para conduzir o espírito a uma decisão sobre interesses à luz de valores, como se demanda numa Ciência Normativa.

Não se trata de compatibilizar causa e efeito mas interesses com razões.

Se, de um lado, causa e efeito são dados racionalmente refe- renciáveis um ao outro, comportando o emprego da lógica tradi­cional: a lógica do racional, por outro lado, interesses e razões são dados apenas experimentalmente referenciáveis, sujeitos a valora-

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çoes subjetivas, exigindo um outro tipo de lógica: a lógica do razoável. Não uma lógica para conhecer, mas uma lógica para i íecidir.

Tomar decisões complexas, para atender a interesses, não é o mesmo que prosseguir caminhos racionais para obter resultados no imiverso natural. Para construir uma ponte, por exemplo, usa-se um tipo de lógica; mas para decidir se se deve construir uma ponte, necessita-se de uma lógica de outra natureza. Estaremos, na segunda hipótese, trabalhando com razões e não com causas, com interesses e não com efeitos.

Na Filosofia, essa lógica do razoável parte de Dilthey (razão histórica), de Dewey (experiência prática) e, sobretudo, de Ortega y Gasset (razão vital e histórica), como seus mais notáveis expo­sitores.

No Direito, suas raízes podem ser identificadas na juris­prudência sociológica, desenvolvida nos fins do século XIX por Oliver Wendell Holmes, na Suprema Corte dos Estados Unidos da América, e, na Alemanha, pelos expositores da jurisprudência dos interesses, com Philipp Heck, Max Rümelin e Heinrich Stoll, em destaque. Sob o influxo dessas linhas de pensa-mento, a preocupação formalista foi pouco a pouco cedendo lugar ao pri­mado dos interesses tutelados.

A superação do formalismo axiológico e do mecanicismo decisional deve-se aos travejamentos da lógica do razoável, afeiçoada à técnica decisão e de aplicação do Direito, confor­mando um novo aspecto da razão "impregnado de pontos de vista estimativos, de critérios de valoração, de pautas axiológicas que, ademais, têm às espaldas, como lições, os ensinamentos recebidos de experiência, de experiência própria e de experiência do próximo através da História".11

11 De Luís Recaséns Siches, Panorama dcl Pensamicyito Jurídico en el Sigio XX, Ed. Porrúa SA, México, 1963, t. I, p. 541. A obra básica do autor sobre o tema é a Nueva Filosofia dela Interprelación dei Derecho, Ed. Fondo de Cultura Econômico, México, 1956.

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A chamada doutrina da lógica do razoável, que tanto deve a Recaséns Siches, discípulo muito especial de Ortega y Gasset, com quem privou durante 14 anos, e, não nos esqueçamos, à nova lógica jurídica de Garcia Bacca, produziu, no campo da interpretação do Direito Público, esse novo e precioso instrumento, o princípio da razoabilidade que, juntamente com o da realidade, conforma o binômio moderno do balizamento teórico da discricionariedade.

Se, como vimos ao estudar o princípio da realidade, a apli­cação discricionária de norma jurídica não vai ao ponto de consi­derar existente, suficiente ou possível o que não o é, tampouco, sob o princípio da razoabilidade, ela não pode conduzir a resul­tados que ignorem, desconsiderem ou traiam os interesses públi­cos a que devam atender.

O aplicador da lei, seja o administrador, seja o juiz, não pode desligar-se do resultado de sua ação e considerar cumprido seu dever com a mera e simples aplicação racional da norma aos fatos. Sua tarefa deve ir além: é criativa por natureza, pois que com ela deve integrar a ordem jurídica.

A ordem jurídica, com efeito, contém o ordenamento positi­vo, mas nele não se esgota; a par de seus preceitos, gerais e abstratos, integram-na também os atos do Poder Público que a aplicam concretamente. Os atos administrativos e judiciários que executam o direito, dito de outra forma, conformam a ordem jurídica.

São, efetivamente, esses atos de aplicação que irão, em última análise, concretizar o direito, dar-lhe vida, realizar efetivamente os interesses por ele destacados e protegidos. A aplicação do direito não é um ato puramente técnico, neutro ou mecânico; não se esgota no racional nem prescinde de valorações e estimativas. A realização da ordem jurídica se faz por atos humanos, interessa­dos, razoavelmente aptos para impor os valores e os interesses esta­belecidos pelo legislador.

À luz da razoabilidade, a discricionariedade ganha sua justifi­cação teleológica e, como sustentamos neste trabalho, faz o apli­cador co-participar da própria expressão da legitimidade.

Por outro lado, a má aplicação da discricionariedade vem a constituir-se na omissão de um dever legal de boa administração, daí a razoabilidade funcionar como um critério de limite.

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No caso específico da discricionariedade administrativa, é axiomático que o ordenamento jurídico atribui funções a órgãos que têm condições de atender, da melhor maneira possível, os interesses coletivos que a sociedade lhes confere (finalidade).

A lei não se cumprirá se não houver um mínimo de pertinência razoável entre oportunidade e conveniência, de um lado, e a finali­dade, de outro.

Nesse ponto, definem-se as relações últimas entre os elemen­tos motivo e objeto, com esse elemento essencial: a finalidade. A razoabilidade, agindo como um limite à discrição na avaliação dos motivos, exige que sejam eles adequáveis, compatíveis e propor­cionais, de modo a que o ato atenda a sua finalidade pública específica; agindo também como um limite à discrição na escolha do objeto, exige que ele se conforme fielmente à finalidade e contribua eficientemente para que ela seja atingida.

A razoabilidade, na valoração dos motivos e na escolha do objeto, é, em última análise, o único caminho seguro para se ter certeza de que se garantiu a legitimidade da ação administrativa e o primado do senso comum sobre a ineficiência grosseira e a demagogia administrativa.

Entre nós, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello foi possivel­mente o primeiro a chamar a atenção para a importância da razoabilidade, como princípio técnico de aferição de limites à discricionariedade.i:

Ambos os princípios são destacados por Agustín Gordillo ao afirmar que "nas faculdades discricionárias, o ato pode dar-se livremente diante de qualquer situação de fato"... "Sempre, claro 12

12 V. de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Princípios Gerais do Direito Administrativo, Rio de janeiro, Ed. Forense, 1969, vol. T, p. 430 ("a sua discrição não pode exceder os limites do razoável na apuração dos fatos que constituem o motivo do ato administrativo"). Observa-se que a aplicação do princípio admite-se hoje, além da apreciação do motivo e, como expomos adiante, alcança também o seu objetivo.

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está, que tenha verdadeiramente uma situação de fato que o justi­fique e a apreciação seja razoável, proporcionada."13

Apliquemos, portanto, sobre as dimensões do mérito - opor­tunidade e conveniência - esses princípios, à luz dos quais esta­belecermos, correspectivamente, os limites às dimensões da discricionariedade: realidade e razoabilidade.14

13 Agustín Gordillo, "Princípios Gerais do Direito Público", in Revista dos Tribunais, São Paulo, 1977, p. 170 - Texto e nota 8. A mesma obra examina, especificamente, hipóteses de irrazoabilidade, às pp. 183, 184 e 185, como "limites à atividade discricionária".Sobre a razoabilidade, consultem-se, ainda, ilustres patrícios de A. Gordillo: o renomado constitucionalista Germán Bidart Campos, em seu artigo "Razonabilidad, arbitrariedad y contralor "judicial" m Revista dei Colégio de Abogados de La Plata, nIJ6 ,1961, pp. 343 e segs., e Armando Emilio Grau, "La razonabilidad en el Procedimento Administrativo Argentino", in Revista de Ciências Administrativas, ano XI, nJ 27,1968, pp. 21 e 55).A jurisprudência norte-americana costuma apontar o caso Chicago Mihvaukee and St. Paul Railroaâ v. Minnesota como o leading case que introduziu a rule o f reazonableness, ao decidir, o juiz Blatchford, que o judiciário poderia conhecer da razoabilidade de uma tarifa ferroviária. Para melhor apreciação dos fundamentos históricos e teóricos da teoria da razoabilidade, em especial, os notáveis contributos de Max Rümelin e de Philipp Heck, quanto aos interesses, e de L. Recaséns Siches e de Garcia Bacca, quanto à lógica do jurídico, recomenda-se a leitura das seguintes passagens, muito sintéticas, da obra Panorama dei pensamiento jurídico en sei siglo XX; 1.1, pp. 71, 273, 442, 443, 489 a 491,536 a 547, 685, 707,740,1.028 a 1.044. (Op. cit).

14 Para maior comodidade desse exame pelo método matricial, oferece-se, em anexo, no final do texto, um quadro sinóptico dos limites à d iscricionariedade.

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Capítulo IX

LIMITES DE OPORTUNIDADE À DISCRICIONARIEDADE

O ato administrativo diz-se oportuno quando existam e bastem os pressupostos de fato e de direito de sua edição. Presume-se, em conseqüência, que atende às finalidades para as quais é praticado.

Limites de oportunidade à discricionariedade são os requisitos mínimos exigíveis de valoração lógica que devem estar satisfeitos para que o motivo, discricionariamente integrado a partir dos pressupostos de fato e de direito, atenda ao interesse público específico estabelecido pelo legislador como finalidade do ato administrativo.1

Os princípios técnicos de realidade e de razoabilidade incidem sobre a oportunidade, refratando os requisitos mínimos para que se presuma que um ato satisfaça a finalidade para a qual é editado.

1 Assim trata Mortati a essa fase do exame dos limites à discricionariedade: "St tratta ora di vedere corne si debba intertdere sotto 1'aspe t to giuridico la discrezionalità quando si consideri nel secondo momento che si suol chiamare valutativo e che opera al di ln dei limiti positivi entro i quahèstata finora esaminata. Quando cioè siguardi ad essi nom piú sotto Vaspetto deliobbligo delia congruenza fra premesse e aonseguenze, o deli'esattezza di aprezzamento deifatti consideraii o da considerare per imposizione espressa delia legge, bensi sotto 1'attro aspetto delia liberta rüasciala nella raccolta deifatti assunti per giungere alia decisione e delia vàlutazione deWopportunità di questa rispeíto al fine ultimo da raggiungerc, cioè delia sua idoneità a farne conseguire Veffetiva soddisfazione". (op. cit., p. 1.106).

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LIMITES À DISCRICIONARIEDADE

ELEMENTOS DO ATO

ADMINISTRA­TIVO

JUÍZODISCRICIONÁRIO

LIMITES DA D1SCR1CIONA-

RIEDADE

EXISTÊNCIA

VÍCIOS DE LEGALIDADE

GRAVEINOPORTUN IDADE POR

INEXISTÊNCIA DE MOTIVO

PRINCÍPIOS TÉCNICOS DE CONTROLE

REALIDADE

MOTIVO

PRESSUPOSTO DE PATO fc DE

DIREITO

OPORTUNIDADE

VALORAÇÃOADMINISTRA­

TIVA

SUFICIÊNCIA

GRAVEINOPORTUNIDADE POR

INSUFICÉNCIA DE MOTIVO

GRAVEADEQUABILI- INOPORTUNIDADE POR

DADE INADEQUABILIDADE DEMOTIVO

GRAVECOMPATIBILI- INOPORTUNIDADE POR

DADE INCOMPATIBILIDADE DFMOTIVO

RAZOABIL1-DADF

PROPORCIONA­LIDADE

GRAVEINOPORTUNIDADE POR

DESPROPORCIO N A LID A DE DF. MOTIVO

O B IE T O

RESULTADOJURÍDICOVISADO

C O N V E N IÊ N C IA

FSCOI.HAADMINISTRATIVA

POSSIBILIDADE

GRAVEINCONVENIÊNCIA POR IMPOSSIBILIDADE DE

OBJETO

REALIDADE

CONFORMIDADEGRAVE

INCONVENIÊNCIA POR DESCONFORMIDADE DE

OBJETO RAZOA BILID ADE

EFICIÊNCIA GRAVEINCONVENIÊNCIA POR

INEFICIÊNCIA. DE OBJETO _____________________ L

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Sob o enfoque principiológico da realidade, é necessário que o motivo exista e seja suficiente para dar ensejo à prática do ato.

Sob o enfoque principiológico da razoabilidade, é necessário que a oportunidade se apresente como aquela adequada, compatível e proporcional com o objeto em tese visado.2

Distinguimos, assim, cinco limites de oportunidade à discri- cionariedade: existência, suficiência, adequabilidade, compatibilidade e proporcionalidade.3

Pesquisemos, portanto, comc cada um desses limites atua transferindo o exame do ato desde o motivo para a sua finalidade.

A técnica consiste em circunscrever o exame do mérito ape­nas a certos limites, além dos quais a opção discricionária é desva- lida; configurando-se o que Gordillo denomina de "manifesta inoportunidade do ato".4

9.1. Existência do m otivo

O suposto é de que a discricionariedade para a valoração do motivo não vai ao ponto de admitir-se a prática de um ato fundadoem motivo inexistente.

2 Ainda do mesmo autor: "La scelta da cui risulta la decisione discrezionale, non è tnai una scelta interamente libera: essa non può in nessun caso svolgersi irrazionalmente. La sua irrazionalità è repressa in sede di legitimitâ, quando i motivi messi a base delVatto non giustificano le conseguerize che se ne fanno ãerivare; in sede di mérito quando 1'incongriiità delle conseguerize debba essere apprezzata alVinfuori dei motivi fatti valete, e invece sulla base delia reale situazione dei fatti" (op. cit., p. 1.108).

3 Stassinopoulos refere-se ao que seria um sexto limite ao "exercício do poder discricionário" - a igualdade. Violar-se-á esse limite quando, nas mesmas condições, recusa-se a um o que se outorgou a outro (op. cit., p. 212). A nosso ver, este limite não toca à oportunidade: é uma decorrência do princípio isonômico, que incide genericamente sobre o exercício de qualquer modalidade do poder estatal e limita seu objeto sob forma de uma impossibilidade jurídica de discriminar.

4 A. Gordillo, Problemas dei Control de la Administración Publica en América Latina, Madrid, Ed. Civitas, 1981.

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É uma aplicação do princípio da realidade.A tal ponto é gritante essa violação que a doutrina, já desde

há anos, inclui a hipótese no quadro das variantes do desvio de poder como um caso de desvio presumido' ou espécie autônoma do recurso por excesso de poder.5 6

A existência dos motivos, tanto os de fato como os de direito, deve estar acima de qualquer dúvida razoável. A presunção de veracidade, que

, acompanha a ação do Estado, é juris tantum, cedendo ante evidência em contrário; mesmo que não seja alegada, se o juiz se convencer da inexis­tência de motivos deverá declará-la e anular o ato.

Nenhum ato praticado com fundamento em motivo inexis­tente serve ao interesse público; a lei não atribui competências para instrumentar a mentira e o engodo.

Embora, por motivos medotológicos e para o levantamento de possíveis conseqüências a nível de responsabilidade funcional, se possa proceder ao exame sucessivo do erro e, depois, da falsi­dade, a disposição subjetiva do agente é totalmente irrelevante. Se o agente errou, ao considerá-lo real, ou se falseou, introduzin­do-o por malícia, ou, como diz Bonnard, "desfigurando-lhe a fisionomia própria", o certo é que ele não se presta, objetivamente, a servir de suporte para atingir um interesse público.

Sendo, o motivo, uma "situação de fato ou de direito que determina ou autoriza a prática de um ato administrativo" (v. nota 12, Cap. VII, p. 48), a inexistência tanto pode se referir ao fato ou fatos quanto à existência de condições jurídicas reais.

Assim, por exemplo, se se pratica um ato administrativo com fundamento num status jurídico suposto ou numa pré-condição

5 Cf. M. Waline: "LTnexistence de Motifs Constitue une Présomption de Détoumement de Pouvoir", apud Stassinopoulos, Traité des Ades Administrahfs, op. cit., p. 218, nota 1.

6 Cf. Caio Tácito: "Bonnard acrescenta, mesmo, às modalidades consagradas uma nova espécie autônoma daquele recurso: a inexistência de motivos. O poder discricionário da Administração pode, livremente, examinar os fatos e extrair as conseqüências convenientes à sua atividade. Não pode, entretanto, criar condições de fato inexistentes, ou adulterar-lhes o resultado, desfigurando-lhes a fisionomia própria" (op. cit., pp. 83 e 84).

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inexistente, o ato é tão defeituoso como se tivesse sido praticado a partir de um fato fantasioso.

Gordillo exige, especificamente, que o ato leve em conside­ração os fatos constantes do expediente e que não se funde em fatos ou provas inexistentes.7

O exame da existência dos motivos desdobra-se èm duas fases sucessivas: o exame do motivo realmente inexistente (erro) e o do simuladamente dado como existente (falsidade), embora os elementos subjetivos envolvidos sejam irrelevantes para carac­terizar a invalidade do ato, repita-se ainda outra vez.

Em conseqüência da constatação de inexistência do movito, caracteriza-se não um 'Vício de mérito", mas um vício de finali­dade: a grave inoportunidade do ato administrativo.

9.2. Su ficiência do m otivo

Tampouco a discricionariedade exercitada na avaliação do motivo sustentará um ato administrativo que se funde em motivo insuficiente, isto é, o que não baste como pressuposto de sua realização.

É também uma aplicação do princípio da realidade.Entre nós, Caio Tácito, ao prelecionar sobre as limitações ao

poder discricionário, refere-se não só à existência de motivos como à "apreciação do valor desses motivos, a fim de que possa a autori­dade se orientar no tocante à necessidade de sua atuação e aos meios indicados para a obtenção de um resultado"8 e, especifica­mente, refere-se à insuficiência citando Zanobini (ínsuficienza delia Motivazione) e M. S. Giannini.9

Da mesma forma que afirmamos com relação à inexistência do motivo, nenhum pressuposto insuficiente pode servir à pros- secução de um interesse público: o agente tem discrição para

7 A. Gordillo, "Princípios Gerais de Direito Público", in Revista dos T ri bu na is, São Paulo, 1977, pp. 183,184 e 185 (limites à atividade discricionária).

8 Caio Tácito, op. cit., p. 66 (grifo do autor).9 Idem, p. 88 (a referência é ao Corso di Diritto Amminíslrativo, de Guido

Zanobini, e às Lezioni di Diritto Amministrativo, de Massimo Severo Giannini).

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valorar os motivos mas não para suplementá-los, quando não bas­tem para lastrear a prática de um ato administrativo.

Do mesmo modo, ainda, a vontade do agente é irrelevante: o que se necessita saber é se a situação de fato ou de direito é suficiente para atender, em última análise, à finalidade estabelecida na lei.

São exemplos de motivos insuficientes os vagos, que não têm condição de se ajustar a um padrão; os incompletos, que não bastam quando da edição do ato; os duvidosos, que não possam ser afir­mados e demonstrados com precisão etc.

Como se pode esperar uma boa administração se a ação do Estado repousar em bases tão precárias? Acresce que o defeito de insuficiência de motivo está, ademais, intimamente ligado ao da ineficiência do objeto, como se examinará adiante.

Por oportuno, nunca é demais esclarecer, esses defeitos não são aqui isolados senão com propósitos metodológicos; na reali­dade, eles poderão aparecer com vários matizes e em distintas combinações. A seqüência que oferecemos nada mais é que um artifício técnico para que o exame da exorbitância da discriciona- riedade se proceda sistematicamente.

O importante é sempre ter-se em mente, no caso da insuficiência, que, tanto quanto na hipótese de inexistência, o que se revela, afinal, é a desnecessidade da prática do ato.

Com efeito, se o motivo é insuficiente para fundamentar o ato, a sua edição seria, no mínimo, desnecessária, presumida a sua inoportunidade, podendo manifestar-se com tanta gravidade quan­to no caso da inexistência, quiçá acenando para um desvio de finalidade tradicional, ao embasar-se em motivos estranhos à satisfação do interesse público.

Mortati também considerou a hipótese de insuficiência, ob­servando que o preenchimento de condições necessárias à prática do ato (pressupostos) é exigido para que o resultado seja efetiva­mente vantajoso em termos de exercício do poder.10

10 C. Mortati, op. cit., p. 1.102.

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9.3. A dequabilidade do m otivo

O motivo contém pressupostos de fato e de direito que devem estar presentes e suficientes, como já vimos. Mas não é o bastante em termos de limite; devem ser adequados à natureza jurídica do ato praticado.

A inadequação agride o princípio da razoabilidade.

A inadequabilidade dos pressupostos de fato se subsume às hipóteses de inexistência ou de insuficiência examinadas, mas a inadeqmbilidade dos pressupostos de direito, todavia, desperta in­trigantes questões.

Gordillo, ao examinar a Lei brasileira n° 4.717/65, no seu art. 2o - "inexistência de motivos", entende que ficou consagrada, nesse texto, a "necessidade de sua expressão clara, concreta e adequada do direito aplicado não bastando a sua invocação de normas jurídicas que supostamente fundamentem o ato, sempre que se explique como e por que o fundamentam".11

Stassinopoulos, da mesma forma, considera que "quando os motivos se referem à legalidade do ato eles podem conter": 1) um desenvolvimento do sentido da lei, de acordo com a interpretação dada pelo autor; 2) uma afirmação de que a constatação dos fatos, que constituam a condição de aplicação da lei, teve lugar; 3) uma afirmação de que estes fatos foram submetidos à qualificação jurídica apropriada e, assim "a qualificação jurídica dos fatos não é senão um controle de legalidade".11 12

Vários exemplos podem ser lembrados a propósito de inade­quação. O importante, aqui, é ter-se em mente as categorias do ato administrativo. As classificações costumam pôr em evidência as diferenças em sua natureza jurídica que determinam distintas modalidades, cada uma delas adequada a certas categorias de pressupostos.

11 A. Gordillo, op. cit., ibiáem.

12 M. Stassinopoulos, op. cit., p. 199 (nossa tradução).

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Um motivo singularizado, portanto, não pode sentir para edi­tar-se um ato regra; seria inadequado. O mesmo se daria com um motivo interno da Administração fundamentando um ato externo.

No caso dos atos punitivos, os motivos indiciários não lhes podem servir de pressuposto fáctico adequado, como, no caso dos atos negociais, não seriam aceitáveis como adequadas anuências presumidas do administrado.

Ninguém diria, razoavelmente, que um motivo urgente pos­sa ser adequado a um ato (ou procedimento) exabundante, inútil ou protelatório, ainda que venha ele revestido de todas as demais características externas de legalidade, como não se poderia aceitar como adequados os motivos de alta indagação técnica para fun­damentar a edição de atos decisórios sumários.

Como se vê pelos exemplos, a adequação categorial é um prius à análise subseqüente, da adequação específica, que se deverá fazer à luz do objeto em tese (compatibilidade).

André Gonçalves Pereira também se refere à adequação como aspecto sujeito ao contraste jurisdicional no seu clássico Erro e Ilegalidade no A do Administrativo, ao exigir "relação de adequação entre os pressupostos do ato e o seu objetivo " .J3

Conseqüência da inadequabilidade do motivo é, ainda, a grave inoportunidade do ato administrativo, viciando-o em sua finalidade que, presumidamente, não seria alcançada a partir de pressupostos inadequados.

9.4. C om patibilidade do m otivo

A valoraçãodos motivos não pode excluir o juízo de compatibilidade entre os próprios motivos e o objeto que se tem em vista, ou seja, em outros termos: a coerência entre a causa e o efeito do ato.

A incompatibilidade, manifestada, será uma agressão ao princípio da razoabilidade.

13 Lisboa, Ed. Ática, 1962, p. 122. O objetivo, aqui, entendido em termos genéricos, ligado à natureza do ato que se pratica, e não ao objeto, que é um elemento específico a ser considerado, como o faremos adiante.

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Mortati refere-se a uma "congruência lógica" imprescindí­vel, ao tratar dos "modos de operar dos limites" à discricionarie- dade.1,J

Embora existentes, suficientes e adequados ao fato e ao di­reito que lhes serve de pressuposto, os motivos podem não guar­dar congruência com o objeto do ato, de modo tal que os resultados acabarão sendo irrazoavelmente divergentes dos que deveriam, em tese, atender a sua finalidade.

Não deve prosperar qualquer confusão entre as figuras da adequabilidade e da compabilidade dos motivos discricionários, como requisitos para o atendimento da finalidade dos atos admi­nistrativos.

A adequabilidade, observe-se, diz respeito à correspondência, que deve existir, entre os pressupostos de fato e de direito, tidos como motivadores, e a natureza jurídica própria da categoria de ato adminis­trativo praticado.

Um protesto de moradores de um bairro contra a má qualidade de um serviço de transportes urbanos não pode motivar uma incômoda blitz sanitária nas residências e estabelecimentos comerciais, a título de repre­sália ou de repressão. Tal motivo, ainda que inconfesso, não guarda pertinência categorial com a natureza jurídica da sucessiva determinação

14 A exposição de Mortati é irretocável: "Per apprezzare il modo di operare dei limiti di cui si parla è da ricordare che le operazioni richieste dalVesercizio predetto consistono: a) cmzitutto nella identificazione e qualificazione degli elementi delle situazioni di fatto, rispetto alie quali si deve stabilire il se, il come, il quando dei provvedere. Situazioni che per la loro st essa natura si presentano con aspetti e caratteristiche diverse, dato che, come si è visto, é próprio tale complessità e variabilità che conduce a sconsigliare una loro disciplina rigida per opera delia legge: b) poi nella individuazione dei critério di qualificazione delia situazione stessa che apparisca meglio idoneo a soddisfare lo scopo da perseguire per opera dei soggettoagente: c) infine nella applicazione dei critério stesso, che defe effetuarsi con carattere di congruertza lógica rispetto alie premesse di fatto accertate. Se il procedimento di attuazione dei potere deve svolgersi in modo raziomle, cosi da garantire il conseguimento di risultati che non divergano âalle finalità cui è rivolto, non potrà non essere indirizzato, in ciascuno dei suoi momenti, da a iteri a ciò iãonei" (op. cit., p. 1.102, nosso grifo).

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administrativa. Embora, em outras circunstâncias, essa fiscalização sanitária intensiva pudesse até ser legalmente perfeita, na hipóte­se ela é ilegal, porque se vincula a um motivo inadequado.

Distintamente, na compatibilidade, os motivos são examina­dos diante do objeto em tese. Não importa, agora, nem se os motivos existem, nem se são suficientes, nem mesmo se são ade­quados como, tampouco, se o objeto estaria conformado para o atendimento do interesse público: perquire-se, apenas, nessa fase metodológica, se os motivos, considerados explícita ou implicita­mente como pressupostos, justificam em tese o específico conteúdo jurídico do ato praticado.

A irregularidade cometida por um comerciante ambulante, valha-nos outro exemplo, apenas por faltar-lhe a licença ou auto­rização para exercer seu comércio em via pública, não guarda compatibilidade tética com a destruição administrativa de seus bens. E mais um: o fato de um motorista ultrapassar um sinal vermelho não guarda compatibilidade na tese com a imposição de uma quarentena sanitária em seu veículo.

Na adequabilidade examina-se a pertinência categorial dos motivos com todo o ato; na compatibilidade, a relação específica dos motivos com o objeto do ato.

Não se confunda, finalmente, a incompatibilidade do motivo com a desconformidade do objeto. Neste caso, como ficará mais claro adiante, a incongruência lógico-jurídica diz respeito à relação última, entre o objeto efetivamente escolhido e a finalidade a que o ato deve atender.

Estamos, portanto, cumprindo um encadeamento lógico de pesquisa de limites à discricionariedade, em que a cada etapa se procede no suposto de se ter ultrapassado satisfatoriamente a anterior.

Em última análise, porém, cada etapa, se referirá sempre à finalidade legal do ato: a satisfação, em tese, do interesse público específico para o atendimento do qual se outorgou discricionari­edade ao órgão administrativo.

Essa é a lição do sempre oportuno e conveniente Mortati, esse excelente pesquisador da discricionariedade de que tanto nos

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valemos, não só pela precisão como pela modernidade de suas lições.15

Em conseqüência, e em suma: a incompatibilidade dos mo­tivos com o objeto constituir-se-á um vício de finalidade, por grave imprevisão em face do interesse público.

9.5. Proporcionalidade do motivo

Tampouco bastará que os motivos sejam existentes e sufici­entes, adequados aos fatos e ao direito pressupostos e compatíveis com o objeto do ato administrativo; é essencial, ainda, que haja proporcionalidade entre os motivos e o objeto do ato.

A desproporcionalidade agride o princípio da razoabilidade; não se pode esperar da Administração que, como preleciona Gordillo, "não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que se deseja alcançar".16

Também Oswaldo Aranha Bandeira de Mello identifica, nas hipóteses de ausência de "proporcionalidade entre o fato e a realidade administrativa", uma ilegalidade indireta, caracterizando o excesso da Administração no exercício do poder discricionário.17 18

No mesmo sentido, também, seu não menos ilustre filho, Celso Antonio Bandeira de Mello, no caso em que "a discricionariedade reside precisamente em certa margem de liberdade deferida ao administrador para que este decida se o motivo ocorrido tem ou não a relevância necessária para ensejar a providência tal ou qual". A solução do autor se funda no princípio da razoabilidade: a contrariedade ao senso comum desvia-o da finalidade pública.™

15 "In definitiva, á ò che contrassegna la discrezionalità è che essa si muove in tin âmbito di libertà, ma delimitato in modo positivo dali'esigenza delia corrispondenza dei motividell’attocon ifiniassegnatiaqnesto" (op. cit., p. 1.102).

16 A. Gordillo, op. cit., ibidan.17 O. A. Bandeira de Mello, op. cit-, p. 430.18 C. A. Bandeira de Mello, in Elementos de Direito Administrativo, op. cit., pp.

224e 225.

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A proporcionalidade se estabelece, tanto quantitativa quanto qualitativamente, entre os motivos, assumidos expressa ou impli­citamente como pressupostos do ato, com o objeto que, em tese, se deseja realizar no mundo jurídico.

Quando a lei exige, por exemplo, um concurso público de provas e de títulos para provimento em cargos públicos, a Admi­nistração não pode minimizar os requisitos de seleção aquém do prudente como, tampouco, levá-los a um rigor inconcebível pois ambas as soluções - que escapam ao razoável - acabariam por desatender ao interesse público específico, contido na finalidade legal do ato, que seria a seleção de funcionários teoricamente bem preparados para o exercício de determinadas atribuições.

A proporcionalidade, por outro lado, nos atos administrativos punitivos, deve ser observada com o maior cuidado e com um alto grau de exigência, pois sua desconsideração costuma estar na raiz de graves ofensas à finalidade, muitas vezes encobrindo abusos e desvios de poder.

Voltamos a insistir que a valoração normal é prerrogativa da Administração, mas é o Judiciário quem deve dizer - dando a última palavra - se uma valoração foi normal ou viciada. A nítida desproporção é um dado fáctico que não pode ficar imune ao controle judicial, pois, se assim se entendesse, as violações indire­tas à legalidade dela resultantes não teriam afinal qualquer corre­ção. Tornaremos ao tema no último item deste trabalho.

A desproporção entre os motivos e o objeto caracteriza, enfim, um vício de finalidade: a grave desproporcionalidade.

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Capítulo X

LIMITES DE CONVENIÊNCIA À DISCRICIONARIEDADE

O ato administrativo diz-se conveniente quando a escolha do seu conteúdo jurídico leva à produção de um resultado que, em tese, atende à finalidade para a qual é praticado.

Limites de conveniência à discricionariedade são os requisitos mínimos de escolha de conteúdo que devem estar satisfeitos para que o objeto, discricionariamente definido tendo em vista os resul­tados jurídicos a serem produzidos, possa atender ao interesse público específico estabelecido pelo legislador como finalidade do ato administrativo.

Também aqui os princípios técnicos da realidade e da razo- abilidade incidem sobre a conveniência, evidenciando os requisitos mínimos para que se presuma que o ato estará apto a satisfazer a finalidade para a qual é editado.

O objeto do ato administrativo, recorde-se, é a alteração no mundo jurídico, o resultado a que se visa com sua prática: sempre a constituição, declaração, confirmação, alteração ou desconstitu- ição de uma relação jurídica.

Sob o enfoque principiológico da realidade, é necessário que o objeto seja possível e, sob o enfoque da razoabilidade, que ele se conforme com a satisfação da finalidade legal, pelo menos em aceitável grau de eficiência.

Distingnimos, assim, três limites de conveniência à discricionarie­dade: possibilidade, conformidade e eficiência.

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Pesquisemos, portanto, como cada um desses limites atua, transferindo o exame do ato desde os motivos para a sua finalidade.

10.1. P ossibilidade do objeto

A discricionariedade na escolha do objeto está evidente­mente limitada pela sua possibilidade jurídica e física.

Ambas as modalidades atendem ao princípio técnico indis­pensável da realidade.

Por possibilidade jurídica deve-se entender, em síntese, o clás­sico conceito do objeto lícito/’1 2 isto é, conformado integralmente a todo o ordenamento jurídico.3

Inclui-se nesse limite, portanto, a observância de todos os princípios jurídicos, explícitos ou implícitos, que estabeleçam limites específicos a quaisquer atos jurídicos, como o são os da isonomia, o do direito adquirido, o do ato jurídico perfeito, o da coisa julgada, os polivalentes e monovalentes de Ciência do Direito e dos seus ramos, inclusive o da moralidade, absorvendo aspectos das vigências éticas gerais da sociedade.

O referencial do objeto ilícito não é, portanto, o sistema posi­tivo, mas a ordem jurídica, conceito muito mais amplo, englobando todos os elementos normativos, formais e informais, ainda por­que, como tão bem expõe Santi Romano, trata-se de uma univer­sidade nomológica em permanente movimento, tanto segundo suas normas como, e sobretudo, movendo suas próprias normas,

1 Positivado no art. 82 do Código Civil.2 A doutrina sói distinguir a licitude natural, "faculdade física ou psíquica

de o sujeito mover-se livremente", da licitude jurídica, "a esfera de livre movimento, deixada ao indivíduo pelo ordenamento jurídico, no interior da licitude natural", empregando expressões de Arnaldo de Valles apud Cretella Jr. (op. cit., p. 157).

3 "E essa norma tanto pode estar numa lei formal como num regulamento e até num contrato pelo qual a Administração se haja vinculado", esclarece Marcello Caetano in Princípios Fundamentais do Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1977, p. 175.

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de modo que o Direito não se esgota nas normas se não que estas são o produto da vontade que as fixa.4

O objeto do ato administrativo que violar qualquer norma, constitucional ou legal, regulamentar ou convencional, formal ou informal, ou qualquer princípio, geral ou setorial, caracterizará o vício de finalidade pois, por óbvio, não seria para prosseguir resultados ilícitos que se outorgaria a discricionariedade à Admi­nistração.

Quanto aos princípios, Marcello Caetano é enfático: "... na medida em que se reconheça valor normativo aos princípios gerais de direito, estes não poderão ser infringidos pelo objeto do ato".5

Por outro lado, a possibilidade também deve ser física, caracteri­zada pela condição factual de poderem ser alcançados seus resul­tados materiais indiretos.

Alguns autores acrescentam, por fim, a "certeza", como atri­buto indispensável e limitativo de discricionariedade no que toca ao objeto;6 a insuficiência de determinação ou, pelo menos, a impossibilidade de virem a ser determinados os aspectos essen­ciais do objeto tomam-no impossível. Com efeito, sem essas pre- cisões, como se poderia relacionar um efeito vagamente obje­tivado a um interesse público específico?

A conseqüência da violação desse limite é a grave inconveni­ência, por impossibilidade de atingir-se um resultado capaz de atender à finalidade legal; é a grave inconveniência do ato, reitere- se, um vício de finalidade.

4 Santi Romano, "El Ordenamiento Jurídico", in Instituto de Estúdios Políticos, Madri, 1963, p. 38.

5 Op. cit., p. 175.6 Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 1974, p. 451, e José

Cretella Jr., Tratado de Direito Administrativo, op. cit., vol. II, p. 158.

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10.2. Conform idade do ob jeto

Tampouco a discricionariedade para a escolha do objeto pode justificar uma opção que esteja em desconformidade lógica com o interesse público contido na regra de finalidade.

Trata-se de uma imposição do princípio da razoabilidade: o poder discricionário só será razoavelmente exercido quando o objeto do ato seja congruente com a finalidade que deve ser atingida.

Em outros termos: o objeto imediato deverá sempre servir ao fim, objeto mediato.

Não deve haver dúvidas ponderáveis quanto à conformi­dade entre o que se quer modificar no mundo jurídico e o interesse público a ser atendido com essa transformação.

Os meios devem estar logicamente dispostos para atingir os fins. Nenhuma dúvida pode haver. É uma decorrência inafastável do poder-dever de atender ao interesse público (o ônus, de Resta).

A "'primeira tarefa do administrador é, portanto, a de indivi­dualizar a directiva para o caso concreto. Nisso é que reside o mais significativo da concessão do poder discricionário"' ou, na expres­são de Caio Tácito, "...o objeto, ou seja, o efeito do ato jurídico. Este é, por excelência o terreno do poder discricionário"... "A livre determinação do objeto é, em suma, o núcleo do poder discricio-

/ • // Snano .De qualquer forma, esta é a última etapa do desenvolvimento

das sucessivas fases do exercício da discricionariedade: "acerta- mento da existência do fato", avaliação de "relevância que reveste face ao interesse a tutelar" e "decidir com que meios atuar".9

A desconformidade, como defeito, é a responsável pelas bem conhecidas hipóteses de desvio de poder, de tão longo histórico de

7 R. G. Ehrhardt Soares, op. cit., p. 191.8 Caio Tácito, op. cit., p. 26.9 Assim em Mortati: "La discrezicmalità non varia nella sua essenza, ma solo

secondo la speác degU mteresse alia cui soddisfazione si rivolge. Nel suo esplicarsi passa per momenti diversi, dovendo, como si è detto, prima accertare Vesistenza dei fatto, poi apprezzarne ií rilievo che riveste rispetto allinteresse da tutelare, infine decidere se e con cjuali mezzi intervenire" (op. cit., p.1.108).

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tratamento jurisprudencial e doutrinário, pioneiras da teoria dos limites à discricionariedade.

Ao propormos uma teoria ampliada de limites à discriciona­riedade, considerando as outras categorias levantadas neste tra­balho, o desvio de-poder identifica-se com a hipótese de desconformidade do objeto com a finalidade.

A desconformidade vai, no entanto, mais além da traição da finali­dade, que sempre suporia um elemento subjetivo vestigial por parte do agente, e passa a abarcar todas as hipóteses da insatisfação, deliberada ou não, do interesse público específico contido na regra de finalidade.

É que o poder-dever que o exercício da discricionariedade pressupõe, como modalidade de competência, só se satisfaz quando o interesse público pode ser realmente atendido através do objeto escolhido. A intenção do agente é, como sempre, irrelevante; o que importa é a pertinência objetiva entre a alteração introduzida no mundo jurídico e a finalidade legal do ato.

Assim, aos exemplos clássicos do desvio do poder, são perfeitamente assimiláveis aqueles que evidenciem qualquer desatendimento da finali­dade, ainda que, eventualmente, pudesse estar atendido um outro inte­resse público não previsto na lei exeqiienda; o que se exige é essa conformidade (de outro modo, até a própria regra da competência ficaria comprometida).

Se, por hipótese, uma autoridade florestal, com o dever finalístico de proteger a cobertura vegetal nativa de uma reserva, proibisse, através de ato administrativo, o montanhismo na área, o juiz poderia sindicar a pertinência objetiva entre essa proibição (objeto) e a preservação florestal (finalidade), aplicando o princípio da razoabilidade. Observe-se, neste exemplo, que também a própria regra de competência do agente pode estar comprometida: compe­tência e finalidade são, afinal, verso e anverso da mesma medalha; ambas, condições de exercício do poder que andam juntas, de modo que o defeito de uma repercute na higidez da outra.

Coerentemente, portanto, a desconformidade do objeto com o interesse público vicia o ato administrativo, desvia a finalidadee é gravemente inconveniente.

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10.3. Eficiência do objeto

Finalmente, a discricionariedade não pode tomar-se um pre­texto para decisões ineficientes, assim consideradas as que aten­dam deficientemente ao interesse público definido na finalidade da lei.

Seria uma frontal violação ao princípio da razoabilidade admitir-se que o ato gravemente ineficiente estivesse acobertado pela lei; seria aceitar-se que o descumprimento do poder-dever da Administração de atender ao interesse público poderia ser poster­gado, comprometido, tergiversado ou, pior: que a "boa adminis­tração" pudesse ser juridicamente igualada à "má admi­nistração".

Nesse sentido, o princípio da oportunidade da ação admi­nistrativa é um corolário do princípio da supremacia do interesse público.10 11 Esta é a razão pela qual a Administração está obrigada a envidar todos os esforços para que a escolha dos meios seja a que melhores resultados produza em termos de atendimento do inte­resse público específico, contido na norma legal que ela deverá executar.

Dá-se, portanto, uma grave violação do princípio da razoabili­dade. É irrazoável que a Administração utilize a discricionariedade para, deliberadamente, não atingir suficientemente uma finalidade pública ou, mesmo, arriscar-se a não atingi-la.

Vale ainda recordar que a administração ótima não é a única melhor, mas a melhor possível nas circunstâncias u

A ineficiência, em suma, é uma insuficiência da conformidade.Aqui, já admitimos que a conformidade exista e, em nosso

roteiro metodológico, já tenhamos superado essa etapa. A inda­gação é, portanto, outra e se situa mais adiante: se o objeto se presta

10 R. G. Ehrhardt Soares, op. cit., p. 142. O mesmo autor explica que "para cada fim, há de haver uma só escala de meios".

11 Alessi tem, a respeito, como mencionamos, um entendimento mais moderado: seria o atingimento,pelo ato administrativo, de um grau mínimo cie interesse público.

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suficientemente a atender ao interesse público específico para o qual o ato foi editado.

Novamente, o problema é de razoabilidade, pois não há uma demarcação precisa entre o que seja eficiência ou ineficiência em termos de resultado de um ato administrativo vis-à-vis à sua finalidade.

Mas, sem dúvida, a grave ineficiência quase se assimila à desconformidade, na medida em que se desatende àquele interes­se - e isso é matéria de fato que repercute no Direito.

Ora, alguém deve dar a última palavra em termos de satisfa­ção, vinculada, do interesse público legislado: e esse alguém só pode ser o juiz. Como adiante se exporá, se se considerassem estanques as duas esferas, a administrativa e a judiciária, ao ponto de tomar- se impossível o exame de limites à discricionariedade em termos de razoabilidade, quedar-se-ia entregue exclusivamente à Admi­nistração, o controle jurisdicional das ilegalidades por acaso de­correntes do vício de finalidade, o que aberraria do sistema da unidade de jurisdição, por nós adotado.

Em suma, atender de forma grosseira ou gravemente inefi­ciente ao interesse público específico legislado constitui-se num vício de finalidade; uma ilegalidade passível de controle judiciá­rio, capaz de levar à anulação do ato assim defeituoso.

Não se trata de substituir, voltamos a esclarecer, a escolha da Administração pela escolha do Judiciário; a este Poder não cabe fazer opções administrativas (mérito), mas, sem dúvida, ele tem o dever de não permitir que elas se façam com violação da lei, ainda que indireta.

Tampouco se trata de exigir uma única solução ótima possível, do juiz, como também já examinamos, mas de zelar que a solução adotada não seja tão grosseiramente ineficiente que signifique o desprezo do dever da boa administração.

Essa avaliação, todavia, nada tem a ver com a realização material decorrente da ação administrativa. A eficiência deve ser considerada como limite à discricionariedade em tese.

Temos, assim, que a ineficiência se constitui num vício de finalidade, configurando uma modalidade de insuficiência objetiva da conformidade; uma ilegalidade que acarreta a nulidade do ato adminis­trativo.

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Capítulo XI

CONTROLE JUDICIÁRIO DA DISCRICIONARIEDADE

Assentado que o controle judiciário da discricionariedade não é mais o tema tabu que o positivismo jurídico afastava, peremp- toriamente, com a mera invocação da insindicabiíidade geral do mérito administrativo, vejamos como ora se situa, à luz da esque- matização de limites-proposta.

Como dissemos, embora o núcleo de escolhas administrativas que atendam otimamente ao interesse público continue insindicá- vel, os seus limites, especificados nos itens antecedentes, não só podem como devem ser contrastados pelo Judiciário.

Posta a questão nesses termos, o dissenso a respeito da sindicabilidade ou insindicabilidade do mérito não se resolve ex­clusivamente pela afirmação simplista de que o "poder discricioná­rio" é, "por definição", infenso ao controle judiciário. É como se se afirmasse axiomaticamente que o uso, mesmo defeituoso, da discri­cionariedade jamais causaria uma ilegalidade.

Acresce, ainda, que a defesa da insindicabilidade acaba se devendo a uma teimosa e distorcida concepção de separação de Poderes que " impediría" que um Poder do Estado obstasse o livre exercício da competência "exclusiva" de outro.

Os argumentos contra o exame judiciário de aspectos relati­vos ao mérito insistem ou na irrelevância jurídica dos pressupos­tos de fato ou, se a aceitam, na exclusividade de seu sopesamento pela Administração.

Há, realmente, que se considerar o argumento da separação de Poderes, pois nele tem origem grande parte da obstinação no

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estremar-se legalidade e discricionariedade com a mesma preo­cupação de estanqueidade com que se aparta o Poder Legislativo do Poder Executivo.

É inegável que nos países em que a jurisdição dos atos da Administração não cabe ao Poder Judiciário, mas a Tribunais Ad­ministrativos, como é o caso da França e da Itália, mais facilmente se superou o problema da, impropriamente denominada, "jurisdição do mérito".1 Sem dúvida, a especialização dos órgãos julgadores contribuiu para que, mais depressa, chegassem à conclusão de que o controle não deveria reduzir-se a "limites e perfis puramente exteriores".1 2

Mas, por outro lado, a adoção do sistema da unidade de jurisdição, concentrada quase que monopolisticamente no Poder Judiciário, precisamente porque não existe um contencioso ad­ministrativo especial ou, mesmo, especializado, não deve inibir os órgãos julgadores: exatamente porque não há outra solução para a defesa do administrado. Sem a superação do tabu, inúmeras formas de violação indireta da legalidade, os vícios de finalidade apontados neste trabalho, ficariam irremediavelmente excluídos do controle

1 Como denominada na doutrina (v. Ponticelli: La Giurisdizione di Mérito dei Consiglio di Stato. Indagine Storiche, Milão, 1958, ou Pototsching. "Origini e Prospecttive dei Sindicato di Mérito nella Giurisdizione Amministrativa", in Revista Trimestral de Direito Público, 1969, pp. 249 e segs.). Como exporemos adiante, o juízo não se dá sobre o mérito, em si, mas sobre o que exorbite de limites Iógico-jurídicos e, portanto, sujeitos a avaliação de racionalidade e razoabilidade.

2 E a expressão de G. Coraggio, na seguinte passagem de seu artigo: "Nella lógica di questa impostazione tanto piuü abnorme deve dunque sembrare che un giudice possa sindicare addirittura la convenienza delia gestione deli'interesse pubblico e penetrare cosi nel cuore stesso di un altro potere. Eppitre al momento delia inlroduzione dei sistema di giuslizia amministrativa, il legislatore, che era ben consapevole dellimportanza delle sue scelte, non avverti la incongruità di questa giurisdizione speciale e, senza lasciarsi fitarviare dalla improbabile immagine di un giudice amministratore, non esitò ad inserirlo nello storico processo di giurisdizionalizzazione delia tutela dei cittadino nei confronti deWamministrazione" {in op. cit., p. 141).

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jurisdicional, o que seria inadmissível no próprio sistema vigente (art. 5° XXXV, da Constituição).

Assim, embora o sistema do contencioso administrativo tenha o pioneirismo no controle da ilegalidade indireta, por vício de finalidade, nada justifica que detenha a sua exclusividade, pois o interesse no aperfeiçoamento do controle da exorbitância da dis- cricionariedade através do exame de seus limites lógico-jurídicos é comum e inafastável em qualquer sistema jurisdicional.

E não se pense, em conseqüência, que os pressupostos de fato não sejam contrastáveis, ou por serem juridicamente irrelevantes ou por ser, tal relevância, de exclusivo juízo da Administração. Na doutrina estrangeira é ainda Mortati que nega tal irrelevância jurídica, ensinando-nos que "todos os momentos da atividade humana são suscetíveis de assumirem caráter jurídico". Se se já está iniciando uma atividade jurídica, como o é a avaliação discricionária, os fatos que lhe servem de pressupostos são sindicáveis.3 4

Na doutrina nacional é bastante a autoridade de Caio Tácito, mostrando que os fatos, que lastreiam as opções discricionárias, não estão imunes ao controle judiciário.*

A plena cognição dos fatos é indispensável para que o juiz dela retire o que é sindicável e o que não é sindicável: pois se

3 "Ogni momento deWattività umana è sascettibile di assumere caratteregiuridico, e non può essere dubbio che venga ad acquistare rilievo pel diritto anche il momento iniziale deíYesercizio delia discrezionalità, che deve rivolgersi a considerare una determinata situazione di fatio, onde coglierne le componenti e valuterle al fine di decidere il se, il quando e ü come dei provvedere in ordine ad essa." (op. cit., p. 1.107).

4 Assim, em duas passagens: "O controle de legalidade não se limita, no entanto, aos requisitos exteriores do ato administrativo. Ele se aplica a toda a porção vinculada da função administrativa, compreendendo a fiscalização dos elementos essenciais, nos seus aspectos não discricionários. Não somente no tocante à competência ou à forma, como com relação ao objeto, aos motivos, ou à finalidade pode operar o veto jurisdicional" (op. cit., p. 49). E essa, mais direta: " A matéria de fato a que se relaciona a ação administrativa não está, portanto, vedada ao acesso da apreciação do juízo." (op. cit., p. 68).

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alguém deve dar a última palavra sobre os limites da discriciona- riedade, há de ser o Judiciário. Para definir o que é legalidade e o que é mérito, só examinando os motivos, para buscar o que excede do juízo de oportunidade, e o objeto do ato, para perquirir o que excede do juízo de conveniência.0

Não nos demoraremos a reexaminar essas falácias, pois acre­ditamos que a teoria dos limites tornou-as obsoletas: o que se sujeita no ato administrativo à apreciação judiciária, portanto, não é discricionariedade em si, mas o resultado de seu exercício e, ainda assim, no que exorbitou dos limites da ordem jurídica.

Recolhemos, de três dos mais eminentes administrativistas brasileiros da atualidade, depoimentos que se nos parecem coin­cidentes em seus largos traços e conclusivos a respeito da sindi- cabilidade em exame: Caio Tácito, Hely Lopes Meirelles e Cretella Júnior.

De Caio Tácito: "Ao controle jurisdicional incumbe, exata­mente, a limitação do poder discricionário"... "A opinião de que somente poderá o exame jurisdicional percorrer os elementos extrínsecos do ato repousa em uma falsa concepção do mérito".5 6

De Hely Meirelles: "No mais, ainda que se trate de poder discricionário da Administração, o ato pode ser revisto e anulado pelo Judiciário, desde que, sob o rótulo de mérito administrativo, se aninhe qualquer irregularidade resultante de abuso ou desvio do poder".7

5 A respeito de plena cognição, eis a indicação de Coraggio: "Poiché, rileviamo ancora una volta, anche questo sindicato cosi penetrante nun può tradursi sul piano proecesuale che in una piena cognizione dei fatti, como è diniostrato dalla circostanza che né in sede giudiziarm nc in sede dottrinale è stata awertita alcitna áissonanza rispetto alie altre forme di ginnsdizione: per esso, insomma, non si è mai posto un problenia di appropriazione da parte dei giudice delValtrui autonomia, diritto, potere, ecc. In ogni caso, infatti, non si tratta di sostituirsi ad altri nella gestione di interesse, sovvertendo Vordine naturale delle competenze, ma di accertare delle evenienze e di qualificarle sulla base di un parametro eslerno ed objettivo" (op. cit., p. 143, nosso grifo).

6 Direito Administrativo, op. cit., p. 68.7 Direito Administrativo Brasileiro, op. cit., p. 115.

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E de José Cretella Júnior: "Só determinados aspectos do merecimento (e não todos) é que são exorbitantes da noção de legalidade".8

São, portanto, esses elementos ou dimensões do mérito, como os chamamos, a oportunidade e a conveniência, que devem ser examinados sempre que se pretenda concluir pela sua conformi­dade ou desconformidade à ordem jurídica.

O Judiciário não tem, assim, diretamente, voltamos a insistir em benefício da clareza, a tutela da legitimidade, pois que esta, no Estado Democrático, é, em última análise, do povo e de seus representantes eleitos; mas tem-na indiretamente, a partir da defi­nição positivada de legitimidade que se contém na norma legal, explícita ou implicitamente, quando autoriza à Administração o exercício da discricionariedade.

Confrontando a oportunidade e conveniência do ato pratica­do com os seus limites técnicos, o julgador está em condições de contrasteá-lo com padrões objetivos que conduzam à satisfação da legitimidade implícita na finalidade legal.

Quando a lei faz uma previsão específica incompleta do interesse público caberá ao Judiciário examinar se a Administração a comple­tou coerentemente com o sistema, utilizando os princípios instrumen­tais da realidade e da razoabilidade. A integração deve ter a mesma natureza axiológica do ato integrado.

Esses dois instrumentos principiológicos podem adquirir surpreendente precisão se forem, para isso, aplicados com lógica e objetividade. Eles devem estar presentes, informando a consentanei- dade do mérito do ato com o interesse público específico, numa razão de todo para parte, pois integrar é completar uma partefaltante de um todo.

A parte, que consiste na definição discricionária do interesse público feita no mérito, deve estar logicamente contida no todo: a definição legal que se deixou incompleta, desse interesse público específico, explícita ou implícita na norma.

8 Tratado de Direito Administrativo, op. cit., vol. II, p. 196.

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O silogismo judiciário pode ser precisamente montado, com a premissa maior na finalidade da norma e a premissa menor no mérito do ato, de modo a evidenciarem-se o pertinet ou as impertinências: o respeito ou a exorbitância dos limites à discricionariedade.

Observe-se que, nessa tarefa, o instituto da discricionariedade não fica comprometido mas, ao contrário, valorizado, na medida em que sua proteção não mais se vincula a uma praxe acomodada da doutrina e dos tribunais, mas a um sisteina racional e permanentemente aprimorável.

Expungidos os abusos e desvios, que advêm da violação dos limites à discricionariedade, e verdadeiramente convergentes para a realização do interesse público contido na sua finalidade legal, o ato administrativo discricionário passa a ser uma realidade doutri- nariamente aperfeiçoada, com geral benefício para a pública admi­nistração e, mais ainda, para os administrados.

O controle dos limites estimula a edição de atos administra­tivos transparentes, bem travejados, bem motivados, claramente definidos, coerentes, confiáveis, afastando os "insindicáveis", in- quietante categoria de atos administrativos que rescendem a ran­ços positivistas, estatizantes, autoritários e ideológicos, odores que muito se confundem, que sob a proteção de tabus doutriná­rios, da inércia e da desinformação científica, tanto prosperaram, semeando a dúvida, o temor e a desconfiança na ação administra­tiva; em síntese: a insegurança jurídica.

Com o novo instrumental da realidade e da razoabilidade, o Judiciário pode corrigir esse quadro, que esperamos não ter pin­tado com tintas muito carregadas, tal o nosso empenho em defen­der o controle (pois, no coração de todo profissional de Direito, seja qual for o ramo de atividade a que se dedique, pulsa a paixão germinal do advogado por sua causa).

O judiciário pode, assim, anular atos administrativos discricioná­rios, fundados em inexistência de motivo, insuficiência de motivo, inadequabilidade de motivo, incompatibilidade de motivo, des- proporcionalidade de motivo, impossibilidade de objeto, descon- formidade de objeto e ineficiência de objeto, apenas controlando os limites objetivos do exercício discricionário.

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O que se defere ao Judiciário é, portanto, uma tarefa que é, por definição, materialmente sua - o controle de legalidade - um poder-dever que lhe é próprio.9 10

O controle dos limites, que neste livro se preconiza, não é, portanto, a negação da discricionariedade nem, tampouco, a subs­tituição do administrador pelo juiz, se não que, diferentemente, é a sua afirmação e reforço, pela precisão que introduz no conceito do instituto e em sua inserção no sistema, mas, sobretudo, pela segurança jurídica que proporciona ao administrado, em última análise, origem e destinatário da ordem jurídica.1'

A sindicabilidade jurisdicional, desenvolvida segundo a téc­nica exposta, não importa absolutamente numa reavaliação do

9 Celso Antonio Bandeira de Mello, tantas vezes citado neste trabalho, e com toda justiça, pois poucos a dministrati vistas dedicaram-se tanto e tantas vezes ao tema da discricionariedade, ao concluir o seu artigo sobre "Discricionariedade Administrativa e Controle Judicial" in Revista de Direito Público, n° 32, nov.-dez., 1974, expressou-se, com sua habitual precisão, a qual nem, mesmo um pouco de gongorismo, a que indulgentemente se permite, prejudica, no sentido do reconhecimento, ao Judiciário, de não apenas um direito, mas um dever de proceder à verificação da "correlação lógica entre os suportes materiais do ato e o conteúdo idôneo para o atendimento dos fins que a lei elegeu como perseguíveis no caso". E conclui: "Este exame é tanto mais necessário quando se sabe que os riscos para os direitos e garantias individuais valores especialmente caros ao Estado Moderno avultam sobreposse nos casos em que a Administração desfruta de certa discricionariedade". Pouco fica a acrescentar.

10 Como expõe Odete Medauar, também em conclusão a seu artigo sobre o Poder Discricionário da Administração: "O Juízo de conveniência e oportunidade não pode ser apreciado pelo Judiciário, pois haveria a substituição do administrador pelo juiz nessa zona livre conferida à autoridade administrativa".Tendo em vista haver limites, como já se afirmou, o Judiciário verificará se o poder discricionário não os ultrapassou; o juiz apreciará se a demarcação dessa zona livre foi observada (in Revista dos Tribunais, n° 75, ago. 1986, vol. 610, p. 45). Tem toda razão a ilustre autora, e ajuntamos: "zona livre" não pode ser confundida com "zona incerta", mas, cada vez mais, uma "zona de certeza", na expressão de Garcia de Enterría...

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mérito, como poderá parecer aos que se aferram a conceitos dou­trinários ultrapassados, mas na verificação de sua conformidade a limites.

O Judiciário não examinará o mérito senão no necessário para nele identificar uma eventual exorbitância. Tampouco cabe- lhe redefinir, a pretexto do exercício do controle, o interesse público, pois essa definição é privativa do Legislativo e, residual­mente, da própria Administração.

O juiz parte da definição legal e primária do interesse públi­co, cabendo-lhe zelar, em sua atividade de controle da discricio- nariedade da Administração, para que sua definição residual, integrativa e derivada, com aquela se harmonize.

Concluímos com um caveat: o aperfeiçoamento do Estado Democrático de direito não se atinge com a defesa anacrônica de prerrogativas de poder que medram e se homiziam em zonas de incerteza jurídica, mas com avanços nos espaços ensolarados da sindicabilidade e da responsabilidade, que haverão de nos pro­porcionar as teorias que evoluem, transitam e porfiam nos debates forenses e doutrinários.

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SUPLEMENTO

A Constituição de 1988 pode ser considerada um ponto de inflexão na linha evolutiva da doutrina e da jurisprudência da discricionariedade no Brasil. Na doutrina, consolida-se uma nova visão crítica do instituto limitativa do alcance do podei' discricionário e na jurisprudência, afirma-se o controle jurisdicional da existência, da suficiência, da adequabilidade, da compatibilidade e da proporcionalida­de dos motivos bem como da possibilidade, da conformidade e da eficiência do objeto.

Com efeito, na doutrina, já no ano seguinte, além da primeira edição deste modesto trabalho,1 surgia a monografia de Carlos Roberto de Siqueira Castro, O Devido Processo Legal e a Razoabili- dade das Leis, em que demonstrava a estrita relação entre a cláusula anglo-saxônica do due process of lazo e o conceito jusfilosófico continental da razoabilidade, entendidos, portanto, ambos, como instituições abrangentes de todos os ramos do Direito.1 2 3

A década atual, dos anos noventa, se inicia auspiciosamente com a edição, logo em 1991, de um precioso opúsculo de Lúcia Valle Figueiredo, Controle da Administração Pública, no qual a autora, reafirmando lições pioneiras já encontradas em seu Curso de Direito Administrativo3 e em seu clássico artigo "Discriciona­riedade: Poder ou Dever?",4 dá especial relevo à exigência emer­gente "de inferir a congruência lógica entre a atuação administrativa e

1 Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1989.2 Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1989.3 São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 46.4 São Paulo, in Curso de Direito Administrativo, obra coletiva, Ed. Revista dos

Tribunais, 1986, pp. 120 a 135.

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a necessidade invocada"? dedicando uma página ao princípio da razoabilidade.

Segue-se, no mesmo ano, a monografia de Maria Sylvia Zanella di Pietro, Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988, na qual a ilustre Professora Titular da Universidade de São Paulo, em brilhante tese, fundamenta na Constituição os novos instrumentos técnicos que se apresentam para um efetivo controle da discricionariedade.<>

No ano seguinte, em 1992, Caio Tácito, em conferência pro­nunciada no Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio, posteriormente publicada na Revista de Direito Admi­nistrativo, sob o título "A Razoabilidade das Leis", retomando a linha de sua tese de concurso, publicada em 1961, sobre O Desvio de Poder em Matéria Administrativa, recorda o trabalho pioneiro no Brasil de Francisco Clementino de San Tiago Dantas sobre o conceito substantivo de devido processo da lei (substantive due process) e da importância da legitimidade na conceituação do padrão de razoabilidade (reasonableness standard)7 e aponta na teoria do desvio de poder uma importante vertente dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade no Direito brasileiro.8

Ainda em 1992, Celso Antônio Bandeira de Mello, publica a monografia Discricionariedade Administrativa e Controle Jurisdicio- nal, em que examina, os novos fundamentos de controle da dis­cricionariedade em três Capítulos: o 'poder' discricionário, o desvio de poder e o motivo, causa e motivação do ato administra­tivo.9

Também no mesmo ano, Odete Medauar publica um dos livros mais instigantes da década, O Direito Administrativo em Evolução, no qual, entre vários temas correlatos, dedica um item, relativamente extenso, à discricionariedade, no qual parte da 5 6 7 8 9

5 Opúsculo, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1991, p. 9.6 São Paulo, Ed. Atlas, 1991.7 Revista Forense, 1948, vol. 116, p. 357.8 Revista de Direito Administrativo, 204; 1-7, abr.-jun. 1996.9 São Paulo, Malheiros Editores, 1992.

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revolucionária concepção de Massimo Severo Giannini, que tende a considerá-la como uma ponderação comparativa de interesses, para, a partir daí, discorrer sobre as novas técnicas de controle, fazendo expressa referência aos princípios específicos da doutrina alemã derivados da proporcionalidade: o da adequação, entre a medida e o objetivo; o da necessidade, considerando se medida menos grave poderia bastar, e o da proporcionalidade em sentido estrito, verificando se acaso existe exagero de meios em relação aos fins pretendidos.10 11

Em 1994 destaca-se como contribuição à nova linha, a obra de Cármen Lúcia Antunes Rocha, Princípios Constitucionais da Administração Pública, na qual a autora examina, no elenco daque­les princípios, a proporcionalidade e a razoabilidade, atribuindo- lhes também um nível de maior amplitude que o trabalhado no Direito Administrativo, mas com idêntico sentido interpretativo.11

Em 1995, duas obras de juristas gaúchos são especialmente importantes na evolução em resenha. A primeira, de Juarez Frei­tas, Estudos de Direito Administrativo, na qual vincula a discricio­nariedade aos princípios e mostra que a diferença entre atos administrativos vinculados e discricionários "reside antes no mai­or ou menor grau de vinculação ao princípio da legalidade estrita que no grau de liberdade do agente na consecução dos atos da administração ou de prestação do serviço público".12 13 A segunda obra é de Raquel Denize Stumm, O Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro, dissertação de mestrado prefa­ciada por seu orientador, Professor Almiro do Couto e Silva, na qual a autora estuda em profundidade aquele importante princí­pio e suas aplicações práticas.1,

No ano de 1996, Caio Tácito, revê o tema no artigo Vinculação e Discricionariedade Administrativa, agora examinando os princí­

10 São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1992, pp. 184 a 191.11 Belo Horizonte, Ed. Livraria Del Rey, 1994, pp. 52 a 55.12 São Paulo, Malheiros Editores, 1995, pp. 126 a 146.13 Porto Alegre, Ed. Livraria do Advogado, 1995.

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pios constitucionais aplicáveis à administração pública para neles apontar a importância da finalidade e a expansão do próprio conceito de legalidade para conter a exigência de que "os motivos determinantes sejam razoáveis e o objeto do ato proporcional à finalidade declarada ou implícita na regra de competência".14

Também no ano de 1996, mais um constitucionalista de conceito, Luís Roberto Barroso, discorrendo no artigo "Os Prin­cípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade no Direito Cons­titucional", reforça a tese ao retomar as raízes do due process e atualizar o tema, recordando, no final de seu cuidadoso artigo, que nos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte o princí­pio da razoabilidade constava de diversos projetos, sendo que o texto aprovado pela Comissão de Sistematização reconhecia ex­pressamente, no caput do art. 44, que a razoabilidade é requisito da legitimidade, exatamente nos termos em que se encontra proposto nesta monografia.15

Em 1997, Juarez Freitas retoma e desenvolve a linha de suas pesquisas em O Controle dos Atõs Administrativos e os Princípios Fundamentais, mostrando a importância de transcender os contro­les meramente legalistas e formalistas para que se possa desen­volver um sistema de controles mais abrangente, juridicista e substantivo, com ênfase nos princípios.1& 17

Na Jurisprudência o controle da discricionariedade tem es­pelhado essa evolução doutrinária, sendo, até mesmo, um dos aspectos em que melhor se constata em nitidez e pujança a tran­sição deste fim de século de um Judiciário de feição clássica, com uma visão ortodoxa da\separação de poderes e restrito, por isso, à função de "aplicar a lei a casos particulares",1' para um Judiciário coparticipante do sistema governativo e, por isso, corresponsável

14 Revista de Direito Administrativo, vol. 205, pp. 125-130, jul.-set. 1996.15 Revista Forense, vol. 336, ano 92, out., nov. e dez. de 1996, pp. 124 a 136,

citação à p. 135.16 São Paulo, Malheiros Editores, 1997, vide pp. 51 e 52.17 Pedro Lessa. Do Poder Judiciário, Rio de Janeiro, Ed. Francisco Alves, 1915,

p .l.

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pela observância de certos princípios fundantes do Estado e do Direito, ainda quando isso signifique aferir não mais, apenas a legalidade estrita dos atos dos poderes públicos, como preconizava a tradicional visão positivista, mas uma legalidade expandida, en­volvendo sua legitimidade (como ocorre no controle da razoabili­dade e da proporcionalidade da discricionariedade) e sua licitnde (como se dá no controle da moralidade administrativa).

Várias ampliações do poder judicante vêm desfigurando paulatinamente o modelo clássico de aplicação da lei, introduzido pela velha Escola da Exegese francesa, plenamente afirmada com a publicação do Código Civil de 1804, que, em síntese, identificava o direito à lei (toute la loi, mais rien que la loi), aproximando, por outro lado, o novo modelo em surgimento, de um certo modo, da vertente anglo-saxônica da common law, que faz do magistrado não um aplicador da lei, mas um aplicador do direito, que, por este motivo, deve ser por ele " descoberto" e expressado como a norma adequada aos casos concretos, tal como se originou na antiga tradição romana, que tinha no pretor a lei falante (non ex regula juris sumatur, sed exjure, quod est, regidafiat), Paulo, "Da regra não se extraia o direito, ao contrário, com o direito, tal qual na essência ele é, construa-se a regra".18

Nesse Judiciário que está transcendendo seu papel clássico para dar desenvolvimento a funções políticas, embora não par­tidárias, cabe-lhe não apenas aplicar a norma ao caso concreto como adaptá-la, integrar a ordem jurídica e até examiná-la quanto à sua legalidade no sentido amplo, que envolve, sem dúvida, sua legitimidade, naqueles pontos em que os padrões principiológicos constitucionais põem em evidência uma irrazoabilidade.19

Nessa linha, Manoel Gonçalves Ferreira Filho aponta como primeira brecha aberta no tradicional sistema de exclusivo con­trole de legalidade o pressuposto da lesividade para a ação popular,

18 Apud Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 5a ed., Rio de Janeiro, Ed. Freitas Bastos, 1951, n° 51.

19 V., de Humberto Theodoro Júnior, "A missão política do Poder Judiciário", m Revista Forense, vol. 266, a. 75, abril, maio e junho de 1979, p. 266.

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introduzido no art. 113, § 34, da Constituição de 1934, com a abertura do caminho para que o juiz apreciasse certos aspectos do outrora intangível mérito da decisão administrativa.20

Quanto à evolução da jurisprudência, Caio Tácito, em artigo já mencionado, valendo-se de pesquisa própria e as desenvolvi­das por vários autores a que se refere, em especial do levantamen­to feito por Gilmar Ferreira Mendes em artigo publicado no Repertório IOB de Jurisprudência,21 indica como pioneiro na preo­cupação em controlar limites de razoabilidade dos atos do Poder Público, um acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 21 de setembro de 1951, relatado pelo Ministro Orozimbo Nonato,22 23 comentando que se retomava, "a este propósito, a concepção de que o poder fiscal deve ser exercido moderadamente, como Bilac Pinto documenta, à luz da elaboração da jurisprudência norte- americana (Finanças eDireito-Revista Forense - vol. 82, p. 551 s.)"/1

Caio Tácito indica, a seguir, em seu artigo, vários acórdãos voltados a fulminar leis irrazoáveis, prolatados nos anos seguin­tes, cada vez mais freqüentes e iterativos, ainda porque seu artigo se concentra sobre a razoabilidade das leis. Especificamente, todavia, quanto ao ato administrativo, é feita uma referência a decisão do Supremo Tribunal Federal que "considerou inaceitável a norma regulamentar de concurso para a magistratura que submetia os candidatos a julgamento secreto e subjetivo de idoneidade, cor­respondente a veto arbitrário à aprovação de candidato (acórdão de 10 de abril de 1987 no recurso Extraordinário n. 111.400 - Revista Trimestral de Jurisprudência - vol. 122, p. 1130/s.)".24

Após o cuidadoso trabalho de respiga de Caio Tácito, publi­cado em 1996, veio a acrescentar-se um acórdão mais recente da Suprema Corte confluindo para confirmar essa tendência de dilatar o

20 Manoel Gonçalves Ferreira Filho, "Poder Judiciário na Constituição de 1988, Judicialização da Política e Politização da Justiça", in Revista de Direito Administrativo, vol. 198, out.-dez. 1994, p. 4.

21 V. nota 8, supra.22 Revista Forense, vol. 145, p. 164.23 V. nota 8, supra.24 V. artigo citado na nota 8, supra.

Page 102: ÕES SOBRE OS NTROLE DA ARIEDADE

exame do exercício da discricionariedade com o objetivo de per­mitir ao Judiciário verificar se â finalidade da lei (ou da Constituição, no caso de leis), foi observada pelo administrador (ou pelo legislador).

Trata-se do Acórdão no Recurso Extraordinário n° 192.568, julgado em 23 de abril de 1996, em que foi Relator o Ministro Marco Aurélio; em sua Ementa o princípio da razoabilidade é invocado para lastrear a presunção de que a abertura de um concurso público deva dar-se com o objeto de preenchimento das vagas existentes, de modo que "Exsurge configurador de desvio de poder, ato da Administração Pública que implique nomeação parcial de candidatos, indeferimento da prorrogação do prazo do concurso sem justificativa socialmente aceitável e publicação de novo edital com idêntica finalidade".25 Uma derradeira conclusão que se pode retirar dos elementos trazidos neste Suplemento toca ao próprio conceito atual de legalidade. Tudo indica que ocorreu uma expansão. O universo jurídico não se confina mais ao campo delimitado dos preceitos, em que bastava uma coerência formal entre o ato administrativo e a lei para satisfazer a legalidade. Essa legalidade tinha então meramente um sentido estrito.

O que se vem apreciando é que o universo jurídico se ampli­ou para nele conter-se a legitimidade e a moralidade, referidas ambas ao campo mais vasto dos princípios, exigindo-se, por isso, tam­bém, uma coerência substantiva entre o ato administrativo e a lei, para satisfazer a juridicidade plena, ou seja, a legalidade em seu sentido amplo.

E assim, admiravelmente acaba-se retornando, como obser­va com agudeza o insigne Mestre Caio Tácito, "a regra da obser­vância da finalidade da lei",26 pois essa nova e ampla noção de legalidade lato sensu, que se apresenta expandida pelos princípios da realidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, da motivação adequada e do próprio conteúdo substantivo do devido processo, nada mais vem a ser que a realização da perfeita harmonia entre meios efins, o que caracteriza, em suma, a boa administração.

25 Revista de Direito Administrativo, vol. 206, out.-dez., 1996, p. 1S5.26 Caio Tácito, artigo citado na nota 8, p. 7.

Page 103: ÕES SOBRE OS NTROLE DA ARIEDADE

CRONOLOGIA DE AUTORES E OBRAS(Algumas obras com maior pertinência

sobre os assuntos tratados)

1887 -

1905-1906 -

1910 -

1912 -

1922 -

1924 -

1925 -

1926 -

1928 -

1928 -

1932 -

1938 -

1939 -

1939 -

1940 -

1940 -

1941 -

1942 -

1948 -

Ferdinand Tõnnies, Gemeinschaft und Gesellschaft.Georg Jellinek, System der Subjektivem õffentlichen Rechte. Cino Vitta, "Nozione degli attí amministrativi", in Giuris- prudenza Italiana.Rudolf von Laun, Das Freie Ermessen und seine Grenzen. Oreste Ranelletti, Principii di Diritto Amministrativo.Max Weber, Wirtschaft und Gesellschaft.Otto Mayer, Verwaltungsrecht.Hans Kelsen, AUgemeine Staatslehre.Ugo Forti, Lezioni di Diritto Amministr ativo.Carl Schmitt, Verfassungslehre.Carl Schmitt, Legalitdt und Legitimitat.Francesco D'Alessio, Istituzioni di Diritto Amministr ativo. Luigi Raggi, Diritto Amministr ativo.Guido Zanobini, Corso di Diritto Amministrativo.A. Lentini, Istituzioni di Diritto Amministrativo.Nino Pappalardo, "In Tema di Invalidità delFAtto Ammi­nistrativo per Vizi di Mérito", in Scritti Giuridici in Onore di Santi Romano.Rafaelle Resta, "L/Onere di Buona Amministrazione", in Scritti Giuridici in Onore di Santi Romano.Miguel Seabra Fagundes, O Controle dos Atos Administra­tivos pelo Poder Judiciário.Guglielmo Ferrero, The Principies of Power.Cino Vitta, Diritto Amministrativo, I.

Page 104: ÕES SOBRE OS NTROLE DA ARIEDADE

1949 - Georges Burdeau, Traité de Science Politique (até 1956). 1950- Guilherme Ehrhardt Soares, Interesse Público, Legalidade e

Mérito.1950 - Massimo Severo Giannini, Lezioni di Diritto Amministrativo. 1950- Rudolf von Laun, "Objektivitát und Interessenvertre-

tung", in Scritti Giuridici in Onore de F. Carnelutti.1950- G. Mieli, Principii di Diritto Amministr ativo.1954 - Aldo Sandulli, Manuale di Diritto Amministr ativo.1954 - Michel Stassinopoulos, Traité des Ades Administratifs.1956- Maurice Duverger, Droit Constitutionnel et Institutions Po-

litiques.1957- Constantino Mortati, "Discrezionalità", in Novissimo Di-

gesto Italiano.1959- Georges Vedei, Introduction aux Études Politiques - Droit

Constitutionnel et Institutions Politiques (1960).1960- Seymour Martin Lipset, Political Man.1960 - Victor Nunes Leal, "Poder Discricionário e Ação Arbitrá­

ria da Administração", in Problemas de Direito Público.1961 - Germán Bidart Campos, "Razonabilidad, Arbitraridad y

Contralor Judicial", in Revista dei Colégio de Abogados de La Plata.

1962 - André Gonçalves Pereira, Erro e Ilegalidade no Acto Admi­nistrativo.

1963 - Santi Romano, El Ordenamiento Jurídico.1963- M. Waline, Droit Administratif.1963 - Luís Recaséns Siches, Panorama dei Pensamiento Jurídico dei

SigloXX.1963- Miguel Reale, Pluralismo e Liberdade.1965 - Miguel S. Marienhoff, Tratado de Derecho Administrativo. 1965- Georges Burdeau, Droit Constitutionnel et institutions poli­

tiques.1966 - José Cretella Júnior, Tratado de Direito Administrativo, II.1967 - Norberto Bobbio, "Sur le Príncipe de Légitimé", in Annales

de Philosophie Politique.1967 - Alessandro Passerin D'Entrèves, "Legalité et Légitimité"

in Annales de Philosophie Politique, V.

Page 105: ÕES SOBRE OS NTROLE DA ARIEDADE

1968 - David Easton, Uma Teoria de Análise Política.1968 - Armando Emílio Grau, "La Razonabilidad en el Procedi-

miento Administrativo Argentino", in Revista de Ciências Administrativas.

1969 - Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Princípios Gerais deD ir ei to Ad m i n istra tivo.

1970 - Georges Burdeau, La démocratie.1971 - Giuseppe Fazzio, Sindicabilità e Motivazione degli Atti Am-

ministrativi Discrezionali.1972 - Karl Mannheim, Liberdade, Poder e Planificação Democrática. 1972 - José Canasi, Tratado de Derecho Administrativo.1974 - Celso Antonio Bandeira de Mello, "Discricionariedade Admi­

nistrativa e Controle Judicial", in Revista de Direito Público.1975 - Caio Tácito, Direito Administrativo.1975 - Georges Vedei, Droit Administratif.1975- Celso Antonio Bandeira de Mello, "Discricionariedade -

Fundamentos - Natureza e Limites", in Revista de Direito Público.

1976 - Giancarlo Coraggio, "Mérito Amministrativo", in Enciclo­pédia dei Diritto.

1977- Agustín Gordiílo, "Princípios Gerais do Direito Público", in Revista dos Tribunais.

1977 - Marcello Caetano, Princípios Fundamentais de Direito Admi­nistrativo.

1978 - Walter Campaz, "Discricionariedade", in Revista de DireitoPúblico.

1978- José Eduardo Faria, Poder e Legitimidade - Uma Introdução à Política do Direito.

1981 - Agustín Gordiílo, Problemas dei Control de la Administración Pública en America Latina.

1982- L. Meucci, Istituzioni di Diritto Amministrativo.1983- Norberto Bobbio, Artigos in Diúonario di Política, Utet. 1983- Jesus Gonzales Peres, El Principio de la Buena Fe en el

Derecho Administrativo.1983 - Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de Direito Admi­

nistrativo, 6a ed.

Page 106: ÕES SOBRE OS NTROLE DA ARIEDADE

1983- Celso Antonio Bandeira de Mello, Elementos de Direito Administrativo.

1986- Paulo Bonavides, Ciência Política.1986 - Sérgio Ferraz, "Institutos de Defesa dos Administrados",

in Curso de Direito Administrativo (obra coletiva).1986 - Lucia Valle Figueiredo, "Discricionariedade; Poder ou De­

ver", in Curso de Direito Administrativo (obra coletiva).1986- Odete Medauar, "Poder Discricionário da Administra­

ção", in Revista dos Tribunais.1986- Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro.1989 - Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de Direito Admi­

nistrativo, 9a ed., pp. 79 a 81, 92 e 499 a 505.1989 - Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Legitimidade e Discrici­

onariedade, I a ed.1991 - Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Legitimidade e Discrici­

onariedade, 2a ed.1991 - Maria Sylvia Zanella di Pietro, Discricionariedade Adminis­

trativa na Constituição de 1988.1991 - Lucia Valle Figueiredo, Controle da Administração Pública.1992 - Celso Antonio Bandeira de Mello, Discricionariedade Admi­

nistrativa e Controle Jurisdicional.1992 - Odete Medauar, O Direito Administrativo em Evolução.1994- Antonio Francisco de Souza, Conceitos Indeterminados no

Direito Administrativo.1995 - Miguel Beltrán de Felipe, Discrecionalidad Administrativa y

Constitución.1995- Juarez Freitas, Estudos de Direito Administrativo.1997 - Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de Direito Admi­

nistrativo, 11a ed., 2a tir., pp. 71,72,73,74,82,106,170 e 432.1998- Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Legitimidade e Discri­

cionariedade, 3a ed., Revista e Atualizada.

Page 107: ÕES SOBRE OS NTROLE DA ARIEDADE

ÍNDICE ALFABETICO-REMISSIVOA

Adequabilidade, 61 do motivo, 65 e compatibilidade, 65 e desconformidade do objeto, 48

Administração Pública, 22 Administrador, 25 ALESSI, Renato, 26, 39,53 e 76

Anulação de atos administrativos dis­cricionários, 84

AREXDT, Hannah, 8 Ato administrativo, 40 Ato discricionário, 36, 82 AURÉLIO, Marco, 93

B

BACCA, Garcia, 55, 58 BALANDIER, Georges, 18 BANDEIRA DE MELLO, Celso Anto­

nio, 1, 28, 31, 35, 37, 38, 69, 70, 85, 88, 97 e 98

BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha, 28, 51, 57,69 e 97

BARROSO, Luís Roberto, 90 BENVENUTI, E. D., 47 BIERSTEDT, R., T8 BLATCHFORD, 58 Boa administração, 38, 40, 42, 43 e 93 BOBBIO, Norberto, 6, 7,17, 96 e 97 BONAV1DES, Paulo, 6 e 98 BONNARD, Roger, 62

BRECHT, Amold, 18 BURDEAU, Georges, 6,18, 96 e 97

C

CAETANO, Marcello, 72,73 e 97 CAMPAZ, Walter, 32, 35 e 97 CAMPOS, Germán Bidart, 58 e 96 CANASIJosé, 16 e 97 CASTRO, Roberto de Siqueira, 87 Causa, 27 CELSO, 10 CÍCERO, 13 e 16Ciências descritivas e normativas, 54 Compatibilidade, 61

do motivo, 66 Competência, 26 Concurso, 4 e 13 Conformidade, 71

do objeto, 73 Congruência, 67 Controle

de legalidade, 85judiciário da discricionariedade, 79

Conveniência, 48, 50, 57 e 83 limites à, 71

CORAGGIO, G., 47, 80,82 e 97 CRETELLA Jr., José, 16, 27, 46, 72, 73,

82,83 e 96

D

D'ALESSÍO, Francesco, 23, 45 e 95

Page 108: ÕES SOBRE OS NTROLE DA ARIEDADE

DANTAS, Francisco Clementino de San Tiago, 88

D'ENTRÈVES, A. Passerin, 6 e 96 DAHL, Robert, 18 Desconformidade do objeto, 75 Desnecessidade, 46 Desproporcionalidade, 66 Desvio de finalidade, 52 Desvio de poder, 74 DEUTSCH, Karl, 18 DEVVEY, 55 DILTHEY, W., 55 Dimensões do mérito, 83 Direito, 13Direito Administrativo, 1 Discricionariedade, 31, 32, 33, 34, 37,

43, 46, 47 e 58 Controle da, 79

Discricionário atividade, 36 ato, 36 função, 50 poder, 36

DUVERGER, Maurice, 8 e 96

E

EASTON, David, 17e97 Eficiência, 7, 8,41 e 71

do objeto, 75 ELY, Chinoy, 18 Estado

de Direito, 5 ,13 ,17 e 20 Democrático, 5 ,13 e 20 Democrático de Direito, 13, 14, 21,

22 e 43ETZIONT, Amitai, 18 Existência, 61

do motivo, 61

F

I AGIOLARI, 39

FALLA, Garrido, 52 FARIA, José Eduardo, 6 ,7 , 8 e 97 FAZZIO, Giuseppe, 97 FELIPE, Miguel Beltrán de, 98 FERRAZ, Sérgio, 42,98 FERREIRA Filho, Manoel Gonçalves,

91 e92FERRERO, Guglielmo, 6 e 95 FIGUEIREDO, Lúcia Valle, 40, 87 e 98 Fim público, 24Finalidade, 28,29,38,68, 73,77 e 93 FLORENTINUS, 19 e 21 FORSTHOFF, Ernest, 52 e 53 FORTI, Ugo, 23 e 95 FREITAS, juarez, 89, 90 e 95 FRIEDRJCH, Carl, 18 FUNÇÃO, 39

G

GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo, 85 GIANNINI, Massimo Severo, 20, 39,

45, 63, 88 e 96GORDILLO, Agustín, 57,58,61,63,65,

69 e 97GRAU, Armando Emílio, 58 e 97

H

HAURIOU, Maurice, 25HECK, Philipp, 55 e 58EIELLER, Hermann, 16HOBBES, Thomas, 18HOLLANDA, Aurélio Buarque de, 19HULMES, Oliver Wendell, 55

I

Incompatibilidade do motivo, 68 Inconveniência, 73 Ineficiência, 76 e 77 Inoportunidade, 63 e 66

PÕS-G

RADU

AÇÃO

Page 109: ÕES SOBRE OS NTROLE DA ARIEDADE

Insegurança jurídica, 89 Intenção do agente administrativo, 26 Interesse, 11 e 41

Interesse público, 11,12, 20, 21, 26, 38 e 41específico, 51 e 59 legislado, 77 metaindividual, 11 originário, 27

J

JELLINEK, G., 21, 52e95 JOUVENEL, Bertrand de, 18 Juiz, 25

K

KAPLAN, Abraham, 18 KELSEN, Hans, 15, 32 e 95 KIDD, Benjamin, 18

L

LACAMBRA, Lagaz, 52 LADRIÈRE, Jean, 18 LAU\, Rudolf, 23, 26,52, 95 e 96 LASSWELL, Harold, IS LEAL, Victor Nunes, 53 e 96 Legalidade, 2, 5, 7, 8, 13, 22, 40 e 41 Legitimidade, 5, 7, 13, 22, 28, 41, 83 e

93conceito, 25

LENTINI, Arturo, 46 e 95 Lesividade, 91 Liberdade, 18,19,20 e 32 Limites à discricionariedade, 52, 59 e

82quadro esquemático, 60

LIPSET, Seymour Martin, 13 e 96 LOCKE, John, 18 Lógica, 54

LOPEZ, Mario Justo, 18 LUHMANN, Niklas, 18

M

MAC IVER, Robert, IS MANNHEIM, Karl, 22 e 97 MARITAIN, Jean, 18 MAXIMILIANO, Carlos, 91 MAY, Roelo, 18 MAYER, Otto, 23 e 35 MEDAUAR, Odete, 46, 53, 85, S8 e 98 MEIRELLES, Hely Lopes, 46,47,52,82,

83 e 98MENDES, Gilmar Ferreira, 92 Mérito, 39,45, 47, 48 e 92

insindicabilidade do, 49 e 79 MEUCCI, L„ 45, 46 e 97 MICHOUD, 36 MIELI, G., 45 e 96 Moralidade, 72 e 93 MOREIRA NETO, Diogo de Figueire­

do, 48 e 98MORGENTHAU, Hans, 18 MORTATI, Costantino, 39, 50, 59, 65,

67, 74, 81 e 96 Motivação, 2 e 93 Motivo, 27 e 28

adequabilidade, 65 compatibilidade, 66 e 68 conceito, 62 existência, 61 e 64 proporcionalidade, 69 suficiência, 63 e 64

N

NONATO, Orozimbo, 92

O

Objeto, 28

Page 110: ÕES SOBRE OS NTROLE DA ARIEDADE

conceito, 71 conformidade, 73 efidência do, 75 imediato, 74 lícito, 72 mediato, 74 possibilidade do, 72

OLSEN, Marvin E., 18 Oportunidade, 48,50,57, 59, 61 e 83 ORTEGA Y GASSET, 55 ORTEGA Y JUNGE, 52

P

PAPPALARDO, Nino, 41 e 95 PAULO, 91PEREIRA, André Gonçalves, 66 e 96 PERES, Jesus Gonzales, 97 Pertinência objetiva, 75 PIETRO, Maria Sylvia Zanelladi, 88 e

98PINTO, Bilac, 92 PIRAS, Aldo, 39 PLIESHKE, Elmes, 18 Poder, 8

atribuído, 12 conceito, 18 do Estado, 19 individual, 18 público, 11

Política, 13 PONTICELL1,50 Possibilidade, 71

do objeto, 71 e 72 física, 72 jurídica, 71

POTOTSCHLNG, 80 Princípios

da realidade e da razoabilidade, 53, 54, 55, 62 e 92

Proporcionalidade, 61,70,93 do motivo, 69 do objeto, 70

R

RAGGI, Luigi, 23 e 95 RANELLETTI, Greste, 23 e 95 Razoabilidade, 49, 55,56, 57, 58, 61, 76

e 84Razoável, 59REALE, Miguel, 5,12, 21 e 96 Realidade, 49, 58, 61 e 84 RESTA, Raffaele, 26,29, 41,42 e 95 ROCHA, Carmen Lúcia Antunes, 89 RÜMELIN, Max, 55 e 58 RUSSELL, Bertrand, 18

S

SANCHES, AGESTA, L„ 18 SANDULLI, Aldo, 45e96 SANTÍ ROMANO, 73, 95 e 96 SCHMITT, Carl, 6, 7 e 95 Segurança jurídica, 84 SEABRA FAGUNDES Miguel, XVIII,

46, 47,49 e 95SICHES, L. Recaséns, 55, 58 e 96 Sindicabilidade, 79 e 85 Sistema cratológico, 8 SMEND, Rudolf, 16 SOARES, Rogério Guilherme Ehrhardt,

11,16,24, 27, 43,45, 74, 76 e 96 SOUZA, Antonio Francisco de, 98 ST ASSINOPOULOS, Michel D., 32,33,

35,61, 65 e 96 STOLL, Heinrich, 55 Suficiência, 61

do motivo, 63STUMM, Raquel Denize, 89

T

TÁCITO, Caio, XIV, XVIII, 36, 37, 51, 52, 53, 62, 63, 81, 82, 88, 89, 92, 93 e 97

Page 111: ÕES SOBRE OS NTROLE DA ARIEDADE

Teoria da causa, 27 TEZNER, 42THEODORO JÚNIOR, Humberto, 91 THOMA, 52

VEDEL, Georges, 8,16, 28,96 e 97 Vício de finalidade, 51 Vício de mérito, 51 VITTA, Cino, 22, 23 e 95

THON, A., 21TÕNNIES, Ferdinand, 12 e 95 VV

U

Unidade de jurisdição, 80

VVALINE, Marcei, 39, 51, 52 e 96 WEBER, Max, ó, 7 e 95

VZ

VALLES, Arnaldo de, 72ZANOBINI, Guido, 24,45, 63 e 95

Page 112: ÕES SOBRE OS NTROLE DA ARIEDADE

'

9 788530

101465-0

E D I T

F O R I

R l j f c > Í K 0 C I Ç : . O 4 & $F O R E N S E

CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO Diogo de Figueiredo Moreira Neto

DENÚNCIA ESPONTÂNEA Rosenice Deslandes

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E AÇÕES COLETIVAS Geisa de Assis Rodrigues

TRIBUTAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA Gabriel Francisco Leonardos

AUMENTOSNilton Ramos Dantas Santos

COMENTÁRIOS AO CÓDIGO BRASILEIRO DISCIPLINAR DO FUTEBOL - CBDF

Marcílio Cesar Ramos KriegerO CONFLITO ENTRE TRATADO INTERNACIONAL E

NORMA DE DIREITO INTERNO Mirtô Fraga

AÇÃO CIVIL PÚBLICA E MEIO AMBIENTE Isabella Franco Guerra

1014