Era uma vez uma boca - conto

3
Era uma vez uma boca CONTO Texto: Elisa Foulquié (11º A, AEMS-Aveiro) Ilustração: Mafalda Pires (9.º C, AEMS-Aveiro) Era uma vez uma boca. Nesta boca viviam a língua e os dentes. Eram personagens muito egocêntricas: a língua achava que, por conseguir comunicar com o mundo exterior, era alguém muito importante e, os dentes achavam que se tratavam de verdadeiras pérolas raras e preciosas e, por isso, melhores que a língua. Um dia, a língua, cheia de si mesma, disse aos dentes: - Ora escutem lá, caríssimos, encontramo-nos no festival do chocolate e dos produtos escandalosamente doces! Ora não acham isto chique? - Chocolate? Produtos doces? Oh não! Outra vez não! – Disseram os dentes em coro. - Ai o que é, seus chatos? – Perguntou a língua muito afetadamente. - Mas tu não te lembras daquele dia? Até parecia que te estavam a matar! - De que dia estão vocês a falar?!

Transcript of Era uma vez uma boca - conto

Page 1: Era uma vez uma boca - conto

Era uma vez uma boca CONTO

Texto: Elisa Foulquié (11º A, AEMS-Aveiro)

Ilustração: Mafalda Pires (9.º C, AEMS-Aveiro)

Era uma vez uma boca. Nesta boca

viviam a língua e os dentes. Eram

personagens muito egocêntricas: a

língua achava que, por conseguir

comunicar com o mundo exterior, era

alguém muito importante e, os dentes

achavam que se tratavam de

verdadeiras pérolas raras e preciosas e, por isso, melhores que a língua.

Um dia, a língua, cheia de si mesma, disse aos dentes:

- Ora escutem lá, caríssimos, encontramo-nos no festival do chocolate e dos produtos

escandalosamente doces! Ora não acham isto chique?

- Chocolate? Produtos doces? Oh não! Outra vez não! – Disseram os dentes em coro.

- Ai o que é, seus chatos? – Perguntou a língua muito afetadamente.

- Mas tu não te lembras daquele dia? Até parecia que te estavam a matar!

- De que dia estão vocês a falar?!

Page 2: Era uma vez uma boca - conto

- Da nossa primeira consulta do dentista. Ai, nem sei onde tens a cabeça! No entanto,

como vejo que não te estas a lembrar, vou-te contar como tudo aconteceu.

Tudo começou com o berro do dente molar esquerdo do maxilar superior. Nós, os

restantes dentes, ficámos todos sem saber o que fazer por isso gritámos também.

Lembro-me perfeitamente como nos colocaste a todos na linha dizendo:

- Mas que vem a ser isto? Quem ousa perturbar o meu sono de beleza?

Todos nos calámos, com medo do que poderia acontecer. Todos menos o molar

esquerdo do maxilar superior. O coitado só ui e ai conseguia dizer:

- Ai, desculpe, ui, mas não posso evitar, ai, dói-me aqui dentro, ui.

- Nem ai nem ui! Ora espera lá que eu vou comunicar ao senhorio a situação.

E lá falaste com o nosso senhorio, o dono da boca onde moramos, que nada contente

te respondeu que iríamos ao dentista nessa mesma tarde:

- E o que é essa coisa do dentista? – Perguntámos nós com receio.

Tu, muito atrapalhada, respondeste aos trambolhões:

- Bem, o dentista é…aquele que possui dentes e istas.

- Istas? E isso o que é?

- Ai, mau, mau! Vocês são uns incultos! Nota-se que a isolação com o exterior vos faz

mais propensos á ignorância crassa!

E não se falou mais nisso.

A partir daqui, só nos lembramos de uma luz - uma luz branca e dolorosa – e de ti,

língua, aos pulos e aos gritos:

Page 3: Era uma vez uma boca - conto

- Ai Jesus! Ai valha-nos Nossa Senhora! Estão a enfiar-nos instrumentos na nossa

residência! Ai que me querem matar! Não sinto nada, sinto-me dormente e…

E depois disso já não conseguimos perceber nada nem ouvir nada. Pensamos que

desmaiaste do susto.

Assim que a consulta acabou, tu voltaste a ti:

- Ora, caríssimos, não se alarmem: parece que a partir de agora vamos ter de ser mais

asseados, ter mais cuidado com o que ingerimos. Nem tudo pode ser chocolate nem

doces.

- Ai não? Que pena… Mas, se tivermos cuidado, não vamos voltar a ter um susto como

agora?

- Claro que não. É só lavarmo-nos muito bem e já está.

- E então, língua, já te lembras? – Perguntámos nós ansiosos.

- Claro que sim. Que dia horrível! Nunca mais meto os pés lá. Onde é que já se viu

tratarem uma celebridade como eu daquele modo?! Ai, estamos bem estamos.

- E o que pensas fazer para sair daqui?! Deste festival do chocolate e dos produtos

escandalosamente doces…

- Já sei! Gritem todos com muita dor e sentimento e, assim, o nosso senhorio vai

pensar que precisámos do dentista outra vez e irá sair daqui!

- Bela ideia, língua!

E assim foi como nos livrámos – os restantes dentes, a língua e eu – de mais uma

cárie incomodativa. Espero que tenham gostado tanto de ler a história como eu gostei

de a escrever.