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Liga da Dor - UFCSPA Novembro-2013
Camila Capeletti
O trabalho de parto e o parto são, provavelmente, o momento de dor mais intensa na vida de uma mulher. Essa dor frequentemente considerada muito grave ou intolerável pelas parturientes. A sua percepção é influenciada por fatores psicológico, emocional, social, cultural e físico da parturiente. A dor varia de uma paciente para a outra e entre os partos de uma mesma paciente. Neste texto serão abordados a fisiologia e as principais técnicas e procedimentos para alívio da dor durante o processo de nascimento.
FISIOPATOLOGIA
A dor do parto tem origem e características diferentes conforme o estágio do trabalho de parto.
No primeiro estágio, que corresponde ao período de dilatação do colo uterino, a dor é desencadeada durante a contração uterina por distensão e isquemia de útero e colo uterino. Os estímulos dessa fase são caracteristicamente viscerais, transmitidos por fibras simpáticas dos segmentos T10, T11, T12 e L1. A dor é localizada pelas parturientes em útero, parede abdominal, região lombrossacra, crista ilíaca, glúteos e coxas. No final deste estágio, a partir dos 7 cm de dilatação, a dor somática pela distensão da vagina soma-se à dor visceral.
O segundo estágio, período da expulsão do concepto, está relacionado à dor pela distensão de segmento inferior do útero, vagina, estruturas pélvicas e períneo pela passagem do feto. Nesse estágio estão presentes dor somática e visceral. A dor com características nociceptivas pela ativação de fibras somáticas é transmitida pelo nervo pudendo e entra na medula pelos ramos S2, S3 e S4. Nesse período, a parturiente sente, também, pressão retal e vontade de fazer força. A má apresentação do feto está associada a dor mais intensa nesse estágio.
REPERCUSSÕES DA DOR NO TRABALHO DE PARTO
A dor do trabalho de parto somada às alterações fisiológicas da gravidez implicará em repercussão sistêmica à parturiente e ao feto. Em uma gravidez saudável, costuma ser bem tolerada por ambos.
A frequência respiratória aumenta em 5 a 20 vezes, levando a hipocarbia e alcalose respiratória. Níveis de PaCO2 menores que 20 mmHg são comuns, mas a hipocarbia profunda pode inibir a ventilação e consequentemente levar a hipóxia e perda de consciência. Já a alcalose respiratória aumenta a afinidade da hemoglobina pelo O2 e provoca vasoconstrição uteroplacentária, reduzindo a oferta de oxigênio para o feto.
O aumento da atividade simpática em resposta à dor e ao estresse desencadeia liberação de
catecolaminas na corrente sanguínea, hipertensão arterial e aumento do débito cardíaco. É um estado hipermetabólico. O aumento de catecolaminas na circulação está associado a redução do fluxo sanguíneo para o útero. Essa alterações estão associados a hipoxia, acidose e redução da frequência cardíaca fetais.
As consequências da dor no trabalho de parto podem perdurar além do nascimento do bebê. Dor não tratada é fator de risco para depressão pós-parto e transtorno de estresse pós-traumático.
ANALGESIA NO TRABALHO DE PARTO
A indicação de analgesia no parto depende da intensidade da dor da gestante. Podem ser utilizadas técnicas não-farmacológicas ou farmacológicas. Destas estão disponíveis métodos locais, regionais e sistêmicos. A avaliação pré-anestésica e identificação de fatores de risco podem ser realizadas ainda no pré-natal.
No parto normal o objetivo é obter analgesia para conforto da paciente enquanto é preservada a função motora para que possa participar ativamente da expulsão no segundo estágio. A maioria das técnicas analgésicas podem ser utilizadas, com exceção da anestesia geral, por provocar perda de consciência.
O parto por operação cesariana requer um bloqueio mais intenso e mais alto. A anestesia regional é geralmente preferida, enquanto a anestesia geral é reservada para situações de urgência ou por indicações médicas. Anestesia local e bloqueio de nervo pudendo podem ser utilizados como complemento à anestesia regional, se necessário.
TÉCNICAS DE ANALGESIA NÃO FARMACOLÓGICAS
Psicoprofilaxia: Preconiza a analgesia pela reorganização de atividades do córtex frontal. Requer preparo da gestante durante o pré-natal. Orienta-se inspirar profundamente no início da contração e expirar lentamente. A paciente pode também direcionar o olhar ou atenção para outra parte do corpo. Usado no primeiro estágio do trabalho de parto.
Acupuntura: Método de origem chinesa que promove tratamento e analgesia por insersão de agulhas em pontos específicos da superfície corporal. O alívio da dor é parcial e frequentemente requer analgesia complementar para o segundo estágio.
Neuroestimulação elétrica transcutânea: Os mecanismos de analgesia são pouco conhecidos. O efeito é parcial e requer complementação no segundo estágio.
ANALGESIA FARMACOLÓGICA
Anestesia local: Realizada injeção de anestésico de ação local, com efeito por 20 a 40 min e mínima repercussão sistêmica. Adequada para segundo estágio de parto vaginal. Bastante empregada antes de episiotomias e para reparo de episiotomias ou lacerações. Pode ser aplicada de forma complementar
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no campo operatório de cesarianas.
Bloqueio de nervo periférico: Injeção de anestésico local sobre os nervos responsáveis pela transmissão da dor. É altamente efetivo, mas requer até 30 min para obter efeito completo. Complicações estão relacionadas à injeção intravascular inadvertida.
→ O bloqueio paracervical é usado para o primeiro estágio do trabalho de parto. O anestésico local é injetado nos fórnices vaginais laterais. É altamente efetivo, porém pouco utilizado pelo risco de cardiotoxicidade fetal.
→ O bloqueio pudendo pode ser usado como analgesia suplementar durante o segundo estágio do trabalho de parto ou antes de partos operatórios, caso uma injeção epidural não tenha fornecido alívio adequado. O anestésico local é injetado transvaginalmente a cerca de 1 cm medial e posterior à espinha isquiática. Ele pode ser ineficaz em até 50% das pacientes e é frequentemente unilateral.
Anestesia regional: Compreende as técnicas raquidiana, epidural e combinada (raqui-epidural). É a mais utilizada em obstetrícia pois é seguro, eficaz e permite que a mãe conheça o bebê e interaja com ele logo após o nascimento. A analgesia é realizada a partir de T8 a T10, com graus variáveis de bloqueio motor. Podem ser utilizados anestésicos locais, opióides, agonistas adrenérgicos e agonistas colinérgicos. Adequada para parto normal ou cesariana. É a anestesia ideal em paciente com pré-eclâmpsia. Contraindicada em gestantes com cardiopatia grave, septicemia, infecção no local de punção, coagulopatia, hipovolemia grave.
→ Epidural: A medicação é administrada no espaço epidural por cateter via bomba de infusão contínua ou bolo intermitente. Anestésico local, opióide neuroaxial ou uma combinação de ambos é usado. A anestesia epidural controlada pela paciente permite a ela administrar pequenas doses em bolo, pressionando um botão de demanda de dose. Dois efeitos colaterias indesejáveis no segundo estágio do parto normal são bloqueio motor e inibição da sensação de pressão perineal. Nesse caso, a infusão é reduzida ou interrompida. Quando o bloqueio motor cessa, a paciente deve fazer força antes de a dor reiniciar. O prolongamento do segundo estágio é evitado ao garantir que a paciente apresente contrações fortes e frequentes e que não existe desproporção céfalo-pélvica. Há também aumento de partos instrumentados, segundo alguns trabalhos. É o método mais usado em parto normal.
→ Raquidiana: A medicação é injetada diretamente no espaço subaracnoide. Possui início de ação mais rápido, menor dose de anestésico e efeito mais breve comparado à epidural. O uso de agulhas ultrafinas e não cortantes reduz o tamanho da punção dural e o risco de cefaleia pós-raqui. Já o cateter transdural para infusão contínua está associado a maior risco de cefaléia pós-raqui. Existe também o risco de hipotensão por bloqueio simpático, prevenida com hidratação prévia, desvio uterino para a esquerda e vasopressores.
→ Raqui-epidural: Técnica “agulha dentro de agulha”. A agulha de raqui é inserida por dentro da
agulha de epidural. É injetada medicação no espaço raquidiano para obtenção de analgesia mais rápida e deixado cateter epidural. A analgesia epidural pode ser iniciada imediatamente ou apenas se o parto não se completar antes de a medicação injetada perder efeito ou a analgesia for insuficiente. Há maior incidência de bradicardia fetal comparada à epidural.
Analgesia sistêmica: Opióides ou uma combinação de agonistas-antagonistas opióides são administrados via intramuscular ou intra-venosa. A anestesia intravenosa possui inicio de ação mais rápido e pode ser controlada pela paciente, com ótimo resultado. Comparado à anestesia regional, é menos invasiva, o parto é mais rápido e exige menor aumento de dose de ocitocina. Porém induz sonolência, o controle da dor é inferior e existe maior risco de aspiração para a gestante. Além disso, os opióides atravessam a placenta, reduzem a variabilidade dos batimentos cardíacos fetais e os recém-nascidos podem precisar de suporte ventilatório ao nascer. É evitada na disponibilidade de anestesia regional. Adequada para parto normal.
Anestesia geral: Usada em urgências quando a anestesia regional não está disponível, há contra-indicação para o uso destas ou é necessária perda motora e sensorial total. Esta técnica impede que a paciente conheça o bebê logo após o nascimento e implica um aumento da morbidade materna: risco de aspiração, hipoxemia e hemorragia uterina. As drogas inalatórias atravessam a placenta e podem provocar depressão respiratória neonatal. Portanto, o tempo entre a intubação e o nascimento deve ser o menor possível. Como vantagens apresenta indução rápida e ausência de hipotensão arterial. Adequada para parto cesariana.
Referências Bibliográficas: FREITAS ET AL; Rotinas em obstetrícia; Ed Artmed, 2011 – 6ª Edição; GRANT ET AL; Pharmacological managemente of pain during labor and delivery; Uptodate, atualizado em 08 janeiro 2013; HURT ET AL; Manual de Ginecologia e Obstetrícia do Johns Hopkins; Ed. Artmed, 2012 1ª Edição.