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UNIVERSIDADE ANHANGUERA CONSELHO DE PÓS GRADUAÇÃO E PESQUISA PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI ERNANI ASSAGRA MARQUES LUIZ A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO NA APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL. São Paulo 2013

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UNIVERSIDADE ANHANGUERA

CONSELHO DE PÓS GRADUAÇÃO E PESQUISA

PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

ERNANI ASSAGRA MARQUES LUIZ

A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO NA APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL.

São Paulo

2013

ERNANI ASSAGRA MARQUES LUIZ

A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO NA APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL.

Dissertação apresentada, como exigência parcial à Banca Examinadora da Universidade Bandeirante – Anhanguera, para obtenção do título de Mestre em Adolescente em Conflito com a Lei, sob orientação do Prof. Mestre Claudio Hortêncio Costa.

São Paulo

2013

ERNANI ASSAGRA MARQUES LUIZ

A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO NA APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL.

Dissertação apresentada, como exigência parcial à Banca Examinadora da Universidade Bandeirante – Anhanguera, para obtenção do título de Mestre em Adolescente em Conflito com a Lei, sob orientação do Prof. Mestre Claudio Hortêncio Costa.

Data de aprovação: ____/____/____

Nota: _________________________

Banca Examinadora:

_____________________________________________________________________

Prof. Me. Claudio Hortência Costa (Presidente)

_____________________________________________________________________

Prof. Dr. Rodolfo Jose Rocha Rachid (1º Membro Titular Externo)

_____________________________________________________________________

Prof. Me. Flávio Américo Frasseto (2º Membro Titular Interno)

São Paulo

2013

Eduquem as crianças e não será necessário castigar os homens.

Pitágoras

Dedico este trabalho a minha esposa Evelin Vieira, a minha filha Valentina Assagra e aos meus pais, Jose Marques Luiz e Nadir Assagra Marques Luiz (in memorian), que sempre estiveram ao meu lado me apoiando nos momentos mais difíceis.

RESUMO

Esta dissertação busca analisar a possibilidade da aplicação das medidas cautelares diversas da prisão previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal (CPP), na apuração de ato infracional. Atualmente, devido à ênfase dada pela mídia sobre o aumento da criminalidade envolvendo adolescentes, passa-se a questionar o sistema de justiça juvenil sobre o seu procedimento e sua eficiência e levanta-se a tese da redução da maioridade penal como forma de solução para o problema. Explicitado no ordenamento jurídico brasileiro, especificamente na Constituição Federal, em convenções internacionais e ainda na legislação pertinente ao tema, o tratamento dado ao adolescente deve ser diferenciado do trato disponibilizado ao adulto. Esta diferença se justifica pelo fato de que o adolescente é pessoa em condição peculiar de desenvolvimento. No entanto se dá tratamento mais brando ao adulto do que o adotado para o adolescente infrator. Ao adulto infrator se evita ao máximo a prisão provisória, através de medidas cautelares diversas da prisão, ao passo que, para o adolescente, na apuração de ato infracional, não existe no ECA a previsão da aplicação de medidas diversas da internação, existindo apenas a possibilidade de internação provisória ou a liberdade. A pesquisa será realizada através de análise bibliográfica, de doutrina e jurisprudência referentes às medidas aplicadas a adultos e adolescentes acusados da prática de delitos. Para se evitar a estigmatização do adolescente através da internação provisória, o trabalho visa analisar a possibilidade do magistrado, assim como no sistema criminal do adulto, evitar ao máximo a internação provisória, aplicando analogicamente medidas cautelares diversas da prisão como as previstas no CPP, não necessitando de criação de lei ou de modificação no ECA.

Palavras-Chave: medidas cautelares; apuração; ato infracional; internação provisória; estigmatização.

ABSTRACT

This thesis aims to analyze the possibility of preliminary injunctions application

different from detention based in the article 319 of the Code of Criminal

Procedure, in verifying violation act. Currently, due to the emphasis given by the

media about the increase of criminal rate involving adolescents, the juvenile

system of justice started to be questioned about its proceeding and its efficiency

and rises the thesis of lowering the age of criminal as problem solution.

Explained in the Brazilian procedural law, specifically the Federal Constitution,

in international conventions and even in the pertinent legislation subject, the

treatment given to adolescents should be different from the treat given to adults.

This difference is justified by the fact that adolescent is someone in a particular

development condition. However the treatment given to adults is milder than the

one given to the adolescent offender. To the adult offender is avoided the most

provisional detention, through preliminary injunctions different from detention,

while, to adolescent, in the verification of violation act, there is no relieves

provision in Children and Adolescent Statute different from the internment, there

is only the possibility of provisional interment or freedom. The research will be

realized through bibliographic review, doctrine and case law regarding the

relieves applied to adults and adolescents accused for committing crimes. To

avoid stigmatization of adolescents through provisional interment, the thesis

aims to analyze the magistrate possibility, as in the adult criminal system, to

avoid in maximum the provisional interment, applying similarly preliminary

injunctions different from detention as the one provisioned on Code of Criminal

Procedure, not requiring law creation or Children and Adolescent Statue

modification.

Key-words: preliminary injunctions; verifying; violation act; provisional

interment; stigmatization.

LISTA DE SIGLAS CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente CP – Código Penal LCP – Lei de Contravenções Penais LPE – Legislação Penal Especial LDB - Lei de Diretrizes e Base NUPRIE – Núcleo de Produção de Informações Estratégicas ONU - Organização das Nações Unidas PSC - Programa de Serviços Comunitários CPP – Código de Processo Penal PIA - Plano Individual de Atendimento SINASE - Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo STJ – Superior Tribunal de Justiça STF – Supremo Tribunal Federal

SUMÁRIO

Introdução....................................................................................................... 12

I – CAPÍTULO

Evolução Histórica de Adolescente no Brasil .................................................. 15

1.1 As Ordenações Filipinas............................................................................. 15

1.2 O Código Criminal do Império .................................................................... 16

1.3 O Código Penal da República .................................................................... 17

1.4 O Código de Menores de 1927 .................................................................. 18

1.5 O Código Penal de 1940 ............................................................................ 21

1.6 A Declaração dos Direitos da Criança ....................................................... 22

1.7 O Código Penal de 1969 ............................................................................ 23

1.8 O Código de Menores de 1979 .................................................................. 25

1.9 A Doutrina da Proteção Integral ................................................................. 26

II – CAPÍTULO

Das Medidas Socioeducativas Previstas no ECA ........................................... 29

2.1 - Do Ato Infracional .................................................................................... 29

2.2 – Das Penas .............................................................................................. 30

2.2.1 – Características da Pena ....................................................................... 31

2.2.2 – Finalidades da Pena ............................................................................ 32

2.3 – Das Sanções Previstas no ECA. ............................................................ 34

2.4 – Diferença entre Medidas Protetivas e Socioeducativas .......................... 35

2.4.1 – Da Advertência .................................................................................... 36

2.4.2 – Da Obrigação de Reparar o Dano ....................................................... 37

2.4.3 – Da Prestação de Serviço à Comunidade ............................................. 38

2.4.4 – Da Liberdade Assistida ........................................................................ 39

2.4.5 – Do Regime de Semiliberdade .............................................................. 43

2.4.6 – Da Internação ...................................................................................... 45

III – CAPÍTULO

Sistemas de Justiça ......................................................................................... 51

3.1 Das Penas ................................................................................................. 52

3.2 – Sistema de Justiça Comum (Adulto) ....................................................... 54

3.3 – Apuração de Crime ................................................................................. 54

3.4 - Prisão Cautelar ........................................................................................ 56

3.4.1 – Hipóteses de Cabimento ...................................................................... 57

3.4 – Medidas Cautelares Diversa da Prisão ................................................... 59

3.5 – Sistema de Justiça Juvenil ...................................................................... 61

3.6 – Apuração de ato infracional .................................................................... 62

3.7 - Da Internação Provisória ......................................................................... 65

3.7.1 - Hipóteses de Cabimento ...................................................................... 67

IV – CAPITULO

Medidas Cautelares Diversas da Prisão e sua Aplicabilidade no ECA .......................................................................................................................... 70

4.1 – Criminologia e o adolescente infrator ..................................................... 70

4.2 - Estigmatização do adolescente ............................................................... 72

4.3 – Prevenção e a inserção do adolescente no crime .................................. 76

4.5 - Dos Efeitos da Institucionalização ........................................................... 80

4.6 – Do Garantismo Penal .............................................................................. 83

4.6.1 – Da Indisponibilidade da Ação Penal nos Atos Infracionais................... 85

4.6.2 – Da Prescrição do Ato Infracional ......................................................... 88

4.6.3 – Da Necessidade da Produção de Provas ............................................ 89

4.7 – Da Migração do Sistema Binário para o Sistema Multicautelar .......................................................................................................................... 91

Considerações Finais .................................................................................... 96

Conclusão ..................................................................................................... 100

Bibliografia ................................................................................................... 104

Anexos ........................................................................................................ 109

12

Introdução

Esta dissertação tem por escopo traçar um paralelo entre o sistema de

justiça juvenil e o sistema de justiça comum (adulto), especificamente no que

tange à medida cautelar de internação provisória prevista no artigo 108,

parágrafo único do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, e as medidas

cautelares diversas da prisão previstas no artigo 319 do Código de Processo

penal.

A problemática na doutrina da proteção integral estabelecida pela

Constituição Federal de 1988, bem como alicerçada pelas Regras Mínimas das

Nações Unidas para a Administração da Justiça, da Infância e da Juventude

(Regras de Beijing), e pelas Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da

Delinquência Juvenil (Diretrizes de Riad) faz-se necessário estabelecer um

paralelo entre as hipóteses existentes no processo penal para a custódia

cautelar e suas alternativas para se evitar tal medida com as hipóteses ou a

ausência de hipóteses a serem aplicadas no ECA.

A lei 12.403/11 que alterou os critérios para a determinação e

manutenção de adultos em prisão cautelar faz menção, em sua exposição de

motivos, a finalidade e necessidade do instituto; adequando a nova sistemática

da prisão cautelar fazendo com que sua utilização seja extremada.

Prestigiando desta forma garantias constitucionais como o da não culpabilidade

prevista no artigo 5º, inciso XXX; e o princípio da dignidade da pessoa humana.

O paralelo traçado entre o instituto da prisão cautelar para adultos e o da

internação provisória para os adolescentes desperta a inquietação no sentido

de que, com a inovação trazida pela lei 12.403/11 o Estado deve evitar a prisão

do adulto concedendo outras medidas cautelares, porém diversas da prisão, o

mesmo entendimento não se faz presente quando do procedimento para

apuração de ato infracional, ou seja, para o adolescente em conflito com a lei

temos apenas duas hipóteses: a) responder ao procedimento em liberdade

sem a imposição de nenhuma condição; b) responder ao procedimento

totalmente segregado de sua liberdade na internação provisória.

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Para a exposição dos argumentos até finais considerações a dissertação

foi elaborada da seguinte maneira: Introdução; Capítulo I - Evolução

histórica de adolescente no Brasil: faz-se necessário apresentar, ainda que

de forma singela, os aspectos históricos sobre a evolução do conceito de

criança e adolescente no Brasil a fim de situar o problema atual bem como

demonstrar toda a trajetória das garantias conquistadas, dos direitos e deveres

que lhes são peculiar; Capítulo II - Das Medidas Socioeducativas Previstas

no ECA: neste capítulo busca-se demonstrar quais são as sanções aplicadas

aos adolescentes em conflito com a lei, explicitar a necessidade, adequação e

finalidade de cada instituto, tecendo um paralelo, sempre que possível, com as

sanções aplicadas para o adulto; Capítulo III – Dos Efeitos da

Institucionalização do adolescente em conflito com a lei: a inclusão deste

capítulo tem a finalidade de demonstrar as consequências sociais e morais ao

adolescente quando aplicado a medida de internação, ainda que provisória, de

forma incorreta, ou em havendo a possibilidade da aplicação de outra medida

não ser-lhe concedida; Capítulo IV - Dos Sistemas de Justiça: por derradeiro

este capítulo traz um paralelo entre o sistema de justiça para o adulto,

especificamente no que tange a aplicação da prisão cautelas e a aplicação das

medidas cautelares diversa da prisão. Ainda, de forma comparativa e dialética

demonstrar o sistema de justiça juvenil em especial no que tange a aplicação

da internação provisória, sua necessidade e adequação para com o princípio

da proteção integral; Considerações Finais – serão apresentadas algumas

considerações sobre o conteúdo apresentado no curso desta dissertação.

Utiliza-se de base para essa pesquisa o método qualitativo, sendo a

pesquisa de natureza bibliográfica, socorrendo-se de diversos autores que

tratam direta ou indiretamente sobre o tema que tenham por escopo o

tratamento de adolescentes em conflito com a lei.

Inicialmente citaremos para demonstração cronológica da evolução do

conceito de criança e adolescente no Brasil os autores: Irene Rizzini (2006) e

Vicente de Paula Faleiros (2005); utilizaremos também as legilsações:

Ordenações Filipinas (1603); o Código Criminal do Império (1830); o Código

Penal dos Estados Unidos do Brazil (1890); o Código Penal (1940); a

Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela ONU (1948); o

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Código de Menores (1979); as Regras Mínimas das Nações Unidas para a

Administração da Justiça de Menores, conhecida como Regras de Beijing

(1985); a Constituição Federal (1988) e o Estatuto da Criança e do Adolescente

- ECA - (1990).

Os dados que subsidiarão a pesquisa são dados fornecidos pela

Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente – (CASA) de

São Paulo obtidos através do portal transparência em (2013).

Para o embasamento específico da pesquisa, no que tange ao paralelo

traçado entre a prisão cautelar do adulto e a internação provisória do

adolescente, sob o aspecto legal e formal serão utilizados os autores: Nestor

Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2013); Luiz Flavio Gomes (ANO);

Eugenio Raúl Zaffaroni e Jose Henrique Pierangeli (1999)Wilson Donizeti

Liberati (2006); Karyna Batista Sposato (2013); Luciano Alves Rossato, Paulo

Eduardo Lépore e Rogério Sanches Cunha (2011), dentre outros.

A fim de justificar a possibilidade da interpretação extensiva do sistema de

justiça adulto para o juvenil será utilizado à jurisprudência do Superior Tribunal

de Justiça – STJ. E ainda, diante da inquietação causada pela minha atuação

como advogado perante a Justiça da Infância e Juventude, ocasião que, em

muitos casos, verifica-se que o tratamento dispensado ao adolescente é mais

rigoroso do qu o tratamento dispensado aos adolescentes.

Os conceitos e critério de natureza metodológica e quanto a prática da

pesquisa científica, serão utilizados ou autores como Orides Mezzaroba e

Cláudia Servilha Monteiro (2009) e Rizzatto Nunes (2010).

Também contribuirão para a consecução deste trabalho outras obras,

artigos e sites que serão citados durante a trajetória da pesquisa e,

oportunamente, relacionados.

15

I – CAPÍTULO

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DE ADOLESCENTE NO BRASIL

Na atualidade crianças e adolescentes são sujeitos de direito, porém não

foi sempre assim. Isso se deu pela mudança da sociedade e

consequentemente da necessidade de alteração na legislação. Modificou-se o

pensamento diante da perspectiva de que crianças e adolescentes são

diferentes dos adultos, estando em fase de formação, não podendo receber o

mesmo tratamento perante as políticas públicas. Assim passamos a elaborar

um breve histórico sobre essa evolução.

1.1 As Ordenações Filipinas

No período colonial, de 1500 a 1822, de acordo com Faleiros (2005)

o Brasil se estruturou política e economicamente através do vínculo que tinha

com Portugal, seguindo as leis e as ordens para as crianças vindas daquela

metrópole.

Durante esse período, o Brasil esteve submetido às Ordenações do

Reino: Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, mas em matéria de direito penal,

somente as Ordenações Filipinas que vigoraram até 1830 dispensavam

tratamento ao menor acerca da maioridade penal e suas punições.

Neste período, a imputabilidade penal iniciava aos 7 anos e as

punições aos delitos praticados por menores estavam previstas nas

Ordenações Filipinas, Livro V, Título CXXXV:

Quando os menores serão punidos por os delictos, que fizerem.

Quando algum homem, ou mulher, que passar de vinte annos, commetter qualquer delicto, dar-se-lhe-ha a pena total, que lhe seria dada, se de vinte e cinco annos passasse. E se fôr de idade de dezasete annos até vinte, ficará em arbítrio dos Julgadores dar-lhe a pena total ou diminuir-lha. E em este caso olhará o Julgador o modo, com que o delicto foi commettido, e as cincumstancias delle, e a pessôa do menor; e se o achar em tanta malícia, que lhe pareça que merece total pena, dar-lhe-ha, posto que seja de morte natural.

16

E parecendo-lhe que a não merece, poder-lha-ha diminuir, segundo a qualidade, ou simpleza, com que achar, que o delicto foi commettido. E quando o delinquente fôr menor de dezasete annos cumpridos, postoque o delicto mereça morte natural, em nenhum caso lhe será dada, mas ficará em arbítrio do Julgador dar-lhe outra menor pena. E não sendo o delicto tal, em que caiba pena de morte natural, se guardará a disposição do Direito Commum.

Ressalta-se que quanto ao tipo de punição, os menores de 17

(dezessete) anos diferenciavam-se dos adultos apenas quanto à aplicação da

pena de morte que não era imposta aos menores. A maioridade penal absoluta

se dava aos 21 (vinte e um) anos ficando sujeito a pena total, entretanto, havia

ainda a figura do “jovem adulto” compreendendo as pessoas entre 17

(dezessete) e 21 (vinte e um) anos, aos quais dependendo do delito cometido e

suas circunstâncias poderiam ser-lhes aplicados até mesmo a pena de morte

ou terem sua pena diminuída.

1.2 O Código Criminal do Império

Após a Independência do Brasil em 1822, criou-se a primeira lei

penal brasileira com o Código Criminal do Império, promulgado em 16 de

dezembro de 1830.

Para RIZZINI (1995, p. 104) houve um grande avanço no tocante à

proteção da criança e do adolescente se compararmos as medidas punitivas

previstas neste Código com as anteriormente adotadas pelas Ordenações do

Reino:

Em termos históricos, esta lei pode ser considerada como um grande avanço, pois até então vigoravam as Ordenações do Reino de Portugal, cujas medidas punitivas foram abolidas por serem consideradas bárbaras. Apesar da menor idade constituir um atenuante à pena desde as origens do direito romano, crianças e jovens eram severamente punidos antes de 1830, sem a maior discriminação em relação aos delinqüentes adultos.[...]

Referido Código estabelecia a maioridade penal absoluta aos 14

(quatorze) anos, contudo, adotando um critério biopsicológico, os menores

entre 7 (sete) e 14 (quatorze) anos que tivessem cometido crimes com

discernimento poderiam ser considerados relativamente imputáveis e serem

enviados para as Casas de Correção pelo tempo que o Juiz determinasse

17

desde que não ultrapassasse os 17 (dezessete) anos, como se depreende dos

artigos abaixo discriminados:

Art. 10. Também não se julgarão criminosos: 1º Os menores de quatorze annos. [...] Art. 13: Se se provar que os menores de quatorze annos, que tiverem commettido crimes, obraram com discernimento, deverão ser recolhidos ás casas de correção, pelo tempo que ao Juiz parecer, com tanto que o recolhimento não exceda á idade de dezasete annos.

Segundo Faleiros (2005), os tribunais especiais e as casas de

correção foram propostos à época pelos juristas, advogados, desembargadores

e juízes com o intuito de corrigir o mau comportamento dos menores, salvando-

os de outros males como o vício, as más companhias, o perigo das ruas e a

prisão, cabendo aos tribunais julgar o comportamento e a personalidade

desses menores e aos juízes substituir os pais impondo o castigo que achar

merecido.

1.3 O Código Penal da República

Em 1889 foi proclamada a República Brasileira e já no ano seguinte

foi promulgado o Código Penal dos Estados Unidos do Brazil através do

Decreto nº 847, em 11 de outubro de 1890.

Em relação ao Código do Império, a maioridade penal absoluta

permaneceu aos 14 (quatorze) anos, sendo absolutamente inimputáveis os

menores de 9 (nove) anos. O critério biopsicológico foi mantido para os

menores entre 9 (nove) e 14 (quatorze) anos que tivessem cometido crimes

com discernimento, sendo estes submetidos à avaliação do Juiz, conforme

dispunha os artigos 27 e 30:

Art. 27. Não são criminosos: § 1º Os menores de 9 annos completos; § 2º Os maiores de 9 e menores de 14, que obrarem sem discernimento; [...] Art. 30. Os maiores de 9 annos e menores de 14, que tiverem obrado com discernimento, serão recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriaes, pelo tempo que ao juiz parecer, comtanto que o recolhimento não exceda á idade de 17 annos.

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Havia ainda as circunstâncias atenuantes para o delinquente menor

de 21 (vinte e um) anos previstas no parágrafo 11, do artigo 42 e a aplicação

da pena de cumplicidade aos delinquentes entre 14 (quatorze) e 17

(dezessete) anos, previstas nos artigos 64 e 65, que seria 2/3 (dois terços) da

pena da infração, conforme dispunha o artigo 63.

Art. 42. São circumstancias attenuantes: [...] § 11. Ser o delinquente menor de 21 annos. [...] Art. 63. A tentativa do crime, a que não estiver imposta pena especial, será punida com as penas do crime, menos a terça parte em cada um dos gràos. Art. 64. A cumplicidade será punida com as penas da tentativa e a cumplicidade da tentativa com as penas desta, menos a terça parte. Quando, porém, a lei impuzer á tentativa pena especial, será applicada integralmente essa pena á cumplicidade. Art. 65. Quando o delinquente for maior de 14 e menor de 17 annos, o juiz lhe a applicará as penas da cumplicidade.

Posteriormente, com o advento da Lei nº 4.242 de 1921, o critério

biopsicológico que utilizava a teoria do discernimento, vigente desde o Código

Criminal do Império de 1890, foi eliminado adotando-se um critério puramente

objetivo que fixou em 14 anos a imputabilidade penal.

1.4 O Código de Menores de 1927

O Decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, instituiu o

primeiro Código de Menores do Brasil, conhecido como Código Mello Mattos,

que consolidou as leis de assistência e proteção a menores.

Art. 1º O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 annos de idade, será submettido pela autoridade competente ás medidas de assistencia e protecção contidas neste Codigo.

O referido Código fez uma divisão entre os menores de 18 anos

classificando-os em: infantes expostos, os menores de 7 anos encontrados em

estado de abandono onde quer que seja e menores abandonados, os menores

de 18 anos, assim entendidos aqueles com idade entre 7 e 18 anos que se

encontrassem dentro de quaisquer das situações elencadas no artigo 26.

Art. 26. Consideram-se abandonados os menores de 18 annos:

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I. que não tenham habitação certa, nem meios de subsistencia, por serem seus paes fallecidos, desapparecidos ou desconhecidos ou por não terem tutor ou pessoa sob cuja, guarda vivam; II. que se encontrem eventualmente sem habitação certa, nem meios de subsistencia, devido a indigencia, enfermidade, ausencia ou prisão dos paes. tutor ou pessoa encarregada de sua guarda; III, que tenham pae, mãe ou tutor ou encarregado de sua guarda reconhecidamente impossibilitado ou incapaz de cumprir os seus deveres para, com o filho ou pupillo ou protegido; IV, que vivam em companhia de pae, mãe, tutor ou pessoa que se entregue á pratica de actos contrarios á moral e aos bons costumes; V, que se encontrem em estado habitual do vadiagem, mendicidade ou libertinagem; VI, que frequentem logares de jogo ou de moralidade duvidosa, ou andem na companhia de gente viciosa ou de má vida. VII, que, devido á crueldade, abuso de autoridade, negligencia ou exploração dos paes, tutor ou encarregado de sua guarda, sejam: a) victimas de máos tratos physicos habituaes ou castigos immoderados; b) privados habitualmente dos alimentos ou dos cuidados indispensaveis á saude; c) empregados em occupações prohibidas ou manifestamente contrarias á moral e aos bons costumes, ou que lhes ponham em risco a vida ou a saude; d) excitados habitualmente para a gatunice, mendicidade ou libertinagem; VIII, que tenham pae, mãe ou tutor, ou pessoa encarregada de sua guarda, condemnado por sentença irrecorrivel; a) a mais de dous annos de prisão por qualquer crime; b) a qualquer pena como co - autor, cumplice, encobridor ou receptador de crime commettido por filho, pupillo ou menor sob sua guarda, ou por crime contra estes.

Estabelecia ainda em seu artigo 68 que o menor de 14 anos era

completamente inimputável e em seu artigo 86 vedava o recolhimento do

menor de 18 anos à prisão comum, submetendo-o a um processo especial

diverso dos adultos, podendo ficar nas Casas de Educação ou Escolas de

Preservação até completar 21 anos, conforme disposto no § 2º, do artigo 68,

modelo este bem próximo da realidade atual.

Art. 68. O menor de 14 annos, indigitado autor ou cumplice de facto qualificado crime ou contravenção, não será submettido a processo penal de, especie alguma; a autoridade competente tomará sómente as informações precisas, registrando-as, sobre o facto punivel e seus agentes, o estado physico, mental e moral do menor, e a situação social, moral e economica dos paes ou tutor ou pessoa em cujo guarda viva. [...] § 2º Si o menor fôr abandonado, pervertido ou estiver em perigo de o ser, a autoridade competente proverá a sua collocação em asylo casa de educação, escola de preservação ou confiará a pessoa idonea por todo o tempo necessario á sua educação comtando que não ultrapasse a idade de 21 annos. [...]

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Art. 86. Nenhum menor de 18 annos, preso por qualquer motivo ou apprechendido, será recolhido a prisão commum.

No entanto, o artigo 87 estabelecia que na falta de estabelecimentos

apropriados à internação dos menores, estes seriam recolhidos a prisões

comuns, porém, separados dos adultos e sujeitos a regime adequado e

educativo.

Art. 87. Em falta de estabelecimentos apropriados á execução do regimen creado por este Codigo, os menores de 14 a 18 annos sentenciados a internação em escola do reforma serão recolhidos a prisões comuns, porém, separados dos condemnados maiores, e sujeitos a regime adequado; - disciplinar o educativo, em vez de penitenciario.

Comparando-se com o Código anterior, percebe-se que houve uma

preocupação maior com a proteção e assistência aos jovens, estabelecendo

uma presunção de incapacidade absoluta para os menores de 18 anos,

independentemente de agir ou não com discernimento.

Segundo Faleiros (2005), o Código de 1927 classificava os menores

em duas categorias básicas: os abandonados e os delinquentes,

estabelecendo a vigilância sobre estes de forma a autorizar o juiz, a retirada do

pátrio poder, hoje denominado poder familiar. Devia o juiz buscar a

regeneração do menor, caracterizando de forma explícita que a questão da

infância abandonada e delinquente era de caráter público.

Para Rizzini (2006), a infância pobre caracterizada como

abandonada e delinquente foi nitidamente criminalizada neste período:

Em outras palavras, arquitetou-se um intrincado sistema de proteção e assistência, através do qual, qualquer criança, por sua simples condição de pobreza, estava sujeita a ser enquadrada no raio de ação da Justiça e da Assistência.

Importante ressaltar que, inobstante o avanço da lei no tocante à

proteção e assistêcia aos jovens, havia críticas severas quanto à atuação da

justiça em relação aos menores, os quais eram punidos pelo simples fato de

serem abandonados, pervertidos ou estarem em perigo de o ser, não havendo

distinção entre menores infratores e abandonados, podendo estes ser punidos

pela simples condição de pobreza, situação a qual não deram causa.

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1.5 O Código Penal de 1940

Anos mais tarde, já na era Vargas, foi criado o Código Penal

Brasileiro através do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, que

procurando consolidar a proteção e assistência à criança e ao adolescente,

adotou um critério puramente biológico no que tange à inimputabilidade em

razão da idade, para então fixar a maioridade penal em 18 anos.

Baseado na cultura tutelar vigente à época e no reconhecimento da

situação do menor como um problema social, estabeleceu-se que os menores

de 18 anos eram imaturos e, portanto, inimputáveis, devendo ficar fora do

direito penal, sujeitos apenas à legislação especial.

Este ideário fez inclusive parte da Exposição de Motivos do Código

Penal, de 4 de novembro de 1940, publicada no Diário Oficial de 31 de

dezembro de 1940, Seção 1, p. 42: “Não cuida o projeto dos imaturos (menores

de 18 anos), senão para declará-los inteira e irrestritamente fora do direito

penal (artigo 23), sujeitos apenas à pedagogia corretiva de legislação especial.”

Art. 23 - Os menores de dezoito anos são penalmente irresponsáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

Essa política criminal mais protetiva aos menores vinha ao encontro

dos direitos e garantias tutelados no artigo 127, da Constituição Federal de

1937:

Art 127 - A infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e garantias especiais por parte do Estado, que tomará todas as medidas destinadas a assegurar-lhes condições físicas e morais de vida sã e de harmonioso desenvolvimento das suas faculdades. O abandono moral, intelectual ou físico da infância e da juventude importará falta grave dos responsáveis por sua guarda e educação, e cria ao Estado o dever de provê-las do conforto e dos cuidados indispensáveis à preservação física e moral. Aos pais miseráveis assiste o direito de invocar o auxílio e proteção do Estado para a subsistência e educação da sua prole.

Visando regulamentar o artigo 23 do Código Penal, o Decreto-Lei nº

6.026, promulgado em 24 de novembro de 1943, veio disciplinar as medidas

aplicáveis aos menores de 18 anos pela prática de fatos considerados

infrações penais.

22

Art. 1º Os menores de 18 anos ficarão sujeitos, pela prática de fatos considerados infrações penais, as normas estabelecidas nêste decreto-lei. Art. 2º São as seguintes as medidas aplicáveis aos menores de 14 a 18 anos: a) se os motivos e as circunstâncias do fato e as condições do menor não evidenciam periculosidade, o Juiz poderá deixá-lo com o pai ou responsável, confiá-lo a tutor ou a quem assuma a sua guarda, ou mandar interna-lo em estabelecimento de reeducação ou profissional e, a qualquer tempo, revogar ou modificar a decisão; b) se os elementos referidos na alínea anterior evidenciam periculosidade o menor será internado em estabelecimento adequado, até que, mediante parecer do respectivo diretor ou do órgão administrativo competente e do Ministério Público, o Juiz declare a cessação da periculosidade.

A internação referida na alínea “b” tinha duração mínima de 3 anos e

se o menor completasse 21 anos sem que tivesse sido revogada a medida de

internação, seria transferido para colônia agrícola ou para instituto de trabalho,

de reeducação ou de ensino profissional ou seção especial de outro

estabelecimento à disposição do Juiz Criminal.

1.6 A Declaração dos Direitos da Criança

Com o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, foi fundada em 24

de outubro do mesmo ano, a Organização das Nações Unidas – ONU, que

dentre seus objetivos tinha a proposta de facilitar a cooperação em matéria de

direitos humanos.

Houve então uma marcha pelos direitos humanos que culminou com

a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela ONU em 10 de

dezembro de 1948, que tinha como um dos ideais a ser atingido por todos os

povos e nações, a garantia da proteção social a todas as crianças sem

exceção (direitos universais), não podendo ser aplicadas de forma parcial

(direitos individuais).

Dentro dessa filosofia, a ONU proclamou a Declaração dos Direitos

da Criança, em 20 de novembro de 1959, com uma série de princípios

afirmando os direitos da criança a proteção especial. Estes princípios, entre

outros, serviram de base no final da década de 80 para a criação da Doutrina

da Proteção Integral.

23

1.7 O Código Penal de 1969

No início dos anos 60 havia uma discussão sobre a reformulação do

Código de Menores vigente, influenciado pela Declaração dos Direitos da

Criança, a qual foi interrompida após o golpe de 1964 que deu início a ditadura

militar.

Sob a égide da Política de Segurança Nacional que norteou todo o

período do regime militar, a questão do menor que vinha sendo tratada como

problema de cunho social, foi elevada à condição de problema de segurança

nacional.

Em 1967, foi aprovada a Lei nº 5. 258 que passou a dispor sobre as

medidas aplicáveis aos menores de 18 anos pela prática de fatos definidos

como infrações penais.

Art. 1º Os menores de 18 anos ficarão sujeitos, pela prática de fatos considerados infrações penais, às normas estabelecidas nesta Lei. Art. 2º São as seguintes as medidas aplicáveis aos menores de 14 a 18 anos: I - se os motivos e as circunstâncias do fato e as condições do menor não evidenciam periculosidade, o Juiz poderá deixá-lo com o pai ou responsável, confiá-lo a tutor ou a quem assuma a sua guarda, ou mandar interná-lo em estabelecimento de reeducação ou profissional e, a qualquer tempo, revogar ou modificar a decisão; II - se os elementos referidos no item anterior evidenciam periculosidade, o menor será internado em estabelecimento adequado, até que, mediante parecer do respectivo diretor ou do órgão administrativo competente e do Ministério Público, o Juiz declare a cessação da periculosidade.

Nota-se que não houve alteração quanto às medidas aplicáveis aos

menores de 18 anos dispostas anteriormente no Decreto-Lei nº 6.026, de 24 de

novembro de 1943.

Durante a ditadura militar houve uma tentativa de se criar um novo

Código Penal, através do Decreto-Lei nº 1.004, de 21 de outubro de 1969, que

adotaria novamente o critério biopsicológico para aplicação de pena aos

menores de 16 a 18 anos que possuíssem suficiente desenvolvimento psíquico

para entender o caráter ilícito de sua conduta.

24

Tal iniciativa se respaldava numa tendência geral em fixar a

maioridade penal nos 16 anos, conforme ficou demonstrado no item 17, da

Exposição de Motivos do Código Penal de 1969:

17. O limite da imputabilidade foi mantido, como regra geral, nos dezoito anos. Excepcionalmente, pode ser declarado imputável o menor de dezesseis a dezoito anos se revela suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato e governar a própria conduta. A tendência geral da legislação é a de fixação da menoridade penal nos dezesseis anos. O VI Congresso da Associação Internacional de Direito Penal, reunido em Roma, em 1953, fixou em dezesseis anos o limite para aplicação de pena (cf. VIe Congrés International, Compte Rendu de Discussions, Milão, 1957, página 310). Vários códigos atuais fixam êsse limite em quatorze anos, como é o caso da lei alemã. Repetindo, de certa forma, o que já se disse, com tôda a procedência, parece certo que a possível redução do limite da imputabilidade a dezesseis anos aumenta a consciência da responsabilidade social dos jovens.

Este propósito viria disciplinado no artigo 33 do referido código:

Art. 33. O menor de dezoito anos é inimputável salvo se, já tendo completado dezesseis anos, revela suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acôrdo com êste entendimento. Neste caso, a pena aplicável é diminuída de um terço até a metade.

Entretanto, devido a críticas quanto à redução da imputabilidade

para 16 anos, o Código Penal de 1969 nunca chegou a viger, permanecendo

em vigor o Código Penal de 1940.

Cumpre salientar que, na mesma data em que se tentou criar o novo

Código Penal, o Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969, instituiu o

Código Penal Militar, o qual adotou o critério biopsicológico para aplicação de

pena aos menores de 16 a 18 anos que agissem com discernimento, conforme

disposto no artigo 50:

Art. 50. O menor de dezoito anos é inimputável, salvo se, já tendo completado dezesseis anos, revela suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acôrdo com êste entendimento. Neste caso, a pena aplicável é diminuída de um têrço até a metade.

Dessa forma, tínhamos um Código Penal Militar, onde era possível a

imputabilidade aos 16 anos, que se contrapunha ao Código Penal vigente, o

qual determinava ser inimputável o menor de 18 anos. Portanto, nas

considerações de TAVARES (2009):

25

Fez-se surgir, assim, uma anomalia do processo contra o menor de 18 anos, já que se envia em primeiro lugar para a Justiça Militar, para que esta se declare ou não incompetente para remetê-lo ao juízo de menores, se entender haver o menor agido com discernimento. É tanto mais anômala essa situação quanto é certo que, pelo Código Penal comum, é absoluta a inimputabilidade do menor de 18 anos.

Passados os primeiros anos de governo da ditadura militar, retorna-

se, nos anos 70, à discussão sobre a reformulação do Código de Menores, que

culminou na criação de um novo código no final desta década.

1.8 O Código de Menores de 1979

O novo Código de Menores foi instituído pela Lei nº 6.697, de 10 de

outubro de 1979, que dispondo sobre a assistência, proteção e vigilância a

menores, consagrou a Doutrina da Situação Irregular, não os reconhecendo

como sujeitos de direito, mas como meros objetos de intervenção jurídica.

Art. 1º Este Código dispõe sobre assistência, proteção e vigilância a menores: I - até dezoito anos de idade, que se encontrem em situação irregular; II - entre dezoito e vinte e um anos, nos casos expressos em lei. Parágrafo único - As medidas de caráter preventivo aplicam-se a todo menor de dezoito anos, independentemente de sua situação.

Como bem salienta Faleiros (2005), o abandono e a pobreza eram

vistos na perspectiva da doutrina da situação irregular, caracterizada pela

incapacidade da família, mau comportamento e descumprimento das normas

jurídicas e sociais, de forma que a vítima era culpada desta realidade injusta.

Ainda, na mesma concepção do Código Mello Mattos, a pobreza era

considerada um defeito das pessoas, bem como as situações de maus tratos,

desvio de conduta, infração e falta dos pais ou de representantes legais,

caracterizando o menor em situação irregular.

Art. 2º Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor: I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las; Il - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; III - em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes;

26

b) exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI - autor de infração penal.

Estas situações eram consideradas fora dos padrões idealizados

pela sociedade. Assim, todos que se enquadrassem em quaisquer destas

situações estariam passíveis de intervenção da justiça, através dos Juizados

de Menores, não fazendo a lei, por exemplo, qualquer distinção entre menor

autor de infração penal (art. 2º, VI) e menor em situação de pobreza (art. 2º, I,

b).

Salientando, João Batista Costa Saraiva (2009 apud BATISTÃO,

2011, p. 44) afirma que:

Neste tempo de vigência do Código de Menores, a grande maioria da população infanto juvenil recolhida às entidades de internação do sistema FEBEM no Brasil, na ordem de 80%, era formada por crianças e adolescentes, “menores”, que não eram autores de fatos definidos como crime na legislação penal brasileira.

Dessa forma, durante a vigência deste Código, restou evidenciado

no tocante à sua aplicabilidade, uma diferenciação entre as crianças ditas bem

nascidas e aquelas em situação de pobreza.

Segundo Faleiros (2005, p. 8) “a criança só tinha direitos quando era

julgada em risco, em uma situação de doença social, irregular”. Não eram,

portanto, consideradas sujeitos de direitos.

1.9 A Doutrina da Proteção Integral

Em 29 de novembro de 1985, a Assembleia Geral das Nações

Unidas, por intermédio da Resolução 40/33, adotou as Regras Mínimas das

Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores, conhecida como

Regras de Beijing, no intuito de que as regras e princípios nela contidos

constituíssem os objetivos mínimos a serem aplicados pelos países na política

relativa à Justiça de Menores.

27

Entre as regras e princípios mencionados neste documento cabe

ressaltar a descrita no item 4, que trata da responsabilidade penal:

4. Idade da responsabilidade penal 4.1. Nos sistemas jurídicos que reconhecem a noção de responsabilidade penal em relação aos menores, esta não deve ser fixada a um nível demasiado baixo, tendo em conta os problemas de maturidade afectiva, psicológica e intelectual.

Percebe-se que houve uma preocupação em relação à idade da

maioridade penal, mencionando que esta não devia ser demasiado baixa,

procurando claramente proteger os jovens considerados pela ONU, psicológica

e intelectualmente imaturos para suportar as consequências de uma

responsabilidade penal, sem, contudo, fixar qual seria esta idade.

Nesse mesmo período ocorria no Brasil uma luta pela democracia

que aliada à defesa dos direitos humanos construíram a base para a adoção da

Doutrina da Proteção Integral relativa aos direitos da criança e do adolescente.

Nessa esteira, a Constituição Federal do Brasil, promulgada em 5 de

outubro de 1988, trouxe em seu artigo 227 um rol de direitos consubstanciados

na Doutrina da Proteção Integral, que abandonando de vez a Doutrina da

Situação Irregular, passou a considerar os menores como sujeitos de direito:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Ademais, a Constituição seguindo essa tendência de proteção à

criança e ao adolescente, assegurou a maioridade penal aos 18 anos,

sujeitando os menores infratores à legislação especial.

No ano seguinte à promulgação da nossa Constituição, a

Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Convenção sobre os Direitos

da Criança – Carta Magna para as crianças de todo o mundo – em 20 de

novembro de 1989.

28

Importa ressaltar que este documento, além de todos os direitos e

garantias que consagraram internacionalmente a Doutrina da Proteção Integral,

traz em seu primeiro artigo o conceito de criança:

PARTE I Artigo 1 Para efeitos da presente Convenção considera-se como criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes.

A Convenção sobre os Direitos da Criança entrou em vigor

internacionalmente em 02 de setembro de 1990, na forma do seu artigo 49,

inciso 1. No Brasil, a Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional,

através do Decreto nº 28, de 14 de setembro de 1990, sendo ratificada pelo

Governo brasileiro em 24 de setembro de 1990 e promulgada pelo Decreto nº

99.710, de 21 de novembro de 1990, passando a viger na ordem interna em 23

de outubro de 1990, na forma do seu artigo 49, inciso 2.

Entretanto, antes de se tornar signatário da Convenção sobre os

Direitos da Criança, o Brasil já havia promulgado o Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA), através da Lei nº 8.090, de 13 de julho de 1990, dispondo

sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.

O ECA materializou e regulamentou a Doutrina da Proteção Integral,

agrupando num só documento, os direitos e também as sanções a serem

aplicadas à criança e ao adolescente, diferentemente dos Códigos de Menores

que só tratavam dos menores em situação irregular, objeto de intervenção do

Estado.

Dessa forma, a Constituição Federal e o Estatuto tiraram do Poder

Judiciária a tutela exclusiva sobre a criança e o adolescente, passando a dividi-

la entre a família, a sociedade e o Estado.

29

II – CAPÍTULO

Das Medidas Socioeducativas Previstas no ECA

E acordo com as palavras e ROSSATO (2011) a medida socioeducativa

pode ser defina como uma medida jurídica aplicada em procedimento

adequado ao adolescente autor de ato infracional. Portanto, antes de

discorrermos sobre as medidas socioeducativas previstas no ECA, cabe-nos

explicar o significado de ato infracional.

2.1 - Do Ato Infracional

Considera-se, ato infracional como todo fato penalmente típico, ou seja,

descrito como crime ou contravenção, previsto no art.103 do ECA.

Lei 8.069/90.

Art. 103 - Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.

O ECA ao determinar que as condutas previstas para os adultos como

crime ou contravenção penal, quando praticadas por adolescentes são

passíveis de sanção pelo Estado. Estipulou esse critério seguindo a corrente

clássica tripartida do delito que aponta como elementos: a) tipicidade1, b)

antijuridicidade2, e c) culpabilidade3.

A Lei de Introdução ao Código Penal - LICP – (Decreto-Lei nº nº

3.914/1941); descrê o conceito de crime e contravenção penal em seu artigo

1°, que são espécies do gênero infração penal:

Art. 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

1 Tipicidade é quando as ações do agente se adequam a forma proibida descrita na lei. 2 antijuridicidade é a contradição entre uma conduta e ordenamento jurídico.

3 Culpabilidade: é a qualidade de uma falta não intencional, de que resulta responsabilidade civil e

criminal.

30

Princípio consagrado na CF em seu artigo 5º, XXXIX, de que "não há

crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal"; o

ECA para que haja sanção ao adolescente exige o respeito ao mesmo princípio

constitucional.

Nas palavras de Saraiva (1999, pag.31):

[...] é a própria definição da espécie inclui a garantia da observância do princípio da tipicidade, que exige subsunção da conduta àquela descrita pela norma penal. Assim só há ato infracional se houver figura típica penal que o preveja.

Portanto para caracterização de um ato infracional, terá que ficar

demonstrado a ocorrência de crime ou contravenção, assim sendo, ratificando

a ideia da natureza jurídica dos atos infracionais como ato ilícito.

Nesse sentido a lúcida explanação de Wilson Donizeti Liberati;

Não se pode permitir eufemismo na descrição e/ou identificação da ação delituosa de um adolescente que pratica, por exemplo, um fato tipificado no art. 121 do CP. O fato típico é descrito como homicídio, seja ele praticado por maior ou menor de 18 anos. A essência do crime é a mesma. O tratamento jurídico, entretanto, deve ser adequado à especial condição de cada agente, como dispõe o art. 228, in fine, da CF. (2006, p. 62)

Diferenciam-se apenas, por questões de política criminal, o legislador

erigiu alguns atos como mais relevantes para a garantia da ordem pública,

classificando-os, seja no Código Penal – CP ou em Legislação Penal Especial -

LPE como crime aplicando as estes punição mais severa. Enquanto que a

contravenção penal, por atingir bem jurídico de menor relevância classifica-os

na Lei de Contravenções Penais – LCP, aplicando a estes sanções mais

brandas.

2.2 – Das Penas

Esclarecido a caracterização de ato infracional como a mesma conduta de crime ou contravenção penal, diferenciando-se apenas quanto ao sujeito

31

ativo que os pratica; cabe salientar sobre a consequência do desrespeito as normas postas para convivência pacífica em sociedade.

Ultrapassado a tolerância comportamental às regras impostas pelo Estado, surge o direito de punir (jus puniendi) em face do transgressor. Para manter a ordem social o Estado faz-se valer de sanções previstas para cada conduta transgredida. Estas sanções podem ser penas restritivas de liberdade ou de direitos bem como pecuniária.

Existem algumas teorias que explicam a necessidade da pena. São elas:

1) Teoria Absoluta ou Retributiva: Para esta teoria a penal tem o objetivo de punir o autor da infração penal, causando um mal legítimo ao causador do de um mal ilegítimo. Trata-se de um verdadeiro castigo que compensa o mal causado e repara a moral da sociedade.

2) Teoria relativa ou Da Prevenção: Tem por objetivo impedir que o infrator volte a cometer uma nova infração penal, assim sustenta a pacificação no convívio social.

3) Teoria Mista ou Eclética: Essa teoria é uma somatória das duas teorias anteriores, tem por objetivo punir o infrator penal bem como prevenir que outro membro da sociedade pratique o mesmo ato e também para que o próprio infrator não volte a delinquir.

4) Teoria Ressocializadora: Tem por objetivo a defesa social, ou seja, aplica-se a pena ao infrator enquanto ele causar um perigo ao convívio social, assim, na medida em que o infrator for se readaptando ao convívio social a pena perderá sua finalidade.

Vale mencionar o conceito de pena trazida por Damásio Evangelista de Jesus (2008): “Pena é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos”. (JESUS, Damasio E. Direito Penal – Parte Geral, 1º vol. 29º ed. São Paulo: editora Saraiva, 2008).

2.2.1 – Características da Pena

A pena tem por característica a retribuição, que, após ser apurado ser alguém o responsável pela infração penal, cabe ao Estado aplicar a punição contra o causador do ato.

32

Devido ao estado democrático de direito em que vivemos a punição imposta pelo Estado deve respeitar algumas características peculiares da pena. São elas:

• Legalidade: A pena deve estar prevista em lei, não se admitindo a inclusão desta sanção por ato administrativo diferente da lei. É o que dispõe o artigo 5º, inciso XXXIX da CF e artigo 1º do CP.

• Anterioridade: A lei que prevê a espécie de pena e a quantidade de pena a ser aplicada deve estar vigente quando da prática do ato infracional. Também disposto no artigo 5º, inciso XXXIX da CF e artigo 1º do CP.

• Individualidade: A aplicação e cumprimento devem respeitar os

limites da culpabilidade do agente que cometeu a infração penal. Disposto no artigo 5º, inciso XLVI da CF.

• Personalidade ou Intrancendência: A pena em nenhuma

hipótese não poderá ultrapassar a pessoa que cometeu a infração penal. Disposto no artigo 5º, inciso XLV da CF.

• Proporcionalidade: A pena deve ser proporcional ao mal

causado pelo infrator. Disposto no artigo 5º, inciso XLVI e XLVII da CF.

• Humanidade: Não poderá ser aplicada pena de caráter cruel ou

permanente. Disposto no artigo 5º, inciso XLVII da CF.

2.2.2 – Finalidades da Pena

A pena tem por finalidade a prevenção do ato infracional. Tem o escopo de evitar a prática de novas infrações penais

A prevenção, doutrinariamente, é dividida em:

a) Prevenção Geral: Tem por finalidade intimidar todos os membros

da sociedade para que não cometam infração penal. Que se

subdivide em:

i. Prevenção Geral Positiva: Visa estabelecer a consciência

jurídica dos membros da sociedade, bem como a confiança

destes membros no direito positivado.

33

ii. Prevenção Geral Negativa: Visa intimidar aos potenciais

infratores penais demonstrando as consequências do

desrespeito à norma.

b) Prevenção Especial: Diferente da prevenção geral não visa

todos os membros da sociedade, tem como foco apenas o

infrator, objetivando que este não volte a desrespeitar a norma.

Também se subdivide-se em:

i) Prevenção Especial Positiva: Tem por objetivo a

ressocialização do infrator por meio da correção. Visa

reestruturar o caráter do infrator moldando sua

personalidade para que não volte a cometer delitos.

ii) Prevenção Especial Negativa: Busca a segregação da

liberdade do infrator, a fim de neutralizar a reincidência.

A prevenção especial reflete muito o pensamento do filósofo francês

Michel Foucault explicitado nas obras Microfísica do Poder e Vigiar e Punir. O

autor explicita a possibilidade de disciplinar a conduta das pessoas de maneira

cirúrgica, através da disposição no tempo e no espaço; menciona sobre as

“instituições de sequestro”, argumentando que dificilmente se consegue

disciplinar alguém no meio aberto sem limites de tempo e de espaço, mas

sequestrando-os desse meio e confinando-os numa instituição consegue-se

moldar o indivíduo. Enfatiza também o poder disciplinar exercido sobre os

corpos dos seres humanos, demonstrando a docilização dos corpos.

Nas palavras de Foucault (1999):

A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis”. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma “aptidão”, uma “capacidade” que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. (FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. 20ª ed, Petropolis: Editora Vozes: 1999. P. 164/165)

34

A pena que, de alguma forma ultrapassar essas características ou

finalidade, ao invés de ser instrumento legítimo para a manutenção da paz

social, tornar-se-á injusta e além de instrumento ilegítimo do Estado.

2.3 – Das Sanções Previstas no ECA.

A inimputabilidade penal no Brasil é garantida aos menores de 18

(dezoito) anos e encontra-se respaldada em três diplomas legais insertos no

artigo 228 da Constituição Federal, no artigo 27 do Código Penal e no artigo

104 do ECA:

Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.

No entanto falar-se em inimputabilidade não é sinônimo de impunidade.

O fato de um adolescente que pratica uma conduta descrita como crime ou

contravenção não responder por seus atos da mesma forma que um adulto,

não significa que ele não será responsabilizado por seus atos.

Aos adolescentes que praticam condutas delituosas, após a apuração

resguardada de direitos e garantias, o Estatuto da Criança e do Adolescente

(ECA) faz previsão de sanção para os infratores, porém, respeitando a

condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, aplica-se medidas protetivas

ou socioeducativas conforme a faixa etária do infrator, inclusive com privação

de liberdade conforme o caso.

Portanto a inimputabilidade prevista nas legislações supracitadas, não

implica em impunidade quando do cometimento de ato infracional por crianças

ou adolescentes.

35

2.4 – Diferença entre Medidas Protetivas e Socioeducativas

O Estatuto da Criança e do Adolescente enfatiza em seu capítulo IV as medidas socioeducativas que serão aplicadas a jovens que cometerem ato infracional, com finalidade de reinserção a sociedade, apurada sua responsabilidade após o devido processo legal, cuja a finalidade não é punição, mas a efetivação de meios para reeducá-los.

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I - advertência;

II- obrigação de reparar o dano;

III – prestação de serviços à comunidade;

IV – liberdade assistida;

V – inserção em regime de semi-liberdade;

VI – internação em estabelecimento educacional;

VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.

§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.

§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

É importante salientar que as medidas socioeducativas elencadas a acima, praticada por adolescentes não são especifica, por isso fica a critério do juiz, julgar a mais adequada ao caso concreto.

Para consolidar o exposto acima existe uma súmula que expressa exatamente isso. vejamos a Súmula 108 do STJ: " A aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente, pela prática de ato infracional é de competência exclusiva do juiz" .

Nas palavras Saraiva ( 2003, pag.80):

Corolário do até aqui exposto é que, embora o adolescente se faça inimputável, insusceptível, as penas aplicáveis aos adultos, faz se responsável, submetendo-se às sanções que estabelece o sistema juvenil, chamadas medidas socioeducativas.

O art.112 do ECA que descreve sobre as medidas cabíveis que encontra

certa semelhança com as aplicadas na esfera penal: advertência, obrigação de

reparar dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, regime

36

de semiliberdade, internação e ainda medidas proteção. Trata-se de rol

taxativo, aplicando-se no caso o princípio da legalidade, admitindo-se sanção

previamente estabelecida por lei.

Segundo Olympio Sotto Maior apud Cury, Muni (coord): (2006, pag.378):

é vedado portanto impor medidas diversas das enunciadas no art.112.

Prevê o §1º do art.112 do ECA que a medida aplicada ao adolescente

levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstância e a gravidade

da infração esses parâmetros se relacionam ao princípio da proporcionalidade

estipulado na regra 17 das Regras Mínimas de Beijing adotadas pela

assembleia Geral da ONU para a administração da justiça de Menores.

Regras Mínimas de Beijing 17 :

17. Princípios norteadores da decisão judicial o das medidas

17.1 A decisão da autoridade competente pautar-se-á pelos seguintes princípios:

a) a resposta à infração será sempre proporcional não só às circunstâncias e à gravidade da infração, mas também às circunstâncias e às necessidades do jovem, assim como às necessidades da sociedade;

Tal dispositivo discorre sobre as circunstancias e gravidades da infração,

as circunstância e necessidades do adolescente e finalmente o interesse da

sociedade.

Já o §2º a prestação de trabalho forçado é vedado, obedecendo a

Constituição Federal em seu art.5, inciso XLVII, alínea c.

No §3º nesta hipótese, cabe a aplicação de tratamento

especializado e individual.

2.4.1 – Da Advertência

A medida de advertência esta prevista nos art.114, parágrafo único

e 115 do Estatuto. Vejamos:

37

art.114 [...] Parágrafo único. A advertência poderá ser aplicada sempre que houver prova da materialidade e indícios suficientes da autoria.

Art. 115. “A advertência consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada.”

Assim prevê o ECA, a medida de advertência consistindo em

admoestação, ou seja, a leitura do ato cometido e o comprometimento de que a

situação não se repetirá.

Assim atos infracionais como adolescentes que cometa, pela primeira

vez, lesões leves em outro ou vias de fato, podem levar à aplicação desta

medida.

O Supremo Tribunal Federal (STF), entende:

"A medida de advertência tem caráter pedagógico, de orientação ao menor e em tudo se harmoniza com escopo que inspirou o sistema instituído pelo Estatuto da Criança e do adolescente" ( Número dos autos: RE 248.018/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, j. 6-5-2008).

Segundo Liberati (2002, p. 104) ensina:

(...) via de regra, para os adolescentes que não tem histórico criminal e para os atos infracionais considerados leves, quanto a sua natureza ou conseqüências. Para atingir o objetivo colimado é necessário a presença dos pais ou responsável na audiência, para que também sejam integrados no atendimento e orientação psicossociais, se houver necessidade.

Esta admoestação implica ao juiz ou ao promotor de justiça na leitura da

conduta praticada, na censura e na explicação da ilegalidade do ato infracional

cometido pelo adolescente, estando presentes os seus pais ou responsáveis, e

ao infrator, na promessa de que o evento delituoso não se realizará de novo.

Tal medida é a mais branda aplicadas ao jovem deliquente, em casos

de infrações mais leves, pois neste caso o caráter pedagógico que traz, a

finalidade de alerta o infrator da consequência de seus atos ilícitos.

2.4.2 – Da Obrigação de Reparar o Dano

A obrigação de reparar o dano esta prevista no art.116 do ECA:

Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente

38

restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima.

Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada.

A lei esclarece a medida de reparação de dano no caso de infrações

com reflexo patrimoniais, além de alertar o adolescente no senso de

responsabilidade social em fase do bem alheio. A reparação do dano tem como

finalidade restituir o dano causado a vitima.

Seguindo a mesma linha de pensamento Albergaria leciona (1995,

pag.119): "a obrigação de reparar dano objetiva despertar e desenvolver no

jovem o senso de responsabilidade em face de outro que lhe pertence".

Ao encontro do explanado acima Rossato (2011, p 331) enfatiza: Cada

uma das medidas (...) – possuem uma abrangência pedagógica, caracterizada

pela utilização de diferentes recursos destinados a suprir o déficit apurado,

cumprindo a meta desejada.

Neste sentido, Sposato (2006, p.120) também explana sobre o caráter

da medida: A obrigação de reparar o dano é medida socioeducativa que tem

por finalidade promover a compensação da vítima, por meio da restituição do

bem, do ressarcimento ou de outras formas.

Tal medida tem caráter educativo e sancionatória ao adolescente em

conflito com a lei, ou seja tem uma conduta pessoal, sendo assim o mesmo

deve cumprir a medida imposta pela autoridade judiciária.

É importante ressaltar, que em caso de impossibilidade de cumprimento

da medida socioeducativa por falta de recursos financeiros, é facultado ao juiz

a substituição dessa medida por outra.

2.4.3 – Da Prestação de Serviço à Comunidade

A medida de prestação de serviço à comunidade, na esfera penal esta

prevista dentre as penas restritivas de direitos. No ECA esta nos termos do

art.117:

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Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.

Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a frequência à escola ou à jornada de trabalho.

A medida de prestação de serviço à comunidade consiste na realização

de tarefas gratuitas de interesses gerais por período não superior a seis meses.

Operacionaliza-se por meio de parcerias, junto a entidades assistenciais,

hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em

programas comunitários ou governamentais. As tarefas a ser desempenhadas

deverão levar em consideração as aptidões intelectuais e físicas do

adolescente.

Liberati (2002) leciona que a prestação de serviço à comunidade:

Ao mesmo tempo em que a medida impõe restrições nos direitos do infrator, ela sanciona seu comportamento e delimita sua condição de autor de ato infracional. Com natureza sancionatória-punitiva e, também, com grande apelo comunitário e educativo, a medida sócio-educativa de prestação de serviços à comunidade constitui medida de excelência tanto para o jovem infrator quanto para comunidade. Esta poderá responsabilizar-se pelo desenvolvimento integral do adolescente. Ao jovem valerá como experiência de vida comunitária, de aprendizado de valores e compromissos sociais. (Liberati. 2002, p. 107/108)

A finalidade da medida socioeducativa de prestação de serviço à comunidade é a reeducação do adolescente infrator no seio de sua comunidade e preparando jovem para voltar à sociedade. Destarte, é necessário um trabalho multidisciplinar, quais sejam, a comunidade, a sociedade, o Poder público, a família, ou seja, todos tem que colaborar para reinserção do jovem a sociedade.

2.4.4 – Da Liberdade Assistida

Essa medida visa trazer expectativas de vida para adolescente em

conflito com a lei, além de redirecionar seus valores e a convivência familiar e

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comunitária. A liberdade assistida constitui-se em acompanhar, auxiliar e

orientar, conforme os arts. 118 e 119 do ECA:

Art. 118. A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.

§ 1º. A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento.

§ 2º. A liberdade assistida será fixada por prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor.

Segundo o ilustre doutrinador AMARAL, 1994 apud ISHIDA (2006,

pag.181):

"A liberdade assistida consiste em submeter o menor, após entregue aos responsáveis, ou após liberação do internato, á assistência ( inclusive vigilância discreta), com fim de impedir a reincidência e obter a certeza da reeducação."

Analisando as medidas tratadas em meio aberto esta é a mais grave,

pois além de restringir direitos com prazo mínimo de seis meses, podendo ser

prorrogado ou substituído a qualquer tempo por outra medida. Esta medida

impõe obrigação de caráter coercitivo de modo que o jovem deve se comportar

conforme as regras imposta do juiz.

A medida socioeducativa visa reeducá-lo por meio de acompanhamento

de profissionais especializados, designado pela autoridade, deverá ser

nomeado um orientador, a quem promoverá socialmente o adolescente e sua

família, além de supervisionar a frequência escolar, diligenciar a

profissionalização.

Nogueira leciona quando deve ser aplicada e a maneira como deve ser

operacionalizada (1998, pag.184):

A liberdade assistida deve ser aplicada aos adolescentes reincidentes ou habituais na prática de atos infracionais e que demonstrem tendência para incidir, já que os primários deve ser apenas advertidos, com a entrega aos pais ou responsável. Deverá ser fixada pelo prazo mínimo de seis meses, pode ser a qualquer tempo prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor (art.118, §2). A medida não comporta a fixação de prazo máximo, pois deve ser aplicada enquanto houver necessidade de assistência. A liberdade assistida

41

deve ser acompanhadas de certas condições apropriadas ao caso concreto.

Nesta espécie de medida a figura do orientador é de suma relevância,

conforme aduz o art.119 do ECA:

Art. 119. Incumbe ao orientador, com o apoio e a supervisão da autoridade competente, a realização dos seguintes encargos, entre outros:

I - promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social;

II - supervisionar a freqüência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula;

III - diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no mercado de trabalho;

IV - apresentar relatório do caso.

O orientador é o elo entre o adolescente em conflito com a lei, e o

magistrado, que confia em um profissional capacitado para acompanhar e

presta ajuda. A atuação do orientador não é só com o jovem, mas também com

a família, por ser mais fácil identificar os problemas familiares de uma forma

ampla, sendo necessário fortalecer o vinculo para resolução dos problemas.

Cabe ao orientador, se for caso, diligenciar no sentido de inserir o

adolescente e sua família em algum programa de auxílio.

No inciso II do art. 119 ECA, tem como finalidade a inclusão do

adolescente na escola para o seu pleno desenvolvimento, não podendo deixar

esse ponto relevante, no caso de não haver vaga deve comunicar o Magistrado

para que seja resolvido problema.

Já no inciso III do art.119 do ECA, que discorre sobre a

profissionalização do jovem, consiste em inseri-lo no mercado de trabalho, ou

seja, com a preparação para o mercado do trabalho, no futuro poderá exercer

uma profissão e viverá com dignidade.

Na questão do relatório, o Juiz poderá determinar o tempo para

apresentação do relatório. É de suma importância que orientador estabeleça o

sistema de atendimentos, sendo colocadas metas a ser alcançadas, com a

finalidade de um projeto de vida digno, além de desenvolver um vinculo de

42

confiança, não fazer julgamentos moralistas e propiciar a capacidade de

reflexão sobre a conduta.

Saraiva diz exatamente qual o papel do orientador ( 1991, pag.61):

Impõe-se que a liberdade assistida realmente oportunize condições de acompanhamento, orientação e apoio ao adolescente inserido no programa, com designação de orientador judiciário que não se limite a receber o jovem de vez em quando em gabinete, mas que de fato participe da sua vida, com visita domiciliares, verificação de sua condição de escolaridade e de trabalho, funcionando como uma espécie de "sombra", de referencial positivo, capaz de lhe impor limite, noção de autoridade e afeto, oferecendo-lhe alternativas frente aos obstáculos próprios de sua realidade social, familiar e econômica.

Conclui-se que essa medida é aplicada para adolescente que

normalmente é reincidente em infrações mais leves, como pequenos furtos,

atos infracionais praticados sem violência ou grave ameaça, como nos casos

de tráfico de entorpecentes entre outros.

Vejamos a jurisprudência nesse sentido:

APELAÇÃO. ECA. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO A TRÁFICO DE ENTORPECENTES. REPRESENTAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. DECISÃO QUE APLICOU MEDIDA SÓCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO. HIPÓTESE QUE NÃO SE AMOLDA ÀS PREVISÕES DO ARTIGO 122 DA LEI 8.069/90. MEDIDA DE CARÁTER EXCEPCIONAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES QUE, POR SI SÓ, NÃO PODE SER CONSIDERADO GRAVE CONTRA PESSOA. INOCORRÊNCIA DE REITERAÇÃO DELITIVA EM ATOS INFRACIONAIS GRAVES. ADOLESCENTE QUE POSSUI OUTRAS DUAS REPRESENTAÇÕES POR ATO INFRACIONAL (POSSE E TRÁFICO DE DROGAS). INEXISTÊNCIA DE DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA SOCIAL ANTERIORMENTE APLICADA. REFORMA DO DECISUM. APLICAÇÃO DA MEDIDA DE LIBERDADE ASSISTIDA. RECURSO PROVIDO. O art. 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente, cujo rol é taxativo, é expresso ao dispor que a medida socioeducativa de internação só pode ser aplicada quando (a) o ato infracional for cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; (b) houver reiteração no cometimento de infrações graves; ou (c) descumprimento reiterado e injustificável de medida antes imposta. (TJ-PR - APL: 7520329 PR 0752032-9, Relator: José Mauricio Pinto de Almeida, Data de Julgamento: 02/06/2011, 2ª Câmara Criminal, Data de Publicação: DJ: 650).

Verifica-se, em tese, que é uma das melhores medidas, pois possibilita o

acompanhamento desse jovem, com um orientador, que promova com ele o

seu convívio social, possibilitando novas perspectivas de vida, visando sua

reeducação, e por manter o menor na própria família, além de não impor ao

43

adolescente um tratamento institucional como na semiliberdade e internação,

que veremos adiante neste presente trabalho.

2.4.5 – Do Regime de Semiliberdade

O regime de semiliberdade consiste ao adolescente permanecer

internado no período noturno, ou seja, medida privativa de liberdade, podendo

contudo realizar atividades externas. Dentre as atividades, incluem-se a

escolaridade e a profissionalização.

De acordo com art.120 §1 e §2 que diz:

Art. 120. O regime de semiliberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitando a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial.

§ 1º São obrigatórias a escolarização e a profissionalização, devendo, sempre que possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade.

§ 2º A medida não comporta prazo determinado aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação.

É importante ressaltar, que a referida medida, por implicar em privação

de liberdade, só pode ser aplicada mediante o devido processo legal, dando

ênfase ao arts.110 e 111 do ECA.

LIBERATI, discorre sobre semiliberdade assim (1991, pag.62):

"Por semiliberdade, como regime e política de atendimento, entende-se aquela medida socioeducativa destinada a adolescentes infratores, que trabalham e estudam durante o dia e à noite recolhem-se a uma entidade especializada".

Tal medida no caput do art.120, expressa que terá duas formas de ser

aplicada: primeiro, poderá ser aplicada desde o início, pela autoridade

judiciária, sempre lembrando do principio da legalidade. Já na segunda, poderá

ser aplicada como forma de transição para o meio aberto, isto no caso do

adolescente que sofreu medida de internação. Se este deixou de representar

perigo à sociedade, deve passar para um regime menos rigoroso, ou seja, a

chamada progressão de regime.

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O §1 do art.120 do ECA, explica de que é imprescindíveis para o pleno

desenvolvimento da personalidade menor, sendo compulsórias a

profissionalização e a escolarização do adolescente.

No §2 do referido artigo, não há prazo de duração determinado, mas se

lhe aplicam as disposições referentes a internação.

Elias se posiciona do seguinte modo ( 2010, pag. 164):

[...] há de se atentar ao §2 do art.121, no que tange à reavaliação da medida de seis em seis meses. Parece-nos também que o período máximo não poderá exceder a três anos(art.121, §3º), e, atingindo este limite, o menor, se for caso, poderá ser colocado em regime de liberdade assistida. Ademais , deverá ser liberado aos vinte e um anos de idade (§5 do art. 121). Em qualquer das hipóteses, a determinação será do Juiz da Infância e da Juventude, ouvido o Ministério Público.

Nesse mesmo sentido o STF entende:

STF mantém medida de semiliberdade a menor infrator que completou maioridade

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou pedido de Habeas Corpus (HC 90248) a menor de idade que cumpria medida socioeducativa de semiliberdade por causar dano a patrimônio público, e que completou 18 anos. Para a defesa, ao atingir a maioridade civil e penal, a medida deveria ser extinta, de acordo com determinação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro alegou no HC que a manutenção da medida de semiliberdade imposta no caso seria ilegal após a maioridade, uma vez que somente a medida de internação poderia ser aplicada aos maiores de 18 anos, de acordo com o artigo 121, parágrafo 5º do ECA. Ao analisar o caso, por unanimidade, os ministros seguiram o voto do relator, Eros Grau. O ministro entendeu que as regras de internação previstas no ECA aplicam-se também aos casos de semiliberdade, estendendo o cumprimento das medidas restritivas de liberdade até 21 anos. “A aplicação da medida sócio-educativa de semiliberdade para além dos 18 anos não decorre de aplicação sistemática, mas de expressa disposição legal, uma vez que o legislador disciplinou de forma idêntica as medidas de semiliberdade e internação”, afirmou Eros Grau.

O relator explicou que, à exceção das determinações previstas no artigo 121, parágrafo 3º, e 122, parágrafo 1º, o ECA não estabelece limite máximo de duração da medida sócio-educativa. Ou seja, independentemente de o adolescente atingir a maioridade, a medida tem como limite a data em que o infrator completar 21 anos. Assim, a Segunda Turma negou por unanimidade a extinção do cumprimento da medida de semiliberdade, ora aplicada. Pedido idêntico já havia sido negado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e pelo Superior Tribunal de Justiça.

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É importante citar a resolução nº47, de 5 dezembro de 1996, Conanda

(Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente). Essa resolução

regulamenta a execução da medida socioeducativa de semiliberdade, que se

refere o art.120 do ECA.

A seguinte resolução regulamenta a execução da medida de

semiliberdade, estipulando nos seus arts. 1 e 2.

Art. 1º O regime de semiliberdade, como medida sócio-educativa autônoma (art. 120 caput, início), deve ser executada de forma a ocupar o adolescente em atividades educativas, de profissionalização e de lazer, durante o período diurno, sob rigoroso acompanhamento e controle de equipe multidisciplinar especializada, e encaminhado ao convívio familiar no período noturno, sempre que possível.

Art. 2º A convivência familiar e comunitária do adolescente sob o regime de semiliberdade deverá ser, igualmente, supervisionada pela mesma equipe multidisciplinar.

Parágrafo único. A equipe multidisciplinar especializada incumbida do atendimento ao adolescente, na execução da medida de que trata este artigo, deverá encaminhar, semestralmente, relatório circunstanciado e propositivo ao Juiz da Infância e da Juventude competente.

Diante de tudo exposto acima, sobre a referida medida, tendo caráter de

reeducação do jovem, mas não vem sendo utilizada com muita frequência, por

motivos de falta de estabelecimento especial, com o fim de acolher

adolescentes no período noturno e a realizar medidas pedagógicas no período

diurno, para aplicação dessa medida.

2.4.6 – Da Internação

A medida de internação, a mais grave das medidas socioeducativas,

constituindo, conforme o art.121 do ECA, em medida privativa de liberdade,

sendo regida pelos princípios da brevidade, da excepcionalidade e do respeito

à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, que são previsto no art.

227 §3, V da Constituição Federal:

Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem com absoluta prioridade [...] :

46

§ 3º. O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

[...]

V – obediência aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar da pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa de liberdade. [...]

A internação esta prevista no art.121 do ECA:

Art. 121. A internação constitui medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. § 1º. Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário. § 2º. A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses. § 3º. Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos. § 4º. Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida. § 5º. A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade. § 6º. Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público.

ISHIDA (2011, pag.263) leciona sobre as garantias e os direitos do

adolescentes, dando prioridade a três princípios:

[...] 1) da brevidade, no sentido de que a medida deve perdurar tão somente para a necessidade de readaptação do adolescente; 2) o da excepcionalidade, no sentido de que deve ser a última a ser aplicada pelo juiz quando da ineficácia de outras; e 3) o do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, visando manter condições gerais para o desenvolvimento do adolescente, por exemplo, garantindo seu ensino e profissionalização.

Excepcionalidade deverá ser utilizada como ultimo recurso, elencado no

art.122, §2, do ECA, apenas quando a gravidade do ato infracional se

enquadrarem nas hipóteses do art.122 do ECA.

Brevidade é quando o adolescente deve ser privado de sua liberdade o

menor tempo possível. Por tal razão a medida não comporta prazo

determinado, art. 121,§ 2º, devendo ser avaliado a cada seis meses, além do

prazo de internação ser de 45 dias, conforme previsto no art. 108 do ECA. A

duração máxima de uma internação que o adolescente poderá ficar privado se

sua liberdade será de no máximo três anos.

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A liberação compulsória é uma exceção, podendo persistir após os 18

anos e até os 21 anos, mas somente pode ser executada em decorrência de

fatos praticados antes da maioridade penal. O artigo 121, § 5º, diz que aos 21

anos, não importando a gravidade e a quantidade de atos infracionais

praticados antes da maioridade penal, deverá ser liberado compulsoriamente.

O art.122 do ECA traz as hipóteses de internação:

Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:

I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;

II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;

III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

§ 1o O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a 3 (três) meses, devendo ser decretada judicialmente após o devido processo legal.

§ 2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada.

O rol do art.122 são hipóteses de internação, nas palavras de Ishida

(2011, pg. 273): o rol é exaustivo, ou seja, fora das hipóteses referentes nesse

artigo a medida é inadmissível.

O art.123 do ECA disciplina da entidade apropriada para o adolescente:

Art. 123. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.

Parágrafo único. Durante o período de internação, inclusive provisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas.

O legislador dispõe sobre a entidade apropriada para internação dos

adolescentes infratores, devendo ser providenciado local condizente com sua

condição de pessoa em desenvolvimento, previsto no art.185 do ECA.

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O art. 124 do ECA discorre sobre os direitos do adolescente interno:

Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes:

I - entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Público;

II - peticionar diretamente a qualquer autoridade;

III - avistar-se reservadamente com seu defensor;

IV - ser informado de sua situação processual, sempre que solicitada;

V - ser tratado com respeito e dignidade;

VI - permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável;

VII - receber visitas, ao menos, semanalmente;

VIII - corresponder-se com seus familiares e amigos;

IX - ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal;

X - habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade;

XI - receber escolarização e profissionalização;

XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer:

XIII - ter acesso aos meios de comunicação social;

XIV - receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o deseje;

XV - manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guardá-los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade;

XVI - receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade.

§ 1º Em nenhum caso haverá incomunicabilidade.

§ 2º A autoridade judiciária poderá suspender temporariamente a visita, inclusive de pais ou responsável, se existirem motivos sérios e fundados de sua prejudicialidade aos interesses do adolescente.

São direitos a assegurados ao internado.

Os direitos referentes aos incisos I, II e III são direitos que permitem ao

adolescente, reclamar da forma de tratamento que lhe está sendo ministrada.

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Os incisos IV e V, tem a ver com o a jovem ser sujeitos de direitos,

devendo ficar informado de sua situação processual e ser tratado com

dignidade.

Os direitos relativos aos incisos VI; VII e VIII, diz a respeito o direito de

ficar perto de seus familiares tendo base no art.227 da CF.

Os incisos IX; X e XI são direitos encontrados nos princípio a respeito

peculiar da pessoa em desenvolvimento.

Os incisos XII, XIII e XIV, indicam desenvolvimentos intelectual e

espiritual. Esses direitos tem que haver anuência do jovem.

Os inciso XV, são relativos a objetos pessoais do adolescente, desde

que não tragam perigo algum.

O §1 do art.124, veda a incomunicabilidade do interno, podendo o jovem

se comunicar com seu advogado, membro do Ministério Público, diretor da

unidade, manter contato com seus familiares.

O §2 do art.124, a autoridade poderá suspender as visitas, se existirem

motivos sérios e fundados de sua prejudicialidade aos interesses do

adolescente.

Para Elias (2010, p.171):

Em se tratando de menores, é preciso sempre recordar que estes são sujeitos e não objetos [...]. Assim sendo, mesmo quando cometem infrações, as medidas que lhes são aplicadas – denominadas corretivas – são eminentemente pedagógicas. Mas é claro que a privação da liberdade, por si só, representa uma carga para o adolescente, que deve ser amenizada com alguns direitos que lhe são concedidos.

Por fim, art.125 do ECA, que discorre sobre a responsabilidade do

Estado pela integridade dos internos:

Art. 125. É dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança.

50

Analisando a medida de internação, que no caso o adolescente está

longe de sua família e da sociedade cumprindo medida em estabelecimento

estatal, cabe ao Estado zelar pela sua integridade física e mental dos

adolescentes privados de sua liberdade.

51

III – CAPÍTULO

Sistemas de Justiça

Desde a antiguidade, quando os seres humanos verificaram a possibilidade e a necessidade de viverem em grupos, de forma prática criou-se a sociedade, ou seja, pessoas reunidas com algumas identidades de língua, costume e um território, para a obtenção de fins comuns, em benefício de cada qual.

Passando a conviver em sociedade o ser humano deparou-se com a necessidade de criar regras para a manutenção pacífica deste convívio, destacou-se então a necessidade da criação de um “poder”4 que disciplinasse restringisse as condutas. Em não existindo esta espécie de controle, cada integrante da sociedade faria o que quisesse, podendo criar conflitos entre os membros desta sociedade, tornando a convivência harmoniosa fadada ao fracasso.

A evolução desta sociedade, até os dias de hoje, vem gradativamente se aprimorando? Visando o bem estar da coletividade de forma pacífica a sociedade, na defesa dos interesses individuais e coletivos, passou a se organizar na forma de Estado. Figura delineada basicamente pelo conjunto de povo, poder e território.

Instituído o Estado como ente capaz de determinar as regras de convivência pacífica, a sociedade se submeteu às regras impostas pelo Estado fazendo apenas o que a lei permitia ou não proibia.

TOURINHO FILHO (2010) destaca esse marco como a submissão das regras estatais para com a sociedade:

Visando a continuidade da vida em sociedade, à defesa das liberdades individuais, em suma, o bem-estar geral, os homens organizaram-se em Estado. Desde então eles se submetem às ordens dos governantes, não mais fazendo o que bem queriam e entendiam, mas o que lhes era permitido ou não proibido [...]. Tourinho Filho. 2010, p. 18)

Desta forma o Estado impõe através de política criminal quais são as ações proibidas ficando ao critério das pessoas agirem como quiserem desde que essa ação não fosse proibida.

4 Órgão legitimamente instituído para diretrizes da coletividade

52

Criou-se Então a figura do “direito”5, pois consagra ao ser humano o livre arbítrio de fazer o que entender para melhor atingir os seus fins, desde que não proibido.

As normas elencadas como proibidas visam a preservação da convivência humana, não podendo ficar sujeitas a adesão espontânea das pessoas, obrigando o Estado a criar mecanismos para o cumprimento obrigatório das regras impostas. Diante da não observância das regras impostas, como fazer para que cada pessoa aja dentro dos limites impostos pelo Estado? Surge aqui a coação jurídica, ou seja, mecanismo para o cumprimento obrigatório das regras.

Nas palavras de Miguel Reale (2009, p 72):

As regras éticas existem para serem executadas. Se a obediência e o cumprimento são da essência da regra, é natural que todas elas se garantam, de uma forma ou de outra, para que não fiquem no papel, como simples expectativas ou promessas. As formas de garantia do cumprimento das regras denomina-se “sanções”.

Sanção é, pois, todo e qualquer processo de garantia daquilo que se determina em uma regra.

Voltada para o direito criminal as sanções impostas como garantia do cumprimento das decisões judiciais condenatórias denominam-se penas para o sistema de justiça de adultos e medida socioeducativa para o sistema de justiça juvenil que serão abordados oportunamente.

3.1 - Das penas

As penas são as sanções impostas pelo Estado em face da pessoa que praticou uma infração penal (crime ou contravenção). Como será visto adiante a origem da pena se confunde com a própria origem do crime, sendo impossível auferir o exato momento de seu surgimento.

O que se pode afirmar é que as penas surgem como punição por parte do Estado, em resposta a uma conduta (criminosa) realizada, ou seja, pelo descumprimento de uma regra geral imposta pelo Estado. Isto posto, utilizaremos os ensinamentos de Fernando Capez (2005) para conceituar pena:

A pena é considerada como sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado como execução de uma sentença, destinada ao culpado pela pratica de uma infração penal, consistente na privação ou restrição de um bem jurídico; tendo por objetivo a retribuição punitiva ao delinquente, a promoção de sua readaptação e a prevenção de novas transgressões.

5 Expressão utilizada por Kant quando menciona: [...] o Direito delimita para libertar: quando limita,

liberta. – apud. TOURINHO FILHO. 2010, p. 64.

53

A Constituição Federal de 1988 – CF/88, conhecida por Constituição

Cidadã, visando garantir os direitos fundamentais da pessoa humana, revestiu o instituto penalizador, denominado “pena”, de uma série de características garantistas a saber:

� Legalidade: art. 5º, XXXIX da CF - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

� Anterioridade: art. 5º, XXXIX da CF - não há crime sem lei anterior que o

defina, nem pena sem prévia cominação legal;

� Proporcionalidade, que se divide em:

� Personalidade: art. 5º, XLV da CF - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens serem, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;

� Individualidade: art. 5º, XLVI da CF - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos (grifos nossos);

� Humanidade: art. 5º, XLVII da CF - não haverá penas: a) de morte, salvo

em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis;

Cabe, também, ressaltar que as penas em nosso ordenamento jurídico são

classificadas por espécies, conforme disciplinado no art. 32 do Código Penal de 1940:

“Art. 32 As penas são: I _ privativas de liberdade; II_ restritivas de direitos; III_ de multa.

Do exposto, constata-se que a Constituição de 1988 ao mesmo tempo

em garantiu a intervenção do Estado através de seu jus puniendi, o fez de modo mitigado, isto é, impôs limites a intervenção estatal, de modo que as penas a serem aplicadas o sejam com base no Estado Democrático de Direito e nos princípios e valores por ela estabelecidos, tais como justiça, liberdade, dignidade da pessoa humana, devido processo legal etc.

54

Ocorre que, com a evolução dos direitos e garantias inerentes a criança e ao adolescente, houve a necessidade de criar-se um sistema de justiça que cuidasse especificamente de fatos contrário ao ordenamento jurídico cometido por criança e adolescente que serão analisados e dialeticamente confrontados.

3.2 – Sistema de Justiça Comum (Adulto)

Quando do cometimento da infração penal, tendo como agente um imputável, todo o procedimento a ser adotado encontra-se previamente determinado no Código de Processo Penal - CPP, ou em leis extravagantes que podem utilizar subsidiariamente o CPP, mas sempre respeitando os princípio e garantias constitucionais aplicados ao estado democrático de direito.

Vale destacar que para todos os atos do processo para apuração da responsabilidade criminal dever ser observado o contraditório e a ampla defesa, esta por sua vez compreendida na junção da defesa técnica efetivada por um profissional habilidade e na auto-defesa, ocasião em que o próprio acusado(a) oferta sua defesa.

A inobservância do respeito ao contraditório e a ampla-defesa, enfatiza-se, efetivada pela junção da defesa técnica e da auto-defesa, acarretam a nulidade absoluta do processo.

Mesmo na fase pré-processual (inquérito policial) já há doutrinadores entendem ser observado os princípios e garantias constitucionais expostos.

Assim, após a prisão em flagrante do autor de uma infração penal ou diante de uma representação pela prisão cautelar deste, deve o magistrado, de forma fundamentada, demonstrar o preenchimento dos requisitos gerais da cautelar bem como um dos requisitos específicos.

3.3 – Apuração de crime

Constatado o cometimento de um delito, após investigado ou sendo imediatamente apresentado o fato delituoso e seu autor, passa o Estado a fazer uso do direito de processar (jus persequendi)6 o autor do delito, bem

6 Direito do Estado de perseguir, em juízo, o suposto autor de delito com a finalidade de aplicação de

sanção.

55

como, em sendo constatado sua culpa, ser-lhe aplicada a sanção (jus puniendi)7 pré-estabelecida na lei.

A apuração de crime pela justiça comum (adulto) pode ser dividida em três fases:

� Fase postulatória: iniciada pelo representante do Estado, hoje por determinação constitucional incumbe ao Ministério Público, quando se tratar de ação de interesse público; ou iniciada pela vítima ou por seu representante, quando o bem jurídico protegido, embora também tenha interesse por parte do Estado, afeta muito mais o interesse da própria vítima. Nestes casos o Estado delega ao particular o direito de processar o autor do delito, são as denominadas ações penais privadas. Preenchido todos os requisitos, analisado pelo magistrado, não sendo o caso de rejeição da pretensão, determinará a citação8 do acusado para que responda a demanda pleiteada.

� Fase instrutória: ultrapassada a fase postulatória, sendo esta aceita pelo Estado, inicia-se o procedimento para verificação de culpa do acusado, ocasião que serão apresentadas todas as provas contras e a favor para ao final verificar-se se, de fato, o acusado foi ou não responsável pelo delito, ou ainda, em sendo responsável, se há alguma justificativa para o cometimento do delito.

� Fase Decisória: vencida a fase instrutória, em não havendo pontos a serem esclarecidos com relação às provas apresentadas nesta fase, passa-se para o procedimento decisório, ocasião em que o Estado através do juiz irá verificar o conjunto probatório e decidir sobre a responsabilização ou não do acusado com relação ao delito. Não sendo as provas apresentadas capazes de formar a convicção do magistrado de forma segura, ou sendo evidente a sua não participação para a ocorrência do fato, deverá o juiz decidir pela absolvição do acusado. Em sendo as provas apresentadas suficientes para comprovarem a efetiva participação do acusado no delito, deverá o magistrado decidir pela condenação mencionando o tipo de pena a ser cumprida, o tempo, o regime e se for o caso a aplicação de medidas acessórias.

7 Direito exclusivo do Estado de aplicar sanção penal ao autor de delito, já indicado por sentença

condenatória, a sua responsabilidade sobre o fato bem como a modalidade e quantidade de pena a ser

cumprida.

8 Ato judicial em que se dá conhecimento ao acusado de que, contra ele, existe uma demanda judicial e

o comunica para defender-se das alegações apesentadas.

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Todas essas fases obedecem a procedimentos previamente estabelecidos em lei respeitando sempre os princípios constitucionais da ampla-defesa9 e do contraditório10.

3.4 - Prisão Cautelar

As prisões cautelares, também conhecidas por prisões provisórias,

prisões sem pena ou prisões processuais, têm natureza processual e são medidas bastante comuns em nosso ordenamento jurídico.

São espécies do gênero prisões cautelares de natureza processual: a prisão em flagrante; a prisão temporária; a prisão preventiva (strictu sensu), a prisão decorrente de pronúncia e a prisão em virtude de sentença penal condenatória recorrível, estas duas ultimas com grande questionamento sobre sua revogação após a promulgação da lei 12.403/11.

Pode-se, então, asseverar que as prisões cautelares, preenchidos determinados requisitos, têm por objetivo precípuo garantir a eficácia de um futuro provimento jurisdicional, o qual poderá perder o objeto, em algumas situações, se o acusado se mantiver em liberdade.

Por ser medida excepcional, pois a regra é a liberdade, a prisão provisória somente se justifica se verificada uma real necessidade para uma eficaz prestação jurisdicional. Para tanto devem estar presentes os requisitos gerais da tutela cautelar, já mencionados acima, quais sejam, o periculum libertatis11 (perigo da liberdade) e o fumus commissi delicti12 (princípio de prova do crime e indícios suficientes de autoria).

Mas tratam-se de requisitos genéricos da medida cautelar, devendo ainda preencher, ao menos, um dos requisitos específicos da prisão cautelar previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal.

9 impossibilidade de impedir qualquer meio de defesa que a lei não proíba.

10 possibilidade de cada parte ser ouvida, de refutar os argumentos da outra, antes da decisão.

11 “periculum libertatis” - O agente em liberdade coloca em risco a segurança pública, pode voltar a

praticar novos delitos, bem como colocar em risco as provas a serem produzidas na instrução criminal.

Ressalta-se que esse risco tem que ser concreto.

12 “fumus commissi delicti” - É necessário que haja nos autos ou nos elementos de informação a certeza

da materialidade do crime, bem como indícios razoáveis de autoria; não bastando meros indícios. São os

mesmo requisitos da justa causa da ação.

57

3.4.1 - HIPÓTESES DE CABIMENTO

No processo penal, a prisão cautelar pode ser decretada nas duas fases, ou seja, na fase pré-processual (fase de investigação) ou na fase processual (quando já iniciado o processo).

Na fase pré-processual ou de investigação, temos a possibilidade de prisão cautelar de duas formas: a) prisão decorrente do estado flagrancial do delito, e b) prisão temporária tendo em vista a necessidade da restrição de liberdade do indivíduo para a investigação do fato apurado.

A) Prisão em Flagrante Delito

A prisão em flagrante é uma medida de autodefesa social caracterizada

pela privação da liberdade de locomoção, independentemente de prévia

autorização judicial.

A própria Constituição autoriza que o particular e autoridades prendam

em flagrante. Por isso se diz que é uma medida de autodefesa da própria

sociedade.

Neste sentido é o artigo 5º, LXI da CF/88:

Art. 5º ...

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

Corroborando com o dispositivo constitucional o legislador

infraconstitucional enfatizou a legitimidade social para a efetivação da prisão

em flagrante.

Vejamos o que dispõe o Código de Processo Penal:

Art. 301 - Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

A medida se justifica em face da finalidade desta modalidade de prisão

cautelar, tendo como objetivo:

58

1) - Evitar a fuga do infrator. Uma reação natural do ser humano ao

praticar o delito é que procure se evadir do local. Para evitar isso, a prisão em

flagrante é importante.

2) Auxiliar na colheita de provas. A prisão em flagrante possibilita a

melhor colheita de elementos probatórios que serão decisivos na hora da

decisão.

3) - Impedir a consumação ou o exaurimento do delito. Quando da prisão

em flagrante há a possibilidade de se evitar que o agente consiga o objetivo

criminoso (consumação) ou que tire proveito da empreitada criminosa

(exaurimento).

B) Prisão Temporária

Espécie de prisão provisória estabelecida em lei especial, com prazo de

duração preestabelecido, destinada a viabilizar as investigações acerca de

delitos graves, indicados no inciso III, do § 1º, da Lei 7.960/89, bem como nos

crimes hediondos e equiparados (vide Lei 8.072/90 – art. 1º e parágrafo único,

e art. 2º, § 4º).

Estabelece o art. 2º da Lei 7.960, que a prisão temporária é decretada

apenas pelo juiz, em face de requerimento do Ministério Público ou mediante

representação da autoridade policial. Note-se que o juiz não pode decretar a

prisão temporária de ofício, tampouco o querelante tem legitimidade para

requerê-la, eis que a lei não traz essas previsões.

Hipóteses de cabimento - Art. 1º, da Lei 7.960/89:

I - quando imprescindível para as investigações policiais;

II - quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer

elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;

III - houver fundadas razões, de acordo com elementos probatórios

legítimos, de autoria ou participação do indiciado em um dos crimes

59

elencados no inciso III, do art. 1º, da Lei nº 7.960/89 ou, ainda, em um dos

crimes hediondos.

Neste ponto, registre-se que há grande discussão em torno da

necessidade ou não da conjugação dos três requisitos representados pelos

incisos I, II e III. Em que pese entendimentos contrários, a corrente majoritária

defende que deve haver, sempre, a conjunção do inc. III ou com o inc. I, ou

com o inc. II.

3.4 - MEDIDAS CAUTELARES DIVERSA DA PRISÃO

Diante da banalização da prisão cautelar ocasionada pela falta de opções

para que o acusado, diante da ausência de requisitos para a decretação da

prisão provisória e para não ficar respondendo ao processo em liberdade sem

nenhuma exigência legal; em 04 de maio de 2011 foi promulgada a lei 12.403

que encartou no ordenamento jurídico outras hipóteses de medidas a serem

imposta ao acusado, antes do transito em julgado de decisão condenatória, em

que não se vislumbrava a decretação de prisão, mas também o condicionava

ao cumprimento de determinadas medidas para que a prisão não se torne a

medida ideal a ser aplicada.

Em 31 de dezembro de 2010 a população carcerária no Brasil ultrapassou

a marca dos 500.000 presos, conforme pesquisa elaborada pelo instituto de

pesquisa e cultura Luiz Flavio Gomes – (disponível em: www.ipclfg.com.br). De

acordo com essa pesquisa 56% (cinquenta e seis por cento) desta população

correspondem aos presos com condenação transitada em julgado, e 44%

(quarenta e quatro por cento) são presos provisórios, ou seja, sem que a

situação penal esteja definida.

Diante destes números apresentados, verifica-se que cerca de 220.000

(duzentos e vinte mil) pessoas estavam presas e poderiam ao final da

prestação jurisdicional, serem consideradas inocentes ou terem suas penas

impostas diferentemente da prisão.

Até o advento da lei 12.493/11 ao julgador, diante do caso em concreto,

restava-lhe apenas duas opções: a) conceder a liberdade provisória ao

60

acusado, sem qualquer tipo de condicionante, vez que o instituto da fiança era

obsoleto, ou b) decretar a prisão provisória do acusado como medida

acautelatória.

Com a entrada em vigor da referida lei em 04 de julho de 2011, as opções

ao magistrado foram ampliadas, com o escopo de enfatizar a medida cautelar

de prisão como a ultima medida a ser adotada, elenca uma série de outras

medidas a serem impostas, todas elas diversas da prisão.

Estas medidas agora previstas no artigo 319 do Código de Processo

Penal, são elas:

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;

IX - monitoração eletrônica.

Desta forma, o sistema comum (adulto) deixa de ser um sistema binário

(sistema de apenas duas opções) para adotar o sistema multicautelar (sistema de várias opções cautelares) em que o magistrado deverá, de acordo com o critério de necessidade e adequação, escolher dentre as medidas a que mais

61

se adequam ao caso concreto evitando-se ao máximo a aplicação da medida cautelar de prisão, porém sem que a sua possibilidade seja descartada.

3.5 – Sistema de Justiça Juvenil

No ano de 1985 no 7º Congresso das Nações Unidas, que versava sobre a prevenção de delito e o tratamento do infrator, culminou nas recomendações trazidas nas Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude (Regras de Beijing), adotadas, no mesmo ano, pela assembleia geral da Organização das Nações Unidas – ONU.

Através deste documento a Justiça da infância e juventude passa a ter um papel fundamental no processo de desenvolvimento nacional e na manutenção da paz e da ordem, conforme preceitua o item 1.4:

1.4 A Justiça da Infância e da Juventude será concebida como parte integrante do processo de desenvolvimento nacional de cada país e deverá ser administrada no marco geral de justiça social para todos os jovens, de maneira que contribua ao mesmo tempo para a sua proteção e para a manutenção da paz e da ordem na sociedade.

As Regras de Beijing tem por escopo o tratamento de crianças e adolescentes autores de infrações penais, fazendo a previsão de garantias, delineando um sistema de justiça da infância e juventude; tornando o procedimento mais especializado.

Atualmente, em nosso ordenamento jurídico é o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 103 define ato infracional:

“Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.”

Por esta definição, segundo Liberati (2006):

[...] o legislador materializou a regra constitucional da legalidade ou da anterioridade da lei, segundo a qual só haverá ato infracional se houver uma figura típica penal anteriormente prevista na Lei. (Liberati. 2006, p. 60)

Tal assertiva permite tirar como consequência desse fato que o ECA, ao

estabelecer a regra da legalidade, indica, de forma clara, sua integração com a legislação penal, o que significa dizer que a conduta praticada por crianças ou adolescentes que se denomina ato infracional, deve, necessariamente, corresponder a uma figura típica descrita na lei penal como crime ou contravenção penal.

Desse modo, pode-se afirmar que a conduta descrita como ato infracional é, em verdade, um fato criminoso ou contravencional. Em outras palavras pode-se concluir que a expressão ato infracional denota, apenas,

62

regime jurídico diferenciado em razão de característica especificas do autor da infração, isto é, em razão da idade do autor e sua condição especial de pessoa em desenvolvimento.

Nesse sentido a lúcida explanação de Liberati (2006);

Não se pode permitir eufemismo na descrição e/ou identificação da ação delituosa de um adolescente que pratica, por exemplo, um fato tipificado no art. 121 do CP. O fato típico é descrito como homicídio, seja ele praticado por maior ou menor de 18 anos. A essência do crime é a mesma. O tratamento jurídico, entretanto, deve ser adequado à especial condição de cada agente, como dispõe o art. 228, in fine, da CF. (2006, p. 62)

Tal, posicionamento, contudo, não é pacífico. Há autores que minimizam

esse pensamento, com a alegação de que em razão da idade do autor e da Doutrina de Proteção Integral um fato atribuído a criança ou adolescente (descrito na lei penal como crime ou contravenção) deve ser considerado, apenas e, tão somente, ato infracional.

Assim torna evidente que um homicídio continua sendo homicídio, seja ele praticado por um adulto seja ela praticado por um adolescente. A diferença ocorrerá, apenas, no regime jurídico dispensado a cada tipo de autor da infração, adulto ou adolescente.

Na atualidade o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, instituído

pela Lei nº 8.069 de 12 de julho de 1990, é o mecanismo adequado para delinear todo o procedimento para apuração de ato infracional praticado por adolescente. Porém, não obstante ser detentor de características modernas e inovadoras, traz em muitos de seus preceitos normas de caráter apenas formal, que, devido a uma série de fatores, ainda não são capazes de produzir os efeitos esperados.

Significa dizer que a gestão pública no que tange às políticas sociais adotadas pelo Estado visando a proteção de crianças e adolescentes têm deixado sérias lacunas, de modo que estes tenham cada vez mais cedo contato com ações violentas e/ou criminosas.

Natural, pois, que em meio a um cenário violento, a maioria da população clame pelo implacável encarceramento de adolescentes.

3.6 – Apuração de ato infracional

Quando do cometimento do ato infracional por parte de um adolescente,

todo o procedimento a ser adotado encontra-se previamente estipulado nos

63

artigos 172 e seguintes do ECA, que embora tendo seu caráter desbravador

não fez respeitar os princípios e garantias constitucionais aplicados ao estado

democrático de direito. Após ser apresentado em situação de flagrante delito, o

adolescente autor do ato infracional será conduzido até a autoridade policial

que poderá, dependendo da situação em concreto, liberar o adolescente para

os responsáveis ou se for o caso apreender o adolescente em flagrante delito

conduzindo imediatamente a presença do representante do Ministério Público.

Apresentado o adolescente ao promotor de justiça, este fará entrevista

pessoal com o adolescente apreendido e, em sendo o caso, verificará, de

acordo com seu critério de convencimento, ser o caso de arquivamento, de

remissão ou de representação (acusação formal) em face do adolescente.

Verifica-se, neste momento, o desrespeito à garantia constitucional da ampla-

defesa, vez que o adolescente apresenta seus argumentos sem o

acompanhamento do profissional habilidade para fazer a defesa técnica.

A afronta a garantia constitucional não para por aí, quando da confissão

do adolescente da prática infracional perante o representante ministerial, este

representa o adolescente juntando aos autos a entrevista reduzida a termo, e

diante deste conjunto de elementos de informação o magistrado, de imediato,

lhe aplicada uma medida socioeducativa, sem sequer haver produção de

provas, mediante o contraditório e a ampla-defesa.

Tal afronta provocou o Superior Tribunal de Justiça que se viu obrigado

a editar a súmula 342, proibindo esse procedimento no sistema de justiça

juvenil:

Súmula n.º 342 do STJ

No procedimento para aplicação de medida sócio-educativa, é nula a desistência de outras provas em face da confissão do adolescente.

Verifica-se que, embora haja avanço na legislação pertinente, na

realidade o sistema de justiça juvenil ainda guarda resquícios da doutrina da

situação irregular, negando a aplicação dos direitos e garantias individuais para

o adolescente em conflito com a lei.

64

Fluxograma da Fase Pré-Pocessual

AUTOIDADE

POLICIAL

MP

APREENSÃO EM

FLAGRANTE

LIBERAÇÃO

PAIS/RESPONSÁVEL

NÃO

LIBERAÇÃO

ENTIDADE DE

ATENDIMENTO

HOMOLOGAÇÃO

JUIZ

HOMOLOGAÇÃO

JUIZ

RECEBIMENTO DA

REPRESENTAÇÃO

ARQUIVAMENTO REMISSÃO REPRESENTAÇÃO

65

3.7 - Da Internação Provisória

Não se discute a natureza jurídica das medidas socioeducativas, que,

para maioria dos doutrinadores, possuem caráter impositivo, sancionatório e

retributivo; porém devem ser desenvolvidas com critérios de natureza

pedagógico/educativa.

De acordo com o ECA, como medida cautelar possível de aplicação,

ainda na fase de apuração do ato infracional, a internação provisória é a

medida extremada decretada pelo magistrado, no processo de conhecimento,

tendo o prazo limite de 45 (quarenta e cinco) dias.

A internação provisória ou cautelar esta disciplinada no art. 108 do Estatuto:

Art. 108. A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias. Parágrafo único. A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida.

Não há consenso na doutrina sobre a natureza da internação provisória,

mas não há como negar que se trata de medida cautelar restritiva de liberdade,

que pode ser decretada pelo juiz no curso do procedimento para a apuração de

ato infracional, sempre que estiverem presentes os requisitos legais, sem que

deixem de ser observados o seu caráter pedagógico e educacional, mantendo

o adolescente na sua formação acadêmica.

Importante ressaltar que ao tratarmos de adolescentes, além da

observância do artigo 5º incisos LIV (ninguém será privado da liberdade ou de

seus bens sem o devido processo legal) e LVII (ninguém será considerado

culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória); é de suma

importância a observância do disposto no art. 227 todos da Constituição

Federal de 88:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

66

Em 29 de novembro de 1985 foi adotada pela Assembleia Geral das

Nações Unidas, a resolução 40/33, denominada Regras Mínimas das Nações

Unidas para Administração da Justiça da Infância e da Juventude, também

conhecida como “REGRAS DE BEIJING”. Editada de acordo com a tendência

mundial no sentido de se priorizar a população infanto-juvenil, trata de diversas

questões sobre o tema, inclusive sobre a prisão preventiva.

REGRAS DE BEIJING. Primeira Parte – Princípios Gerais 13. Prisão Preventiva 13.1. A prisão preventiva constitui uma medida de último recurso e a sua duração deve ser o mais curta possível. 13.2. Sempre que for possível, a prisão preventiva deve ser substituída por outras medidas, tais como uma vigilância apertada, uma assistência muito atenta ou a colocação em família, em estabelecimentos ou em lar educativo. 13.3. Os menores em prisão preventiva devem se beneficiar de todos os direitos e garantias previstos nas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos. 13.4. Os menores em prisão preventiva devem estar separados dos adultos e ser detidos em estabelecimentos diferentes ou numa parte separada de um estabelecimento em que também se encontram detidos adultos. 13.5. Durante a sua prisão preventiva, os menores devem receber cuidados, proteção e toda a assistência individual – no plano social, educativo, profissional, psicológico, médico e físico – de que necessitem, tendo em conta a sua idade, sexo e personalidade.

Verifica-se que “internação provisória” prevista no ECA tem natureza

eminentemente cautelar, podendo ser considerada como verdadeira apreensão

cautelar, nos moldes da chamada prisão preventiva contida nas “REGRAS DE

BEIJING”, sendo que sua aplicação deve estar em conformidade com os

tratados internacionais específicos, bem como com o texto constitucional.

O parágrafo único do art. 108 do ECA estabelece que a decisão que

decretar a internação provisória deverá ser fundamentada e basear-se em

indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade

imperiosa da medida; requisitos estes que, após interpretação literal,

67

encontramos também no artigo 312 do Código de Processo Penal para a

decretação da prisão preventiva.

3.7.1 - Hipóteses de Cabimento

O artigo 108 e parágrafo único do ECA que disciplina sobre a internação

provisória faz alusão aos requisitos gerais da medida cautelar. Diferentemente

do Código de Processo Penal que traz em seu bojo os requisitos gerais de

cautela, também exige a demonstração inequívoca de uma das hipóteses

especificas contidas no artigo 312, ou seja, para a decretação da prisão

preventiva, além da demonstração do periculum libertatis e do fumus commissi

delicti, faz-se necessário a comprovação da decretação da medida como: a)

garantia da ordem pública; b) da ordem econômica; c) por conveniência da

instrução criminal; d) para assegurar a aplicação da lei penal; ou e) no caso de

descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras

medidas cautelares.

O ECA deixa uma lacuna quanto às hipóteses autorizadoras para a

decretação da internação provisória, vez que menciona apenas a necessidade

imperiosa da medida. No entanto, doutrina e jurisprudência vêm buscando

através de regras da hermenêutica, como a interpretação teleológica e

sistemática, os fundamentos para a aplicação da restrição cautelar de liberdade

de adolescentes acusados da prática de ato infracional.

Desse modo, embora em seção diversa daquela em que esta inserida a

internação provisória, a jurisprudência enxerga no art. 174 in fine do Estatuto,

(Parte Especial, Título VI, Seção V - Da Apuração do Ato Infracional Atribuído a

Adolescente) as hipóteses autorizadoras da internação provisória:

Art. 174. Comparecendo qualquer dos pais ou responsável, o adolescente será prontamente liberado pela autoridade policial, sob termo de compromisso e responsabilidade de sua apresentação ao representante do Ministério Público, no mesmo dia ou, sendo impossível, no primeiro dia útil imediato, exceto quando, pela

68

gravidade do ato infracional e sua repercussão social, deva o adolescente permanecer sob internação para garantia de sua segurança pessoal ou manutenção da ordem pública.

Desse modo, com base no entendimento de que o art. 174 supriria a

ausência (objetiva) de hipóteses legais autorizadoras da internação provisória,

analisaremos algumas abordagens sobre o tema, feitas pela doutrina e

jurisprudência, nem sempre de forma consensual.

Neste sentido foi o entendimento no acórdão do Tribunal de Justiça de

São Paulo, em sede de Habeas corpus, que considera necessário para a

decretação da internação provisória a observância conjunta dos artigos 108,

parágrafo único, 122 e 174 do ECA:

HC nº 990.10.395893-4 – Comarca de Avaré / TJ/SP – ACÓRDÃO/Decisão monocrática registrada sob o nº *03365083* - Relator Desembargador Maia da Cunha. Ementa: Hábeas corpus. Infância e Juventude. Internação Provisória. Ato infracional equiparado ao crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido. Artigos 28, caput, 33, caput, e 35 da Lei nº 11343/06. Hipótese em que não estão preenchidos os requisitos para o decreto de internação provisória. Concederam a ordem. São Paulo, 25 de outubro de 2010. (...) Ao deferir a liminar para a desinternação do adolescente Anderson, ponderei o seguinte: A internação provisória deve ser analisada sob a ótica dos artigos 108, parágrafo único, 122 e 174 do Estatuto da Criança e do Adolescente e isto porque todos traçam requisitos para sua decretação.

Deste modo, para que o adolescente seja internado provisoriamente,

deve haver indícios suficientes de autoria e materialidade, além de

demonstração da necessidade imperiosa da medida, seja para garantia da

segurança pessoal do adolescente, seja para manutenção da ordem pública.

Também se exige que o ato infracional e sua repercussão social sejam graves,

assim como seja cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, por

reiteração no cometimento de outras infrações graves ou por descumprimento

reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

Deve-se ainda, ser aplicado de forma extensiva, sempre que for mais

benéfica ao adolescente, os mesmos critérios para a decretação da prisão

cautelar para os adultos quando da decretação da internação provisória para o

adolescente.

69

Para a decretação da prisão preventiva para o adulto o legislador

estabeleceu a necessidade do cumprimento de critérios objetivos a serem

demonstrado para que o magistrado utilize-se dessa medida extrema de

privação de liberdade; tais como conveniência da instrução processual; a

liberdade do coloca em risco a possível aplicação da sanção penal ou ainda

que o acusado venha a fugir. Restringe ainda a aplicação da medida para os

crimes mais graves, ou diante da reiteração de condutas graves praticadas

pelo acusado.

Esses mesmos critérios não são empregados para a aplicação da

internação provisória de adolescente que pratica ato infracional, ficando na

maioria das vezes o magistrado restrito a gravidade do delito, ou sua

reprovação social. Devendo aqui ser adotado para a decretação da internação

provisória os mesmo critério garantista aplicados aos adultos serem utilizados

para os adolescentes quando mais benéficos.

70

IV – CAPITULO

Medidas Cautelares Diversas da Prisão e sua Aplicabilidade no ECA

Sob a bandeira do protecionismo os adolescentes são reiteradamente

confundidos ora na situação de vítimas ora na condição de criminosos no

tratamento dispensado quando do primeiro contato do Estado no atendimento

de adolescentes. Não diferente disso, mesmo nas varas criminais

especializadas a própria normatividade penal juvenil acaba mais uma vez,

estereotipando-os.

Neste sentido Sposato (2006):

A mera probabilidade de ocorrência do delito já era, por si só,

suficiente para a imposição de medidas ao adolescente. Na vigência

do Código de Menores e, portanto sob o manto da situação irregular,

pode-se dizer que as medidas pré-delituais pouco se diferenciavam

das pós-delituais, uma vez que o critério para sua definição era a

investigação biopsicossocial da criança ou do adolescente.

Funcionavam ainda como uma premonição: uma criança

institucionalizada tinha grandes chances de tornar-se um adolescente

infrator, e, posteriormente, um adulto criminoso. (SPOSATO. 2006, p.

76-7).

O sistema penal destinado aos adolescentes é mais repressivo e

retrógrado do que a legislação do adulto. Ao adolescente destina-se a

institucionalização quando tido por perigoso. Ele é objeto de repressão. Nunca,

sujeito de Direito, embora não seja esse o conceito estabelecido no

ordenamento jurídico, mas, atualmente, é muito comum termos direitos

garantidos por lei e não serem respeitados no dia-a-dia.

4.1 – Criminologia e o adolescente infrator

Cabe inicialmente esclarecer o foco de estudo da criminologia. A

criminologia trata-se de uma ciência empírica que estudo o crime, o

delinquente, a vítima e o controle social dos delitos.

71

A criminologia tem como marco acadêmico o ano de 1876, com a obra de

Cesare Lombroso, denominada “L’Uomo Delinquente”; que tinha como base a

tese do delinquente nato.

Desde então o motivo do crime vem se determinando com base no

delinquente, desta forma, busca-se no agente do crime o embrião deste.

Com o avanço da ciência ficou impossível sustentar a tese do criminoso

nato, bem como que o crime tem sua origem biológica. Desta forma surge nos

Estados Unidos, por volta da década de 60, a teoria do etiquetamento

fundamentando que a origem do crime deixa de ser a genética humana, para

ser analisado como uma criação do sistema.

Este avanço se dá em razão da mudança do foco da criminologia clássica

que vê o delito como um enfrentamento do agente contra a sociedade; a

criminologia moderna analisa o delito diante de uma série de fatores como o

delinquente, a vítima e o controle social.

Nas palavras de Calhau (2009):

Enquanto a Criminologia Clássica vê o delito como um enfrentamento do delinquente contra a sociedade, uma luta do bem contra o mal, numa forma reducionista de encarar o problema, a Criminologia Moderna o encara de forma dinâmica, destacando o papel do delinquente, da vítima, do crime e do controle social [...] (Molina, 1999, p. 882 “apud” Calhau, 2009, p. 90).

São representantes principais da defesa desta tese Erving Goffman e

Howard Becker. Para eles os grupos sociais criam regras que aplicadas,

acabam qualificando determinadas pessoas como marginais, causando assim

desvios de comportamentos por inclusão nessa condição, isto é,

estigmatizando estas pessoas. Outros autores como Sell também analisam os

estigmas:

[...] Um estigma predispõe ao outro. É como uma ladeira escorregadia: uma vez tendo descido o primeiro degrau da exclusão (ser pobre, desempregado, bicha, preto ou prostituta) é preciso ter muito cuidado para não descer mais outro e outro, até chegar ao final do processo excludente, sintetizado no rótulo de criminoso. [...] (Sell, 2007, p. 6).

72

O autor aponta que, uma vez etiquetado como delinquente há uma

tendência do agente em assumir este papel e passar a atuar como tal,

descendo uma “ladeira escorregadia”.

Com esta rotulação de atitudes indesejadas, sobrepostas por um grupo

dominante sobre um grupo dominado, é claro e evidente que se enquadram

nos padrões inaceitáveis de comportamentos são os pobres e moradores de

periferia.

Aqui vale destacar o que Shecaira (2004) denominou como desviação

primária e desviação secundária:

[...] a desviação primária é aquela que diz respeito diretamente à estrutura psíquica das pessoas, tendo como fatores de influência as questões sociais, culturais, econômicas e raciais. Já a desviação secundária diz respeito a uma classe de pessoas que passam a ter problemas em função da reação que a sociedade tem contra a própria desviação, em função do rótulo que recebem, e por essa razão passam a agir e a incorporar aquela identidade desviada. (SHECAIRA. 2004, p. 297-8).

Por fim, verifica-se que, com a teoria do etiquetamento ao invés de evitar

a ocorrência de crimes, com a política penal instalada, coloca-se muito mais

pessoas na condição de delinquente do que na verdade deveria existir.

4.2 - Estigmatização do adolescente

Atualmente existem várias teorias quanto ao processo de criminalização

de adolescentes. Dentre eles podemos destacar a teoria social denominada

teoria do etiquetamento ou “labeling approach”.

Teoria estudada por Erving Goffman que, analisando as condutas sociais,

destacou a estigmatização como processo de criação e reprodução de desvio

comportamental causado pela própria exclusão social.

O termo estigma é usado como um atributo depreciativo. Para Goffman

(2008, p.13) "A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o

73

total de atributos considerados comuns e naturais para os membros de cada

uma dessas categorias".

Segundo Baratta (2002), a teoria do Labelling Approach entende que:

O status social de delinqüente pressupõe, necessariamente, o efeito da atividade das instâncias oficiais de controle social da delinqüência, enquanto não adquire esse status aquele que, apesar de ter realizado o mesmo comportamento punível, não é alcançado, todavia, pela ação daquelas instâncias. (BARATTA. 2002, p. 86).

Diante do enfraquecimento do interesse político na prevenção da

criminalidade que será estudado adiante, dá-se maior atenção na repressão da

criminalidade ao invés da prevenção dela. Esse comportamento, com recorte

para os adolescentes em conflito com a lei, acarreta consequências

irreparáveis ou de difícil reparação, vez que, quando ocorre à falha na

prevenção significa por óbvio atuar na repressão.

Para a atuação na repressão ao delito, quase que como uma regra, o

Estado faz uso do recrudescimento no trato ao adolescente em conflito com a

lei, lançando mão e desrespeitando regras internacionais destinadas a

adolescentes que o Brasil se prontificou a cumpri-las, como as Regras de

Beijing, bem como o disposto no artigo 227 da Constituição Federal:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Destaque importante, corroborando com a CF é o disposto no item 1.2

das regras mínimas das nações unidas para a administração da justiça, da

infância e da juventude (regras de beijing):

1.2 Os Estados Membros se esforçarão para criar condições que garantam à criança e ao adolescente uma vida significativa na comunidade, fomentando, durante o período de idade em que ele é mais vulnerável a um comportamento desviado, um processo de desenvolvimento pessoal e de educação o mais isento possível do crime e da delinquência.

74

Lei 8.069/1990, elaborada em perfeita consonância com a orientação

jurídica internacional, que positivou determinados valores na Convenção dos

Direitos das Crianças. Transformam-se em sujeitos de direitos e deixam de ser

considerados objetos de tutela.

O ECA enfatiza o princípio da prioridade absoluta, devendo entender-se

por este princípio que toda política pública deve observar com prioridade a

efetivação dos direitos em que podemos destacar à dignidade, o respeito e a

liberdade.

Não basta apenas a prioridade faz-se necessário a efetivação desses

direitos. Temos no art. 4º do ECA, que vale lembrar se tratar de norma de

direitos humanos de 2ª (segunda) geração, a disposição sobre a obrigação da

sociedade e do Estado no trato do adolescente quando da implementação das

políticas públicas visar a prioridade da criança e do adolescente, assim,

incluindo o adolescente em conflito com a lei.

Dispõe o Artigo 4º do ECA em seu parágrafo único:

Art. 4º [...] c) Preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

Em 1959 foi consolidado o princípio do melhor interesse do menor através

Declaração dos Direitos da Criança. Por este princípio o Estado assume a

responsabilidade pelos indivíduos considerados juridicamente limitados, dentre

eles o adolescente em conflito com a lei. E com a Convenção Internacional

sobre os Direitos da Criança, que culminou por adotar a doutrina da proteção

integral, o princípio do melhor interesse da criança deixou de ser paradigma,

para servir de orientação ao legislador para que, quando da elaboração de

normas futuras tenha como primazia o melhor interesse da criança, bem como

para o aplicador do direito, vez que, como critério de hermenêutica da

interpretação das normas jurídicas, também deve observar o princípio do

melhor interesse da criança, sendo mantido pelo ECA.

75

Neste sentido é o que dispõe o artigo 3º do ECA:

Art. 3° - A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de Ihes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Portanto em se tratando de adolescentes em conflito com a lei antes de

se estipular se um comportamento deve ou não ser considerado reprovado,

deve-se respeitar normas correlatas com proibição de retrocesso de direitos e

garantias já conquistados. Essa proibição, dentro do direito é denominada de

garantismo penal. Por garantismo penal entende-se o respeito às regras pré-

estabelecidas quando da criação de uma conduta proibida, englobando desde

a criação da lei, a escolha do bem jurídico a ser protegido, o grau de

reprovabilidade da conduta, bem como os princípios norteadores do direito

penal e processual penal, não excluindo as normas de aplicação aos

adolescentes em conflito com a lei.

Neste sentido discorre Alice Bianchini (2002):

[...] somente podem ser ingeridas à categoria de crime, condutas que, efetivamente, obstruam o satisfatório conviver da sociedade. Desta forma, o princípio da intervenção mínima ‘’pode significar tanto a abstenção do direito penal de intervir em certas situações(seja em função do bem jurídico atingido, seja pela maneira com que veio a ser atacado) – o que lhe dá o traço fragmentário – como também a sua utilização em termos de último argumento. Neste caso o sistema punitivo é chamado a interceder de forma subsidiária. Somente quando não haja outros instrumentos de controle social(que vão do direito administrativo à família) eficazes’’. O princípio da intervenção mínima, portanto, ‘’tem seu núcleo a partir da verificação do grau que o binômio ‘subsidiariedade/fragmentariedade’ assume. (Bianchini. 2002, p. 54).

Só se justifica tal intervenção se respeitando o princípio da

fragmentariedade e da subsidariedade, e quando outras sanções que não

penais já tenham atuado neste controle, e não tenham surtido efeitos, somente

neste caso se justificaria.

76

4.3 – Prevenção e a inserção do adolescente no crime

Atualmente muito se discute com relação às consequências das infrações

penais praticadas por adolescentes. Discute-se a redução da maioridade penal

para que o adolescente, quando da prática de ato infracional, seja punido como

um adulto; discute-se ainda o recrudescimento das sanções aplicadas aos

adolescentes previstas no ECA. Porém todas essas discussões demonstram

uma “vingança privada”, não se preocupando com a causa, com a força motriz

que leva o adolescente ao cometimento do ato infracional.

Partindo-se desse posicionamento sempre estaremos um passo atrás da

violência, num processo eterno de repreensão pela imposição da força, ao

invés de nos preocuparmos com as causas que levam o adolescente a

infracionar, preocupação essa primordial, foca-se na maneira em que o Estado

deve castigar seus adolescentes.

Despidos desse sentimento de vingança, as autoridades e a sociedade

deveriam preocupar-se com mecanismos que evitassem que o adolescente

viesse a infracionar, pois de nada adianta a forma de punição prevista ao

infrator, se, da sua conduta, resultar uma mal irreparável ou de difícil reparação

para a vítima ou para a sociedade.

Conduzido pela criminologia midiática, pelo sensacionalismo de

programas policiais que estampam as emissoras de televisão e os noticiários,

parece-nos que boa parte da população busca de fato a “vingança privada”, e,

travestida de uma democracia oportunista e eleitoreira, tenta buscar esse

objetivo através das leis; dando assim uma roupagem de legalidade.

Os atuais movimentos que buscam alteração legislativa com relação ao

adolescente em conflito com a lei, ora buscam a redução da maioridade penal,

fazendo com que o adolescente seja punido nos mesmo rigores de um adulto,

ora buscam o recrudescimento das medidas socioeducativas, como, por

exemplo, o aumento do tempo de internação.

Na contramão desses movimentos a criminologia, quando do estudo da

prevenção do delito, enfatiza que não basta reprimir o crime, é necessário

antecipar-se a ocorrência dele. Quando se trabalha na prevenção criminal

77

equivale a dissuadir o infrator potencial com a ameaça do castigo,

desmotivando-o. A prevenção opera no processo motivacional do infrator

(dissuasão).

Trabalhando no aspecto preventivo do crime pode se ter um efeito

dissuasório, por meio de instrumentos não penais, conseguindo a alteração dos

fatores motivacionais que levam o adolescente ao cometimento dos delitos. A

finalidade da prevenção criminal é dupla: a) impedir o seu cometimento,

através de um processo de dissuasão; b) demonstrar ao infrator potencial,

através da ameaça do castigo, que implica numa intervenção tardia em face da

criminalidade, pois já existe no agente a cogitação do cometimento do crime.

A prevenção, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e

também pela criminologia, pode ser dividia em três fases: a) primária; b)

secundária e c) terciária.

As políticas básicas são de prevenção primária e as políticas de

proteção especial de prevenção secundária. Já as medidas socioeducativas em

especial a semiliberdade e a de internação são a última alternativa do Poder

Público, portanto de prevenção terciária; melhor seria chama-las de repressão

e não de prevenção; pois têm a finalidade de coibir determinadas condutas.

A prevenção primária é a prevenção por excelência, sendo a mais eficaz

e genuína, vez que atua de forma para que o indivíduo nem ao menos cogite

no cometimento do delito. A crítica que se faz a prevenção primária é que sua

atuação traz resultados de médio e longo prazo e reclama prestações sociais,

intervenção comunitária e não mera dissuasão. Infelizmente essa forma de

prevenção depende de múltiplos esforços, e ainda, tem-se como costume

buscar soluções práticas e imediatas para o combate à criminalidade através

de medidas drásticas e repressivas.

Para explicar melhor essa fase de prevenção Shecaira (2008):

A prevenção primária é aquela que se dirige a toda comunidade, independentemente se seus membros estão em uma faixa de risco maior ou menor de delinquir. A intenção é evitar o cometimento de delitos em geral e de promover o bem-estar de toda população. Um exemplo seria a construção de escolas em áreas carentes nesse setor. (SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: RT, 2008. p. 133-4).

78

Em comentários de rodapé em sua obra Calhau (2009), fica demonstrado

o desinteresse dos representantes políticos na implantação da prevenção

primária. Assim menciona:

Muitos governadores preferem comprar viaturas policiais a investir em programas de prevenção primária, que, segundo os mesmos, não dá retorno. Há um pensamento no meio político de que a população gosta de ver “a polícia na rua”. Isso fica patente com as costumeiras e midiáticas solenidades de entrega de viaturas. Desviam o foco da população, enquanto setores como as perícias forenses no Brasil recebem parcos recursos e impossibilitam a prestação de uma solução definitiva por parte do Estado. (Calhau, 2009. p. 92).

A prevenção secundária atua mais tarde em termos de causa motivadora

do cometimento do delito (etiológica), não atua quando o conflito criminal é

gerado, mas sim quando se exterioriza. Essa prevenção, diferentemente da

primária, opera a curto e médio prazo. A prevenção secundária orienta-se

basicamente pelo critério de política criminal13, tais como ação policial, controle

dos meios de comunicação, entre outros.

Enfatiza Calhau (2009):

A prevenção secundária atua nos locais onde os índices de criminalidade são mais avançados. É uma atuação mais concentrada e corresponde ao chamado “ataque cirúrgico” do jargão militar. Busca uma ação concentrada e com foco em áreas de maior violência, como comunidades carentes dominadas pelo tráfico, em especial. (Calhau, 2009. p. 92).

Já a prevenção terciária tem um destinatário perfeitamente identificado, o

condenado, aquele que já ultrapassou a prevenção primária e secundária,

agora faz parte de um grupo de pessoas que já teve seu grau de

reprovabilidade apontada pelo Estado e encontra-se sob a custódia

ressocializadora deste. Esta fase de prevenção tem seu foco de atuação em

evitar a reincidência. Operam prioritariamente no âmbito das instituições totais

e de uma intervenção tardia (depois do cometimento do delito), parcial

(destinada ao condenado) e insuficiente (não neutraliza as causas do problema

criminal). 13

Ciência de selecionar os bens (ou direitos) que devem ser tutelados juridicamente e penalmente e

escolher os caminhos para efetivar sua proteção.

79

Com exceção a prevenção primária, as demais prevenções não respeitam

os princípios basilares do ECA que mencionam ser o adolescente um ser

humano em situação peculiar de desenvolvimento, o que, de acordo com esses

movimentos radicais de alteração legislativa para a redução da maioridade

penal no Brasil, ao invés de solucionar a questão social vivenciada, causaria

um mal ainda maior, visto que com o primeiro castigo viria a primeira “prisão”,

formar-se-ia então o primeiro contato entre o jovem e o sistema penal. Ainda

mais estigmatizado quando sua incidência criminosa é dotada de gravidade,

não só de caráter econômico/patrimonial, mas especialmente quando há a

ameaça à vida de outros ou à vida social.

Uma vez incorporado no sistema de justiça solidifica-se seu estigma de

“sujeito criminoso” que lhe perseguirá durante a sua vida, pois o estereótipo já

lhe pertence. Ainda que as circunstâncias da conduta delitiva sejam favoráveis

e por vezes justificáveis.

Vale aqui uma análise dos mecanismos jurídicos e da postura dos

operadores da justiça criminal sobre o adolescente em conflito com a lei, bem

como da estrutura estatal existente em relação ao atendimento destes casos.

Cabe ainda evidenciar a exigência do preenchimento de todos os requisitos

exigidos pela lei para a penalização do adulto para o adolescente também ser

responsabilizado, porém se não há correlação da punição do adolescente com

a devida correspondência de punição para o adulto, aquele não pode ser

responsabilizado muito menos punido.

Essa é a exegese utilizada pelas Diretrizes das Nações Unidas para

Prevenção da Delinquência Juvenil (Diretrizes de Riad), vejamos:

54. Com o objetivo de impedir que se prossiga à estigmatização, à

vitimização e à incriminação dos jovens, deverá ser promulgada uma

legislação pela qual seja garantido que todo ato que não seja

considerado um delito, nem seja punido quando cometido por um

adulto, também não deverá ser considerado um delito, nem ser objeto

de punição quando for cometido por um jovem. (Diretrizes de Riad).

E agora, corroborando com esse entendimento, reafirmando o método

de aplicação do direito, temos o inciso I do art. 35 da lei 12594/12:

80

Art. 35. A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos

seguintes princípios: I - legalidade, não podendo o adolescente

receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto;

Como visto, do confronto das leis, vê-se a intenção ao prever medidas

de internação, porém, que estas sejam aplicadas em ultima ratio,

reconhecendo a possibilidade de danos irreparáveis ou de difícil reparação, na

formação da identidade e no relacionamento com a sociedade que com a

privação de liberdade do adolescente em conflito com a lei. Inclusive gerando

exatamente o oposto, ou seja, a perda de vínculos com a família, com a

comunidade e com a escola.

Nota-se que, apesar da evolução do Código de Menores para o ECA,

que ainda existe o conteúdo punitivo quando da classificação das medidas

socioeducativas elencada, porém o ECA possui um caráter mais protetivo.

Assim, diante deste enfoque punitivo, demonstrando que o Direito Penal

Juvenil guarda em suas medidas uma carga muito pesada de prevenção

terciária, ou seja, busca evitar a reincidência ao invés de rechaçar as causas

da inserção do adolescente no crime e sua marginalização, surtindo o efeito já

comentado da marginalização pela ocorrência da marginalização

(marginalização secundária).

4.5 - Dos Efeitos da Institucionalização

Em que pese ser de caráter sigiloso todo o procedimento infracional, é

impossível uma blindagem do adolescente internado, seja provisoriamente ou

em cumprimento de medida socioeducativa, perante os amigos da escola, do

local onde reside e dos locais de convivência habitual; quando da

desinternação. O fato se dá pelo etiquetamento (rotulação) do adolescente que

possui passagem pela justiça infracional. Tal rotulação acaba de forma

pejorativa, destacando-o dos demais.

Para que exista a estigmatização segundo a teoria do etiquetamento

basta que o adolescente tenha contato com a justiça penal uma única vez, para

que ele carregue o rótulo de delinquente e todos os demais atos de sua vida

81

girarão em torno deste fato. Este fato se concretiza devido ao procedimento em

que as instituições responsáveis pela aplicação das medidas socioeducativas

em meio fechado acabam por fomentar essa estigmatização e a incutir no

indivíduo apenado os valores de um verdadeiro criminoso, criando assim, o

fenômeno chamado de “prisionização”.

Nos dizeres de Sandro César Sell (2007), “um estigma predispõe a outro”.

Enfatiza o autor que uma vez estigmatizado, deve-se ter muita cautela para

não aceitar esse estigma e incorporar o criminoso.

O grande problema se dá quando o intitulador do estigma é o próprio

Estado, que ao inserir o adolescente no sistema judicial, acaba por estigmatiza-

lo perante a sociedade fazendo com que os demais “não rotulados”, evitem a

qualquer custo a aproximação e o convívio com quem se encontra naquela

situação.

Rotulado como delinquente, como regra, o infrator é retirado do convívio

social e colocado numa instituição para reinserção ou inserção social.

Ocorre que os modelos de instituições, principalmente as de internação

juvenil, são modelos padrões, ou seja, todos são tratados da mesma maneira,

sem que seja realizado um estudo de perfil individual do internado, ou quando

realizado não passa de mero procedimento administrativo, sem que seja dado

a este qualquer funcionabilidade no tratamento individualizado quanto a

individualização de cada internado.

Nas palavras de Roberto Silva (2013):

A institucionalização total e prolongada cria, para a criança e para o adolescente, um quadro de referências que permeia toda a sua vida cognitiva, afetiva e emocional, que norteia todos as suas relações e que dita as suas respostas comportamentais. Enquanto institucionalizada, toda a busca da pessoa por aprovação, valoração e reconhecimento se dá dentro deste quadro de referencias que é a antítese da vida, pois valoriza atitudes, comportamentos e coisas que fora da instituição são rejeitadas e estigmatizadas.

Segundo Goffman (2008):

Quando essa instituição social se organiza de modo a atender indivíduos (internados) em situações semelhantes, separando-os da sociedade mais ampla por um período de tempo e impondo-lhes uma

82

vida fechada sob uma administração rigorosamente formal (equipe dirigente) que se baseia no discurso de atendimento aos objetivos institucionais, ela apresenta a tendência de “fechamento” o que vai simbolizar o seu caráter “total”.

Assim, aparentemente, verifica-se que as instituições totais, ou seja,

aquelas que retiram o convívio de pessoas com a sociedade, de seus bens,

causam um mal maior do que o que o indivíduo causou quando em liberdade.

E ainda, causando por via reflexa um mal ainda maior para a própria

sociedade.

Há ainda o que Goffman afirma ser a “mortificação do eu”, pois as

instituições totais agem no individuo de tal forma que ele acaba perdendo sua

identidade passando a aceitar a sua rotulação e agir da forma como ele é visto,

bem como no perdimento dos princípios adquiridos durante toda a sua

trajetória de vida.

Nas palavras de Goffman (2008):

[...] Estes “ataques ao eu” decorrem do “despojamento” do seu papel na vida civil pela imposição de barreiras no contato com o mundo externo, do “enquadramento” pela imposição das regras de conduta, do “despojamento de bens” que o faz perder seu conjunto de identidade e segurança pessoal, e da “exposição contaminadora” através de elaboração de um dossiê que viola a reserva de informação sobre o seu eu “doente”. Esse mecanismo, além de causar a perturbação da relação entre ator/indivíduo e seus atos, causa o “desequilíbrio do eu”, uma vez que profana as ações, a autonomia e a liberdade de ação do internado. (Goffman. 2008, p.00).

Corroborando, é o entendimento de ANDRADE (1996).

A sociedade rotula os indivíduos como desviantes, para então "recuperá-los", "ressocializá-los", via execução penal. As agências de controle do Estado tentam demonstrar, a todo o momento, a importância da união dos "homens de bem" contra os "vagabundos", seres carregados de uma potencial periculosidade social e ontológica (embora saibamos que a criminalidade é normativa, e não fenomenológica), numa eterna luta maniqueísta.(Andrade. 1996, p. 276).

Os estudos sobre a institucionalização do adolescente apontam que

quanto mais cedo houver a institucionalização ou ainda, quanto maior o seu

tempo; maior será a referência em face da internalização, e ainda, podendo ser

a única referência em sua vida. Não se trata aqui de extirpar do sistema de

83

justiça juvenil a medida de internação, pois deve esta ser aplicada, mas

somente aos casos estritamente necessários, e não da forma instalada de hoje.

Busca-se o meio necessário e adequado para cumprimento dos objetivos do

Estatuto da Criança e do Adolescente.

4.6 – Do Garantismo Penal

Idealizado por Luigi Ferrajoli o garantismo penal consiste num conjunto de

teorias penais e processuais penais que tem como ideia a proteção naquilo que

se encontra positivado (direito válido). Ocorre que o garantismo não se resume

ao direito escrito em documentos, vai muito além disso, encontra seu pilar de

sustentação em direitos, privilégios entre outras conquistas universalmente

válidas, chamadas por Ferrajoli de “axioma”.

No que tange ao procedimento previsto no ECA, este não se desvincula

destas garantias. O paradoxo criado de que a apuração de ato infracional é

mais brando do que o destinado a apuração de crime cai por terra, devendo

sim o procedimento destinado aos adolescentes em conflito com a lei ser

também amparado pelo garantismo enfatizado por Ferrajoli, tais como os

princípios da ofensividade, da materialidade e da responsabilidade pessoal

como delimitadores do poder punitivo estatal.

Vale ressaltar que o garantismo não visa um Estado Antiliberal (situação

em que há abuso no direito de punir desrespeitando direitos e garantias já

conquistados); e nem busca um Estado Absolutista (situação em que ocorre

uma liberdade selvagem com carência de regras). Busca um modelo ideal em

que haja uma liberdade regrada, resguardando direitos e garantias e dando

proteção integral aos bens jurídicos protegidos de acordo com a legislação de

cada local.

Com o advento da CF/88 e com a promulgação do ECA, a criança e o

adolescente deixaram de ser objeto de justiça e passaram a ser sujeitos de

direitos, conforme já estudado no capítulo I deste trabalho; fazendo jus aos

axiomas mencionados por Ferrajoli.

84

Assim, todos os direitos e garantias destinados ao adulto, devem ser

também destinados a crianças e adolescente. Permitir que um adolescente

autor de ato infracional tenha tratamento mais severo do que um adulto que

praticou a mesma infração penal é de fato negar o dispositivo constitucional e

legal. Apenas a título de exemplo admite-se a atipicidade14 da conduta de um

adulto com base no princípio da insignificância15 (crime de bagatela); já a

mesma conduta praticada por um adolescente não se cogita a aplicação deste

princípio uma vez que o ECA procura atuar na formação psicossocial do

adolescente atentando para rechaçar a causa de ter o adolescente

transgredido a norma e não exclusivamente na repressão a esta transgressão.

Em que pese a aparente obviedade do raciocínio empregado pelo

garantismo penal sua aplicação ainda hoje é objeto de resistência por parte da

justiça; justificando sua atuação como medida travestida de “educativa”, se faz

substituir à família, a sociedade e impõe sua vontade. Fato este que em

diversas vezes foi levado a pauta dos tribunais superiores para sua correção o

que foi na sua maioria corrigido.

Vejamos alguns julgados neste sentido:

STJ – 5ª Turma – Julgado 17/08/2000

HC 12596 – “Tendo em vista tratar-se de privação de liberdade, devem ser aplicados aos jovens os mesmos princípios da detração que favorecem os imputáveis submetidos à prisão”.

STJ – 5ª Turma – Julgado 07/06/2001

HC 14738 RJ – Mesmo diante da contundente divergência entre a natureza cível ou penal do ECA, não se pode aplicar, neste, regras subsidiárias previstas no CPP que venham a prejudicar o adolescente.

Denota-se que para a eficácia do garantismo penal deve-se olhar o

ordenamento jurídico como um todo e não exclusivamente numa determinada

lei. Somente assim pode-se afirmar que o Estado, valendo-se da intervenção

mínima, faz-se um Estado justo.

14

O fato não é considerado crime por falta do preenchimento dos seus requisitos formais

15 Condutas totalmente inofensivas ou incapazes de ofender ao bem jurídico protegido

85

4.6.1 – Da Indisponibilidade da Ação Penal nos Atos

Infracionais.

A indisponibilidade da ação para os atos infracionais praticados por

adolescente evidencia-se mais uma forma de tratamento severo na apuração

de condutas proibidas, que, de modo diverso, ocorre na apuração de delitos

praticados por adultos pela adoção do princípio da disponibilidade da ação

penal em alguns casos.

Inicialmente cabe-nos explicar o significado de ação. Trata-se do direito

público subjetivo de pedir ao Estado, através do juiz, a aplicação do direito ao

caso concreto.

Esse ato de pedir a aplicação do direito sofre divisões de acordo com a

legitimidade que a lei atribuiu ao seu titular. Diante dessa titularidade a ação

pode ser: a) Ação Penal Pública, ou b) Ação Penal Privada.

A ação penal pública é subdividida em:

1) Ação Penal Pública Incondicionada – Nesta modalidade de

ação penal a titularidade é de exclusividade do Ministério Público,

agindo de ofício, não dependendo de nenhuma condição para

deflagrar a ação penal.

2) Ação Penal Pública Condicionada – Nesta modalidade de ação

penal a titularidade também é de exclusividade do Ministério

Público, porém, para que este possa deflagrar a ação deve obter

uma condição de procedibilidade, podendo ser uma

representação16 ou requisição17 do Ministro da Justiça.

16 É a manifestação de vontade externada pela vítima ou pelo seu representante, que constitui verdadeira condição de procedibilidade para o início da persecução penal. 17 É uma autorização de natureza eminentemente política que condiciona o início da persecução penal, sendo também uma condição de procedibilidade.

86

A regra é de que as ações penais sejam públicas incondicionadas, assim

quando o legislador desejar condicionar a ação do titular a uma condição de

procedibilidade, deve explicitar a necessidade do preenchimento desta

condição.

Por sua vez a ação penal privada também sofre subdivisões:

1) Ação Penal Privada (propriamente dita) - É aquela titularizada

pela vítima, ou por quem a represente na condição de substituição

processual, requerendo em nome próprio direito alheio, qual seja, o

direito de punir que é privativo do Estado.

2) Ação Penal Privada Personalíssima – É aquela titularizada por

uma vítima especificada pelo legislador, não admitindo a

substituição processual.

Estes critérios foram atrelados ao princípio da intervenção mínima do

Estado em que este deve interferir o mínimo possível na vida das pessoas;

devendo se preocupar e interferir somente com relação aos bens jurídicos mais

importantes e necessários para à vida em sociedade.

Diante deste raciocínio, o legislador diferenciou quais são os crimes em

que os bens jurídicos são mais importantes e reservou-os com a titularidade ao

representante do Estado e em relação aos demais crimes utilizou do princípio

supracitado para diferenciar em que grau a conduta do infrator pode afetar

mais o menos a vida em sociedade, especificando, quando assim entender,

quando a infração ainda continuará tendo como titular o Ministério Público,

porém dependendo de uma autorização da vítima para processar seu agressor,

ou quando o Estado deixará a cargo da própria vítima a função de pedir ao

Estado a aplicação do direito ao caso em concreto.

Ocorre que este mesmo critério não é adotado quando falamos de crimes praticados por adolescentes, pois o artigo 227 do ECA não diferencia quando o bem jurídico e de maior ou menor necessidade de proteção.

Vejamos:

Art. 227 - Os crimes definidos nesta Lei são de ação pública incondicionada.

87

Mais uma vez, sob o condão de se fazer valer na decisão do que é certo ou errado na condução do desenvolvimento do adolescente, o Estado avoca a responsabilidade de direcioná-lo.

Neste Sentido:

TJ-SC - Apelação Criminal APR 274548 SC 2002.027454-8 (TJ-SC) Data de publicação: 11/03/2003 Ementa: Ato infracional equivalente a lesões corporais de natura leve. Sentença extintiva do processo ante a ausência de representação do ofendido, bem como pelo fato de os infratores terem completado dezoito anos de idade. Existência, nos autos, de boletim de ocorrência pelo pai da vítima, noticiando as lesões e indicando os adolescentes como sendo os autores dos fatos. Peça, ademais, desnecessária para a deflagração do inquérito. Medida sócio-educativa. Vigência até vinte e um anos de idade. Interpretação dos arts. 121 , § 3º , e 122 , § 1º , ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente . Decisão cassada. A representação não exige formalidades, sendo bastante a comunicação dos fatos em boletim de ocorrência, onde, de forma inequívoca, o pai da vítima demonstra interesse na deflagração do inquérito. E, em se tratando de ato infracional, não se cogita sobre a natureza da ação penal, se pública, pública condicionada, ou privada, posto que as medidas previstas são do interesse do próprio representado, pelo que é desnecessária a apresentação de representação para o seguimento do feito. Da interpretação conjunta dos arts. 121 , § 3º , e 122 , § 1º , ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente , se conclui que as medias sócio-educativas têm vigência até o momento em que o representado completar vinte e um anos de idade. Assim, ainda que conte com dezoito anos quando da prolação da sentença, é viável a aplicação de quaisquer das medidas indicadas no estatuto mencionado.

Confrontando com o entendimento do ECA e da jurisprudência as “Normas de Riyad” (1990), enfatizam que se uma conduta não for considerada como crime quando cometida por um adulto, ou ainda, por qualquer outra forma este não seja punido; não pode o adolescente quando do cometimento da mesma conduta ser punido.

Diretrizes Das Nações Unidas Para Prevenção Da Delinqüência Juvenil Diretrizes De Riad 54. Com o objetivo de impedir que se prossiga à estigmatização, à vitimização e à incriminação dos jovens, deverá ser promulgada uma legislação pela qual seja garantido que todo ato que não seja considerado um delito, nem seja punido quando cometido por um adulto, também não deverá ser considerado um delito, nem ser objeto de punição quando for cometido por um jovem.

Pelo exposto a não aplicação da intervenção mínima do Estado na

titularidade para a propositura da ação penal fere a garantia conquistada pelo

adolescente de ser considerado sujeito de direitos.

88

4.6.2 – Da Prescrição do Ato Infracional

Demonstrado o caráter punitivo das medidas socioeducativas destinadas

aos adolescentes em conflito com a lei e do reconhecimento como sujeitos de

direitos, garantindo-lhes essa condição ao conceder-lhes os mesmos direitos

estabelecidos na lei penal para os adultos; a jurisprudência culminou por

reconhecer a perda da pretensão punitiva do Estado em decorrência do

decurso de tempo, aplicando-se o instituto da prescrição. Editando inclusive

súmula a respeito do tema.

Súmula 338 - STJ:

A prescrição penal é aplicável nas medidas sócio-educativas.

Neste sentido:

RESP 241.477 – A medida sócio-educativa, pois, também é punitiva. Mesmo a pena por crime, é sabido e proclamado na lei de execução penal, tem seu lado sócio-educativo: pune-se e tenta-se com a punição reeducar(...). Importante salientar as conseqüências jurídicas do caso sob análise, se a infração fosse aplicada por adulto imputável, aplicando-se as normas do Código Penal. Se o recorrido fosse imputável menor de vinte e um anos (...) já estaria de longe prescrita a pretensão punitiva do Estado. Destarte, não aplicar o Instituto da prescrição ao atos infracionais, injustos fundamentadores da atuação do Estado, significa criar situações bem mais severas e duradouras aos adolescentes do que em idênticas situações seriam impostas aos imputáveis, o que é de todo irrazoável. RESP 226370/SC As medidas sócio-educativas, induvidosamente protetivas, são também de natureza retributivo-repressiva, como na boa doutrina, não havendo razão para excluí-las do campo da prescrição, até porque, em sede de reeducação, a imersão do fato infracional no tempo reduz a um nada a tardia resposta estatal. O instituto da prescrição responde aos anseios de segurança, sendo induvidosamente cabível relativamente a medidas impostas coercitivamente pelo Estado, enquanto importam em restrições à liberdade. Tendo caráter também protetivo-educativo, não há porque aviventar resposta do Estado que ficou defasada no tempo. Tem-se, pois, que o instituto da prescrição penal é perfeitamente aplicável aos atos infracionais praticados por menores.

89

4.6.3 – Da Necessidade da Produção de Provas

O procedimento para apuração do ato infracional deve-se iniciar com a

representação ofertada pelo Ministério Público, vez que todas as ações

relacionadas à apuração de ato infracional se de natureza pública; tendo como

sequencia a apresentação do adolescente para autoridade judiciária com a

participação do representante legal.

Neste primeiro ato processual o adolescente poderá apresentar sua

versão sobre os fatos e, diante da possível aplicação de medidas restritivas de

liberdade, seja ela a internação ou a semiliberdade, deverá designar audiência

em continuação, devendo o adolescente fazer-se valer de defesa técnica

(defesa ofertada por profissional habilitado, hoje por advogado ou defensor

público), mesmo que neste ato tenho o adolescente confessado a prática do

ato infracional.

Não há que se falar em supressão desta audiência em continuidade, pois

esta servirá para a produção de provas, requisito essencial para um édito

condenatório, tornando-se imprescindível sua realização conforme o disposto

no artigo 186, §2º do ECA.

Vejamos:

Art. 186 (...)

§2º - Sendo o fato grave, passível de aplicação de medida de internação ou colocação em regime de semiliberdade, a autoridade judiciária, verificando que o adolescente não possui advogado constituído, nomeará defensor, designando, desde logo, audiência em continuação, podendo determinar a realização de diligências e estudo do caso.

Em muitas oportunidades, diante da confissão do adolescente, o

Ministério Público desiste da produção das demais provas e o magistrado por

sua vez, na audiência de apresentação, aplica a medida socioeducativa

restritiva de liberdade, independentemente da realização da audiência de

continuação. Essa conduta demonstra total desrespeito ao garantismo penal

aplicado a todos os sujeitos de direito, que frisa-se, inclui o adolescente em

conflito com a lei, e demonstra flagrante ofensa ao disposto no ECA.

90

Diante desta celeuma, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), acionado a

manifestar-se sobre o fato em questão reconheceu a nulidade desses

julgamentos em que a simples confissão do adolescente, por si só, servia de

base para a aplicação de medida socioeducativa restritiva de liberdade.

Neste Sentido:

HC n.º 41.409-SP – 5ª Turma – julgado 16/05/2005

Deve ser considerado, ainda, que, visualizada, durante a realização da audiência de apresentação, a possibilidade de aplicação ao adolescente de medida de internação ou colocação em regime de semiliberdade, os parágrafos 2º, 3º e 4º do art. 186 da Lei nº 8.069⁄90 determinam à autoridade judiciária a designação, desde logo, de audiência em continuação, bem como a abertura de vista dos autos para a apresentação de defesa prévia pelo defensor.

Passou-se então a questionar sobre a necessidade da audiência em continuação para a aplicada das medidas socioeducativas em meio aberto. Parte da doutrina posiciona-se no sentido da exigência do cumprimento do artigo 186, §2º do ECA somente nos casos de aplicação de medidas restritivas de liberdade. Fato que este entendimento não é o preponderante perante os tribunais superiores.

Situação que levou a edição da súmula 342 do STJ:

Súmula n.º 342 STJ

No procedimento para aplicação de medida sócio-educativa, é nula a desistência de outras provas em face da confissão do adolescente.

Vale ressalta que esta súmula se baseou em dez Habeas Corpus, sendo

09 (nove) originados de São Paulo (HCs nºs. 39.548; 42.747; 42.384; 42.382;

43.392; 40.342; 43.644; 43.657 e 44.275), e um originado do Rio de Janeiro

(HC n.º 32.342), este não se refere à aplicação da medida de internação, o

adolescente foi inserido em liberdade assistida após desistência da produção

de provas pelas partes diante da confissão do ato infracional pelo adolescente.

Em todos os casos o STF reconheceu a nulidade do procedimento tendo em

vista a ofensa ao contraditório e ampla defesa.

Segue transcrição do trecho do voto do Min. Ministro Jorge Scartezzini:

HC n.º 32.342 – 5ª turma - STJ - Julgado 17/05/2004.

Consta dos autos que, por ocasião da audiência de apresentação, o menor confessou o cometimento de ato infracional, tendo Ministério Público e defesa dispensado a produção de outras provas (fls. 105).

91

Em seguida, acusação e defesa procederam aos debates orais, sendo que, ao final, o MM. Juiz julgou procedente a pretensão ministerial, impondo ao adolescente a medida sócio-educativa de LIBERDADE ASSISTIDA (fls. 106).

No presente writ substitutivo, a defesa pugna pela anulação do procedimento, porquanto não teriam sido garantidos ao paciente os princípios do devido processo lega, da ampla defesa e do contraditório ante à realização una de audiência de apresentação, instrução e julgamento, impossibilitando a realização de alegações preliminares e produção de provas pela defesa, previstas no art. 186 do ECA.

Merece ser acolhida a irresignação.

Com efeito, ainda que a defesa tenha dispensado a produção probatória, tenho que aquela fora a primeira oportunidade em que a Defensoria Pública teve ciência dos autos, razão pela qual o d. Magistrado de primeiro grau haveria de proceder integralmente ao disposto no art. 186 do ECA, que visa assegurar a aplicação do devido processo legal, consagrado na Constituição Federal e corporificado nos princípios do contraditório e da ampla defesa, ex vi inciso LV do art. 5º da Carta Magna.

Em sendo assim, não andou bem o Magistrado de primeiro grau em obstar o processo, impossibilitando a produção de provas.

(...)

Seguindo essa linha de raciocínio, qualquer que seja a medida

socioeducativa a ser imposta ao adolescente, de caráter restritiva de liberdade

ou não, deve ser respeitado o contraditório e a ampla defesa; seguindo0se o

disposto no artigo 186, § 2º, do ECA, mesmo diante da confissão do ato

infracional por parte do adolescente e do menor caráter aflitivo da medida

socioeducativas a ser eventualmente imposta.

4.7 – Da migração do Sistema Binário para o Sistema

Multicautelar

Conforme estudado no capitulo anterior, antes do advento da lei 12.403

de 04 de maio de 2011, quando da apuração da infração penal fosse ela

cometida por adulto ou por adolescente; era conferido ao magistrado a

possibilidade de decretar a prisão cautelar para que o acusado ou

representado respondesse ao processo/procedimento recolhido em

estabelecimento adequado, ou restava-lhe a opção de conceder a liberdade.

92

Com a reforma do Código de Processo Penal introduzida pela lei

12.403/11 que alterou a sistemática da prisão cautelar e aumentou as opções

de medidas cautelares, todas elas de natureza não encarceradora, fez com que

o sistema de justiça comum (adulto), deixasse de ser um sistema binário

(composto apenas de duas opções), para ser um sistema multicautelar,

disponibilizando ao magistrado, além da possibilidade da prisão cautelar,

outras medidas que garantam a consonância entre as garantias já

conquistadas e o escopo do legislador.

São medidas cautelares diversa da prisão:

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;

IX - monitoração eletrônica.

Esta alteração não fez menção de aplicação no ECA, levando os

aplicadores do direito dogmáticos a enfatizarem que tais medidas são

destinadas apenas ao adultos, pois caso contrário teria o legislador

mencionado a extensão da aplicabilidade das medidas também para o ECA.

93

Em que pese os que entendem desta forma, não deve prosperar tal

entendimento, visto que os processo de descarcerização podem ser: a)

extradogmáticos ou extra-sistemáticos, dos quais deve se encarregar o Poder

Legislativos através da elaboração de leis; ou b) intradogmáticos ou intra-

sistemáticos, que deve ser incumbência do Poder Judiciário, podendo ser

aplicados imediatamente de acordo com as regras de interpretação do direito.

Assim como justificar um tratamento mais favorável ao adulto em

detrimento ao adolescente, vez que, este trata-se de pessoa em situação

peculiar de desenvolvimento. Tanto assim o é que os tratados dos quais o

Brasil é signatário são contundentes em determinar que o adolescente não

pode ter um tratamento pior do que o dispensado para um adulto. E ainda

enfatizam que deve-se evitar a qualquer custo a medida de restrição de

liberdade do adolescente, devendo esta ser aplicada em último caso, vez que

mostra-se excessivamente prejudicial e pouco eficaz do ponto de vista

ressocializador e pedagógico.

Vejamos:

STJ - HABEAS CORPUS 10679 - SP Data de publicação: 29/11/1999 Ementa: HABEAS CORPUS. ECA - ADOLESCENTE INFRATOR. PROGRESSÃO DE MEDIDA DE INTERNAÇÃO PARA LIBERDADE ASSISTIDA. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO PELO MP. PROVIMENTO PELO TRIBUNAL A QUO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. Constituindo a medida de internação verdadeira restrição ao status libertatis do adolescente, deve sujeitar-se aos princípios da brevidade e da excepcionalidade, só sendo recomendável em casos de comprovada necessidade e quando desaconselhadas medidas menos gravosas. No caso, o Magistrado de primeiro grau concedeu ao ora paciente a progressão à liberdade assistida com base em laudos técnicos e por entender que tal medida era necessária e suficiente à efetiva reintegração social do adolescente, estando a decisão sobejamente fundamentada, pelo que desmerecia censura do Tribunal local. Ordem concedida. Encontrado em: HC 10679 SP 1999/0082530-6 (STJ) Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA E DO ADOLESCENTE HC 11276 SP 1999/0104338-7 DECISÃO:14/03/2000 LEGALIDADE, PROGRESSÃO DE MEDIDA

Corroborando com este entendimento temos as Regras Mínimas das

Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude

(Regras de Beijing):

94

Regras Mínimas Das Nações Unidas Para A Administração Da Justiça Da Infância E Da Juventude - Regra De Beijing (2008)

13 - Prisão preventiva 13.1 Só se aplicará a prisão preventiva como último recurso e pelo menor prazo possível. 13.2 Sempre que possível, a prisão preventiva será substituída por medidas alternativas, como a estrita supervisão, custódia intensiva ou colocação junto a uma família ou em lar ou instituição educacional.

Reafirmando o entendimento de que deve-se evitar a internação de

adolescentes a todo custo, temos as Regras das Nações Unidas para a

Proteção dos Menores Privados de Liberdade ( Regras da Havana):

Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Menores Privados de Liberdade - Regras da Havana (1990) (...) I - PERSPECTIVAS FUNDAMENTAIS 1. O sistema de justiça de crianças e adolescentes deve respeitar os direitos e a segurança dos jovens e promover o seu bem-estar físico e mental. A prisão deverá constituir uma medida de último recurso. 2. Os adolescentes só devem ser privados de liberdade de acordo com os princípios e processos estabelecidos nestas Regras e nas Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude (Regras de Beijing). A privação de liberdade de um adolescente deve ser uma medida de último recurso e pelo período mínimo necessário e deve ser limitada a casos excepcionais. A duração da sanção deve ser determinada por uma autoridade judicial, sem excluir a possibilidade de uma libertação antecipada. (...) III - adolescentes SOB DETENÇÃO OU QUE AGUARDAM JULGAMENTO (...) 17. Os adolescentes que estão detidos preventivamente ou que aguardam julgamento (não julgados) presumem-se inocentes e serão tratados como tal. A detenção antes do julgamento deve ser evitada, na medida do possível, e limitada a circunstâncias excepcionais. Devem, por isso, ser feitos todos os esforços para se aplicarem medidas alternativas. No entanto, quando se recorrer à detenção preventiva, os tribunais de adolescentes e os órgãos de investigação tratarão tais casos com a maior urgência, a fim de assegurar a mínima duração possível da detenção. Os detidos sem julgamento devem estar separados dos adolescentes condenados. RHC 7447/SP - STJ – 6ª Turma – Julgado 28/05/1998 RHC - ECA - INTERNAÇÃO - A INTERNAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E MEDIDA EXTREMA, RECOMENDAVEL SOMENTE QUANDO DESACONSELHADAS AS MENOS RIGOROSAS.

Embasado nestes protocolos o próprio STJ vem julgando os casos

concretos com base nestes fundamentos:

95

HC 19848/SP – STJ – 5ª Turma – Julgado 14/05/2002 HABEAS CORPUS. ADOLESCENTE INFRATOR. MENOR IMPÚBERE. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. INTERNAÇÃO. MEDIDA QUE, NO CASO CONCRETO, MOSTRA-SE EXCESSIVA. Embora a prática de ato infracional equiparado ao atentado violento ao pudor justifique, em tese, a aplicação da medida sócio-educativa de internação com fulcro no art. 122, I, do ECA, verifica-se excessiva a aplicação de tal medida ao menor impúbere (12 anos), sem antecedentes infracionais, com família estruturada e estudante, em nada contribuindo a internação, neste momento, para a sua ressocialização. In casu, suficiente, tanto para resguardo da sociedade como para a recuperação do menor, a fixação da medida sócio-educativa de liberdade assistida com acompanhamento psicológico, eis que a teor do disposto no art. 122, § 2º, do ECA "em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada". Ordem concedida.

Apenas a título de argumentação é comum verificarmos a expressão: “havendo outra medida adequada”, quando dos julgamentos e em tratados em que o Brasil é signatário, ocorre que antes de maio de 2011 não haviam outras medidas mais adequadas; hoje existem e devem ser aplicadas.

96

Considerações Finais

A internação, ainda que por um curto espaço de tempo, traz

consequências ao adolescente que se encontra ainda em formação da sua

personalidade. Dependendo do tempo ou do momento da institucionalização do

adolescente, este poderá perder a sua identidade (perdimento do “eu”),

internalizando a lógica institucional que não são as regras de comportamento

utilizadas no convívio social fora das instituições.

Como consequência desta internação, poderá o adolescente não mais ser

aceito nos padrões de convivência fora das instituições, causando o retorno ao

convívio institucional, seja pelo reabrigamento ou pelo aprisionamento, em

decorrência da relação que ele possui com o modelo de convivência existente

naquele local; não tendo para ele caráter de punição ou de ressocialização.

Quando se trata de internação provisória, deve-se ter maior cautela, pois

pode ser este o fator determinante da inserção ou manutenção do adolescente

na criminalidade. Devendo assim ser a medida de internação aplicada com

extrema ratio18, reservada apenas para os casos de extrema necessidade.

Fazendo um comparativo entre a consequência da internação do

adolescente em conflito com a lei e o adulto preso Lélio Braga Calhau (2009),

explana sobre a prevenção terciária do delito e enfatiza bem a consequência

pós- institucionalização:

O indivíduo que supera esse calvário de dor e sofrimento ao fim da

pena encontra outro obstáculo para os que frequentam esses

programas. A sociedade não lhe dá emprego. Por mais que o mesmo

tenha se qualificado em oficinas nos presídios, o estigma de ex-

presidiário lhe impinge uma marca moral e o impede de conseguir um

emprego, ou melhores oportunidades sociais. (Calhau. 2009, p. 93).

Corroborando com esse entendimento a pesquisadora Sirlei Fátima

Tavares Alves (2005) publicou sua pesquisa que buscou por meio de

diagnóstico psicológico evidenciar as alterações na psicodinâmica dos

adolescentes privados de liberdade, bem como os aspectos afetivo-emocionais

18

Razão

97

desses adolescentes no início da internação e seis meses após a passagem

pela FEBEM-SP.

Nesta pesquisa ficaram evidenciados dois aspectos de extrema

importância para a formação do adolescente, são eles: a) “as interações

interpessoais na família desses jovens tendem para o empobrecimento do

diálogo e das trocas afetivas”; b) “O tempo de internação não é sem

consequência, uma vez que se observou uma acentuação da presença de

mecanismos de defesa mais regredidos na relação com o meio, com um

predomínio da pulsão de morte”.

E ao final conclui:

“Conclui-se assim que esses sujeitos não foram auxiliados por esse tipo de internação, que não os ajudou na re-significação de seus atos delitivos. A internação prejudicou a adaptação social e agravou o estado emocional dos adolescentes. Não possibilitou a eles o deslocamento para novas nomeações, para um canal de simbolização e re-significação no envolvimento com atos delitivos, uma vez que a instituição continuou cristalizando a cronificação desses adolescentes pelo nome pelos quais são reconhecidos seres infratores”. (ALVES. 2005, p. 212).

Diante desta constatação pode-se concluir que as instituições que

objetivam alterar o comportamento desviante, na realidade, operam de forma

diretamente inversa, perpetuando-o. Tendo o Estado falhado na prevenção do

crime, passa a atuar agora na repressão a este. Em especial atenção ao

adolescente em conflito com a lei, quase que como uma regra, desrespeitado

na formação do seu caráter, desprovido da atenção destinada a ele em

tratados internacionais, na própria CF, aparece agora o Estado, assumindo o

papel de gestor da vida do adolescente procurando corrigi-lo através da

internação.

Ledo engano esse achismo oportunista e quando não eleitoreiro o discurso de aumento do tempo de internação, recrudescimento das medidas socioeducativas e até mesmo a bandeira levantada pelos grupos mais radicais pela redução da maioridade penal, achando que com a restrição da liberdade do adolescente em conflito com a lei, incluindo-o nos programas de ressocialização impostos pelo Estado disponibilizados, faria com que o adolescente se envergasse as normas sociais adequadas.

98

Apenas a título de ilustração, Gomes (2012) no artigo publicado na revista especializada Visão Jurídica, trata do tema “Violência EUA Vs Brasil – À medida que o encarceramento diminuiu nos Estados Unidos, também decresceram os índices de violência. O contrário pode ser observado no Brasil”.

Neste artigo o autor comenta que nos últimos dez anos em Nova York o encarceramento caiu 32% (trinta e dois por cento). Nos mesmos dez anos o aumento da população carcerária foi de 5% (cinco por cento). Ou seja, como explicar a diminuição de prisões com a diminuição de crimes!

O prefeito da cidade de Nova York, Michael Bloomberg, explica a equação. Utilizou-se de táticas efetivas da polícia para prevenir o crime e a expansão de programas sociais em matéria de justiça. Enfatiza que muitas pessoas acreditam que a única maneira de frenar o crime é o encarceramento massivo. Alega: “a exitosa prevenção do crime e o freio aos ciclos da atividade criminosa podem salvar milhares de pessoas que iriam para a cadeia”

Questiona o autor em seu artigo: “No Brasil, o que estamos fazendo? Acelerando nossa fábrica de encarceramento massivo. Continuamos fechando escolas e abrindo presídios”.

Apresenta números de forma espantosa. “Na ultima década (2003/2012), houve um aumento de 78% no montante de encarcerados do país, contra 5% nos EUA (tidos como o mais encarcerador país do mundo)”.

Conclui o artigo afirmando Gomes (2012): “o Brasil é um exemplo de encarceramento massivo que não diminuiu a criminalidade nem a sensação de insegurança da população”.

Diante deste exemplo fica fácil evidenciar as consequências da internação de adolescentes em conflito com a lei. Estaria a internação chancelando o destino deles? Parece-nos que esse discurso de que retirando o adolescente infrator da sociedade estaria dando-lhe nova oportunidade de ressocialização, ou de socialização dependendo do caso em concreto, não é o caminho a ser percorrido para uma sociedade mais segura e nem mesmo para minar a cogitação por parte dos adolescentes na criminalidade.

Vale lembrar que o ECA inaugurou a etapa chamada garantista, sendo

regido pelo princípio da proteção integral. Os antigos Códigos de Menores

correspondem à etapa anterior, denominada de etapa tutelar, que encontrava

respaldo na doutrina da situação irregular.

Lei 8.069/1990 (ECA), elaborada em perfeita consonância com a

orientação jurídica internacional, que positivou determinados valores na

99

Convenção dos Direitos das Crianças. Transformam-se em sujeitos de direitos

e deixam de ser considerados objetos de tutela.

Em que pese à utilização da expressão “crianças e adolescentes”, ao

invés de “menores em situação irregular” pretende-se extirpar preconceitos que

estavam enraizados na cultura. Porém, mesmo dentro do sistema de justiça

esse estereótipo não deixou de existir na prática.

De fato é possível constatar que o Estatuto da Criança e do Adolescente

ainda mantém certa semelhança com a antiga legislação, vez que, prevê

atuações anteriores à prática delitiva. Basta verificar a possibilidade de atuação

preventiva em face do cometimento do ato infracional. Porém não através de

exclusão dos adolescentes, mas por meio de políticas públicas. Neste ponto

agiu bem o legislador ao fazer as prevenções primárias e secundárias.

100

Conclusão

“Nas épocas de crise, a questão social se torna mais evidente, como

desafio e urgência.” (Ianni, 1991, p. 02). Ianni enfatiza que especialmente nos

momentos de crise se agudizam as formas como a sociedade percebe e

enfrenta a questão social e, no momento atual se coloca como “crise” a

questão do adolescente infrator e sua imputabilidade.

Episódios recentes envolvendo adolescentes criaram supostamente uma

crise, ressurgindo o debate sobre a redução da maioridade penal no Brasil,

dando à questão características de desafio e urgência. É necessário, porém

avaliar em que medida esta é uma crise real e fundamentada. É necessário

avaliar qual a proporção em que os adolescentes aparecem como principais

responsáveis na criminalidade, e também qual a proporção de crimes graves

entre os atos infracionais que envolvem adolescentes.

Pelo enfoque dado pela mídia aos crimes praticados com o envolvimento

de adolescentes, aparentemente, nota-se um aumento significativo. Ocorre que

essa não é a realidade, pois o que há é um maior destaque da mídia sobre

esse prisma. Dados da Secretaria de Segurança Pública do Ministério da

Justiça revelam que menos de 1% (um por cento) dos crimes foram cometidos

por pessoas que possuem entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos de idade.

(Brasil, 2013).

Visando restringir o campo de análise desta pesquisa buscou-se nos

registros da fundação CASA, dados sobre a internação provisória, que retratam

que em maio de 2012, 1.909 (um mil novecentos e nove) adolescentes foram

internados provisoriamente e no mesmo mês de 2013 foram registrados 2000

(duas mil) internações. Ou seja, houve o aumento de 91 internações o que

equivale a 0,95%, menos de 1% de aumento nas internações provisórias.

(Fundação CASA, 2003a). Estes dados fazem com que este trabalho se torne

especialmente relevante na conjuntura atual. Ao contrário do clamor por

punição e vingança com que a sociedade reage a esta suposta crise, queremos

analisar com cuidado algumas outras formas de lidar com ela de forma a evitar

o seu agravamento.

101

Enfatizando que este procedimento evitaria a estigmatização do

adolescente por conta da internação provisória, preservando-o no seu meio,

furtando-se de um inconformismo natural diante de qualquer tipo de limite que

se lhe oponha e consequentemente desencadeando uma reação violenta

indiscriminada. Evitando-se ainda a estigmatização que muitas vezes são a

mola propulsora para a manutenção do adolescente no mundo do crime, mas

também busca demonstrar esta pesquisa que, embora o ECA seja considerado

uma lei desbravadora e muito evoluída para sua época, ainda restam em seu

bojo e no procedimento aplicado junto as varas da infância e juventude

resquícios da doutrina da situação irregular.

Adolescentes são encaminhados para a internação provisória de

maneira abusiva gerando consequências danosas. Sob este aspecto verifica-se

que, na apuração de ato infracional, o adolescente tem a opção de responder

ao procedimento em liberdade ou internado. Fato é que para a apuração de

crime cometido pelo adulto, o legislador concedeu maior benefício. Para ele (há

previsão da possibilidade do agente responder ao processo: a)preso; b) em

liberdade com ou sem fiança e c) em liberdade sob medidas cautelares

diversas da prisão previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal (CPP).

Em havendo a doutrina da proteção integral, ocasião em que tem-se

como escopo o melhor tratamento para o adolescente, como justificar um

tratamento mais severo para este em relação ao adulto. Em sendo o Brasil

signatário das Regras Mínimas das Nações Unidas para Administração da

Justiça de Menores (Regras de Beijing), não poderia dispensar tratamento

diferenciado de forma mais gravosa ao adolescente do que ao adulto.

Em sendo possível, quando da apuração de infração penal pelo adulto a

aplicação de medida cautelar diversa da prisão, por que não é dispensado para

o adolescente o mesmo tratamento? Estaríamos falando de lacuna legislativa

ou simplesmente a falta de aplicação por parte dos magistrados!

A temática desta dissertação versa sobre as consequências

ocasionadas ao adolescente quando da sua passagem pelo sistema de justiça,

especificamente quando da internação provisória e sobre os seus efeitos

perante a sociedade e a sua interferência nos espaços de convivência do

adolescente.

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A fim de se evitar essas consequências a hipótese levantada seria a

aplicação de medidas cautelares diversas da internação, assim como no

tratamento do adulto, evitando-se a sua prisão quando da prática de crimes.

Essa necessidade se instala como forma de prevenção criminológica, pois o

indivíduo, ainda que absolvido pela justiça, acaba rotulado como delinquente o

que lhe imprime uma tatuagem moral perante a sociedade dificultando o seu

engajamento no convívio social.

Considerando tudo o quanto analisado nos capítulos anteriores verificou-

se que o envolvimento do adolescente na criminalidade é fato indiscutível,

porém, inserindo o adolescente numa instituição total com a intenção de

garantir a ordem pública ou até mesmo para a proteção deste ser em situação

peculiar de desenvolvimento não parece ser a medida mais adequada.

Vale ressaltar que não se busca a extinção da medida cautelar de

internação provisória, mas que ela seja utilizada como extrema ratio da última

ratio. Visto que esta medida restringe o direito fundamental do indivíduo o seu

direito de locomoção.

Não se pode ouvidar que prisões e casas de internação são

instrumentos adequados para a recolocação do indivíduo que desviou do seu

comportamento dito adequando no seu eixo. As medidas de internação ainda

que provisória, nada mais são do que a efetiva restrição de liberdade em

estabelecimento próprio destinado a isso, onde convivem somente

adolescentes que praticaram atos infracionais. Apesar das diferenças

existentes entre as cadeias e as instituições destinadas à internação de

adolescentes, a semelhança em sua essência é muito grande, pois não fogem

de suas características de instituições totais.

As normas internacionais como as Regras de Beijing e as Regras de

Riad e Havana, determinam que o tratamento dispensado ao adolescente em

conflito com a lei seja pedagógico/ressocilizador, e evidentemente que hoje o

tratamento é retributivo/punitivo. Destacando o desrespeito aos direitos

adquiridos.

A jurisprudência vem firmando entendimento de que a internação do

adolescente, mesmo na chamada internação provisória, deve ser aplicada com

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reservas, em que pese o ECA tenha explicitado apenas as regras gerais de

acautelamento, não se pode ignorar que, com base nas regras internacionais

em que o Brasil é signatário e ainda com base na legislação interna e na

própria Constituição Federal de 88, a regra é que o indivíduo permaneça em

liberdade, sendo a sua restrição a exceção.

A restrição da liberdade dos indivíduos demonstrou não ser a medida

eficaz para a solução da criminalidade no nosso país. Diante desta premissa o

legislador criou medidas diversas da prisão, para que, quando o adulto venha a

praticar crime, ele possa ser processado e eventualmente punido, sem que

necessite que sua liberdade seja segregada. Ocorre que tal medida não foi

inserida no ECA o que demonstra um tratamento diferenciado quando o fato é

praticado pelo adulto, ou quando o fato é praticado pelo adolescente.

Por fim esta dissertação deixa como legado a analise da utilização da

medida cautelar de internação provisória, pois a fim de se evitar a internação

do adolescente não haveria a necessidade de criação de lei alterando o ECA,

mas sim a possibilidade de aplicação das regras previstas no artigo 319 do

CPP para o sistema de justiça juvenil no que couber.

104

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Anexos

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