Equipes Multiprofissionais 2

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1 Data 24/10/2013 Mesa: Equipes Multiprofissionais. Boa noite. Meu nome é Izis Morais. Eu gostaria começar agradecendo pela oportunidade de conversar com vocês neste espaço sobre algo que é muito caro. O tópico a ser debatido nesta mesa é a formação acadêmica, os desafios e as potencialidades criadas e colocadas ao Serviço social. Ao pensar sobre o que falar hoje, eu fui gentilmente lembrada em uma conversa com um dos nossos estagiários, há cerca de um mês, que este ano eu completo 10 anos estudando e trabalhando com o tema da violência contra mulheres. Ao mesmo tempo que é uma conquista – uma DÉCADA –, revela uma tristeza: igualmente uma década se passou em que a violência contra mulheres permanece no espaço familiar, este que deveria representar amor, afeto, segurança. Mas, é claro, que depois de todos esses anos, algumas mudanças ocorreram. E uma das principais mudanças foi o reconhecimento da necessidade de atuação conjunta, permanente e crítica, de intervenção nas relações sociais que produzem e mantêm a violência como estratégia de pedagogia cultural. Não me entendam mal: de forma alguma eu diria que o problema é “a cultura”, de forma genérica. Até porque, geralmente quando culpamos “a cultura” ou

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PAGE 4Data 24/10/2013Mesa: Equipes Multiprofissionais.

Boa noite. Meu nome Izis Morais. Eu gostaria comear agradecendo pela oportunidade de conversar com vocs neste espao sobre algo que muito caro. O tpico a ser debatido nesta mesa a formao acadmica, os desafios e as potencialidades criadas e colocadas ao Servio social. Ao pensar sobre o que falar hoje, eu fui gentilmente lembrada em uma conversa com um dos nossos estagirios, h cerca de um ms, que este ano eu completo 10 anos estudando e trabalhando com o tema da violncia contra mulheres. Ao mesmo tempo que uma conquista uma DCADA , revela uma tristeza: igualmente uma dcada se passou em que a violncia contra mulheres permanece no espao familiar, este que deveria representar amor, afeto, segurana. Mas, claro, que depois de todos esses anos, algumas mudanas ocorreram. E uma das principais mudanas foi o reconhecimento da necessidade de atuao conjunta, permanente e crtica, de interveno nas relaes sociais que produzem e mantm a violncia como estratgia de pedagogia cultural. No me entendam mal: de forma alguma eu diria que o problema a cultura, de forma genrica. At porque, geralmente quando culpamos a cultura ou falamos que algo cultural esquecemos de quem a produz. Tal culpabilizao parece dar a falsa impresso de que somos contra cultura e parecer negar falsamente a importncia que os smbolos e os significados coletivos possuem nas nossas vidas. Ao dizer isso, posso comear a me posicionar, a marcar o lugar de onde eu falo, de qual lugar produzo e compartilho conhecimento. Eu poderia falar que sou uma interseo: sou graduada em Servio Social e segui minha formao acadmica pela Antropologia. Estou completando meu segundo ano de doutorado com a certeza de que essa interlocuo foi uma boa escolha. Se a especializao scio-tcnica dos saberes e das profisses uma demanda potencializada pelo aprofundamento do modo de produo capitalista, h a certeza de que demarcaes entre entre as cincias e as disciplinas so cada vez mais fluidas. Para quem trabalha na interveno social, se emaranhar em outros espaos tericos se torna o comum. Mesmo na especificidade, as profissionais so levadas a estabelecer laos de interao e interligao com outros campos para ampliar a capacidade de compreenso da(s) matria(s) sobre a(s) qual(is) atuam.Provavelmente, todas ns que estamos nessa sala somos contadoras de histrias. E isso no nos torna menos relevantes: ao contar histrias, as construmos. uma relao simultnea: ao falar e escrever produzimos essas histrias: as nossas e as alheias. E a partir deste ponto que podemos pensar com seriedade o que pode significar trabalhar em equipes multiprofissionais. Para alm de agregar profisses, precisamos pensar em quais discursos (e realidades) ns produzimos. E quais efeitos so produzidos nas nossas relaes sociais. Aqui, trago um debate inspirado em Michel Foucault, quando o autor argumenta que, a priori, estes discursos e realidades no so nem verdadeiros, nem falsos. A discusso terico-metodolgica foucaultiana (chamada por ele de arqueolgica) se ope a uma linha de pensamento estabelecido, at 1968, em que a funo dos cientistas sociais seria descobrir verdades que estariam encobertas, como se a vida social fosse previamente dividida entre falsidade x veracidade, e como se a a histria humana seguisse um esquema acumulativo linear: descobre-se a verdade que seria pr-existente e ela se torna efetiva. Eu concordo com algumas ideias do Foucault. Para ele, ao contrrio, as transformaes sociais, morais, culturais no so lineares e no obedecem a este esquema evolutivo-acumulativo. E isto tem impacto direto em pensar que a ideia de verdade no prvia aos processos de construo dela mesma. Nessa linha de pensamento, no existem saberes desconectados de quem e das foras coletivas que os produziram. No existe um conhecimento que no seja poltico. O par saber/poder, muito usado nas discusses jurdicas, representa esta perspectiva: a verdade inventada, fabricada por algum.Comumente, este par conceitual entendido como uma equao linear: quem sabe, possui poder. Pensamos que quem possui conhecimento, possui a capacidade de determinao de si e dos eventos. Mas, a lgica inversa: quem tem poder determina o que pode ter estatuto de verdade/legitimidade. Ela no existe fora do poder. Reconhecer que a verdade o poder atuando, possibilita perceber os caminhos, as entranhas, como incorporamos comportamentos, gestos, formas de agir e de pensar especficos. Permite ver os passos de como nos normalizamos, como nos encaixamos nessas regras que, no naturais, somos obviamente ns mesmos que criamos. A mudana da chave compreensiva de quem sabe, pode para quem pode, sabe tem implicaes para quem est na esfera sociojurdica, reguladora contempornea dos conflitos. E talvez, pelo que eu vejo, a implicao mais impactante dessa transformao de perspectiva, permitir que questionemos as fronteiras institucionais, questionemos os papis profissionais e possamos alargar as possibilidades de explicaes para as situaes conflituosas, violentas e/ou criminosas. O que tomamos como verdade aquilo que sobreviveu a um percurso - como de devemos nos comportar, por exemplo - e esconde os caminhos traados. Ontem e hoje, foi colocado que "Somente processo judicial/penal no suficiente" no que tange a violncia domestica contra mulheres. A atuao em equipes multiprofissionais, que tendam interdisciplinaridade, um incremento necessrio nas estruturas organizacionais quando se reconhece que os saberes no esto compartimentados, pelo menos no esto to enclausurados em pequenas caixas separadas. A realidade que fazemos tambm no est. Uma das contribuies dessa configurao de equipes propiciar dilogos, criar formas de conhecer que levem em considerao a tentativa de perceber as totalidades, e fazer um esforo para que as relaes socioafetivas - que incluem as relaes de trabalho - sejam simetrizadas, equalizadas. E que a partir do momento em que passamos a produzir saber assim, com conscincia de seu carter poltico, passamos ter mais cuidado com quem vem ao nosso encontro: a equidade, ou a tendncia a ela, se torna o comum. Por fim, gostaria de dizer que nosso papel aumentar o volume de vozes abafadas pelos nossos enquadramentos hierrquicos que geram, sim, sofrimento.